O documento discute como a improvisação teatral e seus aspectos cognitivos influenciam a criação de movimentos expressivos na dança. Ele analisa como conceitos como tempo, espaço e peso de Laban e exercícios de ritmo corporal de Medeiros foram usados em uma disciplina para desenvolver a improvisação dos alunos e suas partituras de movimento. A improvisação requer abertura ao outro e disponibilidade para criar de forma conjunta no momento presente.
Relação improvisador público - mariana munizmarianamuniz32
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Aspectos cognitivos e invenção na improvisação teatral e sua influência na criação de movimentos expressivos em dança revista lamparina 2010
1. 1
Aspectos
cognitivos
e
invenção
na
improvisação
teatral
e
sua
influência
na
criação
de
movimentos
expressivos
em
dança
RIBEIRO,
Mônica
Medeiros1
e
MUNIZ,
Mariana2
Resumo:
Este trabalho pretende desenvolver uma reflexão comparativa entre a teoria da improvisação teatral e os
aspectos cognitivos e sua influência na criação de movimentos expressivos em dança. Para tanto, foi feita
uma revisão bibliográfica sobre improvisação e aspectos cognitivos da invenção e realizou-se uma
observação da disciplina “Estudos Corporais A” do curso de Graduação em Teatro da EBA/UFMG com a
finalidade de analisar os mecanismos da criação improvisada a partir de motores iniciais relacionados ao
movimento.
Palavras-chave: Cognição. Invenção. Improvisação. Movimento expressivo.
Abstract:
This work aims to develop a comparative reflection between the theory of theatrical improvisation and
cognitive aspects and their influence on the creation of expressive movements in dance. To this end, we
performed a literature review on cognitive aspects of improvisation and invention and has been an
observation of the course "The Body Studies" Course in Undergraduate Theatre EBA / UFMG in order to
analyze the mechanisms of creation from the Improvised Initial engine related to the movement.
Keywords: Cognition. Invention. Improvisation. Expressive movement.
A improvisação ocorre no movimento relacional com o colega, com aquele que
assiste, com o ambiente visual, sonoro, ou seja, com o outro. A prática improvisacional
tanto no teatro quanto na dança implica em uma contínua renovação do olhar de si e dos
outros. Esse movimento de renovação depende de um ato perceptivo que é também
cognoscitivo. Perceber envolve não somente a recepção dos estímulos e o
processamento da informação como também o armazenamento, a simulação da ação e a
antecipação de situações (Berthoz, 2000). Renovar o olhar implica em repensar a
percepção em termos de cognição.
A invenção, muito relacionada à criação, é tomada aqui no sentido dado por
Kastrup (2007) de um processo de problematização que aproveita qualquer desvio ou
1
Atriz-bailarina. Mestre em Letras: Literatura e outros Sistemas Semióticos( UFMG). Doutoranda em
Artes: Ensino de Arte (UFMG). Professora da Graduação em Teatro da EBA/UFMG.
2
Atriz e diretora teatral. Doutora em História,Teoria e Prática do Teatro (Universidad de Alcalá).
Professora da Graduação em Teatro e Pós-graduação em Artes da EBA/UFMG.
2. 2
desestabilização no padrão estabelecido no momento da improvisação ou de relação
com o ambiente ou o colega para gerar transformações.
O motivo deste texto decorre da vivência como docente, na sala de aula da
disciplina “Estudos Corporais A”, do curso de graduação em Teatro da EBA. O
conteúdo programático dessa disciplina correlaciona conceitos básicos de preparação
corporal como alongamento, aquecimento, coordenação motora, com processos de
criação de maneira prática a partir dos fatores de movimento instaurados por Rudolf
Laban3 e a rítmica corporal de acordo com as proposições de Ione de Medeiros4·. Por
meio do exercício de criação de movimentos próprios e de seqüências de movimentos,
os alunos apresentaram ao longo do semestre cinco partituras de movimentos que
culminaram em uma partitura/coreografia final. Essa criação foi operacionalizada com a
técnica de improvisação e as fases de seu processo foram abertas à fruição do público
acadêmico e extra-acadêmico.
Além dessa atividade docente, a participação como aluna das discussões e da
prática realizadas na disciplina “História, Teoria e Prática da Improvisação”, cursada no
doutorado da pós-graduação em Artes da Escola de Belas Artes e ministrada pela
professora Mariana Muniz, efetivou a realização do presente texto em versão reduzida e
trabalhada para este primeiro número do “Caderno de Licenciatura”.5 6
3
Tempo, Espaço, Peso e Fluência (RENGEL, 2000).
4
Ione de Medeiros é pianista e professora de musicalização, e diretora do grupo Oficcina Multimédia da
Fundação de Educação Artística de Belo Horizonte (1973 -2010 ).” A rítmica corporal trabalhada por
Ione tem muitas afinidades com os preceitos de Dalcroze, embora ela jamais tenha tido contato com sua
obra. Ione vem desenvolvendo esses exercícios desde inicio de sua trajetória a partir dos anos setenta,
quando em conjunto com outros professores de música da Fundação de educação Artística – Maria
Amélia Martins, Rosa Lúcia dos Mares Guia, Edla Lobão Lacerda, José Adolfo Moura, Lina Márcia
Pinheiro Moreira e Anita Patusco - , vivenciou os primórdios daquilo que viria a ser sua própria
abordagem de rítmica corporal” (MEDEIROS, 2007).Posteriormente deu continuidade a essa pesquisa do
aprendizado de musica por meio da expressão corporal na Fundação de educação Artística, no Instituto
Decroly e no Centro Pedagógico da UFMG. Sua referência teórica foi Britha Glathe-Seifert (1969).
Ressalta-se que seus exercícios de rítmica corporal são a base do trabalho de preparação de atores do
Grupo Oficcina Multimédia.
5
A professora Dra. Mariana Muniz realizou a orientação e revisão participativa deste texto, e, portanto,
assina o presente como segundo autor.
6
Foi publicado nos Anais da Reunião Científica de 2009 da ABRACE um resumo expandido com tema
oriundo do trabalho realizado em função da disciplina “História, Teoria e Prática da Improvisação”
cursada na pós graduação da EBA .
3. 3
A partir da observação participante7 realizada como professora-propositora
inicio uma reflexão acerca de alguns aspectos cognitivos e da invenção na improvisação
em sala de aula com o objetivo de problematizar a seguinte questão: Quais poderiam ser
os elementos cognitivos presentes no exercício da improvisação em artes cênicas?
Metodologia
Como método de pesquisa para a elaboração deste trabalho foi realizada
inicialmente uma revisão bibliográfica8 com os descritores improvisação e cognição,
assim como a análise qualitativa durante a observação participante na sala de aula da
disciplina “Estudos Corporais A”.
Improvisação e cognição
Tanto na arte teatral quanto na dança, a improvisação opera como instrumento
de formação, como ferramenta para criação de espetáculos e como espetáculo em si
(MUNIZ, 2004, pg.35). No âmbito dessa reflexão e da prática observada em sala de aula
a improvisação foi utilizada tanto para que os alunos se apropriassem dos elementos de
movimento de Laban e das proposições de Medeiros abordados no decorrer da
disciplina quanto para que descobrissem os elementos expressivos da sequênciapartitura de movimentos que seria apresentada ao público no espaço da sala de aula e,
por vezes, em espaços escolhidos por cada aluno-criador nas proximidades do prédio da
EBA/UFMG.
Os elementos labanianos experimentados por meio da improvisação foram o
tempo, o espaço e o peso. Quanto ao tempo foram trabalhadas a duração do movimento,
a velocidade e a pausa. Do fator espaço, foram selecionadas as direções, os caminhos, o
tamanho e os planos. Do peso, o peso leve, firme e pesado, como variantes do grau de
tônus muscular requerido na realização motora e o acento9. A rítmica corporal
7
“A observação participante é uma técnica de pesquisa que pressupõe a não neutralidade do pesquisador
em relação ao seu objeto de estudo” (RIZZINI, 1999, pg. 71).
É importante ressaltar que esta pesquisa sobre aspectos cognitivos na aprendizagem do movimento
expressivo no âmbito das Artes Cênicas faz parte do meu trabalho de investigação de doutorado em Arte:
Ensino de Arte que está no seu 19° mês , sob a orientação da profa. Dra. Lúcia Pimentel na EBA/UFMG.
8
9
O acento tem na sua aplicação no movimento mais relação com o fator peso por se tratar de uma
intensificação no tônus muscular para expressar uma ênfase no movimento coerente com uma intensidade
mais forte.
4. 4
contribuiu para a conscientização da regularidade do pulso, para a percepção do
andamento, das direções no espaço, da dinâmica das coreografias, das noções de
simetria, assimetria, simultaneidade, alternância, sucessão pausa e acento, assim como
para a configuração de partituras de duração, gráficos de intensidade.
A partir da revisão bibliográfica realizada pode-se dizer que uma das condições
essenciais da improvisação é a abertura e disponibilidade do improvisador para a
relação com o outro. Não é um estado de passividade, pois a receptividade é
intencionalizada. O propósito é gerar e dar continuidade a uma espécie de jogo. “A
improvisação deve operar como um jogo que tem como objetivo solucionar um
problema priorizando mais o processo de solução do que o resultado desta” (Spolin,
2003, pg.341). É necessário estar ativo para “[...] receber de outra pessoa, concentrar-se
nos demais. Aí radicará a raiz da criação, seu ponto de partida. Não faço nada sem estar
provocado pelo que faz ou não faz a outra pessoa. Não concentro em mim mesmo, mas
sim no outro” (LAYTON, 1990, pg. 18 apud MUNIZ, 2004, pg.35).
Conforme dito no inicio deste texto, esse jogo improvisacional ocorre na relação
com o outro, compreendendo este não somente como o colega improvisador, mas
também como o ambiente e o público. Constitui-se uma escuta propicia à improvisação,
imbuída de intuição e disponibilidade para jogar. Como sugere Muniz (2004) é
necessária a manutenção de uma escuta ativa que aproveita o acaso e o casual de
maneira adequada para a cena.
A improvisação utilizada era iniciada com a proposição de uma regra de execução
de movimento. Sugere-se que a regra seja compreendida como um fator orientador, e
não limitador, que facilita a criação do movimento sendo contextualizada dentro de um
dinamismo que permite a alteração desta em razão dos estímulos surgidos durante o
exercício. Vale ressaltar que a aprendizagem é também a escolha de foco atencional o
que já implica uma eliminação de possibilidades outras que não aquela que se pretende
trabalhar. A regra de execução de movimento foi o motor das improvisações. De
acordo com Muniz (2004, pg.284), “o motor é a chispa inicial, é a premissa com a qual
se decide trabalhar a improvisação [...]”. Segundo Robert Gravel e Jan –Marc Lavergne
(1989) este estímulo, que posteriormente seria denominado motor, é a ideia que permite
a ação surgir e ressurgir e a improvisação avançar dentro da lógica da proposta inicial e
de seu desenvolvimento. A regra é, neste caso, a própria ideia de movimento, uma ideiaação. Esta ideia-ação está sempre em relação aos conceitos estudados e a partir dela se
5. 5
desenrola a improvisação. Funciona como um eixo para o qual sempre se pode recorrer
mas que ao mesmo tempo permite digressões em muitas direções. A regra para
execução de movimentos tem uma condição de estrutura aberta visto que estabelece um
padrão de movimento e que, na repetição desta espécie de ‘ordem’, o mesmo padrão vai
se transformando continuamente ainda que mantenha uma memória do primeiro padrão
provocado por esse estímulo.
Como exemplo de regras de execução do movimento utilizadas na sala de aula temse:
1- Movimentar-se criando ‘nós’ com as parte do corpo e desfazendo-os.
2- Movimentar-se visando tocar as extremidades de um iscosaedro10, imaginando
que este se amplia até os limites dos membros e se recolhe.
3- Movimentar em dupla de maneira simultânea/alternada aleatoriamente pelo
espaço da sala.
4- Trabalhar movimentos em torção e flexo-extensão no primeiro pulso do
compasso ternário da música com um acento no primeiro tempo-forte e desintensificação muscular nos dois tempos subseqüentes.
Todos esses motores improvisacionais visam ao estabelecimento de relações entre
os alunos, o espaço e os conceitos trabalhados. O procedimento utilizado para tratar
com as regras-motores foi a ideia de problematização. A improvisação aqui, motivada
por regras de movimentos e realizadas a partir da ideia de problematização não tem
como objetivo, como o é para Spolin (2003), a resolução de um problema. O que se
pretende é tratar o motor da improvisação como um problema que funciona como
motivador de processos criativos. A resolução será alcançada a cada momento em que
se realiza o procedimento proposto pela regra e a cada articulação efetuada neste fazer.
É o mesmo problema de que fala Kastrup (2007, pg. 117), um “problema que não tem o
sentido negativo de lacuna ou falta, mas o sentido positivo de exigência de criação”.
Trata-se de experimentar a criação ativamente com um comportamento de investigador.
O que caracteriza esta abordagem que prioriza a problematização é a não resolução, a
10
Icosaedro é um poliedro de vinte faces. Esta figura foi utilizada pro Rudolf Laban nos seus estudos de
movimento. Para maiores informações ver o livro : LABAN, Rudolf. Dança Educativa Moderna. São
Paulo: Ícone, 1990.
6. 6
não estabilização de um padrão, mas sim a permanência num estado de variação
contínua.
Após o tempo dado às improvisações, os alunos-criadores deveriam rememorar
os movimentos que mais lhes interessaram e iniciar o processo de composição da
sequência-partitura de movimentos expressivos.
Na realização deste tipo de prática corporal sugere-se que o tipo de cognição
requerido seja aquele proposto por Kastrup (2007) quando correlaciona cognição a um
processo dotado de uma inventividade intrínseca, um processo de diferenciação em
relação a si mesma. A cognição é comumente associada à ideia de resolução de
problemas11. Na abordagem proposta por Kastrup a noção de inventividade é intrínseca
à cognição. A inventividade é um constante processo de problematização, a própria
criação de problemas que aproveita os desvios, as desestabilizações para gerar
transformações (Kastrup, 2007).
Desta noção de invenção, que estaria inerente aos processos cognitivos, se
aproxima a conceituação de criatividade dada por Wissink (2001, pg. 7) como
habilidade de perceber, em qualquer evento, diversos aspectos que poderiam ser
colocados dentro de padrões diferentes e de gerar questões por meio da criação de um
novo padrão através da recombinação entre seus itens. Quando Wissink apresenta a
criatividade a partir da teoria dos sistemas dinâmicos, também aproxima esse conceito
da inventividade de Kastrup. O processo criativo acontece com e em um sujeito num
contexto de mudança. “Mas em um conceito de mudança o sistema está sujeito tanto a
distúrbios internos quanto externos que movimentam o sistema para fora de sua corrente
estável, dando a oportunidade de entrar em outro estado estável” (WISSINK, 2001; pg.
32). Como um sistema dinâmico, em constante transformação, a cognição, com sua
inventividade inerente, sofre ‘perturbações’ que podem produzir novos estados. Essas
perturbações são ora internas, ora externas, ou ambas simultaneamente e estar aberto a
elas é condição desse tipo de sistema.
Vale ressaltar que invenção é aqui tratada a partir de sua etimologia latina invenire – que “significa compor com restos arqueológicos. Inventar é garimpar o que
restava escondido, oculto, mas que, ao serem removidas as camadas históricas que o
11
“A essência da cognição enfoca-s essencialmente na sua propensibilidade para a resolução de
problemas, numa palavra, a essência da adaptabilidade criativa da espécie humana” (Fonseca, 2007,
pg.17).
7. 7
encobriam, revela-se como já estando lá” (KASTRUP, 2004, pg. 13). A importância
dada ao que não se pode ver num primeiro momento, evidencia o valor dado à memória,
que, como um aspecto cognitivo, é re-inventada a cada vez que se recorre a ela. Essa
recursividade da invenção pertencente aos domínios cognitivos e ocorre em consonância
com as modulações emocionais, ou seja, com o viver do sujeito no mundo, com sua
impressão da experiência.
Wissink (2001) propõe a mudança, o envolvimento de processos mentais, o
conhecimento prévio de campo epistemológico, a apropriação e a validade como
características do processo de criação. Ele também atenta para a grande importância que
tem a motivação intrínseca, aquela que é interna ao próprio aluno-criador, no
desenvolvimento de um alto nível de criatividade. Essa motivação é influenciada pela
externa, mas depende muito do sujeito criador que a alimenta a partir da consciência da
necessidade de apropriação corpórea dos elementos teóricos estudados mencionados no
início deste texto. Isso implica uma atitude interessada, disponível para receber e
processar as perturbações ambientais com intuito de aproveitá-las no ato criativo. “O
meio comparece perturbando, e não transmitindo informações. Perturbar significa
afetar, colocar problema” (KASTRUP, 2007, pg. 133).
Na sala de aula
A observação participante realizada na sala de aula possibilitou a percepção das
seguintes dificuldades na realização da improvisação como técnica para apropriação dos
elementos motores e para criação de elementos expressivos para as sequênciaspartituras. A primeira dificuldade encontrada foi a capacidade de manutenção da
atenção durante a improvisação prolongada. A atenção requerida durante a
improvisação é um tipo de atenção que se alterna entre atenção focada e difusa,
promovendo um movimento circular da concentração que permite estar consciente de si,
do outro e aberto ao acaso. O desenvolvimento perceptivo possibilitador da escolha de
movimentos para posterior organização coreográfica também se mostrou deficiente,
assim como a capacidade de construção de uma estrutura móvel, em constante
transformação, mas dotada de coerência interna.
Discussão
8. 8
Ao estudar uma possível relação entre as características propostas por Wissink
(2001) – mudança, presença de envolvimento de processos mentais, conhecimento
prévio do campo e validade -, o conceito de invenção retomado por Kastrup (2007) e os
preceitos de improvisação propostos por Johnstone (2000) sugere-se que, ainda que
oriundos de diferentes áreas, há estreita afinidade entre eles.
Iniciando pela característica de mudança, pode-se inferir que estar em
movimento, ou percebendo o movimento externo e interno seja do corpo, dos objetos,
dos outros, ou dos próprios pensamentos é uma das condições necessárias à criação na
improvisação. O movimento pode ser compreendido como potência de transformação
de um estado a outro. A improvisação possui uma condição de transformação que não
prescinde do inesperado. Deve haver uma abertura consciente e intencionalizada que é a
própria escuta. Conforme Muniz (2004) a escuta em cena é ativa e visa avançar a ação e
manter o interesse. A escuta propicia a aceitação de propostas que, de acordo com
Johnstone (2000), é fundamental para o prosseguimento da ação. Com a ideia de
oferecimento de propostas para o outro, vem a importância do elemento surpresa. A
utilização intencional dessas surpresas é chamada de quebra de rotinas por Johnstone
(apud MUNIZ, 2004, pg. 274). A quebra de rotina provê movimento, mudança e auxilia
na construção dramatúrgica que acontece no “calor da ação” (MUNIZ, 2004, pg. 276).
Sugere-se também que os processos mentais que se destacam na prática da
improvisação são as chamadas funções executivas. Essas são um conjunto de
habilidades que, de forma integrada, permitem ao indivíduo direcionar comportamentos
a metas, avaliar a eficiência e adequação desses comportamentos, abandonar estratégias
ineficazes em prol de outras mais eficientes e, deste modo, resolver problemas
imediatos de médio e longo prazo (FUENTES, D.; MALLOY-DINIZ, 2008). Neste
grupo estão planejamento, controle inibitório, tomada de decisões, flexibilidade
cognitiva, planejamento, solução de problemas, memória operacional e atenção,
controle sobre o afeto, motivação, categorização e fluência. Aborda-se aqui a atenção
devido à sua influência em todo e qualquer processo de aprendizagem, pois de acordo
com os estudos sobre a atenção, ela é condição para a efetivação da memória. Só se faz
memória daquilo que foi objeto de nossa atenção em determinado momento. Na
improvisação deve ocorrer um recorte atencional, onde “ o que escutamos o filtramos de
acordo com nossas intenções e objetivos”(MUNIZ, 2004, pg. 272).
9. 9
No entanto, vale lembrar que “o prestar atenção é apenas um dos atos de um
processo complexo, que inclui modulações da cognição e da própria intencionalidade da
consciência” (KASTRUP, 2004, pg. 14). A intencionalidade está relacionada com a
motivação e com os objetivos do sujeito durante o exercício. A intencionalidade
encontra seu motor na curiosidade. E o cultivo da curiosidade é feito por meio do
treinamento.
Com relação à característica dada por Wissink (2001) chamada de conhecimento
de campo reitera-se que a improvisação não é espontânea, ainda que seja necessário
propiciar a imaginação e a espontaneidade num primeiro momento da prática
improvisacional. Os alunos-criadores aprendem diversos procedimentos técnicos os
quais lhes permitem entrar e permanecer no jogo da improvisação.12
A validade, a quarta característica proposta por Wissink, pode ser equivalente à
aceitação de Johnstone e o pacto com o publico. Ela é referenciada por valores culturais
e pode ser percebida na relação entre ator/bailarino-público.
Conclusão
A aprendizagem que ocorre no exercício da improvisação possui uma lógica
circular que, ainda segundo Kastrup (2004), aponta para o inacabamento do processo. A
condição de uma atenção que oscila entre focada e difusa, entre concentrada em
aspectos internos e externos ao aluno-criador pode auxiliar nessas experiências de
problematização, experiências de invenção.
Retomar os conceitos relacionados a processos de criação, das ciências da
cognição, e da improvisação, a partir do ponto de vista do teatro, auxilia na reflexão
sobre a improvisação e a prática inventiva na criação de sequências de movimentos
expressivos em dança.
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12
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10. 10
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