1) O menino narra a morte de seu mestre Tierno Kounta, que falece após receber a notícia da morte de sua filha Fanta.
2) Um médico branco examina Tierno Kounta, mas não consegue salvá-lo.
3) O menino descreve os sentimentos contraditórios que tem sobre a doença e morte de seu mestre.
Bâ, Amadou Hampâté. “Amkoullel, o menino fula”. São Paulo. Pallas Athena Casa das Áfricas, 2003.
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69. AMKOULLEL, O MENINO FULA
( ... )
Mi héli yooyooo, mi héli.'
Por que não fiquei surda
para não ouvir uma notícia tão terrível,
uma notícia que como uma faca afiada
arranca minhas sete vísceras?
Mi héli yooyooo, mi héli!
Ó, sábado de infortúnio,
iluminado pot um sol de dor!
6 sábado de repetição!l6
Sua noite vai me cobrir com uma sombra
tão densa quanto a escuridão das entranhas da terra
onde repousa minha Fánta!
( ... )
Seu lamento, entremeado dos longos gritos de desespero MihéiÍyooyooo ... ,
era de cortar o coração. O velho Tierno Kounta, petrificado pela notícia, acabou
tendo uma síncope. Meu pai tentou reanimá-lo, mas em vão.
"Naaba, quem bateu em meu mestre?" perguntei. "Ninguém lhe bateu, ele
está doente."
Chamado com urgência, o. ajudante do médico, Baba Tabouré,· examinou
Tierno Kounta e declarou que não havia ocorrido urna parada cardíaca. Com urna
massagem respiratória, cónseguiu reanimá-lo. Mas no momento em que começava
a voltar a si, Tierho Kounta foi tomado por uma violenta contração. Um som desarticulado
escapou de seu peito. Suspirou com força e lançou um jato vermelho de
sangue pela boca. Fiquei com um medo terrível! Era a primeira vez que via alguém
vomitar sangue.
O ancião foi transportado para a casa da primeira esposa, Gabdo Couro.
Deitaram-no em seu tara, cama de madeira encimada por um colchão de palha, e o
cobriram com uma manta branca. Ouvi minha mãe dizer a sua co-esposa Diaraw
Aguibou: "Tierno Kounta não sobreviverá à filha; ele a amava demais. A notícia .
partiu-lhe o coração".
Toda a família rodeava o moribundo. Ninguém tinha me afastado. Eu me
compadecia do estado de meu mestre, que achava bem triste, mas, bem no fundo,
16. Sábado de repetição: a tradição diz que as coisas que acontecem num sábado em geral
se repetem.
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O EXÍLIO
minha nafs, minha alma secreta, sussurrava docemente: "Daqui por diante você
.estará livre para brincar todo dia com Sirman e seus outros companheiros. A doença
. de Tierno Kounta significa liberdade para você ... "
Trouxeram Danfo Siné. Ele espalhou pelo chão na cabeceira do doente uma
camada de areia fina e nela imprimiu signos que estudou por muito tempo.
· Mordiscando o lábio inferior, balançou pensativo a cabeça e olhou longamente meu
pai; então se levantou e o levou para fora. Passado um tempo, Batoma veio dizer
discretamente a minha mãe:" Na aba disse que Danfo Siné não dá mais do que duas
semanas de vida a Tierno Kounta, três no máximo; mas é preciso esconder esta má
notícia de suas mulheres".
Minha mãe esforçou-se por acalmar as esposas de Tierno Kounta com palavras
de conforto e esperança.
Durante algum tempo as coisas prosseguiram normalmente na casa, sem
entusiasmo. As mulheres de Tierno Kounta, para melhor dar assistência ao marido,
pararam de chorar. Elas esqueceram um pouco Fanta, que podia, enfim, dormir
tranqüila em seu túmulo. Não se diz que as lágrimas e os gritos impedem ao defunto
dormir em paz e estorvam sua ascenção, lembrando-lhe os apegos e emoções dos
. _ quais tem de se liberar? Por isso é que se aconselha, entre os muçulmanos, a não
rezar com lágrimas para alguém que faleceu, mas com um coração cheio de paz,
amor e confiança.
Os cuidados e remédios dispensados por Danfo Siné não surtiram efeito.
Meu pai foi à casa. do comandante de Courcelles para informá-lo do estado de saúde
de seu companheiro. "Um curandeiro branco deve passar amarihã por Buguni",
disse o comandante. "Pedirei que vá visitar e tratar seu doente." No dia seguinte, no
final da manhã, o branco se apresentou em nossa casa. Para recebê-lo, levantamos
e ajeitamos Tierno Kour.ta, que sentamos na cama com as costas ap~iadas em almofadas,
sustentado pela mulher.
O "curandeiro branco" era o segundo toubab que eu podia observar de
perto. Seus gestos, que em nada se pareciam aos de nossos curandeiros tradicionais,
me encheram de espanto. Primeiro examinou as mãos, os olhos, a língua, as orelhas
e os pés do doente. Em seguida, colocou-lhe uma toalha nas costas. Pousou a mão
esquerda bem aberta sobre a toalha e com o indicador direito dobrado batia de leve
sobre a mão, ao mesmo tempo em que a deslocava em todos os sentidos sobre as
costas do'doente. Pediu a Tierno Kouiüà que respirasse fundo muitas vezes e mandou-
o tossir. Escutou atento. A seguir deitou-o de costas, apalpou-lhe o ventre e o fez
dobrar e desdobrar as pernas várias vezes.
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rw min .|ii. havia I I I M I I I I I I linilnlmen te e maltratado à vontade era agora subtenente,
!• nlnilrt |nii i Iniíi MON qiuidros franceses, enquanto ele, Fadiala Keita, continuava a
ilr.li Ilmlr rnrla.4 c pacotes às mulheres! E continuava primeiro-sargento de artilha-l
i i , quer dizer, duplamente inferior a Abdelkader, em graduação e no corpo a
que pertencia.
Muito contrariado, deixou o local antes do fim da reunião e foi direto para o
correio buscar a correspondência. Eu caminhava atrás dele. Ele estava tão transtornado,
que o encarregado de receber a correspondência me perguntou, discretamente,
se o primeiro-sargento-"não tinha ficado louco de repente". De lá, foi para a
praça da cidade onde costumávamos distribuir o correio instalados numa mesa.
Com um gesto brusco, o primeiro-sargento me jogou os pacotes de cartas: "Chame!
..." Comecei a chamar em voz alta os nomes escritos nos envelopes: "Aminata
Traoré... Kadia Boré... Naa Diana... Koumba So..." Cada vez mais irritado, ele
bateu na mesa vociferando: "Você me enche o sa... com essa voz fininha que me
fura os tímpanos..." Abaixei o tom de voz, esf orçando-me em torná-la o mais grave
possível: "DenmKoné... AlssataDiallo... KoumbaCoulibaly..."
"E agora está me gozando, falando neste tom cavernoso! Saia daqui! Vá para
o inferno! Não quero mais vê-lo aqui até a semana que vem!" Para grande surpresa
das mulheres, pegou todas as cartas, inclusive as que já tinham sido entregues a
suas destinatárias. "Suspendo a distribuição da correspondência até a semana que
vem", exclamou. "Eu sou o primeiro-sargento e faço o que bem entendo!"
As mulheres entreolharam-se surpresas! Ora! Que má notícia poderia ter
recebido o primeiro-sargento para estar tão raivoso contra todo mundo? Devia ser
algo bem' desagradável, para fazer mudar o humor de um homem normalmente
tão paciente e jovial com elas!
Uma semana antes da chegada a Kati do subtenente Abdelkader Mademba,
o primeiro-sargento foi se abrir com meu pai, que considerava um amigo e bom
conselheiro. Temia que o subtenente Abdelkader lhe fizesse sofrer represálias devido
ao tratamento que lhe infligira, porque, se fosse o caso, Fadiala Keita não poderia
ficar sem reagir e haveria um drama.
Meu pai levou-o à casa do sargento-brigada Mara Diallo, responsável pelo
.campo, a quem expôs o problema. Quando acabou de falar, Fadiala interveio: "Meu
sargento-brigada, dou minha palavra de malinquê descendente deSòundiata Keita
ao homem fula que você é, que se porventura Abdelkader Mademba tentar me
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K A T I , A C I D A D E M I L I T AR
fazer pagar a punição que lhe infligi, eu o matarei e depois me suicidarei. Juro pelas
almas de meus ancestrais, a começar pelo imperador Soundiata".
O sargento-brigada Mara Diallo assegurou a Fadiala que iria refletir sobre a
questão e o mandou de volta para casa. Em seguida, conversou Um longo tempo
com meu pai. Afinal, este o aconselhou a intervir junto a seus superiores em favor
do primeiro-sargento, expondo-lhes os perigos de um confronto entre os dois homens.
O sargento-brigada passou a questão para o capitão de Lavalée, que julgou
melhor informar o próprio coronel Molard. A fim de evitar qualquer incidente,
Molard decidiu que, durante a estada do subtenente Abdelkader Mademba, o primeiro-
sargento Fadiala Keita seria enviado em missão de recrutamento e treinamento
a Uagadugu (atual Burkina Fasso).
Assim que o primeiro-sargento recebeu a notícia, recuperou o bom humor e
pediu perdão a todos e todas que havia injustamente maltratado durante sua crise:
"Fiquei meio louco", dizia para se desculpar. Ele partiu para Uagadugu via Bamako,
no mesmo trem do qual acabara de descer vindo de Dakar o subtenente Abdelkader
Mademba. Este ficou uma semana em Kati, depois foi para S.egu organizar seus
negócios e em seguida dirigiu-se a Sansanding onde deveria passar o resto da
licença com a família. O primeiro-sargento Fadiala Keita voltou a Kati para treinar
seu contingente de recrutas.
Como o término do período de treinamento coincidia com o retorno de
Abdelkader, desta vez o primeiro-sargento foi enviado a Dori (atual Burkina Fasso),
em nova missão de recrutamento. Assim, Abdelkader retornou a Kati durante sua
ausência. Três dias depois, partia para juntar-se a seu regimento e ir para a frente,
onde a guerra fervia. A França estava em apuros. Abdelkader, valentão inveterado,
era voluntário em todas as missões mais arriscadas.
Uma vez mais, q primeiro-sargento Fadiala Keita trouxe seu contingente de
novos recrutas a Kati e retomou tranquilamente sua dupla função de instrutor e de
vagomestre, com este vosso servidor como auxiliar. Todo mundo estava aliviado. O
pequeno jogo de vaivém tinha funcionado às mil maravilhas e nada parecia poder
reunir os dois homens por um bom tempo. Prosseguimos com nossa rotinazinha.
Não podíamos prever a virada dos acontecimentos na África com a chegada,
em fevereiro de 1918, de Blaise Diagne, único deputado negro do Parlamento francês
(nascido em Goré, ele era cidadão francês com plenos direitos), encarregado pelo
governo francês de promover, na África do oeste, um grande recrutamento de
tropas negras, de que a França precisava desesperadamente. •
O governo francês tinha pedido ao então governador geral da A.O.F., Joost
Van Vollenhoven, que procedesse a um intenso recrutamento de no mínimo setenta
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