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PEQUENO EXCERTO DO CONTO “ AS VIAGENS DO KA “ – LIVRO A PUBLICAR
(…) A nossa casa era em Assiut, na margem esquerda do Nilo, um lugar tão
encantador e tranquilo como outro não conheci. Estávamos junto á dádiva do aluvião
e junto à desembocadura do seu irmão menor o Bahr Yussuf, um afluente que nos
levava ao lago El-Faium preferência de numerosas colónias de gansos e patos de boa
gordura e onde as armadilhas de caça tinham sempre sucesso, proporcionando bons
assados. Naquele lugar tão bom, logo na maior curvatura do Nilo, tínhamos Abidos e
Dendera perto, descendo o Nilo podíamos ir a Heliópolis e mesmo em frente à grande
Mênfis, a fundada pelo divino Ménes e que diziam ser a mais cativante das cidades, lá
o meu avô também tinha casa e pelo seu cargo e importância frequentava o palácio
real. Todos admiravam a nossa morada. O meu avô um dia, em que passeávamos ao
fundo do jardim, junto a um pequeno terreno plano e um canal que vinha do Nilo,
explicou-me que a casa tinha sido construída segundo os ensinamentos que o grande
Imhotep tinha legado, que entre tantas virtudes também tinha sido arquitecto. Os
operários eram descendentes dos antigos artífices da Escola de Mistérios de o Olho de
Hórus e só em casos muito especiais trabalhavam fora das construções do grande
faraó.
Os blocos que a constituíam tinham sido ali feitos, junto à água, tinham
material do Wadi Natrum, o natrão que era adicionado ao pó proveniente das cinzas
de rochas de calcário e dolomite oxidadas pelo fogo, a que se juntavam cinzas de
vegetais. Era esta cal misturada com o sal e água. Derretendo-se o sal e ficando a cal
em suspensão, desencadeando-se uma misteriosa reacção que dava origem a um
liquido espesso e natoso. Ao mesmo eram adicionados conchas, calcário e lodo do rio.
Depois vertia-se esta massa em moldes de madeira untados com desperdício de óleo
de moringa, para que os blocos se desprendessem sem dificuldade. Após secarem à
sombra, quando prontos, eram facilmente transportados por dois homens para o lugar
da edificação. Eu ficava muito agradado pelo que o meu avô me contava, saber estas
coisas reforçava a minha formação, tinha orgulho no meu nome Imhotep e na nossa
casa que tinha sido construída com esta fórmula sábia. Nesta estação o meu avô ficou
muito contente ao saber da cota dos nilómetros, pois pela medida iria ser um ano
muito auspicioso para as futuras colheitas, os deuses davam a medida exacta do que
poderia ser o estender das águas, muito haveria de propiciar oferendas pias nos
templos por tão generosa bênção, lembrar Geb, o deus da terra e do sucesso das
colheitas e, ficar feliz por fazer parte do rebanho de Rá.
O meu avô era nomarca, governador, de dois dos quarenta e dois nomos em
que se dividia o sagrado solo do Alto e Baixo Egipto: portanto duas das províncias, o
que era uma enorme distinção. A nossa casa era muito espaçosa e bela, tinha perto de
150 côvados de largura, outro tanto de fundo e muitos quartos, um jardim no telhado
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com toldos, de onde se desfrutava uma bela vista ao entardecer quando o sol enchia
as águas do Nilo de mil reflexos doirados. Por vezes o meu avô recebia muitos amigos
e convidados que de passagem iam ou vinham de Mênfis a tratar de negócios;
mandava buscar alguns de barco até ao ancoradouro perto do nosso local. Nessas
ocasiões a iluminação da nossa casa era sempre muito viva e proveniente de archotes,
para o que se repartiam os mesmos aos cantos das salas. Ao pé estavam criados com
um jarro de água, pois este luxo tão vivo e cintilante podia ser perigoso e causar um
incêndio nos bonitos panos que adornavam as paredes. Nessas alturas do que eu
gostava mais era das danças, das bailarinas movendo-se como se deslizassem no ar. As
finas vestes de algodão deixavam ver a totalidade dos seus corpos perfeitos e
ginasticados; o suave bamboleio das ancas mostrava as pernas perfeitas decoradas
com tatuagens do deus Bes, fazendo acontecer o oscilar dos pequenos cachos
despontados na liberdade vivida em seus peitos, ornando-se os bagos erectos como
frutos despertos no tronco flexível.
Dos requebros bebiam as sinuosidades dos seus ventres trepidantes que se
fechavam mais abaixo como corolas de flores promissoras, pintados da mesma cor dos
lábios e, dando nota para um disponível e inigualável prazer. Fundindo-se o sortilégio
do compasso num manso correr, até aos seus delgados tornozelos, onde argolas
tiniam com sons finos e delicados. Eram acompanhadas por uma orquestra composta
por sistro, harpa, címbalo, flauta e tambor. Destacava-se sempre nesta orquestra
Shakir que tocava o Ney, pedaço de cana com seis orifícios, tirava tais sons que a todos
maravilhava, penso mesmo que Apófis a serpente que habitava além-túmulo ficaria
cativa de tal melodia. Três dos membros da orquestra eram pigmeus, mais tarde
aprendi a diferença entre pigmeus e anões. Estes eram muitos estranhos de
linguagem, pois parece que tinham sido capturados na guerra, para além da primeira
catarata, em expedição que o divino filho de Hórus tinha mandado empreender. Os
convidados aplaudiam muito: eram sacerdotes, escribas, juízes, médicos, vários
comandantes do exército do faraó, intendentes, mercadores prósperos que tinham
propriedades a norte de Mênfis e em Dendera. Tinha o meu avô sessenta e seis idades
de Sótis, mas ainda tão jovial e robusto que a todos causava admiração, pois ainda,
caçava o leão nas imediações do oásis de Kharga.
Não cheguei a conhecer a minha avó, ela tinha ido para os braços de Ísis e
Néftis há muito. O meu avô tinha então outra esposa que era Siti, a nebet-per, senhora
da casa, e, quatro outras mulheres não oficiais: Zahra, Subira, Anippe e Femi. Eram as
quatro tão formosas e meigas e de feitios tão regulares, que tinha a certeza que meu
avô gostava de todas por igual. A minha ama chamava-se Bahiti e tratava de mim
desde o meu nascimento. Dado que meus pais tinham sido levados, ainda novos, por
Anúbis; durante um tempo de implacável cólera de Seth que espalhou um negro mal
por todos os lugares, através dos ratos, levando o alento de muitos ba.
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Tinha o meu avô sido agraciado com mais um título, o de intendente do Harém
de Meidum, parece que era muito importante, pois na recepção aos convidados todos
fizeram menção de o felicitar por tal distinção do faraó. Tinha-lhe sido comunicado
pelo próprio faraó, na magnífica festa jubilar do Sed, reinado de trinta anos do divino
Nefer-Ka-Re, onde era renovado em cerimónia a dupla coroa do Baixo e Alto Egipto.
Nesse dia na cozinha havia uma ruidosa agitação, preparavam-se carnes, peixes, pães e
bolos, os servos preparavam as ânforas deitando-lhe vinho e cerveja para a seguir as
levar para as mesas do banquete, nas quais já estava posta uma rica baixela composta
por taças de alabastro, ouro e prata.
O momento da chegada dos convidados representava sempre para mim um
momento mágico. As damas eram muito bonitas e ricamente vestidas e enfeitadas, as
suas pinturas muito atractivas, com penteados muito ornados de altura e caracóis,
todas tão perfumadas que confundiam os sentidos. Depois todos de sentavam em
cadeiras, banquinhos e coxins. Numa cabeceira ficava o meu avô e Siti. Vendo todos
acomodados fazia sinal e o banquete começava. As primeiras servas eram tão jovens
como eu, avançando delicadamente ao som da música, começavam por oferecer flores
de lótus às damas, enfeitando-lhe ainda o pescoço com grinaldas de flores, depois,
colocavam junto às cabeleiras pequenos cones de gordura perfumada, que ao
derreterem desprendiam suaves odores. Uma harpista destacou-se neste momento
entoando uma melodia que era um canto ritual. Desejava a todos felicidades para
aquele momento e para o futuro. Depois um par de bailarinas, somente com lindos
colares, um fino cinto entrelaçado de pérolas e várias pulseiras nos braços e nos
tornozelos, começou uma dança sagrada em que uma simbolizava o sul a outra o
norte, rodopiando acrobaticamente, aproximando-se e afastando-se, dando aos seus
corpos a flexibilidade das finas varas do sicómoro, a orquestra batia palmas
compassadas marcando o vertiginoso rodopiar.
Começava o banquete com uma variedade de entradas: ostras, atunzinhos
cozidos inteiros, e temperados com ervas e especiarias, lagostas e lagostins do Delta,
ovos de avestruz fatiados, um caldo rosado de Meidum, que tinha camarões, ostras,
lentilhas amarelas, entre outras coisas, era muito picante e eu não gostava. Depois
enguiazinhas, dos tanques da nossa produção, que ficavam ao fundo do jardim e
recebiam águas do Nilo. Eram estufadas em alho, juntamente com passas e pinhões e
cominhos torrados. Seguia-se porco-bravo com molho de tâmaras e leitõezinhos no
espeto embebidos em molho de mel, pombos recheados com línguas de flamingo. As
dóceis servas iam e vinham enchendo as taças com precioso vinho das nossas
melhores colheitas e cerveja de nosso fabrico.
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Os convivas pareciam muito contentes, as esposas manifestavam uma discreta
ternura passando suavemente o braço sobre os ombros do esposo. Todas as damas
tinham lindas perucas, mas Siti parecia-me ter a mais linda de todas, reparei que
gracilmente quando falava com meu avô, colocava suavemente a mão esquerda por
baixo do seio, vim a saber mais tarde o quanto este gesto tinha de convite amoroso.
No intervalo para a chegada dos doces, carregavam-se de novo os trípodes onde ardia
uma mistura de ervas muito aromáticas a que se juntava umas contas de resina de
Kush, os convidados eram novamente perfumados e, distribuídos novos cones
aromáticos. Os doces eram a parte que eu mais gostava. Bolinhos fritos com nata,
massa frita com xarope de tâmaras, frutos secos, cestos de figos e frutas frescas, taças
cheias de kéfir, de leite de cabra fermentado, biscoitos de molho de sésamo, queijos
frescos e outros macerados em óleos perfumados, muitas massas folhadas cobertas
com cremes de pétalas. Eu gostava muito de um bolo consagrado ao deus Bês; farinha
de trigo, queijo fresco, mel e ovos de codorniz. Só parei a um sinal de Bahiti, senão
empanturrava-me e ficava como o gordo deus Hapi.
Aproximava-se o final do banquete. O meu avô mandou dar presentes a todos:
artísticos frascos de alabastro, com óleos aromáticos, para as damas; para os homens
outros mais pequenos com pintura para os olhos Khol, de cor preta e azul escura.
Todas as mulheres de meu avô receberam novos penachos de pêlo de touro, um
presente muito apreciado pois permitia ajeitar os caracóis das perucas e dava um ar
muito fino durante as conversas, estes tinham ainda um cabo em tartaruga,
artisticamente trabalhado, com o relevo de Tuéris a deusa hipopótamo.
Os convidados começaram a sair, reverenciando e agradecendo a
generosidade do anfitrião. O meu avô estava visivelmente satisfeito, valera a pena
aquela festa, comunicar a todos o novo cargo e dar a boa notícia das medidas dos
nilómetros mais longínquos na ilha de Elefantina, que tinham tido como medida oito
côvados e três dedos, o que era uma bênção de Ptah para as próximas colheitas.
Informou ainda dos trabalhos consumados da limpeza dos canais para que todos
prosperassem com muito fardo, o lodo, nas suas terras, e os templos recebessem as
oferendas propiciatórias feitas com rigor e generosidade. (…)
Autor – José Movilha
03/04/2014
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Pequeno excerto do conto AS VIAGENS DO Ka

  • 1. Page1 PEQUENO EXCERTO DO CONTO “ AS VIAGENS DO KA “ – LIVRO A PUBLICAR (…) A nossa casa era em Assiut, na margem esquerda do Nilo, um lugar tão encantador e tranquilo como outro não conheci. Estávamos junto á dádiva do aluvião e junto à desembocadura do seu irmão menor o Bahr Yussuf, um afluente que nos levava ao lago El-Faium preferência de numerosas colónias de gansos e patos de boa gordura e onde as armadilhas de caça tinham sempre sucesso, proporcionando bons assados. Naquele lugar tão bom, logo na maior curvatura do Nilo, tínhamos Abidos e Dendera perto, descendo o Nilo podíamos ir a Heliópolis e mesmo em frente à grande Mênfis, a fundada pelo divino Ménes e que diziam ser a mais cativante das cidades, lá o meu avô também tinha casa e pelo seu cargo e importância frequentava o palácio real. Todos admiravam a nossa morada. O meu avô um dia, em que passeávamos ao fundo do jardim, junto a um pequeno terreno plano e um canal que vinha do Nilo, explicou-me que a casa tinha sido construída segundo os ensinamentos que o grande Imhotep tinha legado, que entre tantas virtudes também tinha sido arquitecto. Os operários eram descendentes dos antigos artífices da Escola de Mistérios de o Olho de Hórus e só em casos muito especiais trabalhavam fora das construções do grande faraó. Os blocos que a constituíam tinham sido ali feitos, junto à água, tinham material do Wadi Natrum, o natrão que era adicionado ao pó proveniente das cinzas de rochas de calcário e dolomite oxidadas pelo fogo, a que se juntavam cinzas de vegetais. Era esta cal misturada com o sal e água. Derretendo-se o sal e ficando a cal em suspensão, desencadeando-se uma misteriosa reacção que dava origem a um liquido espesso e natoso. Ao mesmo eram adicionados conchas, calcário e lodo do rio. Depois vertia-se esta massa em moldes de madeira untados com desperdício de óleo de moringa, para que os blocos se desprendessem sem dificuldade. Após secarem à sombra, quando prontos, eram facilmente transportados por dois homens para o lugar da edificação. Eu ficava muito agradado pelo que o meu avô me contava, saber estas coisas reforçava a minha formação, tinha orgulho no meu nome Imhotep e na nossa casa que tinha sido construída com esta fórmula sábia. Nesta estação o meu avô ficou muito contente ao saber da cota dos nilómetros, pois pela medida iria ser um ano muito auspicioso para as futuras colheitas, os deuses davam a medida exacta do que poderia ser o estender das águas, muito haveria de propiciar oferendas pias nos templos por tão generosa bênção, lembrar Geb, o deus da terra e do sucesso das colheitas e, ficar feliz por fazer parte do rebanho de Rá. O meu avô era nomarca, governador, de dois dos quarenta e dois nomos em que se dividia o sagrado solo do Alto e Baixo Egipto: portanto duas das províncias, o que era uma enorme distinção. A nossa casa era muito espaçosa e bela, tinha perto de 150 côvados de largura, outro tanto de fundo e muitos quartos, um jardim no telhado
  • 2. Page2 com toldos, de onde se desfrutava uma bela vista ao entardecer quando o sol enchia as águas do Nilo de mil reflexos doirados. Por vezes o meu avô recebia muitos amigos e convidados que de passagem iam ou vinham de Mênfis a tratar de negócios; mandava buscar alguns de barco até ao ancoradouro perto do nosso local. Nessas ocasiões a iluminação da nossa casa era sempre muito viva e proveniente de archotes, para o que se repartiam os mesmos aos cantos das salas. Ao pé estavam criados com um jarro de água, pois este luxo tão vivo e cintilante podia ser perigoso e causar um incêndio nos bonitos panos que adornavam as paredes. Nessas alturas do que eu gostava mais era das danças, das bailarinas movendo-se como se deslizassem no ar. As finas vestes de algodão deixavam ver a totalidade dos seus corpos perfeitos e ginasticados; o suave bamboleio das ancas mostrava as pernas perfeitas decoradas com tatuagens do deus Bes, fazendo acontecer o oscilar dos pequenos cachos despontados na liberdade vivida em seus peitos, ornando-se os bagos erectos como frutos despertos no tronco flexível. Dos requebros bebiam as sinuosidades dos seus ventres trepidantes que se fechavam mais abaixo como corolas de flores promissoras, pintados da mesma cor dos lábios e, dando nota para um disponível e inigualável prazer. Fundindo-se o sortilégio do compasso num manso correr, até aos seus delgados tornozelos, onde argolas tiniam com sons finos e delicados. Eram acompanhadas por uma orquestra composta por sistro, harpa, címbalo, flauta e tambor. Destacava-se sempre nesta orquestra Shakir que tocava o Ney, pedaço de cana com seis orifícios, tirava tais sons que a todos maravilhava, penso mesmo que Apófis a serpente que habitava além-túmulo ficaria cativa de tal melodia. Três dos membros da orquestra eram pigmeus, mais tarde aprendi a diferença entre pigmeus e anões. Estes eram muitos estranhos de linguagem, pois parece que tinham sido capturados na guerra, para além da primeira catarata, em expedição que o divino filho de Hórus tinha mandado empreender. Os convidados aplaudiam muito: eram sacerdotes, escribas, juízes, médicos, vários comandantes do exército do faraó, intendentes, mercadores prósperos que tinham propriedades a norte de Mênfis e em Dendera. Tinha o meu avô sessenta e seis idades de Sótis, mas ainda tão jovial e robusto que a todos causava admiração, pois ainda, caçava o leão nas imediações do oásis de Kharga. Não cheguei a conhecer a minha avó, ela tinha ido para os braços de Ísis e Néftis há muito. O meu avô tinha então outra esposa que era Siti, a nebet-per, senhora da casa, e, quatro outras mulheres não oficiais: Zahra, Subira, Anippe e Femi. Eram as quatro tão formosas e meigas e de feitios tão regulares, que tinha a certeza que meu avô gostava de todas por igual. A minha ama chamava-se Bahiti e tratava de mim desde o meu nascimento. Dado que meus pais tinham sido levados, ainda novos, por Anúbis; durante um tempo de implacável cólera de Seth que espalhou um negro mal por todos os lugares, através dos ratos, levando o alento de muitos ba.
  • 3. Page3 Tinha o meu avô sido agraciado com mais um título, o de intendente do Harém de Meidum, parece que era muito importante, pois na recepção aos convidados todos fizeram menção de o felicitar por tal distinção do faraó. Tinha-lhe sido comunicado pelo próprio faraó, na magnífica festa jubilar do Sed, reinado de trinta anos do divino Nefer-Ka-Re, onde era renovado em cerimónia a dupla coroa do Baixo e Alto Egipto. Nesse dia na cozinha havia uma ruidosa agitação, preparavam-se carnes, peixes, pães e bolos, os servos preparavam as ânforas deitando-lhe vinho e cerveja para a seguir as levar para as mesas do banquete, nas quais já estava posta uma rica baixela composta por taças de alabastro, ouro e prata. O momento da chegada dos convidados representava sempre para mim um momento mágico. As damas eram muito bonitas e ricamente vestidas e enfeitadas, as suas pinturas muito atractivas, com penteados muito ornados de altura e caracóis, todas tão perfumadas que confundiam os sentidos. Depois todos de sentavam em cadeiras, banquinhos e coxins. Numa cabeceira ficava o meu avô e Siti. Vendo todos acomodados fazia sinal e o banquete começava. As primeiras servas eram tão jovens como eu, avançando delicadamente ao som da música, começavam por oferecer flores de lótus às damas, enfeitando-lhe ainda o pescoço com grinaldas de flores, depois, colocavam junto às cabeleiras pequenos cones de gordura perfumada, que ao derreterem desprendiam suaves odores. Uma harpista destacou-se neste momento entoando uma melodia que era um canto ritual. Desejava a todos felicidades para aquele momento e para o futuro. Depois um par de bailarinas, somente com lindos colares, um fino cinto entrelaçado de pérolas e várias pulseiras nos braços e nos tornozelos, começou uma dança sagrada em que uma simbolizava o sul a outra o norte, rodopiando acrobaticamente, aproximando-se e afastando-se, dando aos seus corpos a flexibilidade das finas varas do sicómoro, a orquestra batia palmas compassadas marcando o vertiginoso rodopiar. Começava o banquete com uma variedade de entradas: ostras, atunzinhos cozidos inteiros, e temperados com ervas e especiarias, lagostas e lagostins do Delta, ovos de avestruz fatiados, um caldo rosado de Meidum, que tinha camarões, ostras, lentilhas amarelas, entre outras coisas, era muito picante e eu não gostava. Depois enguiazinhas, dos tanques da nossa produção, que ficavam ao fundo do jardim e recebiam águas do Nilo. Eram estufadas em alho, juntamente com passas e pinhões e cominhos torrados. Seguia-se porco-bravo com molho de tâmaras e leitõezinhos no espeto embebidos em molho de mel, pombos recheados com línguas de flamingo. As dóceis servas iam e vinham enchendo as taças com precioso vinho das nossas melhores colheitas e cerveja de nosso fabrico.
  • 4. Page4 Os convivas pareciam muito contentes, as esposas manifestavam uma discreta ternura passando suavemente o braço sobre os ombros do esposo. Todas as damas tinham lindas perucas, mas Siti parecia-me ter a mais linda de todas, reparei que gracilmente quando falava com meu avô, colocava suavemente a mão esquerda por baixo do seio, vim a saber mais tarde o quanto este gesto tinha de convite amoroso. No intervalo para a chegada dos doces, carregavam-se de novo os trípodes onde ardia uma mistura de ervas muito aromáticas a que se juntava umas contas de resina de Kush, os convidados eram novamente perfumados e, distribuídos novos cones aromáticos. Os doces eram a parte que eu mais gostava. Bolinhos fritos com nata, massa frita com xarope de tâmaras, frutos secos, cestos de figos e frutas frescas, taças cheias de kéfir, de leite de cabra fermentado, biscoitos de molho de sésamo, queijos frescos e outros macerados em óleos perfumados, muitas massas folhadas cobertas com cremes de pétalas. Eu gostava muito de um bolo consagrado ao deus Bês; farinha de trigo, queijo fresco, mel e ovos de codorniz. Só parei a um sinal de Bahiti, senão empanturrava-me e ficava como o gordo deus Hapi. Aproximava-se o final do banquete. O meu avô mandou dar presentes a todos: artísticos frascos de alabastro, com óleos aromáticos, para as damas; para os homens outros mais pequenos com pintura para os olhos Khol, de cor preta e azul escura. Todas as mulheres de meu avô receberam novos penachos de pêlo de touro, um presente muito apreciado pois permitia ajeitar os caracóis das perucas e dava um ar muito fino durante as conversas, estes tinham ainda um cabo em tartaruga, artisticamente trabalhado, com o relevo de Tuéris a deusa hipopótamo. Os convidados começaram a sair, reverenciando e agradecendo a generosidade do anfitrião. O meu avô estava visivelmente satisfeito, valera a pena aquela festa, comunicar a todos o novo cargo e dar a boa notícia das medidas dos nilómetros mais longínquos na ilha de Elefantina, que tinham tido como medida oito côvados e três dedos, o que era uma bênção de Ptah para as próximas colheitas. Informou ainda dos trabalhos consumados da limpeza dos canais para que todos prosperassem com muito fardo, o lodo, nas suas terras, e os templos recebessem as oferendas propiciatórias feitas com rigor e generosidade. (…) Autor – José Movilha 03/04/2014