O artigo discute conceitos como discriminação, racismo, preconceito e desigualdade social de forma reflexiva. A autora argumenta que esses conceitos estão interligados e que o foco deve ser combater ações que promovem preconceito e desigualdade. Ela também reflete sobre como a discriminação nem sempre é negativa e pode ser usada para reconhecer diferenças de forma positiva, como em políticas afirmativas. O texto defende uma abordagem que valorize a igualdade na diversidade.
2. Revista A COR
DO BRASIL
Sumário 2 Enxergar o Brasil com um novo
olhar - Esse é o desafio
Ivanir dos Santos
4 DISCRIMINAÇÃO, RACISMO,
PRECONCEITO E DESIGUALDADE
SOCIAL: ENSAIANDO UM PANFLETO
PEDAGÓGICO
Azoilda Loretto da Trindade
14 Raça, etnia e nação: a
ambigüidade dos conceitos
Jacques d’Adesky
20 A ousadia que transforma
100 anos da Revolta da Chibata
22 PARA UMA PEDAGOGIA DA
(RE)EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES
ÉTNICO-RACIAIS
Alexandre do Nascimento
32 Movimento Negro Brasileiro:
uma pedagogia de exemplos e
desafios
Amauri Mendes Pereira
A lei 10.639 torna obrigatório a inclusão da história da África e da cultura negra no currículo escolar do ensino básico.
A revista A Cor do Brasil é uma contribuição ao fomento de debates sobre o tema relacionado ao concurso de redação
promovido pelo projeto Camélia da Liberdade e servirá como subsídio para alunos e professores das redes pública e
privada do Estado de Rio de Janeiro.
A Cor do Brasil é uma publicação do Centro de Articulação de Populações Marginalizadas – CEAP
Rua da Lapa, 200 – gr.810 – Centro RJ – CEP: 20021-180 – Tels.: (21) 2242-0961 / 2232-7077
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Edição e produção: Espalhafato comunicação e produção / Programação visual: Ricardo Bogéa
Rio de Janeiro, 2010
Patrocínio
3. Ivanir dos Santos
2
Revista A COR DO BRASIL
Professores são certificados pelo Curso de Professoras da Fundação de Ensino de Niterói,
Capacitação de professores da Lei 10.639/03, recebem o livro “ Ações Afirmativas, Atitudes
ministrado pelo Centro de Articulação de Populações positivas” após palestra sobre educação, ministrada
Marginalizadas. por Ivanir dos Santos .
4. Enxergar o Brasil
com um novo olhar
Nesses cinco anos em que o Centro de efetiva. Difícil por que somos obrigados a nos
Articulação de Populações Marginalizadas enxergar e pensar sob uma nova ótica, a partir de
(CEAP) realizou o Projeto Camélia da outros conceitos, que não os europeus. Pensar a
Liberdade foi possível perceber que o maior própria realidade nos leva a crescer como povo
desafio da sociedade brasileira é se pensar e nação. E crescer dói, causa mal-estares.
fora do contexto eurocêntrico. Os padrões
dos nossos heróis e de ícones históricos se A escolha do centenário da Revolta da
baseiam, fora do círculo dos profissionais de Chibata como tema deste ano para o Prêmio e
ensino engajados nas lutas do Movimento o Concurso de Redação Camélia da Liberdade
Negro, na perpetuação da invisibilidade tem a finalidade de propor uma reflexão sobre
das contribuições que os descendentes o que nos contaram e o que é fato. Neste caso
de africanos deram ao Brasil. Enxergar a específico, o que nos contaram é que os castigos 3
formação social de uma nação, assim como físicos impostos aos negros foram abolidos
já fazem países como o México e a Costa junto com a escravidão, em 1888. Poucos são
Rica, a partir das contribuições de todos os os livros que narram, mesmo de forma concisa,
povos que a compõem é recontar a própria a história de João Cândido, líder da revolta, e
história e entender o papel e quinhão que como se deu o motim. O fato é que dois mil
nos cabe. marujos, negros e mulatos, quase trinta anos
após a abolição da escravatura, ainda recebiam
A Lei 10639/03 - que instituiu o ensino castigos físicos de superiores militares, que em
da História da África, da Cultura Afrobrasileira sua esmagadora maioria eram de ascendência
e do papel do negro na sociedade, no ensino européia. Foi preciso que a capital federal,
fundamental e médio das escolas públicas e na época, fosse ameaçada por marinheiros
privadas, do país – tem pretensão muito maior amotinados para que milhares de homens livres
que o de resgatar a dívida histórica que o Brasil pudessem ser tratados com dignidade.
tem com os negros e negras descendentes de
africanos que vieram para cá sob o domínio do O Brasil levou 98 anos para reconhecer
tráfico. Ela propõe uma nova perspectiva de João Cândido como Herói Nacional. Assim
compreensão da identidade nacional e desloca como levou 115 anos – entre a abolição da
os padrões impostos, por séculos, pelos nossos escravatura e a confecção da Lei 10639/03
Revista A COR DO BRASIL
colonizadores. O caráter democrático da Lei – para reconhecer a importância de contar a
em questão implica um real conhecimento da história dos descendentes de africanos que a
participação e contribuição dos afro-brasileiros nossa história não contou. Porém, o atraso que
na formação econômica, cultural e social do insiste em tratar negros e negras como atores
Brasil mas, sobretudo, mexe na urdidura de invisíveis da sociedade brasileira deve servir
intolerâncias decorrentes do preconceito tão para explicitar o que de melhor nossos ancestrais
banalizado em nossa sociedade. Intolerância ensinaram: a capacidade de resistir na busca do
cultural, intolerância racial, intolerância sonho e a de encarar desafios como quem grita
religiosa. Por isso é tão difícil sua implementação por liberdade.
5. 4
DISCRIMINAÇÃO, RACISMO, PRECONCEITO
E DESIGUALDADE SOCIAL:
ENSAIANDO UM PANFLETO PEDAGÓGICO
Azoilda Loretto da Trindade*
“Ser capaz de sentir indignação contra qualquer injustiça cometida
Revista A COR DO BRASIL
contra qualquer pessoa, em qualquer parte do mundo. É a qualidade
mais bela de um militante.”
Ernesto “Che” Guevara
* Pedagoga, Psicóloga, Mestre em Educação e Doutora
em Comunicação Social e, principalmente, ativista da
luta contra o racismo.
6. 5
Diante da necessidade de escrever sobre Reflexões
temas que me inquietam, me vi sem inspiração
para efetivamente dizer algo contundente sobre Gostaria de pensar estes termos
questões que fazem parte de minha existência. (Discriminação, Racismo, Preconceito e
Os prazos esgotados, as cobranças justas e o Desigualdade Social) como amalgamados,
texto – um monte de palavras colocadas sobre complementares. Se, inicialmente, destaco os
a tela do computador – não expressava, nem conceitos é só como estratégia didática, pois
de longe, algo significativo e que pudesse, na no dia-a-dia, o que vale combater são as ações
minha opinião, tocar o leitor. Pus-me a pensar, preconceituosas, racistas, discriminatórias
buscar referências, quer em livros, quer a partir produtoras e reprodutoras de desigualdades
de observações do cotidiano, em músicas, sociais.
filmes,... Tentei fazer uma imersão mais Quero destacar, no entanto, que o
intencional na temática, partindo da premissa caminho por mim trilhado não corresponde,
que, numa sociedade que é discriminatória, evidentemente, a uma unanimidade. E creio
preconceituosa e racista, essa imersão já foi
Revista A COR DO BRASIL
ser importante enfatizar que a necessidade
naturalizada... Esse distanciamento permitiria, de uma definição, ainda que imprecisa, é
talvez, produzir o trabalho que pretende ser nada apenas para que possamos ter tranqüilidade
mais do que uma reflexão a ser compartilhada para compreender o sentido, o processo e os
com potenciais pessoas leitoras. Um texto não engendramentos de tais ou quais conceitos em
acadêmico, mas nem por isso sem os requisitos nossa vida cotidiana. Afinal, concordamos com
básicos necessários a um texto, temperado para Munanga (1998) quando diz que quem define
seduzir. Espero que seja uma leitura saborosa o racismo são os anti-racistas que, por sua
e nutritiva para alimentar os nossos ideais vez, partem de perspectivas diversas, às vezes
libertários e libertadores. opostas, que dificultam a construção de uma
7. definição unânime. Esta falta de consenso na
definição do racismo faz com que os anti-racistas
se fixem em compreender o racismo e os racistas
a agirem.
Vamos ao trato dos conceitos, que são,
no meu ponto de vista, de uma certa forma,
polissêmicos e polêmicos.
6
Revista A COR DO BRASIL
8. a) Discriminação 3 - Derivação: por extensão de sentido.
tratamento pior ou injusto dado a alguém por
“Lutar pela igualdade sempre que as causa de características pessoais; intolerância,
diferenças nos discriminem; preconceito.
lutar pelas diferenças sempre que a Ex.: os idosos lutam contra a d. no
igualdade nos descaracterize.” mercado de trabalho.
4 - Rubrica: termo jurídico.
Boaventura de Souza Santos Ato que quebra o princípio de igualdade,
como distinção, exclusão, restrição ou
Recentemente, fui a um encontro em que preferências, motivado por raça, cor, sexo,
uma das palestrantes fortalecia a tese de se idade, trabalho, credo religioso ou convicções
banir qualquer forma de discriminação. Ora, políticas.
como educadora, pessoa que pensa palavras,
ações, pensamentos... comecei a refletir sobre Discriminar
o tema de maneira mais crítica... Ora, na
escola, a discriminação não é algo totalmente 1 - Verbo transitivo direto e bitransitivo
ruim, ela é, por vezes, demandada. Lembram perceber diferenças; distinguir, discernir
das classes de alfabetização e mesmo da Ex.: <d. bem as cores> <d. o certo do
educação infantil? A criança deve ser capaz de errado> <d. entre uma cópia e o original>
“discriminar” as letras p-b-d-q, os tamanhos, transitivo direto.
as cores, as formas... Alguns setores sociais
lutam pelo que chamam “discriminação 2 - Colocar à parte por algum critério;
7
positiva”... – observem, por exemplo, as especificar, classificar, listar.
cotas para mulheres nos partidos políticos, Ex.: é preciso d. os artigos em falta
as cotas para portadores de deficiências transitivo direto e pronominal
nos concursos públicos...Afinal, como 3 - Não (se) misturar; formar grupo à parte
perceber as diferenças, as singularidades, por alguma característica étnica, cultural, religiosa
as peculiaridades sem discriminar? Em que etc.; separar(-se), apartar(-se), afastar(-se)
consiste a discriminação? Podemos viver Ex.: <a professora foi punida por d.
sem discriminar? Como ler este texto sem os alunos negros, colocando-os nas últimas
discriminar as letras, as palavras, os sinais? carteiras> <não se julgando igual aos demais,
E os nossos sentidos, - olfato, paladar, tato, ele mesmo se discrimina>
visão, audição-, não são discriminatórios? transitivo direto
Então, vamos chegar num acordo? De que
4 - Derivação: por extensão de sentido.
discriminação estamos falando?
tratar mal ou de modo injusto, desigual,
Segundo o Dicionário1:
um indivíduo ou grupo de indivíduos, em razão
de alguma característica pessoal, cor da pele,
Discriminação
classe social, convicções etc.
Ex.: é comum a polícia d. os pretos e
Substantivo feminino ato ou efeito de
pobres
Revista A COR DO BRASIL
discriminar.
1 - Faculdade de discriminar, distinguir; Estas definições de dicionário, nos
discernimento. revelam a complexidade dos conceitos, pelo
2 - Ação ou efeito de separar, segregar, menos no que se refere à dinâmica escolar.
pôr à parte. Pode passar despercebido o fato de, por
Ex.: <d. racial> <os negros sofrem d.> exemplo, ouvir educadores dizendo que nas
suas classes todos são iguais, negros, brancos,
1
http://houaiss.uol.com.br/busca.jhtm?verbete=discrimin pobres, ricos...Ver educadores, em legitimas
a%E7%E3o&stype=k em 20/02/2007 discussões, negando a necessidade de se discutir
9. questões afro-brasileiras, em nome do direito sua cidadania, seus direitos (humanos,
de todas as diferenças serem retratadas na políticos, sociais,...), valorizando aquela que
escola, sem, muitas vezes, se dar conta de que o justamente nos possibilita, ao discriminar as
segmento masculino, branco e de classe sócio- diferenças, propor estratégias de se atender na
econômica média/alta/favorecida acaba por ter escola e na sociedade o preceito de igualdade
um tratamento privilegiado...Daí surge uma na diversidade.
indagação: Como se forjou a resistência que
muitos educadores e educadoras
têm em dar relevância aos Artigo 2
*
valores da população afro- Declaração Universal dos Direitos Humanos
descendente/negra e à própria
população afro-brasileira? É tão I) Todo o homem tem capacidade para gozar
evidente que vemos, em muitos os direitos e as liberdades estabelecidos nesta
casos, até o dia 20 de novembro Declaração sem distinção de qualquer espécie, seja
– Dia Nacional da Consciência de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou
Negra, ser rechaçado como algo de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza,
discriminatório, enquanto os nascimento, ou qualquer outra condição.
outros 199 dias letivos, estão
recheados de referências da * http://www.dhnet.org.br/direitos/deconu/textos/integra.htm. Em
cultura de matriz européia, como 25/02/2007
calendários de festas religiosas,
de feriados. Cabe analisar sobretudo os murais
udo
8
os conteúdos escolares...E muitas vezes, tudo
isto, vem encoberto por atos de “bondade”, de
“amor ao próximo”.
Trago estas pontuações, ainda que de
maneira superficial, objetivando que, nós
educadoras, que trabalhamos cotidianamente
com conceitos, com as noções de erro e acerto,
com a avaliação, que implica aprovação e
reprovação, com experimentos, com valores,
percebamos a complexidade dos conceitos e a
utilização dos mesmos.
Observem que contradição ou
paradoxo: Se não houver discriminação não
podemos perceber as diferenças, respeitar
as singularidades e criar mecanismos,
instrumentos e equipamentos sociais voltados
para atender às especificidades, no caso, dos
diversos modos e maneiras de se ser humano,
Revista A COR DO BRASIL
criando políticas públicas que potencializem
e representem a Vida na sua amplitude e não
no restrito e excludente modelo hegemônico e
dominante e etnocêntrico. Ao mesmo tempo,
no que se refere a direitos, à humanidade, não
podemos discriminar ninguém. Nesse sentido,
rechaçamos a discriminação que subtrai a
humanidade do outro, das pessoas, que subtrai a
sua importância, visibilidade social e histórica,
11. b) Preconceito E nesta? O que você responderia?
Parece simples a questão dos preconceitos: Sapo ou cavalo?
idéias preconcebidas a respeito de outrem ou
alguma coisa, com ou sem base real.
De fato, somos seres complexos. Somos
todos, creio, marcados por idéias preconcebidas.
Quantas vezes brincamos com o ditado “não vi e
não gostei” ou ”não sei, não quero saber e tenho
raiva de quem sabe” e outros ditos engraçados
mas que sinalizam nossa predisposição para
idéias preconcebidas? Temos tantos exemplos,
não temos?
Observem estas figuras e digam o que Figura 3
vêem:
A mesma figura é a resposta.
Poderíamos dizer, com base nestas
imagens, que nossa resposta depende de como
vemos a realidade, de como organizamos o que
vemos na realidade e de como a interpretamos.
Algumas pessoas poderão ver uma imagem,
10 outras duas, outras três... e, muitas vezes, rechaçar
o que o outro possa estar vendo e elas não. Muitas
vezes, a verdade, o conceito é, simplesmente, o
que conseguimos captar e não o que o outro vê,
sente, percebe. Lembram, “Narciso acha feio o
que não é espelho”?
Nossos preconceitos não são dissociados
Figura 12 da realidade, ao contrário, estão alicerçados em
como vemos ou lemos esta realidade e, também,
em como os valores sociais estão sendo
apresentados aprioristicamente a cada um de nós.
SInalizo isto, com o intuito de dizer que
os preconceitos não são desconectados da
realidade, há um contexto social, histórico,
político que favorece a emergência e o
recrudescimento dos preconceitos, para o
“bem” e para o “mal”, se assim tomarmos essa
dicotomia. Já que, podemos dizer, somos uma
sociedade de definições, de classificações, de
Revista A COR DO BRASIL
busca de explicações e respostas, de “verdades”
e busca de “verdades”, da Ciência, das hipóteses,
da lógica, das etiquetas, das planificações, dos
Figura 2 pressupostos, ...
“Dessatanizar” os preconceitos, compre-
Na figura 1 se apresentam um rato e um endê-los fora da lógica binária, do bem e do
homem idoso, na figura 2 duas mulheres, uma mal, do certo e do errado mostra-se produtivo
jovem e uma idosa. O que você viu? como problematização. Uma vez que, não os
2
http://www.ceballos.ws/rat2.gif
eliminamos com exorcismos, com sectarismos,
12. com fundamentalismos,mas com luta, sobre-
tudo interna, lutando com “aquela velha opi-
nião que temos sobre tudo”, com encontros,
com aproximações, com coragem. Ufa! E haja
aproximação, haja encontro! São tantos os
preconceitos: religiosos, políticos, sexuais, de
gênero, de cor/etnia, de raças, de classe. Con-
tra africanos e seus descendentes (negros), in-
dígenas, orientais, alemães, ciganos, gordos,
baixos, altos, minorias, maiorias, deficientes,
doentes... Contra quem pensa diferente de nós,
contra quem é a favor das cotas, contra quem é
contra, contra proletário, contra burguês, con-
tra os acadêmicos, contra os militantes, con-
tra, contra, preconceitos contra tantos e tantas
que parece que vivemos num mundo inviável.
Não, não é com esta dimensão que 11
quero me aliançar. Portanto, queremos
convidar a quem é preconceituoso/a, e creio
que todos somos, numa dimensão ou outra,
a compreender que embora recebamos
um legado que nos “predetermina” a ser
preconceituosos/as, que embora tenhamos
nossas experiências que nos “determinam”
a ser preconceituosos/as, podemos deixar
de ser. Estamos diante de uma construção,
não de uma geração espontânea, universal,
eterna, imutável de idéias. Felizmente, creio,
somos sujeitos/pessoas em movimento, em
transformação, em construção e reconstrução
de saberes, de conhecimento, de conceitos,
de linguagem, de história, de vida...Somos
“metamorfoses ambulantes” e espero que a
serviço da vida, nossa e do outro, sobretudo do
outro muitas vezes diferente de nós, que nos
Revista A COR DO BRASIL
inquieta, nos leva a indagar, a perder o chão,
a buscar novas respostas, a sair da “segurança
do já dito, sabido, feito”.
13. c) Racismo de “considerar o racismo não só um fator
poderoso na produção da exclusão social, mas
Aqui, não vou me furtar a colocar algumas principalmente o mecanismo civilizatório
definições de racismo, não de dicionários, mas (portanto ocidental e cristão) de rejeição
de ativistas negros da luta contra o racismo. existencial, ou seja, consciente e subconsciente,
da alteridade”.
[...] designa um comportamento Esta concepção nos ajuda a pensar o
de hostilidade e menosprezo em relação racismo como alicerce da sociedade ocidental,
a pessoas ou grupos humanos cujas na medida em que engendra-se numa
características intelectuais ou morais, “hiperracionalização sistemática dos juízos de
consideradas ‘inferiores’, estariam valor positivos sobre a civilização ocidental, que
diretamente relacionadas a suas se reforça na medida em que se fortalecem os
características ‘raciais’, isto é, físicas ou seus mecanismos racionalizantes (tecnologia,
biológicas ciências), essencializando ou naturalizando a
(BORGES, MEDEIROS E D’ADESKY; cultura” (SODRÉ: op. cit, p.259).
2002, p. 48-49).
d) <->Discriminação <->
O racismo é um sistema de opressão Racismo <-> Preconceito <->
da diferença marginalizada. Nesse Desigualdades Sociais <->
sistema cada etapa se apóia, se nutre e se
sustenta na outra. Trata-se da opressão de
(...) tipos físicos ou grupos étnicos, por
12
serem diferentes do modelo estabelecido
pelo opressor como padrão ideal. O ideal
de beleza física, de cultura, o modelo
padrão, é definido e estabelecido pelas
elites dominantes
(TEORORO, 1999, p. 98).
Uma ideologia que defende
a hierarquia entre grupos humanos, Em síntese, há uma interação entre esses
classificando-os em raças inferiores e termos sobretudo no que se refere a produção de
superiores. exclusão social, subjugação e subalternização
de segmentos significativos da sociedade.
[...] a ideologia racista é um Cabe ressaltar, antes de finalizar este
conjunto de idéias utilizado para explicar escrito, tendo em vista a Lei nº 10.639/03
determinada realidade, no caso, as que, embora tenha destacado o caráter geral
desvantagens dos negros em relação aos do preconceito e da discriminação, pensar na
brancos situação dos negros, afro-brasileiros, que de
(BENTO,1998, p. 25). acordo com dados oficiais, constituem cerca de
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50% da população brasileira é um convite que
O racismo é uma construção sócio- se impõe.
histórica tecida ao longo dos séculos, na Compartilho com vocês a percepção,
perspectiva da exclusão, da dominação, na oriunda de análises e observações do que
justificativa da apartação e hierarquização acontece na sociedade, no que se refere ao
humana. O racismo não é natural, não é tratamento dado à população negra afro-
intrínseco ao ser humano, às pessoas. brasileira. Ou seja, quero evidenciar a
Compactuamos com o destaque de Sodré insensibilidade freqüente em relação ao seu
(1999, p. 258) que nos sinaliza a possibilidade sofrimento e ao aviltamento da sua cidadania, o
14. silêncio quase cúmplice com o que acontece, em SODRÉ, Muniz. Claros e Escuros:
termos de desumanização, com esta população, identidade, povo e mídia no Brasil. Petrópolis,
em níveis micro e macro político. Por quê? Será RJ: Editora Vozes, 1999.
racismo? O que você acha? TRINDADE, Azoilda L. da. O racismo
Finalizo este texto com reticências, texto no cotidiano escolar. 1994. Dissertação
inconcluso como um ensaio e, ainda mais, (Mestrado em Educação) - IESAE/
de caráter panfletário. Espero, que soe como FGV, Rio de Janeiro, 1994.
um convite ao seu envolvimento visceral no ______________________Reinventando
processo de construção de uma educação de A Roda: Experiências multiculturais de uma
fato para todos/todas, que contemple, atendendo educação para todos – Boletim do Programa
às diferenças e à rica diversidade da nossa Salto Para O Futuro, TVESCOLA - 2002.
sociedade, sem hierarquizações das diferenças.
Proponho um olhar sobre a escola em que o
machismo, racismo, elitismo não encontrem
solo para florescer e reflorescer. É possível uma
sociedade melhor para todos e todas e a escola/
educação, creio, tem uma enorme e significativa
contribuição a dar nessa direção.
Referências
BENTO, Maria Aparecida da Silva.
13
Cidadania em preto e branco: discutindo as
relações raciais. São Paulo: Ática, 1998.
BORGES, Edson; MEDEIROS, Carlos
Alberto e d’ADESKY, Jacques. Racismo,
preconceito e intolerância. São Paulo: Atual
Editora, 2002.
MUNANGA, Kabengele. “Teorias sobre
o racismo”. In. HASENBALG, Carlos.
Racismo: perspectivas para um estudo
contextualizado da sociedade brasileira.
Niterói: EDUFF, 1998.
MUNANGA, Kabengele. Superando o
racismo na escola. Brasília-DF: Ministério
da Educação, Secretaria de Educação
Fundamental, 2000.
Revista A COR DO BRASIL
15. Raça, etnia e nação:
a ambigüidade dos
conceitos
Jacques d’Adesky
Doutor em Ciência Social / Antropologia,
Professor Titular da Universidade Cândido
Mendes.
14 As noções de raça, etnia e
nação não se deixam captar com
facilidade. Todas são de uso no
campo das ciências humanas e
utilizadas na língua corrente. São
noções que chegam a se entrelaçar.
Em certas circunstâncias, é usada
indiferentemente uma pela outra.
Em razão que estes termos encontram-
se no vocabulário político e no discurso
ideológico, convém esclarecer os seus sentidos.
A antropologia ajuda a compreender melhor essas duas
noções. Mostra que o significado do termo raça vem evoluindo
com o decorrer do tempo. Baseando-se nos estudos da genética,
aponta a ambigüidade que cerca a noção de raça. Em relação
à etnia, a antropologia analisa a idéia da nação moderna para
diferenciar claramente o que é etnia e o que é nação.
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Antigamente a palavra raça era de uso restrito. Referia-se
à família, a uma filiação, à nobreza. Não era usado para identificar
grupos humanos. Será necessário esperar para que o termo venha
designar um grupo de pessoas aparentadas (ou supostamente aparentadas) por
características físicas comuns. Mais tardar, no decorrer da primeira metade do
século XIX, o termo raça vem a incorporar além dos traços físicos, características
de outra natureza, como os elementos culturais, sociais, de modo que chegará a se
falar de raça indo-européia, raça semita, etc.
16. Durante o século XIX a
antropologia tenta classificar
as pessoas com base em di-
ferenças de natureza exis-
tentes entre os grupos.
A característica que se
impõem naturalmente é
a cor da pele que permi-
tirá definir as três raças
negra, branca e amare-
la. Mas as imprecisões
desta classificação não
podiam ser definitivas.
Não havia como agru-
par numa mesma raça
os habitantes da África
Central, os do Sul da
Índia e os que mora-
vam na Mela- 15
nésia. Todos
tinham a pele
muito escura,
mas além deste
traço, tudo os di-
ferenciava. Isto levou
a incluir outras caracterís-
ticas como a textura dos cabelos,
o formato do crânio, etc.
Diante dos progressos da
genética no século XX, renovou-
se a problemática das
raças. Não se tratava mais
de diferenciar os grupos
de indivíduos segundo os
seus caracteres aparentes
Revista A COR DO BRASIL
(os fenótipos), mas segundo os
conteúdos de seus patrimônios
genéticos. Chega-se até mesmo a uma
definição da raça que encontrou uma
aprovação unânime e que é formulada
da seguinte maneira: uma raça é um conjunto de indivíduos que tem uma parte
importante de seus genes em comum e que pode ser diferenciado das outras raças em
função destes genes.
17. Quando se tratou de dar um conteúdo a esta definição, ao tentar
precisar quais eram os genes que distinguiam os conjuntos de
indivíduos, observou-se que o conjunto das semelhanças
e das diferenças era tão complexo que mesmo com
a acumulação de novos dados genéticos
cada vez mais precisos, tornava-se
mais difícil a classificação
das diversas po-
pulações com-
pondo a espécie
humana.
Em face
desta realidade os
geneticistas tiveram
que admitir que não
era possível classificar
as diversas populações
humanas segundo as
freqüências dos diver-
sos genes contidos nos
patrimônios genéticos
16
destas populações. Se era
possível, na base de caracteres
bem definidos, comparar as popu-
lações, analisar as distâncias observadas,
contudo estes trabalhos não permitiam che-
gar a uma classificação em raças. Concluí-
ram, portanto que a raça não era um fato, mas
um conceito. Não correspondia na espécie
humana a nenhuma realidade que pudesse ser
definida de maneira objetiva.
Em conseqüência disto, será então necessário
abandonar a idéia de raça? A nossa resposta é
negativa. Pois o termo raça representa nos dias de
hoje algo mais que uma simples classificação entre grupos
de indivíduos. Pode apresentar dentro de certos contextos
um significado ideológico quando afirma a existência de uma
hierarquia entre os grupos classificados. Além disto, ela é um
Revista A COR DO BRASIL
dado espontâneo da percepção. Por isso torna-se uma idéia construída
socialmente. E por ser construída, pode ter um impacto extremamente
grande nas sociedades dominadas pelo(s) racismo(s). Pois falar de
racismo(s) nessas sociedades, significa também falar sobre exclusão
e a marginalização de grupos ou populações menosprezadas em
virtude da raça. Possibilita, portanto discernir o(s) racismo(s) que
permeia(m) estas sociedades, mas também discutir as suas causas,
debater os seus efeitos assim como propor políticas públicas e ações
concretas de luta anti-racista.
18. Em relação à indeterminabilidade do A coexistência desses
conceito de raça do ponto de vista de seu
uso corrente pela população, Pierre-André dois conceitos que parecem
Taguieff 1 lembra que o homem comum tem
formas de percepção que nada têm a ver com antinômicos deve compreender-se
os complexos modelos teóricos dos geneticistas
histórica e teoricamente.
contemporâneos. Ele não percebe seus vizinhos
com os olhos do espírito científico, pois ele
entende o discurso cientificamente autorizado será a solução. O apelo a corrigir as palavras para
dos geneticistas anti-racistas como algo melhorar as coisas é uma tentação permanente
distante, abstrato, angelical, sustentado pelas do politicamente correto, alerta ele. A eliminação
elites do saber e desprovido do conhecimento no vocabulário da palavra raça como prescrição
corriqueiro das raças socialmente percebidas. da ação anti-racista remete, escreve ele, a uma
eugenia lexical negativa que crê matar o racismo
O homem comum, continua Taguieff, não eliminando a palavra. Tal supressão, segundo
vendo continuidade genética nem a diversidade Taguieff, teria conseqüências contrárias ao
genética que torna os geneticistas tão otimistas, efeito imaginado, pois reforçaria os mecanismos
continuará a tipificar e a classificar os indivíduos racistas do “querer dizer”, favorecendo, assim,
segundo suas características perceptíveis e, a normalização do racismo simbólico.
mais particularmente, visíveis. A desconstrução
científica da raça biológica, observa ele, não faz A classificação do conceito de etnia é
desaparecer a evidência da raça simbólica, da também necessária. É de grande importância
raça percebida e, invariavelmente, interpretada. na medida em que a maioria das nações no 17
Acima de tudo o imaginário racista alimenta- mundo atual são pluriétnicas. Além disso, a
se das semelhanças e das diferenças fenotípicas etnia tornou-se para as minorias uma fonte de
da cor da pele até diversas características solidariedade e, ao mesmo tempo, um espaço
morfológicas. Portanto, se para a biologia a de afirmação de identidade no seio da nação.
noção de raça coloca problemas insolúveis Tornaram-se também nos dias de hoje uma
de definição que a tornam ultrapassada, sua referência crescente no cenário internacional
importância, indubitavelmente, não pode quando se destaca, por exemplo, as lutas étnicas
ser negada. Porque a raça, queira-se ou não, na África ou o genocídio e a limpeza étnica na
permanece sendo um elemento maior da antiga Iugoslávia.
realidade social, na medida em que emprega, a
partir das características físicas visíveis, formas Como escrito no início, sabemos da
coletivas de diferenciação classificatória e dificuldade de apreender a noção de etnia. Uma
hierárquica que podem engendrar, às vezes, das fontes dessa situação provém do fato que
comportamentos discriminatórios individuais até o nascimento da nação moderna, chamava-
ou coletivos. se nação o que qualificamos hoje de etnia. Pois
etimologicamente, natio, nationis, refere-se não
Em relação às propostas de certos só àqueles que nascem no mesmo local, mas
Revista A COR DO BRASIL
geneticistas e intelectuais que advogam a também à família, à cidade, ao sangue, ao solo,
supressão da palavra raça, porque, segundo eles, à época, à geração. Assim, a nação remete a
a idéia de raça só aparece como sobrevivência etnia, dela nutrindo-se, principalmente quando
científica ultrapassada que traz em si o risco de prevalece o conceito de nação baseado na raça
manter os preconceitos entre os leigos, Taguieff e na língua.
ressalta que tirar da língua essa palavra, visando
apagar o racismo do espaço mental, também não A coexistência desses dois conceitos
1
que parecem antinômicos deve compreender-
TAGUIEFF, Pierre-André, Les fins de l’antiracisme,
Paris, Editions Michalon, 1995 se histórica e teoricamente. De fato o
19. O critério de base territorial ajuda vezes que, devido às vicissitudes da guerra ou
às conseqüências de migrações, as fronteiras
também a distinguir a nação da etnia, nacionais sejam fluidas e se sobreponham
às de um outro grupo nacional efetivamente
se levarmos em conta que a idéia do reconhecido ou que aspire a sê-lo.
território é necessariamente inclusa no Portanto, podemos dizer que são as
conceito de nação... características político-jurídicas, às quais se
junta à existência de uma base territorial, que
processo histórico da construção dos Estados afirmam o predomínio da nação moderna sobre
europeus modernos comporta dois aspectos as etnias que asseguram a clara separação
complementares: a unificação cultural da entre identidade nacional e identidade étnica,
população e a criação de estruturas políticas uma vez que não somente o Estado se atribui
capazes de sustentar o desaparecimento da o monopólio da coação orgânica, mas lhe cabe
sociedade feudal. também, por direito, a necessária organização
das aspirações de uma comunidade nacional
Em muitos países europeus, a construção num território claramente delimitado, cuja
da nação e a unificação cultural realizaram-se soberania é reconhecida por outros Estados.
paralelamente, sob o mando de um grupo étnico
dominante. Este modo de construção nacional É essa clivagem que pressupõe o Estado-
influenciou profundamente os Estados da nação como quadro político de referência e
periferia que surgem depois da descolonização. permite colocar a etnia em segundo plano.
18
Assim, por exemplo, vale relembrar nos países O Estado-nação apresenta-se, assim, como o
africanos o papel assumido tanto pelo partido espaço no interior do qual progressivamente
único quanto pelo exército em vista a integração se atenua o predomínio da etnicidade em
de populações etnicamente fragmentadas em favor da nacionalidade. É essa passagem de
uma nação pós-colonial. etnia para a nação que assegura ao conceito da
cidadania a guarda de direitos civis e políticos
Portanto, parece claro que a concepção que só podem ser apanágio daqueles que uma
da etnia entendida como um conjunto de identidade nacional designa, por toda parte,
indivíduos que partilham um certo número como membros da comunidade nacional
de características, nomeadamente raciais, dotados de plenos direitos. Portanto, a cidadania
lingüísticas, desatrela-se formalmente do não está diretamente ligada à etnicidade. Não se
sentido moderno da nação, porque esta última é cidadão de uma etnia, mas cidadão de uma
é relacionada a uma certa forma de Estado nação. A cidadania indica o pertencimento ao
territorial, o Estado-nação, e ao privilégio de povo soberano do Estado, segundo os princípios
soberania que lhe é concedido. Estas duas dos modernos Estados-nações.
características político-jurídicas, a do Estado e
a da soberania, diferenciam sem ambigüidade a Mas, se é necessário reconhecer que a et-
nação moderna e a etnia. nicidade implica um diferencial comunitário,
Revista A COR DO BRASIL
ela não afirma, necessariamente, um antinacio-
O critério de base territorial ajuda também nalismo. O que contribui para o dilaceramento
a distinguir a nação da etnia, se levarmos em entre o nacionalismo e o particularismo étnico
conta que a idéia do território é necessariamente são as antinomias e os dilemas vividos a partir
inclusa no conceito de nação, embora não seja das tentativas de homogeneização e de unifor-
um requisito imprescindível à existência de mização que negam o direito de cada um a uma
grupos étnicos. A referência histórica com um identidade cultural e a um enraizamento comu-
lugar (território) preciso é uma condição sine nitário diferente.
qua non da nação, podendo até acontecer às
20. A antinomia entre a naciona- 19
lidade e o particularismo identifi-
cador é marcante quando a política
do Estado é a de um represamento
dos pluralismos étnicos, podendo
então traduzir-se pela depreciação
dos particularismos em benefício da
promoção da identidade comum acima
das diferenças culturais.
É o caso, em especial, dos
nacionalismos dos Estados multirraciais
ou multiétnicos que constroem políticas
assimilacionalistas privilegiando
a matriz cultural dominante. Na
medida em que esses nacionalismos
defendem uma homogeneidade
cultural, um pertencimento
religioso ou histórico comum,
Revista A COR DO BRASIL
eles podem impor, pelo recurso
a veleidades totalitárias, modelos
normativos que excluem os que são
diferentes. O nacionalismo torna-se
então um movimento voltado para
desenraizar e homogeneizar, impondo
àqueles que vivem no mesmo território
um modelo normativo do humano.
21. A ousadia que
transforma
100 anos da
Revolta da Chibata
Em novembro de 2010, o país undo maior navio da Armada) e
rende justas homenagens à valentia de mais seis embarcações meno-
e coragem de homens que oferece- res ancoradas na baía. Foi en-
ram suas próprias vidas para mudar tão emitido um ultimato no qual
a dura realidade da Marinha do ameaçavam abrir fogo sobre a en-
Brasil, que impunha castigos físicos tão Capital Federal. Eles exigiam
aos marinheiros de patentes inferi- o fim das chibatadas e a anistia a to-
ores. Há 100 anos, João Cândido – dos os revoltosos que se entregassem.
o Almirante Negro – coordenava a A Marinha chegou a esboçar um ataque,
revolta que parou a então capital da mas além de rechaçada, ainda sofreu um
20 República e garantiu, por decreto bombardeio às instalações na ilha das Cobras.
presidencial, tratamento digno para
todos. A cidade estupefata parou. Muitos
curiosos se aglomeravam ás mar-
A Revolta da Chibata acon- gens da Baía de Guanabara
teceu entre 22 e 27 de novembro para acompanhar a
de 1910, no Rio de Janeiro, na movimentação dos
época Capital da República. Dois revoltosos. Uma
mil marinheiros se rebelaram con- forte pressão
tra a aplicação de castigos físicos, popular pedia o
ameaçando bombardear o entorno fim da revolta, que
da Baía de Guanabara. O estopim era bravamente conduzida
da revolta foi a punição (com 250 com o mínimo de condições. Havia
chibatadas) aplicada ao marinheiro pouca comida e a munição era escassa.
Marcelino Rodrigues Menezes,
do Encouraçado Minas Gerais. Em 26 de novembro, já sem al-
Por ter ferido um cabo com uma ternativa, o então presidente Hermes da
navalha, ele recebeu o castigo na Fonseca, determinou o fim dos castigos e
presença da tropa formada, ao som garantiu a anistia dos revoltosos. Porém, sua
Revista A COR DO BRASIL
de tambores. O rigor dessa punição, promessa não foi cumprida. Os revoltosos fo-
considerada desumana, provo- ram detidos com requinte de crueldade na Ilha das
cou a indignação da tripulação. Cobras. Outros, após serem expulsos de seus navios,
acabaram assassinados. Dos dois mil homens que se atrev-
Na noite de 22 de novembro, eram a clamar por liberdade, menos de cem ficaram vivos.
os marinheiros do Encouraçado Mi-
nas Gerais se amotinaram, mataram João Cândido, líder da rebelião e que sobreviveu a
quatro oficiais, obtiveram a adesão todos os martírios, foi internado como louco e indigente
do Encouraçado São Paulo (o seg- no Hospital dos Alienados, em 1911. Sua absolvição - e
22. A COR
Revista
DO BRASIL
a de outros sobreviv- do delegado da Capitania dos Por-
entes - só aconteceu em tos de Porto Alegre. O apoio foi
1913. Somente em 2008 dado pelo Almirante Alexandrino
ele e seus companheiros de Alencar, ex-ministro da Mar-
seriam reconhecidos como inha que conhecia a família do
menino.
Heróis Nacionais. Foi a
menos de dois anos que um João Cândido conheceu os
estátua de bronze daquele quatro continentes navegando pela
que liderou a revolta foi er- Marinha, o que lhe deu uma nova
guido na Praça XV. concepção de mundo. Foi nestas
viagens que percebeu a diferença 21
Memória e homenagem com que os marujos da Europa e
de outros lugares eram tratados.
É em homenagem Ele se perguntava por que apenas
à valentia daqueles a Marinha do Brasil ainda impunha
que ofereceram castigos físicos aos seus subordina-
dos. Apesar de não ter sido alvo das
suas próprias vi-
chibatas, o marinheiro negro sofria
das para mudar com o que via à sua frente: vários
a história da homens sendo submetidos a casti-
Marinha e do gos cruéis impostos pelas chibatas
Brasil que o Centro - feitas com pregos nas pontas que
de Articulações de Popu- rasgavam a pele e faziam escorrer
lações Marginalizadas (CEAP) sangue e dor.
escolheu o tema “João Cândido, o
Fonte: Projeto Memória Banco do Brasil
Marinheiro da Liberdade - 100 anos
da Revolta da Chibata” para edição do
Prêmio Camélia da Liberdade e de seu
Concurso de Redação. O prêmio, patrocinado
pela Petrobras e que já está na sua quinta edição,
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pretende resgatar a memória de homens e mul-
heres negros que fizeram a diferença na história do país.
Almirante Negro
João Cândido nasceu nas serras gaúchas em 1880, oito
anos antes da abolição da escravatura. Filho de escravos, aos
13 anos lutou na Revolta Federalista. Aos 15, foi enviado por
seus pais para o Rio de Janeiro com uma carta de recomendação
23. Alexandre do Nascimento
Doutorando em Serviço Social (UFRJ),
Mestre em Educação (UERJ), Profes-
sor e Integrante do Núcleo de Estudos
Étnico-Raciais e Ações Afirmativas da
Fundação de Apoio à Escola Técnica do
Rio de Janeiro (Faetec) e Professor do
Movimento Pré-Vestibular para Negros e
Carentes (PVNC).
22
Revista A COR DO BRASIL
24. PARA UMA PEDAGOGIA
DA (RE)EDUCAÇÃO DAS
RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS
Na sociedade e na educação, uma nova demanda se coloca a
partir da promulgação da Lei Federal 10.639/03 e do Parecer 003/04
e Resolução 01/04, ambos do Conselho Nacional de Educação que,
como já sabemos, instituiu a obrigatoriedade do ensino de história e
cultura afro-brasileira e africana e as diretrizes gerais deste ensino.
Trata-se, de um modo geral, da concretização de uma das propostas
e exigências mais importantes da luta histórica do Movimento Social
Negro1, que se insere no campo da educação e, pois, da produção 23
de uma nova consciência social-histórica e uma nova cultura. Esta
demanda se coloca para o currículo escolar e para a pedagogia, que
necessariamente, devem passar por uma reestruturação, sobretudo nas
disciplinas de história, literatura e educação artística, como diz a Lei,
e por uma revisão de práticas tradicionais.
Estamos, dessa forma, diante de um novo desafio colocado para
os educadores pela exigência social de democratização das relações
sociais, que no Brasil passa indispensavelmente pela superação do
racismo, dos preconceitos e discriminações contra os descendentes
de africanos, sua história, valores e produções culturais. Como essa
exigência social não diz respeito somente ao combate às desigualdades
raciais, o currículo e a pedagogia se tornaram parte dessa perspectiva,
pois o conceito de democracia propõe igualdade e não uniformidade.
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Neste sentido, além da igualdade de condições socioeconômicas,
a democracia proposta que a multiplicidade de movimentos sociais
requer que todas as pessoas, como são, sejam reconhecidas, visíveis
e tenham as mesmas oportunidades de participação na sociedade,
1
Para os organizadores do I Encontro Nacional de Entidades Negras, realizado em
1991 na cidade de São Paulo, “o Movimento Negro se define como o conjunto de
entidades e grupos, de maioria negra, que têm o objetivo específico de combater o
racismo e/ou expressar valores culturais de matrizes africanas e que não são vincu-
lados a estruturas governamentais e partidárias” ( D’Adesky, 2001).
25. na economia e na política, respeitando-se possuem a disciplina Cultura e Cidadania,
suas singularidades e as dimensões culturais entre outros cursos pré-vestibulares que atuam
e raciais que as compõe. Os movimentos contra as discriminações e desigualdades
sociais, principalmente aqueles que lutam pelo raciais na educação, são outros exemplos de
reconhecimento dos direitos de cidadania, movimentos que possuem propostas e práticas
dos direitos culturais e dos chamados direitos pedagógicas preocupadas com a superação do
humanos para os grupos sociais estigmatizados racismo e com a produção de uma nova cultura
e discriminados por preconceitos e racismos, de relações étnico-raciais.
ocupam uma posição chave nesse projeto de
A Lei nº 10.639/03 tornou uma das
democracia, pois além de atores necessários
principais reivindicações do movimento negro
ao processo de produção/universalização de
em um direito da sociedade e um dever para
direitos são, num sentido amplo, movimentos
a educação formal. Ou seja, os sistemas de
que contribuem para a educação geral da
ensino devem incluir o ensino de história e
sociedade. No caso da luta anti-racista, tendo
cultura afro-brasileira e africana e a educação
em vista uma mudança cultural e simbólica
das relações raciais em seu trabalho. E os
não estereotipada e baseada no reconhecimento
educadores e educadoras, como agentes
positivo das heranças históricas e culturais de
principais desse processo, devem rever suas
24 origem africana, setores do movimento social
práticas pedagógicas e incluir o debate sobre
chegaram a desenvolver propostas pedagógicas
relações raciais e o legado histórico-cultural de
bem elaboradas e direcionadas à educação
origem africana no Brasil.
escolar.
Como trabalhar esses conteúdos em
No movimento negro, por exemplo,
sala de aula? Em que consiste o que a Lei
podemos citar as propostas de Pedagogia
denomina de “educação das relações étnico-
Interétnica2 e de Pedagogia Multirracial3.
raciais”? Como criar formas de dialogar com
Além dessas, muitas outras propostas foram
alunos e alunas sobre racismo, preconceito,
e continuam sendo criadas por militantes,
discriminação e intolerâncias em relação a
educadores e pesquisadores negros e negras,
negros, homossexuais, mulheres, deficientes
tendo sempre como objetivo a superação do
e outros grupos sociais historicamente
racismo, dos preconceitos e das discriminações
discriminados? Eis alguns dos desafios que
raciais. O movimento dos cursos pré-
educadores e educadoras devem enfrentar.
vestibulares para negros, com destaque para o
E nesse enfrentamento o ponto de partida
Curso Pré-Vestibular do Instituto Steve Biko,
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é, conscientemente, fazer a opção ética pela
que possui a disciplina Cultura e Consciência
igualdade de tratamento e de reconhecimento,
Negra, para o Pré-Vestibular para Negros e
pelo respeito às diferenças, pela multiplicidade
Carentes (PVNC) e o Instituto Educafro, que
e, pois, por uma educação democrática e cidadã.
2
Essa proposta pedagógica foi desenvolvida pelo profes-
sor Manoel de Almeida Cruz, em Salvador-BA.Ver LIMA Porém, considerando o movimento
(2007). negro como o principal produtor de práticas
3
Maria José Lopes. Pedagogia Multirracial em contra-
posição à ideologia do branqueamento na Educação. In: e conteúdos para a educação, o currículo e a
Núcleos de Estudos Negros (1997, p. 23-37).
26. 25
No movimento negro, por
exemplo, podemos citar as
propostas de Pedagogia
Interétnica e de Pedagogia
Revista A COR DO BRASIL
Multirracial.
27. (re)Educação das
Relações
pedagogia, podemos partir concretamente da movimento negro constituem um terceiro
seguinte questão: O que os educadores podem elemento de análise e aprendizado que
apreender e aprender dessas lutas e das práticas educadores e educadoras podem tomar como
produzidas por elas? referência para pensarmos e experimentarmos
novos conteúdos e formas anti-racistas e
A primeira coisa que podemos aprender
multirraciais, no currículo escolar e no fazer
com essa luta histórica é que a educação escolar
pedagógico. Como já dissemos, a perspectiva
é parte de uma cultura racista, preconceituosa
anti-racista, a valorização das diferenças
e discriminatória que estabelece hierarquias e
étnico-raciais e de reconhecimento das histórias
desigualdades entre os diversos grupos sociais,
26 e produções sócio-culturais de africanos e afro-
seus valores e aspectos culturais. Não são
descendentes, são fundamentais no Brasil para
poucas as pesquisas e análises que comprovam
um processo social mais amplo de constituição
e concluem que a escola e as suas práticas
das condições objetivas e subjetivas de
educacionais são, também, reprodutoras e
igualdade, autonomia e, pois, de democracia.
produtoras de preconceitos, discriminações,
A educação (e, obviamente, os educadores e
hierarquias e desigualdades raciais.
educadoras) tem uma importante e indispensável
O segundo aprendizado é que as contribuição nessa perspectiva, a partir do
propostas de promoção de igualdade racial e momento em que se inicie uma reestruturação
de reconhecimento histórico, social, cultural curricular que incorpore de forma consciente
e estético positivo, bem como a valorização e positivamente, os princípios de Consciência
da multiplicidade étnica e cultural inserem-se Política e Histórica da Diversidade, de
num processo democrático. E também não são Fortalecimento de Identidades e de Direitos e
poucas as pesquisas e análises que mostram de Ações Educativas de Combate ao Racismo e
que as imensas desigualdades socioeconômicas às Discriminações4.
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do Brasil e, portanto, a falta de democracia
material, tem no racismo um dos principais
determinantes.
A observância das relações entre
educação, preconceitos e discriminações
4
Esses princípios constam das Diretrizes Curriculares
raciais, bem como de propostas e experiências Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais
e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e
pedagógicas desenvolvidas no âmbito do Africana. In: MEC/Secad (2006).
28. Étnico-Raciais
sentido, alguns conceitos ajudam na construção
de perspectivas, projetos e ações político-
pedagógicas. Destaco o conceito Diversidade
como sendo a perspectiva que deve assumir
uma proposta para a (re)educação das relações
étnico-raciais.
Primeiramente, podemos definir Diver-
sidade, do ponto de vista sócio-cultural, como
Propostas para uma o conjunto das diversas formas de vida, estilos,
Pedagogia da valores, visões de mundo. A diversidade é uma 27
multiplicidade de sujeitos sociais singulares que
(re)Educação das
possuem história e cultura. “Essa constatação
Relações Étnico-Raciais indica que é necessário repensar a nossa escola
e os processos de formação docente, rompendo
Assim como tem sido até então reprodutora com as práticas seletivas, fragmentadas, corpo-
e produtora de preconceitos, discriminações, rativistas, sexistas e racistas ainda existentes”
depreciações e hierarquias étnico-raciais, a (Sodré apud MEC/Secad, 2006, p. 218). Porém,
educação escolar pode passar a ser o oposto, “Assumir a diversidade cultural significa muito
ou seja, uma atividade de reconhecimento e mais do que um elogio às diferenças. Represen-
valorização da multiplicidade e das diferenças ta não somente fazer uma reflexão mais densa
étnico-raciais, de produção de uma consciência sobre as particularidades dos grupos sociais,
política e histórica da diversidade e de crítica mas, também, implementar políticas públicas,
ao racismo e qualquer forma de discriminação e alterar relações de poder, redefinir escolhas, to-
intolerância, e já começa a sê-lo pelo menos nas mar novos rumos e questionar a nossa visão de
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suas diretrizes, nas políticas educacionais do democracia” (Gomes apud MEC/Secad, 2006,
Ministério da Educação e algumas Secretarias p. 218).
Estaduais e Municipais e nas preocupações dos Na educação escolar, assumir a
educadores, que cada vez em maior número diversidade significa reconhecer e valorizar
mobilizam esforços de pesquisa, aquisição as diferenças étnico-raciais e, para isso, deve-
de conhecimentos e seleção de material para se fazer escolas curriculares e pedagógicas
dar conta da questão em sala de aula. Nesse coerentes com essa perspectiva, o que mais que
29. explicitar diferenças é colocar em discussão as
relações de poder e criar condições de troca,
reciprocidade, reconhecimento e respeito ao
outro. Portanto, como perspectiva e como
conceito, a diversidade pode servir como
base e objetivo geral de um projeto político-
pedagógico cujo principio seja uma aposta
na multiplicidade, o que quer dizer que a
pedagogia passa a ser não apenas uma ação
28 de explicitação, mas fundamentalmente uma
ação de produção de singularidades. Porém,
isso não se faz sem um permanente diálogo
sobre os preconceitos e discriminações, sobre
as dimensões raciais da desigualdade social
e as relações de poder estabelecidas, sempre
na perspectiva na superação do racismo e valorização da história, cultura, cidadania e
do etnocentrismo. Trata-se, então, de uma reconstrução da auto-estima dos integrantes
pedagogia militante e constituinte, na medida desses grupos sociais.
em que pretende explicitamente produzir uma
Isso conduz ao segundo elemento
nova cultura, um novo jeito de ser, uma nova
do projeto, que é trabalhar com as noções de
visão estética e de relações sócio-culturais.
multiplicidade, diferenças e identidade. Essas
O primeiro elemento desse projeto noções são importantes às práticas que visam
é colocar no centro os grupos sociais ajudar os educandos a desenvolverem as
estigmatizados e discriminados (raça/etnia, dimensões que os compõe, a compreenderem
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gênero, orientação sexual), propondo conteúdos que as diferenças étnico-raciais, culturais e
e atividades coerentes com essa opção, ou seja, religiosas não são desigualdades e, portanto, não
um conjunto de conteúdos, leituras e debates comprometem o ideal de igualdade de direitos,
que explicitem e discutam as relações de poder oportunidades, tratamento e reconhecimento, e
que se estabeleceram entre as raças, culturas que a multiplicidade é uma relação aberta das
e gêneros, sempre no sentido de superação identidades singulares, que em cooperação
da discriminação e que avance no sentido da constituem o comum. É afirmando-se como
30. multiplicidade, ou seja, como singularidades
que cooperam que se mantém como tais, que as
novas lutas contra o racismo, cujas principais
expressões são os movimentos culturais das
favelas e periferias e os cursos pré-vestibulares Desenvolvimento de atividades
para negros, produzem direitos, estilos, culturais, artísticas e musicais, não
diversidade e o desmoronamento definitivo da apenas aquelas que resgatam a história,
hibridação freyreana. mas que fundamentalmente incorporem
elementos da cultura de origem africana
Esses elementos - colocar no centro os
e produzam estilos e formas singulares
grupos sociais estigmatizados e discriminados
de estéticas, de linguagem, de expressão,
e as trabalhar com as noções de multiplicidade,
etc. O hip-hop, por exemplo, é uma
diferenças e identidade - são pontos básicos de
dessas produções;
um novo projeto político-pedagógico e, dentro
dele, pode-se propor e produzir ações e práticas Mobilização das diversas disciplinas
concretas, tais como: em projetos comuns. Um projeto sobre
África, por exemplo, pode mobilizar
Uma postura crítica dos educadores,
diversas áreas, como história, literatura,
independente da disciplina que
redação, geografia, matemática 29
leciona, em face de manifestações
(no trabalho com as estatísticas da
preconceituosas e racistas entre
desigualdade racial, por exemplo),
estudantes, entre professores e
ciências (na discussão da biodiversidade,
estudantes e no âmbito geral da escola.
das produções científicas), informática
Isso é muito importante, pois não é
(na sistematização de dados, produção
incomum na escola as atitudes de
de hipertextos, etc.), arte e educação
desprezo, depreciação e desrespeito em
física (danças, teatro, capoeira etc.). Um
relação a estudantes negros(as), muitas
projeto deste tipo pelo menos uma vez
vezes em forma de “brincadeiras” em
ao ano, com apresentações na semana
relação à cor da pele e ao cabelo. Tal
do 20 de novembro, por exemplo, ajuda
postura deve mobilizar não apenas os
a mobilizar esforços em pesquisa e
professores, mas os diversos setores da
produção de materiais informativos.
escola, como diretores, supervisores,
O trabalho pedagógico por projetos é
orientadores e inspetores. Os
uma das dimensões mais importantes
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orientadores educacionais, em especial,
dessa pedagogia da (re)educação das
devem buscar entender o impacto
relações raciais com foco no anti-
das depreciações na auto-estima e no
racismo, na produção de multiplicidade
desempenho escolar dos estudantes;
e singularidades étnico-raciais;
Criação de grupos ou círculos de leitura
de textos da literatura brasileira e
africana;
31. Debates a partir de palestras de militantes Outro elemento, não menos importante,
do movimento negro, pesquisadores e é o da luta pela constituição material de direitos.
artistas que trabalham com a temática Neste ponto, a compreensão do conceito de
ou a partir de filmes, leituras de textos; ação afirmativa e as políticas concretas que
são propostas a partir dele é muito importante.
Incorporação da temática pelas
Inicialmente é preciso que os educadores
disciplinas em seus conteúdos
debatam as políticas em discussão que se
programáticos. Além das disciplinas
apresentam na sociedade, como a proposta de
de História, Literatura e Educação
cotas raciais e outras, no contexto do debate
Artística, que são os lugares principais
teórico e político sobre ações afirmativas,
em que, segundo a Lei nº 10.639/03,
observando na realidade social concreta as
deve se desenvolver de forma
desigualdades e as barreiras raciais impostas aos
sistemática o ensino de história e cultura
afro-descendentes e não um moralismo abstrato
africana e afro-brasileira, conteúdos
segundo o qual todos devem ter os mesmos
sobre África, história e produções dos
direitos e possibilidades. A perspectiva do
afro-brasileiros e de uma (re)educação
conceito de ação afirmativa insere num projeto
das relações étnico-raciais podem ser
de democratização dos direitos, de distribuição
trabalhados pelas outras disciplinas.
30 de renda, de reconhecimento e, portanto, de
Língua Portuguesa, Redação, Geografia,
produção de condições objetivas e subjetivas de
Sociologia, Ciências, Matemática e
igualdade e autonomia. Cabe aos educadores,
Educação Física, levando para seus
além da compreensão teórica e política do
currículos, por exemplo, discussões
conceito de ação afirmativa, a explicitação de
sobre a influência dos idiomas de
todas as dimensões desse conceito e os motivos
origem africana em nosso universo
que levaram o movimento negro a se tornar o
lingüístico, temas a serem explorados na
protagonista intelectual e militantes das ações
produção de textos, informações sobre
afirmativas no Brasil. Mesmo porque a Lei nº
características físicas, populacionais
10.639/03, as Diretrizes Nacionais Curriculares
e culturais do continente africano,
para e Educação das Relações Étnico-Raciais
textos e debates sobre relações raciais
e para o Ensino de História e Cultura Afro-
e desigualdades, o debate sobre raça do
brasileira e Africana e a pedagogia que estamos
ponto de vista biológico e sociológico,
discutindo e propondo, inclusive neste texto,
tabelas e gráficos estatísticos, as danças,
são também ações afirmativas, ou seja, inserem-
o samba, a capoeira, tudo isso situado
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se numa perspectiva de afirmação de identidade
no tempo e no espaço. Até mesmo a
e direitos.
disciplina de Informática pode dar sua
contribuição, utilizando dados, imagens Por fim, e para início de um processo de
e pesquisas para o desenvolvimento criação de práticas pedagógicas anti-racistas e
de textos, planilhas, banco de dados, de valorização da diversidade étnico-racial pelos
hipertextos e softwares. educadores que ainda não se mobilizaram para
tal, podemos dizer que a proposta educacional