1. A cidade está deserta,<br />As vozes estão mudas,<br />E o único som que se ouve são as folhas de jornal soltas pela rua e o cantar dos pequenos passarinhos que ainda se sentem livres.<br />Mas a nós, cortaram-nos as asas e tiraram-nos a voz, passaram por cima da nossa dignidade sem sequer quererem saber como é que nos sentíamos.<br />Será que Ainda há espaço para sonhar? Ainda há espaço para um futuro? Ainda há espaço para querer algo que não seja o que quer aquele «Deus»?<br />Levanta-te Povo Português, luta pelos teus ideais, luta por aquilo em que realmente acreditas!<br />Onde ficou a força? Por onde paira a coragem? <br />Vais deixar que te tirem a coisa mais preciosa que um Homem pode ter? Vais deixar que te tirem a tua liberdade?<br />Não, eu não quero mais ouvir falar em exílios ou em presos políticos,<br />Eu não quero mais ouvir falar em filhos sem pais ou em mães que já não aconchegam os filhos nos seus braços,<br />Não, eu não quero mais ouvir dizer «As coisas vão melhorar, amanhã talvez»,<br />Eu não quero mais ouvir falar em fome, em miséria (…)<br />Mas o povo tem medo de demonstrar o seu descontentamento, todos sabem o que lhes pode acontecer se o fizerem.<br />Pára para olhar á tua volta,<br />Os homens vão para as fábricas trabalhar sem saber se voltarão no dia seguinte ou se simplesmente foram despedidos como tantos outros,<br />As mulheres estão em casa a aproveitar isto e aquilo para poder alimentar a família,<br />As crianças estão na escola, famintas e tentam distrair a fome.<br />E nós que dobramos o Cabo das Tormentas? E nós que lutamos contra Romanos e Muçulmanos? E nós que conquistámos terras e terras?<br />Nós já não somos mais um povo audaz? Nós já não somos mais portugueses?<br />Vamos, vamos com a certeza que traremos de volta uma vida melhor,<br />Vamos, vamos com a certeza de que haverá mais do que pão em cima das nossas mesas,<br />Vamos, vamos com a certeza que ainda há uma réstia de esperança para alcançar a felicidade.<br />Não se calem e não deixem outro falar por vocês,<br />Lutem por aquilo que pensam que vale a pena e por aquilo em que realmente acreditam.<br />Ainda podemos fazer os nossos filhos médicos,<br />Ainda podemos provar um bom vinho e jantar descansadamente junto do calor da lareira e junto do aconchego e do conforto da nossa família,<br />Ainda podemos falar sobre o que nos apetecer, sem ter que temer o que virá de seguida. <br />E foi com este pensamento que homens deixaram as suas casas na madrugada de 25 de Abril de 1974,<br />Deixaram o calor da cama e o carinho das esposas sem saber se voltavam,<br />Mães viram partir os filhos sem saber se algum dia beijariam o seu rosto e passariam as mãos pelos caracóis dos seus cabelos de novo,<br />Filhos viram partir os pais sem saber para o que iam mas tinham aquele aperto no coração e as borboletas no estômago «que será tudo isto?»<br />Com o cravo na mão e com a canção no ouvido,<br />Foram estes portugueses que marcharam, que deram tudo por tudo e que soltaram as suas vozes,<br />Foram estes portugueses que fizeram Portugal, Portugal. <br />Jornalistas podem escrever sobre o acham justo,<br />Homens podem ir trabalhar com o sorriso no rosto, com o brilho no olhar e com o sabor da liberdade no coração,<br />Mulheres já não precisam de se preocupar porque terão comida para dar aos filhos,<br />Crianças podem aprender sem ter aquela fome que os desconcentra.<br />Salazar, o povo fez-te frente,<br />O povo destronou-te e destronou todos os que a ti se seguiram e finalmente, finalmente, este povo canta «IGUALDADE, DEMOCRACIA, LIBERDADE»,<br />Ninguém pode parar esta revolução, ninguém pode calar tamanhas vozes, ninguém pode esconder tamanho sentimento!<br />E agora?<br />Agora já há espaço para sonhar, já há espaço para os próprios ideais, já há espaço para o Futuro,<br />Porque ninguém, ninguém pode tirar a dignidade a um Homem e ninguém pode manchar o seu orgulho e abusar da sua integridade!<br />Isto é o verdadeiro significado do 25 de Abril de 1974!<br />E o povo canta, o povo canta com alma, com coração: L I B E R D A D E (…)<br />