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Edição em 92 tópicos da versão preliminar integral do livro de Augusto de
Franco (2011), FLUZZ: Vida humana e convivência social nos novos mundos
altamente conectados do terceiro milênio




                             44
               (Corresponde ao oitavo tópico do Capítulo 7,
             intitulado Alterando a estrutura das sociosferas)




             Ecclésias, não ordens sacerdotais

Seus irmãos e irmãs estão espalhados em múltiplos mundos. Para achá-los
você tem que remover o firewall e expor-se à interação

Mas o que colocaremos no lugar das igrejas (e das religiões)? Ora, nada. O
velho mundo único já colocou muitas instituições para fazer as vezes de
igrejas: as escolas (e o ensino), os partidos (e as corporações), o Estado-
nação (e seus aparatos). Mutatis mutandis, todas essas funcionam mais ou
menos da mesma maneira, como ordens sacerdotais. E todas elas vão
continuar existindo, com uma estrutura e uma dinâmica parecidas com as
que têm hoje, para quem não entrar nos Highly Connected Worlds.
Mas quem assumir a condição de nômade, viajante dos interworlds, pode –
se quiser – fundar sua própria igreja-não-igreja. Nos mundos altamente
conectados ninguém pode impedir, nem conseguirá dissuadir, que as
pessoas fundem suas próprias não-igrejas. Elas não serão ordens
sacerdotais, por certo, mas poderão ser ecclesias, no sentido de
aglomerados dos que querem conviver sua espiritualidade, ou seja, dos que
querem compartilhar as formas semelhantes como vivem um domínio mais
amplo de relações de existência celebrando suas afinidades e amorosidades
mutuas. O número dessas novas igrejas-não-igrejas tende a aumentar.
Simplesmente porque – nos mundos em que se constituírem – também não
haverá tantas restrições de ordem moral e cultural para sua existência.

Ecclesias como assembléias de amantes, como redes (abertas) de
buscadores que se dispõem a polinizar mutuamente os modos pelos quais
vivem sua mística ou sua espiritualidade, vão proliferar no lugar de igrejas
como ordens sacerdotais (fechadas) que se proclamam o único caminho, a
única porta, a única esperança de salvação e que disputam entre si o tempo
todo oferecendo-nos um formidável (e deplorável) contra-exemplo de
fraternidade. As velhas igrejas – essas armadilhas construídas para
arrebanhar ovelhas e apascentá-las – continuarão existindo, é claro, mas
perderão relevância.

Na medida em que um superorganismo humano começa a se manifestar
nos mundos altamente conectados e que novos fenômenos – como o
clustering, o swarming, o clonning, o crunching e tantos outros que estão
implicados no que chamamos de inteligência coletiva (e, quem sabe, no que
ainda vamos chamar de emoção coletiva) – começam a irromper, haverá
um motivo adicional para compartilhar. Você pode preferir o olhar do
investigador que analisa tais fenômenos tentando manter os protocolos
científicos de isenção e objetividade. Mas você também pode simplesmente
viver e celebrar seu vínculo com essas novas ‘Entidades’ sociais – a palavra,
assim com maiúscula, foi usada por Jane Jacobs em 1961 (21) – que se
formam em uma dimensão mística. Se você buscava um domínio mais
amplo de relações de existência para dar sentido à sua vida e vivê-la em
sintonia com essa realidade (avaliada por você, não importa, como
transcendente ou imanente), ei-lo: o simbionte social!

O fundamental aqui é que não haja fechamento. Nos múltiplos mundos
interconectados estão outras pessoas que se sentem (e sentem a
transcendência ou a imanência) como você e podem se sintonizar com
você. Seus irmãos e irmãs estão espalhados em múltiplos mundos. Para
achá-los você tem que remover o firewall e expor-se à interação. Bem, ao
fazer isso é possível que mais cedo ou mais tarde você perceba que tudo foi



                                     2
apenas um não-caminho. E descubra que seus irmãos e irmãs são todas as
pessoas que estão em todos os mundos.

Se você quiser fazer isso agora, possivelmente será encarado como herege.
Aos olhos do mundo único será um herege, assim como são hereges os que
abandonaram a escola, rejeitaram o ensino, rasgaram seus diplomas e
títulos e se transformaram em catalisadores de processos de aprendizagem
em comunidades livres de buscadores e polinizadores, estruturadas em
rede. Assim como são hereges os que, desistindo dos partidos, não
desistiram de fazer política (pública) nas suas localidades, na base da
sociedade e no cotidiano dos cidadãos. Assim como são hereges os que
renunciaram ao Estado-nação (e às suas pompas, e às suas glórias),
refugando também as noções regressivas de patriotismo e nacionalismo, e
viraram cidadãos transnacionais de suas glocalidades...

Os anunciadores de uma nova ordem não são hereges no sentido em que a
palavra está sendo usada aqui (quase aquele sentido em que Ernst Bloch
empregou-a ao dizer que “o melhor da religião é que ela produz hereges”).
São replicadores ou trancadores. No último meio século tivemos ondas e
ondas de supostos hereges vaticinando um mundo novo. No fundo, o porvir
radiante que anunciavam não era mais do que a revivescência de uma
ordem ancestral hierárquica.




                                   3
Nota

(21) JACOBS, Jane (1961). Morte e vida de grandes cidades. São Paulo: Martins
Fontes, 2009.




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  • 1. Em pílulas Edição em 92 tópicos da versão preliminar integral do livro de Augusto de Franco (2011), FLUZZ: Vida humana e convivência social nos novos mundos altamente conectados do terceiro milênio 44 (Corresponde ao oitavo tópico do Capítulo 7, intitulado Alterando a estrutura das sociosferas) Ecclésias, não ordens sacerdotais Seus irmãos e irmãs estão espalhados em múltiplos mundos. Para achá-los você tem que remover o firewall e expor-se à interação Mas o que colocaremos no lugar das igrejas (e das religiões)? Ora, nada. O velho mundo único já colocou muitas instituições para fazer as vezes de igrejas: as escolas (e o ensino), os partidos (e as corporações), o Estado- nação (e seus aparatos). Mutatis mutandis, todas essas funcionam mais ou menos da mesma maneira, como ordens sacerdotais. E todas elas vão continuar existindo, com uma estrutura e uma dinâmica parecidas com as que têm hoje, para quem não entrar nos Highly Connected Worlds.
  • 2. Mas quem assumir a condição de nômade, viajante dos interworlds, pode – se quiser – fundar sua própria igreja-não-igreja. Nos mundos altamente conectados ninguém pode impedir, nem conseguirá dissuadir, que as pessoas fundem suas próprias não-igrejas. Elas não serão ordens sacerdotais, por certo, mas poderão ser ecclesias, no sentido de aglomerados dos que querem conviver sua espiritualidade, ou seja, dos que querem compartilhar as formas semelhantes como vivem um domínio mais amplo de relações de existência celebrando suas afinidades e amorosidades mutuas. O número dessas novas igrejas-não-igrejas tende a aumentar. Simplesmente porque – nos mundos em que se constituírem – também não haverá tantas restrições de ordem moral e cultural para sua existência. Ecclesias como assembléias de amantes, como redes (abertas) de buscadores que se dispõem a polinizar mutuamente os modos pelos quais vivem sua mística ou sua espiritualidade, vão proliferar no lugar de igrejas como ordens sacerdotais (fechadas) que se proclamam o único caminho, a única porta, a única esperança de salvação e que disputam entre si o tempo todo oferecendo-nos um formidável (e deplorável) contra-exemplo de fraternidade. As velhas igrejas – essas armadilhas construídas para arrebanhar ovelhas e apascentá-las – continuarão existindo, é claro, mas perderão relevância. Na medida em que um superorganismo humano começa a se manifestar nos mundos altamente conectados e que novos fenômenos – como o clustering, o swarming, o clonning, o crunching e tantos outros que estão implicados no que chamamos de inteligência coletiva (e, quem sabe, no que ainda vamos chamar de emoção coletiva) – começam a irromper, haverá um motivo adicional para compartilhar. Você pode preferir o olhar do investigador que analisa tais fenômenos tentando manter os protocolos científicos de isenção e objetividade. Mas você também pode simplesmente viver e celebrar seu vínculo com essas novas ‘Entidades’ sociais – a palavra, assim com maiúscula, foi usada por Jane Jacobs em 1961 (21) – que se formam em uma dimensão mística. Se você buscava um domínio mais amplo de relações de existência para dar sentido à sua vida e vivê-la em sintonia com essa realidade (avaliada por você, não importa, como transcendente ou imanente), ei-lo: o simbionte social! O fundamental aqui é que não haja fechamento. Nos múltiplos mundos interconectados estão outras pessoas que se sentem (e sentem a transcendência ou a imanência) como você e podem se sintonizar com você. Seus irmãos e irmãs estão espalhados em múltiplos mundos. Para achá-los você tem que remover o firewall e expor-se à interação. Bem, ao fazer isso é possível que mais cedo ou mais tarde você perceba que tudo foi 2
  • 3. apenas um não-caminho. E descubra que seus irmãos e irmãs são todas as pessoas que estão em todos os mundos. Se você quiser fazer isso agora, possivelmente será encarado como herege. Aos olhos do mundo único será um herege, assim como são hereges os que abandonaram a escola, rejeitaram o ensino, rasgaram seus diplomas e títulos e se transformaram em catalisadores de processos de aprendizagem em comunidades livres de buscadores e polinizadores, estruturadas em rede. Assim como são hereges os que, desistindo dos partidos, não desistiram de fazer política (pública) nas suas localidades, na base da sociedade e no cotidiano dos cidadãos. Assim como são hereges os que renunciaram ao Estado-nação (e às suas pompas, e às suas glórias), refugando também as noções regressivas de patriotismo e nacionalismo, e viraram cidadãos transnacionais de suas glocalidades... Os anunciadores de uma nova ordem não são hereges no sentido em que a palavra está sendo usada aqui (quase aquele sentido em que Ernst Bloch empregou-a ao dizer que “o melhor da religião é que ela produz hereges”). São replicadores ou trancadores. No último meio século tivemos ondas e ondas de supostos hereges vaticinando um mundo novo. No fundo, o porvir radiante que anunciavam não era mais do que a revivescência de uma ordem ancestral hierárquica. 3
  • 4. Nota (21) JACOBS, Jane (1961). Morte e vida de grandes cidades. São Paulo: Martins Fontes, 2009. 4