A revolução tropicalista e sua influência na música brasileira
1.
2. O universo musical brasileiro estava saindo dos
embalos da bossa nova, quando mergulhou num
movimento cultural contestador e vanguardista, em
plena década de 60, a Tropicália ou Tropicalismo. O
país estava recém-dominado pela ditadura militar, em
plena efervescência social e política, lutando contra a
presença dos militares no poder, contra as sementes
iniciais da censura. Embora prestes a enfrentar um
regime endurecido, após um golpe dentro do golpe,
realizado em 1968 pela ala mais conservadora do
Exército, através da promulgação do Ato Institucional
número 5, o famoso AI-5, a geração dos Centros
Populares de Cultura, da Arena, dos movimentos
estudantis, continuava a pleno vapor no exercício de
uma energia criativa que parecia inesgotável.
3. A Tropicália, ou Tropicalismo, surgiu em 1967.
Um grupo de artistas, cantores, poetas e
compositores se reuniram para trazer algo
novo para o cenário artístico brasileiro. E
conseguiram.
4. Diferentemente da Bossa Nova, que introduziu
uma forma original de compor e interpretar, a
Tropicália não pretendia sintetizar um estilo
musical, mas sim instaurar uma nova atitude:
sua intervenção na cena cultural do país foi,
antes de tudo, crítica.
A revolução da Tropicália não foi apenas
musical; as mudanças aconteceram também
nas artes gráficas e no design de objetos e
roupas.
5. É neste contexto que nasce o movimento
tropicalista, sob a inspiração da esfera pop local
e da estrangeira, principalmente do pop-rock e
do concretismo. A tropicália era o espelho do
sincretismo brasileiro, pois mesclava em um
único caldeirão as mais diversas tendências,
como a cultura popular brasileira e inovações
extremas na estética. Ela pretendia subverter as
convenções, transgredir as regras vigentes,
tanto nos aspectos sócio-políticos, quanto nas
dimensões da cultura e do comportamento.
6. O Tropicalismo misturou rock, bossa nova, samba,
rumba, bolero e baião. A ordem era experimentar,
considerar várias possibilidades em todos os
sentidos. O disco que deixa isso bem claro é a obra
coletiva Tropicália ou Panis et Circensis, que
reuniu todos os principais cantores, compositores e
maestros do movimento no mesmo disco. Muito
da Tropicália também pode ser encontrado nos
primeiros discos de Gilberto Gil e Caetano Veloso,
onde se encontram clássicos da época, como as
canções-manifesto “Tropicália” e “Geléia Geral”.
7. Os festivais da Record simbolizaram naquele momento
a arena na qual estes antagonismos mais se traduziram,
gerando controvérsias e empolgando platéias,
divididas entre seus ídolos e sonhos distintos. Nestes
palcos vieram à luz canções como Alegria, Alegria, de
Caetano, e Domingo no Parque, de Gilberto Gil, na
terceira versão deste famoso festival, em 1967. As
posições do público eram acirradas, já que muitos dos
presentes eram estudantes de esquerda, que viam no
uso de guitarras e no rock símbolos do domínio dos
EUA. Mas o júri e uma boa parte dos que
testemunhavam este momento histórico, de seus
lugares no auditório, receberam muito bem esta
novidade. Assim, a composição de Gil tornou-se vice-
campeã, ao lado da vencedora Ponteio, de Edu Lobo e
Capinam, enquanto Alegria, Alegria, embora tenha
ocupado o quarto lugar, virou campeã de execução nas
rádios brasileiras.
8. O movimento passou a ser chamado de tropicalista a partir
de 5 de fevereiro de 1968, dia em que Nelson Motta
publicou no jornal Última Hora um artigo intitulado "A
Cruzada Tropicalista". Nele, o repórter anunciava que um
grupo de músicos, cineastas e intelectuais brasileiros
fundara um movimento cultural com a ambição de alcance
internacional. O efeito foi imediato: Caetano, Gil e os
Mutantes passaram a participar com freqüência de
programas de TV, especialmente do comandado por
Abelardo Chacrinha Barbosa, o irreverente apresentador que
virou ícone do movimento. Em maio de 1968, o estado-
maior tropicalista gravou em São Paulo Tropicália ou Panis et
Circensis, álbum coletivo com caráter de manifesto. Caetano
coordenou o projeto e selecionou o repertório, que destacou
canções inéditas de sua autoria, ao lado de outras de Gil,
Torquato Neto, Capinam e Tom Zé. Completavam o elenco
os Mutantes, Gal Costa e Nara Leão, além do maestro
Rogério Duprat, autor dos arranjos.
9. Algumas reações à Tropicália tornaram-se mais
contundentes. Num debate organizado pelos estudantes da
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo de São Paulo, em
junho de 1968, Caetano, Gil, Torquato e os poetas concretos
Augusto de Campos e Décio Pignatari, que manifestavam
simpatia pelo movimento, foram hostilizados com vaias,
bombinhas e bananas pela linha dura universitária. O
confronto foi mais violento ainda durante o III Festival
Internacional da Canção, no Teatro da Universidade
Católica de São Paulo, em setembro. Ao defender com os
Mutantes a canção É Proibido Proibir, que compôs a partir de
um slogan do movimento estudantil francês, Caetano foi
agredido com ovos e tomates pela platéia. O compositor
reagiu com um discurso, que se transformou em um
histórico happening: "Mas é isso que é a juventude que diz
que quer tomar o poder?", desafiou o irado baiano.
10. O movimento tropicalista não possui como
objetivo principal utilizar a música como
“arma” de combate político à ditadura militar
que vigorava no Brasil. Por este motivo, foi
muito criticado por aqueles que defendiam as
músicas de protesto. Os tropicalistas
acreditavam que a inovação estética musical já
era uma forma revolucionária.
11. O deboche por meio da atitude na vestimenta e os arranjos e
experimentações exóticas nas canções tropicalistas
chocavam o público erudito, acostumado com um padrão
musical que a tropicália teve a ousadia de quebrar naqueles
anos, mudando assim, de forma indireta e por meio da
expressão cultural inovadora, as regras e os padrões
estabelecidos como normais na música.
O tropicalismo tinha manifestações de oposição política em
seu comportamento e expressão musical, porém, as músicas
expressavam oposição à Ditadura de forma indireta, ao
acrescentar o acorde hilário de um instrumento musical no
meio de uma letra séria. As músicas tropicalistas eram
caracterizadas pela iminente introdução de estranhos
arranjos, ruídos e sons não comuns nos padrões musicais da
época.
12. Outro cenário de confronto foi a boate carioca
Sucata, onde Caetano, Gil e Mutantes fizeram
uma conturbada temporadas de shows, em
outubro. Uma bandeira com a inscrição "Seja
marginal, seja herói" (obra de Hélio Oiticica),
exibida no cenário, e o boato de que Caetano
teria cantado o Hino Nacional enxertando
versos ofensivos às Forças Armadas serviram
de pretexto para que o show fosse suspenso.
13. Nessa época, com o endurecimento do regime
militar no país, as interferências do Departamento
de Censura Federal já haviam se tornado
costumeiras; canções tinham versos cortados, ou
eram mesmo vetadas integralmente. A decretação
do Ato Institucional nº 5, em 13 de dezembro de
1968, oficializou de vez a repressão política a
ativistas e intelectuais. As detenções de Caetano e
Gil, em 27 de dezembro, precipitaram o enterro da
Tropicália, embora sua morte simbólica já tivesse
sido anunciada, nos eventos do grupo.