RESUMO: O território do Promontório de Sagres (Sagres, Vila do Bispo) manifesta uma remota, intensa e contínua vocação e exploração mágico-religiosa, desde os primórdios da sua ocupação humana até aos nossos dias, realidade que se pretende aqui aflorar, por via de um discurso partilhado e complementar, entre a investigação arqueológica e a leitura histórica, entre os nossos menires e o culto de São Vicente...
PALAVRAS CHAVE: promontório, sacralização, monumentalização, Megalitismo, Sagres.
ABSTRACT: The territory of Promontory Sagres (Sagres, Vila do Bispo, Portugal) expresses a remote, continuous and intense magical-religious vocation and exploration, operating since the beginning of its human occupation until nowadays, reality we intend to emerge throw a shared and complementary speech, between archaeological research and historical interpretation, among our menhirs and the cult of Saint Vincent...
KEYWORDS: promontory, sacralization, monumentalization, Megalithism, Sagres.
3. Revista Santuários
Cultura, Arte, Romarias, Peregrinações, Paisagens e Pessoas
Volume 1, Número 2, julho–dezembro 2014, ISSN 2183-3184
Cadernos Vox Musei
Revista Internacional com comissão científica e revisão por
pares (sistema de double blind review)
Periodicidade: Semestral
Revisão de submissões: arbitragem duplamente cega por
pares académicos
Direção: Luís Jorge Gonçalves, Mila Simões de Abreu, Ana
Paula Fitas, João Paulo Queiroz, Moisés Espírito Santo, Jorge
do Reis, Cláudia Matos Pereira, Leonardo Caravana Guelman,
Manuel Calado
Relações Públicas: Isabel Nunes
Logística: Lurdes Santos
Gestão financeira: Cristina Fernandes, Isabel Pereira,
Andreia Tavares
Propriedade: Faculdade de Belas-Artes da Universidade
de Lisboa
Capa: Desenho em grafite sobre papel, baseado em cabeça
que pode representar o deus Endovélico, e o pedestal com
parte da epígrafe dedicado a este deus.
Ilustração: Cláudia Matos Pereira, 2014.
Contracapa: Ara dedicada ao deus Endovélico
(Original no Museu Nacional de Arqueologia, foto José
Pessoa)
Ante Rosto: Augusto Prima Porta (Museus do Vaticano).
Por ocasião dos dois mil anos da morte de Augusto (19
de Agosto de 14) que promoveu a fusão entre romanos e
indígenas e de que resultou o santuário ao deus Endovélico
Logo do Congresso: Jorge dos Reis
Projeto Gráfico: Jorge dos Reis
Paginação: Inês Chambel
Impressão: Editorial do Min. da Educação e Ciência
Tiragem: 350 exemplares
Depósito legal: 379932/14
PVP: 10€
ISSN: 2183-3184
ISBN: 978-989-8771-02-5
Edição
Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa
(FBAUL) / Centro de Investigação e Estudos em Belas-Artes
(CIEBA)
Instituto de Sociologia e Etnolgia das Religiões da Faculdade
de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de
Lisboa (ISER-FCSH-UNL)
Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD)
Instituto de Artes e Comunicação Social da Universidade
Federal Fluminense (IACS-UFF) Laboratório de
Observação de Artes e Saberes (LOAS)
Centro de Estudos do Endovelico (CEE)
Câmara Municipal do Alandroal (CMA)/ Fórum Cultural
Transfronteiriço
Apoio
Turismo do Alentejo
+ informações:
santuarios.fba.ul.pt
Organizadores: Apoio:
5. Comissão Executiva
Luís Jorge Gonçalves, Portugal, Faculdade de
Belas-Artes, Universidade de Lisboa / Centro de Estudos
e de Investigação em Belas-Artes
Mila Simões de Abreu, Portugal, Universidade de Trás-os-
-Montes e Alto Douro, Vila Real
Ana Paula Fitas, Portugal, Coordenadora do Centro de
Estudos do Endovélico, Alandroal
João Paulo Queiroz, Portugal, Faculdade de
Belas-Artes, Universidade de Lisboa / Centro de Estudos
e de Investigação em Belas-Artes
Moisés Espírito Santo, Portugal, Faculdade de Ciências
Socais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa
Jorge dos Reis, Portugal, Faculdade de Belas-Artes,
Universidade de Lisboa / Centro de Estudos e de
Investigação em Belas-Artes
Cláudia Matos Pereira, Brasil, Escola de Belas-Artes,
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Leonardo Caravana Guelman, Brasil, Instituto de Artes e
Comunicação Social, Universidade Federal Fluminense
Manuel Calado, Brasil, IEPA — Instituto de Pesquisa
Científica e Tecnológica do Estado do Amapá
Panayiotis Saraneopoulos, Grécia/Portugal, Centro de
Investigação e Estudos em Belas-Artes
Conselho Editorial/Comissão Científica
Ana Paula Fitas, Portugal, Coordenadora do Centro de
Estudos do Endovélico, Alandroal
António Delgado, Portugal, Escola Superior de Arte e
Design, Instituto Politécnico de Leiria
Artur Ramos, Portugal, Faculdade de Belas-Artes,
Universidade de Lisboa / Centro de Estudos e de
Investigação em Belas-Artes
Cláudia Matos Pereira, Brasil, Escola de Belas-Artes,
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Cristiane de Andrade Buco, Brasil, IPHAN-Fortaleza
Fernando António Baptista Pereira, Faculdade de
Belas-Artes, Universidade de Lisboa / Centro de Estudos
e de Investigação em Belas-Artes
Federico Trolleti, Itália, Universidade de Trento
Ilídio Salteiro, Portugal, Faculdade de Belas-Artes,
Universidade de Lisboa / Centro de Estudos e de
Investigação em Belas-Artes
Javier Marcos Arévalo, Espanha, Universidade da
Estremadura
João Brigola, Portugal, Universidade de Évora
João Paulo Queiroz, Portugal, Faculdade de
Belas-Artes, Universidade de Lisboa / Centro de Estudos
e de Investigação em Belas-Artes
Jorge do Reis, Portugal, Faculdade de Belas-Artes,
Universidade de Lisboa / Centro de Estudos e de
Investigação em Belas-Artes
José Ignacio Homobono, Espanha, Universidade do País Basco
José Júlio Garcia Arranz, Espanha, Universidade da
Estremadura
Leonardo Caravana Guelman, Brasil, Instituto de Artes e
Comunicação Social, Universidade Federal Fluminense
Luís Jorge Gonçalves, Portugal, Faculdade de Belas-Artes,
Universidade de Lisboa / Centro de Estudos
e de Investigação em Belas-Artes
Manuel Calado, Brasil, IEPA — Instituto de Pesquisa
Científica e Tecnológica do Estado do Amapá
Maristela Salvatori, Brasil, Instituto de Artes,
Universidade Federal de Rio Grande do Sul
Mila Simões de Abreu, Portugal, Universidade de Trás-os-
-Montes e Alto Douro, Vila Real
Mirtes Barros, Brasil, Universidade Federal do Maranhão
Moisés Espírito Santo, Portugal, Faculdade de Ciências
Socais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa
Nuno Sacramento, Reino Unido (Escócia), Scottish
Sculpture Workshop, Aberdeen
Panayiotis Saraneopoulos, Grécia/Portugal, Centro de
Investigação e Estudos em Belas-Artes
Paula Ramos, Brasil, Instituto de Artes, Universidade
Federal de Rio Grande do Sul
Paulo Caetano, Portugal, Faculdade de Ciências
e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa
Ruy Ventura, Portugal, Investigador
Salvador Rodríguez Becerra, Espanha, Universidade
de Sevilha
6. Santuários: Cultura, Arte,
Romaria, Peregrinações, Paisagens
e Pessoas
Luís Jorge Gonçalves
13-15
1. Artigos
Reflexão Teórica sobre os
aspectos simbólico e ritual
durante a interpretação dos
processos de produção de
manufatos obtidos de matéria
dura de origem animal
Giacoma Petrullo & Jefferson
Crescencio Neri
17-23
Emblemas y jeroglíficos
en la azulejería religiosa
portuguesa del siglo XVIII:
un ejemplo en la iglesia de
Nossa Senhora da Conceição,
en Vila Viçosa (Portugal)
José Julio García Arranz
24-33
Nuevas tradiciones en el ámbito
festivo transmoderno de Bilbao:
del Santuario a la Ría del Nervión
Juan António Rubio-Ardanaz
34-44
Museologia do cotidiano:
a morada e o santuário.
Entre a autoconsagração
e o dar-se ao outro
na mediação do Sagrado
Leonardo Caravana Guelman
45-52
Santuários: Cultura, Arte,
Romaria, Peregrinações,
Paisagens e Pessoas
Luís Jorge Gonçalves
13-15
1. Artigos
Theoretical reflection into the
symbolic and ritual interpretation
of production processes of
artifacts from hard raw
materials animals
Giacoma Petrullo & Jefferson
Crescencio Neri
17-23
Emblems and hieroglyphics in
Portuguese religious tilework of
the 18th century: an example in
the Church of Nossa Senhora
da Conceição, in Vila Viçosa
(Portugal)
José Julio García Arranz
24-33
New Traditions in the Trans-modern
Festive Field: From the Sanctuary
to the Stuary of Nervion
Juan António Rubio-Ardanaz
34-44
Museology of the everyday: the
home and the sanctuary. Between
self consecration and dedication
to the other in the mediation of
the sacred
Leonardo Caravana Guelman
45-52
7. “Pé de Deus”, hoje gravura,
ontem efeito das intempéries
Luana Campos &
Cristiane de Andrade Buco
53-58
O culto e devoção à virgem mártir
santa Eufémia no seu santuário em
Penedono
Luciano Moreira
59-64
Uma Paisagem Sagrada:
as cubas da “kûra” de Beja
Luís Ferro
65-74
Santuário do Endovélico:
espaço de encontro de indígenas
e romanos
Luís Jorge Gonçalves
75-81
Tïhtakariwaïn:
um santuário rupestre no
Tumucumaque brasileiro
Manuel Calado
82-96
Romeiros de São Francisco
do Canindé
Maria das Graças Tavares Silva,
Adriano de Araújo Lima, Nagylla
Dias Oliveira, Maria Esterlian
Ferreira da Silva Alves &
Cinthia Moreira
97-101
The “Pé-de-Deus” (“Foot-of-God”)
engraving in Oeiras, Piauí, Brazil
Luana Campos &
Cristiane de Andrade Buco
53-58
The worship and devotion to the
holy virgin martyr Euphemia in
his sanctuary in Penedono
Luciano Moreira
59-64
A Sacred Landscape: The Cubas
from the Kûra of Beja
Luís Ferro
65-74
Sanctuary of Endovelicus:
meeting space for indigenous
and Roman
Luís Jorge Gonçalves
75-81
Tïhtakariwaïn: rock art santuary
in brazilien Tumucumaque
Manuel Calado
82-96
Pilgrims from São Francisco
do Canindé
Maria das Graças Tavares Silva,
Adriano de Araújo Lima, Nagylla
Dias Oliveira, Maria Esterlian
Ferreira da Silva Alves &
Cinthia Moreira
97-101
8. Comunidade Quilombola de
São Sebastião dos Pretos:
A religiosidade de um povo
expressada nas batidas dos
tambores da Umbanda
Maria Esterlian Alves, Elane Sousa,
Cleber Lima do Nascimento, Gilva
Alves Leitão & Cintya Moreira
102-106
Uma visão prospectiva na paisagem
do Vale do Tejo
Mário Monteiro Benjamim
107-113
Caminhos do sagrado nas artes
visuais: algumas anotações
Maristela Salvatori &
Bernard Paquet
114-117
Alguns apontamentos sobre a
imagem do javali e o “Berrão” de
Carlão, Alijó, Douro
Mila Simões de Abreu
118-132
A natureza como Santuário na
visão do caçador krikati
MIRTES BAROS
133-138
Descoberta de um santuário
lusitano-fenício a partir da
toponímia, em Aljubarrota
Moisés Espírito Santo
139-144
O santuário de S. Pedro em
Portel: um exemplo de
sincretismo religioso?
Natália Maria Lopes Nunes
145-149
Quilombola community of São
Sebastião dos Pretos: the religion
of a people expressed in beats of
drums of Umbanda
Maria Esterlian Alves, Elane Sousa,
Cleber Lima do Nascimento, Gilva
Alves Leitão & Cintya Moreira
102-106
A prospective view of the
landscape of the Tagus Valley
Mário Monteiro Benjamim
107-113
Sacred Paths of the visual arts:
some notes
Maristela Salvatori &
Bernard Paquet
114-117
Some notes on the image of the
boar and the “Berrão” of Carlão,
Alijó, Vila Real, Portugal
Mila Simões de Abreu
118-132
The nature as sanctuary in vision
hunter krikati
MIRTES BAROS
133-138
Discovery of a Sanctuary Lusitano-
Phoenician from toponymy,
in Aljubarrota
Moisés Espírito Santo
139-144
The Sanctuary of Saint Peter
in Portel, an example of
religious syncretism?
Natália Maria Lopes Nunes
145-149
9. Folia de Reis: Território sacrário
Neide Marinho
150-155
Pragmatismo e Robustez:
marca das igrejas
luso-brasileiras no
Rio Grande do Sul, Brasil
Paula Ramos
156-161
Um Santuário Suíço nos Açores:
Dos lagos suíços para a lagoa
das Furnas, a migração de uma
paisagem
Pedro Maurício de Loureiro
Costa Borges
162-170
Uma imagem é uma imagem,
mas…O processo de humanização
das imagens da Senhora da Saúde
Pedro Pereira
171-175
Religiosidade e espacialidade
no Sertão da Bahia - Brasil: o
exemplo do Santuário da Santa
Cruz de Monte Santo
Raimundo Pinheiro Venancio Filho &
Maria Helena Ochi Flexor
176-183
Tradição e cultura na escolha
do lugar da cerimônia
do casamento
Raquel Lage Tuma, Maria
Elisabeth Alves Mesquita, Carlos
Eduardo Santos Maia
184-188
Folia de Reis: Territory tabernacle
Neide Marinho
150-155
Pragmatism and Robustness
(Strength): marks of Luso-
Brazilian churches in
Rio Grande do Sul
Paula Ramos
156-161
A Swiss sanctuary in the Azores:
From the Swiss lakes to Furna´s
lagoon, the migration
of a lanscape
Pedro Maurício de Loureiro
Costa Borges
162-170
An image is an image, but…
The process of humanization of
images of Lady of Health
Pedro Pereira
171-175
Religiosity and spatiality in the
backwoods of Bahia-Brazil: the
example of the sanctuary of
Santa Cruz de Monte Santo
Raimundo Pinheiro Venancio Filho &
Maria Helena Ochi Flexor
176-183
Tradition and culture in choice of
place of wedding ceremony
Raquel Lage Tuma, Maria
Elisabeth Alves Mesquita, Carlos
Eduardo Santos Maia
184-188
10. Sagres – o Promontorium
Sacrum: uma petrificada
paisagem sagrada
Ricardo Soares
189-197
Salve Rainha: Maria entre a vida
e o dogma através da arte
Rodrigo Portella
198-208
A lenda do Senhor das Chagas
e a “construção” do santuário
de Sesimbra
Ruy Ventura
209-222
Santuarios y apariciones marianas
en Andalucía (España)
Salvador Rodríguez Becerra
223-226
Desenho, Memória e Simplicidade
Visual: O Painel de Desenhos de
Siza Vieira sobre S. Pedro e S.
Paulo, na Basílica da Santíssima
Trindade do Santuário de Fátima
Shakil Yussuf Rahim & Ana Leonor
Madeira Rodrigues
227-235
A procissão de São Cristóvão em
um local sui generis
Sigrid Hoppe
236-239
O Santuário de Frei Damião de
Bozzano no Convento de São
Félix da Cantalice, em
Recife- Pernambuco-Brasil
Sylvana Brandão de Aguiar
240-244
Sagres – the Promontorium
Sacrum: a petrified
sacred landscape
Ricardo Soares
189-197
Hail Queen: Mary between life
and dogma through art
Rodrigo Portella
198-208
The legend of Senhor das Chagas
and the built of
Sesimbra’s santuary
Ruy Ventura
209-222
Shrines and Marian Apparitions
in Andalusia (Spain)
Salvador Rodríguez Becerra
223-226
Drawing, Memory and Visual
Simplicity: Drawings Panel
of Siza Vieira about St. Peter
and St. Paul, in the Basilica
of the Most Holy Trinity of the
Sanctuary of Fátima
Shakil Yussuf Rahim & Ana Leonor
Madeira Rodrigues
227-235
The procession of Saint
Christopher in a sui generis site
Sigrid Hoppe
236-239
The Sanctuary of Fray Damian
Bozzano in the Convent of St.
Felix of Cantalice in
Recife-Pernambuco-Brazil
Sylvana Brandão de Aguiar
240-244
11. Festas e ofícios, entre uma e
outra romaria incelenças são
entoadas afirmando identidades
Valdir Nunes dos Santos
245-249
Os Santuários como espaços de
devoção: São José de Ribamar,
no Maranhão
Wherlyshe Morais
250-254
2. Estudos
Centro de Estudos do Endovélico.
Classificação do vale sagrado do
Lucefecit: Teatro de Santuários
(Endovélico e Boa Nova)
MANUEL Lapão
256-257
3. Santuários,
instruções aos autores
Manual de estilo da
Santuários — meta-artigo
259-268
Chamada de trabalhos:
II Congresso Santuários 2015
269-272
Festivals and crafts, between
one and another pilgrimage
“incelenças” between are sung
affirming identities
Valdir Nunes dos Santos
245-249
The Sanctuaries as places of
devotion: São José de Ribamar,
no Maranhão
Wherlyshe Morais
250-254
2. Estudos
Studies Center of Endovélico.
Sacred valley Lucefecit
classification: theatre of sanctuary
(Endovélico and Boa Nova)
MANUEL Lapão
256-257
3. Santuários,
instructions to authors
Style guide of Santuários
— meta-paper
259-268
Call for papers: II Santuários
Congress 2015
269-272
12. 189
Sagres – o Promontorium
Sacrum: uma petrificada
paisagem sagrada
Sagres – the Promontorium Sacrum:
a petrified sacred landscape
Ricardo Soares*
*Portugal, Arqueólogo, Câmara Municipal de Vila
do Bispo. E-mail: arqueo.mike@gmail.com
Artigo completo submetido a 3 de junho
e aceite a 14 de junho de 2014
Resumo: O território do Promontório de Sagres (Sa-gres,
Vila do Bispo) manifesta uma remota, intensa e
contínua vocação e exploração mágico-religiosa, des-de
os primórdios da sua ocupação humana até aos
nossos dias, realidade que se pretende aqui aflorar,
por via de um discurso partilhado e complementar,
entre a investigação arqueológica e a leitura históri-ca,
entre os nossos menires e o culto de São Vicente...
Palavras chave: promontório, sacralização, monu-mentalização,
Megalitismo, Sagres.
Abstract: The territory of Promontory Sagres (Sagres,
Vila do Bispo, Portugal) expresses a remote, continu-ous
and intense magical-religious vocation and explo-ration,
operating since the beginning of its human oc-cupation
until nowadays, reality we intend to emerge
throw a shared and complementary speech, between
archaeological research and historical interpretation,
among our menhirs and the cult of Saint Vincent...
Keywords: promontory / sacralization / monumental-ization
/ Megalithism / Sagres.
Introdução: a sacralização de distintas paisagens naturais
Na sua maior parte, os estudos dedicados aos antigos cultos focam-se, particularmente, nas divindades e/
ou nos templos edificados, subvalorizando, regra geral, as paisagens e outros aspectos ambientais, poten-cialmente
determinantes para os fenómenos de sacralização de loci naturais.
Desde sempre, o Homem foi atraído por determinadas paisagens naturais, carregadas de peculiares
forças ingénitas. Estes locais, contemplativos, místicos, geralmente ermos, particularmente nascentes,
quedas-d’água, pegos, recortes de rio, cumes de montanha, cavernas, afloramentos, rochedos e promon-tórios,
foram sacralizados e monumentalizados enquanto suportes de discursos simbólicos e de cons-truções
mentais, autênticos recipientes de memórias colectivas de loco-identidades culturais. Sítios que
adquirem sentido para além dos sentidos. Arquitecturas espirituais que se edificam sobre pilares naturais
e humanos, numa teia de símbolos, mitos e rituais que investem a paisagem de multi-significâncias.
Neste contexto, desde a aurora da Humanidade que as paisagens de Sagres acolheram cultos má-gico-
religiosos, que por lá se fixaram pela atracção da finisterra, evoluindo para discursos religiosos,
petrificando-se nos menires, vingando nos tempos, cristianizando-se, santificando-se, edificando-se em
templos, expandindo-se em procissões, romarias e peregrinações, migrando e globalizando-se...
1. A atracção da finisterra e o culto dos promontórios
Os promontórios constituem-se como significativas paisagens especiais. Misteriosos acidentes geográ-ficos
que apartam os mares, as terras e o céu. Autênticos monumentos geológicos. Naturais templos
numinosos e hierofânicos. Ainda hoje, nos mais proeminentes recortes da crusta terrestre, os cabos
atraem numerosos visitantes, numa ‘vertigem’ pela finisterra, num inexplicável apelo pelos extremos
do mundo, numa demanda pelo horizonte infinito, onde o sol, a lua e todo o séquito de astros morre
e renasce do mar.
Soares, Ricardo (2014) “Sagres – o Promontorium Sacrum: uma petrificada paisagem sagrada.”
13. Há muito que assim acontece! Individualmente ou colectivamente, em peregrinações ou romarias,
o ser Humano foi marcando, a ‘pé-posto’, a sua espiritualidade nas ‘rotas dos cabos’.
Poderíamos apontar uma série de evidências que atestam, em toda a ‘esfera de Atlas’, uma muito
remota preferência pelos promontórios, enquanto privilegiados palcos de cultos mágico-religiosos. Por
exemplo, em Portugal, o Cabo da Roca foi descrito por Plínio o Velho como loca sacra, monumentalizado
com recintos de culto e altares de pedra (séc. I d.C. – Naturalis Historia, Livro IV). Na Arrábida, o Cabo
Espichel foi designado como “Sacrum”, desta feita por Pomponius Mela (séc. I d.C. – De Chorographia,
Livro III). E, claro, o extremo sudoeste da Europa – Sagres –, inevitavelmente sacralizado, até toponimi-camente,
como um perpétuo altar de pedra, investido de uma omnipotência que se perde nas origens...
Muito para além do tempo histórico, nos confins da Pré-história, a Arqueologia tem vindo a
reconhecer e a materializar alguns vibrantes ecos destes fenómenos de sacralização de diferenciadas
paisagens naturais, designadamente em ‘grutas-necrópole’ e ‘grutas-santuário’, abertas nos carsos de
diversos promontórios.
As grutas, enquanto espaços produzidos por acção da Natureza, foram utilizadas desde o dealbar
da humanidade, como abrigos e, sobretudo, enquanto propícias sedes de exéquias e depósitos votivos.
Nestes espaços, após a morte, os corpos foram devolvidos ao ‘maternal ventre da terra’, em posição fetal,
acompanhados de relíquias votivas.
A procura destes locais, ermos e inóspitos, para práticas de cariz funerário, converte-os em santu-ários
subterrâneos, nos quais, presumivelmente, se procurava o contacto com o transcendente, com as
forças da fertilidade, e se recriavam metáforas para a origem da vida e para os mistérios da morte. Neste
sentido, estes ocos profundos, escuros e geralmente húmidos, poderiam configurar o submundo uterino
da terra fértil, um umbilical espaço de eterno retorno, onde as águas subterrâneas poderiam simbolizar
um transcendente poder de purificação, infiltração e comunicação com o mundo inferior e com o ‘além’
(Soares 2013: 67-71).
2. O Promontorium Sacrum: referências clássicas e ‘baptismo toponímico’
Desde muito cedo, na História da sua Humanidade, a região de Vila do Bispo foi escolhida como base
de implantação de remotas comunidades que nestas extremas paisagens decidiram fixar-se, legando-nos,
à guarda do tempo, numerosos e diversificados vestígios arqueológicos – verdadeiras provas materiais e
definidos rastos culturais da sua longínqua presença.
Não será exagero afirmar que o nosso território se revela como um genuíno ‘Museu vivo de His-tória
Natural e Humana’, com uma riqueza de apontamentos, produzidos e perfeitamente organizados
numa arquitectura paisagística de referência, numa admirável ‘simbiose’ entre a Natureza e o Homem.
A historiografia permite-nos recuar, até ao séc. IV a.C., para lá resgatar as primeiras referências
conhecidas, relativas à região de Sagres. Na sua Historia Universal, o historiador grego Éforo de Cime
‘baptiza’ esta finisterra como Hieron Akroterion, designação grega traduzida para o latim, no séc. I d.C.,
como Promontorium Sacrum (Plínio o Velho, Naturalis Historia) – o Promontório Sagrado!
Posto isto, podemos desde já estabelecer uma primeira conclusão: há cerca de 2400 anos (pelo menos)
a região de Sagres já se encontrava fixada, toponimicamente, como um território de propensão sagrada!
Na última década do séc. II a.C., o geógrafo grego Artemidoro de Éfeso visita a Península Ibérica,
afirmando ter estado precisamente no Cabo Sacrum, descrevendo as suas exploratórias viagens numa
Geographia tida como perdida. O conhecimento da obra de Artemidoro chegou-nos pela mão de outros
autores da Antiguidade, posteriores, que a ela, directa ou indirectamente, aludiram ou dela rebuscaram
190
Soares, Ricardo (2014) “Sagres – o Promontorium Sacrum: uma petrificada paisagem sagrada.”
14. 191
Fig. 1. Cordão circular (R. Soares, 2014)
Fig. 2. Antropomorfismo (R. Soares, 2012)
Revista Santuários, Cultura, Arte, Romarias, Peregrinações, Paisagens e Pessoas. ISSN 2183-3184. Vol. 1 (2): 189-197.
15. notícias. Muito recentemente, esta clássica visita ganhou mais verosimilhança, pois reconheceu-se um
fragmento do supostamente perdido texto, num papiro encontrado no Egipto, em Antaiúpolis (Moret,
2003; Alarcão, 2010).
Estrabão será um dos autores que, no séc. I a.C., fará referência ao texto de Artemidoro. No livro
III da sua Geographia, volta a denominar a Ponta de Sagres como Hieron Akroterion, descrevendo-o da
seguinte forma e referindo-se aos seus predecessores, Éforo e Artemidoro:
É a elevação mais ocidental, não da Europa mas de toda a terra habitada (…) Artemidoro afirma
que esteve neste lugar que o assemelha a um navio (…) Assegura que não se vê lá nenhum santuário nem
altar a Héracles (nisto mente Éforo), dele ou de algum outro deus, mas que em muitos sítios há grupos de
três e quatro pedras, que são pelos visitantes voltadas, em virtude de um costume ancestral, e deslocadas,
depois deles fazerem libações; e que não está permitido fazer sacrifícios nem aceder de noite ao lugar, por
dizer-se que nessa altura é ocupado pelos deuses, mas os que chegam para contemplá-la pernoitam numa
aldeia próxima e logo pela manhã, seguem até lá, levando consigo água que este lugar carece (Estrabão,
Geographia, III, 1, 4-5, apud Loução, 2011).
Estas linhas permitem-nos fixar mais alguns sugestivos considerandos: ainda no séc. II a.C., aquan-do
da insigne visita de Artemidoro, algo de muito especial se passava sobre a plataforma deste nosso
Cabo... “um costume ancestral”, um ritual antigo que implicava libações a ‘deuses de pedra’.
De destacar que Estrabão desmente Éforo, quando este refere a existência, no Promontório de Sa-gres,
de um templo ou altar dedicado a Héracles ou a qualquer outra divindade. Porém, temos de ter em
conta que a informação de Éforo terá sido produzida no séc. IV a.C., enquanto Artemidoro terá visitado
o local cerca de 300 anos depois, no séc. I a.C. Nesta perspectiva, não será de excluir a hipótese de o refe-rido
santuário, mencionado pelo mais antigo dos dois autores, ter sido entretanto destruído ou passado
192
despercebido aquando da visita de Artemidoro.
Relativamente aos relatados “grupos de três e quatro pedras”, e no contexto do presente trabalho,
trata-se de um assunto bem mais interessante! Tendo em conta a actual panorâmica dos nossos conhe-cimentos
e as evidências materiais ainda disponíveis, a interpretação mais óbvia e coerente, para estas
pedras, será a que as remete para os nossos persistentes e ainda copiosos menires!
3. Megalitismo de Vila do Bispo: referências arqueológicas
Se entenderemos o megalitismo menírico enquanto manifestação mágico-religiosa, o território de Sagres
encontra-se comprovadamente sacralizado pelo menos desde o Neolítico Antigo – inícios do VI milénio
a.C. (Gomes 1994: 339; Gomes, 1997: 176).
Justamente, neste canto do mundo, foi erguida uma das maiores concentrações de menires conhecidas
em toda a Europa. No Levantamento Arqueológico do Concelho de Vila do Bispo, publicado em 1987 por Má-rio
Varela Gomes e Carlos Tavares da Silva (Gomes e Silva 1987), foram inventariados 121 menires na região.
Em 2005, João Velhinho publica o levantamento Menires de Vila do Bispo (Velhinho 2005), exaustivo trabalho
onde se encontram cartografados, georreferenciados, fotografados e descritos 267 menires.
Considerando a expectável probabilidade de novas descobertas e o facto de a região de Vila do
Bispo ter sido explorada, até muito recentemente, como o ‘celeiro do Algarve’, suportando uma extensa
e intensiva actividade agrícola, há que admitir que os menires que resistiram até aos nossos dias consti-tuem
apenas uma ínfima parte de um todo entretanto perdido, a ponta de um imenso ‘iceberg de pedra’
que poderá ter atingido uma inigualável dimensão.
Além da descontextualização por deslocamento e da destruição por fracturação, causadas pela inten-
Soares, Ricardo (2014) “Sagres – o Promontorium Sacrum: uma petrificada paisagem sagrada.”
16. sa lavoura, estes monumentos também foram alvo de reutilização para construção urbana, redução
do seu calcário para cal, para não falar da alheia apropriação destinada ao embelezamento de pro-priedades
privadas. Ainda assim, muito restou, tratando-se, em diversos aspectos, de um exemplar
193
conjunto menírico.
Não despiciendo o fundamental contributo dos já referidos autores clássicos (entre muitos outros
que não importa trazer à colação, no âmbito do presente texto), a investigação arqueológica, no território
hoje abrangido pelo Concelho de Vila do Bispo, foi inaugurada, de forma verdadeiramente científica e
pioneira, apenas nos finais do século XIX, com Estacio da Veiga.
Porém e estranhamente, nas suas visitas à região, não descuidando a exemplar qualidade da sua
metodologia científica, Estacio da Veiga não documenta um único menir em Vila do Bispo. Tal lacuna
só poderá ser explicada pelo facto do distinto arqueólogo, face à dimensão hercúlea do seu projecto, ter
distribuído tarefas a informadores e colectores locais. Acreditamos que, se Estacio da Veiga tivesse tido a
oportunidade de desenvolver prospecções pessoais, dificilmente lhe teriam passado despercebidos alguns
dos mais significativos vestígios deste nosso património menírico, evidentemente numeroso e expressivo.
Na verdade, naquela época, os menires ainda eram uns ‘notáveis desconhecidos’. Com base no
“Relatorio e mappas ácêrca dos edifícios que devem ser classificados monumentos nacionaes” (Veiga
1886: 87-88), Estacio refere que, em 1880, apenas se encontravam inventariados três menires em todo o
território nacional, todos no concelho de Vila Velha do Rodão. Na mesma época e por comparação, em
França já se registavam 1638 menires (ob. cit.: 24).
No Algarve, terminados os trabalhos de campo para a Carta Archeologica (1877-1878), publicada
nas suas Antiguidades Monumentaes do Algarve - tempos prehistoricos (Veiga, 1886; 1887; 1889; 1891),
Estacio adenda somente mais cinco exemplares concretos ao ‘inventário menírico nacional’, todos na
zona de Silves, levantando então a seguinte questão:
Serviriam essas pyramides e menhirs de demarcação de um determinado territorio, ou cada um
d’esses monumentos ficaria representando um feito memoravel ou uma consagração de piedosa lembran-ça?
Não o sei dizer (Veiga 1891: 233-235).
Ainda assim, recuperando os “grupos de três e quatro pedras” de Artemidoro e de Estrabão, o
nosso ilustre pioneiro como que ‘pressentiu’ a real existência de uma presença megalítica na área de
Sagres, referindo-a, com as devidas reservas, na qualidade de “antas ou dolmens (destruidos), que mui
presumptivamente existiram sobre o solo” (Veiga 1886: 99).
Ao contrário das antas, há muito justamente integradas na agenda da investigação arqueológica
nacional, será apenas nos anos sessenta, do século XX, que os menires se tornarão alvos efectivos de uma
sistemática divulgação no nosso País, resultando num consequente boom de descoberta, notavelmente
profícuo no Barlavento Algarvio.
Os menires de Vila do Bispo têm vindo a revelar-se, com base na informação entretanto produzida,
como um conjunto claramente individualizado no contexto europeu, designadamente no que respeita
ao seu número, ao suporte material em que foram produzidos (calcário e arenito), às decorações neles
inscritas, aos povoados associados... à sua ‘personalidade’.
4. Sacralização megalítica: menires, monumentais ‘Homens de Pedra’
O universo simbólico, associado aos monumentos meníricos, continua encriptado na pétrea distância
dos tempos e dos preconceitos. Locais de descanso para a alma dos mortos, pára-raios, calendários so-lares,
ídolos aos quais se prestariam cultos e sacrifícios, memoriais de tratados, de alianças, de feitos de
Revista Santuários, Cultura, Arte, Romarias, Peregrinações, Paisagens e Pessoas. ISSN 2183-3184. Vol. 1 (2): 189-197.
17. guerra (Almeida 1979: 14, apud Calado 2004: 49), toda uma incrível panóplia de interpretações alvitradas
sobre o significado destas esculturas.
Sobre os menires de Vila do Bispo, ainda paira uma redutora e excessiva ‘obsessão sexual’, aligeirada
por significâncias invocadoras de cultos de fertilidade/fecundidade, integradas no contexto da emergên-cia
das primeiras sociedades agro-pastorís: elipses segmentadas interpretadas como grãos de trigo, mas
também como vulvas; semi-elipses como púbis e mamilos; linhas ondulantes como nascentes de água,
cursos de rio, esperma... enfim!
O carácter fálico dos menires conquistou, nesta região, uma particular proeminência, sobretudo
graças aos recorrentes cordões definidos no seu topo, decifrados como ‘glandes fálicas’ (Figura 1). Numa
perspectiva mais moderada, porque não admitir simplificadas representações de cabeças humanas? (Go-mes
1997b: 256).
Reflexo do gradual aumento demográfico, propiciado pela sedentarização neolítica e pelos exce-dentes
alimentares da produção agro-pecuária, as sociedades, originalmente igualitárias, complexificam-
-se estruturalmente, exigindo uma nova organização social e emergentes discursos de poder. O fenóme-no
megalítico poderá ser precisamente entendido como a materialização de um discurso ideológico que
irá agregar as comunidades, tendencialmente neolíticas, em torno de um mega-objectivo comum, de um
monumental empreendimento colectivo.
O Homem é um ser gregário, dependente de propósitos colectivos, de linhas de comando grupal,
de necessárias estruturas de orientação e contenção de esforços e tenções sociais – a génese de todos os
discursos de poder!
Genericamente, o Megalitismo caracteriza-se pela monumentalização da paisagem com o recurso
a grandes blocos de pedra, enquanto expressão cultural, mágico-religiosa e territorial. Recorrentes em
todo o mundo, em diversas culturas e em todos os tempos, os menires ocorrem isolados, agrupados em
alinhamentos ou em recintos.
Os menires podem, justamente, ser interpretados como a primeira manifestação do Homem na
paisagem, a sua própria personificação cultural num virgem palco natural (Figura 2): o Homem seden-tário
que se apropria de territórios, transformando-os, cultivando-os, marcando-os com marcos iden-titários
de propriedade cultural – “o Homem torna-se a medida de todas as coisas” (Calado 1997: 296).
Considerando este esquema interpretativo, os menires, enquanto representações de figuras hu-manas,
não figurariam, necessariamente, indivíduos concretos: potenciais esculturas antropomórficas
representativas de distintos antepassados, de personagens míticos, de heróis fundadores ou mesmo de
divindades, sendo, por extensão, relacionáveis com a emergência de linhagens, numa conjuntura de forte
coesão social que monumentos desta ordem de grandeza parecem reflectir (Calado 2004: 241).
Esta tese antropomórfica reforça-se, com cabal substância, na própria evolução destes monumen-tos
– as ‘estátuas-menir’ (Bueno-Ramírez 1990; Gomes, 1997b; Caubet 2002; Calado 2004: 47). No caso
de Vila do Bispo, a tradição oral ainda hoje produz eco de uma antiga lenda, de pedras envoltas em ‘se-bastiânicos
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nevoeiros’ (ver texto seguinte!).
O pesado investimento necessário à deslocação, afeiçoamento e erecção de tantos menires poderá
ser explicado por uma motivação de ordem simbólica. Ao contrário de uma muralha, em si mesma tam-bém
revestida de simbolismo visual, enquanto estrutura de pedra que defende um povoado, as suas gen-tes
e os seus bens, a justificação prática para um empreendimento megalítico será menos lógica do ponto
de vista funcional. Ou seja, a monumentalização das paisagens, a sua marcação com o recurso a grande
pedras, implicaria, necessariamente, um discurso de poder, uma liderança tendencialmente espiritual,
Soares, Ricardo (2014) “Sagres – o Promontorium Sacrum: uma petrificada paisagem sagrada.”
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Fig. 3. Menir tombado no Cerro do Camacho, com inscrições 'cristãs' (R. Soares, 2014)
Revista Santuários, Cultura, Arte, Romarias, Peregrinações, Paisagens e Pessoas. ISSN 2183-3184. Vol. 1 (2): 189-197.
19. uma estrutura mental de ordem mágico-religiosa: uma remota e perdida ‘religião megalítica’, com líderes
espirituais (anciãos e/ou xamãs) e objectos de culto, materializados na forma de menires.
Tanto no vizinho Alentejo Central, como na nossa região, as escavações dos alvéolos de implan-tação
dos menires têm permitido exumar, em diversos casos e entre outros artefactos, recorrentes frag-mentos
de mós manuais. Geralmente fragmentárias, ou seja, uma parte de um todo, estas peças remetem
para os povoados, para o mundo quotidiano da vida rural, para a importância do cereal e da sua moagem.
Estes indícios artefactuais levam-nos a presumir que os menires foram erguidos por comunidades
de pastores-agricultores, dedução reforçada por outra recorrente evidência arqueológica: no Alentejo
Central, além dos fragmentos de mó, a mais repetida iconografia gravada nos monumentos representa,
justamente, o báculo ou cajado de pastor.
Este distante e subjectivo universo dos significados, o reportório simbólico que as primeiras gentes ne-olíticas
atribuíram aos seus inaugurais monumentos e às decorações neles inscritas, constituirá, para sempre,
um fértil campo para a imaginação, de impossível descodificação pela científica investigação arqueológica.
5. Resistência material e imaterial: ‘menires-cruzeiro’ na ‘Rota Vicentina’
A apropriação, integração, continuidade, renovação e reutilização de antigos cultos e de precedentes san-tuários,
encontra-se amiúde documentada, designadamente por distintos fenómenos de herança natural,
de complexificação social, de contágio cultural, de conquista territorial e de aculturação. Por exemplo, a
Romanização não se traduziu, necessariamente, numa expectável superioridade religiosa – na ‘evangeli-zação’
dos ‘povos bárbaros’. Pelo contrário! A civilização romana acabou por espontaneamente assimilar
inúmeras divindades exóticas, indígenas, que depois de ‘maquilhadas’, num processo de interpretatio,
acabam por conquistar um digno altar no profuso panteão romano, junto dos seus novos pares e de
forma igualitária. Tal já se tinha verificado com os Gregos e voltará a repetir-se, com reverberações bem
mais actuais, com a Cristianização.
Precisamente aqui, em terras do Alandroal, sobre as paisagens do Lucefecit, a investigação arque-ológica,
conduzida por irremediáveis instintos da natureza humana, revelou um extraordinário acto de
fé romana por um deus indígena – o deus Endovélico e o santuário da Rocha da Mina (Calado 1993).
Também na região de Sagres, foram documentados alguns interessantes exemplos de respeitosos
196
reaproveitamentos de monumentos meníricos.
No Padrão (Raposeira), foi registada uma posterior apropriação de um monumento menírico (Fi-gura
2), originalmente pré-histórico, reinvestido na qualidade de ‘guardião’ de duas necrópoles: uma de
Época Romana e outra da Alta Idade Média (Gomes 2011). Enquanto, no topo do Cerro do Camacho
(Vila do Bispo), encontra-se um menir tombado, mas particularmente interessante. Dominante sobre a
paisagem que ‘desagua’ em Sagres, além da decoração pré-histórica, é possível observar um conjunto de
inscrições de épocas mais recentes (Figura 3): uma cruz incisa, outra cruz formada por cinco círculos em
relevo (as cinco chagas de Cristo!), uma data gravada (1644) e uma inscrição onde se pode ler “Lisboa”.
Trata-se, portanto, de um reconduzido monumento pré-histórico que perpassa os tempos, acumulando
mensagens num palimpsesto simbólico, sendo hoje, a mais marcante, aquela que nos remete para o culto
cristão – um ‘menir-cruzeiro’ na ‘rota do Cabo de São Vicente’.
Soares, Ricardo (2014) “Sagres – o Promontorium Sacrum: uma petrificada paisagem sagrada.”
20. 197
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