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O QUE É ARTE. (DE JORGE COLI)
1.Introdução
É difícil definir o que seja a arte, mas é possível identificar algumas produções da cultura como “arte”.
Um dos instrumentos da cultura que define o que é ou não arte é o discurso sobre o objeto artístico
proferido pelo crítico, historiador de arte, etc., em certos lugares como galerias, museus e também em
construções tombadas pelo Patrimônio Nacional onde se depara com tamanha obra artística de grande
admiração.
A instauração da arte e os modos do discurso
2. A instauração da arte e os modos do discurso
A hierarquia dos objetos
A crítica tem o poder de atribuir o estatuto de arte a um objeto e de classificá-los numa certa ordem com
seus próprios critérios. Fazem julgamentos, separações, dizendo que uma obra é melhor que a outra ou
vice-versa.
Hoje, a obra-prima significa a produção mais alta de um artista, mas antigamente era aquela que coroava
o aprendizado de um ofício testemunhando a competência de quem o fez e era com frequencia um
produto utilitário. Mas no nosso século, os critérios de uma obra de arte não são apenas o saber fazer.
Os caminhos do discurso
Percorre linhas afins entre a cultura do crítico e a do artista e não somente a objetividade do domínio
técnico para se fazer o discurso. Porém, o consenso é instável em obras mais polêmicas de artistas que
eram contra os critérios pré-estabelecidos da época em que viviam, por exemplo, o Maneirismo e o
Barroco que vivenciaram caminhos entre o interesse e o desprezo.
Conclui-se que apesar da autoridade do discurso ser forte, é também inconstante e contraditória, não
resultando em segurança no íntimo universo das artes.

3.A busca do rigor

A idéia do estilo
O primeiro instrumento do discurso é o das categorias de classificações estilísticas definindo expressões,
sistemas plásticos, etc., de um artista inter relacionando com sua obra. O artista pode manter um estilo ou
desenvolver outros, seriam as “fases” distintas dele, mas pela imensidão de uma obra de arte ela não
pode ser limitada apenas “a estilos”.

Os estilos
A necessidade de assegurar o conhecimento levou o homem a rotular a obra de arte classificando-a em
impressionista, surrealista ou tantos outros, porém só a classificação não satisfez e algumas foram
criadas por pessoas que se reconheciam nelas, já outras intituladas a um grupo de artistas de maneira
pejorativa, e outros ainda, ignoravam qualquer classificação.
Esta necessidade de classificar uma obra de arte as vezes acontece de forma abusiva e ultrapassa o
valor da própria obra. A riqueza de uma obra escapa de determinações.

Crítica, história da arte. Categorias e sistemas
Distingue formalmente a função do crítico e a do historiador porque na maior parte das vezes essas
atividades se juntam. O crítico analisa e seleciona as obras, já o historiador busca a compreensão dos
fenômenos artísticos trabalhando a partir de elementos selecionados, se dedicando a um autor que
pareça merecer mais, compreendendo-o.

D’Ors e a categoria do Barroco universal – Classicismo e o Classicismo francês
Eugenio D’Ors escreve o Barroco e manipula os mais diversos objetos artísticos. O Classicismo ligado a
uma idéia de modelo da Antiguidade Clássica, significando equilíbrio, rigor, tranqüilidade e racionalidade.
No começo da Terceira República quando a ideologia do poder é positiva, leiga, clara, científica, a França
absorve então o gênio clássico denominando certos filósofos e artistas de clássicos até descobrir que o
Classicismo francês do século XVII era uma manifestação local e específica de um movimento
internacional de arte e civilização chamada Barroco.

Focillon e o evolucionismo autônomo das formas
Em seu livro livro A Vida das Formas, Focillon coloca o Classicismo num momento de perfeito equilíbrio
passando por vários estágios desde o primitivo até a maturidade onde o artista exagera, desequilibra
classificando assim em arte barroca. As formas primitivas, clássica e barroca possuem leis próprias de
transformação no tempo.
Mas as tentativas de dar um rigor formal a análise das estruturas próprias da obra de arte são
insuficientes já que não há uma definição absoluta do objeto, ou seja, um definição científica.

4. Arte para nós
O museu imaginário
A idéia de um museu imaginário veio do pensando francês contemporâneo André Malrax que separa a as
obras no tempo e no espaço segundo uma seleção intuitiva. Como por exemplo, objetos da Angola, vistos
pelos ocidentais como obras de arte e vistos por seus autores como instrumentos de rituais, de magia que
cumprem um papel ativo no meio social.

O “para nós” e a modificação da obra
O arte ocidental seguia o modelo da Antiguidade clássica: “quanto mais próximo se estivesse do antigo,
mais a essência artística penetrava no objeto”. Somente depois do século XVIII é que as “portas” se
abriram, absorvendo objetos artísticos de outras culturas e tempos.
Quando o “para nós” recupera os objetos, cria também uma distância entre nós e o objeto já que se
desconhece sua primeira destinação. Portanto, transforma-se uma obra ao classificá-la de “artística”, pois
as significações inseridas correspondem a cada tempo e cultura com seus próprios valores.

A sobrevivência do objeto artístico
Muito da arte foi perdido por não haver registros, pinturas e esculturas tiveram sua originalidade
comprometidas com o passar do tempo. Os restauradores tentaram reavê-las, mas nem todas as obras
obtiveram sucesso, comprometendo o verdadeiro sentido que o autor quis dar a obra, desta forma a arte
é imutável, pois sob constante transformação busca o original perdido.

O falso
A autenticidade de um quadro falso é tão grande que ele passa a ser autêntico principalmente na visão de
um dono de museu que tem nas mãos um quadro anônimo que considera perfeito demais para ser uma
cópia.
Considera-se o público como admirador do falso, como quando em histórias fictícias onde certo
personagem tem um papel marcante e se torna um personagem real.

5. Nós e a arte

O supérfluo
A arte é ditada como supérfluo pois não necessitamos dela para sobreviver e quando um objeto em
desuso é exposto num museu ou semelhante, torna-se objeto de admiração e exprimindo sentimentos
torna-se artístico. Vários objetos que antes eram utilitários passaram a ser objetos de arte.

O duplo registro e o mercado da pintura
Se tem o registro de supérfluo (fenômeno cultural gratuito) e o registro das funções sociais e econômicas
(interesse).
Em meados do século XVIII o comércio de obras de arte eram realizado entre o pintor e aquele que
encomendava suas obras, existiam poucos comerciantes. O marchand (intermediário que comercializa as
obras) só apareceu um século depois agindo como uma empresa comercial auxiliado pela especulação e
publicidade. Quando morre um artista, sua obra se valoriza, ficando a relação comprador-obra apenas
comercial.
É preciso resgatar o verdadeiro valor das obras e os primeiros a se rebelarem contra as normas
estabelecidas foram os impressionistas. Duchamp que durante sua época foi considerado como um total
“anti”, meios século depois é consagrado como o pioneiro das inovações.

O duplo registro, a arquitetura e o cinema
Tanto na ópera como no teatro os custos são altos, porém, no cinema o custo operacional é apenas no
ato da fabricação, sendo o lucro considerado pelo número de pessoas que atinge e o seu baixo custo de
exibição. No caso da arquitetura, um prédio desenhado por um arquiteto famoso perderá seu valor se o
local do prédio se tornar mal situado socialmente, de nada adiantará o valor da obra. Muitos monumentos
históricos são destruídos e dão lugar a imensos edifícios.

A caricatura do prazer
A arte está relacionada com fatores sociais e econômicos, ainda se vê meninas sendo enviadas ao ballet
como eram ao piano. Isto fazia parte de uma elite determinante, como ainda há pessoas que usam a
cultura como forma de demonstrar poder econômico. Outro aspecto do uso da cultura são aqueles que
pensam que sabem e usam uma linguagem inacessível para expor suas idéias.

A razão
A arte é emoção, sentimento, mas depende da razão, da organização das idéias, da técnica. A leitura de
uma obra é subjetiva ao proporcionar inúmeras possibilidades de interpretação ao espectador.
Portanto, uma obra de arte calculada, pensada, oferece campos intermináveis de interpretações e mesmo
no período da história em que a arte era pré-destinada servindo a propósito exteriores, ela proporcionava
mais além do que o esperado.

A não-razão
Uma das características da arte é que ela consegue exprimir sentimentos através de meios quase
impercebíveis. É essa grande força a sua importância proporcionando um despertar de um mundo de
emoções e conhecimentos esclarecendo as relações que existem em cada acontecimento da história
humana. A arte promove emoções envolventes fazendo que vidas sejam sentidas por outras vidas, como
num filme.

6. A freqüentação
Para que se compreenda a arte, para que transmita emoções completas, é preciso ter um pouco de
conhecimento, de cultura, acompanhando a sua evolução, visto que, a opinião, a leitura sobre a obra de
arte varia conforme a cultura de um povo.

O discurso e a freqüentação
Pode-se fazer a leitura de uma obra conhecendo também a relação da cultura do autor, mesmo assim,
palavras exatas não existiriam para exprimir tal obra. É a freqüentação, o exercício do ato de ler e reler
uma mesma obra, conhecer sua história como se também vivesse aquele momento com o artista.

O acesso a arte
Devido a precariedade sócio-econômica do Brasil, a arte tem pouco alcance. Para muitos se resume nos
meios de comunicação de massa. Quando se reproduz uma pintura numa capa de um livro tira-se a
originalidade da obra pois altera-se o tamanho, as cores perdem ou ganham novos brilhos. Portanto, é
preciso ir mais além, é preciso freqüentar museus e semelhantes, só com esforço é que se consegue
manter viva a chama da arte.

Sobre o autor:
Jorge Coli nasceu em Amparo, SP, em 29/11/194, é professor titular em História da Arte e da Cultura, no
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp. Formou-se em História da Arte e Arqueologia
(graduação e mestrado) e em História do Cinema (graduação) na Universidade de Provença (Aix-
Marseille I, França), doutorado em Estética pela USP, livre-docência e titulação em História da Arte e da
Cultura pela Unicamp. Ensinou na Universidade da Provença, Toulouse-Le Mirail, e Paul Valéry, de
Montpellier na França. Foi professor convidado nas Universidades de Paris I (Panthéon-Sorbonne -
França), Osaka (Japão) e Princeton (EUA). Foi Visiting Scholar da New York University (EUA). Foi
colaborador regular do jornal francês Le Monde. É autor de “Musica Final” (Unicamp), “A paixão segundo
a ópera” (Perspectiva) e “Ponto de fuga” (Perspectiva), entre outros. Traduziu para o francês Os sertões,
de Euclides da Cunha (Métailié) e Memórias do Cárcere, de Graciliano Ramos (Gallimard). Em 2003
recebeu o Prêmio Gonzaga Duque de Melhor Crítico de Arte conferido pela ABCA (Associação Brasileira
de Críticos de Arte). Foi Secretário da Cultura de Campinas (SP), na gestão de Antonio da Costa Santos.
COLI, Jorge. O que é Arte. Ed. Brasiliense. 11ª edição, 1990. SP. 136 p.
http://www.folhapress.com.br

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  • 2. O museu imaginário A idéia de um museu imaginário veio do pensando francês contemporâneo André Malrax que separa a as obras no tempo e no espaço segundo uma seleção intuitiva. Como por exemplo, objetos da Angola, vistos pelos ocidentais como obras de arte e vistos por seus autores como instrumentos de rituais, de magia que cumprem um papel ativo no meio social. O “para nós” e a modificação da obra O arte ocidental seguia o modelo da Antiguidade clássica: “quanto mais próximo se estivesse do antigo, mais a essência artística penetrava no objeto”. Somente depois do século XVIII é que as “portas” se abriram, absorvendo objetos artísticos de outras culturas e tempos. Quando o “para nós” recupera os objetos, cria também uma distância entre nós e o objeto já que se desconhece sua primeira destinação. Portanto, transforma-se uma obra ao classificá-la de “artística”, pois as significações inseridas correspondem a cada tempo e cultura com seus próprios valores. A sobrevivência do objeto artístico Muito da arte foi perdido por não haver registros, pinturas e esculturas tiveram sua originalidade comprometidas com o passar do tempo. Os restauradores tentaram reavê-las, mas nem todas as obras obtiveram sucesso, comprometendo o verdadeiro sentido que o autor quis dar a obra, desta forma a arte é imutável, pois sob constante transformação busca o original perdido. O falso A autenticidade de um quadro falso é tão grande que ele passa a ser autêntico principalmente na visão de um dono de museu que tem nas mãos um quadro anônimo que considera perfeito demais para ser uma cópia. Considera-se o público como admirador do falso, como quando em histórias fictícias onde certo personagem tem um papel marcante e se torna um personagem real. 5. Nós e a arte O supérfluo A arte é ditada como supérfluo pois não necessitamos dela para sobreviver e quando um objeto em desuso é exposto num museu ou semelhante, torna-se objeto de admiração e exprimindo sentimentos torna-se artístico. Vários objetos que antes eram utilitários passaram a ser objetos de arte. O duplo registro e o mercado da pintura Se tem o registro de supérfluo (fenômeno cultural gratuito) e o registro das funções sociais e econômicas (interesse). Em meados do século XVIII o comércio de obras de arte eram realizado entre o pintor e aquele que encomendava suas obras, existiam poucos comerciantes. O marchand (intermediário que comercializa as obras) só apareceu um século depois agindo como uma empresa comercial auxiliado pela especulação e publicidade. Quando morre um artista, sua obra se valoriza, ficando a relação comprador-obra apenas comercial. É preciso resgatar o verdadeiro valor das obras e os primeiros a se rebelarem contra as normas estabelecidas foram os impressionistas. Duchamp que durante sua época foi considerado como um total “anti”, meios século depois é consagrado como o pioneiro das inovações. O duplo registro, a arquitetura e o cinema Tanto na ópera como no teatro os custos são altos, porém, no cinema o custo operacional é apenas no ato da fabricação, sendo o lucro considerado pelo número de pessoas que atinge e o seu baixo custo de exibição. No caso da arquitetura, um prédio desenhado por um arquiteto famoso perderá seu valor se o local do prédio se tornar mal situado socialmente, de nada adiantará o valor da obra. Muitos monumentos históricos são destruídos e dão lugar a imensos edifícios. A caricatura do prazer A arte está relacionada com fatores sociais e econômicos, ainda se vê meninas sendo enviadas ao ballet como eram ao piano. Isto fazia parte de uma elite determinante, como ainda há pessoas que usam a cultura como forma de demonstrar poder econômico. Outro aspecto do uso da cultura são aqueles que pensam que sabem e usam uma linguagem inacessível para expor suas idéias. A razão A arte é emoção, sentimento, mas depende da razão, da organização das idéias, da técnica. A leitura de uma obra é subjetiva ao proporcionar inúmeras possibilidades de interpretação ao espectador. Portanto, uma obra de arte calculada, pensada, oferece campos intermináveis de interpretações e mesmo
  • 3. no período da história em que a arte era pré-destinada servindo a propósito exteriores, ela proporcionava mais além do que o esperado. A não-razão Uma das características da arte é que ela consegue exprimir sentimentos através de meios quase impercebíveis. É essa grande força a sua importância proporcionando um despertar de um mundo de emoções e conhecimentos esclarecendo as relações que existem em cada acontecimento da história humana. A arte promove emoções envolventes fazendo que vidas sejam sentidas por outras vidas, como num filme. 6. A freqüentação Para que se compreenda a arte, para que transmita emoções completas, é preciso ter um pouco de conhecimento, de cultura, acompanhando a sua evolução, visto que, a opinião, a leitura sobre a obra de arte varia conforme a cultura de um povo. O discurso e a freqüentação Pode-se fazer a leitura de uma obra conhecendo também a relação da cultura do autor, mesmo assim, palavras exatas não existiriam para exprimir tal obra. É a freqüentação, o exercício do ato de ler e reler uma mesma obra, conhecer sua história como se também vivesse aquele momento com o artista. O acesso a arte Devido a precariedade sócio-econômica do Brasil, a arte tem pouco alcance. Para muitos se resume nos meios de comunicação de massa. Quando se reproduz uma pintura numa capa de um livro tira-se a originalidade da obra pois altera-se o tamanho, as cores perdem ou ganham novos brilhos. Portanto, é preciso ir mais além, é preciso freqüentar museus e semelhantes, só com esforço é que se consegue manter viva a chama da arte. Sobre o autor: Jorge Coli nasceu em Amparo, SP, em 29/11/194, é professor titular em História da Arte e da Cultura, no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp. Formou-se em História da Arte e Arqueologia (graduação e mestrado) e em História do Cinema (graduação) na Universidade de Provença (Aix- Marseille I, França), doutorado em Estética pela USP, livre-docência e titulação em História da Arte e da Cultura pela Unicamp. Ensinou na Universidade da Provença, Toulouse-Le Mirail, e Paul Valéry, de Montpellier na França. Foi professor convidado nas Universidades de Paris I (Panthéon-Sorbonne - França), Osaka (Japão) e Princeton (EUA). Foi Visiting Scholar da New York University (EUA). Foi colaborador regular do jornal francês Le Monde. É autor de “Musica Final” (Unicamp), “A paixão segundo a ópera” (Perspectiva) e “Ponto de fuga” (Perspectiva), entre outros. Traduziu para o francês Os sertões, de Euclides da Cunha (Métailié) e Memórias do Cárcere, de Graciliano Ramos (Gallimard). Em 2003 recebeu o Prêmio Gonzaga Duque de Melhor Crítico de Arte conferido pela ABCA (Associação Brasileira de Críticos de Arte). Foi Secretário da Cultura de Campinas (SP), na gestão de Antonio da Costa Santos. COLI, Jorge. O que é Arte. Ed. Brasiliense. 11ª edição, 1990. SP. 136 p. http://www.folhapress.com.br