Apresentação do artigo "Igualdade Processual no Contexto Internacional e Naci...
Lei de imprensa - Sustentação Oral Miro Teixeira
1. TRIBUNAL PLENO
AÇÃO DE DESCUMPRIMENTO
DE PRECEITO FUNDAMENTAL 130
O SR. MIRO TEIXEIRA (ADVOGADO) – Senhor
Presidente, Senhoras Ministras, Senhores Ministros, Senhor
Procurador-Geral da República.
É de boa prática, logo de pronto, pedirmos – e
o Tribunal confirma – a decisão liminar. Estaríamos
assegurando o mínimo; o mínimo do mínimo. Como na Sessão que
referendou a liminar concedida pelo Ministro Carlos Ayres
Britto, destaquei, desta tribuna, em sede de liminar
monocrática – é claro que o Ministro Carlos Ayres Britto não
poderia, realmente, ter avançado mais do que avançou; foi
além. E trouxe, rapidamente para este Plenário, o exame da
sua liminar, e aqui a sustentou e teve o apoio da maioria dos
seus pares - que é pouco, mas, como nós não temos nada, eu
lhes peço esse pouco inicialmente, que mantenhamos a liminar.
Porém, quero avançar, porque o nosso País, antes de conhecer
uma Constituição, a Constituição de 1824, conheceu três leis
de imprensa. A Lei portuguesa, de 12 de julho de 1821, que
2. foi aqui aplicada; o Decreto de 18 de junho de 1822; e, já no
Brasil independente, o Decreto de 22 de novembro de 1823. E,
por medo do implacável cronômetro do Presidente desta Corte,
eu não lerei algumas coisas relevantes desses decretos que
revelam o começo, a origem, a raiz dessa cultura, que veio a
persistir até a promulgação da Constituição de 1988.
Na Constituição de 1824, artigo 179, inciso
IV, caput:
“Art. 179. A inviolabilidade dos
Direitos Civis, e Politicos dos Cidadãos
Brazileiros, que tem por base a liberdade, a
segurança individual, e a propriedade, é
garantida pela Constituição do Imperio, pela
maneira seguinte.
(...)
IV. Todos podem communicar os seus
pensamentos, por palavras, escriptos, e
publica-los pela Imprensa, sem dependencia de
censura; com tanto que hajam de responder
pelos abusos, que commetterem no exercicio
deste Direito, nos casos, e pela fórma, que a
Lei determinar.”
E essa palavra “abusos”, com todo o seu
sentido amplo, impreciso, vem-nos perseguindo até a
Constituição de 1988.
Na Constituição de 1891, lá está ela, no
artigo 72, § 12. Na pequena revisão constitucional, em
outubro de 1923, surge uma nova lei de imprensa sob a forma
de decreto, que tomou o nº 4.743, sempre regulando a
liberdade de imprensa.
3. Na pequena revisão de 1926, mantém-se, lá no §
12 do art. 72, também a mesma reserva para a lei. É uma
sequência de reserva para a lei; e isso terá um sentido, como
Vossas Excelências verão daqui a pouco.
1934, nova Constituição. E, aí, no dia 14 de
julho, é editado o Decreto nº 24.776, que regula a liberdade
de imprensa e dá outras providências, dois dias antes da nova
Constituição. Aqui foi um prodígio. Nesse regime da Revolução
de 30 e 34, a lei de imprensa sai dois dias antes da nova
Constituição, e a nova Constituição vem recepcionando aquela
lei de imprensa dois dias depois. A nova lei no dia 16 de
julho de 1934; a Constituição recém promulgada no artigo 113,
nº 9. E, novamente está lá, em qualquer assunto, é livre a
manifestação do pensamento, respondendo cada um pelos abusos
que cometer. Sempre pelos abusos, e pelos abusos e pelos
abusos! E chegamos à Constituição de 1967, e a Emenda
Constitucional nº 1, de 1969, lá estão os abusos. E lá estão
os abusos. E chegamos à Lei nº 5.250.
Se tivéssemos aqui a possibilidade de um
debate mais amplo, a Constituição de 1937, a polaca, chega ao
extremo de ela mesma definir quais são esses abusos, e,
depois de definir muitos deles, ainda diz: a lei ainda poderá
tratar de outras coisas.
4. 1988, Senhores Ministros. Não foi por acaso
que se mudou esta linha de pensamento político e democrático.
É algo que vinha viciado desde antes da primeira
Constituição. E, em 1988, nós inovamos, nós esconjuramos
aquela possibilidade de, num ambiente infraconstitucional,
tolher-se esse direito que é do cidadão. Esse não é um
direito, Ministro Eros Grau - e Vossa Excelência já deu voto,
aqui, assinalando que esse não é um direito do acionista do
jornal; esse é um direito do povo, do povo brasileiro.
Então, a Constituição de 1988, meu caro
Ministro-Relator, criou um sistema de liberdade de opinião e
de informação. É um sistema; não é apenas um dispositivo,
ainda que fosse um dispositivo. Bom, é um dispositivo
constitucional, não existe palavra inútil, não existe artigo
inútil e nem uma lei, ainda mais numa Constituição. Isso é
irregulamentável, porque regulamentável, na Constituição, é
aquilo que a Constituição quer que se regulamente. Então, é o
dispositivo: na forma da lei complementar que ele passa a
valer. Então, esse nosso sistema de liberdade de imprensa, de
expressão, de comunicação, de manifestação do pensamento, vem
incólume no artigo 5º, inciso IX, da Constituição:
“Art.
5º......................................
IX – é livre a expressão da atividade
intelectual, artística, científica e de
5. comunicação, independentemente de censura ou
licença”.
(...)
XIV - é assegurado a todos o acesso à
informação e resguardado o sigilo da fonte,
quando necessário ao exercício profissional”.
No art. 5º, inciso XIV, inscrevendo os
direitos sob a garantia do inciso IV do § 4º do art. 60, sem
torná-los disponíveis à regulamentação. São cláusulas
pétreas, sem possibilidade de regulamentação, porque não há a
previsão de regulamentação.
O artigo 220, caput, também garante:
“Art. 220. A manifestação do
pensamento, a criação, a expressão e a
informação, sob qualquer forma, processo ou
veículo não sofrerão qualquer restrição,
observado o disposto nesta Constituição.”
No parágrafo 1º, lá estão, além dos incisos a
que eu me referi, aqueles incisos que protegem direitos da
personalidade. E mesmo ali não se vê que, no caso de violação
desses direitos da personalidade, haja possibilidade de pena
de prisão. Ali está, o direito de resposta e a indenização.
Mas a pena de prisão não é permitida pela Constituição;
castigo físico não é permitido pela Constituição, para punir
aqueles que violam direitos da personalidade à Constituição.
E ela mesma diz e não remete à regulamentação, não delega ao
poder derivado nada. Ela diz: aplica-se, sim, indenização, e
6. direito de resposta. E a Lei nº 5.250 trazia uma tarifação
que já foi eliminada e muito bem eliminada pelo Ministro
Cezar Peluso, que faz referência a essa ausência de reserva
legal restritiva, o que seria uma reserva legal restritiva, a
permitir, como a lei, que se reduzisse esse direito do
cidadão à indenização, e a Constituição não diz nada disso.
Bom, mas se não existe a possibilidade de
crime, o que existe afinal de contas? O que fica afinal de
contas, se nós reconhecermos que é absolutamente livre a
manifestação, que não deve haver nenhuma lei punitiva? Fica
assim, auto-aplicável, auto-aplicável esse dispositivo
constitucional que diz que se deve indenização e direito de
resposta. E quem já escreveu sobre isso, com o apoio de
Vossas Excelências, e foi o voto-condutor em recurso
extraordinário, que se transformou na Súmula nº 13, está
aqui, o Ministro Ricardo Lewandowski, ao examinar a eficácia
do artigo 37 e dizer que prescinde de lei. É claro, é a norma
constitucional. E essa norma constitucional está aí a dizer
que não há lei penal, não cria essa reserva para qualquer
apenação. E aí ficamos como? Recorro novamente ao Ministro
Cezar Peluso, o que é temerário. Mas, no Recurso
Extraordinário nº 447.584, RJ, o Ministro Cezar Peluso, com
muita propriedade novamente, diz que essa liberdade de
informação, de manifestação do pensamento, da informação
7. jornalística “não abrange poder Jurídico de violentar a
honra, a boa fama e a intimidade das pessoas”. Mas é claro,
tudo isso nós defendemos. Ninguém está aqui a defender a
possibilidade de violentar a honra das pessoas, a intimidade,
a vida privada, nada disso não, é que, entre isso e o que nós
postulamos, há uma linha divisória clara, visível, maior que
a Muralha da China, que é o artigo 37 da Constituição,
novamente, Ministro. Novamente o artigo 37 da Constituição. O
que interessa ao povo, em verdade, é saber que a
administração pública prima por aqueles princípios do artigo
37, Ministra Cármen Lúcia.
Essa linha intransponível é que delineia uma
relação de absoluta pertinência do artigo 37 com o direito do
povo à informação, com o direito do povo à crítica, à
manifestação do pensamento. No Recurso Extraordinário nº
487.393/RJ, na Petição nº 3.486/DF, e ao votar na liminar
dessa ADPF o Ministro Celso de Mello discorre, aí seria um
pouco longo:
“...o exercício concreto, por esses
profissionais da imprensa, da liberdade de
expressão e de crítica, cujo fundamento reside
no próprio texto da Constituição da República,
que assegura, ao jornalista, o direito de
expender crítica, ainda que desfavorável e
exposta em tom contundente e sarcástico,
contra quaisquer pessoas ou autoridades.
8. Ninguém ignora que, no contexto de uma
sociedade fundada em bases democráticas, mostra-se
intolerável a repressão penal ao pensamento, ainda
mais quando a crítica – por mais dura que seja –
revele-se inspirada pelo interesse público”
É isso que é subjetivo? Não é, não. O
interesse público está lá ditado pelo art. 37 prioritariamente,
digo eu.
“...e decorra da prática legítima de uma
liberdade ... de extração eminentemente
constitucional...” .
E segue o Ministro Celso de Mello:
“e decorra da prática legítima, como sucede na
espécie, de uma liberdade pública de extração
eminentemente constitucional (CF, art. 5º, IV, c/c o
art. 220).
Não se pode ignorar que a liberdade de
imprensa, enquanto projeção da liberdade de
manifestação de pensamento e de comunicação, reveste-
se de conteúdo abrangente, por compreender, dentre
outras prerrogativas relevantes que lhe são
inerentes, (a) o direito de informar, (b) o direito
de buscar a informação, (c) o direito de opinar e (d)
o direito de criticar.
A crítica jornalística, desse modo, traduz
direito impregnado de qualificação constitucional,
plenamente oponível aos que exercem qualquer parcela
de autoridade no âmbito do Estado...”
Senhor Relator, há uma relação de pertinência entre
ao art. 37 e este sistema que dá ao povo o direito de comunicação -
desculpe-me, interrompi a leitura que fazia do Ministro Celso de
Mello:
9. “...pois o interesse social, fundado na
necessidade de preservação dos limites ético-
jurídicos que devem pautar a prática da função
pública, sobrepõe-se a eventuais suscetibilidades que
possam revelar os detentores do poder.”
E os detentores do poder, digo eu...
O SR. MINISTRO GILMAR MENDES (PRESIDENTE) – Eu
pediria ao senhor que encerrasse.
O SR. MIRO TEIXEIRA (ADVOGADO) – Nosso tempo, já? Eu
já vi o Ministro Brossard, aqui dessa tribuna, dizer que ele fala
muito devagar e pedir a compreensão de Vossa excelência. É o meu
caso, também.
O SR. MINISTRO GILMAR MENDES (PRESIDENTE) – Mas Vossa
Excelência não fala tão devagar.
O SR. MIRO TEIXEIRA (ADVOGADO) – Vossa Excelência
poderia me conceder mais três minutos, pelo menos?
O SR. MINISTRO GILMAR MENDES (PRESIDENTE) – Para a
conclusão.
O SR. MIRO TEIXEIRA (ADVOGADO) – Então, os detentores
do poder, Ministro Celso de Mello, são – porque estou aqui como
advogado – aqueles que voluntariamente disputam eleições – e como
eu saboreava essa palavra quando o Ministro Joaquim Barbosa a
pronunciava ao receber a denúncia do “Mensalão” - fizeram isso e
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10. fizeram aquilo. Esta é a questão: voluntariamente disputaram
eleições, ou fizeram concurso público, ou concordaram em ser
nomeados, sempre para desempenhar um poder em nome do povo.
E são Vossas Excelências, e são os deputados e
senadores, quase todos, senão todos, aliás, todos os servidores
neste País ou gozam de inviolabilidade ou gozam de imunidade ou de
foro especial por prerrogativa de função ou de ritos especiais, e o
Código Penal, para alguns dos esquecidos, ainda isenta o funcionário
público, qualquer funcionário público, no exercício da sua função,
de ser acionado por qualquer cidadão por crime contra a honra.
O Ministério Público – eu gostaria de dar uma palavra,
meu caro Procurador, uma palavra carinhosa ao Ministério Público -
foi contra essa postulação, que é do povo. Os constituintes de 88
lutaram muito para um Ministério Público que sirva o povo, como vem
servindo.
Saibam Vossas Excelências que eu não luto aqui pela
imprensa, pelos jornalistas, diretor do jornal. Esse é um direito do
povo. E a utilidade que a imprensa tem é esta de fiscalizar, sim,
porque o ideal é que cada um fiscalizasse. Isso é impossível. Alguém
tem que fiscalizar. Bom, existem os órgãos públicos que o fazem, nem
sempre com muita eficiência. E neste caso, eu repito Rui Barbosa,
sem lhe dizer a íntegra das palavras - não as tenho de cor -, mas o
sentido é que a imprensa, nesse caso, são os olhos do povo.
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11. E eu requeiro, sim, que toda lei seja banida do
mundo das leis; que desapareça a possibilidade de aplicação de pena
a jornalista, e ao responsável pela publicação, sempre que houver
uma relação de causalidade entre a publicação e o direito do povo;
sempre que houver uma relação de causalidade, nunca, jamais com a
violação de direitos da personalidade. E que nós possamos ter um
País em que todas as opiniões possam se contrapor, e o povo possa
controlar o Estado e não o Estado controlar o povo, como temos hoje.
Obrigado.
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