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ÍNDICE




01			                         Apresentação do projeto CROMO SAPIENS
02			   O X da questão na exposição ContraBando, por Rubens Pileggi Sá
08			                                          Vídeo instalação GALDINO
10			           NOTÍCIAS FABRICADAS, texto de Manoel Silvestre Friques
15			                   NO ÁLBUM, FIGURA A RUA, texto de Rafaela Tasca
18			                                            Réplica do jornal EXTRA
20			                                             Ações CROMO SAPIENS
22			                                Opiniões do público e outros textos
A  Secretaria de Estado de Cultura (SEC) vem trabalhando desde 2008 para
   difundir, estimular e fortalecer a cultura do Rio de Janeiro, criando mecanismos
de fomento e políticas estruturantes para o setor, em todas suas vertentes, buscando
contemplar  todos os setores e áreas, desde as manifestações mais tradicionais, e
abrangendo agentes culturais de todo o estado.

Como parte desse trabalho, a SEC criou o edital de Artes Visuais, com a finalidade de
incentivar a criação artística, bem como a integração cultural, a pesquisa de novas
linguagens, a formação e o aprimoramento de pessoal de sua área de atuação.

Balizado por esses parâmetros, o edital proporcionou apoio financeiro a projetos que
propunham a circulação, o intercâmbio e a implementação de ações de Artes Visuais
no Rio de Janeiro, visando estimular a multiplicidade e a diversidade de tendências e
linguagens.

Através do edital, a SEC contemplou projetos como este, de exposições de arte,
intervenções urbanas e organização, conservação e catalogação de acervos
referentes à memória e ao patrimônio das artes visuais no estado. E, assim, reiterou
o compromisso do Governo do Rio de Janeiro de oferecer uma programação plural, de
qualidade, ampla e diferenciada.




                                   Secretaria de Estado de Cultura do Rio de Janeiro
projeto
                                 CROMO SAPIENS

          “Esses olhos são roubados. É azul. É de uma mulher que trabalha ali. Por isso que eu não posso trabalhar.”
                                                         Clara Nunes Pereira do Santos, abordada na Rua da Glória




                      CROMO SAPIENS é um projeto de arte centrado na questão da exclusão e da
                       mobilidade social das grandes cidades. Sua estratégia é a de dar voz aos mo-
                                radores de rua, mendigos e andarilhos que perambulam pelo centro
                                   do Rio de Janeiro. Iniciou-se em 2009 com uma pesquisa sobre o
                                   sonho de pessoas que nada de material possuiam e se desdobrou
                                em álbum de figurinhas, vídeo instalações, ações perfomáticas, in-
                    tervenções urbanas e, também, afetos dos mais diversos níveis. Sua execução
                    só foi possível graças ao patrocínio da Secretaria de Cultura do Estado do Rio de
                     Janeiro, após ter sido selecionado pelo edital de apoio às artes, de 2010.

                      O nome CROMO SAPIENS foi pensado a partir da ideia de que saímos da Era
                      do homo sapiens e “evoluímos” para uma Era em que tudo se transforma em
      imagem para ser comercializada, em produto reprodutível, para ser colecionado e colado em
um álbum, tornado arquivo, transformado em registro, dados numéricos, pixels eletrônicos. Quando
Andy Warhol disse que “no futuro todas as pessoas teriam direito a quinze minutos de fama”, ele
não podia prever que esse tempo, hoje, se tornou quase uma eternidade. Pessoas sem nenhum dife-
rencial se tornam estrelas de um minuto para outro e depois desaparecem no anonimato de onde
vieram. Talvez, os últimos que ainda faltam ser incluídos nessa lista de ‘cromos’ sejam, justamente,
os mendigos, os andarilhos, os moradores de rua. Assim a estratégia do trabalho é a de buscar
transformar seres “invisíveis” em figurinhas colecionáveis e dar-lhes voz, através de seus sonhos,
ou da impossibilidade deles. Afinal, como disse Paul Klee, “a arte torna o invisível, visível”.

A presente publicação tem como objetivo reunir as diversas manifestações que se desdobra-
ram do projeto, como textos críticos, opiniões do público e várias fotos, além de apresentar os
trabalhos realizados, levantar um pequeno histórico das fases do projeto e comentar sobre o álbum
de figurinhas, descrevendo como se deu sua circulação e distribuição.


Rio de Janeiro - maio de 2012

                                                                                                                   1
O X da questão na exposição Contrabando
Localizando a ação
	          Esse texto trata da situação vivenciada              deira. Ações fora do circuito oficial da arte sempre
entre os dias 10, 11 e 12 junho de 2011, durante o              são bem vindas e, com essa atitude, ainda melhor.
evento CONTRABANDO, realizado no formato de uma                 Assim, na reunião, após uma rápida olhada pelo
exposição de arte dentro de um apartamento de                   espaço da casa, tinha decidido o que gostaria de
classe média alta, no Flamengo, que acabara de ser              exibir. Estávamos em uma roda falando de nossa
reformado. Diante de uma das janelas da fachada do              ideias e, quando chegou a minha vez, disse que
prédio, com vistas para o Pão de Açúcar, na Cidade              gostaria de levar um mendigo para pernoitar na
Maravilhosa, foi realizada a proposta do trabalho X,            residência durante o tempo que ali ocorresse o
de minha autoria. Além de relatar a situação viven-             evento artístico. Senti que peguei pesado, pois um
ciada, que, como veremos, é, em si, um trabalho de              grave silêncio sucedeu à minha fala e as pessoas
arte, busco, também, refletir sobre as consequên-               pareceram se surpreender com o que eu havia dito.
cias desta obra em meio a outras obras inseridas                Em um misto de cumplicidade com terror sincero
na referida mostra.                                             de quem precisa que seu evento seja bem sucedido,
                                                                Pedro, o curador, me pergunta: “mendigo?”. E eu: “é,
O convite                                                       sim, meu amigo. Ele costuma perambular bem aqui
	          Quem me indicou para participar do even-             embaixo, no aterro”. “Mas ele fede?”, perguntou-me
to foi meu professor e parceiro Roberto Corrêa dos              novamente. Tive certeza, naquele momento, que o
Santos, que vinha acompanhando de perto o que eu                trabalhado tinha tudo para ser forte, mas dificil-
andava fazendo, à época. Assim, fui apresentado ao              mente seria levado a cabo. “Bem, tenho outra ideia,
curador da mostra, Pedro Moreira Lima, em reunião               mas acho que essa tem mais a ver com o trabalho
com os artistas, para conversar sobre a exposição               que venho desenvolvendo atualmente...”
e apresentar nossas ideias de trabalhos ligados ao
tema da mostra, além de informar os locais onde                 Procurando um canto
instalar cada obra no apartamento, que estava ter-              	         A reunião deu uma esfriada ali mesmo.
minando de ser reformado. Um detalhe anterior a                 Mas como eu já tinha olhado a casa e escolhido
esse fato é que quando recebi o texto da curadoria              um lugar perto da janela com vista para o Pão de
pelo e-mail, alguns dias antes, entendi que era pre-            Açúcar, disse que aquele chão era um bom local
ciso pensar em uma ideia forte, compatível com o                para colocar um papelão e um cobertor para o meu
                                                                amigo dormir. Apenas gostaria de escrever um X
que tinha sido escrito.      Ressalto um trecho do
                                                                na parede, delimitando um espaço. Estava preocu-
release da exposição:
     “(...)almeja corporeificar o trânsito daquilo que escapa   pado em criar um local onde ele se sentisse menos
     da zona de conforto de um circuito oficial. Talvez esta    deslocado no ambiente e resolvi delimitar um lugar
     seja a possibilidade semântica mais literal, já que tal    dentro da casa para acomodá-lo, sem, óbvio, excluir
     exposição se realiza num “espaço-tempo do nosso co-        outros espaços que ele quisesse permanecer.
     tidiano”, à margem do aparato museológico. No entanto,
                                                                	         Lembro-me, ainda, que alguém objetou
     penso que nossa ação contrabandista vá além desse
     entendimento. Deseja inspirar, também, afetos que vão      se era apenas um ou mais de um mendigo, porque
     a contrapelo dos hábitos já domesticados pela síndrome     senão iria virar uma bagunça. E outra coisa que
     legalista que nossa cultura vive na contemporaneidade.”    eu ainda disse foi que eu até preferiria que ele
                                                                viesse depois do evento fechar e saísse antes da
	          Pensei, os caras não estão para brinca-              casa abrir para visitação. Como o evento iria durar
                                                                                                                   3
apenas três dias, não seria muito difícil adminis-       Passaram-se dois anos e, um dia, o vi no meio da
    trar as entradas e saídas do nosso amigo, que iria       calçada, no Catete, perto do lugar onde eu tinha
    viver uma situação inusitada: de morador de rua a        acabado de me mudar. Emocionado, fui falar com
    frequentador de mansão no Flamengo.                      ele. “Você não é o Luiz Carlos Marques da Silva?”.
    Passaram-se alguns instantes e Pedro veio me diz-        “Como você sabe?” Ele respondeu. Estava muito
    er que aprovava a ideia, mas que eu deveria mostrar      mais magro, sujo, sem camisa. Muito diferente do
    o homem ao menos na noite da vernissage. Eu topei.       personagem que eu tinha entrevistado, fotografado
                                                             e filmado. E estava bêbado, louco, delirando. Corri
    Luiz Carlos Marques da Silva                             em casa, peguei um álbum para mostrar para ele o
    	           Fui falar com o Luiz Carlos, mas estava      trabalho que tinha realizado – anda em fase de pro-
    muito sem jeito sobre como explicar para ele sobre o     jeto - passei na lanchonete, comprei um lanche, um
    que se tratava o trabalho. Ele costumava ficar atrás     suco para levar e mostrei a foto dele no álbum. Cheio
    das canchas de futebol do aterro. Junto com outros       de ‘amor para dar’, ele ficava querendo me beijar,
    moradores de rua. Lá ele é conhecido como Bin, de        me abraçar, ficava querendo agarrar minha mão,
    Bin Laden, por causa da barba que usa.                   beijar minha mão e eu não sabia o que fazer direito.
    	           Que karma! Mas podia contar com um           Pediu dinheiro, disse que eu ia ficar rico com as fo-
    amigo fiel que o chamava carinhosamente de PQD,          tos que tinha feito dele e, aos poucos, fui me safando
    “porque o Luiz foi paraquedista no exército”. E esse     e fotografando nossa despedida. Agora ele era o Luiz
    amigo era chamado de Bárti. Um garoto de pouco           Carlos dos cromos 26, 36, 39, 40, 41 e 42.
    mais de 20 anos, portador de HIV, que vivia cheio        Além disso, quando o jornal EXTRA quis fazer uma en-
    de feridas pelo corpo. Um doce de pessoa. Educadís-      trevista comigo, conseguimos localizar o Luiz Carlos
    simo. Um tempo depois, Bárti acabou indo procurar        que, gentilmente, aceitou falar de sua vida à repórter
    internamento no sanatório, em Manguinhos e nós não       do jornal e, com a matéria publicada, nos tornamos
    soubemos mais dele. Luiz Carlos sempre teve fé que       personalidades do bairro por um dia.
    um dia ele iria voltar para uma visita, e que ele iria   	           Voltando à conversa sobre a proposta
    conseguir sair dessa vida de rua. Foi por causa dele     do apartamento no Flamengo, quem me salvou foi
    e do Luiz Carlos que cheguei à conclusão que essas       o Bárti, indo direto ao ponto: “ele quer expôr você
    pessoas são delicadas demais para viver e se inserir     como obra de arte”. Respirei aliviado. Era isso que eu
    no capitalismo selvagem que vivemos. Eles não pos-       queria dizer, mas estava com vergonha de falar. “Eu
    suem defesas contra as estruturas de poder da nos-       já ‘tava’ desconfiado”, mandou Luiz Carlos. E topou.
    sa sociedade e se tornam uma espécie de marginais
    que, ao se revelarem – como aconteceu neste caso         Negociações
    – estão muito mais para flor do que para monstros,       	          Acontece que, nesse ínterim, a dona da
    como são vistos. “Não é todo mundo igual eu, não. Eu     casa desaprovou o trabalho e o curador mandou
    tenho Jesus no meu coração”. Uma das frases que          um e-mail pedindo desculpas sobre o fato ocorrido,
    Luiz Carlos vive repetindo, assim como outra que diz:    mas confirmando meu nome para apresentar um
    “Há três mil metros, no fundo do poço, a gente não       trabalho lá. Não aquele, claro! Passei dias tentando
    ‘veve’, a gente vegeta”.                                 ter uma boa ideia e cheguei a rabiscar um projeto
    	           Conheci Luiz Carlos durante o tempo em       que não tinha nada a ver com morador de rua, que
    que estava buscando os sonhos dos moradores              iria apresentar ao curador, em outra reunião. Uma
    de rua no centro da cidade para fazer o álbum de         noite, pelo facebook, comecei a conversar com a
    figurinhas NOWHEREMAN. Depois não o vi mais.             dona do apartamento – que é minha amiga - e, meio
4
para reclamar, meio para fazer uma piada da situa-        ele fosse ‘de casa’, tentando passar alguma naturali-
ção, disse que ela tinha ‘censurado’ meu trabalho.        dade e espontaneidade que tornava tudo mais incô-
No que ela responde prontamente que o problema            modo ainda, de ambas as partes. E o detalhe é que o
era no prédio e não com ela, pois havia um coronel        Luiz Carlos estava sem tomar banho há mais de um
no edifício que poderia impedir até a realização do       ano! Havia um constrangimento solene no ar. Uma
evento, caso acontecesse de cruzar com um mendigo         senhora me disse que apertar a mão dele foi uma
subindo o elevador.                                       experiência de textura como nunca ela tinha sentido
	          Na noite da reunião, encontrei com ela e       igual.
o marido dela e perguntei a ele por que o trabalho        	           Uma boa parte dos artistas e convida-
não podia ser realizado, no que ele me disse que,         dos acompanhavam e participavam de outras per-
por ele, tudo bem, que o trabalho poderia ocorrer,        formances e um artista, aproveitando o tema do
sim. Opa, as coisas estavam começando a ficar mais        evento, foi fantasiado de Bin Laden. Também isso
interessantes! Chamei o curador, a dona da casa e         era estranho. Porque enquanto um se positivava se
o marido dela para conversarmos e estabeleceu-se          representando como ‘terrorista’, o outro, em uma
que o trabalho poderia acontecer, mas nas seguintes       condição sem nenhuma escolha na vida, era conhe-
condições: que o mendigo só poderia entrar, sair e        cido como Bin Laden lá no meio dele, não porque ele
permanecer no prédio comigo junto. E que nós dois         fosse terrorista, mas porque era barbudo, marginal
deveríamos marcar presença no dia da vernissage.          e sujo.
“Fechado”, eu concordei.                                  	           Sentia que já tinha cumprido meu dever e
                                                          queria proteger o Luiz Carlos daquela situação que
A obra                                                    já tinha virado festa, quando aparecem duas garotas
	          No dia da vernissage, passamos pelo por-       para conversar com o Luiz Carlos e eu aproveitei
teiro que apenas pediu para que eu assinasse uma          para buscar um refrigerante no bar para tomar-
lista e nos liberou a subida pelo elevador. Por sorte     mos. Mas eis que, quando retorno do bar, estava
não cruzamos o coronel. Logo chegamos ao aparta-          acontecendo uma performance com distribuição de
mento transformado em galeria, salão de festas e          bebida alcoólica e uma das garotas pegou um copo
centro cultural temporário onde iria ser apresen-         e ofereceu ao seu mais novo e íntimo amigo e, depois
tado, em meio a uma profusão de performances,             que ele bebeu um copo, ela foi pegar outro copo para
vídeos, instalações, desenhos, pinturas, discoteca-       ele beber e eu corri para impedí-la de fazer isso. Ela,
gem e bebidas, a obra X. Já tinha garantido a janta do    então, me cobra o fato de estar achando o trabalho
meu amigo e, por enquanto, estava tudo bem. Fomos         interessante justamente porque mistura uma pes-
para o nosso canto e ficamos na nossa, respondendo        soa de um mundo sem acesso à diversão e à arte,
às perguntas das pessoas que queriam saber sobre          com pessoas desse outro mundo, mas que estava me
o nosso trabalho e, de fato, o Luiz Carlos foi bastante   achando ‘careta’ porque queria censurar a diversão
procurado para conversar. Era impossível não per-         de alguém que, justo eu, tinha trazido para a festa.
ceber ali a tensão entre dois mundos completamente        “eu vou dar a bebida, sim. Ele não é sua obra!”, falou,
separados um do outro e, ao mesmo tempo, entre            impositivamente. “Ele é minha obra, sim!”, respondi
pessoas que se cruzam o tempo todo, andando pelas         com o mesmo ímpeto e, antes que ele bebesse o ter-
mesmas ruas. Foi uma espécie de choque para as            ceiro copo, perguntei se ele queria ir, ele disse que
pessoas do mundo da arte e isso era notado pela           tudo bem, e fomos embora.
falta de jeito com que elas se aproximavam do Luiz.       	           Na saída, Luiz Carlos me pediu uma parte
Algumas moças beijavam ele, abraçavam, como se            do dinheiro que a gente tinha combinado pelo
                                                                                                                5
trabalho. “Claro, pois não, precisa de mais?”, respon-   sua casa para beberem juntos, para provar que ele,
    di, mostrando gratidão. “Não, doutor (ele me chama       mesmo sendo um mendigo, é irmão e amigo, e de-
    por doutor), isso aqui basta”. Ainda fiquei obser-       vemos tratar a todos de igual para igual. Mas perdi
    vando ele se distanciando, com a bolsa murcha à          a piada e só pensei na resposta depois que o fato
    tiracolo levando todas as coisas que possui na vida.     ocorreu. Ou, então, que ele estava lá a trabalho e
    Um (mais um) corpo magro e franzino cortando a           fim de papo.
    madrugada carioca.
    	           No outro dia, de tarde, passei lá no ‘es-    Relações entre o mundo e as coisas do mundo
    conderijo do Bin’ para levá-lo ao “trabalho”, como       	          O caso é que era eu a trabalhar com
    combinado. Ele estava imprestável, bêbado, louco,        alguém considerado marginal e isso leva a mil in-
    delirando, pior do que a vez que nos reencontramos.      terpretações, como a de estar usando uma pessoa
    Alucinado. Escorria de seu cabelo algo gosmento          para humilhá-la ou, até, de estar sujando o aparta-
    como a textura de um ovo cru quebrado. Era um            mento novo da moça de família. No entanto, há vári-
    sábado de tarde e ele estava no meio das pessoas         os artistas trabalhando com essa mesma temática
    que tinham ido ao campo para jogar bola, beber e         e os piores casos são aqueles que ou querem falar
    conversar. Fiquei com medo que o machucassem             pelo Outro, ou querem denunciar uma situação,
    e me senti responsável por sua sorte, naquele            transformando arte em mensagem ou estetizando
    momento. “Ei, cara, o que aconteceu com você?”,          a miséria. Em todo caso, o que aconteceu naquele
    indaguei. Ele mal respondeu qualquer coisa. Tirei ele    apartamento foi um afastamento tão determinado
    daquele lugar e ele não parava de xingar o mundo, a      da representação que tornou-se, aos olhos de quem
    vida, de me xingar e nada mais. Comprei uma pinga        viu de longe e não quis se aproximar, um desafio.
    do camelô e fiquei bebendo, deixando ele blasfemar       E para os que chegaram perto, a única alternativa
    até eu perder a paciência e ir embora. Esse foi o X      era, em algum momento, por melhor que fosse a
    da questão.                                              intenção, buscar o desvio: “pensei que você tinha
    	           Mas qual era a questão que a obra colo-      trazido ele aqui para se misturar no meio de nós”,
    cava? Confesso que a indignação da garota sobre          teria sido uma das falas da garota indignada. Dentro
    o fato dele não ser minha obra, perturbou-me. En-        dessa fala, teríamos apenas uma relação de mão
    quanto fazíamos nossa ação – Luiz Carlos e eu - uma      única em um terreno onde só existe livre arbítrio e
    das minhas preocupações naquele ambiente de arte         nós não estaríamos sujeitados a nada. “A economia
    do apartamento transformado em galeria para um           não nos impede de dar as mãos”, poderia ter sido a
    evento era a de manter a distância entre público e       fala da senhora que se perturbou com a textura das
    ação de arte. E criar uma situação de diferença en-      mãos do Luiz Carlos. Mas essa é a capa da indife-
    tre o que era dado a ser visto e o ambiente de festa     renciação que o capitalismo quer dar às relações
    e curtição que acabou se instalando no local, evitan-    entre as pessoas e o mundo. Entre o mundo e os
    do, assim, a banalização. Era essa a resistência que     objetos, para que tudo se transforme em matéria
    eu quis manter, até o final. Bastaria dizer à garota     de consumo. O experimente de ontem é o compre de
    que ele, o Luiz Carlos, era um adicto, um viciado. Que   amanhã.
    ele não pode tomar um trago porque enquanto tiver        	          De fato, o Luiz não é meu objeto. Ou, ele
    bebida e droga ele vai querer mais e mais, até o fim.    só se tornou meu objeto na medida em que eu sou o
    E depois seria encontrado na rua como um trapo           objeto dele, também. E, na medida que haviam vários
    sujo jogado. Ou, então, usando da ironia, poderia ter    níveis de relação, seja com o espaço, com o lugar e
    dito a ela que, para provar amizade, que o levasse à     com o público. Estávamos lá trabalhando e aquele
6
era um trabalho que deveria ser mantido. Caso meu                              REPERCUSSÃO
“objeto de arte” começasse a beber, ou eu, como
propositor da obra começasse a beber, e nos sol-               LUIZ CARLOS MARQUES DA SILVA
tássemos no meio da festa, o trabalho teria ido para
o espaço. E eu perderia a chance de mostrar o que              “e, apontando com o dedo, ele me falava de um
eu tinha ido lá para mostrar: uma relação de tensão.           lugar chamado o fundo do poço. um lugar sem
Tensão com os outros artistas e seus trabalhos,
                                                               lugar, porque, aonde quer que fosse, o fundo do
tensão com a dona da casa, tensão com o curador,
tensão com o coronel do prédio. E, não uma relação
                                                               poço o esperava à sua frente, e ainda o per-
de integração. Pois essa integração iria sugerir uma           seguia. no fundo do poço havia faca, bala, por-
mentira. Seria de uma inocência hipócrita. Depois              rada, e o mais que havia, como fome, doença,
da festa voltaríamos a ser quem éramos e eu te-                trapos, era feito nos moldes da falta. quando se
ria que me desculpar porque não tive a capacidade              livrava aqui de uma delas, era para encontrá-la
de levar meu trabalho às últimas consequências.                de novo ali, sem demora, à espera, mas tão às
Não teria sido profissional. Assim, misturar teria             claras que nem emboscada havia. e ele me fa-
sido matar a tensão trazida pela presença do “de               lava que, no fundo do poço, só havia amizade ao
fora”. Arte, se não há uma intenção, se não há um              preço de uma guimba de cigarro, de um trago
desejo de comunicação, não pode existir como arte.             de cachaça, de uma ponta de pão mesmo que
Mesmo um trabalho desses, onde a comunicação é                 dormida, fora disso, sem um preço a ser pago,
a incapacidade de compreensão, de tradução de um               nada de amizade havia, já que a própria amizade
mundo para outro.                                              só havia na duração do preço que a pagava, não
	          Bárti ainda não apareceu, mas o Luiz Car-           mais do que isso. era do fundo do poço que ele
los ainda tem fé que ele volte. Só que o Luiz Carlos           me falava. e ele me falava que, no fundo do
brigou com o resto do bando e não se mistura mais              poço, era preciso manter a dignidade, manter
com eles. Eu também me mudei da redondeza e não                a mente em seu devido lugar, saber apanhar
vejo mais o Luiz Carlos, mas tenho saudades. E ainda
                                                               sem querer revidar, saber dormir onde quer
não fiquei rico, como ele me disse, quando mostrei a
                                                               que fosse (chegando a tanto fazer se seria lá
figurinha com a foto dele.
                                                               ou aqui que iria sonhar), aprender a se camu-
                                           Foto: Liza Santos   flar de fumaça, asfalto, lixo. e, com seu bafo de
                                                               nicotina e tabaco, acrescentando que cada um
                                                               tem sua cruz, ele, a dele, eu, a minha, ele me
                                                               falava que, no fundo do poço, pouco importava
                                                               a já mínima vontade, mas o único e exclusivo
                                                               gesto, o de amar – ao ponto de não se sentir
                                                               incomodado em ter seu fundo do poço contra-
                                                               bandeado para este evento na cobertura em
                                                               que estávamos, onde iria dormir no chão, ao
                                                               lado do artista que o trouxe, de frente para o
                                                               mar, na qual, trazendo-nos o fundo do poço, ele
                                                               me falava.”

X: Rubens Pileggi da Silva e Luiz Carlos Marques da Silva      Alberto Pucheau
                                                                                                               7
GALDINO
Instalação: projeção de vídeo sobre cobertor,
texto e ventilador, 2012
NOTÍCIAS FABRICADAS
Instalação em 03 partes: Folhas de jornal (03 verdadeiras e 02 paródias), relógio preparado e travesseiros sonorizados
Por uma arte política: os mundos visíveis de Rubens Pileggi
                   Manoel Silvestre Friques

D   entre o conjunto de procedimentos poéticos uti-
    lizado por Rubens Pileggi, aqueles que talvez se-
jam mais pungentes dizem respeito ao modo como o
                                                        monumento como memorial. Aqui, não resta dúvi-
                                                        das quanto à proposta desmaterializante da obra:
                                                        o trabalho de Pileggi resiste à institucionalização
artista lida com a visibilidade. Suas obras propõem,    artística ao se diluir nas ruas das metrópoles,
com uma certa freqüência, deslocamentos do vi-          afirmando-se como uma antiescultura, antiobjeto.
sível, na medida em que trazem à baila elementos              Se, em “Monumento Mínimo Precário” (1998), o
ignorados pela paisagem urbana – mas que perten-        visível – a obra de arte, a escultura mini-monumental
cem, irrevogavelmente, a esta – ao mesmo tempo          – é devolvida à sua condição de invisibilidade, em
em que se dissolvem em meio ao caos das grandes         “Notícias Fabricadas” (2011), observa-se movimento
cidades. Questionando, por exemplo, a “lógica do        inverso. Atuando criticamente a partir de reporta-
monumento” – no interior da qual a escultura            gens jornalísticas que lidam com o “problema” dos
representa, em caráter grandioso, permanente e          moradores de rua, Pileggi exibe não apenas este
comemorativo, um feito histórico – Pileggi trata de     grupo de indivíduos, mas também os recursos utiliza-
criar estátuas efêmeras em miniatura, instalando-       dos pela mídia para torná-los, por meio da visibilidade
os em lugares de grande circulação. Em poucas           da notícia, mais invisíveis. A matéria-mote para a
horas, tais objetos somem sem deixar rastros, em        obra expunha as medidas utilizadas pela prefeitura
contraponto direto ao boom de memória vivenciado        do Rio de Janeiro para impedir a ação dos mendigos,
nos dias atuais, seja por meio do desenvolvimento       colocando pedras embaixo dos viadutos, tornando in-
tecnológico, seja por meio de um revival da idéia de    viável a permanência deles nestes locais - lugares in-
abitáveis os quais a necessidade transforma em lar.      neste, nem em outros casos onde a mídia, com
Relatava também a preocupação dos moradores              a sua capacidade (e o seu poder) de controlar e
“legítimos” dos bairros, por meio da contratação         manipular a informação, inventa verdades men-
de detetives responsáveis por desvendar a origem         tirosas – neste sentido, o tratamento dado aos
e o perfil dos “invasores”. Ora, como não saber a        mendigos resulta de uma postura-padrão de um
origem dos moradores de rua?                             tipo de jornalista desvinculado já há algum tempo
    A leitura do artista para a notícia produziu então   de qualquer pensamento ético, postura essa que
o trabalho que agora lemos. Às matérias iniciais,        pausteriza os insurgentes e os relega à invisibi-
são acrescentadas duas páginas de jornal contendo        lidade (mais recentemente, pode-se mencionar o
reportagens produzidas pelo próprio Pileggi, três        caso de Pinheirinho, em São Paulo, noticiado de
travesseiros sonoros e um relógio “Romelex”. Por         modo torpe pelos veículos de comunicação).
meio das notícias que produz, o artista cria uma               A verdade histórica é inserida então no espa-
fenda naquilo que Barthes denomina de logosfera          ço atemporal e asséptico da galeria de arte. Ora,
– uma espécie de camada de forração formada              nesta operação, onde o histórico se choca com o
por tudo que lemos e/ou ouvimos. Neste caso, ela         atemporal, põe-se em jogo não apenas os binômios
se refere ao discurso oficial, por meio do qual a        verdade/mentira e história/natureza, mas também
versão jornalística se converte em retrato legí-         outro: fora/dentro. Ao dar destaque, por meio de
timo da realidade. A criação de mais reportagens         sua obra, a assuntos rotineiramente relegados ao
sobre o tema, acrescentando-lhe informações, não         esquecimento – não apenas pelos jornais, mas por
é realizada de forma incólume, pelo contrário. As        todo e qualquer transeunte de uma grande cidade
notícias de Rubens levam ao extremo as posições          – Pileggi impregna o interior da galeria de seu ex-
jornalísticas – aparentemente imparciais – a ponto       terior, acrescentando (uma vez mais) a um espaço
de revelar-lhes seu absurdo latente. O acréscimo de      subtraído (afinal, este lugar isola a obra de tudo
matérias impõe-se como um artifício por meio do          aquilo que pode interferir a sua apreensão) todo o
qual a reportagem do artista revela o caráter fictí-     seu entorno. O cubo branco é, com isso, contamina-
cio – e, por que não dizer?, mentiroso – de algo que     do – os mendigos não estão apenas soltos nas ruas,
se pretende verdadeiro. A adição, portanto, abala o      mas presentes também até nos espaços ideais das
discurso jornalístico, interrompendo o continuum         galerias de arte. Os três travesseiros atuam, com
de palavras que trata de esconder, ou ao menos ve-       isso, de modo diametralmente inverso a propostas
lar, suas verdadeiras intenções e posicionamentos.       relacionais, como os “Objetos transitórios para uso
A perspectiva crítica deste trabalho não surge por       humano” (2008), de Marina Abramovic – cuja gene-
meio da denúncia ou da supressão, mas da intensi-        alogia, indubitavelmente, deve remontar à produção
ficação – através do acréscimo – de um discurso.         de Ligia Clark – na qual o espectador é convidado
É neste sentido que o trabalho de Pileggi pode ser       a vivenciar “momentos de paz” desencadeados por
relacionado à poética de Bertold Brecht.                 relações ritualísticas com materiais como cristais,
       Pois, assim como a do encenador alemão, a         cobre e ferro. No caso de Pileggi, elimina-se a pos-
obra aqui comentada trata de devolver a verdade          sibilidade de uma vivência desta natureza, pois
histórica ao escrito. Neste caso, ela está estampada     encostar a cabeça no travesseiro traz consigo a
no título: “Notícias Fabricadas”. Enquanto verdade       densidade sonora do exterior. O espectador, então, é
produzida, o sentido deste discurso jornalístico é       alçado à condição de mendigo, vivenciando, não uma
único: ele atua de modo monopolizante, parcial e         experiência íntima e atemporal, mas uma situação
redutor. Isto não deve ser desconsiderado, nem           histórica e fabricada pela notícia do artista.
                                                                                                            13
O choque temporal e a redistribuição espacial   Manoel Silvestre Friques é Teórico do Teatro
     observados na obra de Rubens Pileggi condu-          (UNIRIO) e Engenheiro de Produção (UFRJ). Douto-
     zem à crença de que suas produções artísti-          rando no Programa de História Social da PUC-Rio,
     cas são políticas. Tal afirmação pressupõe uma       é Mestre em Artes Cênicas pela UNIRIO. Professor
     noção de arte política que, antes de representar     da Faculdade de Artes do SENAI-Cetiqt, foi assis-
     conflitos sociais ou denunciá-los, configura-se      tente do artista plástico André Parente entre 2008
     como um sensorium no qual a experiência pro-         e 2010. É editor de conteúdo dos sites tempofestival.
     posta trata de produzir um dissenso, uma fissu-      com.br e novasdramaturgias.com.br e co-fundador
     ra na logosfera instituída. Por meio de abalos,      do grupo teatral Aquela Cia. Na abertura da ex-
     acréscimos e deslocamentos, Pileggi questiona        posição In-Possíveis (Parque Lage, 2012), lançou
     justamente os regimes instituídos de visibili-       seu primeiro livro, Seis Chaves, contendo ensaios
     dade e de legibilidade, travando um diálogo com      sobre seus companheiros de Programa Aprofun-
     Jacques Rancière, quando este diz que a arte é       damento, Luciana Paiva, Tiago Rivaldo, Louise D.D.,
     política quando “os espaços e os tempos que ela      João Penoni, Bruno Belo e Danilo Ribeiro.
     recorta e as formas de ocupação desses tempos
     e espaços que ela determina interferem com o
     recorte dos espaços e dos tempos, dos sujeitos
     e dos objetos, do privado e do público, das com-
     petências e das incompetências, que define (ou
     definem?) uma comunidade”. Sua obra é política
     na medida em que redistribui relações e embar-
     alha polaridades – ela não poderia ser outra,
     portanto, a não ser um Romelex .




14
NO ÁLBUM, FIGURA A RUA: A EXPERIÊNCIA DE NOWHEREMAN, O LIVRO-OBJETO E A INSERÇÃO
DA OBRA NOS CIRCUITOS IDEOLÓGICOS      Rafaela Tasca


T   itubeei várias vezes em abrir o pacote de
    figurinhas que o artista me enviou. Havia
em mim ruídos de medo e desconcerto frente
                                                  simbólica que contemple estes “homens e mul-
                                                  heres sem onde, resumidos a um aqui e agora
                                                  sem esperanças.”, como escreve na apresen-
à proposição artística de Nowhereman, pois        tação de sua proposta. Para tal, o artista se
sabia exigir minha ativação para se completar.    vale de um formato tradicional de colecionismo
Preparei-me para iniciar a ação sobre o objeto    que se dá através de figuras adesivas das mais
e, ao fim do primeiro movimento de abrir e co-    variadas temáticas, em sua maioria ancoradas
lar figurinhas nos espaços do álbum, fui tomada   nos ideais de herói, dos objetos de consumo
pela sensação típica da imersão em um jogo.       venerados ou do ilustre inalcançável. Pileggi
	          Entretanto, Nowhereman vai além da     também se apropria de um fenômeno editorial
experiência do colecionismo e do lúdico pos-      brasileiro recente, ocorrido durante a Copa de
sibilitada por sua forma “álbum de figurinhas     2010, quando o conglomerado multinacional Pa-
adesivas”. Nowhereman é livro-objeto. É expan-    nini lançou um álbum de figurinhas com os joga-
são do espaço de arte. É exposição fotográfica    dores das seleções participantes da competição
itinerante. Um museu-miniatura. Um álbum-         mundial. Posto que o futebol é febre nacional,
tabuleiro. Uma maquete-livro. Um não-objeto1.     as figurinhas igualmente assim foram. Assim,
Uma intervenção urbana.                           pleno de uma intenção que absorve o formato
	          Criado pelo artista Rubens Pileggi     popular e interativo da natureza dos álbuns, o
como parte da exposição Cromo Sapiens,            artista atua às avessas, em outra esfera social,
Nowhereman assume um formato clássico de          em uma vertente de contra-informação.
álbum. Com dimensões de 20x18 cm, contém 27       	         O gesto ousado de Pileggi sedimenta
páginas, em papel couchè e sulfite de gramatura   um trabalho de arte que opera na fusão de mer-
média, a serem preenchidas com 42 fotografias     cadoria e arte, com ênfase no consumo de um
de moradores de rua do centro carioca. Cada       objeto pelo público; parte essencial de seu pro-
figurinha, ou cromo, tem 6,5 x 8,5 cm e é for-    jeto artístico. Em Nowhereman, o artista desti-
necida dentro de pacotes lacrados. Em alguns      tui a metáfora2 e acopla à sua proposição a
cromos há trechos da fala do retratado. Na        noção de circuito e circulação de informa-
página, podem ser afixadas sobre o texto de       ções, nos moldes adotados por Cildo Meire-
anúncios imobiliários do centro do Rio. Ou ao     les em Inserções em Circuitos Ideológicos
lado da planta baixa de um apartamento. A cada    (1970) e Elemento Desaparecendo/ Elemento
retratado é dada a referência de nome, idade,     Desaparecido (2002).
procedência, tempo como morador dia e local       	         A exemplo da fabricação e comercial-
da “abordagem”.                                   ização dos picolés proposta por Cildo em Kassel,
	          Fruto de uma pesquisa do artista com   Pileggi também cria um aparato de distribuição
mendigos da região central do Rio de Janeiro,     de seu produto, o álbum e as figurinhas, que po-
Nowhereman se propõe a uma reforma urbana         dem ser adquiridos – ou trocadas - em espaços
                                                                                                 15
http://www.brasildefato.com.br/node/6898
da capital fluminense (uma banca, uma galeria            nela o seu tempo. O não-objeto reclama o espectador
e um museu), ou solicitados para postagem                (trata-se ainda de espectador?), não como teste-
através de email ou contato telefônico. Portanto,        munha passiva de sua existência, mas como condição
cria por meio de um impresso industrial, de re-          mesma de fazer-se. Sem ele, a obra existe apenas em
produção e circulação massiva, uma “estratégia           potência, à espera do gesto humano que a atualize.”
                                                         (GULLAR, Ferreira. Teoria do Não Objeto.)
de visibilidade” que usa da noção de circuito
                                                         2 “...fazer trabalhos que não existam simplesmente
para dar materialidade e sentido a seu trabalho.         no espaço consentido, consagrado, sagrado. Que não
	          Interessante pensar que Pileggi tam-          aconteçam simplesmente ao nível de uma tela, de uma
bém é poeta, crítico de arte e escritor. Uma atu-        superfície, de uma representação. Não mais trabalhar
ação que remonta à familiaridade do artista com          com a metáfora da pólvora — trabalhar com a pólvora
o objeto livro, formato de expressiva aparição na        mesmo.” (MEIRELES, Cildo.)
arte brasileira, sobremaneira entre os concre-           3 “de fato, a origem da participação do espectador
tos e neoconcretos que tensionaram, por vezes            na obra não poderia ter sido mais natural e sim-
dissolveram, as fronteiras entre artes visuais e         ples: nasceu do livro que é por definição um objeto
literatura. Ferreira Gullar ao tecer sua análise         manuseável. (GULLAR, Ferreira)
sobre a obra Bichos de Ligia Clark aponta que            4 Célebre poema de João Cabral de Melo Neto sobre o
o próprio início da participação do espectador           Rio Capibaribe e a miséria que acometia os habitantes
                                                         de suas margens. O “Cão Sem Plumas” foi publicado
nas obras de arte teria origem no livro, “por
definição um objeto manuseável3”. Assim, No-             pela primeira vez em 1950.
whereman atua no campo do objeto escultórico,
embricado ao alargamento conceitual do forma-            REFERÊNCIAS
to livro impulsionado por Haroldo e Augusto de           ANJOS, Moacir dos. Cildo Meireles: A poesia e a in-
Campos (Poemóbiles), Ferreira Gullar (Poemas             dústria. In: Revista do Programa de Artes Visuais,
Espaciais), Waltércio Caldas (O Colecionador,            UERJ, 2004.
Aparelhos, Livro Velásquez e Manual da Ciência           GULLAR, Ferreira. Teoria do Não-Objeto. In: Experiên-
Popular) e, também, de Artur Barrio (Cadernos-           cia Neoconcreta: momento-limite. São Paulo. Cosac
Livros e Livro de Carne).                                Naify, 2007.
	          Por fim, Nowhereman segue o curto-            MEIRELLES, Cildo. Depoimento sobre Inserção nos
circuito das fronteiras e tensionamentos da              Circuitos Ideológicos. Revista Bravo. Julho/2006.
arte, vida e ação política. Ao inverter o espelho        Disponível em: www.canalcontemporaneo.art.
dos ícones sociais e expor os cão sem plumas4            br/brasa/archives/000795.html (Acesso em
da urbe, o projeto artístico de Pileggi trabalha é       4/06/2011)
com a pólvora, mesmo.                                    NETO, João Cabral de Melo. O cão sem plumas. Edi-
                                                         tora Nova Fronteira, 1984.
1 “Diante do espectador, o não-objeto apresenta-se
como inconcluso e lhe oferece os meios de ser con-
cluído. O espectador age, mas o tempo de sua ação
não flui, não transcende a obra, não se perde além
dela: incorpora-se a ela, e dura. A ação não consome a
obra, mas a enriquece: depois da ação, a obra é mais
que antes – e essa segunda contemplação já contém,       Rafaela Tasca é jornalista com especialização em
além da forma vista pela primeira vez, um passado        História da Arte Moderna e Contemporânea pela EMBAP
em que o espectador e a obra se fundiram: ele verteu     e desenvolve pesquisa em curadoria e crítica de arte.
                                                                                                             17
http://extra.globo.com/noticias/rio/artista-paranaense-conta-historias-de-moradores-
de-rua-em-album-de-figurinhas-2031645.html
AÇÕES CROMO SAPIENS

     A  s estatísticas apontam para mais de 2000 direção daquilo que todos preferíamos não
        mil moradores de rua no Rio de Janeiro. ver, mas que não podemos continuar fingindo
     A maioria jogada no centro da cidade, que que não vemos.
     se transforma em dormitório a céu aberto, Em pouco mais de dois anos de trabalho, voltei
     à noite. O que eu posso fazer para intervir a ver apenas um dos personagens. Ele, no en-
     nessa situação? O que você pode fazer diante tanto, simboliza e aponta para o sofrimento de
     desse trágico quadro exposto cotidianamente outros, que perambulam errantes, despossuí-
     diante de seus olhos? O que o poder público dos, inclusive, de sonhos. Além do aspecto for-
     pode fazer para melhorar a vida dessas pes- mal, as questões sociais e contextuais não são
     soas? O presente trabalho nada esclarece estranhas à história da arte. Foram elas que
     sobre essas perguntas, apenas aponta na levaram às ações do projeto CROMO SAPIENS.

     Troca-troca                                               Lançamento no Estúdio Dezenove




     Aceitando trocar um álbum de figurinhas NOWHEREMAN                                              foto: Livia Hung
     por uma refeição, colecionadora entrega uma ‘quentinha’
     para moraddores de rua, na região do Catete..

     Banca Cultural da Lapa




                                                               Acima: com a presença de amigos, em 30/04/2011,
                                                               no Estúdio Dezenove, em Santa Teresa


                                                               À esquerda: no meio da rua, na Lapa, junto à Banca
                                                               Cultural antes de ter sido colocada no chão pelo
                                                               poder público. Uma perda para a região!
20
Museu do Mundo

M   useu do Mundo foi o nome dado para o es-
    paço que abriu com a proposta de « clínica
de artista  », pelo artista e professor Roberto
                                                         Constituída de duas instalações e lançamento
                                                         do livro ilustrado – álbum de figurinhas –
                                                         NOWHEREMAN, a exposição conseguiu atrair
Corrêa dos Santos, em Ipanema. Foi lá, durante           um público significativo, interessado em arte e,
o mês de junho de 2011, que ocorreu a exposição          também, nos conteúdos propostos dos trabalhos
SÓ SONHA QUEM DORME.                                     apresentados.




OLHOS ROUBADOS
Vídeo Instalação
Vídeo, espelho, painel fotográfico recortado, texto de parede e caixa de papelão

A vídeo instalação OLHOS ROUBADOS apresenta frontalmente a imagem de uma idosa sentada, com as mãos
estendidas, pedindo esmolas. Seu rosto, mãos e pés são recortados. Colada à parede, uma frase dita por
ela. Quando o espectador se aproxima desse conjunto, percebe um som e uma luz atrás do painel. Para ver
o rosto da personagem no espelho e o que ela fala, precisa ‘invadir’ sua privacidade, onde descobre a caixa
de papelão que, supostamente, seria o lugar onde a mulher dorme.

http://figur inhasnowhereman.blogspot. com
                                                                                                              21
SÓ SONHA QUEM DORME
                                                          Vídeo Instalação
                                                          Aparelho de vídeo, TV, e esteira

                                                          A vídeo instalação SÓ SONHA QUEM DORME
                                                          assume a mesma estratégia das academias de
                                                          ginástica da zona sul carioca, que exibem seus
                                                          clientes malhando enquanto assistem TV, do outro
                                                          lado da vitrine. Só que, ao invés de usar a pro-
                                                          gramação “normal” dos canais, passa um vídeo
                                                          em que moradores de rua relatam a necessidade
                                                          de se manterem atentos, evitando, assim, serem
                                                          surpreendidos pela polícia ou por marginais
                                                          dispostos a chutá-los ou incendiá-los enquanto
                                                          dormem. Em sua apresentação no Museu do
                                                          Mundo, uma placa no chão pedia que as pessoas
                                                          tirassem os sapatos. A ideia é que as pessoas,
                                                          para se relacionarem com o trabalho, ficassem
                                                          na mesma situação dos personagens retratados.

                                              Opiniões do público
     Oi,                                                  Olá Rubens,
     Me chamo Joice e vi a matéria que o Brasil de Fato   Meu nome é João Pires, sou funcionário da Secre-
     fez sobre o álbum Nowhereman. Moro em Santa          taria de Cultura de São Bernardo do Campo, SP, e
     Maria/RS e trabalho em uma escola da periferia       gostaria, primeiro lugar, de parabenizar seu trabalho
     da cidade, àrea onde há uma ocupação urbana.         "Nowhereman", que realiza algo que acredito como
     Várias crianças que moram na área da ocupação        central para o artista e a arte, qual seja, de buscar
     estudam na escola, e por isso tenho a intenção       refletir e intervir na realidade cotidiana, ou seja,
                                                          uma propositura que busca a alteração do simbólico.
     de trabalhar a questão da terra e da moradia no
                                                          Isso posto, gostaria de consultá-lo sobre a pos-
     contexto urbano com essas crianças, que, mesmo
                                                          sibilidade de viabilizarmos a execução da proposta
     em uma situação diferente daqueles que estão em      aqui em nossa cidade, pois a atual administração
     Nowhereman, acabam se tornando invisíveis pela       do município de iniciou uma série de ações para
     condição em que vivem. Gostaria de mostrar o teu     a Redução de Danos e para a População de Rua e
     trabalho para as crianças e montar alguma ativi-     esta intervenção seria de grande importância para
     dade baseada nele. Como faço para consegui-lo?       seu fortalecimento no sentido de efetivação de uma
     Obrigada,                                            Política Pública para este setor.
     Joice Zorzi                                          no aguardo de seu retorno
                                                          João Pires
     01/08/2011                                           12/07/2011
22
Trecho do texto de Luiz Cláudio da Costa para a exposição SÓ SONHA QUEM DORME


S   ó sonha quem dorme, exposição de Rubens Pileggi apresentada no Museu do Mundo, aponta
    para a afirmação da arte como espaço da vida. Com dois trabalhos instalativos e um impresso,
a exposição coleciona histórias, registros e sonhos que desfazem mais que conservam a forma do
inventário. O tom aparentemente objetivo dos três trabalhos que compõe a exposição – Só sonha
quem dorme, Esses olhos não são meus e Nowhereman – não materializa somente a informação
sobre o mundo de “invisíveis funcionais”. Dão igualmente visibilidade à divergência no espaço pú-
blico da arte. Pileggi apresenta a força da inscrição de imagens que realizadas com a perspectiva da
dor do outro são transformadas por uma imaginação reflexiva. Registradas, reiteradas, deslocadas
para modos de apresentação e dispositivos diferenciados, Só sonha quem dorme torna reversível
o documento em sua condição de prova, pois ele expressa a vida que insiste nos espaços da ci-
dade desamparada. Qual a importância da atividade de colecionar se o que reunimos não afirma o
movimento da vida? A indigência pertence à poesia quando ela arrisca a dar brilho ao não ilustre.
Estranho brilho fosco de uma poesia que se instala entre as provas da infâmia.


A  miséria não é aqui digna de lástima ou pena. Não há nenhum tom de lamentação nesse trabalho
   engenhoso de Pileggi, ainda que o infortúnio social seja tema de sua angústia artística. Do jogo
inocente, resta a potência da visibilidade que atordoa. Afinal, que lugar tem esses esmoleiros, es-
ses sem teto, no ambiente fino da arte? Fantasmas ou pessoas? A imagem manuseada invalida a
inocência da atividade. É a voz do mendigo que afirma: “só sonha quem dorme”. Podemos sonhar
porque diante da injúria dormimos. A vigília, entretanto, é o que nos resta depois de manusearmos
as figurinhas de NOWHEREMAN. Suas imagens e frases, as indicações dos lugares, as estatísticas
são provas da indigência, mas acima de tudo esses documentos exprimem a sobrevida que subsiste
nos destroços.

Luiz Cláudio da Costa é professor adjunto da graduação e do Mestrado em Artes do Instituto de Artes da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro



Olá Rubens, tudo bem?                                Oi Rubens, como está por aí?
O material chegou hoje pela manhã e só confir-       ADOREI O ALBUM DE FIGURINHAS!!!!!!!!!!
mou a minha expectativa, além de causar grande       EM SETEMBRO TEMOS A SEMANA DE ARTE DA UEM,
impressão ao restante da equipe da SC. Em breve      NÃO SEI SE VC ACHA VIÁVEL, MAS SE QUISER DARIA
voltamos a conversar.
                                                     PRA EXPOR O TRABALHO.
abração
                                                     Beijo grande!
João Pires                                           Sheilla
21/07/2011                                           07/07/2011
                                                                                                         23
Caro Rubens,                                          as fotos tiradas no evento. Quando a TV UNISUAM
                                                           faz cobertura, damos a reportagem em DVD. E toda
     Estamos desenvolvendo aqui em maceió o www.           divulgação interna e externa é feita pelo Departa-
     jornaldarua.org.br , ele estará na rede a partir      mento de Comunicação da UNISUAM. O que sair na
     do dia 01 de julho, achei seu projeto interessante    imprensa, passo para os expositores. Assim, temos
     e gostaria de um exemplar para fazermos um            conseguido trazer exposições organizadas pela
     trabalho com nossos moradores de rua.                 LAMSA, pela FIOCRUZ, dentre outros; temos rece-
     caso seja possível ficamos agradecidos, obrigado      bido personalidades, como o príncipe Dom João de
     pela atenção.                                         Orleans e Bragança, O imortal Evanildo Bechara,
                                                           o escritor Joel Rufino dos Santos, a professora e
     Jose Bispo Filho                                      escritora Tania Zagury e outros mais. Até peças de
     26/06/2011                                            teatro estamos trazendo para a UNISUAM. Dê uma
                                                           olhada no nosso site para conhecer um pouco de
                                                           nossa história. Agora queremos você aqui conosco
     Parabéns pelo trabalho.                               fazendo parte dela. Então, venha nos conhecer,
     Pena que não pude ver tua exposição no Rio,           conhecer o nosso espaço. Tenha certeza de que vai
     espero ter novas oportunidades.                       ser muito bem recebido. Um grande abraço e até
     Te escrevo pois quero um álbum e figurinhas.          breve.
     Como fazemos?                                         Cintia Neves e equipe.
                                                           CCULT - Centro Cultural Unisuam
     Beijos,                                               22/06/2011

     Fernanda Magalhães
     25/07/2011                                            Splash deixou um novo comentário sobre a sua
                                                           postagem "PEDIDOS":
                                                           Olá!! comecei a colecionar hoje e adorei! preciso
     Tomamos conhecimento de sua exposição Só              de novas figurinhas mas não sei onde achar e ainda
     sonha quem dorme e ficamos encantados com a           tenho uma repetida! o que eu faço? Beijo!
     possibilidade de trazê-la para o CCULT em 2012.       20/06/2011
     O CCULT é o Centro Cultural da UNISUAM – uma
     instituição de ensino superior com mais de 25 mil
     alunos, doze mil só na nossa unidade, que é a maior   Olá Rubens, tudo bem?
     e fica em Bonsucesso. Temos cursos de Desen-          Tive a oportunidade de conhecer o álbum NOWHER-
     volvimento Local, Assistência Social, Comunicação,    EMAN, dei uma conferida no blog e fiquei muito
     Direito e vários outros que os alunos certamente      interessada em fazer uma matéria sobre esse
     adorariam ter contato com seu projeto. Além de        projeto. Sou repórter com passagem por alguns
     achar importante aproximar os alunos de um tema       dos principais jornais impressos do Rio, mas há
     normalmente rejeitado pela sociedade, tenho um        algum tempo optei pro trabalhar como freelancer.
     interesse pessoal sobre o assunto.                    Faço matérias para revistas e outros trabalhos
     Poderíamos fazer uma palestra com eles e com          de comunicação. A minha ideia inicial é bater um
     você aqui no CCULT. O que acha? Bem, nosso es-        papo informal com você para saber toda a ideia e
     paço é gratuito. Todos os que expõem aqui ganham      montar uma pauta para oferecer à revista Piaui.
24
Acho que tem tudo a ver com a linha editorial deles.      muro da cidade. Enquanto ela não aparecer, vc
Você topa?                                                pode substituí-la pelo joker do baralho, pelo louco
Se puder, me passe um telefone para contato.              do tarot ou por uma cópia da pintura de Hieroni-
Assim, podemos marcar um encontro.                        mus Bosh, chamada “o filho pródigo”, do século
Grande abraço.                                            XV. Peço, também, que de vez em quando vc dê
                                                          uma olhada no blog http://figurinhasnowhereman.
Anna Luiza Guimarães                                      blogspot.com para saber o que anda acontecendo
Jornalista                                                com a figurinha 13. Já tem bastante informação,
03/06/2011                                                mas quem sabe ela não apareça por aí, na sua
                                                          casa, também? Afinal, esses andarilhos erram
                                                          pelas cidades e a gente sempre acaba reparando
Olá Rubens,                                               em um deles, no meio de nosso caminho. Dê um
Não nos conhecemos, mas estou encantada com               prato de comida a ele, acaso acontecer de bater
o seu trabalho do album de figurinhas. É lindo. Dar       em sua porta alguém faminto, pedindo comida. Mais
visibilidade as diferentes formas de vidas, a vida        do que um cromo, a figurinha 13 representa um
em invenção o tempo todo, com suas crenças,               estado de loucura, de errância e de abandono e é
desejos, sofrimentos e sonhos, se ocupar disso na         só pelo nosso olhar e pela nossa compreensão que
sua arte é muito legal!                                   poderemos ajudá-lo a sair dessa vida.
Quero alguns, para mim e para dar de presente.            A outra figura, a que não tem número, veja só que
Agradeço a sua atenção.                                   ironia é a vida: ela é tão excluída que nem lugar no
Um grande abraço,                                         álbum de figurinhas tem. Dê um lugar a ela.
Monica Rocha                                              Um abraço,
27/08/2011                                                qualquer coisa mande um email para saber mais.
                                                          Um abraço
                                                          06/04/2011
Rubens ... recebi ontem o album e as figurinhas ....
porém hj estava abrindo os pacotes e separando
e notei que falta a figurinha numero 13 ...... vc teria
como me enviar essa figurinha ???? acredito que
faltou pq veio uma que não é para colar ..... e como
vem 3 em cada pacote ... ficou faltando essa .....
grata
 
Sheila


Olá, Sheila
A figurinha numero 13 é uma charada do álbum de
figurinhas NOWHEREMAN, Sheila, pois ela confundiu
as páginas do álbum onde ela deveria estar com
os muros e paredes das cidades e, de vez em
quando alguém diz que a viu em um ou outro
Eu já acompanhava o trabalho do Pileggi pela net.    e uma recordação de infância que acredito que a
Mas numa certa tarde, quando eu saía de casa         maioria tenha tido. Depois, quando você propõe a
pra minha corrida, uma surpresa: na caixinha do      tarefa de colar as figurinhas, o espectador deve
correio o álbum, que o artista carinhosamente        empregar um certo tempo
me enviou (trocamos livros). Qual não foi a minha    para realizá-la e consequentemente ler as sucintas
surpresa ao abrir o envelope e perceber que as       informações das legendas. É aí, na legenda,
figurinhas que completavam as páginas em branco      que para mim, está o ponto fundamental do seu
eram de pedintes, de moradores de rua, dos           trabalho. Enquanto muitos artistas intentaram dar
excluídos, dos miseráveis, que pouco se diferem      visibilidade à população de rua, você resgata os
do Fabiano-bicho criado pelo Graciliano há mais de   nome desses desconhecidos. Penso que o recon-
70 anos (e somos "a sexta economia mundial"! Rá!     hecimento dessas pessoas como indivíduos, a sua
Rá! Rá!).                                            singularidade, é mais eficaz que mantê-los apenas
                                                     como uma massa indiferenciada.
Marcele Aires
                                                     Parabéns pelo projeto! Aguardo o cromo 13!
Poeta e professora de literatura da Universidade
                                                     Abraço,
Estadual de Maringá
                                                     Juliana
http://aveianopulsoainda.blogspot.com.br/

                                                     www.julianakase.com
Olá Rubens,

Aqui é a Juliana do Vitrine Efêmera. Gostei de te
conhecer. Te escrevo para contar sobre da minha
experiência com o seu projeto Nowheremen.
Você deve conhecer melhor do que eu as propostas
de outros artistas que trabalham com o assunto
dos moradores de rua. Alguns por um viés mais
estético, outros mais políticos e tantos outros
realizando propostas momentâneas. Imediata-
mente, ao ter contato com seu projeto, confesso
que achei que se tratava de uma abordagem mais
antropológica, mas ao ir colando as figurinhas no
álbum, me dei conta da potência sensibilizadora da
sua proposição.
Admiro o tempo que você dispendeu conversando
com eles, assim como me comovo ao obrigatoria-
mente me ver alisando as faces das imagens que
você nos oferece em close.

Seu trabalho é bem sucedido em vários momentos.
Primeiro, quando você oferece a compra, a preço
módico, o seu álbum, você consegue ativar um
prazer pelo colecionismo
                                                                                                          26

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ContraBando, arte e exclusão social

  • 1. ÍNDICE 01 Apresentação do projeto CROMO SAPIENS 02 O X da questão na exposição ContraBando, por Rubens Pileggi Sá 08 Vídeo instalação GALDINO 10 NOTÍCIAS FABRICADAS, texto de Manoel Silvestre Friques 15 NO ÁLBUM, FIGURA A RUA, texto de Rafaela Tasca 18 Réplica do jornal EXTRA 20 Ações CROMO SAPIENS 22 Opiniões do público e outros textos
  • 2. A Secretaria de Estado de Cultura (SEC) vem trabalhando desde 2008 para difundir, estimular e fortalecer a cultura do Rio de Janeiro, criando mecanismos de fomento e políticas estruturantes para o setor, em todas suas vertentes, buscando contemplar  todos os setores e áreas, desde as manifestações mais tradicionais, e abrangendo agentes culturais de todo o estado. Como parte desse trabalho, a SEC criou o edital de Artes Visuais, com a finalidade de incentivar a criação artística, bem como a integração cultural, a pesquisa de novas linguagens, a formação e o aprimoramento de pessoal de sua área de atuação. Balizado por esses parâmetros, o edital proporcionou apoio financeiro a projetos que propunham a circulação, o intercâmbio e a implementação de ações de Artes Visuais no Rio de Janeiro, visando estimular a multiplicidade e a diversidade de tendências e linguagens. Através do edital, a SEC contemplou projetos como este, de exposições de arte, intervenções urbanas e organização, conservação e catalogação de acervos referentes à memória e ao patrimônio das artes visuais no estado. E, assim, reiterou o compromisso do Governo do Rio de Janeiro de oferecer uma programação plural, de qualidade, ampla e diferenciada. Secretaria de Estado de Cultura do Rio de Janeiro
  • 3. projeto CROMO SAPIENS “Esses olhos são roubados. É azul. É de uma mulher que trabalha ali. Por isso que eu não posso trabalhar.” Clara Nunes Pereira do Santos, abordada na Rua da Glória CROMO SAPIENS é um projeto de arte centrado na questão da exclusão e da mobilidade social das grandes cidades. Sua estratégia é a de dar voz aos mo- radores de rua, mendigos e andarilhos que perambulam pelo centro do Rio de Janeiro. Iniciou-se em 2009 com uma pesquisa sobre o sonho de pessoas que nada de material possuiam e se desdobrou em álbum de figurinhas, vídeo instalações, ações perfomáticas, in- tervenções urbanas e, também, afetos dos mais diversos níveis. Sua execução só foi possível graças ao patrocínio da Secretaria de Cultura do Estado do Rio de Janeiro, após ter sido selecionado pelo edital de apoio às artes, de 2010. O nome CROMO SAPIENS foi pensado a partir da ideia de que saímos da Era do homo sapiens e “evoluímos” para uma Era em que tudo se transforma em imagem para ser comercializada, em produto reprodutível, para ser colecionado e colado em um álbum, tornado arquivo, transformado em registro, dados numéricos, pixels eletrônicos. Quando Andy Warhol disse que “no futuro todas as pessoas teriam direito a quinze minutos de fama”, ele não podia prever que esse tempo, hoje, se tornou quase uma eternidade. Pessoas sem nenhum dife- rencial se tornam estrelas de um minuto para outro e depois desaparecem no anonimato de onde vieram. Talvez, os últimos que ainda faltam ser incluídos nessa lista de ‘cromos’ sejam, justamente, os mendigos, os andarilhos, os moradores de rua. Assim a estratégia do trabalho é a de buscar transformar seres “invisíveis” em figurinhas colecionáveis e dar-lhes voz, através de seus sonhos, ou da impossibilidade deles. Afinal, como disse Paul Klee, “a arte torna o invisível, visível”. A presente publicação tem como objetivo reunir as diversas manifestações que se desdobra- ram do projeto, como textos críticos, opiniões do público e várias fotos, além de apresentar os trabalhos realizados, levantar um pequeno histórico das fases do projeto e comentar sobre o álbum de figurinhas, descrevendo como se deu sua circulação e distribuição. Rio de Janeiro - maio de 2012 1
  • 4.
  • 5. O X da questão na exposição Contrabando Localizando a ação Esse texto trata da situação vivenciada deira. Ações fora do circuito oficial da arte sempre entre os dias 10, 11 e 12 junho de 2011, durante o são bem vindas e, com essa atitude, ainda melhor. evento CONTRABANDO, realizado no formato de uma Assim, na reunião, após uma rápida olhada pelo exposição de arte dentro de um apartamento de espaço da casa, tinha decidido o que gostaria de classe média alta, no Flamengo, que acabara de ser exibir. Estávamos em uma roda falando de nossa reformado. Diante de uma das janelas da fachada do ideias e, quando chegou a minha vez, disse que prédio, com vistas para o Pão de Açúcar, na Cidade gostaria de levar um mendigo para pernoitar na Maravilhosa, foi realizada a proposta do trabalho X, residência durante o tempo que ali ocorresse o de minha autoria. Além de relatar a situação viven- evento artístico. Senti que peguei pesado, pois um ciada, que, como veremos, é, em si, um trabalho de grave silêncio sucedeu à minha fala e as pessoas arte, busco, também, refletir sobre as consequên- pareceram se surpreender com o que eu havia dito. cias desta obra em meio a outras obras inseridas Em um misto de cumplicidade com terror sincero na referida mostra. de quem precisa que seu evento seja bem sucedido, Pedro, o curador, me pergunta: “mendigo?”. E eu: “é, O convite sim, meu amigo. Ele costuma perambular bem aqui Quem me indicou para participar do even- embaixo, no aterro”. “Mas ele fede?”, perguntou-me to foi meu professor e parceiro Roberto Corrêa dos novamente. Tive certeza, naquele momento, que o Santos, que vinha acompanhando de perto o que eu trabalhado tinha tudo para ser forte, mas dificil- andava fazendo, à época. Assim, fui apresentado ao mente seria levado a cabo. “Bem, tenho outra ideia, curador da mostra, Pedro Moreira Lima, em reunião mas acho que essa tem mais a ver com o trabalho com os artistas, para conversar sobre a exposição que venho desenvolvendo atualmente...” e apresentar nossas ideias de trabalhos ligados ao tema da mostra, além de informar os locais onde Procurando um canto instalar cada obra no apartamento, que estava ter- A reunião deu uma esfriada ali mesmo. minando de ser reformado. Um detalhe anterior a Mas como eu já tinha olhado a casa e escolhido esse fato é que quando recebi o texto da curadoria um lugar perto da janela com vista para o Pão de pelo e-mail, alguns dias antes, entendi que era pre- Açúcar, disse que aquele chão era um bom local ciso pensar em uma ideia forte, compatível com o para colocar um papelão e um cobertor para o meu amigo dormir. Apenas gostaria de escrever um X que tinha sido escrito. Ressalto um trecho do na parede, delimitando um espaço. Estava preocu- release da exposição: “(...)almeja corporeificar o trânsito daquilo que escapa pado em criar um local onde ele se sentisse menos da zona de conforto de um circuito oficial. Talvez esta deslocado no ambiente e resolvi delimitar um lugar seja a possibilidade semântica mais literal, já que tal dentro da casa para acomodá-lo, sem, óbvio, excluir exposição se realiza num “espaço-tempo do nosso co- outros espaços que ele quisesse permanecer. tidiano”, à margem do aparato museológico. No entanto, Lembro-me, ainda, que alguém objetou penso que nossa ação contrabandista vá além desse entendimento. Deseja inspirar, também, afetos que vão se era apenas um ou mais de um mendigo, porque a contrapelo dos hábitos já domesticados pela síndrome senão iria virar uma bagunça. E outra coisa que legalista que nossa cultura vive na contemporaneidade.” eu ainda disse foi que eu até preferiria que ele viesse depois do evento fechar e saísse antes da Pensei, os caras não estão para brinca- casa abrir para visitação. Como o evento iria durar 3
  • 6. apenas três dias, não seria muito difícil adminis- Passaram-se dois anos e, um dia, o vi no meio da trar as entradas e saídas do nosso amigo, que iria calçada, no Catete, perto do lugar onde eu tinha viver uma situação inusitada: de morador de rua a acabado de me mudar. Emocionado, fui falar com frequentador de mansão no Flamengo. ele. “Você não é o Luiz Carlos Marques da Silva?”. Passaram-se alguns instantes e Pedro veio me diz- “Como você sabe?” Ele respondeu. Estava muito er que aprovava a ideia, mas que eu deveria mostrar mais magro, sujo, sem camisa. Muito diferente do o homem ao menos na noite da vernissage. Eu topei. personagem que eu tinha entrevistado, fotografado e filmado. E estava bêbado, louco, delirando. Corri Luiz Carlos Marques da Silva em casa, peguei um álbum para mostrar para ele o Fui falar com o Luiz Carlos, mas estava trabalho que tinha realizado – anda em fase de pro- muito sem jeito sobre como explicar para ele sobre o jeto - passei na lanchonete, comprei um lanche, um que se tratava o trabalho. Ele costumava ficar atrás suco para levar e mostrei a foto dele no álbum. Cheio das canchas de futebol do aterro. Junto com outros de ‘amor para dar’, ele ficava querendo me beijar, moradores de rua. Lá ele é conhecido como Bin, de me abraçar, ficava querendo agarrar minha mão, Bin Laden, por causa da barba que usa. beijar minha mão e eu não sabia o que fazer direito. Que karma! Mas podia contar com um Pediu dinheiro, disse que eu ia ficar rico com as fo- amigo fiel que o chamava carinhosamente de PQD, tos que tinha feito dele e, aos poucos, fui me safando “porque o Luiz foi paraquedista no exército”. E esse e fotografando nossa despedida. Agora ele era o Luiz amigo era chamado de Bárti. Um garoto de pouco Carlos dos cromos 26, 36, 39, 40, 41 e 42. mais de 20 anos, portador de HIV, que vivia cheio Além disso, quando o jornal EXTRA quis fazer uma en- de feridas pelo corpo. Um doce de pessoa. Educadís- trevista comigo, conseguimos localizar o Luiz Carlos simo. Um tempo depois, Bárti acabou indo procurar que, gentilmente, aceitou falar de sua vida à repórter internamento no sanatório, em Manguinhos e nós não do jornal e, com a matéria publicada, nos tornamos soubemos mais dele. Luiz Carlos sempre teve fé que personalidades do bairro por um dia. um dia ele iria voltar para uma visita, e que ele iria Voltando à conversa sobre a proposta conseguir sair dessa vida de rua. Foi por causa dele do apartamento no Flamengo, quem me salvou foi e do Luiz Carlos que cheguei à conclusão que essas o Bárti, indo direto ao ponto: “ele quer expôr você pessoas são delicadas demais para viver e se inserir como obra de arte”. Respirei aliviado. Era isso que eu no capitalismo selvagem que vivemos. Eles não pos- queria dizer, mas estava com vergonha de falar. “Eu suem defesas contra as estruturas de poder da nos- já ‘tava’ desconfiado”, mandou Luiz Carlos. E topou. sa sociedade e se tornam uma espécie de marginais que, ao se revelarem – como aconteceu neste caso Negociações – estão muito mais para flor do que para monstros, Acontece que, nesse ínterim, a dona da como são vistos. “Não é todo mundo igual eu, não. Eu casa desaprovou o trabalho e o curador mandou tenho Jesus no meu coração”. Uma das frases que um e-mail pedindo desculpas sobre o fato ocorrido, Luiz Carlos vive repetindo, assim como outra que diz: mas confirmando meu nome para apresentar um “Há três mil metros, no fundo do poço, a gente não trabalho lá. Não aquele, claro! Passei dias tentando ‘veve’, a gente vegeta”. ter uma boa ideia e cheguei a rabiscar um projeto Conheci Luiz Carlos durante o tempo em que não tinha nada a ver com morador de rua, que que estava buscando os sonhos dos moradores iria apresentar ao curador, em outra reunião. Uma de rua no centro da cidade para fazer o álbum de noite, pelo facebook, comecei a conversar com a figurinhas NOWHEREMAN. Depois não o vi mais. dona do apartamento – que é minha amiga - e, meio 4
  • 7. para reclamar, meio para fazer uma piada da situa- ele fosse ‘de casa’, tentando passar alguma naturali- ção, disse que ela tinha ‘censurado’ meu trabalho. dade e espontaneidade que tornava tudo mais incô- No que ela responde prontamente que o problema modo ainda, de ambas as partes. E o detalhe é que o era no prédio e não com ela, pois havia um coronel Luiz Carlos estava sem tomar banho há mais de um no edifício que poderia impedir até a realização do ano! Havia um constrangimento solene no ar. Uma evento, caso acontecesse de cruzar com um mendigo senhora me disse que apertar a mão dele foi uma subindo o elevador. experiência de textura como nunca ela tinha sentido Na noite da reunião, encontrei com ela e igual. o marido dela e perguntei a ele por que o trabalho Uma boa parte dos artistas e convida- não podia ser realizado, no que ele me disse que, dos acompanhavam e participavam de outras per- por ele, tudo bem, que o trabalho poderia ocorrer, formances e um artista, aproveitando o tema do sim. Opa, as coisas estavam começando a ficar mais evento, foi fantasiado de Bin Laden. Também isso interessantes! Chamei o curador, a dona da casa e era estranho. Porque enquanto um se positivava se o marido dela para conversarmos e estabeleceu-se representando como ‘terrorista’, o outro, em uma que o trabalho poderia acontecer, mas nas seguintes condição sem nenhuma escolha na vida, era conhe- condições: que o mendigo só poderia entrar, sair e cido como Bin Laden lá no meio dele, não porque ele permanecer no prédio comigo junto. E que nós dois fosse terrorista, mas porque era barbudo, marginal deveríamos marcar presença no dia da vernissage. e sujo. “Fechado”, eu concordei. Sentia que já tinha cumprido meu dever e queria proteger o Luiz Carlos daquela situação que A obra já tinha virado festa, quando aparecem duas garotas No dia da vernissage, passamos pelo por- para conversar com o Luiz Carlos e eu aproveitei teiro que apenas pediu para que eu assinasse uma para buscar um refrigerante no bar para tomar- lista e nos liberou a subida pelo elevador. Por sorte mos. Mas eis que, quando retorno do bar, estava não cruzamos o coronel. Logo chegamos ao aparta- acontecendo uma performance com distribuição de mento transformado em galeria, salão de festas e bebida alcoólica e uma das garotas pegou um copo centro cultural temporário onde iria ser apresen- e ofereceu ao seu mais novo e íntimo amigo e, depois tado, em meio a uma profusão de performances, que ele bebeu um copo, ela foi pegar outro copo para vídeos, instalações, desenhos, pinturas, discoteca- ele beber e eu corri para impedí-la de fazer isso. Ela, gem e bebidas, a obra X. Já tinha garantido a janta do então, me cobra o fato de estar achando o trabalho meu amigo e, por enquanto, estava tudo bem. Fomos interessante justamente porque mistura uma pes- para o nosso canto e ficamos na nossa, respondendo soa de um mundo sem acesso à diversão e à arte, às perguntas das pessoas que queriam saber sobre com pessoas desse outro mundo, mas que estava me o nosso trabalho e, de fato, o Luiz Carlos foi bastante achando ‘careta’ porque queria censurar a diversão procurado para conversar. Era impossível não per- de alguém que, justo eu, tinha trazido para a festa. ceber ali a tensão entre dois mundos completamente “eu vou dar a bebida, sim. Ele não é sua obra!”, falou, separados um do outro e, ao mesmo tempo, entre impositivamente. “Ele é minha obra, sim!”, respondi pessoas que se cruzam o tempo todo, andando pelas com o mesmo ímpeto e, antes que ele bebesse o ter- mesmas ruas. Foi uma espécie de choque para as ceiro copo, perguntei se ele queria ir, ele disse que pessoas do mundo da arte e isso era notado pela tudo bem, e fomos embora. falta de jeito com que elas se aproximavam do Luiz. Na saída, Luiz Carlos me pediu uma parte Algumas moças beijavam ele, abraçavam, como se do dinheiro que a gente tinha combinado pelo 5
  • 8. trabalho. “Claro, pois não, precisa de mais?”, respon- sua casa para beberem juntos, para provar que ele, di, mostrando gratidão. “Não, doutor (ele me chama mesmo sendo um mendigo, é irmão e amigo, e de- por doutor), isso aqui basta”. Ainda fiquei obser- vemos tratar a todos de igual para igual. Mas perdi vando ele se distanciando, com a bolsa murcha à a piada e só pensei na resposta depois que o fato tiracolo levando todas as coisas que possui na vida. ocorreu. Ou, então, que ele estava lá a trabalho e Um (mais um) corpo magro e franzino cortando a fim de papo. madrugada carioca. No outro dia, de tarde, passei lá no ‘es- Relações entre o mundo e as coisas do mundo conderijo do Bin’ para levá-lo ao “trabalho”, como O caso é que era eu a trabalhar com combinado. Ele estava imprestável, bêbado, louco, alguém considerado marginal e isso leva a mil in- delirando, pior do que a vez que nos reencontramos. terpretações, como a de estar usando uma pessoa Alucinado. Escorria de seu cabelo algo gosmento para humilhá-la ou, até, de estar sujando o aparta- como a textura de um ovo cru quebrado. Era um mento novo da moça de família. No entanto, há vári- sábado de tarde e ele estava no meio das pessoas os artistas trabalhando com essa mesma temática que tinham ido ao campo para jogar bola, beber e e os piores casos são aqueles que ou querem falar conversar. Fiquei com medo que o machucassem pelo Outro, ou querem denunciar uma situação, e me senti responsável por sua sorte, naquele transformando arte em mensagem ou estetizando momento. “Ei, cara, o que aconteceu com você?”, a miséria. Em todo caso, o que aconteceu naquele indaguei. Ele mal respondeu qualquer coisa. Tirei ele apartamento foi um afastamento tão determinado daquele lugar e ele não parava de xingar o mundo, a da representação que tornou-se, aos olhos de quem vida, de me xingar e nada mais. Comprei uma pinga viu de longe e não quis se aproximar, um desafio. do camelô e fiquei bebendo, deixando ele blasfemar E para os que chegaram perto, a única alternativa até eu perder a paciência e ir embora. Esse foi o X era, em algum momento, por melhor que fosse a da questão. intenção, buscar o desvio: “pensei que você tinha Mas qual era a questão que a obra colo- trazido ele aqui para se misturar no meio de nós”, cava? Confesso que a indignação da garota sobre teria sido uma das falas da garota indignada. Dentro o fato dele não ser minha obra, perturbou-me. En- dessa fala, teríamos apenas uma relação de mão quanto fazíamos nossa ação – Luiz Carlos e eu - uma única em um terreno onde só existe livre arbítrio e das minhas preocupações naquele ambiente de arte nós não estaríamos sujeitados a nada. “A economia do apartamento transformado em galeria para um não nos impede de dar as mãos”, poderia ter sido a evento era a de manter a distância entre público e fala da senhora que se perturbou com a textura das ação de arte. E criar uma situação de diferença en- mãos do Luiz Carlos. Mas essa é a capa da indife- tre o que era dado a ser visto e o ambiente de festa renciação que o capitalismo quer dar às relações e curtição que acabou se instalando no local, evitan- entre as pessoas e o mundo. Entre o mundo e os do, assim, a banalização. Era essa a resistência que objetos, para que tudo se transforme em matéria eu quis manter, até o final. Bastaria dizer à garota de consumo. O experimente de ontem é o compre de que ele, o Luiz Carlos, era um adicto, um viciado. Que amanhã. ele não pode tomar um trago porque enquanto tiver De fato, o Luiz não é meu objeto. Ou, ele bebida e droga ele vai querer mais e mais, até o fim. só se tornou meu objeto na medida em que eu sou o E depois seria encontrado na rua como um trapo objeto dele, também. E, na medida que haviam vários sujo jogado. Ou, então, usando da ironia, poderia ter níveis de relação, seja com o espaço, com o lugar e dito a ela que, para provar amizade, que o levasse à com o público. Estávamos lá trabalhando e aquele 6
  • 9. era um trabalho que deveria ser mantido. Caso meu REPERCUSSÃO “objeto de arte” começasse a beber, ou eu, como propositor da obra começasse a beber, e nos sol- LUIZ CARLOS MARQUES DA SILVA tássemos no meio da festa, o trabalho teria ido para o espaço. E eu perderia a chance de mostrar o que “e, apontando com o dedo, ele me falava de um eu tinha ido lá para mostrar: uma relação de tensão. lugar chamado o fundo do poço. um lugar sem Tensão com os outros artistas e seus trabalhos, lugar, porque, aonde quer que fosse, o fundo do tensão com a dona da casa, tensão com o curador, tensão com o coronel do prédio. E, não uma relação poço o esperava à sua frente, e ainda o per- de integração. Pois essa integração iria sugerir uma seguia. no fundo do poço havia faca, bala, por- mentira. Seria de uma inocência hipócrita. Depois rada, e o mais que havia, como fome, doença, da festa voltaríamos a ser quem éramos e eu te- trapos, era feito nos moldes da falta. quando se ria que me desculpar porque não tive a capacidade livrava aqui de uma delas, era para encontrá-la de levar meu trabalho às últimas consequências. de novo ali, sem demora, à espera, mas tão às Não teria sido profissional. Assim, misturar teria claras que nem emboscada havia. e ele me fa- sido matar a tensão trazida pela presença do “de lava que, no fundo do poço, só havia amizade ao fora”. Arte, se não há uma intenção, se não há um preço de uma guimba de cigarro, de um trago desejo de comunicação, não pode existir como arte. de cachaça, de uma ponta de pão mesmo que Mesmo um trabalho desses, onde a comunicação é dormida, fora disso, sem um preço a ser pago, a incapacidade de compreensão, de tradução de um nada de amizade havia, já que a própria amizade mundo para outro. só havia na duração do preço que a pagava, não Bárti ainda não apareceu, mas o Luiz Car- mais do que isso. era do fundo do poço que ele los ainda tem fé que ele volte. Só que o Luiz Carlos me falava. e ele me falava que, no fundo do brigou com o resto do bando e não se mistura mais poço, era preciso manter a dignidade, manter com eles. Eu também me mudei da redondeza e não a mente em seu devido lugar, saber apanhar vejo mais o Luiz Carlos, mas tenho saudades. E ainda sem querer revidar, saber dormir onde quer não fiquei rico, como ele me disse, quando mostrei a que fosse (chegando a tanto fazer se seria lá figurinha com a foto dele. ou aqui que iria sonhar), aprender a se camu- Foto: Liza Santos flar de fumaça, asfalto, lixo. e, com seu bafo de nicotina e tabaco, acrescentando que cada um tem sua cruz, ele, a dele, eu, a minha, ele me falava que, no fundo do poço, pouco importava a já mínima vontade, mas o único e exclusivo gesto, o de amar – ao ponto de não se sentir incomodado em ter seu fundo do poço contra- bandeado para este evento na cobertura em que estávamos, onde iria dormir no chão, ao lado do artista que o trouxe, de frente para o mar, na qual, trazendo-nos o fundo do poço, ele me falava.” X: Rubens Pileggi da Silva e Luiz Carlos Marques da Silva Alberto Pucheau 7
  • 10. GALDINO Instalação: projeção de vídeo sobre cobertor, texto e ventilador, 2012
  • 11.
  • 12. NOTÍCIAS FABRICADAS Instalação em 03 partes: Folhas de jornal (03 verdadeiras e 02 paródias), relógio preparado e travesseiros sonorizados
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  • 14. Por uma arte política: os mundos visíveis de Rubens Pileggi Manoel Silvestre Friques D entre o conjunto de procedimentos poéticos uti- lizado por Rubens Pileggi, aqueles que talvez se- jam mais pungentes dizem respeito ao modo como o monumento como memorial. Aqui, não resta dúvi- das quanto à proposta desmaterializante da obra: o trabalho de Pileggi resiste à institucionalização artista lida com a visibilidade. Suas obras propõem, artística ao se diluir nas ruas das metrópoles, com uma certa freqüência, deslocamentos do vi- afirmando-se como uma antiescultura, antiobjeto. sível, na medida em que trazem à baila elementos Se, em “Monumento Mínimo Precário” (1998), o ignorados pela paisagem urbana – mas que perten- visível – a obra de arte, a escultura mini-monumental cem, irrevogavelmente, a esta – ao mesmo tempo – é devolvida à sua condição de invisibilidade, em em que se dissolvem em meio ao caos das grandes “Notícias Fabricadas” (2011), observa-se movimento cidades. Questionando, por exemplo, a “lógica do inverso. Atuando criticamente a partir de reporta- monumento” – no interior da qual a escultura gens jornalísticas que lidam com o “problema” dos representa, em caráter grandioso, permanente e moradores de rua, Pileggi exibe não apenas este comemorativo, um feito histórico – Pileggi trata de grupo de indivíduos, mas também os recursos utiliza- criar estátuas efêmeras em miniatura, instalando- dos pela mídia para torná-los, por meio da visibilidade os em lugares de grande circulação. Em poucas da notícia, mais invisíveis. A matéria-mote para a horas, tais objetos somem sem deixar rastros, em obra expunha as medidas utilizadas pela prefeitura contraponto direto ao boom de memória vivenciado do Rio de Janeiro para impedir a ação dos mendigos, nos dias atuais, seja por meio do desenvolvimento colocando pedras embaixo dos viadutos, tornando in- tecnológico, seja por meio de um revival da idéia de viável a permanência deles nestes locais - lugares in-
  • 15. abitáveis os quais a necessidade transforma em lar. neste, nem em outros casos onde a mídia, com Relatava também a preocupação dos moradores a sua capacidade (e o seu poder) de controlar e “legítimos” dos bairros, por meio da contratação manipular a informação, inventa verdades men- de detetives responsáveis por desvendar a origem tirosas – neste sentido, o tratamento dado aos e o perfil dos “invasores”. Ora, como não saber a mendigos resulta de uma postura-padrão de um origem dos moradores de rua? tipo de jornalista desvinculado já há algum tempo A leitura do artista para a notícia produziu então de qualquer pensamento ético, postura essa que o trabalho que agora lemos. Às matérias iniciais, pausteriza os insurgentes e os relega à invisibi- são acrescentadas duas páginas de jornal contendo lidade (mais recentemente, pode-se mencionar o reportagens produzidas pelo próprio Pileggi, três caso de Pinheirinho, em São Paulo, noticiado de travesseiros sonoros e um relógio “Romelex”. Por modo torpe pelos veículos de comunicação). meio das notícias que produz, o artista cria uma A verdade histórica é inserida então no espa- fenda naquilo que Barthes denomina de logosfera ço atemporal e asséptico da galeria de arte. Ora, – uma espécie de camada de forração formada nesta operação, onde o histórico se choca com o por tudo que lemos e/ou ouvimos. Neste caso, ela atemporal, põe-se em jogo não apenas os binômios se refere ao discurso oficial, por meio do qual a verdade/mentira e história/natureza, mas também versão jornalística se converte em retrato legí- outro: fora/dentro. Ao dar destaque, por meio de timo da realidade. A criação de mais reportagens sua obra, a assuntos rotineiramente relegados ao sobre o tema, acrescentando-lhe informações, não esquecimento – não apenas pelos jornais, mas por é realizada de forma incólume, pelo contrário. As todo e qualquer transeunte de uma grande cidade notícias de Rubens levam ao extremo as posições – Pileggi impregna o interior da galeria de seu ex- jornalísticas – aparentemente imparciais – a ponto terior, acrescentando (uma vez mais) a um espaço de revelar-lhes seu absurdo latente. O acréscimo de subtraído (afinal, este lugar isola a obra de tudo matérias impõe-se como um artifício por meio do aquilo que pode interferir a sua apreensão) todo o qual a reportagem do artista revela o caráter fictí- seu entorno. O cubo branco é, com isso, contamina- cio – e, por que não dizer?, mentiroso – de algo que do – os mendigos não estão apenas soltos nas ruas, se pretende verdadeiro. A adição, portanto, abala o mas presentes também até nos espaços ideais das discurso jornalístico, interrompendo o continuum galerias de arte. Os três travesseiros atuam, com de palavras que trata de esconder, ou ao menos ve- isso, de modo diametralmente inverso a propostas lar, suas verdadeiras intenções e posicionamentos. relacionais, como os “Objetos transitórios para uso A perspectiva crítica deste trabalho não surge por humano” (2008), de Marina Abramovic – cuja gene- meio da denúncia ou da supressão, mas da intensi- alogia, indubitavelmente, deve remontar à produção ficação – através do acréscimo – de um discurso. de Ligia Clark – na qual o espectador é convidado É neste sentido que o trabalho de Pileggi pode ser a vivenciar “momentos de paz” desencadeados por relacionado à poética de Bertold Brecht. relações ritualísticas com materiais como cristais, Pois, assim como a do encenador alemão, a cobre e ferro. No caso de Pileggi, elimina-se a pos- obra aqui comentada trata de devolver a verdade sibilidade de uma vivência desta natureza, pois histórica ao escrito. Neste caso, ela está estampada encostar a cabeça no travesseiro traz consigo a no título: “Notícias Fabricadas”. Enquanto verdade densidade sonora do exterior. O espectador, então, é produzida, o sentido deste discurso jornalístico é alçado à condição de mendigo, vivenciando, não uma único: ele atua de modo monopolizante, parcial e experiência íntima e atemporal, mas uma situação redutor. Isto não deve ser desconsiderado, nem histórica e fabricada pela notícia do artista. 13
  • 16. O choque temporal e a redistribuição espacial Manoel Silvestre Friques é Teórico do Teatro observados na obra de Rubens Pileggi condu- (UNIRIO) e Engenheiro de Produção (UFRJ). Douto- zem à crença de que suas produções artísti- rando no Programa de História Social da PUC-Rio, cas são políticas. Tal afirmação pressupõe uma é Mestre em Artes Cênicas pela UNIRIO. Professor noção de arte política que, antes de representar da Faculdade de Artes do SENAI-Cetiqt, foi assis- conflitos sociais ou denunciá-los, configura-se tente do artista plástico André Parente entre 2008 como um sensorium no qual a experiência pro- e 2010. É editor de conteúdo dos sites tempofestival. posta trata de produzir um dissenso, uma fissu- com.br e novasdramaturgias.com.br e co-fundador ra na logosfera instituída. Por meio de abalos, do grupo teatral Aquela Cia. Na abertura da ex- acréscimos e deslocamentos, Pileggi questiona posição In-Possíveis (Parque Lage, 2012), lançou justamente os regimes instituídos de visibili- seu primeiro livro, Seis Chaves, contendo ensaios dade e de legibilidade, travando um diálogo com sobre seus companheiros de Programa Aprofun- Jacques Rancière, quando este diz que a arte é damento, Luciana Paiva, Tiago Rivaldo, Louise D.D., política quando “os espaços e os tempos que ela João Penoni, Bruno Belo e Danilo Ribeiro. recorta e as formas de ocupação desses tempos e espaços que ela determina interferem com o recorte dos espaços e dos tempos, dos sujeitos e dos objetos, do privado e do público, das com- petências e das incompetências, que define (ou definem?) uma comunidade”. Sua obra é política na medida em que redistribui relações e embar- alha polaridades – ela não poderia ser outra, portanto, a não ser um Romelex . 14
  • 17. NO ÁLBUM, FIGURA A RUA: A EXPERIÊNCIA DE NOWHEREMAN, O LIVRO-OBJETO E A INSERÇÃO DA OBRA NOS CIRCUITOS IDEOLÓGICOS Rafaela Tasca T itubeei várias vezes em abrir o pacote de figurinhas que o artista me enviou. Havia em mim ruídos de medo e desconcerto frente simbólica que contemple estes “homens e mul- heres sem onde, resumidos a um aqui e agora sem esperanças.”, como escreve na apresen- à proposição artística de Nowhereman, pois tação de sua proposta. Para tal, o artista se sabia exigir minha ativação para se completar. vale de um formato tradicional de colecionismo Preparei-me para iniciar a ação sobre o objeto que se dá através de figuras adesivas das mais e, ao fim do primeiro movimento de abrir e co- variadas temáticas, em sua maioria ancoradas lar figurinhas nos espaços do álbum, fui tomada nos ideais de herói, dos objetos de consumo pela sensação típica da imersão em um jogo. venerados ou do ilustre inalcançável. Pileggi Entretanto, Nowhereman vai além da também se apropria de um fenômeno editorial experiência do colecionismo e do lúdico pos- brasileiro recente, ocorrido durante a Copa de sibilitada por sua forma “álbum de figurinhas 2010, quando o conglomerado multinacional Pa- adesivas”. Nowhereman é livro-objeto. É expan- nini lançou um álbum de figurinhas com os joga- são do espaço de arte. É exposição fotográfica dores das seleções participantes da competição itinerante. Um museu-miniatura. Um álbum- mundial. Posto que o futebol é febre nacional, tabuleiro. Uma maquete-livro. Um não-objeto1. as figurinhas igualmente assim foram. Assim, Uma intervenção urbana. pleno de uma intenção que absorve o formato Criado pelo artista Rubens Pileggi popular e interativo da natureza dos álbuns, o como parte da exposição Cromo Sapiens, artista atua às avessas, em outra esfera social, Nowhereman assume um formato clássico de em uma vertente de contra-informação. álbum. Com dimensões de 20x18 cm, contém 27 O gesto ousado de Pileggi sedimenta páginas, em papel couchè e sulfite de gramatura um trabalho de arte que opera na fusão de mer- média, a serem preenchidas com 42 fotografias cadoria e arte, com ênfase no consumo de um de moradores de rua do centro carioca. Cada objeto pelo público; parte essencial de seu pro- figurinha, ou cromo, tem 6,5 x 8,5 cm e é for- jeto artístico. Em Nowhereman, o artista desti- necida dentro de pacotes lacrados. Em alguns tui a metáfora2 e acopla à sua proposição a cromos há trechos da fala do retratado. Na noção de circuito e circulação de informa- página, podem ser afixadas sobre o texto de ções, nos moldes adotados por Cildo Meire- anúncios imobiliários do centro do Rio. Ou ao les em Inserções em Circuitos Ideológicos lado da planta baixa de um apartamento. A cada (1970) e Elemento Desaparecendo/ Elemento retratado é dada a referência de nome, idade, Desaparecido (2002). procedência, tempo como morador dia e local A exemplo da fabricação e comercial- da “abordagem”. ização dos picolés proposta por Cildo em Kassel, Fruto de uma pesquisa do artista com Pileggi também cria um aparato de distribuição mendigos da região central do Rio de Janeiro, de seu produto, o álbum e as figurinhas, que po- Nowhereman se propõe a uma reforma urbana dem ser adquiridos – ou trocadas - em espaços 15
  • 19. da capital fluminense (uma banca, uma galeria nela o seu tempo. O não-objeto reclama o espectador e um museu), ou solicitados para postagem (trata-se ainda de espectador?), não como teste- através de email ou contato telefônico. Portanto, munha passiva de sua existência, mas como condição cria por meio de um impresso industrial, de re- mesma de fazer-se. Sem ele, a obra existe apenas em produção e circulação massiva, uma “estratégia potência, à espera do gesto humano que a atualize.” (GULLAR, Ferreira. Teoria do Não Objeto.) de visibilidade” que usa da noção de circuito 2 “...fazer trabalhos que não existam simplesmente para dar materialidade e sentido a seu trabalho. no espaço consentido, consagrado, sagrado. Que não Interessante pensar que Pileggi tam- aconteçam simplesmente ao nível de uma tela, de uma bém é poeta, crítico de arte e escritor. Uma atu- superfície, de uma representação. Não mais trabalhar ação que remonta à familiaridade do artista com com a metáfora da pólvora — trabalhar com a pólvora o objeto livro, formato de expressiva aparição na mesmo.” (MEIRELES, Cildo.) arte brasileira, sobremaneira entre os concre- 3 “de fato, a origem da participação do espectador tos e neoconcretos que tensionaram, por vezes na obra não poderia ter sido mais natural e sim- dissolveram, as fronteiras entre artes visuais e ples: nasceu do livro que é por definição um objeto literatura. Ferreira Gullar ao tecer sua análise manuseável. (GULLAR, Ferreira) sobre a obra Bichos de Ligia Clark aponta que 4 Célebre poema de João Cabral de Melo Neto sobre o o próprio início da participação do espectador Rio Capibaribe e a miséria que acometia os habitantes de suas margens. O “Cão Sem Plumas” foi publicado nas obras de arte teria origem no livro, “por definição um objeto manuseável3”. Assim, No- pela primeira vez em 1950. whereman atua no campo do objeto escultórico, embricado ao alargamento conceitual do forma- REFERÊNCIAS to livro impulsionado por Haroldo e Augusto de ANJOS, Moacir dos. Cildo Meireles: A poesia e a in- Campos (Poemóbiles), Ferreira Gullar (Poemas dústria. In: Revista do Programa de Artes Visuais, Espaciais), Waltércio Caldas (O Colecionador, UERJ, 2004. Aparelhos, Livro Velásquez e Manual da Ciência GULLAR, Ferreira. Teoria do Não-Objeto. In: Experiên- Popular) e, também, de Artur Barrio (Cadernos- cia Neoconcreta: momento-limite. São Paulo. Cosac Livros e Livro de Carne). Naify, 2007. Por fim, Nowhereman segue o curto- MEIRELLES, Cildo. Depoimento sobre Inserção nos circuito das fronteiras e tensionamentos da Circuitos Ideológicos. Revista Bravo. Julho/2006. arte, vida e ação política. Ao inverter o espelho Disponível em: www.canalcontemporaneo.art. dos ícones sociais e expor os cão sem plumas4 br/brasa/archives/000795.html (Acesso em da urbe, o projeto artístico de Pileggi trabalha é 4/06/2011) com a pólvora, mesmo. NETO, João Cabral de Melo. O cão sem plumas. Edi- tora Nova Fronteira, 1984. 1 “Diante do espectador, o não-objeto apresenta-se como inconcluso e lhe oferece os meios de ser con- cluído. O espectador age, mas o tempo de sua ação não flui, não transcende a obra, não se perde além dela: incorpora-se a ela, e dura. A ação não consome a obra, mas a enriquece: depois da ação, a obra é mais que antes – e essa segunda contemplação já contém, Rafaela Tasca é jornalista com especialização em além da forma vista pela primeira vez, um passado História da Arte Moderna e Contemporânea pela EMBAP em que o espectador e a obra se fundiram: ele verteu e desenvolve pesquisa em curadoria e crítica de arte. 17
  • 20.
  • 22. AÇÕES CROMO SAPIENS A s estatísticas apontam para mais de 2000 direção daquilo que todos preferíamos não mil moradores de rua no Rio de Janeiro. ver, mas que não podemos continuar fingindo A maioria jogada no centro da cidade, que que não vemos. se transforma em dormitório a céu aberto, Em pouco mais de dois anos de trabalho, voltei à noite. O que eu posso fazer para intervir a ver apenas um dos personagens. Ele, no en- nessa situação? O que você pode fazer diante tanto, simboliza e aponta para o sofrimento de desse trágico quadro exposto cotidianamente outros, que perambulam errantes, despossuí- diante de seus olhos? O que o poder público dos, inclusive, de sonhos. Além do aspecto for- pode fazer para melhorar a vida dessas pes- mal, as questões sociais e contextuais não são soas? O presente trabalho nada esclarece estranhas à história da arte. Foram elas que sobre essas perguntas, apenas aponta na levaram às ações do projeto CROMO SAPIENS. Troca-troca Lançamento no Estúdio Dezenove Aceitando trocar um álbum de figurinhas NOWHEREMAN foto: Livia Hung por uma refeição, colecionadora entrega uma ‘quentinha’ para moraddores de rua, na região do Catete.. Banca Cultural da Lapa Acima: com a presença de amigos, em 30/04/2011, no Estúdio Dezenove, em Santa Teresa À esquerda: no meio da rua, na Lapa, junto à Banca Cultural antes de ter sido colocada no chão pelo poder público. Uma perda para a região! 20
  • 23. Museu do Mundo M useu do Mundo foi o nome dado para o es- paço que abriu com a proposta de « clínica de artista  », pelo artista e professor Roberto Constituída de duas instalações e lançamento do livro ilustrado – álbum de figurinhas – NOWHEREMAN, a exposição conseguiu atrair Corrêa dos Santos, em Ipanema. Foi lá, durante um público significativo, interessado em arte e, o mês de junho de 2011, que ocorreu a exposição também, nos conteúdos propostos dos trabalhos SÓ SONHA QUEM DORME. apresentados. OLHOS ROUBADOS Vídeo Instalação Vídeo, espelho, painel fotográfico recortado, texto de parede e caixa de papelão A vídeo instalação OLHOS ROUBADOS apresenta frontalmente a imagem de uma idosa sentada, com as mãos estendidas, pedindo esmolas. Seu rosto, mãos e pés são recortados. Colada à parede, uma frase dita por ela. Quando o espectador se aproxima desse conjunto, percebe um som e uma luz atrás do painel. Para ver o rosto da personagem no espelho e o que ela fala, precisa ‘invadir’ sua privacidade, onde descobre a caixa de papelão que, supostamente, seria o lugar onde a mulher dorme. http://figur inhasnowhereman.blogspot. com 21
  • 24. SÓ SONHA QUEM DORME Vídeo Instalação Aparelho de vídeo, TV, e esteira A vídeo instalação SÓ SONHA QUEM DORME assume a mesma estratégia das academias de ginástica da zona sul carioca, que exibem seus clientes malhando enquanto assistem TV, do outro lado da vitrine. Só que, ao invés de usar a pro- gramação “normal” dos canais, passa um vídeo em que moradores de rua relatam a necessidade de se manterem atentos, evitando, assim, serem surpreendidos pela polícia ou por marginais dispostos a chutá-los ou incendiá-los enquanto dormem. Em sua apresentação no Museu do Mundo, uma placa no chão pedia que as pessoas tirassem os sapatos. A ideia é que as pessoas, para se relacionarem com o trabalho, ficassem na mesma situação dos personagens retratados. Opiniões do público Oi, Olá Rubens, Me chamo Joice e vi a matéria que o Brasil de Fato Meu nome é João Pires, sou funcionário da Secre- fez sobre o álbum Nowhereman. Moro em Santa taria de Cultura de São Bernardo do Campo, SP, e Maria/RS e trabalho em uma escola da periferia gostaria, primeiro lugar, de parabenizar seu trabalho da cidade, àrea onde há uma ocupação urbana. "Nowhereman", que realiza algo que acredito como Várias crianças que moram na área da ocupação central para o artista e a arte, qual seja, de buscar estudam na escola, e por isso tenho a intenção refletir e intervir na realidade cotidiana, ou seja, uma propositura que busca a alteração do simbólico. de trabalhar a questão da terra e da moradia no Isso posto, gostaria de consultá-lo sobre a pos- contexto urbano com essas crianças, que, mesmo sibilidade de viabilizarmos a execução da proposta em uma situação diferente daqueles que estão em aqui em nossa cidade, pois a atual administração Nowhereman, acabam se tornando invisíveis pela do município de iniciou uma série de ações para condição em que vivem. Gostaria de mostrar o teu a Redução de Danos e para a População de Rua e trabalho para as crianças e montar alguma ativi- esta intervenção seria de grande importância para dade baseada nele. Como faço para consegui-lo? seu fortalecimento no sentido de efetivação de uma Obrigada, Política Pública para este setor. Joice Zorzi no aguardo de seu retorno João Pires 01/08/2011 12/07/2011 22
  • 25. Trecho do texto de Luiz Cláudio da Costa para a exposição SÓ SONHA QUEM DORME S ó sonha quem dorme, exposição de Rubens Pileggi apresentada no Museu do Mundo, aponta para a afirmação da arte como espaço da vida. Com dois trabalhos instalativos e um impresso, a exposição coleciona histórias, registros e sonhos que desfazem mais que conservam a forma do inventário. O tom aparentemente objetivo dos três trabalhos que compõe a exposição – Só sonha quem dorme, Esses olhos não são meus e Nowhereman – não materializa somente a informação sobre o mundo de “invisíveis funcionais”. Dão igualmente visibilidade à divergência no espaço pú- blico da arte. Pileggi apresenta a força da inscrição de imagens que realizadas com a perspectiva da dor do outro são transformadas por uma imaginação reflexiva. Registradas, reiteradas, deslocadas para modos de apresentação e dispositivos diferenciados, Só sonha quem dorme torna reversível o documento em sua condição de prova, pois ele expressa a vida que insiste nos espaços da ci- dade desamparada. Qual a importância da atividade de colecionar se o que reunimos não afirma o movimento da vida? A indigência pertence à poesia quando ela arrisca a dar brilho ao não ilustre. Estranho brilho fosco de uma poesia que se instala entre as provas da infâmia. A miséria não é aqui digna de lástima ou pena. Não há nenhum tom de lamentação nesse trabalho engenhoso de Pileggi, ainda que o infortúnio social seja tema de sua angústia artística. Do jogo inocente, resta a potência da visibilidade que atordoa. Afinal, que lugar tem esses esmoleiros, es- ses sem teto, no ambiente fino da arte? Fantasmas ou pessoas? A imagem manuseada invalida a inocência da atividade. É a voz do mendigo que afirma: “só sonha quem dorme”. Podemos sonhar porque diante da injúria dormimos. A vigília, entretanto, é o que nos resta depois de manusearmos as figurinhas de NOWHEREMAN. Suas imagens e frases, as indicações dos lugares, as estatísticas são provas da indigência, mas acima de tudo esses documentos exprimem a sobrevida que subsiste nos destroços. Luiz Cláudio da Costa é professor adjunto da graduação e do Mestrado em Artes do Instituto de Artes da Universidade do Estado do Rio de Janeiro Olá Rubens, tudo bem? Oi Rubens, como está por aí? O material chegou hoje pela manhã e só confir- ADOREI O ALBUM DE FIGURINHAS!!!!!!!!!! mou a minha expectativa, além de causar grande EM SETEMBRO TEMOS A SEMANA DE ARTE DA UEM, impressão ao restante da equipe da SC. Em breve NÃO SEI SE VC ACHA VIÁVEL, MAS SE QUISER DARIA voltamos a conversar. PRA EXPOR O TRABALHO. abração Beijo grande! João Pires Sheilla 21/07/2011 07/07/2011 23
  • 26. Caro Rubens, as fotos tiradas no evento. Quando a TV UNISUAM faz cobertura, damos a reportagem em DVD. E toda Estamos desenvolvendo aqui em maceió o www. divulgação interna e externa é feita pelo Departa- jornaldarua.org.br , ele estará na rede a partir mento de Comunicação da UNISUAM. O que sair na do dia 01 de julho, achei seu projeto interessante imprensa, passo para os expositores. Assim, temos e gostaria de um exemplar para fazermos um conseguido trazer exposições organizadas pela trabalho com nossos moradores de rua. LAMSA, pela FIOCRUZ, dentre outros; temos rece- caso seja possível ficamos agradecidos, obrigado bido personalidades, como o príncipe Dom João de pela atenção. Orleans e Bragança, O imortal Evanildo Bechara, o escritor Joel Rufino dos Santos, a professora e Jose Bispo Filho escritora Tania Zagury e outros mais. Até peças de 26/06/2011 teatro estamos trazendo para a UNISUAM. Dê uma olhada no nosso site para conhecer um pouco de nossa história. Agora queremos você aqui conosco Parabéns pelo trabalho. fazendo parte dela. Então, venha nos conhecer, Pena que não pude ver tua exposição no Rio, conhecer o nosso espaço. Tenha certeza de que vai espero ter novas oportunidades. ser muito bem recebido. Um grande abraço e até Te escrevo pois quero um álbum e figurinhas. breve. Como fazemos? Cintia Neves e equipe. CCULT - Centro Cultural Unisuam Beijos, 22/06/2011 Fernanda Magalhães 25/07/2011 Splash deixou um novo comentário sobre a sua postagem "PEDIDOS": Olá!! comecei a colecionar hoje e adorei! preciso Tomamos conhecimento de sua exposição Só de novas figurinhas mas não sei onde achar e ainda sonha quem dorme e ficamos encantados com a tenho uma repetida! o que eu faço? Beijo! possibilidade de trazê-la para o CCULT em 2012. 20/06/2011 O CCULT é o Centro Cultural da UNISUAM – uma instituição de ensino superior com mais de 25 mil alunos, doze mil só na nossa unidade, que é a maior Olá Rubens, tudo bem? e fica em Bonsucesso. Temos cursos de Desen- Tive a oportunidade de conhecer o álbum NOWHER- volvimento Local, Assistência Social, Comunicação, EMAN, dei uma conferida no blog e fiquei muito Direito e vários outros que os alunos certamente interessada em fazer uma matéria sobre esse adorariam ter contato com seu projeto. Além de projeto. Sou repórter com passagem por alguns achar importante aproximar os alunos de um tema dos principais jornais impressos do Rio, mas há normalmente rejeitado pela sociedade, tenho um algum tempo optei pro trabalhar como freelancer. interesse pessoal sobre o assunto. Faço matérias para revistas e outros trabalhos Poderíamos fazer uma palestra com eles e com de comunicação. A minha ideia inicial é bater um você aqui no CCULT. O que acha? Bem, nosso es- papo informal com você para saber toda a ideia e paço é gratuito. Todos os que expõem aqui ganham montar uma pauta para oferecer à revista Piaui. 24
  • 27. Acho que tem tudo a ver com a linha editorial deles. muro da cidade. Enquanto ela não aparecer, vc Você topa? pode substituí-la pelo joker do baralho, pelo louco Se puder, me passe um telefone para contato. do tarot ou por uma cópia da pintura de Hieroni- Assim, podemos marcar um encontro. mus Bosh, chamada “o filho pródigo”, do século Grande abraço. XV. Peço, também, que de vez em quando vc dê uma olhada no blog http://figurinhasnowhereman. Anna Luiza Guimarães blogspot.com para saber o que anda acontecendo Jornalista com a figurinha 13. Já tem bastante informação, 03/06/2011 mas quem sabe ela não apareça por aí, na sua casa, também? Afinal, esses andarilhos erram pelas cidades e a gente sempre acaba reparando Olá Rubens, em um deles, no meio de nosso caminho. Dê um Não nos conhecemos, mas estou encantada com prato de comida a ele, acaso acontecer de bater o seu trabalho do album de figurinhas. É lindo. Dar em sua porta alguém faminto, pedindo comida. Mais visibilidade as diferentes formas de vidas, a vida do que um cromo, a figurinha 13 representa um em invenção o tempo todo, com suas crenças, estado de loucura, de errância e de abandono e é desejos, sofrimentos e sonhos, se ocupar disso na só pelo nosso olhar e pela nossa compreensão que sua arte é muito legal! poderemos ajudá-lo a sair dessa vida. Quero alguns, para mim e para dar de presente. A outra figura, a que não tem número, veja só que Agradeço a sua atenção. ironia é a vida: ela é tão excluída que nem lugar no Um grande abraço, álbum de figurinhas tem. Dê um lugar a ela. Monica Rocha Um abraço, 27/08/2011 qualquer coisa mande um email para saber mais. Um abraço 06/04/2011 Rubens ... recebi ontem o album e as figurinhas .... porém hj estava abrindo os pacotes e separando e notei que falta a figurinha numero 13 ...... vc teria como me enviar essa figurinha ???? acredito que faltou pq veio uma que não é para colar ..... e como vem 3 em cada pacote ... ficou faltando essa ..... grata   Sheila Olá, Sheila A figurinha numero 13 é uma charada do álbum de figurinhas NOWHEREMAN, Sheila, pois ela confundiu as páginas do álbum onde ela deveria estar com os muros e paredes das cidades e, de vez em quando alguém diz que a viu em um ou outro
  • 28. Eu já acompanhava o trabalho do Pileggi pela net. e uma recordação de infância que acredito que a Mas numa certa tarde, quando eu saía de casa maioria tenha tido. Depois, quando você propõe a pra minha corrida, uma surpresa: na caixinha do tarefa de colar as figurinhas, o espectador deve correio o álbum, que o artista carinhosamente empregar um certo tempo me enviou (trocamos livros). Qual não foi a minha para realizá-la e consequentemente ler as sucintas surpresa ao abrir o envelope e perceber que as informações das legendas. É aí, na legenda, figurinhas que completavam as páginas em branco que para mim, está o ponto fundamental do seu eram de pedintes, de moradores de rua, dos trabalho. Enquanto muitos artistas intentaram dar excluídos, dos miseráveis, que pouco se diferem visibilidade à população de rua, você resgata os do Fabiano-bicho criado pelo Graciliano há mais de nome desses desconhecidos. Penso que o recon- 70 anos (e somos "a sexta economia mundial"! Rá! hecimento dessas pessoas como indivíduos, a sua Rá! Rá!). singularidade, é mais eficaz que mantê-los apenas como uma massa indiferenciada. Marcele Aires Parabéns pelo projeto! Aguardo o cromo 13! Poeta e professora de literatura da Universidade Abraço, Estadual de Maringá Juliana http://aveianopulsoainda.blogspot.com.br/ www.julianakase.com Olá Rubens, Aqui é a Juliana do Vitrine Efêmera. Gostei de te conhecer. Te escrevo para contar sobre da minha experiência com o seu projeto Nowheremen. Você deve conhecer melhor do que eu as propostas de outros artistas que trabalham com o assunto dos moradores de rua. Alguns por um viés mais estético, outros mais políticos e tantos outros realizando propostas momentâneas. Imediata- mente, ao ter contato com seu projeto, confesso que achei que se tratava de uma abordagem mais antropológica, mas ao ir colando as figurinhas no álbum, me dei conta da potência sensibilizadora da sua proposição. Admiro o tempo que você dispendeu conversando com eles, assim como me comovo ao obrigatoria- mente me ver alisando as faces das imagens que você nos oferece em close. Seu trabalho é bem sucedido em vários momentos. Primeiro, quando você oferece a compra, a preço módico, o seu álbum, você consegue ativar um prazer pelo colecionismo 26