1. Mãe
Diz-me como estás aí desse pedaço de céu
Dá-me luz e dou-te notícias minhas
O Outono já ia longo
Quando te desagregaste deste mundo.
Numa triste tarde de quarta feira
Eu, a caminho de Lisboa,
Assustada, sabia que estava para breve
A tua derradeira viagem.
À janela do comboio,
Sentia no rosto a violência do vento
Com o olhar perdido pelo universo
De imagens que insistiam em desfilar
Como uma tela de cinema.
A infância, a adolescência, a meia idade
Sempre contigo por perto
Como seria a partir dali, sem a tua presença?
Não choro pelo teu corpo inerte
Não te dou flores nem velas,
Neste dia de finados.
A tristeza não te traz de volta ao meu porto de abrigo
Vou amar-te sempre porque é novembro
Vou amar-te sempre
Porque é da tua alma viva que eu me lembro!
Clara Lourenço
31/10/2021
2. Zé
Partiste muito cedo
Sem tempo para despedidas
Talvez não te tenha dito
O quanto gosto de ti,
Hoje digo-o em voz alta
Muitas e muitas vezes,
No silêncio da casa
Talvez por remorso
Talvez por mágoa
Talvez por amor
Quem sabe...
O peito sangra quando a memória me trai
E te vai buscar,
Dói muito viver sem ti,
Por ti e por mim
Pelo que deixaste de viver
E eu pelo
Em dia de finados
Não tenho flores para te por
Nem campa para chorar,
Só tenho saudades
Da tua forma humana de amar!
Murmúrios do mar
Paga-me um café e conto-te a minha vida
O inverno avançava
nessa tarde em que te ouvi
3. assaltado por dores
o céu quebrava-se aos disparos
de uma criança muito assustada
que corria
o vento batia-lhe no rosto com violência
a infância inteira
disso me lembro
Outra noite cortaste o sono da casa
com frio e medo
apagavas cigarros nas palmas das mãos
e os que te viam choravam
mas tu não, tu nunca choraste
por amores que se perdem
Os naufrágios são belos
sentimo-nos tão vivos entre as ilhas, acreditas?
e temos saudades desse mar
que derruba primeiro no nosso corpo
tudo o que seremos depois
«Pago-te um café se me contares
o teu amor»