Este documento analisa uma propaganda de azeite considerada potencialmente racista e as formações discursivas geradas por ela. A propaganda usa as palavras "rico" e "escuro" para se referir ao azeite e ao vidro, o que permitiu interpretações racistas. Duas formações discursivas são identificadas: uma que vê racismo na propaganda e outra que não. A análise busca entender como o discurso produz efeitos de verdade segundo Foucault.
ATIVIDADE 2 - DESENVOLVIMENTO E APRENDIZAGEM MOTORA - 52_2024
Análise do Discurso
1. Unidade Curricular: Linguística III
Professor: Anderson Salvaterra
8º Termo. 2014.2. Turno: Vespertino
Aluna: Celene Senna Valério. 68.847
Aluno: Wagner Tavares. 46.350
TENSÃO SOCIAL: AANÁLISE DO DISCURSO
E AS FORMAÇÕES DISCURSIVAS
O presente trabalho tem por objetivo abordar uma propaganda considerada pelo
Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (CONAR) como portadora de
conteúdo potencialmente racista. Trata-se de uma propaganda de azeite da marca Gallo que traz
o seguinte enunciado: "O nosso azeite é rico. O vidro escuro é o segurança"
À luz da Análise do Discurso francesa, notadamente das contribuições de Michel
Foucault, busca-se discorrer sobre eventuais processos de formação discursiva que tal discurso
propicia, bem como explicitar e utilizar os conceitos do filósofo francês de discurso, formação
discursiva e sujeito, tais quais eles aparecerem no pensamento foucaultiano, nas seguintes
obras: Ordem do discurso ( L’ordre du discours, 1971) e Arqueologia do saber ( L’arqueologie
du savoir, 1969).
A análise do discurso não prescinde da relação que se instaura entre sujeito, História e
ideologia. Não obstante, o autor rompe com o terceiro elemento fundante para a Análise do
Discurso. Para Foucault, a ideologia é repensada: enquanto analistas como Althusser e Pechêux
filiam-se à noção marxista de ideologia, ou seja, tomando por princípio a ideologia como a
2. relação antinômica entre opressor e oprimido, Foucault vê o poder dissolvido em escalas
menores da sociedade. Ele reflete:
A noção de ideologia me parece dificilmente utilizável por três razões. A
primeira é que, queira-se ou não, ela está sempre em oposição virtual a
alguma coisa que seria a verdade. Ora, creio que o problema não é de se
fazer a partilha entre o que num discurso releva da cientificidade e da
verdade e o que relevaria de outra coisa; mas de ver historicamente como se
produzem efeitos de verdade no interior de discursos que não são em si nem
verdadeiros nem falsos. Segundo inconveniente: refere-se necessariamente a
alguma coisa como o sujeito. Enfim, a ideologia está em posição secundária
com relação a alguma coisa que deve funcionar para ela como
infra−estrutura ou determinação econômica, material, etc. Por estas três
razões creio que é uma noção que não deve ser utilizada sem precauções.
(FOUCAULT, 1979, p.7)
Levando em consideração o que foi dito acima, cabe indagar o que o filósofo francês
entende por discurso, ou, dito em outras palavras, qual a natureza do discurso. Neste sentido,
busca-se identificar as possíveis formações discursivas manifestadas pelos textos abaixo
(anexos 1 e 2 ), levando em conta que, para o filósofo francês, os discursos são também práticas
que, não tendo necessariamente uma continuidade, podem sim se intercruzarem, mas também se
ignorarem ou até mesmo excluirem-se (1971, p. 53).
Uma formação discursiva deve ser entendida como um coletivo de enunciados acerca de
um mesmo tema, ou mesmo objeto, apresentando relativa regularidade, bem como conceitos
análogos, escolha lexical similar e formam, assim, um conjunto, ou seja, uma formação:
No caso em que se puder descrever, entre um certo número de enunciados,
semelhante sistema de dispersão, e no caso em que entre os objetos, os tipos
de enunciação, os conceitos, as escolhas temáticas, se puder definir uma
regularidade ( uma ordem, correlações, posições e funcionamentos,
transformações), diremos, por convenção, que se trata de uma formação
discursiva. (FOUCAULT, 1969, p.43)
3. A formação discursiva tem como um de seus elementos, enunciados parafrásticos, ou seja,
enunciados que se assemelham em sua composição e que defendem certas forças sociais, por
exemplo, o racismo. Busca-se, então, analisar as formações discursivas que resultaram da
propaganda acima mencionada.
O anexo 1 representa, neste contexto, a formação discursiva que identifica conteúdo
supostamente racista na propaganda. Com isso, devemos deixar claro que a acusação não está
na imagem, mas do que disseram da imagem. Foi preciso alguém acusar para que essas tensões
aparecessem e neste caso foi um consumidor de Campinas - SP que denunciou a suposta leitura
racista. O Conselho Nacional de Autrorregulação (CONAR) analisou a propaganda e
apresentou em seu parecer que “considerou não haver no anúncio intenção racista mas
ponderou que ele permite tal interpretação e que a comunicação não deve dar margem a
associações equivocadas, pela responsabilidade social que tem", ou seja, se a propaganda não
tivesse sido interpretada desta forma talvez ela estaria circulando na sociedade normalmente.
Podemos observar então que a linguagem não é racista, o racismo está nas condições de
produções de sentido, reafirmando a ideia foucaltiana da circulação dos discursos. Isso nos leva
a apontar a primeira brecha, a brecha linguística: o que permite uma leitura racista é o emprego
do artigo “o” pois se este artigo fosse substituído pelo artigo “a” não haveria a possibilidade de
interpretação de “o segurança” que se remete a um individuo negro, pois “a” segurança remete a
uma situação de proteção de algo que protege e mantém seguro.
O que nos leva para a segunda brecha na propaganda, dando margem a uma
interpretação de uma tensão social são as palavras “rico e segurança” por contraste. Segundo a
Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (Abep) uma pessoa considerada pobre no Brasil
tem baixa escolaridade e baixa renda salarial, já uma pessoa considerada rica possui
escolaridade alta (Ensino superior completo) e renda salarial bem mais alta.
Além disso, no estágio do capitalismo que nos encontramos a propaganda muitas vezes
se vale desta bipolaridade de classes como um elemento para incitar no consumidor a busca
pela elevação de status social, principalmente através de elementos de competividade. Um
exemplo similar ao par rico-segurança é o par bem-sucedido-fracassado, notadamente no
tocante à aquisição da língua inglesa.
4. Vê-se frequentemente a associação do conhecimento da língua com a alavanca social, e
mais, com a superioridade em relação aos demais, quando na verdade, ter um segundo idioma
passa por uma série de outros fatores, como ampliação da bagagem cultural, possibilidade de
estreitar laços de amizade e conhecer novos lugares, no entanto, estes elementos são tidos como
secundários, ao mesmo na perspectiva das propagandas.
Observa-se que em nosso país há associação da palavra “escuro” com a cor da pessoa
negra, por isso podemos também interligar a interpretação de “o segurança” que se remete ao
estado de proteção e ao profissional que trabalha para proteger propriedades e pessoas.
Expressões como ‘denegrir’, ‘lista negra’ e ‘humor negro’ são, muitas vezes evitadas ou tem
seu emprego visto como algo arriscado, inadequado, polêmico, politicamente incorreto devido a
tal associação. São estes os elementos que nos permitem analisar a formação discursiva
“racista” atrelada à propaganda anteriormente citada.
Pode se dizer também, que a propaganda tenta expressar o beneficio do uso de um vidro
escuro que remete ao tipo de armazenamento adequado para o azeite, pois ele precisa ficar
isolado de luz para evitar uma possível oxidação do mesmo. Segunda nossa pesquisa, o vidro
escuro é mais aconselhável do que a embalagem plástica ou vidro transparente, pois permitem a
entrada da luz e oxigênio e nesta mesma pesquisa a conclusão é que esse tipo de embalagem
não é totalmente eficaz em comparação com a lata ou a embalagem de papel cartonada. (Botti,
L.C.M & Anjos, C.A.R, 2012)
Por conta disso, podemos dizer que as inúmeras interpretações deste enunciado se devem as
relações parafrásticas que são estabelecidas, porque ao se ler racismo é necessário se ativar
relações parafrásticas que englobam uma determinada formação discursiva e não outra e isso é
possível observar na fala de Jerônimo Silva Junior (anexo 2), coordenador nacional da União de
Negros Pela Igualdade (Unegro) em entrevista ao site Terra Magazine:
- Não vi nada demais. Não vejo conotação racista. É só humor
mesmo. Até porque, fala do escuro, não fala do negro, da raça -
enfatizou Silva Júnior.
Para ele, o vidro escuro, cuja finalidade é proteger o produto da
oxidação provocada pela luz, foi associado aos seguranças devido à
cor das roupas usadas por estes profissionais.
5. - Eles vestem roupas escuras, independentemente de o segurança ser
branco ou negro. Acho que precisamos ter cuidado com as nossas
ações, para não banalizar as nossas reivindicações - argumentou.
Segundo ele o racismo pode ter sido interpretado a partir do uso da palavra “escuro”,
porém ela, em sua opinião, nesta propaganda não remete a raça negra e sim a propriedade do
vidro de proteger o azeite da luz. Além disso, ele também sugere outras interpretações “não
racistas”, levando em consideração a cor do uniforme de um profissional da área de segurança
que deve usar de roupa escura, normalmente um terno, e isso independente do sujeito ser negro
ou branco e ainda ressalta o cuidado que devemos ter com nossas interpretações a determinadas
atitudes para não banalizarmos nossas reivindicações.
Analisando linguisticamente a fala de Junior pode nos remeter a interpretação de sua
formação discursiva, pois ele não enxerga a palavra “escuro” como uma conotação negativa e
negligente a raça humana, porém em contrapartida a esta fala o parecer do Conselho Nacional
de Autorregulação Publicitária (Conar) a qual afirma haver uma possível interpretação de
racismo mas não diz qual, entendemos como uma maneira de se manter imparcial.
Com isso, se o Conar confirma que há possibilidade de uma leitura racista ele opera na
mesma formação discursiva que o consumidor de Campinas que fez a denúncia, independente
do que ambos disseram e até daqueles que compartilham esse mesmo pensamento a formação
discursiva é a mesma: racista. Contudo, não queremos apontar que ambos sejam racistas, mas a
chave de significação esta na formação discursiva que gera uma tensão de raça presente em suas
falas.
Por isso, podemos diferenciar e dividir as relações parafrásticas destes dois discursos, pois
o líder de um movimento negro em seu discurso não relaciona a cor da roupa com a raça cria,
assim, outras formações parafrásticas, portanto, de outra formação discursiva. A língua é uma
ferramenta que permite a manifestação dessa formação ideológica, pois esta se prende a ideia de
formação discursiva, e uma formação ideológica racista prevê diferentes relações entre as raças,
portanto, nesta ideia de formação ideológica preverá uma serie de manifestações na língua, que
é chamado de paráfrase, ou seja, o mesmo valor que é dito de maneira diferente na língua. Por
isso, em uma formação discursiva racista a chave de significação vai sempre voltar a essa ideia,
de diferentes modos. Se não houver essa chave de significação “o escuro” pode sugerir outras
relações parafrásticas que não a ideia da relação entre raças.
6. Portanto, a partir do que foi demonstrado, do que vem a ser discurso segundo Foucault
“[...] um conjunto de enunciados que tem seus princípios de regularidade em uma mesma
formação discursiva.” (Foucault, 1969, p. 146) e das relações apresentadas entre duas diferentes
formações discursivas, nos cabe apenas confirmar o que foi dito por Foucault:
Todo enunciado se encontra assim especificado: não existe
enunciado em geral, enunciado livre, neutro e independente; mas,
sempre um enunciado fazendo parte de uma série ou de um conjunto,
desempenhando um papel no meio dos outros, apoiando-se neles e se
distinguindo deles: ele se integra sempre em um jogo enunciativo.
(1969, p. 124)
Cada formação discursivas aqui apresentadas são enunciados que aparecem, convivem e
convertem em um dialogo comum entre eles, um deles direcionada para a formação ideológica
do racismo e o outro não. Ambos apresentados a partir da perspectiva da Analise do Discurso
com ênfase nas ideias de Foucault, e sem tomar partido de nenhuma delas apenas apresentar os
fatos retirados das falas e da própria propaganda.
7. Referências bibliográficas:
Botti, L.C.M & Anjos, C.A.R. Azeite de oliva: sistemas de embalagem e conservação da
qualidade, 2012 Disponível em: http://www.apta.sp.gov.br/olivasp/trabalho_3encontro/9-
BOTTI_E_ANJOS.pdf. Acesso em: 12 de Novembro de 2014.
FOUCAULT, Michel. A Arqueologia do Saber. Tradução de Luiz Felipe Baeta Neves, revisão
de Ligia Vassalo. Petrópolis: Vozes, Lisboa : Centro do Livro Brasileiro, 1972. 260p. [Edição
Original publicada em 1969].
Disponível em: http://exame.abril.com.br/marketing/noticias/anuncio-do-azeite-gallo-acusado-
de-racismo-tera-de-ser-alterado. Acesso: 12 de Novembro de 2014.
Disponível em: http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI5639690-EI6594,00-
Nao+vejo+racismo+em+propaganda+de+azeite+diz+lider+negro.html. Acesso em: 13 de
Novembro de 2014.
Disponível em: http://www.guiatrabalhista.com.br/guia/Vigilante.htm. Acesso em: 13 de
Novembro de 2014.
Disponível em: http://exame.abril.com.br/seu-dinheiro/noticias/quem-pode-ser-considerado-
rico-no-brasil. Acesso em: 13 de Novembro de 2014.
Disponível em: http://www.conar.org.br/processos/detcaso.php?id=21. Acesso em: 12 de
Novembro de 2014.
Disponível em: http://www.ufjf.br/revistaveredas/files/2010/04/artigo-09.pdf. Acesso em: 10 de
Novembro de 2014.
Disponível em:
http://www.ufrgs.br/analisedodiscurso/anaisdosead/2SEAD/SIMPOSIOS/ClaudiaRejanePinheir
oGrangeiro.pdf. Acesso em: 10 de Novembro de 2014.
Disponível em:
http://www.academia.edu/1085514/Resenha_de_a_ordem_do_discurso_de_Michel_Foucault.
Acesso em: 10 de Novembro de 2014.