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AMKOULLEL, O MENINO FULA 
( ... ) 
Mi héli yooyooo, mi héli.' 
Por que não fiquei surda 
para não ouvir uma notícia tão terrível, 
uma notícia que como uma faca afiada 
arranca minhas sete vísceras? 
Mi héli yooyooo, mi héli! 
Ó, sábado de infortúnio, 
iluminado pot um sol de dor! 
6 sábado de repetição!l6 
Sua noite vai me cobrir com uma sombra 
tão densa quanto a escuridão das entranhas da terra 
onde repousa minha Fánta! 
( ... ) 
Seu lamento, entremeado dos longos gritos de desespero MihéiÍyooyooo ... , 
era de cortar o coração. O velho Tierno Kounta, petrificado pela notícia, acabou 
tendo uma síncope. Meu pai tentou reanimá-lo, mas em vão. 
"Naaba, quem bateu em meu mestre?" perguntei. "Ninguém lhe bateu, ele 
está doente." 
Chamado com urgência, o. ajudante do médico, Baba Tabouré,· examinou 
Tierno Kounta e declarou que não havia ocorrido urna parada cardíaca. Com urna 
massagem respiratória, cónseguiu reanimá-lo. Mas no momento em que começava 
a voltar a si, Tierho Kounta foi tomado por uma violenta contração. Um som desar­ticulado 
escapou de seu peito. Suspirou com força e lançou um jato vermelho de 
sangue pela boca. Fiquei com um medo terrível! Era a primeira vez que via alguém 
vomitar sangue. 
O ancião foi transportado para a casa da primeira esposa, Gabdo Couro. 
Deitaram-no em seu tara, cama de madeira encimada por um colchão de palha, e o 
cobriram com uma manta branca. Ouvi minha mãe dizer a sua co-esposa Diaraw 
Aguibou: "Tierno Kounta não sobreviverá à filha; ele a amava demais. A notícia . 
partiu-lhe o coração". 
Toda a família rodeava o moribundo. Ninguém tinha me afastado. Eu me 
compadecia do estado de meu mestre, que achava bem triste, mas, bem no fundo, 
16. Sábado de repetição: a tradição diz que as coisas que acontecem num sábado em geral 
se repetem. 
144 
O EXÍLIO 
minha nafs, minha alma secreta, sussurrava docemente: "Daqui por diante você 
.estará livre para brincar todo dia com Sirman e seus outros companheiros. A doença 
. de Tierno Kounta significa liberdade para você ... " 
Trouxeram Danfo Siné. Ele espalhou pelo chão na cabeceira do doente uma 
camada de areia fina e nela imprimiu signos que estudou por muito tempo. 
· Mordiscando o lábio inferior, balançou pensativo a cabeça e olhou longamente meu 
pai; então se levantou e o levou para fora. Passado um tempo, Batoma veio dizer 
discretamente a minha mãe:" Na aba disse que Danfo Siné não dá mais do que duas 
semanas de vida a Tierno Kounta, três no máximo; mas é preciso esconder esta má 
notícia de suas mulheres". 
Minha mãe esforçou-se por acalmar as esposas de Tierno Kounta com pala­vras 
de conforto e esperança. 
Durante algum tempo as coisas prosseguiram normalmente na casa, sem 
entusiasmo. As mulheres de Tierno Kounta, para melhor dar assistência ao marido, 
pararam de chorar. Elas esqueceram um pouco Fanta, que podia, enfim, dormir 
tranqüila em seu túmulo. Não se diz que as lágrimas e os gritos impedem ao defun­to 
dormir em paz e estorvam sua ascenção, lembrando-lhe os apegos e emoções dos 
. _ quais tem de se liberar? Por isso é que se aconselha, entre os muçulmanos, a não 
rezar com lágrimas para alguém que faleceu, mas com um coração cheio de paz, 
amor e confiança. 
Os cuidados e remédios dispensados por Danfo Siné não surtiram efeito. 
Meu pai foi à casa. do comandante de Courcelles para informá-lo do estado de saúde 
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disse o comandante. "Pedirei que vá visitar e tratar seu doente." No dia seguinte, no 
final da manhã, o branco se apresentou em nossa casa. Para recebê-lo, levantamos 
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me encheram de espanto. Primeiro examinou as mãos, os olhos, a língua, as orelhas 
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esquerda bem aberta sobre a toalha e com o indicador direito dobrado batia de leve 
sobre a mão, ao mesmo tempo em que a deslocava em todos os sentidos sobre as 
costas do'doente. Pediu a Tierno Kouiüà que respirasse fundo muitas vezes e man­dou- 
o tossir. Escutou atento. A seguir deitou-o de costas, apalpou-lhe o ventre e o fez 
dobrar e desdobrar as pernas várias vezes. 
145
A M 1 i 11 I H i i I • 11 I, A 
e foi Í I Í I Í I I I I I >(>' • « •• •» • | IMM rlirfluilit ilo "subtenente" Abdelkader 
Miidciiilirt ' | • lithftiti Ill • ,i lUimnniIIng, c devia permanecer no segundo regi- 
I I X M I I M IIM mlllh nln ! Iitilit |iiiir |)Oit(!i'iiV acontecer ao primeiro-sargento! Assim, o 
rw min .|ii. havia I I I M I I I I I I linilnlmen te e maltratado à vontade era agora subtenente, 
!• nlnilrt |nii i Iniíi MON qiuidros franceses, enquanto ele, Fadiala Keita, continuava a 
ilr.li Ilmlr rnrla.4 c pacotes às mulheres! E continuava primeiro-sargento de artilha-l 
i i , quer dizer, duplamente inferior a Abdelkader, em graduação e no corpo a 
que pertencia. 
Muito contrariado, deixou o local antes do fim da reunião e foi direto para o 
correio buscar a correspondência. Eu caminhava atrás dele. Ele estava tão transtor­nado, 
que o encarregado de receber a correspondência me perguntou, discreta­mente, 
se o primeiro-sargento-"não tinha ficado louco de repente". De lá, foi para a 
praça da cidade onde costumávamos distribuir o correio instalados numa mesa. 
Com um gesto brusco, o primeiro-sargento me jogou os pacotes de cartas: "Cha­me! 
..." Comecei a chamar em voz alta os nomes escritos nos envelopes: "Aminata 
Traoré... Kadia Boré... Naa Diana... Koumba So..." Cada vez mais irritado, ele 
bateu na mesa vociferando: "Você me enche o sa... com essa voz fininha que me 
fura os tímpanos..." Abaixei o tom de voz, esf orçando-me em torná-la o mais grave 
possível: "DenmKoné... AlssataDiallo... KoumbaCoulibaly..." 
"E agora está me gozando, falando neste tom cavernoso! Saia daqui! Vá para 
o inferno! Não quero mais vê-lo aqui até a semana que vem!" Para grande surpresa 
das mulheres, pegou todas as cartas, inclusive as que já tinham sido entregues a 
suas destinatárias. "Suspendo a distribuição da correspondência até a semana que 
vem", exclamou. "Eu sou o primeiro-sargento e faço o que bem entendo!" 
As mulheres entreolharam-se surpresas! Ora! Que má notícia poderia ter 
recebido o primeiro-sargento para estar tão raivoso contra todo mundo? Devia ser 
algo bem' desagradável, para fazer mudar o humor de um homem normalmente 
tão paciente e jovial com elas! 
Uma semana antes da chegada a Kati do subtenente Abdelkader Mademba, 
o primeiro-sargento foi se abrir com meu pai, que considerava um amigo e bom 
conselheiro. Temia que o subtenente Abdelkader lhe fizesse sofrer represálias devi­do 
ao tratamento que lhe infligira, porque, se fosse o caso, Fadiala Keita não poderia 
ficar sem reagir e haveria um drama. 
Meu pai levou-o à casa do sargento-brigada Mara Diallo, responsável pelo 
.campo, a quem expôs o problema. Quando acabou de falar, Fadiala interveio: "Meu 
sargento-brigada, dou minha palavra de malinquê descendente deSòundiata Keita 
ao homem fula que você é, que se porventura Abdelkader Mademba tentar me 
. 3 0 2 
K A T I , A C I D A D E M I L I T AR 
fazer pagar a punição que lhe infligi, eu o matarei e depois me suicidarei. Juro pelas 
almas de meus ancestrais, a começar pelo imperador Soundiata". 
O sargento-brigada Mara Diallo assegurou a Fadiala que iria refletir sobre a 
questão e o mandou de volta para casa. Em seguida, conversou Um longo tempo 
com meu pai. Afinal, este o aconselhou a intervir junto a seus superiores em favor 
do primeiro-sargento, expondo-lhes os perigos de um confronto entre os dois ho­mens. 
O sargento-brigada passou a questão para o capitão de Lavalée, que julgou 
melhor informar o próprio coronel Molard. A fim de evitar qualquer incidente, 
Molard decidiu que, durante a estada do subtenente Abdelkader Mademba, o pri­meiro- 
sargento Fadiala Keita seria enviado em missão de recrutamento e treina­mento 
a Uagadugu (atual Burkina Fasso). 
Assim que o primeiro-sargento recebeu a notícia, recuperou o bom humor e 
pediu perdão a todos e todas que havia injustamente maltratado durante sua crise: 
"Fiquei meio louco", dizia para se desculpar. Ele partiu para Uagadugu via Bamako, 
no mesmo trem do qual acabara de descer vindo de Dakar o subtenente Abdelkader 
Mademba. Este ficou uma semana em Kati, depois foi para S.egu organizar seus 
negócios e em seguida dirigiu-se a Sansanding onde deveria passar o resto da 
licença com a família. O primeiro-sargento Fadiala Keita voltou a Kati para treinar 
seu contingente de recrutas. 
Como o término do período de treinamento coincidia com o retorno de 
Abdelkader, desta vez o primeiro-sargento foi enviado a Dori (atual Burkina Fasso), 
em nova missão de recrutamento. Assim, Abdelkader retornou a Kati durante sua 
ausência. Três dias depois, partia para juntar-se a seu regimento e ir para a frente, 
onde a guerra fervia. A França estava em apuros. Abdelkader, valentão inveterado, 
era voluntário em todas as missões mais arriscadas. 
Uma vez mais, q primeiro-sargento Fadiala Keita trouxe seu contingente de 
novos recrutas a Kati e retomou tranquilamente sua dupla função de instrutor e de 
vagomestre, com este vosso servidor como auxiliar. Todo mundo estava aliviado. O 
pequeno jogo de vaivém tinha funcionado às mil maravilhas e nada parecia poder 
reunir os dois homens por um bom tempo. Prosseguimos com nossa rotinazinha. 
Não podíamos prever a virada dos acontecimentos na África com a chegada, 
em fevereiro de 1918, de Blaise Diagne, único deputado negro do Parlamento fran­cês 
(nascido em Goré, ele era cidadão francês com plenos direitos), encarregado pelo 
governo francês de promover, na África do oeste, um grande recrutamento de 
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O governo francês tinha pedido ao então governador geral da A.O.F., Joost 
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3 0 3
Bâ, Amadou Hampâté. “Amkoullel, o menino fula”. São Paulo. Pallas Athena Casa das Áfricas, 2003.
Bâ, Amadou Hampâté. “Amkoullel, o menino fula”. São Paulo. Pallas Athena Casa das Áfricas, 2003.
Bâ, Amadou Hampâté. “Amkoullel, o menino fula”. São Paulo. Pallas Athena Casa das Áfricas, 2003.
Bâ, Amadou Hampâté. “Amkoullel, o menino fula”. São Paulo. Pallas Athena Casa das Áfricas, 2003.
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Bâ, Amadou Hampâté. “Amkoullel, o menino fula”. São Paulo. Pallas Athena Casa das Áfricas, 2003.

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  • 69. AMKOULLEL, O MENINO FULA ( ... ) Mi héli yooyooo, mi héli.' Por que não fiquei surda para não ouvir uma notícia tão terrível, uma notícia que como uma faca afiada arranca minhas sete vísceras? Mi héli yooyooo, mi héli! Ó, sábado de infortúnio, iluminado pot um sol de dor! 6 sábado de repetição!l6 Sua noite vai me cobrir com uma sombra tão densa quanto a escuridão das entranhas da terra onde repousa minha Fánta! ( ... ) Seu lamento, entremeado dos longos gritos de desespero MihéiÍyooyooo ... , era de cortar o coração. O velho Tierno Kounta, petrificado pela notícia, acabou tendo uma síncope. Meu pai tentou reanimá-lo, mas em vão. "Naaba, quem bateu em meu mestre?" perguntei. "Ninguém lhe bateu, ele está doente." Chamado com urgência, o. ajudante do médico, Baba Tabouré,· examinou Tierno Kounta e declarou que não havia ocorrido urna parada cardíaca. Com urna massagem respiratória, cónseguiu reanimá-lo. Mas no momento em que começava a voltar a si, Tierho Kounta foi tomado por uma violenta contração. Um som desar­ticulado escapou de seu peito. Suspirou com força e lançou um jato vermelho de sangue pela boca. Fiquei com um medo terrível! Era a primeira vez que via alguém vomitar sangue. O ancião foi transportado para a casa da primeira esposa, Gabdo Couro. Deitaram-no em seu tara, cama de madeira encimada por um colchão de palha, e o cobriram com uma manta branca. Ouvi minha mãe dizer a sua co-esposa Diaraw Aguibou: "Tierno Kounta não sobreviverá à filha; ele a amava demais. A notícia . partiu-lhe o coração". Toda a família rodeava o moribundo. Ninguém tinha me afastado. Eu me compadecia do estado de meu mestre, que achava bem triste, mas, bem no fundo, 16. Sábado de repetição: a tradição diz que as coisas que acontecem num sábado em geral se repetem. 144 O EXÍLIO minha nafs, minha alma secreta, sussurrava docemente: "Daqui por diante você .estará livre para brincar todo dia com Sirman e seus outros companheiros. A doença . de Tierno Kounta significa liberdade para você ... " Trouxeram Danfo Siné. Ele espalhou pelo chão na cabeceira do doente uma camada de areia fina e nela imprimiu signos que estudou por muito tempo. · Mordiscando o lábio inferior, balançou pensativo a cabeça e olhou longamente meu pai; então se levantou e o levou para fora. Passado um tempo, Batoma veio dizer discretamente a minha mãe:" Na aba disse que Danfo Siné não dá mais do que duas semanas de vida a Tierno Kounta, três no máximo; mas é preciso esconder esta má notícia de suas mulheres". Minha mãe esforçou-se por acalmar as esposas de Tierno Kounta com pala­vras de conforto e esperança. Durante algum tempo as coisas prosseguiram normalmente na casa, sem entusiasmo. As mulheres de Tierno Kounta, para melhor dar assistência ao marido, pararam de chorar. Elas esqueceram um pouco Fanta, que podia, enfim, dormir tranqüila em seu túmulo. Não se diz que as lágrimas e os gritos impedem ao defun­to dormir em paz e estorvam sua ascenção, lembrando-lhe os apegos e emoções dos . _ quais tem de se liberar? Por isso é que se aconselha, entre os muçulmanos, a não rezar com lágrimas para alguém que faleceu, mas com um coração cheio de paz, amor e confiança. Os cuidados e remédios dispensados por Danfo Siné não surtiram efeito. Meu pai foi à casa. do comandante de Courcelles para informá-lo do estado de saúde de seu companheiro. "Um curandeiro branco deve passar amarihã por Buguni", disse o comandante. "Pedirei que vá visitar e tratar seu doente." No dia seguinte, no final da manhã, o branco se apresentou em nossa casa. Para recebê-lo, levantamos e ajeitamos Tierno Kour.ta, que sentamos na cama com as costas ap~iadas em almo­fadas, sustentado pela mulher. O "curandeiro branco" era o segundo toubab que eu podia observar de perto. Seus gestos, que em nada se pareciam aos de nossos curandeiros tradicionais, me encheram de espanto. Primeiro examinou as mãos, os olhos, a língua, as orelhas e os pés do doente. Em seguida, colocou-lhe uma toalha nas costas. Pousou a mão esquerda bem aberta sobre a toalha e com o indicador direito dobrado batia de leve sobre a mão, ao mesmo tempo em que a deslocava em todos os sentidos sobre as costas do'doente. Pediu a Tierno Kouiüà que respirasse fundo muitas vezes e man­dou- o tossir. Escutou atento. A seguir deitou-o de costas, apalpou-lhe o ventre e o fez dobrar e desdobrar as pernas várias vezes. 145
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  • 148. A M 1 i 11 I H i i I • 11 I, A e foi Í I Í I Í I I I I I >(>' • « •• •» • | IMM rlirfluilit ilo "subtenente" Abdelkader Miidciiilirt ' | • lithftiti Ill • ,i lUimnniIIng, c devia permanecer no segundo regi- I I X M I I M IIM mlllh nln ! Iitilit |iiiir |)Oit(!i'iiV acontecer ao primeiro-sargento! Assim, o rw min .|ii. havia I I I M I I I I I I linilnlmen te e maltratado à vontade era agora subtenente, !• nlnilrt |nii i Iniíi MON qiuidros franceses, enquanto ele, Fadiala Keita, continuava a ilr.li Ilmlr rnrla.4 c pacotes às mulheres! E continuava primeiro-sargento de artilha-l i i , quer dizer, duplamente inferior a Abdelkader, em graduação e no corpo a que pertencia. Muito contrariado, deixou o local antes do fim da reunião e foi direto para o correio buscar a correspondência. Eu caminhava atrás dele. Ele estava tão transtor­nado, que o encarregado de receber a correspondência me perguntou, discreta­mente, se o primeiro-sargento-"não tinha ficado louco de repente". De lá, foi para a praça da cidade onde costumávamos distribuir o correio instalados numa mesa. Com um gesto brusco, o primeiro-sargento me jogou os pacotes de cartas: "Cha­me! ..." Comecei a chamar em voz alta os nomes escritos nos envelopes: "Aminata Traoré... Kadia Boré... Naa Diana... Koumba So..." Cada vez mais irritado, ele bateu na mesa vociferando: "Você me enche o sa... com essa voz fininha que me fura os tímpanos..." Abaixei o tom de voz, esf orçando-me em torná-la o mais grave possível: "DenmKoné... AlssataDiallo... KoumbaCoulibaly..." "E agora está me gozando, falando neste tom cavernoso! Saia daqui! Vá para o inferno! Não quero mais vê-lo aqui até a semana que vem!" Para grande surpresa das mulheres, pegou todas as cartas, inclusive as que já tinham sido entregues a suas destinatárias. "Suspendo a distribuição da correspondência até a semana que vem", exclamou. "Eu sou o primeiro-sargento e faço o que bem entendo!" As mulheres entreolharam-se surpresas! Ora! Que má notícia poderia ter recebido o primeiro-sargento para estar tão raivoso contra todo mundo? Devia ser algo bem' desagradável, para fazer mudar o humor de um homem normalmente tão paciente e jovial com elas! Uma semana antes da chegada a Kati do subtenente Abdelkader Mademba, o primeiro-sargento foi se abrir com meu pai, que considerava um amigo e bom conselheiro. Temia que o subtenente Abdelkader lhe fizesse sofrer represálias devi­do ao tratamento que lhe infligira, porque, se fosse o caso, Fadiala Keita não poderia ficar sem reagir e haveria um drama. Meu pai levou-o à casa do sargento-brigada Mara Diallo, responsável pelo .campo, a quem expôs o problema. Quando acabou de falar, Fadiala interveio: "Meu sargento-brigada, dou minha palavra de malinquê descendente deSòundiata Keita ao homem fula que você é, que se porventura Abdelkader Mademba tentar me . 3 0 2 K A T I , A C I D A D E M I L I T AR fazer pagar a punição que lhe infligi, eu o matarei e depois me suicidarei. Juro pelas almas de meus ancestrais, a começar pelo imperador Soundiata". O sargento-brigada Mara Diallo assegurou a Fadiala que iria refletir sobre a questão e o mandou de volta para casa. Em seguida, conversou Um longo tempo com meu pai. Afinal, este o aconselhou a intervir junto a seus superiores em favor do primeiro-sargento, expondo-lhes os perigos de um confronto entre os dois ho­mens. O sargento-brigada passou a questão para o capitão de Lavalée, que julgou melhor informar o próprio coronel Molard. A fim de evitar qualquer incidente, Molard decidiu que, durante a estada do subtenente Abdelkader Mademba, o pri­meiro- sargento Fadiala Keita seria enviado em missão de recrutamento e treina­mento a Uagadugu (atual Burkina Fasso). Assim que o primeiro-sargento recebeu a notícia, recuperou o bom humor e pediu perdão a todos e todas que havia injustamente maltratado durante sua crise: "Fiquei meio louco", dizia para se desculpar. Ele partiu para Uagadugu via Bamako, no mesmo trem do qual acabara de descer vindo de Dakar o subtenente Abdelkader Mademba. Este ficou uma semana em Kati, depois foi para S.egu organizar seus negócios e em seguida dirigiu-se a Sansanding onde deveria passar o resto da licença com a família. O primeiro-sargento Fadiala Keita voltou a Kati para treinar seu contingente de recrutas. Como o término do período de treinamento coincidia com o retorno de Abdelkader, desta vez o primeiro-sargento foi enviado a Dori (atual Burkina Fasso), em nova missão de recrutamento. Assim, Abdelkader retornou a Kati durante sua ausência. Três dias depois, partia para juntar-se a seu regimento e ir para a frente, onde a guerra fervia. A França estava em apuros. Abdelkader, valentão inveterado, era voluntário em todas as missões mais arriscadas. Uma vez mais, q primeiro-sargento Fadiala Keita trouxe seu contingente de novos recrutas a Kati e retomou tranquilamente sua dupla função de instrutor e de vagomestre, com este vosso servidor como auxiliar. Todo mundo estava aliviado. O pequeno jogo de vaivém tinha funcionado às mil maravilhas e nada parecia poder reunir os dois homens por um bom tempo. Prosseguimos com nossa rotinazinha. Não podíamos prever a virada dos acontecimentos na África com a chegada, em fevereiro de 1918, de Blaise Diagne, único deputado negro do Parlamento fran­cês (nascido em Goré, ele era cidadão francês com plenos direitos), encarregado pelo governo francês de promover, na África do oeste, um grande recrutamento de tropas negras, de que a França precisava desesperadamente. • O governo francês tinha pedido ao então governador geral da A.O.F., Joost Van Vollenhoven, que procedesse a um intenso recrutamento de no mínimo setenta 3 0 3