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OLHAR ATENTO Os alunos da
Fundação Bradesco observam a
composição da pilha para comprovar
ideias. Foto: Kriz Knack
Iniciação científica nas séries inciais
Observar, registrar e comprovar hipóteses sem simplificar a
linguagem nem infantilizar. Esse é o caminho para a iniciação
científica
Anderson Moço, de Marília, SP
Quem convive com crianças em casa ou
leciona para as séries iniciais do Ensino
Fundamental não tem dúvida: para os
pequenos, perguntar é uma necessidade. Do
ponto de vista pedagógico, eles estão
corretos: perguntar é uma das maneiras mais eficientes de
conhecer o mundo. Que tal aproveitar a força dos "por
quês"? O estímulo ao questionamento gerou resultados
luminosos na classe de 1º ano da professora Inês Prates
Galindo Borges na Escola de Educação Básica e
Profissional Fundação Bradesco, em Marília, a 443
quilômetros de São Paulo. Por lá, dúvidas teimosas intrigavam a criançada: o que acontece
quando as pilhas usadas são jogadas no lixo? Qual a melhor forma de descartá-las?
A curiosidade armazenada tinha potencial para virar uma excelente iniciativa didática. Foi o
que fez Inês. Cheia de energia, ela concebeu um projeto que transformou seus alunos em
pequenos cientistas - e lhe rendeu o troféu de Educadora Nota 10 no Prêmio Victor Civita de
2008 (leia mais detalhes sobre o trabalho dela no quadro abaixo).
O mérito de Inês foi mostrar como o conhecimento científico explica problemas do dia-a-
dia. "Formulando claramente a questão a ser investigada e conduzindo a classe nas
descobertas, ela conseguiu realizar um belo projeto de iniciação científica", diz Luciana
Hubner, coordenadora de pesquisa e desenvolvimento da Sangari Brasil e selecionadora do
Prêmio Victor Civita.
Nas séries iniciais, o trabalho com Ciências exige que se respeitem as especificidades da
faixa etária. Mas, diferentemente do que muita gente pensa, isso não significa substituir os
termos científicos ou inundar os textos com diminutivos na esperança de que as crianças
entendam melhor. É importante não simplificar conceitos nem infantilizar. "No 1º e no 2º
ano, o trabalho de pesquisa pode tranquilamente incluir a leitura em livros e revistas antes
mesmo de as crianças saberem ler. Além de ser uma atividade de alfabetização, a prática
contribui para que todos aprendam a buscar informações específicas, uma competência
essencial na disciplina", diz Luciana.
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LEITURA INFORMATIVA Inês apresentou
textos científicos para auxiliar a garotada
no processo de alfabetização. Foto: Kriz
Knack
Respeito ao potencial dos pequenos
Inês Prates Galindo Borges nasceu em Marília
na véspera do Natal de 1964. Professora desde
os 20 anos, por três anos abandonou a carreira
para trabalhar como secretária, mas não
conseguiu ficar muito tempo longe da sala de
aula. Ingressou num curso de Pedagogia e
retornou à docência como alfabetizadora da
Fundação Bradesco em Osasco, na Grande São
Paulo, onde ficou até se transferir para a
unidade de Marília. Casada há 12 anos, ela tem
dois filhos - Iuri, 10 anos, e Ana, 6.
Objetivos
O trabalho vencedor do Prêmio Victor Civita amplia o escopo dos projetos que
costumam ser feitos em educação ambiental (que, geralmente, apenas mapeiam os
tipos de resíduo domiciliar e promovem campanhas de coleta de material reciclável).
Depois de eleger um foco junto com a turma - discutir os problemas ambientais
ocasionados pelo descarte de pilhas no lixo comum -, Inês criou um projeto que não
descuidando da conscientização ecológica, elegeu como foco a iniciação científica.
O passo-a-passo
"Para descobrir o que as crianças pensavam sobre o descarte de pilhas, promovi uma
discussão e entreguei um questionário para que os pais apontassem o destino dado às
pilhas usadas", explica Inês. A professora privilegiou o contato com textos
informativos: além de revistas e enciclopédias, os pequenos consultaram até a
legislação ambiental sobre o assunto. As estratégias para a interpretação do material
iam da leitura pela professora à exploração em grupo, com os estudantes em processo
de alfabetização estabelecendo hipóteses sobre o que estava escrito. No laboratório, ao
conhecer uma pilha por dentro, a criançada comparou com o que havia lido e visto nos
textos. No fim, para enfatizar a importância da busca de fontes diversas numa pesquisa,
ela convidou um engenheiro ambiental para sanar possíveis dúvidas.
Avaliação
Além de se basear na participação das crianças nas atividades e nos registros delas -
textos curtos e desenhos de observação -, Inês avaliou a apreensão de conteúdo durante
a campanha sobre o descarte de pilhas. Com a ajuda da professora, os pequenos
prepararam textos informativos, organizaram apresentações para os colegas de outras
turmas e distribuíram coletores de pilha pela cidade. A iniciativa deu tão certo que elas
foram chamadas para dar uma palestra sobre o assunto na prefeitura.
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ANOTAR DETALHES Cada passo deve
ser registrado. É o primeiro contato
com os aspectos clássicos da
disciplina. Foto: Kriz Knack
Procedimentos científicos têm de ser abordados desde
cedo
Considerando essas especificidades, já é possível pensar num projeto que sirva para
apresentar as Ciências aos pequenos. Antes de tudo, nunca é demais relembrar que muitos
projetos começam com uma pergunta. E perguntas não aparecem do nada: é natural que
surjam de situações do dia-a-dia (leia sequência didática sobre a função do fermento na
fabricação de pão) ou do interesse da turma - no caso de Inês, a questão sobre as pilhas veio
porque as crianças, estimuladas pela escola a fazer coleta seletiva de lixo, não sabiam o que
fazer com pilhas e baterias velhas.
Mas cuidado: as dúvidas dos alunos têm de ser a faísca que mobiliza o interesse, não um fim
em si mesmo. Em outras palavras, trata-se de transformar uma simples indagação em
situação-problema, em que a turma põe em jogo seus conhecimentos por meio de uma série
de procedimentos para chegar à resposta e aprender o conteúdo desejado.
Em Ciências, a estrutura que permeia as investigações tem,
ao menos, quatro passos fundamentais. O primeiro deles, o
levantamento de hipóteses, é uma decorrência do
questionamento inicial. É o passo em que os pequenos
expõem ideias que serão comprovadas ou refutadas mais
adiante. "Ao imaginar caminhos para tentar resolver um
problema, o aluno reconstrói o conhecimento. E isso é
justamente um dos principais objetivos da Educação
escolar", ressalta Luciana. Na classe de Inês, os alunos de 6
anos tinham várias explicações para o que acontece com a
pilha no lixo:
- Ela explode!
- Não, ela nunca se desmancha.
- Nada disso. Sai um líquido que faz mal e provoca doenças!
A etapa seguinte é o levantamento de informações. Além de ampliar o conhecimento sobre o
tema pesquisado, essa fase ajuda a criança a treinar o olhar para a observação científica,
sabendo com mais precisão o que anotar em uma experiência prática, por exemplo. Levando
revistas, livros e textos científicos para a sala, você pode deixar a turma explorar o material e
ler os textos mais significativos. "Se aparecerem conceitos difíceis, é preciso explicá-los
sem reduzir o sentido", relembra Luciana. Por isso, é tão importante se preparar e conhecer
profundamente o objeto de pesquisa.
O momento da experimentação, geralmente tido como o ápice do projeto, deve ser encarado
apenas como mais uma etapa da aquisição de conhecimento. "Costumo brincar, dizendo que as
crianças não aprendem com a mão, mas por meio da reflexão que ocorre ao longo de todo o
processo", afirma Luciana.
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FONTES DIVERSAS Uma opção é
recorrer a especialistas para resolver
as dúvidas mais específicas. Foto: Kriz
Knack
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Buscar informações precede a experiência e segue depois
dela
Inês, por exemplo, ao mostrar uma pilha por dentro no
laboratório, frisou a localização e a aparência das
substâncias químicas - que, como a turma havia aprendido,
vazavam das pilhas descartadas. Outra recomendação é que a
experiência seja documentada em textos ou desenhos.
Conteúdo procedimental obrigatório, o registro permeia
todas as etapas e contribui para que o aluno reflita sobre
suas hipóteses iniciais, dando mais um passo para
comprová-las (ou não).
Entretanto, muitas vezes a experiência pode deixar velhas
dúvidas no ar ou suscitar novas - cabe a você avaliar se elas justificam outro projeto de estudo
ou se podem ser sanadas com o aprofundamento da pesquisa. Se for esse o caso, vale
incentivar a turma a seguir vasculhando a resposta por meio de uma volta aos livros, uma
navegada na internet ou uma entrevista com um especialista. Não importa o método: o que
interessa é mostrar a importância de pesquisar e aprender com uma variedade de fontes.
No exemplo de Inês, os pequenos do 1º ano aprenderam tanto sobre o conteúdo proposto que
decidiram - sim, a ideia partiu deles! - socializar o conhecimento com as outras turmas da
escola, organizando apresentações e uma campanha de recolhimento de pilhas. Vivenciando
todas as etapas da investigação científica, eles superaram o senso comum e se tornaram
experts no assunto.
Quer saber mais?
CONTATOS
Escola de Educação Básica e Profissional Fundação Bradesco, R. Benedito Alves Delfino, s/nº,
17512-043, Marília, SP, tel. (14) 3425-1444
Inês Prates Galindo Borges
Luciana Hubner
BIBLIOGRAFIA
A Didática das Ciências, Jean Pierre Astolfi e outros, 136 págs., Ed. Papirus, tel. (19) 3272-4500,
31,90 reais
Didática das Ciências Naturais: Contribuições e Reflexões, Hilda Weissmann, 248 págs., Ed.
Artmed, tel. 0800-703-3444 (edição esgotada)
18/03/13 Imprima
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Publicado em NOVA ESCOLAEdição 220, Março 2009,

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  • 2. 18/03/13 Imprima revistaescola.abril.com.br/imprima-essa-pagina.shtml?http://revistaescola.abril.com.br/ciencias/fundamentos/quero-ver-mundo-427356.shtml?page=all 2/5 LEITURA INFORMATIVA Inês apresentou textos científicos para auxiliar a garotada no processo de alfabetização. Foto: Kriz Knack Respeito ao potencial dos pequenos Inês Prates Galindo Borges nasceu em Marília na véspera do Natal de 1964. Professora desde os 20 anos, por três anos abandonou a carreira para trabalhar como secretária, mas não conseguiu ficar muito tempo longe da sala de aula. Ingressou num curso de Pedagogia e retornou à docência como alfabetizadora da Fundação Bradesco em Osasco, na Grande São Paulo, onde ficou até se transferir para a unidade de Marília. Casada há 12 anos, ela tem dois filhos - Iuri, 10 anos, e Ana, 6. Objetivos O trabalho vencedor do Prêmio Victor Civita amplia o escopo dos projetos que costumam ser feitos em educação ambiental (que, geralmente, apenas mapeiam os tipos de resíduo domiciliar e promovem campanhas de coleta de material reciclável). Depois de eleger um foco junto com a turma - discutir os problemas ambientais ocasionados pelo descarte de pilhas no lixo comum -, Inês criou um projeto que não descuidando da conscientização ecológica, elegeu como foco a iniciação científica. O passo-a-passo "Para descobrir o que as crianças pensavam sobre o descarte de pilhas, promovi uma discussão e entreguei um questionário para que os pais apontassem o destino dado às pilhas usadas", explica Inês. A professora privilegiou o contato com textos informativos: além de revistas e enciclopédias, os pequenos consultaram até a legislação ambiental sobre o assunto. As estratégias para a interpretação do material iam da leitura pela professora à exploração em grupo, com os estudantes em processo de alfabetização estabelecendo hipóteses sobre o que estava escrito. No laboratório, ao conhecer uma pilha por dentro, a criançada comparou com o que havia lido e visto nos textos. No fim, para enfatizar a importância da busca de fontes diversas numa pesquisa, ela convidou um engenheiro ambiental para sanar possíveis dúvidas. Avaliação Além de se basear na participação das crianças nas atividades e nos registros delas - textos curtos e desenhos de observação -, Inês avaliou a apreensão de conteúdo durante a campanha sobre o descarte de pilhas. Com a ajuda da professora, os pequenos prepararam textos informativos, organizaram apresentações para os colegas de outras turmas e distribuíram coletores de pilha pela cidade. A iniciativa deu tão certo que elas foram chamadas para dar uma palestra sobre o assunto na prefeitura.
  • 3. 18/03/13 Imprima revistaescola.abril.com.br/imprima-essa-pagina.shtml?http://revistaescola.abril.com.br/ciencias/fundamentos/quero-ver-mundo-427356.shtml?page=all 3/5 ANOTAR DETALHES Cada passo deve ser registrado. É o primeiro contato com os aspectos clássicos da disciplina. Foto: Kriz Knack Procedimentos científicos têm de ser abordados desde cedo Considerando essas especificidades, já é possível pensar num projeto que sirva para apresentar as Ciências aos pequenos. Antes de tudo, nunca é demais relembrar que muitos projetos começam com uma pergunta. E perguntas não aparecem do nada: é natural que surjam de situações do dia-a-dia (leia sequência didática sobre a função do fermento na fabricação de pão) ou do interesse da turma - no caso de Inês, a questão sobre as pilhas veio porque as crianças, estimuladas pela escola a fazer coleta seletiva de lixo, não sabiam o que fazer com pilhas e baterias velhas. Mas cuidado: as dúvidas dos alunos têm de ser a faísca que mobiliza o interesse, não um fim em si mesmo. Em outras palavras, trata-se de transformar uma simples indagação em situação-problema, em que a turma põe em jogo seus conhecimentos por meio de uma série de procedimentos para chegar à resposta e aprender o conteúdo desejado. Em Ciências, a estrutura que permeia as investigações tem, ao menos, quatro passos fundamentais. O primeiro deles, o levantamento de hipóteses, é uma decorrência do questionamento inicial. É o passo em que os pequenos expõem ideias que serão comprovadas ou refutadas mais adiante. "Ao imaginar caminhos para tentar resolver um problema, o aluno reconstrói o conhecimento. E isso é justamente um dos principais objetivos da Educação escolar", ressalta Luciana. Na classe de Inês, os alunos de 6 anos tinham várias explicações para o que acontece com a pilha no lixo: - Ela explode! - Não, ela nunca se desmancha. - Nada disso. Sai um líquido que faz mal e provoca doenças! A etapa seguinte é o levantamento de informações. Além de ampliar o conhecimento sobre o tema pesquisado, essa fase ajuda a criança a treinar o olhar para a observação científica, sabendo com mais precisão o que anotar em uma experiência prática, por exemplo. Levando revistas, livros e textos científicos para a sala, você pode deixar a turma explorar o material e ler os textos mais significativos. "Se aparecerem conceitos difíceis, é preciso explicá-los sem reduzir o sentido", relembra Luciana. Por isso, é tão importante se preparar e conhecer profundamente o objeto de pesquisa. O momento da experimentação, geralmente tido como o ápice do projeto, deve ser encarado apenas como mais uma etapa da aquisição de conhecimento. "Costumo brincar, dizendo que as crianças não aprendem com a mão, mas por meio da reflexão que ocorre ao longo de todo o processo", afirma Luciana.
  • 4. 18/03/13 Imprima revistaescola.abril.com.br/imprima-essa-pagina.shtml?http://revistaescola.abril.com.br/ciencias/fundamentos/quero-ver-mundo-427356.shtml?page=all 4/5 FONTES DIVERSAS Uma opção é recorrer a especialistas para resolver as dúvidas mais específicas. Foto: Kriz Knack Gostou desta reportagem? Assine NOVA ESCOLA e receba muito mais em sua casa todos os meses! Buscar informações precede a experiência e segue depois dela Inês, por exemplo, ao mostrar uma pilha por dentro no laboratório, frisou a localização e a aparência das substâncias químicas - que, como a turma havia aprendido, vazavam das pilhas descartadas. Outra recomendação é que a experiência seja documentada em textos ou desenhos. Conteúdo procedimental obrigatório, o registro permeia todas as etapas e contribui para que o aluno reflita sobre suas hipóteses iniciais, dando mais um passo para comprová-las (ou não). Entretanto, muitas vezes a experiência pode deixar velhas dúvidas no ar ou suscitar novas - cabe a você avaliar se elas justificam outro projeto de estudo ou se podem ser sanadas com o aprofundamento da pesquisa. Se for esse o caso, vale incentivar a turma a seguir vasculhando a resposta por meio de uma volta aos livros, uma navegada na internet ou uma entrevista com um especialista. Não importa o método: o que interessa é mostrar a importância de pesquisar e aprender com uma variedade de fontes. No exemplo de Inês, os pequenos do 1º ano aprenderam tanto sobre o conteúdo proposto que decidiram - sim, a ideia partiu deles! - socializar o conhecimento com as outras turmas da escola, organizando apresentações e uma campanha de recolhimento de pilhas. Vivenciando todas as etapas da investigação científica, eles superaram o senso comum e se tornaram experts no assunto. Quer saber mais? CONTATOS Escola de Educação Básica e Profissional Fundação Bradesco, R. Benedito Alves Delfino, s/nº, 17512-043, Marília, SP, tel. (14) 3425-1444 Inês Prates Galindo Borges Luciana Hubner BIBLIOGRAFIA A Didática das Ciências, Jean Pierre Astolfi e outros, 136 págs., Ed. Papirus, tel. (19) 3272-4500, 31,90 reais Didática das Ciências Naturais: Contribuições e Reflexões, Hilda Weissmann, 248 págs., Ed. Artmed, tel. 0800-703-3444 (edição esgotada)