O documento descreve a tuberculose, incluindo sua prevalência, sintomas, períodos de incubação e transmissibilidade. A doença afeta principalmente países em desenvolvimento e indivíduos economicamente ativos. O diagnóstico é feito através de exames bacteriológicos, cultura, prova tuberculínica e estudos de líquidos e tecidos.
1. Tuberculose
Descrição
A tuberculose (TB) é um problema de saúde prioritário no Brasil, e juntamente com outros 21
países em desenvolvimento, alberga 80% dos casos mundiais da doença. Estima-se que, cerca
de um terço da população mundial, esteja infectada com o Mycobacterium tuberculosis, estando
sob risco de desenvolver a enfermidade. Em torno de oito milhões de casos novos e quase 3
milhões de mortes por tuberculose, ocorrem anualmente. Nos países desenvolvidos é mais
frequente entre as pessoas idosas, nas minorias étnicas e imigrantes estrangeiros. Nos países em
desenvolvimento, estima-se que ocorram 95% dos casos e 98% das mortes causadas pela
doença, ou seja, mais de 2,8 milhões de mortes por tuberculose e 7,5 milhões de casos novos,
atingindo a todos os grupos etários, com maior predomínio nos indivíduos economicamente ativos
(15-54 anos) da sociedade. No Brasil, os homens adoecem duas vezes mais do que as mulheres.
No país estima-se que, do total da população, mais de 50 milhões de pessoas estejam infectados
pelo M. tuberculosis, com aproximadamente 80 mil casos novos por ano. O número de mortes
pela doença, em nosso meio, é de 4 a 5 mil, anualmente. Com o surgimento, em 1981, da
síndrome de imunodeficiência adquirida (SIDA/aids), vem-se observando, tanto em países
desenvolvidos como nos países em desenvolvimento, um crescente número de casos notificados
de tuberculose, em pessoas infectadas pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV). A
associação (HIV/TB) constitui, nos dias atuais, um sério problema de saúde pública, podendo
levar ao aumento da morbidade e mortalidade pela TB, em muitos países.
Período de incubação
Após a infecção pelo M. tuberculosis, transcorrem, em média, 4 a 12 semanas para a detecção
das lesões primárias. A maioria dos novos casos de doença pulmonar ocorre em torno de 12
meses após a infecção inicial. A probabilidade de o indivíduo vir a ser infectado, e de que essa
infecção evolua para a doença, depende de múltiplas causas, destacando-se, dentre estas, a
idade avançada, as condições sócio-econômicas e algumas condições médicas (diabetes mellitus,
alcoolismo, silicose, uso prolongado de corticosteróides ou outros imunossupressores, neoplasias,
uso de drogas, infecção pelo HIV e pacientes submetidos a gastrectomia ou bypass intestinal). A
evolução do quadro clínico dependerá do indivíduo estar sendo infectado pela primeira vez (primo-
infecção), ou reinfectado (reinfecção exógena). A probabilidade de adoecer numa primo-infecção
depende da virulência do bacilo, da fonte infectante e das características genéticas dos indivíduos
infectados. Em novo contato, após uma infecção natural ou induzida pela BCG, a resistência
dependerá da resposta imunológica.
Período de transmissibilidade
A transmissão é plena enquanto o doente estiver eliminando bacilos, e não tiver iniciado o
tratamento. Com o esquema terapêutico recomendado, a transmissão é reduzida, gradativamente,
a níveis insignificantes, ao fim de poucos dias ou semanas. As crianças, com tuberculose
pulmonar, geralmente não são infectantes.
Período de Infecção
Um indivíduo que receba uma carga infecciosa de bacilos da tuberculose, pela primeira vez
(primo-infecção), e que 1 a 2 bacilos alcancem o pulmão, vencendo as defesas da árvore
respiratória, localizando-se nos alvéolos da periferia pulmonar, apresentará uma reação
inflamatória e exsudativa de tipo inespecífica. Aproximadamente, em 15 dias, os bacilos podem
multiplicar-se livremente, porque ainda não existe imunidade adquirida. Nesse período, os
bacilos podem alcançar número superior a 105 e, partindo da lesão pulmonar, atingir a via linfo-
hematogênica, comprometendo os linfonodos e órgãos dos diversos sistemas e aparelhos,
principalmente o fígado, o baço, a medula óssea, os rins e o sistema nervoso. Essa disseminação
é considerada “benigna”, de poucos bacilos, que ficarão latentes, ou serão destruídos pela ação
da imunidade que se instalará. No início da 2a ou 3a semana, o organismo normal, reconhecendo
a presença de elemento estranho, é capaz de mobilizar seu sistema de defesa imunológico
específico, acontecendo a luta hospedeiro-invasor, visando a destruição ou inativação do agente
agressor. Passa a haver, então, no pulmão, no local da inoculação inicial, um foco pequeno,
2. arredondado, de 1 a 2 mm, esbranquiçado, de consistência amolecida e constituído,
principalmente, por material caseoso. Esse foco é circundado por afluxo celular de linfócitos,
células epitelióides (macrófagos ativados e modificados) e macrófagos (foco primário), localizado
principalmente no terço médio, compreendendo a parte inferior do lobo superior, lobo médio e,
particularmente, o ápice do lobo inferior. Normalmente, esse nódulo é único, e com as dimensões
mencionadas, mas há relatos da existência de múltiplos focos primários e de focos de maiores
dimensões. À associação do foco primário aos gânglios satélites da sua região, dá-se o nome de
Complexo Primário de Ranke. O foco pulmonar regressivo, que pode ser visto nas radiografias,
chama-se foco de Gohn. Cerca de 90% da população infectada consegue bloquear o avanço do
processo, a partir da formação do complexo primário de Ranke, permanecendo apenas como
infectados.
Tuberculose primária – ocorre durante uma primo-infecção, pode evoluir tanto a partir do
foco pulmonar, quanto do foco ganglionar ou, então, em consequência da disseminação
hematogênica. Isso acontece em 5% dos primo-infectados.
Tuberculose pós-primária – ocorre no organismo que tem sua imunidade desenvolvida,
tanto pela infecção natural quanto pelo BCG. Dos primo-infectados, 5% adoecerão tardiamente,
em consequência do recrudescimento de algum foco já existente no seu organismo (reativação
endógena). Também pode ocorrer a reinfecção exógena, ou seja, o paciente adoecer por receber
nova carga bacilar do exterior. O quadro clínico não apresenta nenhum sinal ou sintoma
característico. Observa-se, normalmente, comprometimento do estado geral, febre baixa
vespertina com sudorese, inapetência e emagrecimento. Quando a doença atinge os pulmões, o
indivíduo pode apresentar dor torácica e tosse produtiva, acompanhada ou não de escarros
hemoptóicos. A tosse produtiva é o sintoma mais frequente da forma pulmonar. Nas crianças
também é comum o comprometimento ganglionar mediastínico e cervical (forma primária), que se
caracteriza por lesões bipolares: parênquima e gânglios. Nos pacientes adultos, maiores de 15
anos, a tuberculose atinge os pulmões em cerca de 90% dos casos. Nos menores de 15 anos,
este percentual é de 75%, podendo, entretanto, se localizar em outras partes do organismo: rins,
ossos e meninges, dentre outras, em função das quais se expressará clinicamente. Uma das
formas mais graves é a tuberculose miliar, decorrente de disseminação hematogênica com
acometimento sistêmico, quadro tóxico infeccioso importante e grande risco de meningite. Os
pulmões se apresentam difusamente ocupados por pequenas lesões. Os demais órgãos também
podem ser acometidos por lesões idênticas.
Na criança e adolescente, com suspeita de tuberculose, as manifestações clínicas podem ser
variadas. A maioria dos casos apresenta febre, habitualmente moderada, persistente por mais de
15 dias, e frequentemente vespertina. São comuns irritabilidade, tosse, perda de peso, sudorese
noturna, às vezes profusa. Muitas vezes, a suspeita de tuberculose é feita em casos de
pneumonia de evolução lenta, que não vem apresentando melhora com o uso de antimicrobianos
para bactérias comuns. Em crianças e adolescentes, há predomínio da localização pulmonar,
sobre as formas de tuberculose extrapulmonares. A suspeita deve ser realizada na presença de
linfadenopatia cervical ou axilar, após excluir adenite infecciosa aguda, com evidentes sinais
flogísticos. Na presença de reação forte ao PPD, está indicado o tratamento. Os achados
radiográficos mais sugestivos de tuberculose, nessa faixa etária, são: adenomegalias hilares e/ou
paratraqueais (gânglios mediastínicos aumentados de volume); pneumonias com qualquer
aspecto radiológico (de evolução lenta, às vezes associadas a adenomegalias mediastínicas, ou
que cavitam durante a evolução) e o infiltrado nodular difuso (padrão miliar). Deve-se sempre
investigar se houve contato prolongado com adulto doente de tuberculose pulmonar bacilífera, ou
com história de tosse por três semanas ou mais. Os casos suspeitos de tuberculose em crianças e
adolescentes devem ser encaminhados para a unidade de referência, para investigação e
confirmação do diagnóstico. Após definição do diagnóstico e estabelecido o tratamento, a criança
deverá voltar para acompanhamento na Unidade Básica de Saúde.
Diagnóstico Laboratorial
Exame Bacteriológico: a pesquisa bacteriológica é o método mais importante, seguro, rápido e
de baixo custo para o diagnóstico, controle do tratamento e vigilância de resistência aos
tuberculostáticos. Pode ser realizado de duas maneiras:
3. Exame direto (pesquisa de BAAR): recomenda-se coleta de três amostras de secreção das
vias aéreas inferiores, em dias subseqüentes, pela manhã, antes do desjejum. Pacientes pobres
em escarro podem fazer a indução do mesmo a partir da nebulização com solução salina
hipertônica (NaCl 3%). É importante salientar que todo paciente com suspeita de tuberculose deve
permanecer em isolamento respiratório até que seja considerado não-bacilífero (três pesquisas de
BAAR no escarro negativas). Pode-se proceder ainda à pesquisa de BAAR nas fezes, quando da
presença de quadro diarréico sugestivo. Este material deve chegar rapidamente ao laboratório ou,
se necessário, ser conservado em geladeira até seu processamento. A pesquisa nas fezes deve
ser incentivada em todos os casos suspeitos, independente da forma de apresentação clínica;
Cultura para micobactéria: está indicada nos casos suspeitos que se mantêm com baciloscopia
negativa, nas situações de falência terapêutica (para observação de resistência), nas formas
extrapulmonares (cultura do líquor, sangue, urina, fezes, aspirado ganglionar, líquido pleural,
líquido pericárdico e macerado de biópsia). Após o isolamento, quando disponível, é feito o teste
de sensibilidade aos tuberculostáticos e tipificação do bacilo.
Prova Tuberculínea (PPD): representa um método auxiliar para o diagnóstico de pacientes não-
imunizados com BCG. Quando negativa, sugere a investigação de outras doenças que possam ter
apresentação semelhante à tuberculose. Quando positiva, indica contato atual ou pregresso com
a micobactéria, necessitando de outros achados que confirmem a infecção. Sabe-se que
indivíduos imunodeprimidos podem apresentar reação anérgica ao PPD, mesmo quando
gravemente enfermos pela doença. Apesar da interpretação dificultada em nosso meio, o PPD
ainda é solicitado de rotina, quando disponível, para todos pacientes com suspeita de tuberculose,
imunocompetentes ou não.
Estudo Do Líquido Pleural/Pericárdico: o líquido deve ser enviado para o Laboratório de
Bacteriologia e também para o Laboratório de Anatomia Patológica para exame de citologia; o
exsudato é a característica dos derrames cavitários por tuberculose. A celularidade costuma ser
baixa, mas sempre com predomínio de linfócitos (acima de 90%). Nos derrames pleurais, o líquido
costuma ser pobre em células mesoteliais. O aumento da ADA (adenosina deaminase) guarda
certa especificidade com os derrames tuberculosos, especialmente se seu valor encontra-se
acima de 40UI/l e há combinação com outros fatores sugestivos, como idade inferior a 45 anos,
pleocitose às custas de linfócitos e proteínas=4,5g/dl. Sempre que possível, o procedimento de
drenagem de derrame pleural (seja para fins de alívio ou diagnóstico) deve ser seguido de biópsia
de pleura, com envio do fragmento para o Laboratório de Anatomia Patológica.
Estudo do Líquor: geralmente de aspecto límpido ou discretamente turvo, com celularidade
aumentada, porém inferior a 500céls./mm3, com predomínio de linfócitos, hipoglicorraquia
(<40mg/dl), hiperproteinorraquia intensa e exames bacteriológico e micológico negativos. Apesar
da baixa taxa de crescimento, o material deve ser cultivado para micobactéria.
Estudo Anatomo-Patológico: a presença de reação granulomatosa, com ou sem necrose
caseosa, e ainda, a presença de bacilos álcool-ácido resistentes (BAAR) fazem o diagnóstico de
tuberculose. O material a ser estudado pode ser resultado de biópsia de linfonodos enfartados ou
fistulizados, de pleura, pericárdio, mucosa gastrintestinal, bexiga, rins, pele, medula óssea ou
fígado. Ultimamente temos tido boa experiência com o diagnóstico presuntivo de tuberculose à
análise de biópsia hepática. Portanto, em casos de difícil diagnóstico, com vistas ao início da
terapêutica específica, sugerimos a biópsia hepática de rotina para estes pacientes, desde que
tenham condições clínicas para tal procedimento.