2. Programação
Aula 1 | A Técnica C.R.I.
+ Desafio de Escrita
Aula 2 | A narrativa da
emoção
Aula 3 | A oficina do
conto + Instruções para
inscrição na formação
para contistas +
Revelação do vencedor
do Desafio
3. A narrativa
da emoção
O conto é a narrativa da emoção por
excelência, uma vez que todos os seus
recursos devem ser usados com o intuito
maior de evocar um único efeito
emocional.
Poe dizia que o conto, tal como o poema,
deve ser lido em uma sentada, justamente
em nome dessa unidade de efeito. No
romance, esse efeito se dispersa.
4. A unidade de efeito
Este é portanto o objetivo de um bom conto: Criar uma experiência
estética coesa e unificada capaz de evocar um único e potente efeito
emocional.
5. E como fazer isso?
Poe vai falar em 5 decisões artísticas:
• Duração
• Tema
• Tom e Atmosfera
• Clímax
• Rede de símbolos
6. O tema
TENTAÇÃO | CLARICE LISPECTOR
Ela estava com soluço. E como se não bastasse a claridade das duas horas, ela era ruiva.
Na rua vazia as pedras vibravam de calor - a cabeça da menina flamejava. Sentada nos degraus
de sua casa, ela suportava. Ninguém na rua, só uma pessoa esperando inutilmente no ponto do
bonde. E como se não bastasse seu olhar submisso e paciente, o soluço a interrompia de
momento a momento, abalando o queixo que se apoiava conformado na mão. Que fazer de uma
menina ruiva com soluço? Olhamo-nos sem palavras, desalento contra desalento. Na rua deserta
nenhum sinal de bonde. Numa terra de morenos, ser ruivo era uma revolta involuntária. Que
importava se num dia futuro sua marca ia fazê-la erguer insolente uma cabeça de mulher? Por
enquanto ela estava sentada num degrau faiscante da porta, às duas horas. O que a salvava era
uma bolsa velha de senhora, com alça partida. Segurava-a com um amor conjugal já habituado,
apertando-a contra os joelhos.
Foi quando se aproximou a sua outra metade neste mundo, um irmão em Grajaú. A
possibilidade de comunicação surgiu no ângulo quente da esquina, acompanhando uma
senhora, e encarnada na figura de um cão. Era um basset lindo e miserável, doce sob a sua
fatalidade. Era um basset ruivo.
7. Lá vinha ele trotando, à frente de sua dona, arrastando seu comprimento. Desprevenido, acostumado,
cachorro.
A menina abriu os olhos pasmada. Suavemente avisado, o cachorro estacou diante dela. Sua língua vibrava.
Ambos se olhavam.
Entre tantos seres que estão prontos para se tornarem donos de outro ser, lá estava a menina que viera ao
mundo para ter aquele cachorro. Ele fremia suavemente, sem latir. Ela olhava-o sob os cabelos, fascinada,
séria. Quanto tempo se passava? Um grande soluço sacudiu-a desafinado. Ele nem sequer tremeu. Também
ela passou por cima do soluço e continuou a fitá-lo.
Os pelos de ambos eram curtos, vermelhos.
Que foi que se disseram? Não se sabe. Sabe-se apenas que se comunicaram rapidamente, pois não havia
tempo. Sabe-se também que sem falar eles se pediam. Pediam-se com urgência, com encabulamento,
surpreendidos.
No meio de tanta vaga impossibilidade e de tanto sol, ali estava a solução para a criança vermelha. E no
meio de tantas ruas a serem trotadas, de tantos cães maiores, de tantos esgotos secos - lá estava uma menina,
como se fora carne de sua ruiva carne. Eles se fitavam profundos, entregues, ausentes de Grajaú. Mais um
instante e o suspenso sonho se quebraria, cedendo talvez à gravidade com que se pediam.
Mas ambos eram comprometidos.
Ela com sua infância impossível, o centro da inocência que só se abriria quando ela fosse uma mulher. Ele,
com sua natureza aprisionada.
A dona esperava impaciente sob o guarda-sol. O basset ruivo afinal despregou-se da menina e saiu
sonâmbulo. Ela ficou espantada, com o acontecimento nas mãos, numa mudez que nem pai nem mãe
compreenderiam. Acompanhou-o com olhos pretos que mal acreditavam, debruçada sobre a bolsa e os
joelhos, até vê-la dobrar a outra esquina.
Mas ele foi mais forte que ela. Nem uma só vez olhou para trás.
8. Tom e atmosfera
VENHA VER O PÔR DO SOL | LYGIA FAGUNDES TELLES
Ela subiu sem pressa a tortuosa ladeira. À medida que avançava, as casas iam rareando, modestas casas
espalhadas sem simetria e ilhadas em terrenos baldios. No meio da rua sem calçamento, coberta aqui e ali
por um mato rasteiro, algumas crianças brincavam de roda. A débil cantiga infantil era a única nota viva na
quietude da tarde.
Ele a esperava encostado a uma árvore. Esguio e magro, metido num largo blusão azul-marinho, cabelos
crescidos e desalinhados, tinha um jeito jovial de estudante.
- Minha querida Raquel.
Ela encarou-o, séria. E olhou para os próprios sapatos.
- Veja que lama. Só mesmo você inventaria um encontro num lugar destes. Que ideia, Ricardo, que ideia!
Tive que descer do táxi lá longe, jamais ele chegaria aqui em cima.
Ele riu entre malicioso e ingênuo.
(...)
9. O mato rasteiro dominava tudo. E não satisfeito de ter-se alastrado furioso pelos canteiros, subira pelas
sepulturas, infiltrara-se ávido pelos rachões dos mármores, invadira as alamedas de pedregulhos
esverdinhados, como se quisesse com sua violenta força de vida cobrir para sempre os últimos vestígios da
morte. Foram andando pela longa alameda banhada de sol. Os passos de ambos ressoavam sonoros como
uma estranha música feita do som das folhas secas trituradas sobre os pedregulhos. Amuada mas obediente,
ela se deixava conduzir como uma criança. Às vezes mostrava certa curiosidade por uma ou outra sepultura
com os pálidos medalhões de retratos esmaltados.
- É imenso, hein? E tão miserável, nunca vi um cemitério mais miserável, que deprimente - exclamou ela,
atirando a ponta do cigarro na direção de um anjinho de cabeça decepada. - Vamos embora, Ricardo,
chega.
- Ali, Raquel, olha um pouco para esta tarde! Deprimente por quê? Não sei onde foi que eu li, a beleza não
está nem na luz da manhã nem na sombra da noite, está no crepúsculo, nesse meio-tom, nessa
ambiguidade. Estou-lhe dando um crepúsculo numa bandeja, e você se queixa. (...)
10. - Ela me amou. Foi a única criatura que... Fez um gesto. - Enfim, não tem importância. Raquel tirou-lhe o
cigarro, tragou e depois devolveu-o.
- Eu gostei de você, Ricardo.
-E eu te amei.. E te amo ainda. Percebe agora a diferença?
Um pássaro rompeu cipreste e soltou um grito. Ela estremeceu.
- Esfriou, não? Vamos embora.
- Já chegamos, meu anjo. Aqui estão meus mortos.
(...)
11. O clímax: 3 técnicas que
(quase) sempre funcionam
• Circularidade/ Call back
• Imagem forte
• Ambiguidade
14. “A vida é como uma caixa de chocolates,
você nunca sabe o que vai conseguir...”
15. Ambiguidade
Minha irmã se mudou, com o marido, para longe daqui. Meu irmão resolveu e se foi, para uma cidade. Os
tempos mudavam, no devagar depressa dos tempos. Nossa mãe terminou indo também, de uma vez, residir
com minha irmã, ela estava envelhecida. Eu fiquei aqui, de resto. Eu nunca podia querer me casar. Eu
permaneci, com as bagagens da vida. Nosso pai carecia de mim, eu sei — na vagação, no rio no ermo — sem
dar razão de seu feito. Seja que, quando eu quis mesmo saber, e firme indaguei, me diz-que-disseram: que
constava que nosso pai, alguma vez, tivesse revelado a explicação, ao homem que para ele aprontara a
canoa. Mas, agora, esse homem já tinha morrido, ninguém soubesse, fizesse recordação, de nada mais. Só
as falsas conversas, sem senso, como por ocasião, no começo, na vinda das primeiras cheias do rio, com
chuvas que não estiavam, todos temeram o fim-do-mundo, diziam: que nosso pai fosse o avisado que nem
Noé, que, por tanto, a canoa ele tinha antecipado; pois agora me entrelembro. Meu pai, eu não podia
malsinar. E apontavam já em mim uns primeiros cabelos brancos.
Sou homem de tristes palavras. De que era que eu tinha tanta, tanta culpa? Se o meu pai, sempre fazendo
ausência: e o rio-rio-rio, o rio — pondo perpétuo. Eu sofria já o começo de velhice — esta vida era só o
demoramento. Eu mesmo tinha achaques, ânsias, cá de baixo, cansaços, perrenguice de reumatismo. E ele?
Por quê? Devia de padecer demais. De tão idoso, não ia, mais dia menos dia, fraquejar do vigor, deixar que
a canoa emborcasse, ou que bubuiasse sem pulso, na levada do rio, para se despenhar horas abaixo, em
tororoma e no tombo da cachoeira, brava, com o fervimento e morte. Apertava o coração. Ele estava lá, sem
a minha tranqüilidade. Sou o culpado do que nem sei, de dor em aberto, no meu foro. Soubesse — se as
coisas fossem outras. E fui tomando idéia.
16. Sem fazer véspera. Sou doido? Não. Na nossa casa, a palavra doido não se falava, nunca mais se falou, os
anos todos, não se condenava ninguém de doido. Ninguém é doido. Ou, então, todos. Só fiz, que fui lá.
Com um lenço, para o aceno ser mais. Eu estava muito no meu sentido. Esperei. Ao por fim, ele apareceu, aí
e lá, o vulto. Estava ali, sentado à popa. Estava ali, de grito. Chamei, umas quantas vezes. E falei, o que me
urgia, jurado e declarado, tive que reforçar a voz: — "Pai, o senhor está velho, já fez o seu tanto... Agora, o
senhor vem, não carece mais... O senhor vem, e eu, agora mesmo, quando que seja, a ambas vontades, eu
tomo o seu lugar, do senhor, na canoa!..." E, assim dizendo, meu coração bateu no compasso do mais certo.
Ele me escutou. Ficou em pé. Manejou remo n'água, proava para cá, concordado. E eu tremi, profundo, de
repente: porque, antes, ele tinha levantado o braço e feito um saudar de gesto — o primeiro, depois de
tamanhos anos decorridos! E eu não podia... Por pavor, arrepiados os cabelos, corri, fugi, me tirei de lá, num
procedimento desatinado. Porquanto que ele me pareceu vir: da parte de além. E estou pedindo, pedindo,
pedindo um perdão.
Sofri o grave frio dos medos, adoeci. Sei que ninguém soube mais dele. Sou homem, depois desse
falimento? Sou o que não foi, o que vai ficar calado. Sei que agora é tarde, e temo abreviar com a vida, nos
rasos do mundo. Mas, então, ao menos, que, no artigo da morte, peguem em mim, e me depositem
também numa canoinha de nada, nessa água que não pára, de longas beiras: e, eu, rio abaixo, rio a fora, rio
a dentro — o rio.
17. Amanhã
Vamos abordar outras técnicas e mostrar de forma prática como elas podem ser
utilizadas para melhorar os contos enviados.
Orientações para se inscrever na formação completa de contistas.