O governo português aprovou um decreto-lei que legaliza retroativamente subsídios pagos indevidamente a presidentes de institutos politécnicos entre 2004-2012, contrariando decisões judiciais anteriores. O decreto permite que mais de 1 milhão de euros recebidos ilegalmente não precisem ser devolvidos.
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Manuel Heitor alega que pagamentos foram
feitos com "convicção de legalidade"
710 1,2
Nacional
euros
Era o valor aproximado do suplemento
por despesas de representação que os
presidentes dos institutos politécnicos
recebiam mensalmente. Tanto quanto
os titulares de cargos de direção supe-
rior de 1.° grau (diretores-gerais).
milhões de euros
É o valor aproximado que terão recebi-
do indevidamente os presidentes dos
15 politécnicos entre 2004 e 2012. A
legalização retroativa desses subsídios
impede o Estado de exigir a sua devo-
lução.
,ei Decreto contraria tribunais e legaliza abonos de mais de um milhão de euros recebidos por presidentes
Governo perdoa
subsídios ilegais
a politécnicos
Nelson Morais
sociedade@jn.pt
► O Governo decidiu pôr urna pe-
dra sobre o problema dos subsídios
ilegais que os presidentes dos insti-
tutos politécnicos andaram a rece-
ber durante pelo menos nove anos,
contrariando decisões anteriores
dos tribunais e abdicando da resti-
tuição de quaisquer verbas. Ao IN. o
Ministério da Ciência. Tecnologia e
Ensino Superior não quis quantificar
omontante pago indevidamente aos
presidentes dos 15 institutos politéc-
nicos até 2012, mas, à média de 750
euros por mês, chega-se a um valor
superior a 1,2 milhões de euros.
O dossier foi resolvido pelo Go-
verno através de um decreto-lei do
ministro da tutela, Manuel Heitor, e
do primeiro-ministro. António Cos-
ta, aprovado em pleno agosto e pu-
blicado em "Diário da República" a
21de outubro.
"O titular do cargo de presidente
de instituto politécnico aufere um
suplemento remuneratório por des-
pesas de representação, pago em 12
mensilidades, de montante corres-
pondente ao fixado para os titulares
de cargo de direção superior de L°
grau", determina o decreto-lei
65/2016, apenas com efeitos retroa-
tivos: "O disposto (_) aplica-se às si-
tuações ocorridas no período com-
preendido entre 1 de janeiro de 2004
e 31 de dezembro de 2012".
O decreto-lei, promulgado em 11
de outubro pelo presidente da Repú-
blica. Marcelo Rebelo de Sousa, con-
traria frontalmente um parecer do
Conselho Consultivo da Procurado-
ria-Geral da República de 2003, um
acórdão do Tribunal Central Admi-
nistrativo (TCA) do Norte de 2012 e
relatórios de auditorias do Tribunal
de Contas posteriores, que concluí-
ram num mesmo sentido. "Os titu-
lares dos cargos de gestão dos insti-
tutos politécnicos e respetivas uni-
dades orgânicas não beneficiam do
suplemento por despesas de repre-
sentação", lê-se, por exemplo, no
acórdão do TCA do Norte, proferido
em setembro de 2012, no processo
que trouxe a público estes subsídios
ilegais (ver texto à margem).
Ministério fala em "boa-fé"
Questionado sobre o facto de o
novo decreto-lei contrariar, no-
meadamente, o acórdão do TCA do
Norte, o ministério de Manuel Hei-
tor respondeu que "a regulação da
matéria em apreço por via legisla-
tiva foi a forma adequada de col-
matar lacunas de regulamentação,
permitindo regularizar situações
pretéritas constituídas de boa-fé".
Acrescentou que os dirigentes
dos politécnicos pagaram-se dos
subsídios com "uma convicção de
legalidade", porque, em abril de
2001, doistribunais administrati-
vos de primeira instância tinham
decidido que os presidentes dos
politécnicos de Coimbra e Porto
podiam receber os tais suplemen-
tos. E isso levou a que o Conselho
Decreto-lei contraria
parecer da PGR
e decisões
de vários tribunais
Coordenador dos Institutos Supe-
riores Politécnicos (CCISP) delibe-
rasse, no início de 2004, no sentido
de generalizar aquela benesse aos
demais presidentes, relatou ainda
ogabinete de Heitor para sustentar
a alegada "boa-fé" dos beneficiá-
rios.
O referido parecer da Procura-
doria é de 2004 e a alteração da lei
do pessoal dirigente que afastou os
presidentes dos politécnicos ainda
mais daquele suplemento é do ano
seguinte. Mas o Ministério do Ensi-
no Superior confirma, ao explicar
por que razão o novo decreto-lei
produz efeitos até final de 2012, que
os presidentes dos Politécnicos
mandaram suspender o pagamen-
to dos subsídios a si próprios ape-
nas depois do referido acórdão do
TCA do Norte. •
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Remuneraçã Modelo
mais generoso
Desde 1991 que está estabelecido na
lei um sistema remuneratório próprio
para os presidentes e vice-presidentes
dos politécnicos. "0 presidente de um
politécnico está acima de um diretor-
geral, ganha mais, e por isso não tem
esse direito", afirmou o presidente do
Politécnico de Coimbra, Rui Antunes.
C Não é equiparável
ao de diretor-geral
A lei prevê suplementos por despesas de
representação para diretores-gerais. Mas,
.como escreveu o Tribunal de Contas, "ine-
xiste fundamento legal para a equiparação
do cargo de presidente de instituto politéc-
nico ao cargo de diretor-geral, quanto ao di-
reito a auferirem suplementos remunerató-
rios a titulo de despesas de representação".
Decreto
era necessário
O Conselho Coordenador dos Insti-
tutos Politécnicos (CSISP), presidido
por Joaquim Mourato (na foto), diz
que o decreto-lei 65/2012 resulta
da "necessidade (...) de esclarecer
qual a interpretação a dar às nor-
mas que regulavam o assunto em
apreço".
Restituiu dinheiro
por ordem judicial
e quere-o de volta
a saber ;;
Em 2013, o Ministério da Edu-
cação e Ciência, de Nuno Crato,
disse ao 1N que estava a ponderar
a questão de reclamar a devolu-
ção dos subsídios pagos indevi-
damente. Nunca o fez, segundo o
atual Ministério do Ensino Supe-
rior, por não ter legitimidade para
o fazer, à luz das competências
definidas no artigo 150.° do Regi-
me Jurídico das Instituições do
Ensino Superior.
Os pagamentos indevidos não
se colocaram com os reitores. Sea-
bra Santos, ex-presidente do Con-
selho de Reitores das Universida-
des Portuguesas, manifestou, em
2013, ao 1N, "a convicção profun-
da de que nenhum reitor recebeu".
COIMBRA Quando recebeu o pri-
meiro salário como presidente do
Instituto Politécnico de Coimbra
(IPC), em 2009, Rui Antunes tinha
na sua conta mais 750 caros do que
esperava. E perguntou de onde vi-
nha esse dinheiro. Explicaram-lhe
que era um suplemento remune-
ratório por despesas de represen-
tação, mas ele concluiu que a lei
não o permitia. Mandou então sus-
pender esse pagamento e notificou
o seu antecessor, Torres Farinha,
para que restituísse o que recebe-
ra a esse titu►o no mandato ante-
rior (56 mil euros ilíquidos). Como
Farinha não o fez, o caso seguiu
para tribunal. E culminou num
acórdão do Tribunal Central Admi-
nistrativo do Norte, de 2012. que
condenou Torres Farinha a devol-
ver o dinheiro e levaria à suspen-
são dos pagamentos nos outros po-
litécnicos.
Mas após a publicação, há duas
semanas, do decreto-lei 65/2016,
que legalizou retroativamente os
subsídios pagos entre 2004 e 2012.
Quando exigi ao meu an-
tecessor que devolvesse o
que recebera não o fiz
por uma questão moral,
mas de legalidade. Tam-
bém suspendi esse paga-
mento a mim próprio"
Rui Antunes
Pres. Politécnico de Coimbra
Torres Farinha já foi pedir ao IPC
que lhe devolva o dinheiro.
"Fez-se justiça", comenta ao IN
insistindo que "não fazia a mais pá-
lida ideia de que o Governo estava
a preparar este decreto-lei". O
Conselho Coordenador dos Insti-
tutos Superiores Politécnicos
(CCISP) empenhou-se na aprova-
ção do decreto-lei.
Para o atual presidente do 1PC -
que se afastou do CCISP, com os
politécnicos de Lisboa e Porto a
constitucionalidade do decreto-lei
é duvidosa, pelo seu caráter retroa-
tivo. "Mas, como funcionário, tenho
de cumprir as leis, concordando ou
não com elas", conforma-se, adian-
tando que o IPC vai pagar o que
Torres Farinha lhe pede.
Rui Antunes pondera. aliás, a
sua própria situação, já que o novo
decreto-lei lhe confere o direito a
três anos de subsídios, que não re-
cebeu. •
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• Presidentes de institutos receberam por despesas indevidamente • Governo legaliza situação e paga mais de um milhão de ettros P8.91
Perdoados subsídios
ilegais a politécnicos