O documento propõe uma lei que obrigue a inclusão de obras de arte, como pinturas e esculturas, em prédios públicos e comerciais de grande porte em Porto Alegre. Argumenta que isso enriqueceria a arquitetura, educaria a população e melhoraria a qualidade de vida urbana. Cita exemplos de leis semelhantes em outras cidades e o apoio de constituições e da lei orgânica municipal.
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EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS
No Brasil, por uma questão cultural e econômica, a população não tem a-
cesso a obras de artes plásticas de boa qualidade, tais como pinturas, esculturas, ta-
peçarias, afrescos e painéis em relevo. Este fenômeno ocorre pelo fato de que o
custo de obras desta magnitude está fora do poder aquisitivo da grande maioria da
população.
Nos primeiros séculos da história do Brasil, ainda havia prédios, principal-
mente públicos, que dispunham de obras de grandes artistas. Em Porto Alegre se
pode ver, ainda, no Palácio Piratini, no Museu de Arte, no prédio da Biblioteca Pú-
blica e em outros, como no antigo Aeroporto Salgado Filho, pinturas de grandes ar-
tistas nas paredes. Entretanto, nos últimos anos os prédios mais modernos não a-
brem espaço para obras de arte.
Nos dias atuais, a participação da pintura e da escultura na grande arquite-
tura tem sido ocasional, senão rara. Assim, a população que, no passado, graças a
algumas obras de arquitetura, ainda tinha contato com outras manifestações artísti-
cas, no presente fica totalmente afastada do convívio com as artes plásticas. São
poucas as obras de que merecem o tratamento de um hall ou de um grande pano de
parede, com um mural de mosaico ou de azulejo, ou um baixo relevo significativo,
como ocorre, por exemplo, no mural da existente no prédio da Assembléia Legisla-
tiva, pela face que dá para a Rua Duque de Caxias (obra de Vasco Prado).
Presentemente, é muito reduzido o número de pessoas que podem se dar ao
luxo de se permitir a colocação de uma obra original em sua residência, interna ou
externamente. Por outro lado, quando se trata de um edifício público ou semipúbli-
co, que é realmente onde mais interessa a presença da pintura ou da escultura, os
orçamentos são restritos e, quase sempre, o mandatário da construção considera um
gasto desnecessário ao enriquecimento plástico da obra.
Esta última opinião, entretanto, não há de ser considerada majoritária, e
muito arquiteto tem o entendimento de que seria importante e necessária a partici-
pação das outras artes plásticas na obra arquitetônica. Chegam, às vezes, a compor
o espaço para recebe-las, sem que o proprietário venha a valorizar este espaço co-
locando a obra para fazer parte do conjunto. Portanto, tendo em conta a carência de
contato da população brasileira, e conseqüentemente da população de Porto Ale-
gre, com obras de arte originais, seria extremamente oportuno, além de educativo,
que a presença de obras deste gênero voltassem a fazer parte dos grandes projetos
arquitetônicos.
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Esta proposição foi apresentada pelo Professor Francisco Riopardense de
Macedo, engenheiro e titular da cadeira de Urbanismo no Curso de Arquitetura da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul por 30 anos, no IV Congresso Brasi-
leiro de Arquitetos, realizado em São Paulo em janeiro de 1954. A referida propo-
sição, embora aprovada pelo plenário do Congresso, caiu no esquecimento por
muitos anos. No texto do trabalho apresentado naquele evento, assim ilustra o E-
mérito Professor:
“No caso de um edifício público de caráter coletivo, as peças destinadas
ao público, continuam a obra de educação popular através da pintura e da escul-
tura. O pintor e o escultor são postos em contato com o povo por intermédio dela
(a obra arquitetônica), contribuindo, deste modo, com relevante parcela, no traba-
lho de aprimoramento da sensibilidade popular. E a Arquitetura cumpre assim,
com maior rigor, o seu papel de arte que fala diretamente com o povo, sem impe-
dimentos de qualquer natureza, mais acessível e popular. Sobre isso diz o arquite-
to Edgar Greff (também ex-professor do Curso de Arquitetura da UFRGS por mui-
tos anos):
‘Todas as demais obras de arte podem ser negadas total ou parcialmente
do povo. Pode a tela ser encerrada no gabinete do banqueiro; a estátua ser apri-
sionada na sala do comerciante; a poesia pode ser trancada na encadernação de
luxo; dois dias de salário podem fechar as portas das casas de espetáculo, proi-
bindo a ópera, o balet, o teatro, a música... Mas o destino da obra de arquitetura é
a Rua, a Avenida, a Praça – e “a praça é do povo como o céu é do condor” ’.
Portanto, a colaboração dos outros artistas com o arquiteto é equilibrada
e interessante. Se de um lado a pintura e a escultura enriquecem a obra de arqui-
tetura, de outro lado o arquiteto oferece aos pintores e escultores a oportunidade
de divulgar e popularizar suas criações.”
O presente projeto visa, portanto, colocar em prática este interesse latente
que existe entre as obras de arquitetura e as obras de artes plásticas, bem como o
fim maior que é proporcionar a população um contato significativo com a riqueza
de todas elas.
Quanto aos custos que representaria esta proposição aos construtores, estes
seriam diminutos, considerando a amplitude do orçamento de um prédio de mais
de 2.000 m2
. Por outro lado, é inquestionável a valorização decorrente da inclusão
da obra de arte, valor este que se estenderá a cada uma das unidades habitacionais
ou comerciais do prédio, se for o caso.
A cidade de Paris, há décadas já possui legislação semelhante. Aliás, na
condição de cidade européia, exemplo de cidade que cultua a arte, em Paris a ar-
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quitetura jamais se deixou de compor, de utilizar-se de outras formas de artes plás-
ticas, mesmo quando não havia expressa disposição legal neste sentido. No Brasil,
Recife, capital do Estado de Pernambuco, já instituiu em seu Código de Obras, Ca-
pítulo relativo à obrigatoriedade da inclusão de obras de arte em prédios com me-
tragem igual ou superior a 1000m2, conforme cópia juntada ao presente processo,
bem como imagens de alguns prédios de Recife, onde já se encontram belas escul-
turas adornando prédios. Naquela capital, a legislação que determina a inclusão
destas obras já se encontra em vigor há muitos anos. Mais recentemente, Florianó-
polis, capital de Santa Catarina, instituiu legislação no mesmo sentido.
A Constituição do Estado do Rio Grande do Sul, em seu capítulo VI, que
dispõe sobre a “Política Urbana”, confere aos Municípios poderes para definir dis-
posições visando melhorar a qualidade de vida da população, promover a função
social da propriedade urbana, bem como integrar as diversas atividades e funções
urbanas, senão vejamos:
“Art. 176 – Os Municípios definirão o planejamento e a ordenação de u-
sos, atividades e funções de interesse local, visando a:
I – melhorar a qualidade de vida nas cidades;
II – promover a definição e a realização da função social da propriedade;
III – promover a ordenação territorial, integrando as diversas atividades e
funções urbanas; ”
A colocação de obras de arte em fachadas ou em saguões de prédios urba-
nos, sem sombra de dúvida, é uma forma de melhorar a qualidade de vida nas ci-
dades, eis que qualidade de vida não é apenas alimentação, vestuário, mas também
se evidencia pela melhoria das condições de educação e cultura da população. E-
xaminando-se, por exemplo, as fotos que acompanham o presente projeto, que re-
produzem o efeito de legislação semelhante a ora proposta já em vigor na cidade
de Recife, pode-se constatar a beleza que tais obras já oferecem a fachada e a pai-
sagem urbana. Isto sem considerar o efeito educativo que tais obras possam vir a
representar, com o desenrolar do tempo, sobre a cultura de toda a população.
Por sua vez, a promoção social da propriedade também pode se dar através
da proposta representada pelo presente projeto, na medida em que proporciona ao
conjunto da população um bem cultural a cada vez que for realizado um grande in-
vestimento privado ou público. O presente projeto busca realizar este objetivo,
prescrito não apenas na Constituição de nosso Estado, mas também na própria
Constituição Federal.
A proposição encontra amparo, ainda, no art. 193 da Lei Orgânica do Mu-
nicípio de Porto Alegre, conforme a seguir:
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“Art. 193 – O município estimulará a cultura em suas múltiplas manifesta-
ções, garantindo o pleno e efetivo exercício dos respectivos direitos, bem como o
acesso a suas fontes, apoiando e incentivando a produção, a valorização e a difu-
são das Manifestações culturais, especialmente as de origem local e as relaciona-
das aos segmentos populares.”
Assim, na medida em que esta iniciativa vem garantir o acesso às fontes de
cultura, mais precisamente às artes plásticas, coaduna-se perfeitamente com o
transcrito dispositivo da Lei Orgânica.
A importância da estética das obras, através da composição com outras
formas de arte em suas fachadas é reverenciada pelo Professor Riopardense em seu
trabalho aclamado pelo “IV Congresso Brasileiro de Arquitetura” de 1954:
“No passado, de qualquer lado, o prédio era uma página da história. Con-
tava feitos e festejava eventos. Do templo grego à catedral gótica, da Praça de São
Marcos em Veneza à Praça do Mercado de Nuhremberg, cada detalhe interessa
pela expressão e pela forma, pelo sentido e pelo acabamento. Trabalhando na sua
elaboração um só artista, ou pela participação de centenas de artesãos, marcou-se
uma harmonia riquíssima das grandes linhas, ao lado de cuidadoso equilíbrio dos
menores detalhes, a ponto daqueles não dispensarem nenhum destes e estes terem,
realmente, muita significação para o conjunto composto.”
Destaca, também o professor a relação social e até sociológica da relação
entre as obras de arquitetura e as obras de arte que passam a compor uma unidade
artística, bem como a necessidade desta relação para a compreensão de cada fase
da história:
“É que cada detalhe, além de ser uma unidade em si e particular como e-
lemento de uma unidade maior, tinha ainda muito em comum com a vida, era uma
apoteose ou uma crítica da época, com um sentimento bem determinado na grande
composição. Esta ligação com a vida das unidades menores é que lhes garantia a
unidade extrema, isto é, a suficiente participação como elemento da unidade mai-
or. Na praça, isto é, numa grande composição de arquitetura, isto foi mais impor-
tante. Templos e palácios, criados e realizados em épocas diferentes não deixam
de possuir uma unidade extrema que os relaciona. A Praça de São Marcos é um
bom exemplo disso. Em cada bloco, a arquitetura relacionou volumes e simetrias
para exprimir uma idéia ou um pensamento e, de outro lado, a pintura e a escultu-
ra, mais loquazes e inteligíveis, participaram,
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também, com seus meios próprios de expressão, cores, linhas e massas, exprimin-
do o sentido geral que fora eleito. Este pertencia ao consenso comum e, por isso,
era mesmo em cada elemento da unidade maior garantido, em cada um deles, a
estreita ligação com a vida, isto é, com as relações sociais e os problemas da épo-
ca. Assim ficava eternizada pela arquitetura e explicado pela pintura e escultura o
drama e o sonho de cada século. E numa Praça, onde vários séculos assistiram a
elevação dos seus prédios, ficou o que há de comum nos homens de todos os tem-
pos: anseio de melhor e mais perfeita liberdade de expressão para conquista de
uma vida bela entre os seres e as coisas. Isto não teria sido realmente possível se
não houvesse tão equilibrado concurso de diferentes artes no tratamento do espa-
ço como unidade, para um determinado fim.” (grifo nosso)
Ressalta, ainda, o professor a necessidade da obra de arte ser incluída na
edificação no momento da elaboração do projeto, sob pena deste acabar sendo mu-
tilado por aquela:
“A colaboração ampla dos artistas plásticos na obra arquitetônica é, por-
tanto, necessária também na nossa época. Quando essa colaboração não se verifi-
ca desde o início do projeto, dificilmente, no futuro, a inclusão de pintura ou es-
cultura conseguirá situar-se com propriedade na composição arquitetônica. O
empenho, portanto, do arquiteto pela colaboração em todas as fases da criação,
está realmente dirigido no sentido de defender sua obra de acréscimos mutilado-
res da expressão desejada.”
Assim, considerando o alto interesse público educacional da proposta, cer-
tamente contarei com o apoio do Executivo Municipal, já manifesto, bem como
dos Senhores Vereadores desta Casa.
Sala das Sessões, 23 de março de 2006.
VEREADOR RAUL CARRION
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PROJETO DE LEI
Dispõe sobre a colocação de obras de artes
plásticas nas edificações com área adensável
igual ou superior a 2.000 m2
(dois mil metros
quadrados) e dá outras providências.
Art. 1º Toda edificação, com área adensável igual ou superior a 2.000 m2
(dois mil metros quadrados) que vier a ser construída no Município de Porto Ale-
gre deverá conter, em local de visibilidade à população, obra de arte original, exe-
cutada em escultura, vitral, pintura, mural, relevo escultórico ou outra forma de
manifestação de artes plásticas, sem caráter publicitário.
§ 1º Ficam dispensados dessa exigência hangares, galpões de depósito, si-
los de armazenagem e edifícios-garagem para o estacionamento de veículos.
§ 2º Quando a construção for formada por um conjunto de prédios com a
mesma finalidade e dentro de um projeto único, será considerada, para todos os e-
feitos desta Lei, como uma única edificação.
Art. 2º A obra de arte de que trata esta Lei será executada por artista plásti-
co cadastrado nos termos desta Lei, com a chancela do autor do projeto arquitetô-
nico, devendo ser compatível com a edificação e a ela integrar-se, não podendo ser
executada em material facilmente perecível.
Parágrafo único. A conservação e preservação da obra de arte serão de
responsabilidade dos proprietários da edificação.
Art. 3º Para os fins desta Lei, o Poder Executivo Municipal manterá um
cadastro dos artistas plásticos interessados, aberto a consultas pelo público, con-
tendo o currículo do artista, sua experiência, principais exposições de que tenha
participado e descrição de eventuais obras constantes de acervos particulares ou de
museus nacionais e estrangeiros.
Parágrafo único. Para o cadastramento do artista, o Poder Executivo Muni-
cipal exigirá, tão somente, a apresentação de seu currículo.
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Art. 4º Para a obtenção da Carta de Habitação, deverá ser encaminhado ao
Poder Executivo o projeto da obra de arte, contendo o nome do artista, a chancela
do responsável técnico pelo projeto de arquitetura do empreendimento e a descri-
ção da obra de arte e do local de sua colocação.
Parágrafo único. A Carta de Habitação somente será expedida mediante a
comprovação de que a obra de arte foi concluída e colocada no local previamente
determinado no projeto arquitetônico da edificação.
Art. 5o
A obra de arte será vinculada à edificação, não podendo ser retirada,
substituída ou ter suas características alteradas sem justificativa e prévia au-
torização do Poder Executivo Municipal, salvo ocorrência de caso fortuito ou força
maior.
Art. 6º Caso a edificação venha a ser demolida, a respectiva obra de arte
reverterá ao Poder Executivo Municipal, que lhe dará a devida destinação.
Art. 7o
Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.