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REFLEXÕES SOBRE A
EXORTAÇÃO APOSTÓLICA
EVANGELII GAUDIUM
DO PAPA FRANCISCO
3
REFLEXÕES SOBRE A
EXORTAÇÃO APOSTÓLICA
EVANGELII GAUDIUM
DO PAPA FRANCISCO
I) Razão de ser deste documento
1. É convicção da Comissão Nacional «Justiça e Paz» (CNJP) que a
Exortação Apostólica Evangelii Gaudium (EG) do Papa Francisco tem im-
portantes implicações no modo de entender a missão da CNJP. Nalguns as-
petos, as consequências serão universais, isto é, aplicam-se às Comissões
«Justiça e Paz» em geral. Noutros, poderão ter relação com o que tem sido a
perspetiva e atividade da Comissão Nacional.
2. Embora perto do final do seu mandato, a CNJP considerou não de-
ver furtar-se ao desafio que a EG coloca à sua missão. Dado o modo novo
como o Papa caracteriza o mundo atual e a missão da Igreja, designadamen-
te nos domínios que mais diretamente interessam à CNJP, a Comissão en-
tende dever levar o resultado da reflexão ao conhecimento da Conferência
Episcopal Portuguesa, da qual estatutariamente depende, bem como da Co-
missão Episcopal para a Pastoral Social e Mobilidade Humana, perante a
qual mais diretamente responde. A CNJP admite, ainda, que a reflexão tam-
bém seja útil a outros organismos da Igreja, e, neste entendimento, procede
à sua divulgação mais ampla.
Assim, a CNJP julga corresponder, num passo inicial, ao que o Papa
solicita:
“A todos exorto a aplicarem, com generosidade e coragem, as
orientações deste documento, sem impedimentos nem receios. Im-
portante é não caminhar sozinho, mas ter sempre em conta os ir-
mãos e, de modo especial, a guia dos Bispos, num discernimento
pastoral sábio e realista.” (EG 33)
A CNJP aproveita o ensejo para anotar também alguns pontos sugeri-
dos pela sua experiência prática dos últimos anos.
4
3. Para facilitar a compreensão deste documento, são citadas as passa-
gens da EG que mais diretamente conduziram às sugestões expressas. Como
se disse, o texto ocupa-se fundamentalmente dos pontos da EG mais direta-
mente relacionados com a missão da CNJP, sem no entanto esquecer que
esta também está envolvida na missão evangelizadora da Igreja em geral.
Por outro lado, a relação dos membros da CNJP com a Exortação Apostólica
não se esgota na sua atividade enquanto membros da Comissão, uma vez
que estão normalmente inseridos nas comunidades eclesiais locais, designa-
damente a níveis diocesano e paroquial. São todos destinatários da Exorta-
ção integral, do convite para “uma nova etapa evangelizadora” e dos ca-
minhos indicados pelo Papa “para o percurso da Igreja nos próximos
anos” (EG 1).
Aliás, é o Papa quem sublinha o caráter abrangente da Exortação,
quando afirma que “a ação missionária é o paradigma de toda a obra da
Igreja” (EG 15) e convida a assumir o «estilo evangelizador» nela apresen-
tado “em qualquer atividade que se realize.” (EG 18)
Igualmente universal é a importância do «dinamismo de saída»:
“sair da própria comodidade e ter a coragem de alcançar todas as
periferias que precisam da luz do Evangelho.” (EG 20)
II) Uma grande expectativa
4. O Papa revela uma grande expectativa na adesão dos cristãos às
propostas e orientações que apresenta. E não esconde que o que tem em
vista é uma mudança profunda da evangelização e da Igreja:
“[E]spero que todas as comunidades se esforcem por atuar os
meios necessários para avançar no caminho duma conversão pas-
toral e missionária, que não pode deixar as coisas como estão.”
(EG 25)
O envolvimento da comunidade cristã implica um “caminho de con-
versão pastoral e missionária”. Quer isto dizer que o que está em causa
não se limita apenas a mudanças menores. A transformação é, a um tempo,
ampla e profunda, a ponto de requerer uma conversão que “não pode dei-
xar as coisas como estão”. Naturalmente, trata-se de um processo que re-
quer tempo e, portanto, é urgente encetar.
5
A amplitude da mudança visada também é vasta:
“Sonho com uma opção missionária capaz de transformar tudo,
para que os costumes, os estilos, os horários, a linguagem e toda a
estrutura eclesial se tornem um canal proporcionado mais à evan-
gelização do mundo atual que à autopreservação.” (EG 27)
A conversão pastoral exige uma reforma das estruturas, no sentido de:
“fazer com que todas elas [estruturas] se tornem mais missioná-
rias, que a pastoral ordinária em todas as suas instâncias seja mais
comunicativa e aberta, que coloque os agentes pastorais em atitude
constante de «saída» e, assim, favoreça a resposta positiva de todos
aqueles a quem Jesus oferece a sua amizade.” (Ibidem)
• Seria incompreensível que um organismo eclesial como a CNJP ficas-
se indiferente a este apelo do Papa. De realçar a ênfase posta na ne-
cessidade de a ação ser “mais comunicativa e aberta”, e que os
agentes pastorais estejam “em atitude constante de «saída»”.
• Enquanto atitude, é interdito o derrotismo de partida, com a justifica-
ção de que os problemas são demasiado complexos, as resistências
demasiado grandes, ou os obstáculos intransponíveis.
III) O espírito e o objetivo da mudança
5. Num dos primeiros parágrafos do documento, o Papa formula um
convite, que marca inequivocamente o lugar da fé neste caminho de mudan-
ça:
“Convido todo o cristão, em qualquer lugar e situação que se en-
contre, a renovar hoje mesmo o seu encontro pessoal com Jesus
Cristo ou, pelo menos, a tomar a decisão de se deixar encontrar por
Ele, de o procurar dia a dia sem cessar.” (EG 3)
Se bem que a parte da EG que mais diretamente interessa à missão da
CNJP se refira ao que poderíamos chamar a «dimensão social da evangeli-
zação», a CNJP não poderá deixar de assumir e interiorizar o espírito da
proposta do Papa e o objetivo fundamental da ação. No mesmo sentido, o
Papa explica a sua fundamental motivação:
6
“O que nos move em definitivo, o mais profundo, o maior, a razão
e o sentido último de tudo o resto é este: a glória do Pai que Jesus
procurou durante toda a sua existência.” (EG 267)
E distinguindo claramente a missão da Igreja de um simples projeto de
reforma social, afirma:
“A proposta é o reino de Deus (cf. lc 4,43); trata-se de amar a Deus,
que reina no mundo. Na medida em que Ele conseguir reinar entre
nós, a vida social será um espaço de fraternidade, de justiça, de
paz, de dignidade para todos.” (EG 180)
• É sabido que as CNJPs sempre se preocuparam com o seu caráter
específico enquanto organismos da Igreja. Parece, todavia, que estas
palavras do Papa são um convite a que os membros da Comissão,
individualmente e em conjunto, tenham momentos de aprofundamen-
to desta espiritualidade, quer no que respeita ao espírito da missão,
quer quanto ao objetivo último da sua ação.
IV) A importância da dignidade humana e do bem comum
6. A defesa da dignidade humana e do bem comum é certamente uma
das principais áreas de missão e intervenção da CNJP. O ensinamento social
da Igreja vem sublinhando sistematicamente o lugar fundamental destes
dois conceitos, na procura de um mundo mais humano, mais justo e mais
solidário.AExortação sublinha estes valores e associa-os à missão profética
da igreja:
“A dignidade da pessoa humana e o bem comum estão por cima da
tranquilidade de alguns que não querem renunciar aos seus privi-
légios. Quando estes valores são afetados, é necessária uma voz
profética.” (EG 218)
7. Uma questão que frequentemente se põe nas tomadas de posição da
CNJP é o da medida em que deve descer ao “concreto”, que facilmente se
confunde com opiniões partidárias. Parece, por isso, importante ter em con-
ta, complementarmente com a citação anterior, a seguinte orientação cons-
tante da EG:
7
“Os ensinamentos da Igreja acerca de situações contingentes estão
sujeitos a maiores ou novos desenvolvimentos e podem ser objeto
de discussão, mas não podemos evitar de ser concretos – sem pre-
tender entrar em detalhes – para que os grandes princípios sociais
não se fiquem em meras generalidades que não interpelam nin-
guém. É preciso tirar as suas consequências práticas, para que
«possam incidir com eficácia também nas complexas situações ho-
diernas».” (EG 182)
A necessidade de «uma voz profética» também sugere uma outra refle-
xão. Ultimamente, têm surgido, dentro e fora da Igreja, vozes que advogam
que não deve haver «denúncia» sem o «anúncio» de uma alternativa. Deve
reconhecer-se que quando a denúncia é acompanhada pelo anúncio, a men-
sagem é melhor entendida e porventura acolhida. Porém, o extremismo
nesta matéria pode acabar por cercear o papel da «voz profética», com grave
prejuízo para a função da «crítica» na vida da Igreja e da sociedade. Sobre-
tudo quando estão em causa questões de fundo – tais como o sistema econó-
mico mundial e aspetos importantes da teoria económica vigente –, não se
pode esperar pela descoberta de uma alternativa acabada para denunciar o
estado das coisas.A«rejeição» do que é mau ou desumano tem valor próprio
que seria grave não reconhecer.
• Estas palavras vêm sublinhar o lugar da promoção e defesa da digni-
dade humana e do bem comum, no âmbito das preocupações da CNJP
e salienta o dever de «uma voz profética», quando esses valores são
«afetados». Estimula, por outro lado, a não se quedar em ecoar prin-
cípios gerais que normalmente colhem a concordância geral, porven-
tura sem eficácia.
V) “Esta economia mata” (EG 53)
8. O Papa dedica diversos parágrafos da Exortação – designadamente,
todo o capítulo IV – à dimensão social da evangelização. Trata-se de um
conjunto de temas amplamente tratados em textos do Magistério da Igreja
sobre a doutrina social. Acontece, todavia, que esta abordagem tem dois
aspetos novos: os termos em que é feita a avaliação do mundo atual à luz dos
princípios básicos daquela doutrina; e a explicitação de algumas implica-
ções concretas dos mesmos princípios.
8
O Papa tem afirmações que põem em causa, nos seus fundamentos,
alguns marcos do pensamento económico vigente e do sistema económi-
co atual.
Eis algumas dessas afirmações:
“[H]oje devemos dizer «não a uma economia da exclusão e da de-
sigualdade social». Esta economia mata.” (EG 53)
De notar que a «classificação» da economia que temos surge como
conclusão de um raciocínio que parte do mandamento «não matarás», o que
reflete bem a gravidade da situação. Trata-se de uma agressão contra a vida
e contra a vida digna. Por outro lado, o texto aponta como características
fundamentais da economia que rejeita a «exclusão» e a «desigualdade so-
cial» – duas realidades persistentes da nossa sociedade e que, temos de re-
conhecê-lo, não têm merecido da parte dos cristãos a atenção e o esforço que
reclamam. Do ponto de vista ético, deveríamos pensar em «homicídio cole-
tivo», por ação ou omissão.
Acresce que esta situação não é o resultado de fatores secundários ou
ocasionais. Pelo contrário,
“(…) o sistema social e económico é injusto na sua raiz.” (EG 59)
Importa registar as características «desta» economia, que a Evangelii
Gaudium menciona expressamente e que ilustram alguns dos elementos es-
truturais do sistema económico vigente.
“Hoje, tudo entra no jogo da competitividade e da lei do mais forte,
onde o poderoso engole o mais fraco.” (EG 53)
É conhecido o lugar que a «competitividade» ocupa na «corrida» para
o «sucesso» (por vezes, para a sobrevivência), com manifesta vantagem dos
«mais fortes». O resultado da livre concorrência é considerado como in-
trinsecamente «bom», independentemente dos critérios de justiça.
Naturalmente, uma das consequências de tal sistema é que
“Enquanto os lucros de poucos crescem exponencialmente, os da
maioria situam-se cada vez mais longe do bem-estar daquela mino-
ria feliz.” (EG 56)
9
9. É sabido como posições ideológicas podem ser vestidas de roupa-
gens técnico-científicas, aparentemente neutras no campo dos valores. A
este propósito, diz o Papa:
“Tal desequilíbrio provém de ideologias que defendem a autono-
mia absoluta dos mercados e a especulação financeira.” (Ibidem)
O que está em causa é o princípio do liberalismo. Com efeito, continua
o Papa:
“Por isso, negam o direito de controle dos Estados, encarregados
de velar pela tutela do bem comum.” (EG 56)
Noutra passagem, afirma o Papa:
“O cuidado e a promoção do bem comum da sociedade compete ao
Estado. Este, com base nos princípios de subsidiariedade e solida-
riedade e com um grande esforço de diálogo político e criação
de consensos, desempenha um papel fundamental – que não pode
ser delegado – na busca do desenvolvimento integral de todos.”
(EG 240)
Referimos atrás a preocupação expressa pelo Papa pela promoção da
dignidade humana e do bem comum, defendendo que “Quando estes valo-
res são afetados, é necessária uma voz profética.” (EG 218). Aliás,
“a dignidade de cada pessoa humana e o bem comum são questões
que deveriam estruturar toda a política económica.” (EG 203)
10. Outra opinião cuja validade a Exortação rejeita é o que designa por
«recaída favorável»:
“alguns defendem ainda as teorias da «recaída favorável» que
pressupõem que todo o crescimento económico, favorecido pelo li-
vre mercado, consegue por si mesmo produzir maior equidade e
inclusão social no mundo.” (EG 54)
Nota o Papa que:
“esta opinião, que nunca foi confirmada pelos factos, exprime uma
confiança vaga e ingénua na bondade daqueles que detêm o poder
10
económico e nos mecanismos sacralizados do sistema económico
reinante.” (Ibidem)
Noutra passagem do documento (EG), o Papa reafirma a ideia de que:
“não podemos mais confiar nas forças cegas e na mão invisível do
mercado.” (EG 204)
E acrescenta:
“O crescimento equitativo exige algo mais do que o crescimento
económico, embora o pressuponha; requer decisões, programas,
mecanismos e processos especificamente orientados para uma me-
lhor distribuição dos rendimentos, para a criação de oportunida-
des de trabalho, para uma promoção integral dos pobres que supe-
re o mero assistencialismo.” (Ibidem)
Além das recomendações respeitantes à economia em geral, é particu-
larmente significativo que o Papa sublinhe o facto de que o combate à po-
breza, se quiser ultrapassar os limites do assistencialismo, requer uma ade-
quada política económica. Não se trata de abolir as práticas assistenciais
– em si indispensáveis e cujo valor deve ser sublinhado –, mas de reconhe-
cer que as mesmas não conduzem à «promoção integral dos pobres.»
• A CNJP terá de rejeitar inequívoca e globalmente «esta» economia, e
tornar pública essa atitude.
• Terá de adotar como um grande objetivo da sua ação a procura das
grandes linhas de uma economia inclusiva, que não mate e que redu-
za substancialmente a desigualdade social.
• Esta tarefa requererá parcerias (nacionais e internacionais) com gru-
pos e organismos que tenham a mesma preocupação, e carece de
pessoas qualificadas adicionais para apoio permanente à CNJP.
• No âmbito deste objetivo, a CNJP terá a preocupação de buscar que o
sistema social e económico «injusto na sua raiz» seja substituído por
outro, cada vez menos injusto.
• Neste contexto, a CNJP considera que a Universidade Católica Portu-
guesa poderia ser uma aliada na promoção de um modelo social e
económico mais justo, correspondendo, assim, a esta preocupação da
Igreja.
11
VI) Humanismo, valores e motivações
11. A «economia que mata» resulta de uma conceção do ser humano
profundamente distorcida, e propaga uma cultura gravemente deformadora
dos valores humanistas.
Adverte o Papa no sentido de reconhecermos que a «crise financeira»
mundial tem, na sua origem, “uma crise antropológica profunda: a nega-
ção da primazia do ser humano.” (EG 55). Cremos que a experiência re-
cente (e atual) do país confirma essa perceção. Por outro lado,
“a crise mundial (…), põe a descoberto (…) sobretudo a grave ca-
rência de uma orientação antropológica que reduz o ser humano
apenas a uma das suas necessidades: o consumo.” (EG 55),
sendo certo que os próprios mecanismos da economia atual “promo-
vem uma exacerbação do consumo.” (EG 60). Neste sentido, se de um
lado o ser humano é reduzido à sua condição de «consumidor», do outro
é-lhe proposto o «consumo» como critério de realização.
12. Relaciona-se com o que fica dito a nova forma de idolatria, no
“fetichismo do dinheiro” e na “ditadura de uma economia sem rosto e
sem um objetivo verdadeiramente humano.” (EG 55)
Finalmente, quanto às motivações, diz a Exortação:
“A ambição do poder e do ter não conhece limites. Neste sistema
que tende a devorar tudo para aumentar os benefícios, qualquer
realidade que seja frágil, como o meio ambiente, fica indefesa face
aos interesses do mercado divinizado, transformados em regra
absoluta.” (EG 56)
Ter em conta a ética implicaria “uma vigorosa mudança de atitudes
por parte dos dirigentes políticos. (…) o dinheiro deve servir, e não go-
vernar!” (EG 58)
Anoção de Mammon (dinheiro) como anti-Deus1
dá ideia da gravidade
da situação. É, a um tempo, problema pessoal e do sistema (que a promove
e viabiliza).
1
Pe. Cantalamessa, Homilia de Sexta-Feira Santa de 2014.
12
VII) Hierarquia de princípios da doutrina social da Igreja
13. O que ficou dito nos parágrafos anteriores abarca, implícita ou ex-
plicitamente, relevantes princípios do ensinamento social da Igreja. Tam-
bém merecem destaque os que o Papa expressamente refere na Exortação.
Antes do mais, o de que a doutrina social não é um conjunto de princípios
avulsos, cuja ordem seja indiferente. Citando o Concílio Vaticano II, recorda
o Papa que:
“«existe uma ordem ou “hierarquia” das verdades da doutrina
católica, já que o nexo delas com o fundamento da fé cristã é dife-
rente». Isto é válido tanto para os dogmas da fé como para o con-
junto dos ensinamentos da igreja, incluindo a doutrina moral.”
(EG 36)
Quer isto dizer que, também pelo que respeita à moral social, há prin-
cípios mais importantes do que outros, e a inversão da importância pode ser
tão grave ou mais grave do que a omissão de algum princípio.
14. Na secção intitulada Não a um dinheiro que governa em vez de
servir, diz o Papa:
“[A]nimo os peritos financeiros e os governantes dos vários países
a considerarem as palavras dum sábio da antiguidade: «Não fazer
os pobres participar dos seus próprios bens é roubá-los e tirar-lhes
a vida. Não são nossos, mas deles, os bens que aferrolhamos.” (São
João Crisóstomo, Homilia sobre Lázaro, ii, 6: pg 48, 992d.) [século
iv-v] (EG 57).
• O consumismo, o dinheiro e o poder são elementos perversos dura-
douros da cultura contemporânea.
• A idolatria do dinheiro e do numerário é uma realidade económica,
cultural e social. É o principal critério de valor.
São problemas que a CNJP não tem ignorado, mas que terá de abor-
dar com muito mais insistência e profundidade, contrapondo um «mo-
delo de felicidade» pessoal e um «modelo de sociedade» compatíveis
com os valores verdadeiramente humanos e cristãos.
13
Este texto, designadamente as palavras de São João Crisóstomo,
apoiam-se no designado «destino universal dos bens da terra», um dos
princípios fundamentais da doutrina social da Igreja e que a Exortação enun-
cia nestes termos:
“Ele [Deus] criou todas as coisas «para nosso usufruto» (1Tm
6,17), para que todos possam usufruir delas. Por isso, a conversão
cristã exige rever, «especialmente, tudo o que diz respeito à ordem
social e consecução do bem comum».” (EG 182).
É ponto importante do ensinamento social da Igreja que este princípio
é anterior ao da propriedade privada e ao da livre concorrência2
.
2
Ver, por exemplo, Paulo VI, Populorum Progressio, 22-24.
3
Ver Caritas in Veritate e Deus Caritas est.
• A noção da hierarquia de princípios da doutrina social da Igreja e da
prioridade do destino universal dos bens da terra sobre a proprieda-
de privada e a livre concorrência parece ser muito insatisfatoriamen-
te assumida pela comunidade cristã em geral. Parece indispensável
uma ação forte de promoção desses valores, tarefa em que a CNJP
deverá, naturalmente, ter uma participação relevante.
• A relação que o Papa estabelece entre a “ordem social e a consecu-
ção do bem comum”, por um lado, e a “conversão cristã”, por outro,
denuncia uma situação profundamente insatisfatória a esse respeito,
a ponto de requer uma conversão em sentido autêntico do termo.
15. Infelizmente, alguns termos particularmente caros à mensagem
cristã sofreram um progressivo esvaziamento da sua força e riqueza, che-
gando a significar o contrário daquilo que significaram na origem. Neste
contexto, Bento XVI procurou «reabilitar» a palavra «caridade», sublinhan-
do que não existe caridade sem justiça e sem relação com o bem comum3
.
Na encíclica Sollicitudo Rei Socialis, João Paulo II definiu em termos pesa-
dos a palavra «solidariedade». O Papa Francisco sente necessidade de aler-
tar, uma vez mais, para o risco de tomar esta palavra de modo superficial.
Neste sentido, recorda que:
14
“a palavra «solidariedade» significa muito mais do que alguns atos
esporádicos de generosidade; supõe a criação de uma nova men-
talidade que pense em termos de comunidade, de prioridade da
vida de todos sobre a apropriação dos bens por parte de alguns.”
(EG 188)
E pouco depois acrescenta:
“A solidariedade é uma reação espontânea de quem reconhece a
função social da propriedade e o destino universal dos bens como
realidades anteriores à propriedade privada. A posse privada dos
bens justifica-se para cuidar deles e aumentá-los de modo a servi-
rem melhor o bem comum, pelo que a solidariedade deve ser vivida
como a decisão de devolver ao pobre o que lhe corresponde. (…)
Uma mudança nas estruturas, sem se gerar novas convicções e
atitudes, fará com que essas mesmas estruturas, mais cedo ou mais
tarde, se tornem corruptas, pesadas e ineficazes.” (EG 189)
Já antes tinha explicado que:
“a nossa resposta de amor também não deveria ser entendida
como uma mera soma de pequenos gestos pessoais a favor de al-
guns indivíduos necessitados, o que poderia constituir uma «cari-
dade por receita», uma série de ações destinadas apenas a tranqui-
lizar a própria consciência.” (EG 180)
As referências que frequentemente se ouvem a que “não estamos a fa-
zer caridade, mas justiça” parece revelar a necessidade de continuar a «rea-
bilitação» dos termos «caridade» e «solidariedade», na senda dos Papas.
Trata-se, naturalmente, de reabilitar as palavras e de levar à prática o seu
conteúdo.
A seriedade de noções como as da «caridade» e da «solidariedade»
bem mereciam uma formação generalizada das comunidades cristãs.
15
VIII) A inclusão social dos pobres
16. Este é, certamente, um dos temas que mais diretamente interessa à
missão da CNJP. Logo no início da respetiva secção, o Papa faz quatro afir-
mações particularmente contundentes:
“No coração de Deus, ocupam lugar preferencial os pobres.”
(EG 197)
“Deriva da nossa fé em Cristo, que se fez pobre e sempre se apro-
ximou dos pobres e marginalizados, a preocupação pelo desenvol-
vimento integral dos mais abandonados da sociedade.” (EG 186)
“Cada cristão e cada comunidade são chamados a ser instrumen-
tos de Deus ao serviço da libertação e promoção dos pobres, para
que possam integrar-se plenamente na sociedade; isto supõe esta-
rem docilmente atentos, para ouvir o clamor do pobre e socor-
rê-lo.” (EG 187)
“[A] falta de solidariedade, nas suas necessidades [do pobre], influi
diretamente sobre a nossa relação com Deus.” (Ibidem)
Temos de reconhecer que estas palavras colocam o problema do «po-
bre» no interior da espiritualidade cristã de uma forma a que não estávamos
habituados. E não fica dúvida alguma sobre o caráter universal desta respon-
sabilidade.
• Pelo que respeita à CNJP, em particular, não sendo um organismo de
ação prática (contrariamente ao que acontece com a Comissão Jus-
tiça e Paz alemã), o seu contributo terá de se ajustar à sua natureza.
Certamente, isto não deve prejudicar a necessidade de a Comissão
ter uma intervenção e uma presença na sociedade, que valorize, e
muito, o compromisso cristão com os pobres, nomeadamente encon-
trando espaços de proximidade e convivência com os pobres de for-
ma a melhor os poder conhecer e defender, quer através da vivência
dos seus membros quer através de iniciativas institucionais.
16
17. A Exortação Evangelii Gaudium merece não só uma leitura, mas
muitas leituras e uma reflexão atenta. Não pode deixar de impressionar que
o Papa interprete o pedido de Jesus aos discípulos «Dai-lhes vós mesmos de
comer» (Mc 6,37), num sentido abrangente,
“que envolve tanto a cooperação para resolver as causas estrutu-
rais da pobreza e promover o desenvolvimento integral dos pobres,
como os gestos mais simples e diários de solidariedade para com as
misérias muito concretas que encontramos.” (EG 188)
Um tema que não tem estado no âmbito das preocupações das CNJP
portuguesas é o dos problemas à escala mundial. Relativamente aos proble-
mas de pobreza e exclusão, trata-se, sem dúvida, de uma omissão que urge
colmatar. Acresce que vivemos hoje em tempo de globalização, realidade
que traz imensas vantagens, mas também inconvenientes. A atenção solidá-
ria com os pobres de outros países e continentes deverá, certamente, entrar
no conjunto das preocupações da CNJP, na linha do conselho do Papa:
“Às vezes trata-se de ouvir o clamor de povos inteiros, dos povos
mais pobres da Terra. (…) Para falarmos adequadamente dos nos-
sos direitos, é preciso alongar mais o olhar e abrir os ouvidos ao
clamor dos outros povos ou de outras regiões do próprio país. Pre-
cisamos de crescer numa solidariedade que «permita a todos os
povos tornarem-se artífices do seu destino», tal como «cada ho-
mem é chamado a desenvolver-se».” (EG 190)
• Um possível caminho para o lançamento desta frente de intervenção
poderia ser promover uma aproximação com as Comissões Justiça e
Paz dos outros países de língua portuguesa, incluindo Timor.
“[O] nosso sonho voa mais alto”, diz o Papa:
“Não se fala apenas de garantir a comida ou um digno «sustento»
para todos, mas «prosperidade e civilização nos seus múltiplos as-
petos». Isto engloba educação, acesso aos cuidados de saúde e espe-
cialmente trabalho porque, no trabalho livre, criativo, participati-
vo e solidário, o ser humano exprime e engrandece a dignidade da
sua vida. O salário justo permite o acesso adequado aos outros
bens que estão destinados ao uso comum.” (EG 192)
17
Torna-se claro o grau de exigência que decorre da solidariedade e do
destino universal dos bens, que, uma vez mais, transcende o entendimento
corrente dos cristãos nesta matéria:
“O nosso compromisso não consiste exclusivamente em ações ou
em programas de promoção e assistência; aquilo que o Espírito
põe em movimento não é um excesso de ativismo, mas primaria-
mente uma atenção prestada ao outro «considerando-o como um
só consigo mesmo». Esta atenção amiga é o início duma verdadeira
preocupação pela sua pessoa e, a partir dela, desejo de procurar
efetivamente o seu bem.” (EG 199)
Uma vez mais, o Papa parece recear que nem todos na Igreja se sintam
envolvidos nesta tarefa. Por isso, esclarece:
“Embora se possa dizer, em geral, que a vocação e a missão pró-
prias dos fiéis leigos é a transformação das diversas realidades
terrenas para que toda a atividade humana seja transformada pelo
Evangelho, ninguém pode sentir-se demitido da preocupação pelos
pobres e pela justiça social: «A conversão espiritual, a intensidade
do amor a Deus e ao próximo, o zelo pela justiça e pela paz, o sen-
tido evangélico dos pobres e da pobreza são exigidos a todos.»
Temo que também estas palavras sejam objeto apenas de alguns
comentários, sem verdadeira incidência prática. Apesar disso, te-
nho confiança na abertura e nas boas disposições dos cristãos e
peço-vos que procureis, comunitariamente, novos caminhos para
acolher esta renovada proposta.” (EG 201)
18. São conhecidos e apreciados os imensos esforços e recursos utili-
zados no país, também por instituições da Igreja, para acudir aos problemas
mais urgentes dos pobres. A passagem que se segue sublinha a absoluta ur-
gência de completar essa ação com esforços destinados a resolver “as cau-
sas estruturais da pobreza.”
“A necessidade de resolver as causas estruturais da pobreza não
pode esperar (…) Os planos de assistência, que acorrem a determi-
nadas emergências, deveriam considerar-se apenas como respostas
provisórias. Enquanto não forem radicalmente solucionados os
problemas dos pobres, renunciando à autonomia absoluta dos
mercados e da especulação financeira e atacando as causas estru-
18
turais da desigualdade social, não se resolverão os problemas do
mundo e, em definitivo, problema algum. A desigualdade é a raiz
dos males sociais.” (EG 202).
• Se bem que a CNJP não seja um organismo de ação, poderá e deverá
exercer influência no sentido de favorecer esta necessidade. É tarefa
urgente.
IX) Os problemas que afetam as famílias em condições par-
ticularmente frágeis
19. Algumas passagens da Evangelii Gaudium sublinham os proble-
mas que se deparam à família. Sem prejuízo do que o próximo Sínodo venha
a trazer acerca deste assunto, são de considerar alguns aspetos cuja gravida-
de é geralmente reconhecida, embora pouco se esteja a fazer neste domínio,
designadamente a crise cultural profunda que a família atravessa e a fragili-
dade dos vínculos sociais. A CNJP tem presente que o tema da família se
situa no âmbito da Comissão Episcopal do Laicado e Família, pelo que terá
de identificar os assuntos de interesse comum, isto é, que toquem a família
e envolvam questões sociais e/económicas. Afirma a Exortação Apostólica:
“A família atravessa uma crise cultural profunda, como todas as
comunidades e vínculos sociais. No caso da família, a fragilidade
dos vínculos reveste-se de especial gravidade, porque se trata da
célula básica da sociedade, o espaço onde se aprende a conviver na
diferença e a pertencer aos outros e onde os pais transmitem a fé
aos seus filhos.” (EG 66)
“(…) O individualismo pós-moderno e globalizado favorece um es-
tilo de vida que debilita o desenvolvimento e a estabilidade dos vín-
culos entre as pessoas e distorce os vínculos familiares.” (EG 67)
O entendimento de que o matrimónio é mera forma de gratificação
afetiva é outra preocupação que o Papa sublinha nestes termos:
“O matrimónio tende a ser visto como mera forma de gratificação
afetiva, que se pode constituir de qualquer maneira e modificar-se
de acordo com a sensibilidade de cada um. Mas a contribuição in-
19
dispensável do matrimónio à sociedade supera o nível da afetivida-
de e o das necessidades ocasionais do casal.” (Ibidem)
O Papa aponta algumas situações que afetam seres humanos particu-
larmente frágeis, entre os quais os nascituros:
“entre estes seres frágeis, de que a Igreja quer cuidar com predile-
ção, estão também os nascituros, os mais inermes e inocentes de
todos, a quem hoje se quer negar a dignidade humana para poder
fazer deles o que apetece, tirando-lhes a vida e promovendo legis-
lações para que ninguém o possa impedir.” (EG 213)
• Como ficou dito, os temas aqui referidos situam-se na competência da
Comissão Episcopal do Laicado e Família, não sendo da específica com-
petência da CNJP. Acontece porém, que os problemas correspondentes
também sugerem a necessidade de comportamentos sociais e políticas
públicas que também interessam à CNJP. Nestas condições, é desejável
que existam iniciativas conjuntas dos diversos organismos interessados,
mesmo que dependentes de Comissões Episcopais distintas.
X) Conflito, diálogo e pacificação transformadora
20. Perante os graves atentados à dignidade humana e ao bem comum,
o Papa Francisco não defende a opção pelo conflito nem a resignação; pelo
contrário, defende o imperativo de:
“aceitar suportar o conflito, resolvê-lo e transformá-lo no elo de
ligação de um novo processo. «Felizes os pacificadores» (Mt, 5-9).”
(EG 227; cf. nº. 239)
Propugna, deste modo, a
“resolução num plano superior que conserva em si as preciosas
potencialidades das polaridades em contraste.” (EG nº. 228)
Para esse efeito,
“é hora de saber como projetar, numa cultura que privilegie o diá-
logo como forma de encontro, a busca de consensos e de acordos,
20
mas sem a separar da preocupação por uma sociedade justa, capaz
de memória e sem exclusões.” (Ibidem, nº. 239)
O diálogo deverá ocorrer em todas as frentes: «com o mundo»
(nº. 29); «entre a ideia e a realidade» (nº. 231-232); entre todas as pessoas,
à imagem de um verdadeiro «poliedro», incluindo as «que possam ser cri-
ticadas pelos seus erros» (nº. 236; cf. nº. 225); «com os Estados, com a
sociedade – que inclui o diálogo com as culturas e as ciências – e com os
(…) crentes que não fazem parte da Igreja Católica» (nº. 238)…
21. Recentemente, a CNJP tem vindo a promover o «diálogo social»
no interior da Igreja, envolvendo, primeiramente, as organizações de traba-
lhadores católicos (LOC, JOC e AC Rural) e de empresários cristãos (ACE-
GE), com a participação da Caritas Portuguesa e da Sociedade de São Vi-
cente de Paulo. Desde o início, foi por todos reconhecido que se não tratava
apenas de um diálogo entre interesses legítimos das partes envolvidas, mas
da procura de uma convergência à luz do ensinamento social da Igreja.
Entende a CNJP que se justifica prosseguir no esforço encetado, no
espírito que o Papa Francisco recomenda ao diálogo ecuménico:
“Devemos sempre lembrar-nos de que somos peregrinos e pe-
regrinamos juntos. Para isso, devemos abrir o coração ao com-
panheiro de estrada sem medos nem desconfianças e olhar
primariamente para o que procuramos: a paz no rosto do úni-
co Deus.” (EG 244)
XI) A liberdade religiosa no mundo
22. As situações de violação da liberdade religiosa em vários países,
que afetam de um modo particular minorias cristãs, não podem deixar de
receber a atenção da CNJP. Para esta situação têm alertado o Papa Francisco
e os bispos desses países. Os bispos iraquianos, por exemplo, vêm alertando
para o risco do desaparecimento dos cristãos no seu país, onde a presença
cristã remonta aos primeiros tempos do cristianismo.
Esta ação não pode confundir-se com alguma forma de hostilidade ao
Islão, como propõe o Papa:
21
“Frente a episódios de fundamentalismo violento que nos preocu-
pam, o afeto pelos verdadeiros crentes do Islão deve levar-nos a
evitar odiosas generalizações, porque o verdadeiro Islão e uma in-
terpretação adequada do Alcorão opõem-se a toda a violência.”
(EG 253)
• Neste domínio, a CNJP limitou-se a ecoar a tomada de posição da
Conferência Europeia das Comissões Justiça e Paz. A Comissão deve-
rá acompanhar de mais perto a evolução da situação e proceder como
parecer aconselhável.
XII) O diálogo inter-religioso
Sendo, como diz o Papa, “uma condição necessária para a paz no
mundo” (EG, 250), o diálogo inter-religioso não pode ser alheio, como não
tem sido, às preocupações da CNJP. Todavia, é desejável que o tema ganhe
maior relevância no programa de atividades da Comissão.
O Papa releva três aspetos do processo:
“Este diálogo é, em primeiro lugar, uma conversa sobre a vida hu-
mana ou simplesmente (…) «estar aberto a eles, partilhando as
suas alegrias e penas». (…) Com este método, poderemos assumir
juntos o dever de servir a justiça e a paz, que deverá tornar-se um
critério básico de todo o intercâmbio. Um diálogo no qual se pro-
curem a paz e a justiça social é em si mesmo, para além do aspeto
meramente pragmático, um compromisso ético que cria novas
condições sociais. (EG, 250)
Por outro lado, “nunca se deve descuidar o vínculo essencial entre
diálogo e anúncio (…). Um sincretismo conciliador seria, no fundo,
um totalitarismo de quantos pretendem conciliar prescindindo de
valores que os transcendem e dos quais não são donos. A verdadei-
ra abertura implica conservar-se firme nas próprias convicções
mais profundas, com uma identidade clara e feliz, mas «disponível
para compreender as do outro» e «sabendo que o diálogo pode
enriquecer a ambos».
22
Finalmente, nota o Papa que “Longe de se contraporem, a evangeli-
zação e o diálogo inter-religioso apoiam-se e alimentam-se recipro-
camente.” (EG, 251)
• Como ficou dito, a CNJP não tem ignorado este aspeto da sua missão.
É, no entanto, desejável, que atribua lugar mais relevante ao diálogo
inter-religioso, nos termos em que o Papa propõe.
Lisboa, 16 de Outubro de 2014.
Quinta do Cabeço, Porta D – 1885-076 Moscavide
Tel: 218 855 480 – Fax: 218 855 475
E-mail: comissaonjp@gmail.com • Site: www.ecclesia.pt/cnjp

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Cnjp reflexões sobre a evangelii gaudium

  • 1. Comissão Nacional Justiça e Paz REFLEXÕES SOBRE A EXORTAÇÃO APOSTÓLICA EVANGELII GAUDIUM DO PAPA FRANCISCO
  • 2.
  • 3. 3 REFLEXÕES SOBRE A EXORTAÇÃO APOSTÓLICA EVANGELII GAUDIUM DO PAPA FRANCISCO I) Razão de ser deste documento 1. É convicção da Comissão Nacional «Justiça e Paz» (CNJP) que a Exortação Apostólica Evangelii Gaudium (EG) do Papa Francisco tem im- portantes implicações no modo de entender a missão da CNJP. Nalguns as- petos, as consequências serão universais, isto é, aplicam-se às Comissões «Justiça e Paz» em geral. Noutros, poderão ter relação com o que tem sido a perspetiva e atividade da Comissão Nacional. 2. Embora perto do final do seu mandato, a CNJP considerou não de- ver furtar-se ao desafio que a EG coloca à sua missão. Dado o modo novo como o Papa caracteriza o mundo atual e a missão da Igreja, designadamen- te nos domínios que mais diretamente interessam à CNJP, a Comissão en- tende dever levar o resultado da reflexão ao conhecimento da Conferência Episcopal Portuguesa, da qual estatutariamente depende, bem como da Co- missão Episcopal para a Pastoral Social e Mobilidade Humana, perante a qual mais diretamente responde. A CNJP admite, ainda, que a reflexão tam- bém seja útil a outros organismos da Igreja, e, neste entendimento, procede à sua divulgação mais ampla. Assim, a CNJP julga corresponder, num passo inicial, ao que o Papa solicita: “A todos exorto a aplicarem, com generosidade e coragem, as orientações deste documento, sem impedimentos nem receios. Im- portante é não caminhar sozinho, mas ter sempre em conta os ir- mãos e, de modo especial, a guia dos Bispos, num discernimento pastoral sábio e realista.” (EG 33) A CNJP aproveita o ensejo para anotar também alguns pontos sugeri- dos pela sua experiência prática dos últimos anos.
  • 4. 4 3. Para facilitar a compreensão deste documento, são citadas as passa- gens da EG que mais diretamente conduziram às sugestões expressas. Como se disse, o texto ocupa-se fundamentalmente dos pontos da EG mais direta- mente relacionados com a missão da CNJP, sem no entanto esquecer que esta também está envolvida na missão evangelizadora da Igreja em geral. Por outro lado, a relação dos membros da CNJP com a Exortação Apostólica não se esgota na sua atividade enquanto membros da Comissão, uma vez que estão normalmente inseridos nas comunidades eclesiais locais, designa- damente a níveis diocesano e paroquial. São todos destinatários da Exorta- ção integral, do convite para “uma nova etapa evangelizadora” e dos ca- minhos indicados pelo Papa “para o percurso da Igreja nos próximos anos” (EG 1). Aliás, é o Papa quem sublinha o caráter abrangente da Exortação, quando afirma que “a ação missionária é o paradigma de toda a obra da Igreja” (EG 15) e convida a assumir o «estilo evangelizador» nela apresen- tado “em qualquer atividade que se realize.” (EG 18) Igualmente universal é a importância do «dinamismo de saída»: “sair da própria comodidade e ter a coragem de alcançar todas as periferias que precisam da luz do Evangelho.” (EG 20) II) Uma grande expectativa 4. O Papa revela uma grande expectativa na adesão dos cristãos às propostas e orientações que apresenta. E não esconde que o que tem em vista é uma mudança profunda da evangelização e da Igreja: “[E]spero que todas as comunidades se esforcem por atuar os meios necessários para avançar no caminho duma conversão pas- toral e missionária, que não pode deixar as coisas como estão.” (EG 25) O envolvimento da comunidade cristã implica um “caminho de con- versão pastoral e missionária”. Quer isto dizer que o que está em causa não se limita apenas a mudanças menores. A transformação é, a um tempo, ampla e profunda, a ponto de requerer uma conversão que “não pode dei- xar as coisas como estão”. Naturalmente, trata-se de um processo que re- quer tempo e, portanto, é urgente encetar.
  • 5. 5 A amplitude da mudança visada também é vasta: “Sonho com uma opção missionária capaz de transformar tudo, para que os costumes, os estilos, os horários, a linguagem e toda a estrutura eclesial se tornem um canal proporcionado mais à evan- gelização do mundo atual que à autopreservação.” (EG 27) A conversão pastoral exige uma reforma das estruturas, no sentido de: “fazer com que todas elas [estruturas] se tornem mais missioná- rias, que a pastoral ordinária em todas as suas instâncias seja mais comunicativa e aberta, que coloque os agentes pastorais em atitude constante de «saída» e, assim, favoreça a resposta positiva de todos aqueles a quem Jesus oferece a sua amizade.” (Ibidem) • Seria incompreensível que um organismo eclesial como a CNJP ficas- se indiferente a este apelo do Papa. De realçar a ênfase posta na ne- cessidade de a ação ser “mais comunicativa e aberta”, e que os agentes pastorais estejam “em atitude constante de «saída»”. • Enquanto atitude, é interdito o derrotismo de partida, com a justifica- ção de que os problemas são demasiado complexos, as resistências demasiado grandes, ou os obstáculos intransponíveis. III) O espírito e o objetivo da mudança 5. Num dos primeiros parágrafos do documento, o Papa formula um convite, que marca inequivocamente o lugar da fé neste caminho de mudan- ça: “Convido todo o cristão, em qualquer lugar e situação que se en- contre, a renovar hoje mesmo o seu encontro pessoal com Jesus Cristo ou, pelo menos, a tomar a decisão de se deixar encontrar por Ele, de o procurar dia a dia sem cessar.” (EG 3) Se bem que a parte da EG que mais diretamente interessa à missão da CNJP se refira ao que poderíamos chamar a «dimensão social da evangeli- zação», a CNJP não poderá deixar de assumir e interiorizar o espírito da proposta do Papa e o objetivo fundamental da ação. No mesmo sentido, o Papa explica a sua fundamental motivação:
  • 6. 6 “O que nos move em definitivo, o mais profundo, o maior, a razão e o sentido último de tudo o resto é este: a glória do Pai que Jesus procurou durante toda a sua existência.” (EG 267) E distinguindo claramente a missão da Igreja de um simples projeto de reforma social, afirma: “A proposta é o reino de Deus (cf. lc 4,43); trata-se de amar a Deus, que reina no mundo. Na medida em que Ele conseguir reinar entre nós, a vida social será um espaço de fraternidade, de justiça, de paz, de dignidade para todos.” (EG 180) • É sabido que as CNJPs sempre se preocuparam com o seu caráter específico enquanto organismos da Igreja. Parece, todavia, que estas palavras do Papa são um convite a que os membros da Comissão, individualmente e em conjunto, tenham momentos de aprofundamen- to desta espiritualidade, quer no que respeita ao espírito da missão, quer quanto ao objetivo último da sua ação. IV) A importância da dignidade humana e do bem comum 6. A defesa da dignidade humana e do bem comum é certamente uma das principais áreas de missão e intervenção da CNJP. O ensinamento social da Igreja vem sublinhando sistematicamente o lugar fundamental destes dois conceitos, na procura de um mundo mais humano, mais justo e mais solidário.AExortação sublinha estes valores e associa-os à missão profética da igreja: “A dignidade da pessoa humana e o bem comum estão por cima da tranquilidade de alguns que não querem renunciar aos seus privi- légios. Quando estes valores são afetados, é necessária uma voz profética.” (EG 218) 7. Uma questão que frequentemente se põe nas tomadas de posição da CNJP é o da medida em que deve descer ao “concreto”, que facilmente se confunde com opiniões partidárias. Parece, por isso, importante ter em con- ta, complementarmente com a citação anterior, a seguinte orientação cons- tante da EG:
  • 7. 7 “Os ensinamentos da Igreja acerca de situações contingentes estão sujeitos a maiores ou novos desenvolvimentos e podem ser objeto de discussão, mas não podemos evitar de ser concretos – sem pre- tender entrar em detalhes – para que os grandes princípios sociais não se fiquem em meras generalidades que não interpelam nin- guém. É preciso tirar as suas consequências práticas, para que «possam incidir com eficácia também nas complexas situações ho- diernas».” (EG 182) A necessidade de «uma voz profética» também sugere uma outra refle- xão. Ultimamente, têm surgido, dentro e fora da Igreja, vozes que advogam que não deve haver «denúncia» sem o «anúncio» de uma alternativa. Deve reconhecer-se que quando a denúncia é acompanhada pelo anúncio, a men- sagem é melhor entendida e porventura acolhida. Porém, o extremismo nesta matéria pode acabar por cercear o papel da «voz profética», com grave prejuízo para a função da «crítica» na vida da Igreja e da sociedade. Sobre- tudo quando estão em causa questões de fundo – tais como o sistema econó- mico mundial e aspetos importantes da teoria económica vigente –, não se pode esperar pela descoberta de uma alternativa acabada para denunciar o estado das coisas.A«rejeição» do que é mau ou desumano tem valor próprio que seria grave não reconhecer. • Estas palavras vêm sublinhar o lugar da promoção e defesa da digni- dade humana e do bem comum, no âmbito das preocupações da CNJP e salienta o dever de «uma voz profética», quando esses valores são «afetados». Estimula, por outro lado, a não se quedar em ecoar prin- cípios gerais que normalmente colhem a concordância geral, porven- tura sem eficácia. V) “Esta economia mata” (EG 53) 8. O Papa dedica diversos parágrafos da Exortação – designadamente, todo o capítulo IV – à dimensão social da evangelização. Trata-se de um conjunto de temas amplamente tratados em textos do Magistério da Igreja sobre a doutrina social. Acontece, todavia, que esta abordagem tem dois aspetos novos: os termos em que é feita a avaliação do mundo atual à luz dos princípios básicos daquela doutrina; e a explicitação de algumas implica- ções concretas dos mesmos princípios.
  • 8. 8 O Papa tem afirmações que põem em causa, nos seus fundamentos, alguns marcos do pensamento económico vigente e do sistema económi- co atual. Eis algumas dessas afirmações: “[H]oje devemos dizer «não a uma economia da exclusão e da de- sigualdade social». Esta economia mata.” (EG 53) De notar que a «classificação» da economia que temos surge como conclusão de um raciocínio que parte do mandamento «não matarás», o que reflete bem a gravidade da situação. Trata-se de uma agressão contra a vida e contra a vida digna. Por outro lado, o texto aponta como características fundamentais da economia que rejeita a «exclusão» e a «desigualdade so- cial» – duas realidades persistentes da nossa sociedade e que, temos de re- conhecê-lo, não têm merecido da parte dos cristãos a atenção e o esforço que reclamam. Do ponto de vista ético, deveríamos pensar em «homicídio cole- tivo», por ação ou omissão. Acresce que esta situação não é o resultado de fatores secundários ou ocasionais. Pelo contrário, “(…) o sistema social e económico é injusto na sua raiz.” (EG 59) Importa registar as características «desta» economia, que a Evangelii Gaudium menciona expressamente e que ilustram alguns dos elementos es- truturais do sistema económico vigente. “Hoje, tudo entra no jogo da competitividade e da lei do mais forte, onde o poderoso engole o mais fraco.” (EG 53) É conhecido o lugar que a «competitividade» ocupa na «corrida» para o «sucesso» (por vezes, para a sobrevivência), com manifesta vantagem dos «mais fortes». O resultado da livre concorrência é considerado como in- trinsecamente «bom», independentemente dos critérios de justiça. Naturalmente, uma das consequências de tal sistema é que “Enquanto os lucros de poucos crescem exponencialmente, os da maioria situam-se cada vez mais longe do bem-estar daquela mino- ria feliz.” (EG 56)
  • 9. 9 9. É sabido como posições ideológicas podem ser vestidas de roupa- gens técnico-científicas, aparentemente neutras no campo dos valores. A este propósito, diz o Papa: “Tal desequilíbrio provém de ideologias que defendem a autono- mia absoluta dos mercados e a especulação financeira.” (Ibidem) O que está em causa é o princípio do liberalismo. Com efeito, continua o Papa: “Por isso, negam o direito de controle dos Estados, encarregados de velar pela tutela do bem comum.” (EG 56) Noutra passagem, afirma o Papa: “O cuidado e a promoção do bem comum da sociedade compete ao Estado. Este, com base nos princípios de subsidiariedade e solida- riedade e com um grande esforço de diálogo político e criação de consensos, desempenha um papel fundamental – que não pode ser delegado – na busca do desenvolvimento integral de todos.” (EG 240) Referimos atrás a preocupação expressa pelo Papa pela promoção da dignidade humana e do bem comum, defendendo que “Quando estes valo- res são afetados, é necessária uma voz profética.” (EG 218). Aliás, “a dignidade de cada pessoa humana e o bem comum são questões que deveriam estruturar toda a política económica.” (EG 203) 10. Outra opinião cuja validade a Exortação rejeita é o que designa por «recaída favorável»: “alguns defendem ainda as teorias da «recaída favorável» que pressupõem que todo o crescimento económico, favorecido pelo li- vre mercado, consegue por si mesmo produzir maior equidade e inclusão social no mundo.” (EG 54) Nota o Papa que: “esta opinião, que nunca foi confirmada pelos factos, exprime uma confiança vaga e ingénua na bondade daqueles que detêm o poder
  • 10. 10 económico e nos mecanismos sacralizados do sistema económico reinante.” (Ibidem) Noutra passagem do documento (EG), o Papa reafirma a ideia de que: “não podemos mais confiar nas forças cegas e na mão invisível do mercado.” (EG 204) E acrescenta: “O crescimento equitativo exige algo mais do que o crescimento económico, embora o pressuponha; requer decisões, programas, mecanismos e processos especificamente orientados para uma me- lhor distribuição dos rendimentos, para a criação de oportunida- des de trabalho, para uma promoção integral dos pobres que supe- re o mero assistencialismo.” (Ibidem) Além das recomendações respeitantes à economia em geral, é particu- larmente significativo que o Papa sublinhe o facto de que o combate à po- breza, se quiser ultrapassar os limites do assistencialismo, requer uma ade- quada política económica. Não se trata de abolir as práticas assistenciais – em si indispensáveis e cujo valor deve ser sublinhado –, mas de reconhe- cer que as mesmas não conduzem à «promoção integral dos pobres.» • A CNJP terá de rejeitar inequívoca e globalmente «esta» economia, e tornar pública essa atitude. • Terá de adotar como um grande objetivo da sua ação a procura das grandes linhas de uma economia inclusiva, que não mate e que redu- za substancialmente a desigualdade social. • Esta tarefa requererá parcerias (nacionais e internacionais) com gru- pos e organismos que tenham a mesma preocupação, e carece de pessoas qualificadas adicionais para apoio permanente à CNJP. • No âmbito deste objetivo, a CNJP terá a preocupação de buscar que o sistema social e económico «injusto na sua raiz» seja substituído por outro, cada vez menos injusto. • Neste contexto, a CNJP considera que a Universidade Católica Portu- guesa poderia ser uma aliada na promoção de um modelo social e económico mais justo, correspondendo, assim, a esta preocupação da Igreja.
  • 11. 11 VI) Humanismo, valores e motivações 11. A «economia que mata» resulta de uma conceção do ser humano profundamente distorcida, e propaga uma cultura gravemente deformadora dos valores humanistas. Adverte o Papa no sentido de reconhecermos que a «crise financeira» mundial tem, na sua origem, “uma crise antropológica profunda: a nega- ção da primazia do ser humano.” (EG 55). Cremos que a experiência re- cente (e atual) do país confirma essa perceção. Por outro lado, “a crise mundial (…), põe a descoberto (…) sobretudo a grave ca- rência de uma orientação antropológica que reduz o ser humano apenas a uma das suas necessidades: o consumo.” (EG 55), sendo certo que os próprios mecanismos da economia atual “promo- vem uma exacerbação do consumo.” (EG 60). Neste sentido, se de um lado o ser humano é reduzido à sua condição de «consumidor», do outro é-lhe proposto o «consumo» como critério de realização. 12. Relaciona-se com o que fica dito a nova forma de idolatria, no “fetichismo do dinheiro” e na “ditadura de uma economia sem rosto e sem um objetivo verdadeiramente humano.” (EG 55) Finalmente, quanto às motivações, diz a Exortação: “A ambição do poder e do ter não conhece limites. Neste sistema que tende a devorar tudo para aumentar os benefícios, qualquer realidade que seja frágil, como o meio ambiente, fica indefesa face aos interesses do mercado divinizado, transformados em regra absoluta.” (EG 56) Ter em conta a ética implicaria “uma vigorosa mudança de atitudes por parte dos dirigentes políticos. (…) o dinheiro deve servir, e não go- vernar!” (EG 58) Anoção de Mammon (dinheiro) como anti-Deus1 dá ideia da gravidade da situação. É, a um tempo, problema pessoal e do sistema (que a promove e viabiliza). 1 Pe. Cantalamessa, Homilia de Sexta-Feira Santa de 2014.
  • 12. 12 VII) Hierarquia de princípios da doutrina social da Igreja 13. O que ficou dito nos parágrafos anteriores abarca, implícita ou ex- plicitamente, relevantes princípios do ensinamento social da Igreja. Tam- bém merecem destaque os que o Papa expressamente refere na Exortação. Antes do mais, o de que a doutrina social não é um conjunto de princípios avulsos, cuja ordem seja indiferente. Citando o Concílio Vaticano II, recorda o Papa que: “«existe uma ordem ou “hierarquia” das verdades da doutrina católica, já que o nexo delas com o fundamento da fé cristã é dife- rente». Isto é válido tanto para os dogmas da fé como para o con- junto dos ensinamentos da igreja, incluindo a doutrina moral.” (EG 36) Quer isto dizer que, também pelo que respeita à moral social, há prin- cípios mais importantes do que outros, e a inversão da importância pode ser tão grave ou mais grave do que a omissão de algum princípio. 14. Na secção intitulada Não a um dinheiro que governa em vez de servir, diz o Papa: “[A]nimo os peritos financeiros e os governantes dos vários países a considerarem as palavras dum sábio da antiguidade: «Não fazer os pobres participar dos seus próprios bens é roubá-los e tirar-lhes a vida. Não são nossos, mas deles, os bens que aferrolhamos.” (São João Crisóstomo, Homilia sobre Lázaro, ii, 6: pg 48, 992d.) [século iv-v] (EG 57). • O consumismo, o dinheiro e o poder são elementos perversos dura- douros da cultura contemporânea. • A idolatria do dinheiro e do numerário é uma realidade económica, cultural e social. É o principal critério de valor. São problemas que a CNJP não tem ignorado, mas que terá de abor- dar com muito mais insistência e profundidade, contrapondo um «mo- delo de felicidade» pessoal e um «modelo de sociedade» compatíveis com os valores verdadeiramente humanos e cristãos.
  • 13. 13 Este texto, designadamente as palavras de São João Crisóstomo, apoiam-se no designado «destino universal dos bens da terra», um dos princípios fundamentais da doutrina social da Igreja e que a Exortação enun- cia nestes termos: “Ele [Deus] criou todas as coisas «para nosso usufruto» (1Tm 6,17), para que todos possam usufruir delas. Por isso, a conversão cristã exige rever, «especialmente, tudo o que diz respeito à ordem social e consecução do bem comum».” (EG 182). É ponto importante do ensinamento social da Igreja que este princípio é anterior ao da propriedade privada e ao da livre concorrência2 . 2 Ver, por exemplo, Paulo VI, Populorum Progressio, 22-24. 3 Ver Caritas in Veritate e Deus Caritas est. • A noção da hierarquia de princípios da doutrina social da Igreja e da prioridade do destino universal dos bens da terra sobre a proprieda- de privada e a livre concorrência parece ser muito insatisfatoriamen- te assumida pela comunidade cristã em geral. Parece indispensável uma ação forte de promoção desses valores, tarefa em que a CNJP deverá, naturalmente, ter uma participação relevante. • A relação que o Papa estabelece entre a “ordem social e a consecu- ção do bem comum”, por um lado, e a “conversão cristã”, por outro, denuncia uma situação profundamente insatisfatória a esse respeito, a ponto de requer uma conversão em sentido autêntico do termo. 15. Infelizmente, alguns termos particularmente caros à mensagem cristã sofreram um progressivo esvaziamento da sua força e riqueza, che- gando a significar o contrário daquilo que significaram na origem. Neste contexto, Bento XVI procurou «reabilitar» a palavra «caridade», sublinhan- do que não existe caridade sem justiça e sem relação com o bem comum3 . Na encíclica Sollicitudo Rei Socialis, João Paulo II definiu em termos pesa- dos a palavra «solidariedade». O Papa Francisco sente necessidade de aler- tar, uma vez mais, para o risco de tomar esta palavra de modo superficial. Neste sentido, recorda que:
  • 14. 14 “a palavra «solidariedade» significa muito mais do que alguns atos esporádicos de generosidade; supõe a criação de uma nova men- talidade que pense em termos de comunidade, de prioridade da vida de todos sobre a apropriação dos bens por parte de alguns.” (EG 188) E pouco depois acrescenta: “A solidariedade é uma reação espontânea de quem reconhece a função social da propriedade e o destino universal dos bens como realidades anteriores à propriedade privada. A posse privada dos bens justifica-se para cuidar deles e aumentá-los de modo a servi- rem melhor o bem comum, pelo que a solidariedade deve ser vivida como a decisão de devolver ao pobre o que lhe corresponde. (…) Uma mudança nas estruturas, sem se gerar novas convicções e atitudes, fará com que essas mesmas estruturas, mais cedo ou mais tarde, se tornem corruptas, pesadas e ineficazes.” (EG 189) Já antes tinha explicado que: “a nossa resposta de amor também não deveria ser entendida como uma mera soma de pequenos gestos pessoais a favor de al- guns indivíduos necessitados, o que poderia constituir uma «cari- dade por receita», uma série de ações destinadas apenas a tranqui- lizar a própria consciência.” (EG 180) As referências que frequentemente se ouvem a que “não estamos a fa- zer caridade, mas justiça” parece revelar a necessidade de continuar a «rea- bilitação» dos termos «caridade» e «solidariedade», na senda dos Papas. Trata-se, naturalmente, de reabilitar as palavras e de levar à prática o seu conteúdo. A seriedade de noções como as da «caridade» e da «solidariedade» bem mereciam uma formação generalizada das comunidades cristãs.
  • 15. 15 VIII) A inclusão social dos pobres 16. Este é, certamente, um dos temas que mais diretamente interessa à missão da CNJP. Logo no início da respetiva secção, o Papa faz quatro afir- mações particularmente contundentes: “No coração de Deus, ocupam lugar preferencial os pobres.” (EG 197) “Deriva da nossa fé em Cristo, que se fez pobre e sempre se apro- ximou dos pobres e marginalizados, a preocupação pelo desenvol- vimento integral dos mais abandonados da sociedade.” (EG 186) “Cada cristão e cada comunidade são chamados a ser instrumen- tos de Deus ao serviço da libertação e promoção dos pobres, para que possam integrar-se plenamente na sociedade; isto supõe esta- rem docilmente atentos, para ouvir o clamor do pobre e socor- rê-lo.” (EG 187) “[A] falta de solidariedade, nas suas necessidades [do pobre], influi diretamente sobre a nossa relação com Deus.” (Ibidem) Temos de reconhecer que estas palavras colocam o problema do «po- bre» no interior da espiritualidade cristã de uma forma a que não estávamos habituados. E não fica dúvida alguma sobre o caráter universal desta respon- sabilidade. • Pelo que respeita à CNJP, em particular, não sendo um organismo de ação prática (contrariamente ao que acontece com a Comissão Jus- tiça e Paz alemã), o seu contributo terá de se ajustar à sua natureza. Certamente, isto não deve prejudicar a necessidade de a Comissão ter uma intervenção e uma presença na sociedade, que valorize, e muito, o compromisso cristão com os pobres, nomeadamente encon- trando espaços de proximidade e convivência com os pobres de for- ma a melhor os poder conhecer e defender, quer através da vivência dos seus membros quer através de iniciativas institucionais.
  • 16. 16 17. A Exortação Evangelii Gaudium merece não só uma leitura, mas muitas leituras e uma reflexão atenta. Não pode deixar de impressionar que o Papa interprete o pedido de Jesus aos discípulos «Dai-lhes vós mesmos de comer» (Mc 6,37), num sentido abrangente, “que envolve tanto a cooperação para resolver as causas estrutu- rais da pobreza e promover o desenvolvimento integral dos pobres, como os gestos mais simples e diários de solidariedade para com as misérias muito concretas que encontramos.” (EG 188) Um tema que não tem estado no âmbito das preocupações das CNJP portuguesas é o dos problemas à escala mundial. Relativamente aos proble- mas de pobreza e exclusão, trata-se, sem dúvida, de uma omissão que urge colmatar. Acresce que vivemos hoje em tempo de globalização, realidade que traz imensas vantagens, mas também inconvenientes. A atenção solidá- ria com os pobres de outros países e continentes deverá, certamente, entrar no conjunto das preocupações da CNJP, na linha do conselho do Papa: “Às vezes trata-se de ouvir o clamor de povos inteiros, dos povos mais pobres da Terra. (…) Para falarmos adequadamente dos nos- sos direitos, é preciso alongar mais o olhar e abrir os ouvidos ao clamor dos outros povos ou de outras regiões do próprio país. Pre- cisamos de crescer numa solidariedade que «permita a todos os povos tornarem-se artífices do seu destino», tal como «cada ho- mem é chamado a desenvolver-se».” (EG 190) • Um possível caminho para o lançamento desta frente de intervenção poderia ser promover uma aproximação com as Comissões Justiça e Paz dos outros países de língua portuguesa, incluindo Timor. “[O] nosso sonho voa mais alto”, diz o Papa: “Não se fala apenas de garantir a comida ou um digno «sustento» para todos, mas «prosperidade e civilização nos seus múltiplos as- petos». Isto engloba educação, acesso aos cuidados de saúde e espe- cialmente trabalho porque, no trabalho livre, criativo, participati- vo e solidário, o ser humano exprime e engrandece a dignidade da sua vida. O salário justo permite o acesso adequado aos outros bens que estão destinados ao uso comum.” (EG 192)
  • 17. 17 Torna-se claro o grau de exigência que decorre da solidariedade e do destino universal dos bens, que, uma vez mais, transcende o entendimento corrente dos cristãos nesta matéria: “O nosso compromisso não consiste exclusivamente em ações ou em programas de promoção e assistência; aquilo que o Espírito põe em movimento não é um excesso de ativismo, mas primaria- mente uma atenção prestada ao outro «considerando-o como um só consigo mesmo». Esta atenção amiga é o início duma verdadeira preocupação pela sua pessoa e, a partir dela, desejo de procurar efetivamente o seu bem.” (EG 199) Uma vez mais, o Papa parece recear que nem todos na Igreja se sintam envolvidos nesta tarefa. Por isso, esclarece: “Embora se possa dizer, em geral, que a vocação e a missão pró- prias dos fiéis leigos é a transformação das diversas realidades terrenas para que toda a atividade humana seja transformada pelo Evangelho, ninguém pode sentir-se demitido da preocupação pelos pobres e pela justiça social: «A conversão espiritual, a intensidade do amor a Deus e ao próximo, o zelo pela justiça e pela paz, o sen- tido evangélico dos pobres e da pobreza são exigidos a todos.» Temo que também estas palavras sejam objeto apenas de alguns comentários, sem verdadeira incidência prática. Apesar disso, te- nho confiança na abertura e nas boas disposições dos cristãos e peço-vos que procureis, comunitariamente, novos caminhos para acolher esta renovada proposta.” (EG 201) 18. São conhecidos e apreciados os imensos esforços e recursos utili- zados no país, também por instituições da Igreja, para acudir aos problemas mais urgentes dos pobres. A passagem que se segue sublinha a absoluta ur- gência de completar essa ação com esforços destinados a resolver “as cau- sas estruturais da pobreza.” “A necessidade de resolver as causas estruturais da pobreza não pode esperar (…) Os planos de assistência, que acorrem a determi- nadas emergências, deveriam considerar-se apenas como respostas provisórias. Enquanto não forem radicalmente solucionados os problemas dos pobres, renunciando à autonomia absoluta dos mercados e da especulação financeira e atacando as causas estru-
  • 18. 18 turais da desigualdade social, não se resolverão os problemas do mundo e, em definitivo, problema algum. A desigualdade é a raiz dos males sociais.” (EG 202). • Se bem que a CNJP não seja um organismo de ação, poderá e deverá exercer influência no sentido de favorecer esta necessidade. É tarefa urgente. IX) Os problemas que afetam as famílias em condições par- ticularmente frágeis 19. Algumas passagens da Evangelii Gaudium sublinham os proble- mas que se deparam à família. Sem prejuízo do que o próximo Sínodo venha a trazer acerca deste assunto, são de considerar alguns aspetos cuja gravida- de é geralmente reconhecida, embora pouco se esteja a fazer neste domínio, designadamente a crise cultural profunda que a família atravessa e a fragili- dade dos vínculos sociais. A CNJP tem presente que o tema da família se situa no âmbito da Comissão Episcopal do Laicado e Família, pelo que terá de identificar os assuntos de interesse comum, isto é, que toquem a família e envolvam questões sociais e/económicas. Afirma a Exortação Apostólica: “A família atravessa uma crise cultural profunda, como todas as comunidades e vínculos sociais. No caso da família, a fragilidade dos vínculos reveste-se de especial gravidade, porque se trata da célula básica da sociedade, o espaço onde se aprende a conviver na diferença e a pertencer aos outros e onde os pais transmitem a fé aos seus filhos.” (EG 66) “(…) O individualismo pós-moderno e globalizado favorece um es- tilo de vida que debilita o desenvolvimento e a estabilidade dos vín- culos entre as pessoas e distorce os vínculos familiares.” (EG 67) O entendimento de que o matrimónio é mera forma de gratificação afetiva é outra preocupação que o Papa sublinha nestes termos: “O matrimónio tende a ser visto como mera forma de gratificação afetiva, que se pode constituir de qualquer maneira e modificar-se de acordo com a sensibilidade de cada um. Mas a contribuição in-
  • 19. 19 dispensável do matrimónio à sociedade supera o nível da afetivida- de e o das necessidades ocasionais do casal.” (Ibidem) O Papa aponta algumas situações que afetam seres humanos particu- larmente frágeis, entre os quais os nascituros: “entre estes seres frágeis, de que a Igreja quer cuidar com predile- ção, estão também os nascituros, os mais inermes e inocentes de todos, a quem hoje se quer negar a dignidade humana para poder fazer deles o que apetece, tirando-lhes a vida e promovendo legis- lações para que ninguém o possa impedir.” (EG 213) • Como ficou dito, os temas aqui referidos situam-se na competência da Comissão Episcopal do Laicado e Família, não sendo da específica com- petência da CNJP. Acontece porém, que os problemas correspondentes também sugerem a necessidade de comportamentos sociais e políticas públicas que também interessam à CNJP. Nestas condições, é desejável que existam iniciativas conjuntas dos diversos organismos interessados, mesmo que dependentes de Comissões Episcopais distintas. X) Conflito, diálogo e pacificação transformadora 20. Perante os graves atentados à dignidade humana e ao bem comum, o Papa Francisco não defende a opção pelo conflito nem a resignação; pelo contrário, defende o imperativo de: “aceitar suportar o conflito, resolvê-lo e transformá-lo no elo de ligação de um novo processo. «Felizes os pacificadores» (Mt, 5-9).” (EG 227; cf. nº. 239) Propugna, deste modo, a “resolução num plano superior que conserva em si as preciosas potencialidades das polaridades em contraste.” (EG nº. 228) Para esse efeito, “é hora de saber como projetar, numa cultura que privilegie o diá- logo como forma de encontro, a busca de consensos e de acordos,
  • 20. 20 mas sem a separar da preocupação por uma sociedade justa, capaz de memória e sem exclusões.” (Ibidem, nº. 239) O diálogo deverá ocorrer em todas as frentes: «com o mundo» (nº. 29); «entre a ideia e a realidade» (nº. 231-232); entre todas as pessoas, à imagem de um verdadeiro «poliedro», incluindo as «que possam ser cri- ticadas pelos seus erros» (nº. 236; cf. nº. 225); «com os Estados, com a sociedade – que inclui o diálogo com as culturas e as ciências – e com os (…) crentes que não fazem parte da Igreja Católica» (nº. 238)… 21. Recentemente, a CNJP tem vindo a promover o «diálogo social» no interior da Igreja, envolvendo, primeiramente, as organizações de traba- lhadores católicos (LOC, JOC e AC Rural) e de empresários cristãos (ACE- GE), com a participação da Caritas Portuguesa e da Sociedade de São Vi- cente de Paulo. Desde o início, foi por todos reconhecido que se não tratava apenas de um diálogo entre interesses legítimos das partes envolvidas, mas da procura de uma convergência à luz do ensinamento social da Igreja. Entende a CNJP que se justifica prosseguir no esforço encetado, no espírito que o Papa Francisco recomenda ao diálogo ecuménico: “Devemos sempre lembrar-nos de que somos peregrinos e pe- regrinamos juntos. Para isso, devemos abrir o coração ao com- panheiro de estrada sem medos nem desconfianças e olhar primariamente para o que procuramos: a paz no rosto do úni- co Deus.” (EG 244) XI) A liberdade religiosa no mundo 22. As situações de violação da liberdade religiosa em vários países, que afetam de um modo particular minorias cristãs, não podem deixar de receber a atenção da CNJP. Para esta situação têm alertado o Papa Francisco e os bispos desses países. Os bispos iraquianos, por exemplo, vêm alertando para o risco do desaparecimento dos cristãos no seu país, onde a presença cristã remonta aos primeiros tempos do cristianismo. Esta ação não pode confundir-se com alguma forma de hostilidade ao Islão, como propõe o Papa:
  • 21. 21 “Frente a episódios de fundamentalismo violento que nos preocu- pam, o afeto pelos verdadeiros crentes do Islão deve levar-nos a evitar odiosas generalizações, porque o verdadeiro Islão e uma in- terpretação adequada do Alcorão opõem-se a toda a violência.” (EG 253) • Neste domínio, a CNJP limitou-se a ecoar a tomada de posição da Conferência Europeia das Comissões Justiça e Paz. A Comissão deve- rá acompanhar de mais perto a evolução da situação e proceder como parecer aconselhável. XII) O diálogo inter-religioso Sendo, como diz o Papa, “uma condição necessária para a paz no mundo” (EG, 250), o diálogo inter-religioso não pode ser alheio, como não tem sido, às preocupações da CNJP. Todavia, é desejável que o tema ganhe maior relevância no programa de atividades da Comissão. O Papa releva três aspetos do processo: “Este diálogo é, em primeiro lugar, uma conversa sobre a vida hu- mana ou simplesmente (…) «estar aberto a eles, partilhando as suas alegrias e penas». (…) Com este método, poderemos assumir juntos o dever de servir a justiça e a paz, que deverá tornar-se um critério básico de todo o intercâmbio. Um diálogo no qual se pro- curem a paz e a justiça social é em si mesmo, para além do aspeto meramente pragmático, um compromisso ético que cria novas condições sociais. (EG, 250) Por outro lado, “nunca se deve descuidar o vínculo essencial entre diálogo e anúncio (…). Um sincretismo conciliador seria, no fundo, um totalitarismo de quantos pretendem conciliar prescindindo de valores que os transcendem e dos quais não são donos. A verdadei- ra abertura implica conservar-se firme nas próprias convicções mais profundas, com uma identidade clara e feliz, mas «disponível para compreender as do outro» e «sabendo que o diálogo pode enriquecer a ambos».
  • 22. 22 Finalmente, nota o Papa que “Longe de se contraporem, a evangeli- zação e o diálogo inter-religioso apoiam-se e alimentam-se recipro- camente.” (EG, 251) • Como ficou dito, a CNJP não tem ignorado este aspeto da sua missão. É, no entanto, desejável, que atribua lugar mais relevante ao diálogo inter-religioso, nos termos em que o Papa propõe. Lisboa, 16 de Outubro de 2014.
  • 23.
  • 24. Quinta do Cabeço, Porta D – 1885-076 Moscavide Tel: 218 855 480 – Fax: 218 855 475 E-mail: comissaonjp@gmail.com • Site: www.ecclesia.pt/cnjp