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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE LONDRINA
CENTRO DE LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS
D E P A R T A M E N T O D E H I S T Ó R I A
L A B O R A T Ó R I O D E E N S I N O D E H I S T Ó R I A
T E X T O S D I D Á T I C O S
HISTÓRIA DA AMÉRICA
2 0 0 4
2
Arias Neto, José Miguel, org.
Textos didáticos - História da América. Curitiba : 2004, 47 p.
Bibliografia.
ISBN 85.86534.56-0
1. História da América ; 2. Textos didáticos
I. Título
Ficha Catalográfica
Copyright ©2004 by Laboratório de ensino de História - HIS - CLCH - UEL
Capa: Codex Mendoza
2004
Todos os direitos desta edição estão reservados à
Casa Editorial Tetravento Ltda.
CNPJ 02.615.734/0001-00
R. XV de Novembro, 1222 - 204
80060-010 - Curitiba - PR
Fax (041) 362-2198
e-mail: aosquatroventos@yahoo.com.br
3
SUMÁRIO
Agradecimentos .................................................. 05
Apresentação ...................................................... 07
Formas de repartição da terra entre os Incas
(Garcilaso de la Vega)
Fábio Siqueira Batista ......................................... 11
Entre a cruz e a espada: sociedades de sacrifício e
sociedades de massacre
Maria José de Melo Prado e Silvia Varela ............. 19
Bartolomé de Las Casas e os índios: o visionário
das “Américas”
Fábio Jesus de Lima ............................................ 25
Análise da questão do outro na conquista da
América por Tzvetan Todorov
Cristiano da Veiga Sambatti
e Edmar Everson Alves ........................................ 33
Labéus da conquista espanhola
Wander de Lara Proença ...................................... 37
Notas ...................................................................... 45
4
5
AGRADECIMENTOS
Este trabalho é produto do esforço conjunto de alu-
nos e professores do curso de História da Universidade
Estadual de Londrina. Assim, gostaria de registrar os
seguintes agradecimentos:
aos meus colegas do Laboratório de Ensino de His-
tória, que tão bem acolheram a idéia e, em particular à
profa. Marlene Rosa Cainelli, coordenadora do mesmo,
pelo apoio;
à professora Sônia Adum que colaborou na indica-
ção e seleção dos trabalhos aqui apresentados;
aos alunos, pela dedicação e esforço empregados
na reformulação e correção dos trabalhos;
especialmente à Maria José de Melo Prado e Fábio
Jesus de Lima que trabalharam muito para que esta
coletânea se tornasse uma realidade.
Londrina, Primavera de 1997
José Miguel Arias Neto
6
7
APRESENTAÇÃO
José Miguel Arias Neto1
Ao longo do curso de graduação, os alunos do cur-
so de História realizam vários trabalhos com o propósito
de avaliação de seu desempenho. Encerrado o ano leti-
vo os mesmos são a eles devolvidos, permanecendo, por-
tanto, no restrito âmbito da relação professor-aluno. No
entanto, muitos destes trabalhos são de ótima qualida-
de e podem servir de algum modo a professores e alunos
de 1º e 2º graus.
Essa coletânea nasceu dessa preocupação, ou seja,
de tornar utilizável - para a rede pública de ensino - o
trabalho que vem sendo desenvolvido pelos alunos da
Universidade de Londrina na área de História da Améri-
ca, no ano de 1996. Foram reunidos cinco bons traba-
lhos de diferentes origens: análises de documentos, re-
senhas, relatórios de seminários, provas e trabalhos fi-
nais.
Assim, também as contribuições que oferecem são
de diferentes níveis: alguns podem ser utilizados em sala
de aula, outros pretendem provocar reflexões sobre de-
terminadas questões que afligem o século XX. A inven-
ção da América2
fundou o mundo moderno3
e, a
historiografia que trata do tema permanece ainda por
demais eurocêntrica.
Aliás este parece ser uma marca dos estudos e do
ensino de História do e no Brasil: ao contrário dos Esta-
dos Unidos ou do México, onde o continente é profun-
damente investigado, permanece-se aqui de frente para
a Europa e de costas para a América. Tudo se passa
como se não houvesse relação entre a América portu-
guesa e os países de colonização hispânica e anglo-
saxônica.
8
Os trabalhos aqui apresentados demonstram que
a investigação da conquista e colonização da América é
fundamental para a compreensão da modernidade fun-
dada no século XVI e que, as problemáticas que emergi-
ram deste contato entre civilizações tão distintas estão
presentes nos dias atuais.
A problemática consolidação das democracias do
continente, o desrespeito à diversidade cultural que ca-
racteriza a América, a difícil implementação dos direitos
humanos bem como a contínua violação dos mesmos
são marcas da violência, da intolerância e da
incompreensão em relação ao outro, seja este mulher,
negro ou indígena.
O esforço dos alunos obedeceu às reflexões de
Tzvetan Todorov, quando este afirma que o conhecimen-
to pode conduzir à compreensão e à comunicação não-
violenta. Este programa está vinculado à uma concep-
ção de democracia como formação social e não apenas
como regime político4
, cujo fundamento parte da consi-
deração de que os homens são iguais em direitos,
mas diferentes do ponto de vista de sua formação cultu-
ral, religiosa , etc., e que, essa diversidade, ao invés de
separar e isolar os homens deveria enriquecer a socie-
dade e a cultura humana. Neste sentido a democracia
só pode existir do jogo destes dois princípios: a igualda-
de e a diferença.
A radicalização de qualquer um dos pólos desta
relação, conduziu e conduz às tragédias, das quais a
História está repleta. A pretensão de uma igualdade total
implica em um ideal de uniformidade totalitária: trata-
se de reduzir o outro à sua própria imagem. Quando os
missionários construíram as reduções, o objetivo era
exatamente este: reduzir os indígenas à fé cristã. A
Inquisição, o Terror na Revolução Francesa, o Nazismo,
o Stalinismo são outros exemplos de tentativas de
uniformização dos homens. A uniformidade conduz ao
extermínio e massacre dos diferentes. Não é fruto do
9
simples acaso o fato de que as ditaduras e as formas
totalitárias, de esquerda e de direita, sejam similares e
tenham o terror como fundamento da política5
.
Por outro lado, colocar a ênfase no princípio da
diferença, implica, quase sempre, em uma hierarquização
das sociedades, o que significaria dizer, por exemplo,
que os homens são superiores às mulheres, os brancos
aos negros ou aos índios, e que, portanto, são portado-
res de direitos e deveres diferenciados: o apartheid na
África do Sul é um exemplo da desigualdade transfor-
mada em fundamento de instituições políticas. O Bra-
sil, por outro lado, ostenta o orgulho de ser uma demo-
cracia racial, o que é, na verdade, um discurso conser-
vador. Este campeão das injustiças sociais - como ob-
serva Hobsbawn6
- pode ser caracterizado como uma
África do Sul sem apartheid - “isto é, uma sociedade sem
a segregação racial imposta pelo Estado e, não obstante,
afligida por extrema desigualdade racial”7
. Também o
princípio da desigualdade conduz ao massacre e ao ex-
termínio.
Vale recordar duas Histórias igualmente terríveis.
A primeira delas, narrada por Diego de Landa na
Relación de las cosas de Yucatán, e citada por Tzvetan
Todorov, é a seguinte: “ O capitão Alonso Lopes de Avila
tinha-se apossado, durante a guerra, de uma jovem ín-
dia, uma mulher bela e graciosa. Ela havia prometido ao
marido, que temia ser morto na guerra, não pertencer a
nenhum outro, e assim nenhuma persuasão pôde impedi-
la de perder a vida a deixar-se seduzir por outro homem;
por isso ela foi atirada aos cães”8
.
A segunda. Em 1911, Von Ihering, defendeu no
jornal O Estado de São Paulo, o extermínio dos índios
Kaingang em nome da construção da estrada de ferro
Noroeste do Brasil : “Utilizando-se de modelos
evolucionistas e deterministas, o naturalista alemão con-
denava ‘grupos indígenas inferiores’, que, em sua ótica,
‘ desapareceriam pela mera ação da natureza’. Frente aos
10
prognósticos científicos, nada havia a obstar; nem mes-
mo ‘uma moral de fundo humanista’, afirmava(...)”9
.
Já em 1996, a Comissão sobre Governança Glo-
bal da ONU, observava que uma das características do
mundo contemporâneo é “ a propagação de uma cultura
da violência”10
: a brutalização de milhares de jovens que
lutam em guerras civis, o uso sistemático do estrupro
como arma de guerra, o terrorismo, o narcotráfico, o cri-
me organizado, a violência étnica, a violência contra a
mulher , etc., atingem proporções alarmantes, compro-
metendo a consolidação das democracias em termos glo-
bais.
“Viver a diferença na igualdade: é mais fácil dizer
do que fazer” - observa Todorov. No entanto, é necessá-
rio tentar. Nesse sentido, o conhecimento é um dos mei-
os para se resistir ao poder. Não se pode combater o que
não se conhece. Mas é necessário sair do campo defen-
sivo e propor alternativas: investigar a conquista da
América significa refletir acerca dos mecanismos de do-
minação no mundo contemporâneo e tentar superá-los.
11
FORMAS DE REPARTIÇÃO DA TERRA
ENTRE OS INCAS
( Garcilaso de La Vega )
Fábio Siqueira Batista11
A conquista da América, por parte dos espanhóis,
fez nascer no seio de um povo submetido uma espécie
de indivíduo que não era europeu nem índio, o mestiço,
seja ele cultural ou de sangue. Este esboço sobre a re-
partição da terra entre os Incas, escrito no século XVI
por Garcilaso de La Vega, misto de espanhol e índio,
tenta explicar como se processava a divisão de terras
entre os povos do antigo Império Inca. Garcilaso de La
Vega, é mais um daqueles homens que viviam sob a som-
bra da coroa espanhola e relembravam ou tentavam
rescrever partes da História dos povos pré-colombianos,
conquistados pelos europeus; é mais um dos notáveis
mestiços daquela época devendo ser considerado ao lado
de outros como Felipe G. Poma de Ayala, Bautista Po-
mar, Alvarado Tezozomoc e Diego Durán na busca por
fontes do passado que ajudem a compreender a História
daqueles povos.
Ao abordarmos a problemática da divisão de ter-
ras entre os povos pré-colombianos, deparamo-nos com
questões difíceis de responder dada a exígua quantida-
de de material que restou da época da conquista e, mui-
to mais ainda, devido aos graves problemas que se im-
põem quando da análise de um texto do referido perío-
do. As dificuldades de análise devem-se ao fato de al-
guns desses textos sofrerem “influências” da cultura
reinante, a mestiça, isto é, uma cultura que era cristã e
espanhola, mas ao mesmo tempo guardava lembranças
da cultura indígena.
12
Como primeiro aspecto, é necessário fazer as apre-
sentações do texto, do escritor e do momento em foi es-
crito. Garcilaso de La Vega, era filho de um espanhol e
de uma princesa Inca, nasceu na cidade de Cuzco em
1539. Viveu alguns anos na Espanha e lutou contra os
mouros, aprendeu italiano e fez algumas traduções, es-
creveu Comentários reales de los Incas12
, obra em que
se aprofunda nos costumes, ritos e cerimônias de seu
povo; foi um indivíduo aculturado que sempre se consi-
derou mais indígena que espanhol. Contudo, ele legiti-
ma e aceita a conquista espanhola. A obra, escrita al-
guns anos antes de sua morte, se insere num momento
crucial da História da América, época em que os indíge-
nas sobreviventes sofrem o processo de cristianização e
a servidão sob o jugo dos conquistadores; época em que
as feridas estão abertas ainda ( se é que algum dia estas
feridas cicatrizaram, particularmente creio que não! ).
Na obra de Garcilaso, não restam dúvidas de que existe
a exaltação do índio, porém ele escreve como um euro-
peu. Mas quem são os Incas? A resposta nós sabemos;
entretanto, a História é a eterna análise do passado, a
eterna busca por respostas de perguntas que não ces-
sam de surgir. Mesmo que soubéssemos tudo a respeito
dos Incas, não cessaríamos de tentar entendê-los, de
buscar outras respostas que não fossem aquelas que já
conhecemos. Esta é a grande virtude da História, o pas-
sado não morre, Hic Mortui Vivunt et Pandunt Oracula
Mui ( Aqui os mortos vivem e proferem muitas sentenças
).
Em finais do século XIII, a tribo dos Incas ao Vale
de Cuzco e se alia a três etnias diferentes: Sahuasiray,
Allcahuisa e Maras. Por meio de uma fulminante expan-
são militar e política, em alguns decênios eles subme-
tem outros povos e criam o Tawantisuyu, o “Império
dos Quatro Quadrantes”, o domínio dos Incas sobre as
outras etnias. Um império com uma organização formi-
dável, contando com redes de estradas, depósitos de
13
provisões e uma burocracia muito bem estruturada hie-
rarquicamente.
Passemos então ao conteúdo do documento. O au-
tor observa como se processa a acomodação do
dominador Inca sobre o povo submetido, as disposições
tomadas pelo Inca para posterior “aculturação” dos con-
quistados, a chegada de homens para a construção de
poços a canais para irrigação. Para os pré-colombianos,
não existiam outras riquezas que não fossem a terra e
os produtos advindos da mesma, destarte, logo após a
ocupação eles davam início ao processo de divisão das
localidades. Ocupando a função de “Civilizadores”, é
possível que a construção dos referidos poços e canais
de irrigação se tratasse da contribuição dos dominadores
aos povos conquistados, encaminhado-os à civilização.
Garcilaso fala muito sobre as acéquias, isto nos leva
a crer que as terras deveriam ser pobres de recursos
naturais, o que conseqüentemente levaria os Incas a
irrigá-las constantemente. Depreendesse isto quando o
autor diz “...porque é de se saber que a maior parte de
toda aquela terra é pobre de terras de pão...”. No mesmo
parágrafo, ele faz referências as pastagens e ao gado: é
bom relembrar que as micro-regiões eram divididas em
“ Ayllus, formados por famílias interliga-
das com laços de parentesco e que nes-
tes as terras dividiam-se em terras culti-
váveis e pastos de uso coletivo... onde se
criavam animais, lhamas a alpacas...”13
Garcilaso fala da técnica de construção de terraços
por parte dos Incas. Tal fato se devia à estreiteza das
terras cultiváveis e mais ainda, a necessidade de au-
mento da cultura do milho e da batata, ligada direta-
mente ao aumento da população, conquistada ou não,
que acontecia. Garcilaso de La Vega diz que as terras
eram divididas da seguinte forma: uma parte para o Sol,
outra para o Inca e a terça parte para os naturais da
14
terra . Em Incas e Astecas - Culturas pré-colombia-
nas, de Jorge Luiz Ferreira, a explicação é diferente: o
primeiro beneficiado é o Inca; depois vem as terras do
Sol e por último “a maior parte”, as terras da comunida-
de. Talvez a explicação de Jorge Luiz Ferreira seja a mais
acertada, pois enquanto soberano, o Inca era represen-
tante direto do Sol, na qualidade de “deus-vivo”.
De acordo com Garcilaso, os Incas não semeavam
mais de um ano ou dois as terras cultivadas, repartindo
outros e deixando em estado de repouso as primeiras.
Isto poderá levar-nos a pensar que a rotatividade de ter-
ras era comum, e é provável que sim, principalmente se
levarmos em conta Ciro Flamarion S. Cardoso, quando
fala da hipótese causal hidráulica14
. No entanto, não
podemos deixar de lado Jorge Luiz Ferreira (Cf. Incas e
Astecas) que diz que a distribuição das terras era rotativa
e anual, para impedir que algumas famílias pudessem
usufruir de terras mais férteis por longos períodos, é
possível ainda, que existisse o sistema de pousio curto,
devido à fragilidade da terra.
Ainda segundo Garcilaso, o cultivo da terra se fazia
de maneira ordenada e harmônica. Suas palavras dei-
xam transparecer um certo idealismo, dando-nos a im-
pressão de que a sociedade de que fala é justa e iguali-
tária. Aqui, supomos que fala o “índio” Garcilaso, mos-
trando o que era antes dos espanhóis chegarem e apon-
tando a aparente “anarquia” que agora existe com a pre-
sença dos conquistadores. Quando da submissão, os
Incas mantinham os deuses e o culto local introduzin-
do, logo depois, a adoração do Sol e ao Inca. Aos aldeões
cabia oferecer trabalho aos novos senhores. O trabalho,
“harmônico”, talvez se devesse ao fato do soberano Inca
distribuir cereais, roupas e outros alimentos em épocas
de carestia, excedente este que era acumulado do tra-
balho praticado pelos aldeões.
O autor fala do processo de lavração da terra.
Podemos ver que o controle estatal era rígido e nenhum
15
terreno ficava sem ser cultivado, mesmo aqueles
pertencentes aos homens que deveriam servir em
atividades guerreiras. Estas colocações são corroboradas
pelas afirmações de Jorge Luiz Ferreira em Incas e
Astecas. Garcilaso de La Vega, afirma ainda que
“mandava o Inca que as terras dos
vassalos fossem preferidas às suas; por-
que diziam que da prosperidade dos sú-
ditos redundava o bom serviço para o Rei,
que estando pobres e necessitados mal
podiam servir na guerra nem na paz...”
Este discurso sobre a “justiça social” deixa
transparecer mais uma vez a cultura indígena que resta
em Garcilaso de La Vega. Provavelmente este é mais um
alerta sobre a situação de descaso, miséria e indigência
que deviam viver seus irmãos indígenas, desolados pela
falta de comando e explorados pelos fidalgos espanhóis.
É destacado ainda, o sistema de divisão das terras
indígenas. Cada um deles recebia um Tupu, extensão de
terra equivalente à quantidade de alimento necessária
para suprir as necessidades de um indivíduo. Mas deve-
mos ter sempre em mente, que o indivíduo isolado não
existia em relação à comunidade, é possível que estes
Tupus fossem usados em comunidade para a subsistên-
cia de uma família. As palavras de Garcilaso poderiam
induzir o leitor a pensar que a orientação individualista
fosse comum entre os povos pré-colombianos, o que não
é certo.
O documento diz que “proporcionalmente às terras
que davam para semear o milho, repartiam as que davam
para semear os demais legumes que não se regava...”. É
pouco provável que houvesse igualdade entre o número
de terras para o plantio do milho e outras culturas que
porventura existissem. O milho era a base de toda ali-
mentação das populações da América pré-colombiana.
As outras culturas existentes serviriam, provavelmente,
16
como acréscimo à cultura do milho, já muito difundida
ou ainda como meio de alimentação quando fracassava
a colheita daquele cereal como, por exemplo, a batata (
Solanum tuberosum).
Garcilaso fala ainda sobre os outros tributos pagos
em formas materiais, roupas e calçados para os guerrei-
ros do Inca. Há um parágrafo que trata quase exclusi-
vamente de produtos e situações ligados à guerra. Para
opor-se ao discurso de Garcilaso cito Jorge Luiz Ferreira:
“A justificação ideológica para a expan-
são e a conquista era semelhante à do
espanhol: levar a civilização aos povos
que vivam na barbárie (...) Ao contrário
dos Astecas, os Incas não tinham uma
mentalidade belicosa, e a paz era o bem
supremo da humanidade...”15
.
Vemos então, que o discurso civilizatório era bom
para os conquistadores, visto que eles levavam a reli-
gião para os povos derrotados e lucravam com os bens
tomados a estes povos. Em matéria de psicologia coleti-
va, é possível que uma espécie de idéia ou ideal animas-
se aqueles homens. Se é verdade que eles tentavam dis-
seminar os benefícios da religião ( e neste caso devemos
enquadrar tanto os espanhóis quanto os indígenas ) e
da civilização é, por conseguinte, mais verdade ainda
que eles não se sentiam envergonhados quando tinham
que matar, destruir ou saquear em nome destes ideais.
Garcilaso diz que os Incas não tinham o ouro nem a
prata em conta de metais valiosos, mas apenas como
objetos de adorno e de embelezamento. As grandes ri-
quezas destes povos vinham da terra e de produtos liga-
dos à mesma, pois para eles estava mais em voga o fato
de comerem, beberem e vestirem-se do que construírem
casas belíssimas e em grandes tesouros.
Neste momento é bom fazer uma autocrítica do que
foi escrito. Em primeiro lugar, a análise de um indivíduo
17
como Garcilaso de La Vega ou qualquer outro “mestiço”
é complicada. O elemento que descende de dois povos
ou duas linhagens diferentes deve padecer constante-
mente de uma certa “agonia interna”: de um lado ele
vive determinada realidade e, de outro, ele tenta escre-
ver ou esquecer uma realidade que não existe mais ou
que pouco a pouco sofre deterioração. Isto é bastante
fácil de notar em outros escritores miscigenados. É pos-
sível até imaginar o que ele sentia mas não é possível
descrever. Na sua obra ele submete-se à autoridade es-
panhola mas exalta o índio. Resta-nos perguntar se ele
tentava reduzir o mundo europeu à categoria dos Incas
e vice-versa. Pode ser que tentasse utopizar toda a rea-
lidade, um misto de justiça social Inca com realidade
espanhola e religião cristã.
Garcilaso não deixa transparecer totalmente o que
está pensando, apesar de seu texto ser bastante inteli-
gível. Um homem que faz apologia do indígena, do “pa-
raíso perdido” e contrapõe a justiça Inca à desigualdade
espanhola. Mas será que ele é um apologista? O que
pouco temos em mãos nos impede de emitir um parecer
mais acertado. Mas mesmo que tivéssemos todas as suas
obras e o conhecêssemos como ele se conhecia, ainda
assim, ficaríamos impedidos de entendê-lo, afinal de
contas, a História não é só feita de causas econômicas e
políticas, por trás de tudo isso existe o ser humano.
18
Refereências Bibliográficas
CARDOSO, Ciro Flamarion S. (Org.). Modo de produ-
ção asiático: nova visita a um velho conceito.
Rio de Janeiro: Campus, 1990.
FERREIRA, Jorge Luiz. Incas e Astecas - culturas pré-
colombianas. 3 ed. , São Paulo: Ática, 1995.
VEGA, Garcilaso de La. Formas de repartição da terra
entre os Incas. In Comentários reales de los Incas.
México: Fundo de Cultura Económica, 1991.
WEPPMAN, Denis. Cortez. São Paulo: Nova Cultural,
1987.
19
ENTRE A CRUZ E A ESPADA: SOCIEDADES DE
SACRIFÍCIO E SOCIEDADES DE MASSACRE
Maria José de Melo Prado
Sílvia Maria Varela16
O objeto deste artigo é o livro A conquista da Amé-
rica: a questão do outro de Tzvetan Todorov, mais es-
pecificamente o terceiro capítulo, intitulado Compreen-
der, tomar e destruir, no qual se discute o processo de
aproximação, compreensão e posterior domínio da soci-
edade Asteca pelos espanhóis.
O autor analisa o processo que considera um “terrí-
vel encadeamento”: compreender leva a tomar, e to-
mar leva a destruir. Entretanto, questiona essa afir-
mação: afinal a compreensão não deveria vir acompa-
nhada de simpatia e, nesse caso específico, da preser-
vação da fonte de riquezas? Ou, em outra hipótese, se
tal compreensão viesse acompanhada de um julgamen-
to de valor negativo? O que se verifica, no entanto, é a
ocorrência de um sentimento de admiração seguido de
destruição.
Nota-se claramente esta admiração nas tentativas
de equiparação entre a América e a Europa que os espa-
nhóis fazem todo o tempo. Eles referem-se, porém, aos
objetos e construções, nunca a seus produtores - como
um turista contemporâneo em relação a artesanatos
exóticos. Os indivíduos são vistos como sujeitos, mas
enquanto coletividade produtora de objetos ou como “cu-
riosidades naturais”, como plantas e animais, que cau-
savam espanto pela sua originalidade.
Percebe-se, portanto, que este sentimento é superfi-
cial, distante e de superioridade. Não há nunca
integração entre admirador e admirado; prova contun-
dente disso é que a arte Asteca jamais exerceu qualquer
influência na Europa, como a arte negra no século XX.
A admiração não implica em assimilação, e, conseqüen-
20
temente, não há motivo para preservação.
Os cronistas espanhóis falam “dos” índios e não “aos”
índios e, segundo Todorov:
“...é falando ao outro (não dando-lhe or-
dens, mas dialogando com ele), e somen-
te então, que reconheço nele a qualidade
de sujeito, comparável ao que eu mesmo
sou.” 17
Ou seja, se não houver a imbricação entre a com-
preensão e o reconhecimento do outro como não-supe-
rior e não-inferior, esse saber (e essa relação) estará
subordinado ao poder.
A idéia central da obra é justamente esta comunica-
ção do eu com o outro. A compreensão da sociedade
Asteca que os espanhóis tinham era muito maior que o
entendimento dos indígenas em relação aos europeus, e
esta torna-se um instrumento para a conquista, pois
possibilita a total desestruturação do império de
Montezuma. É mais fácil combater o que se conhece,
formulando-se estratégias baseadas em seus pontos fra-
cos.
Todorov considera a conquista da América como o
maior genocídio de que se tem notícia na História, e apon-
ta a destruição em números grandiosos: em cem anos
houve a extinção de 70 milhões de nativos na Meso-
América e América do Sul, 24 milhões de mortes so-
mente no México. O autor defende também que as pro-
porções da matança foram inversamente proporcionais
à responsabilidade dos espanhóis. A saber (em numero
crescente e em responsabilidade decrescente): guerra,
maus-tratos e doenças.18
Embora a responsabilidade dos
espanhóis seja evidente, o autor afirma que, dentro des-
te contexto, outros conquistadores teriam agido do mes-
mo modo, visto que o objetivo era a conquista.
Os relatos dos cronistas da época (Bartolomé de Las
Casas e T. Motolinia, entre outros) revelam uma realida-
21
de brutal e sangrenta, apresentando os indígenas como
vítimas passivas e indefesas. A conquista da América:
a questão do outro endossa essa opinião, assim como a
maioria dos autores que tratam do assunto, reprodu-
zindo, portanto, a visão derrotista da conquista, em que
os indígenas figuravam resignados, aceitando sem con-
testar a violência a que eram submetidos.
Uma visão totalmente oposta é colocada por Hector
Hernán Bruit, que percebe, no que outros autores enca-
ram como covardia e passividade, uma forma de reação,
de resistência. Bruit afirma que essa resistência funda
a identidade latino-americana. Ainda hoje se percebe
resquícios dessa não adequação aos moldes europeus,
os quais estão presentes na cultura, como o hábito ali-
mentar, religião, estrutura mental, entre outros. Os in-
dígenas não podem ser vistos como covardes incapazes
de resistir. A recusa tomaria forma nos suicídios, abor-
tos, desinteresse pela procriação, indolência, mentiras,
roubos, falsa conversão ao cristianismo, ou mesmo, no
silêncio (recusa a falar, à aculturação), inclusive por vias
militares. Nas palavras de Bruit:
“Quer dizer, nada de incapacidade raci-
al, de inferioridade cultural. Simplesmente
renúncia voluntária de viver a História do
outro, mas simulando vivê-la.(...) A atitu-
de indígena, em suas formas diversas,
se transformou em arquétipo de resistên-
cia à dominação total. Escolheu do con-
quistador os valores que mais lhe servi-
am, mas não assimilou a cultura do bran-
co e jamais abandonou suas crenças e
costumes.” 19
Esta constatação se verifica facilmente através da
observação dos relatos existentes sobre a sociedade
Asteca antes de Cortez. O que vemos é uma civilização
avançada (construções grandiosas e de extrema
22
engenhosidade, alta tecnologia agrícola, noções de as-
tronomia,...), organizada hierarquicamente (religião,
política e sociedade), trabalhadora e guerreira.
A questão que se coloca ao final desta discussão
é aquela referente aos motivos pelos quais houve, du-
rante a conquista, a extinção quase total da população
nativa. É interessante a correlação que Todorov faz so-
bre o desejo de poder e de riqueza dos europeus com a
mentalidade moderna, na qual o dinheiro compra e so-
brepuja todo e qualquer princípio moral. Mesmo assim
salienta que só esse desejo não explica todo o massacre.
Há que se levar em conta a crueldade como um traço
mórbido inerente ao homem, presente nos Astecas de
Montezuma e nos alemães de Hitler. No caso dos espa-
nhóis, há relatos da época que demonstram este fato,
como os apresentados abaixo:
“Alguns cristãos encontraram uma índia,
que trazia nos braços uma criança que
estava amamentando; e como o cão que
os acompanhava tinha fome, arrancaram
a criança dos braços da mãe, e, viva, jo-
garam-na ao cão, que se pôs a
despedaçá-la diante da mãe.”20
“ Um espanhol, subitamente, desembai-
nha a espada (que parecia ter sido toma-
da pelo diabo), e imediatamente os ou-
tros cem fazem o mesmo, e começam a
estripar, rasgar e massacrar aquelas ove-
lhas e aqueles cordeiros, homens e mu-
lheres, crianças e velhos, que estavam
sentados, tranqüilamente, olhando es-
pantados para os cavalos e para os es-
panhóis. Num segundo não restam sobre-
viventes de todos os que ali se
encontravam.” 21
23
O autor propõe uma problemática: considerando que
todos os povos cometem assassinatos e estes não se re-
vestem sempre do mesmo valor, o que os diferencia?
Para Todorov seria o código e o contexto, a sociedade de
sacrifício e a sociedade de massacre. E qual delas pode
ser considerada mais contestável? Julgamento difícil de
ser feito com isenção.
O sacrifício é uma morte religiosa - mata-se por uma
ideologia oficial revestida de uma função social (alimen-
tar e apaziguar os deuses). É realizado em praça pública
e com o consentimento de todos; a identidade do sacri-
ficado é pré-determinada e conhecida, porém o laço so-
cial predomina sobre o individual. Em contrapartida, o
massacre inverte todos esses princípios, e pode ser con-
siderado um assassinato ateu, é feito (de preferência) às
escondidas e fora de qualquer regulamentação. Não tem
uma função social, justifica-se por si mesmo.
A dificuldade consiste em se distinguir com clareza
o que se convenciona como uma ou outra. A sociedade
européia quinhentista pode ser reconhecida como soci-
edade de massacre pelo próprio advento da conquista.
Mas o que dizer então da Santa Inquisição, que possui
traços de sacrifício? Trazendo essa discussão para a
contemporaneidade, como caracterizar a nossa socieda-
de atual, que possui traços óbvios de massacre, mas
realiza o sacrifício a cada cerimônia da missa católica
(que é a religião predominante no Ocidente), com a mor-
te e comunhão do Cristo, semelhante ao ritual Asteca,
que sacrificava a vítima e comungava-a, num rito de an-
tropofagia?
Essa questão nos remete a uma reflexão sobre a dita
sociedade contemporânea, onde, longe de ser atávica, a
violência se revela em todas as esferas sociais, econômi-
cas e ideológicas. O que foi considerado no século XVI
como guerra justa, se assemelha às atuais guerras reli-
giosas no Oriente Médio, que o mundo moderno conde-
na e, com o que, ao mesmo tempo, é conivente.
24
Referências Bibliográficas
BRUIT, Héctor Hernan . América Latina: quinhentos anos
entre a resistência e a revolução. Revista Brasileira
de História. São Paulo: ANPUH/Marco Zero, v.10,
n.20, p.145 -171, mar./ago.1990.
____________________. Derrota e simulação. Os índios e a
conquista da América. Resgate: Revista de Cultu-
ra. Campinas, n.2, p. 09 -19,1991.
COUTO, José Geraldo. Livro faz da América o “outro” da
Europa. Folha de S. Paulo. São Paulo, 24
jun.1996, ilustrada, p.3.
LEÓN-PORTILLA, Miguel (org). A conquista da Améri-
ca Latina vista pelos Índios: relatos Astecas, Maias
e Incas. Petrópolis: Vozes, 1984.
_________________________. A visão dos vencidos. Porto
Alegre: L &PM História, 1985.
MAINARDI, Diogo. Animais inferiores. Veja. São Paulo,
ed.1453, n.29, p.114 - 115, 17 jul.1996.
ROMANO, Ruggiero. Mecanismos da conquista colo-
nial. São Paulo: Perspectiva, 1973.
SCHVARZMAN, Sheila. Um lugar na História. Folha de
S. Paulo. São Paulo, 02 jun.1996,mais!, p.5.
TODOROV, Tzvetan. A conquista da América: a ques-
tão do outro. São Paulo: Martins Fontes, 1982.
25
BARTOLOMÉ DE LAS CASAS E OS ÍNDIOS:
O VISIONÁRIO DAS “AMÉRICAS”
Fábio Jesus de Lima22
Com base no livro, Bartolomé de Las Casas e a si-
mulação dos vencidos23
, de Héctor Bruit, entre outros,
procurei compreender um pouco mais sobre o
dominicano, Frei Bartolomé de Las Casas Homem arrai-
gado na fé cristã viveu no conturbado período de tran-
sição do século XVI e levantou sua voz em defesa dos
povos indígenas que vinham sendo massacrados com o
processo violento da conquista.
Esta tarefa não se torna fácil, à medida que se busca
desvendar traços da mentalidade de um homem medi-
eval, que mesmo tendo lutado contra o processo violen-
to da conquista, não abandonou seus objetivos de colo-
nização. Sua imagem de bom religioso ao lado dos indí-
genas, passada por ilustrações, não corresponde à de
homem severo, que não poupou críticas aos seus reis,
superiores religiosos, conquistadores ou até mesmo aos
índios, ou à toda sua perspicácia e ímpeto frente ao Dr.
Juan Ginés de Sepúlveda, no debate ocorrido em
Valladolid, onde travaram um duelo de eloquência e eru-
dição sobre as condições dos nativos na América.
Neste livro, Héctor Bruit faz análises sobre os es-
critos de Las Casas, nos quais vê, um homem visioná-
rio, preocupado com o tipo de sociedade que se formava
na América.
Meu objetivo não é traçar a vida deste homem, con-
siderado persona non grata em seu país , por ir contra
os anseios desmedidos dos conquistadores, o que já fi-
zeram outros autores, mas apresentar alguns traços da
forma de pensar do Frei Bartolomé de Las Casas, acer-
ca dos índios e da sociedade que surgia no Novo Mundo.
26
A IMAGEM LASCACIANA SOBRE OS ÍNDIOS
Las Casas via os hábitos dos indígenas como uma
segunda natureza, um conceito de cultura próximo ao
moderno, seguindo Aristóteles. Por mais aberrantes e
contra a natureza espanhola que pudessem parecer, Las
Casas não considerava os hábitos dos índios puníveis
pelos homens, nem como justificativa à violência, consi-
derando que estes poderiam ser mudados através da
religião cristã, que deveria ser implantada através de
métodos pacíficos.
Quanto à preguiça, considerava que devido a ter-
ra fértil e abundante, os índios viviam naturalmente e
sustentavam-se tendo pouco trabalho. Sendo assim, o
tempo livre restante passavam em suas casas, pescari-
as, festas e danças, e que este vício e incapacidade de
trabalho ( à maneira espanhola ), na verdade seria a in-
capacidade de trabalho em proveito dos espanhóis, sen-
do uma das justificativas para impor, sem embargo, ins-
tituições interessadas nos rendimentos materiais que
os índios pudessem ofertar.
Nos seus escritos, aponta os índios também, como
que, destituídos de personalidade ou reações positivas
frente aos invasores, utilizando a imagem de um povo
fraco, pois raramente admitia a guerra contra os espa-
nhóis e quando admitia, era uma guerrinha. Isto consa-
grou na historiografia sobre a conquista, lascaciana ou
não, a visão negra dada aos conquistadores e que tem
marcado a História latino-americana.
Héctor Bruit analisa assim, um Las Casas que
levantou a imagem de um povo sacrificado e humilhado
pela conquista; em última análise, um povo com “voca-
ção à escravidão”. O que levou este autor, a questionar
“qual é nossa vocação revolucionária ?”24
, que instiga
nossos pensamentos nesses 500 anos. Contudo, discordo
desta colocação do autor, pois vejo que a submissão à
escravidão, está subordinada a fatores que influencia-
ram no processo da conquista, como por exemplo, a in-
27
fluência psicológica exercida pelas armas, cavalos e da
violência25
. Além do mais, o próprio curso da História
demonstra nossa vocação revolucionária, como os mo-
vimentos guerrilheiros da América Central e no caso do
Brasil ha pouco tempo, o movimento dos “cara-pinta-
das”, no processo de impeachment do ex-presidente
Fernando Collor.
Em outra perspectiva, Tzvetan Todorov no livro A
conquista da América: a questão do outro, apresenta
um Las Casas igualitarista, que via a existência de igual-
dade entre índios e espanhóis, e quando reconhecia al-
guma diferença entre os mesmos que pudesse ser des-
favorável aos primeiros, as reduzia através de um es-
quema evolucionista único26
. Desta forma, originou-se
com freqüência esses tipos de formulações em seus es-
critos, e isto, segundo Tzvetan Todorov, em nome de
uma religião particular, o cristianismo. Para este autor,
Las Casas ao mesmo tempo ignora os índios e desco-
nhece os espanhóis. Todorov vê o dominicano como um
amante dos índios, apesar do mesmo não reconhecer as
diferenças culturais.
Mesmo assim, Las Casas não defendeu todos os ín-
dios, assim como não condenou todos os espanhóis. Ele
criticava os índios que traíam suas tribos e aprovava os
colonizadores hispânicos pobres e lavradores. Assim a
imagem de “bom índio” e “branco mau”, colaborou para
realçar a realidade e conseqüentemente melhorar a si-
tuação dos indígenas; entretanto , esta posição (consci-
ente ou não), acabou por negar aos índios, a condição
de sujeitos plenos, capazes de ver, pensar e agir, o que
faziam, dentro de suas concepções.
Na análise de Héctor Bruit, Las Casas passa a visão
de não resistência militar por parte destes povos, para
não dar razões a seus adversários, os conquistadores
espanhóis.
Sem anular a importância de outras conseqüências
da conquista, como no tocante a questão do outro, ana-
28
lisada no livro de Tzvetan Todorov 27
, concordo com
Héctor Bruit, quando este coloca que pouco importa que
o dominicano não tenha amado os índios, acusação fei-
ta freqüentemente pelos estudiosos modernos.
“Mas porque devia amá-los? Alguém os
amou alguma vez? São amados agora?”28
Em suma, Bruit vê um Las Casas que se envolveu
com outro problema, que não só o desamor e o despre-
zo, mas problemas suscitados pela conquista violenta e
caótica, um Las Casas preocupado e envolvido com a
sociedade que surgia sem justiça, sem direito e sem le-
gítimo poder. A sociedade ao revés.
O GRANDE EMBATE: A SITUAÇÃO DOS NATIVOS NA
AMÉRICA; A QUESTÃO DA GUERRA JUSTA, INFIDE-
LIDADE , CANIBALISMO E ANTROPOFAGIA
O cerne desta questão, permeia a forma com que se
realizava o processo de conquista e catequização, visto
que para Las Casas a conquista deveria ser feita como
uma ampla empresa religiosa, levada a cabo por religio-
sos. Uma empresa cristã e profundamente humana, para
a difusão da doutrina cristã. O dominicano, como foi
dito, não abandonou os seus ideais de colonização sen-
do apenas contrário a violência desmedida, utilizada no
processo de conquista para fazer valer os anseios dos
conquistadores espanhóis. Isto bateu de frente com os
interesses econômicos dos espanhóis, trazendo à tona,
um grande debate sobre a questão das condições dos
nativos na América, questionando-se a validade da guerra
justa ou não, como forma de se impor a conversão à
religião cristã.
O grande opositor de Las Casas, foi o Dr. Juan Ginés
de Sepúlveda, que embasado em concepções
aristotélicas, justificava a utilização da guerra justa como
meio de submeter os povos indígenas aos anseios dos
29
conquistadores. Assim sendo, nestes princípios, a ser-
vidão natural seguiria uma hierarquia racional que exi-
ge a sujeição do imperfeito ao mais perfeito, sendo que,
para Aristóteles, esta sujeição poderia ser feita através
do uso da força. Já o Frei Bartolomé de Las Casas, acre-
ditava que os povos, qualquer que fosse seu estágio de
barbárie, teriam a possibilidade, enquanto seres huma-
nos de receber as formas de cultura ocidental, particu-
larmente a religião cristã, e superar sua atual condição.
Por este prisma, possuidor de uma concepção
tomista, segundo a qual há uma natureza comum à to-
dos os homens que lhes confere unidade, o dominicano
interpretou os mesmos princípios aristotélicos em opo-
sição a Sepúlveda. Em sua Apologética Histórica , afir-
ma que os fundamentos aristotélicos ( características
aristotélicas para definir os servos naturais e os senho-
res naturais ) não correspondiam com as características
físicas dos povos americanos. Um outro fator que
descaracterizava o uso da guerra justa contra os indíge-
nas, para Las Casas, era a questão da infidelidade29
, vin-
culada à concepção dos índios com os bárbaros. Nesta
questão havia três tipos de infiéis: 1) os que injusta-
mente usurpavam as terras dos cristãos; 2) os que ata-
cavam os cristãos, procurando desfazer o estado tempo-
ral e espiritual da república, e 3) os que não sabem de
nada, não conhecem a Deus, por isso não usurpam das
terras cristãs. Segundo Las Casas, a esses infiéis, den-
tre os quais estavam os indígenas americanos, não ca-
beria a guerra justa. No que se refere ao canibalismo e à
antropofagia praticados pelos indígenas e criticados se-
veramente pelos espanhóis, o que reforçaria a imagem
de bárbaros, Las Casas as justifica dentro de um pro-
cesso evolutivo, pelo qual os espanhóis já teriam passa-
do, e que estes não teriam razão alguma para se espan-
tarem com os defeitos e costumes não civilizados dentre
as nações indígenas, não as desprezando por isto, pois
a maior parte das nações do mundo já haviam também
30
demonstrado provas de menor prudência, de
irracionalidade, de confusão de modos e de costumes
animalescos.
Assim, com este trabalho, procuro não fazer um
julgamento moral, quanto ao caráter de Las Casas, quan-
to menos defendê-lo piamente, mas procuro entender
um pouco mais sobre a conquista na visão deste
dominicano, através do estudo de sua obra repleta de
exageros numéricos e narrativos. Além disto, se remon-
tarmos à época de Las Casas, encontraremos uma soci-
edade em mutação. Uma sociedade medieval que estava
passando por um período de rompimentos de dogmas,
reestruturações de ordem sócio-econômicas e o
florescimento de métodos mais racionais para se com-
preender o mundo. Neste quadro conflituoso, onde tam-
bém se processa a conquista, com objetivos
expansionistas e econômicos, surge um homem que ousa
ir contra a violência empregada na conquista, meio am-
plamente utilizado para se alcançar este objetivo.
LAS CASAS: O VISIONÁRIO DAS AMÉRICAS
A CONCEPÇÃO POLÍTICA
A imagem passada por Las Casas sobre a destruição
das Índias, permeada de todo seu clamor impetuoso, é a
de uma História construída no sangue derramado dos
povos americanos, como é o caso da obra Brevíssima
relação da destruição das Índias30
. Las Casas deixa
transparecer nos seus escritos, a sua preocupação com
a sociedade que se organizava no caos da conquista.
O Frei dominicano dava muita importância às leis,
que formavam todos os fundamentos de sua concepção
política de sociedade, tendo por fim próprio, o bem co-
mum. Sua forma de pensar é aparentemente ortodoxa,
como aponta o escritor Héctor Bruit, tinha inspiração
nas concepções tomista e aristotélica, que em certos
casos era rompida pela busca de certas teorias dos
31
escolásticos italianos do século XIII e XIV 31
.
Las Casas transmite sua preocupação com a liber-
dade pública e individual, com os fundamentos jurídi-
cos da sociedade que se organizava. Ele tinha o desejo
de ver na América, uma sociedade de direito e justiça
social, de respeito aos direitos humanos, o que na per-
cepção de Héctor Bruit configura sua visão do destino
do continente. Las Casas conta a História da conquista
violenta: guerras, mortes, violências, explorações, do-
enças, vendo surgir a “sociedade ao revés” 32
. Constitui-
se assim, o visionário dos destinos da América. Na pers-
pectiva de Héctor Bruit, Las Casas viu o surgimento da
sociedade “melada”33
. Concordando com Bruit, conside-
ro que esta questão é ponto de partida para muitos au-
tores, que, através de análises sobre a conquista da
América, procuram compreender sua sociedade , como
o lingüista búlgaro Tzvetan Todorov, com sua crítica ao
totalitarismo, ou Eduardo Bueno, que na apresentação
do livro Brevíssima relação34
, faz uma analogia entre a
América ontem e hoje, a espada e a metralhadora.
Considero a América Latina, filha da conquista,
que ainda hoje deixa transparecer uma História de mar-
cas profundas, resultante do descobrimento e encontro
com o outro. Nos vejo como descendentes de duas soci-
edades: européia e índia, uma cultura híbrida, criadora
de uma cultura popular, latino-americana.
32
Referências Bibliográficas
BRUIT, Héctor Hernan. Bartolomé de Las Casas e a
simulação dos vencidos. Campinas: Iluminuras;
1985.
LAS CASAS, Bartolomé de. O paraíso destruído:
brevíssima relação da destruição das Índias. 5. ed.
Porto Alegre: LP&M, 1991.
SALAS, Alberto M. Três cronistas de Índias: Pedro
Majetir de Anglería, Gonzalo Fernandes de Oviedo,
Fray Bartolomé de Las Casas. México: Fondo de
Cultura Ecónomica, 1975.
TODOROV, Tzvetan. A conquista da América: a ques-
tão do outro. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1993.
33
ANÁLISE DA QUESTÃO DO OUTRO NA CONQUISTA
DA AMÉRICA POR TZVETAN TODOROV
Cristiano da Veiga Sambatti
Edmar Everson Alves35
O processo de conquista da América serviu de
base para a exposição de Tzvetan Todorov, que toma
como exemplo este período para analisar a questão do
outro. Todorov trabalha esta questão mostrando como
ocorre o contato entre duas culturas. Alerta para as con-
seqüências do não-reconhecimento do outro como pes-
soas de direitos iguais mas de culturas diferentes. Res-
salta o papel da comunicação, pois é através dela que
pode ocorrer um reconhecimento enganoso do outro
enquanto ser pleno a partir do momento em que há
manipulação desta comunicação visando a dominação (
a exemplo de Cortez ). Tzvetan Todorov nasceu na
Bulgária no dia 1º de março de 1939, é investigador agre-
gado no Centre National de Recherches Scientifique; pu-
blicou diversas obras: Theorie de la Littérature, Textes
des formalistes Russes ( Seuil, 1965), Recherches
Sémantiques ( Larousse ), Litterature et Signification
( Larousse, 1967 ), Grammaire du Décamerom ( Mouton).
A questão principal que Todorov cerca com sua
obra A conquista da América - a questão do outro, diz
respeito ao reconhecimento do outro, mais precisamente,
mostra a conseqüências sociais quando se desconsidera
a diversidade cultural. Todorov mostra que há um choque
entre duas culturas distintas (europeus e americanos),
aprofunda em sua obra uma análise do resultado deste
tipo de procedimento, por meio do qual o outro é
desprovido, descaracterizado e transformado em sua
originalidade cultural. Aborda a comunicação que pode
servir como instrumento de reconhecimento do outro,
mas também como um meio de assimilação e de
dominação, apresenta a percepção de vários personagens
34
da época acerca do outro. Sua obra divide-se nos
seguintes aspectos: a não percepção do outro enquanto
humano, a comunicação como um instrumento de
dominação e variações da percepção do outro.
Na primeira parte da obra evidencia-se o contato
entre Europa e América decorrente da busca das Índias
por Colombo e que resultou na descoberta do Novo Mun-
do . A relação com o outro neste mundo é difícil. O autor
observa: ...Colombo descobre a América, mas não os ame-
ricanos...”, esta frase expressa a representação de infe-
rioridade do outro para o europeu. A indiferença do ou-
tro torna-se evidente neste momento, visto que só é pos-
sível visualizar a presença do outro em meio as descri-
ções que Colombo faz da natureza. Colombo tinha uma
maior percepção da natureza, em contrapartida ignora-
va a comunicação humana. Por isso quando chega a
América ele não a descobre, mas a encontra. Sua crença
religiosa, enfim, sua mentalidade servirá de base para a
interpretação da realidade, ou seja, ele não descobriu
algo novo, mas encontrou algo que estava previamente
formado em seu imaginário.
Na segunda parte da obra Todorov expõe o modo
pelo qual se consolidou a conquista da América apre-
sentando a comunicação como um fator decisivo para a
dominação do outro. A comunicação é diferente entre
Cortez, que a concebe de modo inter-humano, e
Montezuma, que a concebe com o mundo ( assim como
Colombo ). Cortez é um estrategista que conhece o valor
da informação, utiliza a linguagem como um instrumento
eficiente na conquista, a comunicação inter-humana
melhor lhe serviu para o domínio do outro, tentou com-
preender a mentalidade do outro de maneira a sobrepu-
jar esta outra cultura.
A terceira parte da obra apresenta uma variação
de intensidade na recusa que se faz do outro. Por um
lado, têm-se uma parcela que vê o outro como um obje-
35
to “...estão a meio caminho entre os homens e os ani-
mais...”, e por outro os menos radicais atribuem ao ou-
tro uma certa “humanidade”, porém inferior a eles. Não
há um respeito em relação à identidade do outro, uma
vez que a defesa, a exemplo de Las Casas, é feita sob
sua ótica particular, ocorrendo portanto só a medida que
se exerce a conversão do outro. A humanidade do outro
só é concebida se integrada na cultura do “eu”, ocorren-
do então uma assimilação, uma integração da cultura
do outro à européia.
Ao abordar a relação entre dois mundos totalmen-
te diferentes, a obra A conquista da América - a ques-
tão do outro remete-nos a nossa sociedade, leva-nos a
fazer um auto-exame de nossas próprias atitudes com
relação ao tratamento ou julgamento que fazemos de
outras sociedades ( ou de outros grupos menores, ou
até de outras pessoas ). Todorov mostra desta forma que
esta questão de projeção de “meus” valores sobre o “ou-
tro” é uma questão atual. Assim, a mensagem que trans-
mite em sua obra leva-nos a indagar, por exemplo, se
nossas atitudes de certa maneira não são o reflexo do
modo de agir dos espanhóis na época da conquista, que
tomaram a sua sociedade, os seus valores como o per-
feito e como o correto a ser seguido pelos outros? Será
que não projetamos nossos valores e princípios como
base de julgamento de outras sociedades no sentido de
admitir a igualdade do outro? Sob esta perspectiva, a
obra de Todorov não só apresentou um valor significati-
vo para a própria História da América ao analisar o pro-
cesso de conquista, como contribuiu de maneira impor-
tante para a Antropologia ao abordar a questão do ou-
tro, mais precisamente ao relacionar-se com o
etnocentrismo estudado nesta ciência como um meio
incorreto de se analisar as sociedades.
36
Referência Bibliográfica
TODOROV, Tzvetan. A conquista da América: a ques-
tão do outro. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes , 1993.
37
LABÉUS DA CONQUISTA ESPANHOLA
Wander de Lara Proença36
O processo de colonização da América Espanhola
está integrado ao novo momento econômico que forja o
período moderno. Impulsionados pela avidez do acúmulo
primitivo de capital - segundo a linguagem marxista - e
beneficiados pelo avanço de determinadas técnicas de
navegação, os europeus singram os mares em busca de
produtos comerciais e da expansão de seus mercados,
dando origem, já naquele período, ao fenômeno da
globalização sobretudo econômica.
A América pré-colombiana será, portanto, palco
deste afã capitalista, cujo enredo foi protagonizado por
abusos, violência e destruição étnico-cultural. A chega-
da de Colombo em 12 de outubro de 1492 em terras
americanas propiciava não só o contato entre dois mun-
dos culturalmente muito distintos e separados histori-
camente por milhares de anos, mas também o confronto
entre sociedades de valores e perspectivas econômicas
antagônicas. Por exemplo, o ouro que tanto fascina os
espanhóis devido ao seu valor monetário, aqui, numa
economia basicamente de subsistência e voltada para o
auto-abastecimento, é utilizado como enfeite estético ou
adorno.
Na busca de um sentido para a colonização, pode-
se dizer que as colônias existem em função da metrópo-
le. Inicialmente, a conquista caracterizou-se pelo saque,
passando-se posteriormente à organização de um siste-
ma produtivo, sendo que as descobertas das minas em
meados do século XVI vão determinar as áreas a serem
inicialmente ocupadas.
Se, inicialmente, os nativos prestavam serviços tem-
porários nas mitas, com a chegada dos espanhóis, são
forçados ao trabalho pesado, mediante a exploração. São
obrigados a “conviver” com a fome, com a
38
desestruturação familiar, com epidemias, etc.
Ao lado das mitas, foram organizados os pueblos
ou reduções, com a função de produzir mantimentos e
animais para às minas e cidades, além de fornecer mão-
de-obra às mesmas. Com a queda populacional indíge-
na, as aldeias foram progressivamente declinando, dan-
do origem à produção nas haciendas - produção agríco-
la em grandes latifúndios. A colonização espanhola com-
preendia um complexo empreendimento. A grande mai-
oria dos empreendedores que para cá vieram, provinham
das classes pobres da Espanha, em busca de prestígio e
riquezas. A montagem de uma máquina administrativa
pela coroa, logo demonstrou deficiências e não foi capaz
de propiciar plena segurança à exploração. Deve-se di-
zer ainda que as encomiendas foram abolidas em 1540
pelas Leis novas, por representarem a fragmentação do
poder real. Também o declínio da população indígena
viria a resultar, em algumas áreas, na busca da escravi-
dão negra, como forma alternativa de produção.
Em sua obra Economia e sociedade na América
Espanhola, Ronaldo Vainfas afirma que a produção e
exploração comercial de metais teve seu pico no século
XVI, vindo a sofrer uma intensa crise no início do XVII.
São apontadas algumas razões para isto: primeiro, os
metais são intermediados pela Espanha mas o seu fim
último é Inglaterra e França, para o pagamento de dívi-
das; segundo, as guerras religiosas contra os protestan-
tes (o metal da América vai patrocinar tais guerras); ter-
ceiro, o conseqüente endividamento da Espanha junto
aos credores internacionais; quarto, o sustento de gran-
des exércitos em diferentes lugares; soma-se a tudo isto,
a crise demográfica da América, dentre outros.
Vale lembrar que neste processo de conquista este-
ve presente a igreja, conjugando interesses comuns aos
da coroa. E, a pluralidade de relações de trabalho e de
produção na América espanhola, não nos permite ca-
racterizar tal período nos moldes conceituais do marxis-
39
mo clássico. Tentar fazê-lo, seria incorrer no
reducionismo, como bem determina a análise feita por
Vainfas. Segundo este mesmo autor, o processo de colo-
nização legou-nos como herança não somente uma de-
pendência econômica, mas também a deformação das
culturas indígenas e a inserção pejorativa das palavras
“índio” e “negro”, não somente no vocabulário comum,
mas também no emprego feito por historiadores e soció-
logos.
Também merece destaque a análise feita por
Tzvetan Todorov, em sua obra A conquista da América:
a questão do outro. Tendo como pressupostos ques-
tões relacionadas à democracia do tempo presente, este
autor propõe-se a buscar as origens do totalitarismo, da
desigualdade e da intolerância que hoje nos cercam. Daí
o seu objetivo maior em prescrever um caráter exemplar
de conduta moral, mediante a análise das atitudes e
conceitos empreendidos no processo de conquista da
América, pelos espanhóis em relação ao “outro”. Todorov
denuncia a responsabilidade coletiva dos espanhóis e
de toda a Europa Ocidental em tais empreendimentos,
de forma direta ou indireta. Conclui que o totalitarismo
que hoje impregna a Europa Oriental já se manifestava
no afã espanhol de banir a alteridade exterior naquele
período, fundando nos territórios americanos a estrutu-
ra de intolerância e desigualdade sócio-econômica que
perdura até os nossos dias.
Chama-nos a atenção a citação feita por este autor
de um texto denominado “A profecia de Las Casas”, reti-
rada do Testamento do dominicano, na qual este pres-
creve o derramamento da ira divina sobre a Espanha
num tempo futuro:
“Creio que por causa dessas obras
ímpias, criminosas e ignominiosas, per-
petradas de modo tão injusto, tirânico e
bárbaro, Deus derramará sobre a
40
Espanha sua fúria e sua ira, porque toda
Espanha, bem ou mal, teve o seu quinhão
das sangrentas riquezas, usurpadas à
custa de tanta ruína e extermínio”37
Tal profecia representa importante objeto de análi-
se, não só pela riqueza de elementos de âmbito sócio-
econômico e religioso, mas também por apontar para o
futuro, futuro este que constitui o nosso presente. Evi-
dentemente, para não incorrermos no erro do anacro-
nismo, o pensamento de Las Casas precisa ser situado
no seu contexto temporal, marcado sobretudo pelo ima-
ginário religioso cristão, que se caracteriza pela menta-
lidade de que os acontecimentos históricos estão
aprioristicamente abarcados pela vontade divina.
A profecia de derramamento da ira divina sobre
os representantes futuros da civilização européia se cum-
priu? Todorov afirma que alguns acontecimentos histó-
ricos recentes parecem dar razão a Las Casas. Entre-
tanto, afirma que mesmo sofrendo crises econômico-so-
ciais, ou ainda guerras e calamidades, ou seja, por pior
que venha a ser o presente/futuro dos Estados euro-
peus, tais conseqüências jamais poderão equilibrar a
balança de crimes perpetrados pelos mesmos nos terri-
tórios americanos.
Desta afirmação de Todorov, podemos concluir que,
mesmo apresentando algum caráter cíclico em determi-
nadas situações, os fatos históricos são ímpares e de
impossível repetição idêntica; daí, a História ser dinâ-
mica, imprevisível e impossível de ser abarcada em sua
totalidade. Por isso, é louvável a afirmação do referido
autor, quando diz:
“Somos parecidos com os conquistadores
e diferentes deles; seu exemplo é instru-
tivo, mas jamais teremos a certeza de que
não nos comportando como eles, não
estamos justamente a imitá-los.”38
41
A meu ver, a Espanha hoje vive muito bem, se com-
parada à própria realidade econômico-social da Améri-
ca Latina. Por isso mesmo somos levados a concluir que
a profecia de Las Casas ainda não se cumpriu. Afinal,
ainda que mesmo não acreditando tão ingenuamente
em sua superioridade, a civilização européia continua
desejosa de assimilar “o outro” e fazer desaparecer a
alteridade exterior, espalhando para o mundo inteiro
seus valores. E é também inegável o sentimento de sub-
serviência por parte de alguns segmentos ou setores cha-
mados “Terceiro Mundo” em relação ao “Primeiro”. Per-
cebe-se isto no inconsciente coletivo de que “tudo o que
é de lá, é melhor”: produtos, arte, música, cinema...etc.
Ainda permanece arraigado no imaginário latino-ameri-
cano, mesmo que de forma velada, o estigma de superi-
oridade implantado pela colonização espanhola e portu-
guesa a partir do século XVI.
Finalizamos, ressaltando a importância das con-
siderações feitas por Ronaldo Vainfas e Tzvetan Todorov
para o momento atual. Primeiro, pela evidência de que a
conquista da América iniciada nos séculos XV e XVI -
além de propiciar um dos maiores genocídios da Histó-
ria - legou-nos uma estrutura que permanece em nossa
contemporaneidade, ceifando as condições elementares
da vida. Em segundo lugar, pelo fato do nosso tempo
presente poder representar o futuro predito por
Bartolomé de Las Casas em seu Testamento e, desta
forma, podermos verificar, infelizmente, que o enredo
de intolerância e agressão ao “outro” continua sendo
exibido no cenário da História contemporânea, quase
sempre mascarado pela concepção de uma
pseudodemocracia, quando grupos ou segmentos rejei-
tam a diferença do seu “semelhante”, desejando
condicioná-lo a valores e normas que julgam ser melho-
res ou mais corretos.
Sabemos que o passado - ainda que não possa ser
ressarcido em seus estigmas - ensina o presente, ou
42
ao menos o adverte. É nesse sentido que a memória da
conquista da América convoca a nós, historiadores, a
atentarmo-nos para as descontinuidades e lacunas
historiográficas que ainda restam vazias, e a nos dispor-
mos a fazer do nosso labor, não um árido discurso nar-
rativo, e sim, uma reflexão crítica que promova a vida, e
que ao invés de arvorar os lábaros da conquista, denun-
cie a herança de seus labéus.
43
Referências Bibliográficas
TODOROV, Tzvetan. A conquista da América: a ques-
tão do outro. São Paulo: Martins Fontes, 1993.
VAINFAS, Ronaldo. Economia e sociedade na América
espanhola. Rio de Janeiro: Graal, 1984.
44
Pedra do Sol
45
NOTAS
1
Professor de História da América. Universidade Estadual
deLondrina. Organizador da coletânea.
2
O’GORMAN, Edmundo. A invenção da América. São Paulo:
Editora da UNESP, 1992.
3
TODOROV, Tzvetan. A conquista da América: a questão do
outro. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1993. DUSSEL, Enri-
que. 1492 - O encobrimento do outro: a origem do mito da
modernidade. Petrópolis: Vozes, 1993.
4
TODOROV, Tzvetan. Em face do extremo. Campinas:
Papirus, 1995. LEFORT, Claude. A invenção democrática. 2
ed. São Paulo: Brasiliense, 1987.
5
BOBBIO, Norberto. Direita e esquerda: razões e significa-
dos de uma distinção política. 2 ed. São Paulo: Editora da
UNESP, 1995.
6
HOBSBAWM, Eric. Era dos extremos: o breve século XX,
1914-1991. 2 ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
7
ANDREWS, George Reid. Democracia racial brasileira 1900-
1990: um contraponto americano. Estudos Avançados. São
Paulo, n 30, v 11, maio/agosto, 1997, p. 95.
8
TODOROV, Tzvetan. A Conquista da América...Op.cit.
9
SCHWARCZ, Lilia M. O espetáculo da miscigenação. Estu-
dos Avançados. São Paulo, n 20, v 8, janeiro/abril, 1994,
p.140.
10
COMISSÃO SOBRE GOVERNANÇA GLOBAL. Nossa comu-
nidade global. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1996,
p. 12-3.
11
Aluno do 1º ano do curso de História. Trabalho apresentado
à disciplina: História da América I.
12
VEGA, Inca Garcilaso de la. Comentários reales de los Incas.
México: Fundo de Cultura Económica, 1991.
13
FERREIRA, Jorge Luiz. Incas e Astecas - Culturas pré-
colombianas. São Paulo: Ática, 1995, p. 40.
14
“Em condições naturais causadas pela aridez e por terras
potencialmente férteis, e sendo as forças produtivas disponí-
veis relativamente limitadas, se e somente se se desenvolver
um controle institucionalmente centralizado do abastecimento
de água, tornar-se-á possível o surgimento da civilização (orga-
nização, Estado, grandes construções, sociedades estratificada,
46
etc.). CARDOSO, Ciro Flamarion. Modo de produção asiático:
nova visita a um velho conceito. Rio de Janeiro: Campus,
1990.
15
FERREIRA, Jorge Luiz.Op. cit.
16
Alunas do 2º ano do curso de História. Trabalho apresenta-
do à disciplina: História da América II.
17
TODOROV, Tzvetan. A conquista da América: a questão
do outro. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1993, p. 128.
18
Por guerra se entende o assassinato direto, mesmo fora de
situação de batalha; por maus-tratos, a escravidão, a
subnutrição, a mudança de ritmo e estilo de vida, etc.; em
relação ao choque microbiano, além da falta de imunidade dos
índios, havia uma suscetibilidade extra, causada pela fragili-
dade física e espiritual em que se encontravam. A isso acres-
centa-se o tráfico de escravos e a diminuição da taxa de nata-
lidade.
19
BRUIT, Héctor. América Latina: quinhentos anos entre a
resistência e a revolução. Revista Brasileira de História. São
Paulo: ANPUH/Marco Zero, v.10, n. 20, mar/ago., 1990, p.
156.
20
Apud. TODOROV, Tzvetan. Op. cit., p. 136.
21
Idem, p. 136-7.
22
Aluno do 2º ano do curso de História. Trabalho apresentado
à disciplina: História da América II.
23
BRUIT, Héctor Hernan. Bartolomé de Las Casas e a simu-
lação dos vencidos. Campinas: Iluminuras, 1995.
24
Bartolomé de Las Casas... Op. cit. p. 110.
25
TODOROV, Tzvetan. Op. cit.
26
Idem., p. 195.
27
Idem. Op. cit.
28
LAS CASAS, Bartolomé. Op. cit., p. 109.
29
SALAS, Alberto M. Três cronistas de Índias: Pedro Majetir
de Anglería, Gonzalo Fernandes de Oviedo, Fray Bartolomé
de Las Casas. México: Fondo de Cultura Ecónomica, 1975.
30
LAS CASAS, Bartolomé de. O paraíso destruído: brevíssima
relação da destruição das Índias. 5. ed. Porto Alegre: LP&M,
1991.
31
SALAS, Alberto. Op. cit.
32
LAS CASAS, Bartolomé. Op. cit., p. 110.
33
Idem., p. 200.
47
34
Idem
35
Alunos do 2º ano do curso de História. Trabalho apresentado
à disciplina: História da América II.
36
Aluno do 2º ano do Curso de História . Trabalho apresenta-
do à disciplina: História da América II.
37
Apud. TODOROV, Tzvetan. Op. cit., p. 250.
38
Idem.

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  • 1. 1 UNIVERSIDADE ESTADUAL DE LONDRINA CENTRO DE LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS D E P A R T A M E N T O D E H I S T Ó R I A L A B O R A T Ó R I O D E E N S I N O D E H I S T Ó R I A T E X T O S D I D Á T I C O S HISTÓRIA DA AMÉRICA 2 0 0 4
  • 2. 2 Arias Neto, José Miguel, org. Textos didáticos - História da América. Curitiba : 2004, 47 p. Bibliografia. ISBN 85.86534.56-0 1. História da América ; 2. Textos didáticos I. Título Ficha Catalográfica Copyright ©2004 by Laboratório de ensino de História - HIS - CLCH - UEL Capa: Codex Mendoza 2004 Todos os direitos desta edição estão reservados à Casa Editorial Tetravento Ltda. CNPJ 02.615.734/0001-00 R. XV de Novembro, 1222 - 204 80060-010 - Curitiba - PR Fax (041) 362-2198 e-mail: aosquatroventos@yahoo.com.br
  • 3. 3 SUMÁRIO Agradecimentos .................................................. 05 Apresentação ...................................................... 07 Formas de repartição da terra entre os Incas (Garcilaso de la Vega) Fábio Siqueira Batista ......................................... 11 Entre a cruz e a espada: sociedades de sacrifício e sociedades de massacre Maria José de Melo Prado e Silvia Varela ............. 19 Bartolomé de Las Casas e os índios: o visionário das “Américas” Fábio Jesus de Lima ............................................ 25 Análise da questão do outro na conquista da América por Tzvetan Todorov Cristiano da Veiga Sambatti e Edmar Everson Alves ........................................ 33 Labéus da conquista espanhola Wander de Lara Proença ...................................... 37 Notas ...................................................................... 45
  • 4. 4
  • 5. 5 AGRADECIMENTOS Este trabalho é produto do esforço conjunto de alu- nos e professores do curso de História da Universidade Estadual de Londrina. Assim, gostaria de registrar os seguintes agradecimentos: aos meus colegas do Laboratório de Ensino de His- tória, que tão bem acolheram a idéia e, em particular à profa. Marlene Rosa Cainelli, coordenadora do mesmo, pelo apoio; à professora Sônia Adum que colaborou na indica- ção e seleção dos trabalhos aqui apresentados; aos alunos, pela dedicação e esforço empregados na reformulação e correção dos trabalhos; especialmente à Maria José de Melo Prado e Fábio Jesus de Lima que trabalharam muito para que esta coletânea se tornasse uma realidade. Londrina, Primavera de 1997 José Miguel Arias Neto
  • 6. 6
  • 7. 7 APRESENTAÇÃO José Miguel Arias Neto1 Ao longo do curso de graduação, os alunos do cur- so de História realizam vários trabalhos com o propósito de avaliação de seu desempenho. Encerrado o ano leti- vo os mesmos são a eles devolvidos, permanecendo, por- tanto, no restrito âmbito da relação professor-aluno. No entanto, muitos destes trabalhos são de ótima qualida- de e podem servir de algum modo a professores e alunos de 1º e 2º graus. Essa coletânea nasceu dessa preocupação, ou seja, de tornar utilizável - para a rede pública de ensino - o trabalho que vem sendo desenvolvido pelos alunos da Universidade de Londrina na área de História da Améri- ca, no ano de 1996. Foram reunidos cinco bons traba- lhos de diferentes origens: análises de documentos, re- senhas, relatórios de seminários, provas e trabalhos fi- nais. Assim, também as contribuições que oferecem são de diferentes níveis: alguns podem ser utilizados em sala de aula, outros pretendem provocar reflexões sobre de- terminadas questões que afligem o século XX. A inven- ção da América2 fundou o mundo moderno3 e, a historiografia que trata do tema permanece ainda por demais eurocêntrica. Aliás este parece ser uma marca dos estudos e do ensino de História do e no Brasil: ao contrário dos Esta- dos Unidos ou do México, onde o continente é profun- damente investigado, permanece-se aqui de frente para a Europa e de costas para a América. Tudo se passa como se não houvesse relação entre a América portu- guesa e os países de colonização hispânica e anglo- saxônica.
  • 8. 8 Os trabalhos aqui apresentados demonstram que a investigação da conquista e colonização da América é fundamental para a compreensão da modernidade fun- dada no século XVI e que, as problemáticas que emergi- ram deste contato entre civilizações tão distintas estão presentes nos dias atuais. A problemática consolidação das democracias do continente, o desrespeito à diversidade cultural que ca- racteriza a América, a difícil implementação dos direitos humanos bem como a contínua violação dos mesmos são marcas da violência, da intolerância e da incompreensão em relação ao outro, seja este mulher, negro ou indígena. O esforço dos alunos obedeceu às reflexões de Tzvetan Todorov, quando este afirma que o conhecimen- to pode conduzir à compreensão e à comunicação não- violenta. Este programa está vinculado à uma concep- ção de democracia como formação social e não apenas como regime político4 , cujo fundamento parte da consi- deração de que os homens são iguais em direitos, mas diferentes do ponto de vista de sua formação cultu- ral, religiosa , etc., e que, essa diversidade, ao invés de separar e isolar os homens deveria enriquecer a socie- dade e a cultura humana. Neste sentido a democracia só pode existir do jogo destes dois princípios: a igualda- de e a diferença. A radicalização de qualquer um dos pólos desta relação, conduziu e conduz às tragédias, das quais a História está repleta. A pretensão de uma igualdade total implica em um ideal de uniformidade totalitária: trata- se de reduzir o outro à sua própria imagem. Quando os missionários construíram as reduções, o objetivo era exatamente este: reduzir os indígenas à fé cristã. A Inquisição, o Terror na Revolução Francesa, o Nazismo, o Stalinismo são outros exemplos de tentativas de uniformização dos homens. A uniformidade conduz ao extermínio e massacre dos diferentes. Não é fruto do
  • 9. 9 simples acaso o fato de que as ditaduras e as formas totalitárias, de esquerda e de direita, sejam similares e tenham o terror como fundamento da política5 . Por outro lado, colocar a ênfase no princípio da diferença, implica, quase sempre, em uma hierarquização das sociedades, o que significaria dizer, por exemplo, que os homens são superiores às mulheres, os brancos aos negros ou aos índios, e que, portanto, são portado- res de direitos e deveres diferenciados: o apartheid na África do Sul é um exemplo da desigualdade transfor- mada em fundamento de instituições políticas. O Bra- sil, por outro lado, ostenta o orgulho de ser uma demo- cracia racial, o que é, na verdade, um discurso conser- vador. Este campeão das injustiças sociais - como ob- serva Hobsbawn6 - pode ser caracterizado como uma África do Sul sem apartheid - “isto é, uma sociedade sem a segregação racial imposta pelo Estado e, não obstante, afligida por extrema desigualdade racial”7 . Também o princípio da desigualdade conduz ao massacre e ao ex- termínio. Vale recordar duas Histórias igualmente terríveis. A primeira delas, narrada por Diego de Landa na Relación de las cosas de Yucatán, e citada por Tzvetan Todorov, é a seguinte: “ O capitão Alonso Lopes de Avila tinha-se apossado, durante a guerra, de uma jovem ín- dia, uma mulher bela e graciosa. Ela havia prometido ao marido, que temia ser morto na guerra, não pertencer a nenhum outro, e assim nenhuma persuasão pôde impedi- la de perder a vida a deixar-se seduzir por outro homem; por isso ela foi atirada aos cães”8 . A segunda. Em 1911, Von Ihering, defendeu no jornal O Estado de São Paulo, o extermínio dos índios Kaingang em nome da construção da estrada de ferro Noroeste do Brasil : “Utilizando-se de modelos evolucionistas e deterministas, o naturalista alemão con- denava ‘grupos indígenas inferiores’, que, em sua ótica, ‘ desapareceriam pela mera ação da natureza’. Frente aos
  • 10. 10 prognósticos científicos, nada havia a obstar; nem mes- mo ‘uma moral de fundo humanista’, afirmava(...)”9 . Já em 1996, a Comissão sobre Governança Glo- bal da ONU, observava que uma das características do mundo contemporâneo é “ a propagação de uma cultura da violência”10 : a brutalização de milhares de jovens que lutam em guerras civis, o uso sistemático do estrupro como arma de guerra, o terrorismo, o narcotráfico, o cri- me organizado, a violência étnica, a violência contra a mulher , etc., atingem proporções alarmantes, compro- metendo a consolidação das democracias em termos glo- bais. “Viver a diferença na igualdade: é mais fácil dizer do que fazer” - observa Todorov. No entanto, é necessá- rio tentar. Nesse sentido, o conhecimento é um dos mei- os para se resistir ao poder. Não se pode combater o que não se conhece. Mas é necessário sair do campo defen- sivo e propor alternativas: investigar a conquista da América significa refletir acerca dos mecanismos de do- minação no mundo contemporâneo e tentar superá-los.
  • 11. 11 FORMAS DE REPARTIÇÃO DA TERRA ENTRE OS INCAS ( Garcilaso de La Vega ) Fábio Siqueira Batista11 A conquista da América, por parte dos espanhóis, fez nascer no seio de um povo submetido uma espécie de indivíduo que não era europeu nem índio, o mestiço, seja ele cultural ou de sangue. Este esboço sobre a re- partição da terra entre os Incas, escrito no século XVI por Garcilaso de La Vega, misto de espanhol e índio, tenta explicar como se processava a divisão de terras entre os povos do antigo Império Inca. Garcilaso de La Vega, é mais um daqueles homens que viviam sob a som- bra da coroa espanhola e relembravam ou tentavam rescrever partes da História dos povos pré-colombianos, conquistados pelos europeus; é mais um dos notáveis mestiços daquela época devendo ser considerado ao lado de outros como Felipe G. Poma de Ayala, Bautista Po- mar, Alvarado Tezozomoc e Diego Durán na busca por fontes do passado que ajudem a compreender a História daqueles povos. Ao abordarmos a problemática da divisão de ter- ras entre os povos pré-colombianos, deparamo-nos com questões difíceis de responder dada a exígua quantida- de de material que restou da época da conquista e, mui- to mais ainda, devido aos graves problemas que se im- põem quando da análise de um texto do referido perío- do. As dificuldades de análise devem-se ao fato de al- guns desses textos sofrerem “influências” da cultura reinante, a mestiça, isto é, uma cultura que era cristã e espanhola, mas ao mesmo tempo guardava lembranças da cultura indígena.
  • 12. 12 Como primeiro aspecto, é necessário fazer as apre- sentações do texto, do escritor e do momento em foi es- crito. Garcilaso de La Vega, era filho de um espanhol e de uma princesa Inca, nasceu na cidade de Cuzco em 1539. Viveu alguns anos na Espanha e lutou contra os mouros, aprendeu italiano e fez algumas traduções, es- creveu Comentários reales de los Incas12 , obra em que se aprofunda nos costumes, ritos e cerimônias de seu povo; foi um indivíduo aculturado que sempre se consi- derou mais indígena que espanhol. Contudo, ele legiti- ma e aceita a conquista espanhola. A obra, escrita al- guns anos antes de sua morte, se insere num momento crucial da História da América, época em que os indíge- nas sobreviventes sofrem o processo de cristianização e a servidão sob o jugo dos conquistadores; época em que as feridas estão abertas ainda ( se é que algum dia estas feridas cicatrizaram, particularmente creio que não! ). Na obra de Garcilaso, não restam dúvidas de que existe a exaltação do índio, porém ele escreve como um euro- peu. Mas quem são os Incas? A resposta nós sabemos; entretanto, a História é a eterna análise do passado, a eterna busca por respostas de perguntas que não ces- sam de surgir. Mesmo que soubéssemos tudo a respeito dos Incas, não cessaríamos de tentar entendê-los, de buscar outras respostas que não fossem aquelas que já conhecemos. Esta é a grande virtude da História, o pas- sado não morre, Hic Mortui Vivunt et Pandunt Oracula Mui ( Aqui os mortos vivem e proferem muitas sentenças ). Em finais do século XIII, a tribo dos Incas ao Vale de Cuzco e se alia a três etnias diferentes: Sahuasiray, Allcahuisa e Maras. Por meio de uma fulminante expan- são militar e política, em alguns decênios eles subme- tem outros povos e criam o Tawantisuyu, o “Império dos Quatro Quadrantes”, o domínio dos Incas sobre as outras etnias. Um império com uma organização formi- dável, contando com redes de estradas, depósitos de
  • 13. 13 provisões e uma burocracia muito bem estruturada hie- rarquicamente. Passemos então ao conteúdo do documento. O au- tor observa como se processa a acomodação do dominador Inca sobre o povo submetido, as disposições tomadas pelo Inca para posterior “aculturação” dos con- quistados, a chegada de homens para a construção de poços a canais para irrigação. Para os pré-colombianos, não existiam outras riquezas que não fossem a terra e os produtos advindos da mesma, destarte, logo após a ocupação eles davam início ao processo de divisão das localidades. Ocupando a função de “Civilizadores”, é possível que a construção dos referidos poços e canais de irrigação se tratasse da contribuição dos dominadores aos povos conquistados, encaminhado-os à civilização. Garcilaso fala muito sobre as acéquias, isto nos leva a crer que as terras deveriam ser pobres de recursos naturais, o que conseqüentemente levaria os Incas a irrigá-las constantemente. Depreendesse isto quando o autor diz “...porque é de se saber que a maior parte de toda aquela terra é pobre de terras de pão...”. No mesmo parágrafo, ele faz referências as pastagens e ao gado: é bom relembrar que as micro-regiões eram divididas em “ Ayllus, formados por famílias interliga- das com laços de parentesco e que nes- tes as terras dividiam-se em terras culti- váveis e pastos de uso coletivo... onde se criavam animais, lhamas a alpacas...”13 Garcilaso fala da técnica de construção de terraços por parte dos Incas. Tal fato se devia à estreiteza das terras cultiváveis e mais ainda, a necessidade de au- mento da cultura do milho e da batata, ligada direta- mente ao aumento da população, conquistada ou não, que acontecia. Garcilaso de La Vega diz que as terras eram divididas da seguinte forma: uma parte para o Sol, outra para o Inca e a terça parte para os naturais da
  • 14. 14 terra . Em Incas e Astecas - Culturas pré-colombia- nas, de Jorge Luiz Ferreira, a explicação é diferente: o primeiro beneficiado é o Inca; depois vem as terras do Sol e por último “a maior parte”, as terras da comunida- de. Talvez a explicação de Jorge Luiz Ferreira seja a mais acertada, pois enquanto soberano, o Inca era represen- tante direto do Sol, na qualidade de “deus-vivo”. De acordo com Garcilaso, os Incas não semeavam mais de um ano ou dois as terras cultivadas, repartindo outros e deixando em estado de repouso as primeiras. Isto poderá levar-nos a pensar que a rotatividade de ter- ras era comum, e é provável que sim, principalmente se levarmos em conta Ciro Flamarion S. Cardoso, quando fala da hipótese causal hidráulica14 . No entanto, não podemos deixar de lado Jorge Luiz Ferreira (Cf. Incas e Astecas) que diz que a distribuição das terras era rotativa e anual, para impedir que algumas famílias pudessem usufruir de terras mais férteis por longos períodos, é possível ainda, que existisse o sistema de pousio curto, devido à fragilidade da terra. Ainda segundo Garcilaso, o cultivo da terra se fazia de maneira ordenada e harmônica. Suas palavras dei- xam transparecer um certo idealismo, dando-nos a im- pressão de que a sociedade de que fala é justa e iguali- tária. Aqui, supomos que fala o “índio” Garcilaso, mos- trando o que era antes dos espanhóis chegarem e apon- tando a aparente “anarquia” que agora existe com a pre- sença dos conquistadores. Quando da submissão, os Incas mantinham os deuses e o culto local introduzin- do, logo depois, a adoração do Sol e ao Inca. Aos aldeões cabia oferecer trabalho aos novos senhores. O trabalho, “harmônico”, talvez se devesse ao fato do soberano Inca distribuir cereais, roupas e outros alimentos em épocas de carestia, excedente este que era acumulado do tra- balho praticado pelos aldeões. O autor fala do processo de lavração da terra. Podemos ver que o controle estatal era rígido e nenhum
  • 15. 15 terreno ficava sem ser cultivado, mesmo aqueles pertencentes aos homens que deveriam servir em atividades guerreiras. Estas colocações são corroboradas pelas afirmações de Jorge Luiz Ferreira em Incas e Astecas. Garcilaso de La Vega, afirma ainda que “mandava o Inca que as terras dos vassalos fossem preferidas às suas; por- que diziam que da prosperidade dos sú- ditos redundava o bom serviço para o Rei, que estando pobres e necessitados mal podiam servir na guerra nem na paz...” Este discurso sobre a “justiça social” deixa transparecer mais uma vez a cultura indígena que resta em Garcilaso de La Vega. Provavelmente este é mais um alerta sobre a situação de descaso, miséria e indigência que deviam viver seus irmãos indígenas, desolados pela falta de comando e explorados pelos fidalgos espanhóis. É destacado ainda, o sistema de divisão das terras indígenas. Cada um deles recebia um Tupu, extensão de terra equivalente à quantidade de alimento necessária para suprir as necessidades de um indivíduo. Mas deve- mos ter sempre em mente, que o indivíduo isolado não existia em relação à comunidade, é possível que estes Tupus fossem usados em comunidade para a subsistên- cia de uma família. As palavras de Garcilaso poderiam induzir o leitor a pensar que a orientação individualista fosse comum entre os povos pré-colombianos, o que não é certo. O documento diz que “proporcionalmente às terras que davam para semear o milho, repartiam as que davam para semear os demais legumes que não se regava...”. É pouco provável que houvesse igualdade entre o número de terras para o plantio do milho e outras culturas que porventura existissem. O milho era a base de toda ali- mentação das populações da América pré-colombiana. As outras culturas existentes serviriam, provavelmente,
  • 16. 16 como acréscimo à cultura do milho, já muito difundida ou ainda como meio de alimentação quando fracassava a colheita daquele cereal como, por exemplo, a batata ( Solanum tuberosum). Garcilaso fala ainda sobre os outros tributos pagos em formas materiais, roupas e calçados para os guerrei- ros do Inca. Há um parágrafo que trata quase exclusi- vamente de produtos e situações ligados à guerra. Para opor-se ao discurso de Garcilaso cito Jorge Luiz Ferreira: “A justificação ideológica para a expan- são e a conquista era semelhante à do espanhol: levar a civilização aos povos que vivam na barbárie (...) Ao contrário dos Astecas, os Incas não tinham uma mentalidade belicosa, e a paz era o bem supremo da humanidade...”15 . Vemos então, que o discurso civilizatório era bom para os conquistadores, visto que eles levavam a reli- gião para os povos derrotados e lucravam com os bens tomados a estes povos. Em matéria de psicologia coleti- va, é possível que uma espécie de idéia ou ideal animas- se aqueles homens. Se é verdade que eles tentavam dis- seminar os benefícios da religião ( e neste caso devemos enquadrar tanto os espanhóis quanto os indígenas ) e da civilização é, por conseguinte, mais verdade ainda que eles não se sentiam envergonhados quando tinham que matar, destruir ou saquear em nome destes ideais. Garcilaso diz que os Incas não tinham o ouro nem a prata em conta de metais valiosos, mas apenas como objetos de adorno e de embelezamento. As grandes ri- quezas destes povos vinham da terra e de produtos liga- dos à mesma, pois para eles estava mais em voga o fato de comerem, beberem e vestirem-se do que construírem casas belíssimas e em grandes tesouros. Neste momento é bom fazer uma autocrítica do que foi escrito. Em primeiro lugar, a análise de um indivíduo
  • 17. 17 como Garcilaso de La Vega ou qualquer outro “mestiço” é complicada. O elemento que descende de dois povos ou duas linhagens diferentes deve padecer constante- mente de uma certa “agonia interna”: de um lado ele vive determinada realidade e, de outro, ele tenta escre- ver ou esquecer uma realidade que não existe mais ou que pouco a pouco sofre deterioração. Isto é bastante fácil de notar em outros escritores miscigenados. É pos- sível até imaginar o que ele sentia mas não é possível descrever. Na sua obra ele submete-se à autoridade es- panhola mas exalta o índio. Resta-nos perguntar se ele tentava reduzir o mundo europeu à categoria dos Incas e vice-versa. Pode ser que tentasse utopizar toda a rea- lidade, um misto de justiça social Inca com realidade espanhola e religião cristã. Garcilaso não deixa transparecer totalmente o que está pensando, apesar de seu texto ser bastante inteli- gível. Um homem que faz apologia do indígena, do “pa- raíso perdido” e contrapõe a justiça Inca à desigualdade espanhola. Mas será que ele é um apologista? O que pouco temos em mãos nos impede de emitir um parecer mais acertado. Mas mesmo que tivéssemos todas as suas obras e o conhecêssemos como ele se conhecia, ainda assim, ficaríamos impedidos de entendê-lo, afinal de contas, a História não é só feita de causas econômicas e políticas, por trás de tudo isso existe o ser humano.
  • 18. 18 Refereências Bibliográficas CARDOSO, Ciro Flamarion S. (Org.). Modo de produ- ção asiático: nova visita a um velho conceito. Rio de Janeiro: Campus, 1990. FERREIRA, Jorge Luiz. Incas e Astecas - culturas pré- colombianas. 3 ed. , São Paulo: Ática, 1995. VEGA, Garcilaso de La. Formas de repartição da terra entre os Incas. In Comentários reales de los Incas. México: Fundo de Cultura Económica, 1991. WEPPMAN, Denis. Cortez. São Paulo: Nova Cultural, 1987.
  • 19. 19 ENTRE A CRUZ E A ESPADA: SOCIEDADES DE SACRIFÍCIO E SOCIEDADES DE MASSACRE Maria José de Melo Prado Sílvia Maria Varela16 O objeto deste artigo é o livro A conquista da Amé- rica: a questão do outro de Tzvetan Todorov, mais es- pecificamente o terceiro capítulo, intitulado Compreen- der, tomar e destruir, no qual se discute o processo de aproximação, compreensão e posterior domínio da soci- edade Asteca pelos espanhóis. O autor analisa o processo que considera um “terrí- vel encadeamento”: compreender leva a tomar, e to- mar leva a destruir. Entretanto, questiona essa afir- mação: afinal a compreensão não deveria vir acompa- nhada de simpatia e, nesse caso específico, da preser- vação da fonte de riquezas? Ou, em outra hipótese, se tal compreensão viesse acompanhada de um julgamen- to de valor negativo? O que se verifica, no entanto, é a ocorrência de um sentimento de admiração seguido de destruição. Nota-se claramente esta admiração nas tentativas de equiparação entre a América e a Europa que os espa- nhóis fazem todo o tempo. Eles referem-se, porém, aos objetos e construções, nunca a seus produtores - como um turista contemporâneo em relação a artesanatos exóticos. Os indivíduos são vistos como sujeitos, mas enquanto coletividade produtora de objetos ou como “cu- riosidades naturais”, como plantas e animais, que cau- savam espanto pela sua originalidade. Percebe-se, portanto, que este sentimento é superfi- cial, distante e de superioridade. Não há nunca integração entre admirador e admirado; prova contun- dente disso é que a arte Asteca jamais exerceu qualquer influência na Europa, como a arte negra no século XX. A admiração não implica em assimilação, e, conseqüen-
  • 20. 20 temente, não há motivo para preservação. Os cronistas espanhóis falam “dos” índios e não “aos” índios e, segundo Todorov: “...é falando ao outro (não dando-lhe or- dens, mas dialogando com ele), e somen- te então, que reconheço nele a qualidade de sujeito, comparável ao que eu mesmo sou.” 17 Ou seja, se não houver a imbricação entre a com- preensão e o reconhecimento do outro como não-supe- rior e não-inferior, esse saber (e essa relação) estará subordinado ao poder. A idéia central da obra é justamente esta comunica- ção do eu com o outro. A compreensão da sociedade Asteca que os espanhóis tinham era muito maior que o entendimento dos indígenas em relação aos europeus, e esta torna-se um instrumento para a conquista, pois possibilita a total desestruturação do império de Montezuma. É mais fácil combater o que se conhece, formulando-se estratégias baseadas em seus pontos fra- cos. Todorov considera a conquista da América como o maior genocídio de que se tem notícia na História, e apon- ta a destruição em números grandiosos: em cem anos houve a extinção de 70 milhões de nativos na Meso- América e América do Sul, 24 milhões de mortes so- mente no México. O autor defende também que as pro- porções da matança foram inversamente proporcionais à responsabilidade dos espanhóis. A saber (em numero crescente e em responsabilidade decrescente): guerra, maus-tratos e doenças.18 Embora a responsabilidade dos espanhóis seja evidente, o autor afirma que, dentro des- te contexto, outros conquistadores teriam agido do mes- mo modo, visto que o objetivo era a conquista. Os relatos dos cronistas da época (Bartolomé de Las Casas e T. Motolinia, entre outros) revelam uma realida-
  • 21. 21 de brutal e sangrenta, apresentando os indígenas como vítimas passivas e indefesas. A conquista da América: a questão do outro endossa essa opinião, assim como a maioria dos autores que tratam do assunto, reprodu- zindo, portanto, a visão derrotista da conquista, em que os indígenas figuravam resignados, aceitando sem con- testar a violência a que eram submetidos. Uma visão totalmente oposta é colocada por Hector Hernán Bruit, que percebe, no que outros autores enca- ram como covardia e passividade, uma forma de reação, de resistência. Bruit afirma que essa resistência funda a identidade latino-americana. Ainda hoje se percebe resquícios dessa não adequação aos moldes europeus, os quais estão presentes na cultura, como o hábito ali- mentar, religião, estrutura mental, entre outros. Os in- dígenas não podem ser vistos como covardes incapazes de resistir. A recusa tomaria forma nos suicídios, abor- tos, desinteresse pela procriação, indolência, mentiras, roubos, falsa conversão ao cristianismo, ou mesmo, no silêncio (recusa a falar, à aculturação), inclusive por vias militares. Nas palavras de Bruit: “Quer dizer, nada de incapacidade raci- al, de inferioridade cultural. Simplesmente renúncia voluntária de viver a História do outro, mas simulando vivê-la.(...) A atitu- de indígena, em suas formas diversas, se transformou em arquétipo de resistên- cia à dominação total. Escolheu do con- quistador os valores que mais lhe servi- am, mas não assimilou a cultura do bran- co e jamais abandonou suas crenças e costumes.” 19 Esta constatação se verifica facilmente através da observação dos relatos existentes sobre a sociedade Asteca antes de Cortez. O que vemos é uma civilização avançada (construções grandiosas e de extrema
  • 22. 22 engenhosidade, alta tecnologia agrícola, noções de as- tronomia,...), organizada hierarquicamente (religião, política e sociedade), trabalhadora e guerreira. A questão que se coloca ao final desta discussão é aquela referente aos motivos pelos quais houve, du- rante a conquista, a extinção quase total da população nativa. É interessante a correlação que Todorov faz so- bre o desejo de poder e de riqueza dos europeus com a mentalidade moderna, na qual o dinheiro compra e so- brepuja todo e qualquer princípio moral. Mesmo assim salienta que só esse desejo não explica todo o massacre. Há que se levar em conta a crueldade como um traço mórbido inerente ao homem, presente nos Astecas de Montezuma e nos alemães de Hitler. No caso dos espa- nhóis, há relatos da época que demonstram este fato, como os apresentados abaixo: “Alguns cristãos encontraram uma índia, que trazia nos braços uma criança que estava amamentando; e como o cão que os acompanhava tinha fome, arrancaram a criança dos braços da mãe, e, viva, jo- garam-na ao cão, que se pôs a despedaçá-la diante da mãe.”20 “ Um espanhol, subitamente, desembai- nha a espada (que parecia ter sido toma- da pelo diabo), e imediatamente os ou- tros cem fazem o mesmo, e começam a estripar, rasgar e massacrar aquelas ove- lhas e aqueles cordeiros, homens e mu- lheres, crianças e velhos, que estavam sentados, tranqüilamente, olhando es- pantados para os cavalos e para os es- panhóis. Num segundo não restam sobre- viventes de todos os que ali se encontravam.” 21
  • 23. 23 O autor propõe uma problemática: considerando que todos os povos cometem assassinatos e estes não se re- vestem sempre do mesmo valor, o que os diferencia? Para Todorov seria o código e o contexto, a sociedade de sacrifício e a sociedade de massacre. E qual delas pode ser considerada mais contestável? Julgamento difícil de ser feito com isenção. O sacrifício é uma morte religiosa - mata-se por uma ideologia oficial revestida de uma função social (alimen- tar e apaziguar os deuses). É realizado em praça pública e com o consentimento de todos; a identidade do sacri- ficado é pré-determinada e conhecida, porém o laço so- cial predomina sobre o individual. Em contrapartida, o massacre inverte todos esses princípios, e pode ser con- siderado um assassinato ateu, é feito (de preferência) às escondidas e fora de qualquer regulamentação. Não tem uma função social, justifica-se por si mesmo. A dificuldade consiste em se distinguir com clareza o que se convenciona como uma ou outra. A sociedade européia quinhentista pode ser reconhecida como soci- edade de massacre pelo próprio advento da conquista. Mas o que dizer então da Santa Inquisição, que possui traços de sacrifício? Trazendo essa discussão para a contemporaneidade, como caracterizar a nossa socieda- de atual, que possui traços óbvios de massacre, mas realiza o sacrifício a cada cerimônia da missa católica (que é a religião predominante no Ocidente), com a mor- te e comunhão do Cristo, semelhante ao ritual Asteca, que sacrificava a vítima e comungava-a, num rito de an- tropofagia? Essa questão nos remete a uma reflexão sobre a dita sociedade contemporânea, onde, longe de ser atávica, a violência se revela em todas as esferas sociais, econômi- cas e ideológicas. O que foi considerado no século XVI como guerra justa, se assemelha às atuais guerras reli- giosas no Oriente Médio, que o mundo moderno conde- na e, com o que, ao mesmo tempo, é conivente.
  • 24. 24 Referências Bibliográficas BRUIT, Héctor Hernan . América Latina: quinhentos anos entre a resistência e a revolução. Revista Brasileira de História. São Paulo: ANPUH/Marco Zero, v.10, n.20, p.145 -171, mar./ago.1990. ____________________. Derrota e simulação. Os índios e a conquista da América. Resgate: Revista de Cultu- ra. Campinas, n.2, p. 09 -19,1991. COUTO, José Geraldo. Livro faz da América o “outro” da Europa. Folha de S. Paulo. São Paulo, 24 jun.1996, ilustrada, p.3. LEÓN-PORTILLA, Miguel (org). A conquista da Améri- ca Latina vista pelos Índios: relatos Astecas, Maias e Incas. Petrópolis: Vozes, 1984. _________________________. A visão dos vencidos. Porto Alegre: L &PM História, 1985. MAINARDI, Diogo. Animais inferiores. Veja. São Paulo, ed.1453, n.29, p.114 - 115, 17 jul.1996. ROMANO, Ruggiero. Mecanismos da conquista colo- nial. São Paulo: Perspectiva, 1973. SCHVARZMAN, Sheila. Um lugar na História. Folha de S. Paulo. São Paulo, 02 jun.1996,mais!, p.5. TODOROV, Tzvetan. A conquista da América: a ques- tão do outro. São Paulo: Martins Fontes, 1982.
  • 25. 25 BARTOLOMÉ DE LAS CASAS E OS ÍNDIOS: O VISIONÁRIO DAS “AMÉRICAS” Fábio Jesus de Lima22 Com base no livro, Bartolomé de Las Casas e a si- mulação dos vencidos23 , de Héctor Bruit, entre outros, procurei compreender um pouco mais sobre o dominicano, Frei Bartolomé de Las Casas Homem arrai- gado na fé cristã viveu no conturbado período de tran- sição do século XVI e levantou sua voz em defesa dos povos indígenas que vinham sendo massacrados com o processo violento da conquista. Esta tarefa não se torna fácil, à medida que se busca desvendar traços da mentalidade de um homem medi- eval, que mesmo tendo lutado contra o processo violen- to da conquista, não abandonou seus objetivos de colo- nização. Sua imagem de bom religioso ao lado dos indí- genas, passada por ilustrações, não corresponde à de homem severo, que não poupou críticas aos seus reis, superiores religiosos, conquistadores ou até mesmo aos índios, ou à toda sua perspicácia e ímpeto frente ao Dr. Juan Ginés de Sepúlveda, no debate ocorrido em Valladolid, onde travaram um duelo de eloquência e eru- dição sobre as condições dos nativos na América. Neste livro, Héctor Bruit faz análises sobre os es- critos de Las Casas, nos quais vê, um homem visioná- rio, preocupado com o tipo de sociedade que se formava na América. Meu objetivo não é traçar a vida deste homem, con- siderado persona non grata em seu país , por ir contra os anseios desmedidos dos conquistadores, o que já fi- zeram outros autores, mas apresentar alguns traços da forma de pensar do Frei Bartolomé de Las Casas, acer- ca dos índios e da sociedade que surgia no Novo Mundo.
  • 26. 26 A IMAGEM LASCACIANA SOBRE OS ÍNDIOS Las Casas via os hábitos dos indígenas como uma segunda natureza, um conceito de cultura próximo ao moderno, seguindo Aristóteles. Por mais aberrantes e contra a natureza espanhola que pudessem parecer, Las Casas não considerava os hábitos dos índios puníveis pelos homens, nem como justificativa à violência, consi- derando que estes poderiam ser mudados através da religião cristã, que deveria ser implantada através de métodos pacíficos. Quanto à preguiça, considerava que devido a ter- ra fértil e abundante, os índios viviam naturalmente e sustentavam-se tendo pouco trabalho. Sendo assim, o tempo livre restante passavam em suas casas, pescari- as, festas e danças, e que este vício e incapacidade de trabalho ( à maneira espanhola ), na verdade seria a in- capacidade de trabalho em proveito dos espanhóis, sen- do uma das justificativas para impor, sem embargo, ins- tituições interessadas nos rendimentos materiais que os índios pudessem ofertar. Nos seus escritos, aponta os índios também, como que, destituídos de personalidade ou reações positivas frente aos invasores, utilizando a imagem de um povo fraco, pois raramente admitia a guerra contra os espa- nhóis e quando admitia, era uma guerrinha. Isto consa- grou na historiografia sobre a conquista, lascaciana ou não, a visão negra dada aos conquistadores e que tem marcado a História latino-americana. Héctor Bruit analisa assim, um Las Casas que levantou a imagem de um povo sacrificado e humilhado pela conquista; em última análise, um povo com “voca- ção à escravidão”. O que levou este autor, a questionar “qual é nossa vocação revolucionária ?”24 , que instiga nossos pensamentos nesses 500 anos. Contudo, discordo desta colocação do autor, pois vejo que a submissão à escravidão, está subordinada a fatores que influencia- ram no processo da conquista, como por exemplo, a in-
  • 27. 27 fluência psicológica exercida pelas armas, cavalos e da violência25 . Além do mais, o próprio curso da História demonstra nossa vocação revolucionária, como os mo- vimentos guerrilheiros da América Central e no caso do Brasil ha pouco tempo, o movimento dos “cara-pinta- das”, no processo de impeachment do ex-presidente Fernando Collor. Em outra perspectiva, Tzvetan Todorov no livro A conquista da América: a questão do outro, apresenta um Las Casas igualitarista, que via a existência de igual- dade entre índios e espanhóis, e quando reconhecia al- guma diferença entre os mesmos que pudesse ser des- favorável aos primeiros, as reduzia através de um es- quema evolucionista único26 . Desta forma, originou-se com freqüência esses tipos de formulações em seus es- critos, e isto, segundo Tzvetan Todorov, em nome de uma religião particular, o cristianismo. Para este autor, Las Casas ao mesmo tempo ignora os índios e desco- nhece os espanhóis. Todorov vê o dominicano como um amante dos índios, apesar do mesmo não reconhecer as diferenças culturais. Mesmo assim, Las Casas não defendeu todos os ín- dios, assim como não condenou todos os espanhóis. Ele criticava os índios que traíam suas tribos e aprovava os colonizadores hispânicos pobres e lavradores. Assim a imagem de “bom índio” e “branco mau”, colaborou para realçar a realidade e conseqüentemente melhorar a si- tuação dos indígenas; entretanto , esta posição (consci- ente ou não), acabou por negar aos índios, a condição de sujeitos plenos, capazes de ver, pensar e agir, o que faziam, dentro de suas concepções. Na análise de Héctor Bruit, Las Casas passa a visão de não resistência militar por parte destes povos, para não dar razões a seus adversários, os conquistadores espanhóis. Sem anular a importância de outras conseqüências da conquista, como no tocante a questão do outro, ana-
  • 28. 28 lisada no livro de Tzvetan Todorov 27 , concordo com Héctor Bruit, quando este coloca que pouco importa que o dominicano não tenha amado os índios, acusação fei- ta freqüentemente pelos estudiosos modernos. “Mas porque devia amá-los? Alguém os amou alguma vez? São amados agora?”28 Em suma, Bruit vê um Las Casas que se envolveu com outro problema, que não só o desamor e o despre- zo, mas problemas suscitados pela conquista violenta e caótica, um Las Casas preocupado e envolvido com a sociedade que surgia sem justiça, sem direito e sem le- gítimo poder. A sociedade ao revés. O GRANDE EMBATE: A SITUAÇÃO DOS NATIVOS NA AMÉRICA; A QUESTÃO DA GUERRA JUSTA, INFIDE- LIDADE , CANIBALISMO E ANTROPOFAGIA O cerne desta questão, permeia a forma com que se realizava o processo de conquista e catequização, visto que para Las Casas a conquista deveria ser feita como uma ampla empresa religiosa, levada a cabo por religio- sos. Uma empresa cristã e profundamente humana, para a difusão da doutrina cristã. O dominicano, como foi dito, não abandonou os seus ideais de colonização sen- do apenas contrário a violência desmedida, utilizada no processo de conquista para fazer valer os anseios dos conquistadores espanhóis. Isto bateu de frente com os interesses econômicos dos espanhóis, trazendo à tona, um grande debate sobre a questão das condições dos nativos na América, questionando-se a validade da guerra justa ou não, como forma de se impor a conversão à religião cristã. O grande opositor de Las Casas, foi o Dr. Juan Ginés de Sepúlveda, que embasado em concepções aristotélicas, justificava a utilização da guerra justa como meio de submeter os povos indígenas aos anseios dos
  • 29. 29 conquistadores. Assim sendo, nestes princípios, a ser- vidão natural seguiria uma hierarquia racional que exi- ge a sujeição do imperfeito ao mais perfeito, sendo que, para Aristóteles, esta sujeição poderia ser feita através do uso da força. Já o Frei Bartolomé de Las Casas, acre- ditava que os povos, qualquer que fosse seu estágio de barbárie, teriam a possibilidade, enquanto seres huma- nos de receber as formas de cultura ocidental, particu- larmente a religião cristã, e superar sua atual condição. Por este prisma, possuidor de uma concepção tomista, segundo a qual há uma natureza comum à to- dos os homens que lhes confere unidade, o dominicano interpretou os mesmos princípios aristotélicos em opo- sição a Sepúlveda. Em sua Apologética Histórica , afir- ma que os fundamentos aristotélicos ( características aristotélicas para definir os servos naturais e os senho- res naturais ) não correspondiam com as características físicas dos povos americanos. Um outro fator que descaracterizava o uso da guerra justa contra os indíge- nas, para Las Casas, era a questão da infidelidade29 , vin- culada à concepção dos índios com os bárbaros. Nesta questão havia três tipos de infiéis: 1) os que injusta- mente usurpavam as terras dos cristãos; 2) os que ata- cavam os cristãos, procurando desfazer o estado tempo- ral e espiritual da república, e 3) os que não sabem de nada, não conhecem a Deus, por isso não usurpam das terras cristãs. Segundo Las Casas, a esses infiéis, den- tre os quais estavam os indígenas americanos, não ca- beria a guerra justa. No que se refere ao canibalismo e à antropofagia praticados pelos indígenas e criticados se- veramente pelos espanhóis, o que reforçaria a imagem de bárbaros, Las Casas as justifica dentro de um pro- cesso evolutivo, pelo qual os espanhóis já teriam passa- do, e que estes não teriam razão alguma para se espan- tarem com os defeitos e costumes não civilizados dentre as nações indígenas, não as desprezando por isto, pois a maior parte das nações do mundo já haviam também
  • 30. 30 demonstrado provas de menor prudência, de irracionalidade, de confusão de modos e de costumes animalescos. Assim, com este trabalho, procuro não fazer um julgamento moral, quanto ao caráter de Las Casas, quan- to menos defendê-lo piamente, mas procuro entender um pouco mais sobre a conquista na visão deste dominicano, através do estudo de sua obra repleta de exageros numéricos e narrativos. Além disto, se remon- tarmos à época de Las Casas, encontraremos uma soci- edade em mutação. Uma sociedade medieval que estava passando por um período de rompimentos de dogmas, reestruturações de ordem sócio-econômicas e o florescimento de métodos mais racionais para se com- preender o mundo. Neste quadro conflituoso, onde tam- bém se processa a conquista, com objetivos expansionistas e econômicos, surge um homem que ousa ir contra a violência empregada na conquista, meio am- plamente utilizado para se alcançar este objetivo. LAS CASAS: O VISIONÁRIO DAS AMÉRICAS A CONCEPÇÃO POLÍTICA A imagem passada por Las Casas sobre a destruição das Índias, permeada de todo seu clamor impetuoso, é a de uma História construída no sangue derramado dos povos americanos, como é o caso da obra Brevíssima relação da destruição das Índias30 . Las Casas deixa transparecer nos seus escritos, a sua preocupação com a sociedade que se organizava no caos da conquista. O Frei dominicano dava muita importância às leis, que formavam todos os fundamentos de sua concepção política de sociedade, tendo por fim próprio, o bem co- mum. Sua forma de pensar é aparentemente ortodoxa, como aponta o escritor Héctor Bruit, tinha inspiração nas concepções tomista e aristotélica, que em certos casos era rompida pela busca de certas teorias dos
  • 31. 31 escolásticos italianos do século XIII e XIV 31 . Las Casas transmite sua preocupação com a liber- dade pública e individual, com os fundamentos jurídi- cos da sociedade que se organizava. Ele tinha o desejo de ver na América, uma sociedade de direito e justiça social, de respeito aos direitos humanos, o que na per- cepção de Héctor Bruit configura sua visão do destino do continente. Las Casas conta a História da conquista violenta: guerras, mortes, violências, explorações, do- enças, vendo surgir a “sociedade ao revés” 32 . Constitui- se assim, o visionário dos destinos da América. Na pers- pectiva de Héctor Bruit, Las Casas viu o surgimento da sociedade “melada”33 . Concordando com Bruit, conside- ro que esta questão é ponto de partida para muitos au- tores, que, através de análises sobre a conquista da América, procuram compreender sua sociedade , como o lingüista búlgaro Tzvetan Todorov, com sua crítica ao totalitarismo, ou Eduardo Bueno, que na apresentação do livro Brevíssima relação34 , faz uma analogia entre a América ontem e hoje, a espada e a metralhadora. Considero a América Latina, filha da conquista, que ainda hoje deixa transparecer uma História de mar- cas profundas, resultante do descobrimento e encontro com o outro. Nos vejo como descendentes de duas soci- edades: européia e índia, uma cultura híbrida, criadora de uma cultura popular, latino-americana.
  • 32. 32 Referências Bibliográficas BRUIT, Héctor Hernan. Bartolomé de Las Casas e a simulação dos vencidos. Campinas: Iluminuras; 1985. LAS CASAS, Bartolomé de. O paraíso destruído: brevíssima relação da destruição das Índias. 5. ed. Porto Alegre: LP&M, 1991. SALAS, Alberto M. Três cronistas de Índias: Pedro Majetir de Anglería, Gonzalo Fernandes de Oviedo, Fray Bartolomé de Las Casas. México: Fondo de Cultura Ecónomica, 1975. TODOROV, Tzvetan. A conquista da América: a ques- tão do outro. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1993.
  • 33. 33 ANÁLISE DA QUESTÃO DO OUTRO NA CONQUISTA DA AMÉRICA POR TZVETAN TODOROV Cristiano da Veiga Sambatti Edmar Everson Alves35 O processo de conquista da América serviu de base para a exposição de Tzvetan Todorov, que toma como exemplo este período para analisar a questão do outro. Todorov trabalha esta questão mostrando como ocorre o contato entre duas culturas. Alerta para as con- seqüências do não-reconhecimento do outro como pes- soas de direitos iguais mas de culturas diferentes. Res- salta o papel da comunicação, pois é através dela que pode ocorrer um reconhecimento enganoso do outro enquanto ser pleno a partir do momento em que há manipulação desta comunicação visando a dominação ( a exemplo de Cortez ). Tzvetan Todorov nasceu na Bulgária no dia 1º de março de 1939, é investigador agre- gado no Centre National de Recherches Scientifique; pu- blicou diversas obras: Theorie de la Littérature, Textes des formalistes Russes ( Seuil, 1965), Recherches Sémantiques ( Larousse ), Litterature et Signification ( Larousse, 1967 ), Grammaire du Décamerom ( Mouton). A questão principal que Todorov cerca com sua obra A conquista da América - a questão do outro, diz respeito ao reconhecimento do outro, mais precisamente, mostra a conseqüências sociais quando se desconsidera a diversidade cultural. Todorov mostra que há um choque entre duas culturas distintas (europeus e americanos), aprofunda em sua obra uma análise do resultado deste tipo de procedimento, por meio do qual o outro é desprovido, descaracterizado e transformado em sua originalidade cultural. Aborda a comunicação que pode servir como instrumento de reconhecimento do outro, mas também como um meio de assimilação e de dominação, apresenta a percepção de vários personagens
  • 34. 34 da época acerca do outro. Sua obra divide-se nos seguintes aspectos: a não percepção do outro enquanto humano, a comunicação como um instrumento de dominação e variações da percepção do outro. Na primeira parte da obra evidencia-se o contato entre Europa e América decorrente da busca das Índias por Colombo e que resultou na descoberta do Novo Mun- do . A relação com o outro neste mundo é difícil. O autor observa: ...Colombo descobre a América, mas não os ame- ricanos...”, esta frase expressa a representação de infe- rioridade do outro para o europeu. A indiferença do ou- tro torna-se evidente neste momento, visto que só é pos- sível visualizar a presença do outro em meio as descri- ções que Colombo faz da natureza. Colombo tinha uma maior percepção da natureza, em contrapartida ignora- va a comunicação humana. Por isso quando chega a América ele não a descobre, mas a encontra. Sua crença religiosa, enfim, sua mentalidade servirá de base para a interpretação da realidade, ou seja, ele não descobriu algo novo, mas encontrou algo que estava previamente formado em seu imaginário. Na segunda parte da obra Todorov expõe o modo pelo qual se consolidou a conquista da América apre- sentando a comunicação como um fator decisivo para a dominação do outro. A comunicação é diferente entre Cortez, que a concebe de modo inter-humano, e Montezuma, que a concebe com o mundo ( assim como Colombo ). Cortez é um estrategista que conhece o valor da informação, utiliza a linguagem como um instrumento eficiente na conquista, a comunicação inter-humana melhor lhe serviu para o domínio do outro, tentou com- preender a mentalidade do outro de maneira a sobrepu- jar esta outra cultura. A terceira parte da obra apresenta uma variação de intensidade na recusa que se faz do outro. Por um lado, têm-se uma parcela que vê o outro como um obje-
  • 35. 35 to “...estão a meio caminho entre os homens e os ani- mais...”, e por outro os menos radicais atribuem ao ou- tro uma certa “humanidade”, porém inferior a eles. Não há um respeito em relação à identidade do outro, uma vez que a defesa, a exemplo de Las Casas, é feita sob sua ótica particular, ocorrendo portanto só a medida que se exerce a conversão do outro. A humanidade do outro só é concebida se integrada na cultura do “eu”, ocorren- do então uma assimilação, uma integração da cultura do outro à européia. Ao abordar a relação entre dois mundos totalmen- te diferentes, a obra A conquista da América - a ques- tão do outro remete-nos a nossa sociedade, leva-nos a fazer um auto-exame de nossas próprias atitudes com relação ao tratamento ou julgamento que fazemos de outras sociedades ( ou de outros grupos menores, ou até de outras pessoas ). Todorov mostra desta forma que esta questão de projeção de “meus” valores sobre o “ou- tro” é uma questão atual. Assim, a mensagem que trans- mite em sua obra leva-nos a indagar, por exemplo, se nossas atitudes de certa maneira não são o reflexo do modo de agir dos espanhóis na época da conquista, que tomaram a sua sociedade, os seus valores como o per- feito e como o correto a ser seguido pelos outros? Será que não projetamos nossos valores e princípios como base de julgamento de outras sociedades no sentido de admitir a igualdade do outro? Sob esta perspectiva, a obra de Todorov não só apresentou um valor significati- vo para a própria História da América ao analisar o pro- cesso de conquista, como contribuiu de maneira impor- tante para a Antropologia ao abordar a questão do ou- tro, mais precisamente ao relacionar-se com o etnocentrismo estudado nesta ciência como um meio incorreto de se analisar as sociedades.
  • 36. 36 Referência Bibliográfica TODOROV, Tzvetan. A conquista da América: a ques- tão do outro. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes , 1993.
  • 37. 37 LABÉUS DA CONQUISTA ESPANHOLA Wander de Lara Proença36 O processo de colonização da América Espanhola está integrado ao novo momento econômico que forja o período moderno. Impulsionados pela avidez do acúmulo primitivo de capital - segundo a linguagem marxista - e beneficiados pelo avanço de determinadas técnicas de navegação, os europeus singram os mares em busca de produtos comerciais e da expansão de seus mercados, dando origem, já naquele período, ao fenômeno da globalização sobretudo econômica. A América pré-colombiana será, portanto, palco deste afã capitalista, cujo enredo foi protagonizado por abusos, violência e destruição étnico-cultural. A chega- da de Colombo em 12 de outubro de 1492 em terras americanas propiciava não só o contato entre dois mun- dos culturalmente muito distintos e separados histori- camente por milhares de anos, mas também o confronto entre sociedades de valores e perspectivas econômicas antagônicas. Por exemplo, o ouro que tanto fascina os espanhóis devido ao seu valor monetário, aqui, numa economia basicamente de subsistência e voltada para o auto-abastecimento, é utilizado como enfeite estético ou adorno. Na busca de um sentido para a colonização, pode- se dizer que as colônias existem em função da metrópo- le. Inicialmente, a conquista caracterizou-se pelo saque, passando-se posteriormente à organização de um siste- ma produtivo, sendo que as descobertas das minas em meados do século XVI vão determinar as áreas a serem inicialmente ocupadas. Se, inicialmente, os nativos prestavam serviços tem- porários nas mitas, com a chegada dos espanhóis, são forçados ao trabalho pesado, mediante a exploração. São obrigados a “conviver” com a fome, com a
  • 38. 38 desestruturação familiar, com epidemias, etc. Ao lado das mitas, foram organizados os pueblos ou reduções, com a função de produzir mantimentos e animais para às minas e cidades, além de fornecer mão- de-obra às mesmas. Com a queda populacional indíge- na, as aldeias foram progressivamente declinando, dan- do origem à produção nas haciendas - produção agríco- la em grandes latifúndios. A colonização espanhola com- preendia um complexo empreendimento. A grande mai- oria dos empreendedores que para cá vieram, provinham das classes pobres da Espanha, em busca de prestígio e riquezas. A montagem de uma máquina administrativa pela coroa, logo demonstrou deficiências e não foi capaz de propiciar plena segurança à exploração. Deve-se di- zer ainda que as encomiendas foram abolidas em 1540 pelas Leis novas, por representarem a fragmentação do poder real. Também o declínio da população indígena viria a resultar, em algumas áreas, na busca da escravi- dão negra, como forma alternativa de produção. Em sua obra Economia e sociedade na América Espanhola, Ronaldo Vainfas afirma que a produção e exploração comercial de metais teve seu pico no século XVI, vindo a sofrer uma intensa crise no início do XVII. São apontadas algumas razões para isto: primeiro, os metais são intermediados pela Espanha mas o seu fim último é Inglaterra e França, para o pagamento de dívi- das; segundo, as guerras religiosas contra os protestan- tes (o metal da América vai patrocinar tais guerras); ter- ceiro, o conseqüente endividamento da Espanha junto aos credores internacionais; quarto, o sustento de gran- des exércitos em diferentes lugares; soma-se a tudo isto, a crise demográfica da América, dentre outros. Vale lembrar que neste processo de conquista este- ve presente a igreja, conjugando interesses comuns aos da coroa. E, a pluralidade de relações de trabalho e de produção na América espanhola, não nos permite ca- racterizar tal período nos moldes conceituais do marxis-
  • 39. 39 mo clássico. Tentar fazê-lo, seria incorrer no reducionismo, como bem determina a análise feita por Vainfas. Segundo este mesmo autor, o processo de colo- nização legou-nos como herança não somente uma de- pendência econômica, mas também a deformação das culturas indígenas e a inserção pejorativa das palavras “índio” e “negro”, não somente no vocabulário comum, mas também no emprego feito por historiadores e soció- logos. Também merece destaque a análise feita por Tzvetan Todorov, em sua obra A conquista da América: a questão do outro. Tendo como pressupostos ques- tões relacionadas à democracia do tempo presente, este autor propõe-se a buscar as origens do totalitarismo, da desigualdade e da intolerância que hoje nos cercam. Daí o seu objetivo maior em prescrever um caráter exemplar de conduta moral, mediante a análise das atitudes e conceitos empreendidos no processo de conquista da América, pelos espanhóis em relação ao “outro”. Todorov denuncia a responsabilidade coletiva dos espanhóis e de toda a Europa Ocidental em tais empreendimentos, de forma direta ou indireta. Conclui que o totalitarismo que hoje impregna a Europa Oriental já se manifestava no afã espanhol de banir a alteridade exterior naquele período, fundando nos territórios americanos a estrutu- ra de intolerância e desigualdade sócio-econômica que perdura até os nossos dias. Chama-nos a atenção a citação feita por este autor de um texto denominado “A profecia de Las Casas”, reti- rada do Testamento do dominicano, na qual este pres- creve o derramamento da ira divina sobre a Espanha num tempo futuro: “Creio que por causa dessas obras ímpias, criminosas e ignominiosas, per- petradas de modo tão injusto, tirânico e bárbaro, Deus derramará sobre a
  • 40. 40 Espanha sua fúria e sua ira, porque toda Espanha, bem ou mal, teve o seu quinhão das sangrentas riquezas, usurpadas à custa de tanta ruína e extermínio”37 Tal profecia representa importante objeto de análi- se, não só pela riqueza de elementos de âmbito sócio- econômico e religioso, mas também por apontar para o futuro, futuro este que constitui o nosso presente. Evi- dentemente, para não incorrermos no erro do anacro- nismo, o pensamento de Las Casas precisa ser situado no seu contexto temporal, marcado sobretudo pelo ima- ginário religioso cristão, que se caracteriza pela menta- lidade de que os acontecimentos históricos estão aprioristicamente abarcados pela vontade divina. A profecia de derramamento da ira divina sobre os representantes futuros da civilização européia se cum- priu? Todorov afirma que alguns acontecimentos histó- ricos recentes parecem dar razão a Las Casas. Entre- tanto, afirma que mesmo sofrendo crises econômico-so- ciais, ou ainda guerras e calamidades, ou seja, por pior que venha a ser o presente/futuro dos Estados euro- peus, tais conseqüências jamais poderão equilibrar a balança de crimes perpetrados pelos mesmos nos terri- tórios americanos. Desta afirmação de Todorov, podemos concluir que, mesmo apresentando algum caráter cíclico em determi- nadas situações, os fatos históricos são ímpares e de impossível repetição idêntica; daí, a História ser dinâ- mica, imprevisível e impossível de ser abarcada em sua totalidade. Por isso, é louvável a afirmação do referido autor, quando diz: “Somos parecidos com os conquistadores e diferentes deles; seu exemplo é instru- tivo, mas jamais teremos a certeza de que não nos comportando como eles, não estamos justamente a imitá-los.”38
  • 41. 41 A meu ver, a Espanha hoje vive muito bem, se com- parada à própria realidade econômico-social da Améri- ca Latina. Por isso mesmo somos levados a concluir que a profecia de Las Casas ainda não se cumpriu. Afinal, ainda que mesmo não acreditando tão ingenuamente em sua superioridade, a civilização européia continua desejosa de assimilar “o outro” e fazer desaparecer a alteridade exterior, espalhando para o mundo inteiro seus valores. E é também inegável o sentimento de sub- serviência por parte de alguns segmentos ou setores cha- mados “Terceiro Mundo” em relação ao “Primeiro”. Per- cebe-se isto no inconsciente coletivo de que “tudo o que é de lá, é melhor”: produtos, arte, música, cinema...etc. Ainda permanece arraigado no imaginário latino-ameri- cano, mesmo que de forma velada, o estigma de superi- oridade implantado pela colonização espanhola e portu- guesa a partir do século XVI. Finalizamos, ressaltando a importância das con- siderações feitas por Ronaldo Vainfas e Tzvetan Todorov para o momento atual. Primeiro, pela evidência de que a conquista da América iniciada nos séculos XV e XVI - além de propiciar um dos maiores genocídios da Histó- ria - legou-nos uma estrutura que permanece em nossa contemporaneidade, ceifando as condições elementares da vida. Em segundo lugar, pelo fato do nosso tempo presente poder representar o futuro predito por Bartolomé de Las Casas em seu Testamento e, desta forma, podermos verificar, infelizmente, que o enredo de intolerância e agressão ao “outro” continua sendo exibido no cenário da História contemporânea, quase sempre mascarado pela concepção de uma pseudodemocracia, quando grupos ou segmentos rejei- tam a diferença do seu “semelhante”, desejando condicioná-lo a valores e normas que julgam ser melho- res ou mais corretos. Sabemos que o passado - ainda que não possa ser ressarcido em seus estigmas - ensina o presente, ou
  • 42. 42 ao menos o adverte. É nesse sentido que a memória da conquista da América convoca a nós, historiadores, a atentarmo-nos para as descontinuidades e lacunas historiográficas que ainda restam vazias, e a nos dispor- mos a fazer do nosso labor, não um árido discurso nar- rativo, e sim, uma reflexão crítica que promova a vida, e que ao invés de arvorar os lábaros da conquista, denun- cie a herança de seus labéus.
  • 43. 43 Referências Bibliográficas TODOROV, Tzvetan. A conquista da América: a ques- tão do outro. São Paulo: Martins Fontes, 1993. VAINFAS, Ronaldo. Economia e sociedade na América espanhola. Rio de Janeiro: Graal, 1984.
  • 45. 45 NOTAS 1 Professor de História da América. Universidade Estadual deLondrina. Organizador da coletânea. 2 O’GORMAN, Edmundo. A invenção da América. São Paulo: Editora da UNESP, 1992. 3 TODOROV, Tzvetan. A conquista da América: a questão do outro. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1993. DUSSEL, Enri- que. 1492 - O encobrimento do outro: a origem do mito da modernidade. Petrópolis: Vozes, 1993. 4 TODOROV, Tzvetan. Em face do extremo. Campinas: Papirus, 1995. LEFORT, Claude. A invenção democrática. 2 ed. São Paulo: Brasiliense, 1987. 5 BOBBIO, Norberto. Direita e esquerda: razões e significa- dos de uma distinção política. 2 ed. São Paulo: Editora da UNESP, 1995. 6 HOBSBAWM, Eric. Era dos extremos: o breve século XX, 1914-1991. 2 ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. 7 ANDREWS, George Reid. Democracia racial brasileira 1900- 1990: um contraponto americano. Estudos Avançados. São Paulo, n 30, v 11, maio/agosto, 1997, p. 95. 8 TODOROV, Tzvetan. A Conquista da América...Op.cit. 9 SCHWARCZ, Lilia M. O espetáculo da miscigenação. Estu- dos Avançados. São Paulo, n 20, v 8, janeiro/abril, 1994, p.140. 10 COMISSÃO SOBRE GOVERNANÇA GLOBAL. Nossa comu- nidade global. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1996, p. 12-3. 11 Aluno do 1º ano do curso de História. Trabalho apresentado à disciplina: História da América I. 12 VEGA, Inca Garcilaso de la. Comentários reales de los Incas. México: Fundo de Cultura Económica, 1991. 13 FERREIRA, Jorge Luiz. Incas e Astecas - Culturas pré- colombianas. São Paulo: Ática, 1995, p. 40. 14 “Em condições naturais causadas pela aridez e por terras potencialmente férteis, e sendo as forças produtivas disponí- veis relativamente limitadas, se e somente se se desenvolver um controle institucionalmente centralizado do abastecimento de água, tornar-se-á possível o surgimento da civilização (orga- nização, Estado, grandes construções, sociedades estratificada,
  • 46. 46 etc.). CARDOSO, Ciro Flamarion. Modo de produção asiático: nova visita a um velho conceito. Rio de Janeiro: Campus, 1990. 15 FERREIRA, Jorge Luiz.Op. cit. 16 Alunas do 2º ano do curso de História. Trabalho apresenta- do à disciplina: História da América II. 17 TODOROV, Tzvetan. A conquista da América: a questão do outro. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1993, p. 128. 18 Por guerra se entende o assassinato direto, mesmo fora de situação de batalha; por maus-tratos, a escravidão, a subnutrição, a mudança de ritmo e estilo de vida, etc.; em relação ao choque microbiano, além da falta de imunidade dos índios, havia uma suscetibilidade extra, causada pela fragili- dade física e espiritual em que se encontravam. A isso acres- centa-se o tráfico de escravos e a diminuição da taxa de nata- lidade. 19 BRUIT, Héctor. América Latina: quinhentos anos entre a resistência e a revolução. Revista Brasileira de História. São Paulo: ANPUH/Marco Zero, v.10, n. 20, mar/ago., 1990, p. 156. 20 Apud. TODOROV, Tzvetan. Op. cit., p. 136. 21 Idem, p. 136-7. 22 Aluno do 2º ano do curso de História. Trabalho apresentado à disciplina: História da América II. 23 BRUIT, Héctor Hernan. Bartolomé de Las Casas e a simu- lação dos vencidos. Campinas: Iluminuras, 1995. 24 Bartolomé de Las Casas... Op. cit. p. 110. 25 TODOROV, Tzvetan. Op. cit. 26 Idem., p. 195. 27 Idem. Op. cit. 28 LAS CASAS, Bartolomé. Op. cit., p. 109. 29 SALAS, Alberto M. Três cronistas de Índias: Pedro Majetir de Anglería, Gonzalo Fernandes de Oviedo, Fray Bartolomé de Las Casas. México: Fondo de Cultura Ecónomica, 1975. 30 LAS CASAS, Bartolomé de. O paraíso destruído: brevíssima relação da destruição das Índias. 5. ed. Porto Alegre: LP&M, 1991. 31 SALAS, Alberto. Op. cit. 32 LAS CASAS, Bartolomé. Op. cit., p. 110. 33 Idem., p. 200.
  • 47. 47 34 Idem 35 Alunos do 2º ano do curso de História. Trabalho apresentado à disciplina: História da América II. 36 Aluno do 2º ano do Curso de História . Trabalho apresenta- do à disciplina: História da América II. 37 Apud. TODOROV, Tzvetan. Op. cit., p. 250. 38 Idem.