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       UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA
    DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO – CAMPUS XIV
             CONCEIÇÃO DO COITÉ




             MARILENE DE SOUZA MAIA




AS FACES DA MORTE EM OBRAS DE ERNEST HEMINGWAY




                 Conceição do Coité

                       2012
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             MARILENE DE SOUZA MAIA




AS FACES DA MORTE EM OBRAS DE ERNEST HEMINGWAY




                          Monografia apresentada à Universidade
                          do Estado da Bahia, Departamento de
                          Educação, Campus XIV, como requisito
                          final para obtenção do Grau de
                          Licenciatura em Letras - Inglês.

                          Orientadora: Profa. Dra. Flávia Aninger
                          Rocha




                Conceição do Coité

                      2012
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                            MARILENE DE SOUZA MAIA




    AS FACES DA MORTE EM OBRAS DE ERNEST HEMINGWAY

                                       Monografia apresentada à Universidade do
                                       Estado da Bahia, Departamento de Educação,
                                       Campus XIV, como requisito final para
                                       obtenção do Grau de Licenciatura em Letras -
                                       Inglês.




Aprovado em ________/ ________/ _______


                                  Banca examinadora




__________________________________________
Flávia Aninger Rocha – Orientadora
Universidade Estadual de Feira de Santana - UEFS


_________________________________________
Neila Maria Oliveira Santana
Universidade do Estado da Bahia – Campus XIV


___________________________________________
Rita Sacramento
Universidade do Estado da Bahia – Campus XIV




                            CONCEIÇÃO DO COITÉ

                                        2012
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  Em memória de Maria Cecília, aluna que no
despertar da sua adolescência, e apesar de toda
 sua vitalidade e alegria, aos 14 anos de idade
           perdeu a batalha contra um câncer.
4



                                   AGRADECIMENTOS




A Deus pela oportunidade dada para viver mais uma etapa em minha vida e chegar até aqui
com a mesma vontade de seguir que tinha quando comecei.

Aos meus pais, Milton e Railda, e minhas irmãs Emília, Marise, Lícia, Patrícia e Milene pelo
apoio em todas as horas, da minha vida, tanto nas vitórias como nas derrotas.

À Silvio Marcos Dias Santos, grande incentivador do meu crescimento pessoal e acadêmico.

Às professoras Flávia Aninger Rocha e Rita Sacramento que me fizeram ver com outros olhos
o que a literatura pode representar e despertaram em mim mais um prazer pela leitura.

A todos os professores do curso, e aos funcionários deste departamento pelo seu desempenho
e dedicação.

A todos os colegas de sala que partilharam comigo não apenas o conhecimento, mas também
valores, experiências e que deixarão lembranças de momentos que por certo vão me
acompanhar por toda vida.

E aos amigos que, de uma forma ou de outra, mesmo com todas as atribulações de suas vidas,
foram sustento e direção quando eu me sentia em dificuldades, dentre eles Carlos Henrique
Valença, Ira Smith, Margareth Ravel, Arquigênia Soares e Antonio Vieira.
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A morte é o supremo remédio para todos os infortúnios.

                                   Ernest Hemingway
6



                                         RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo analisar a representação da morte em três obras do
escritor norte-americano Ernest Hemingway, sendo trechos de dois romances, A Farewell to
Arms e For Whom the Bell Tolls, e um conto, A Clean, Well-lighted Place, baseada em
fundamentação de origens diversas que consubstanciam a recorrência desse tema em
diferentes contextos. Este trabalho parte de uma revisão da literatura sobre conceitos e visões
da morte desde a Idade Média até a atualidade e em seguida a apresentação e análise destas
obras. Em cada obra escolhida, procuramos demonstrar os fatores sociais, emocionais, físicos
e históricos que compõem estas cenas, bem como as formas como este tema tão complexo e
ao mesmo tempo tão natural são apresentadas, cheias de simbolismo.



Palavras-chave: Morte. Representação. Simbolismo.
7



                                       ABSTRACT

The present paper aims to analyse the representation of death in three works by American
writer Ernerst Hemingway, precisely part of two novels, A Farewell to Arms and For Whom
the Bell Tolls, and a short story, A Clean, Well-lighted Place, based on various concepts and
analysis that support the recurrence of this theme in different contexts. It parts from a
literature review of concepts and representation of death from the Middle Age until present
days and then it presents the analysis of these three mentioned works. In each work chosen,
we aim to highlight the social, emotional, physical and historical facts that compose these
scenarios, as well as to highlight how this theme, considered so complex and so simple, is
presented, full of symbolism.

Key words: Death. Representation. Symbolism
8



                                         SUMÁRIO




1 INTRODUÇÃO                                               9


2 E A MORTE, O QUE É?                                      11
2.1 A morte ao longo do tempo                              15
2.2 Filosofando a morte                                    18
2.3 Morte e outras mortes                                  20
2.4 A morte na literatura                                  21


3 DAS OBRAS                                                24
3.1 A farewell to arms                                     24
3.1.1 A farewell to arms em poucas palavras                25
3.1.2 Para entender A farewell to arms                     26
3.2 A clean, well-lighted place                            30
3.2.1 A clean, well-lighted place em poucas palavras       30
3.2.2 Para entender A clean, well-lighted place            31
3.3 For whom the bell tolls                                34
3.3.1 For whom the bell tolls em poucas palavras           35
3.3.2 Para entender For whom the bell tolls                36


4 CONSIDERAÇÕES FINAIS                                     41


REFERÊNCIAS                                                42
9



1 INTRODUÇÃO

       Ernest Hemingway (1899-1961), escritor modernista norte-americano, retratou de
forma simples, porém marcante e profunda, situações que não apenas fizeram parte de sua
vida pessoal como também dos momentos históricos e sociais de sua época. Com frases
curtas e objetivas, típicas do ofício de repórter que foi, com parágrafos também curtos,
fazendo uso de repetições, de forma a interiorizar no leitor as suas palavras e a utilização de
diálogos sobre temas como a guerra, a condição do ser humano e a morte, Hemingway
cravou na literatura um estilo que o fez merecer o Prêmio Nobel de Literatura em 1954.
       Nasceu em Oak Park, Chicago em 21 de julho de 1899. Seu pai Dr. Clarence, desde
cedo o iniciou nas atividades de caça e pesca. Em 1917 foi trabalhar como repórter para o
jornal The Kansas City Star. Com 18 anos foi recusado no serviço militar para servir na I
Guerra Mundial por problemas de visão, voluntariou-se então como motorista de ambulância
em Paris. Logo foi enviado ao front italiano. Com pouco tempo de atuação foi gravemente
ferido no joelho e levou meses de convalescência. No hospital em Milão onde ficou
internado se apaixonou pela enfermeira que cuidou dele. Foi sua primeira desilusão amorosa.
Retornou à guerra, mas por não concordar até mesmo com as condecorações que recebeu,
voltou para casa. Trabalhou então para o jornal Toronto Star e cobriu a guerra entre a Grécia
e a Turquia. Retornou a Paris onde se aliou a grandes escritores daquela época como
Gertrude Stein, Ezra Pound, James Joyce e T.S. Eliot. Esta geração de escritores pós-guerra
revolucionários ficaram conhecidos como a “geração perdida”. Hemingway tornou-se ícone
dessa nova fase da literatura, que usava termos mais simples e frases mais diretas. Foi
correspondente de guerra na Espanha em 1937, depois cobriu a guerra na China e finalmente
a II Guerra Mundial.
       Dentre seus trabalhos estão The Sun Also Rises (O sol também se levanta), de 1926,
A Farewell to Arms (Adeus às armas), de 1929, For Whom the Bell Tolls (Por quem os
sinos dobram), de 1940 e The Old Man and the Sea ( O velho e o mar), em 1952. Em 1954
ganhou o Prêmio Nobel de Literatura. Mas Hemingway sentia que sua produção já não
representava a mesma arte de antes e sofria muito com isso. Lutava com a sombra do
suicídio do pai em 1928. Teve depressão, diabetes e problemas com álcool, ficando
internado algumas vezes para recuperação. Em 1961, após o retorno de uma dessas clínicas,
Hemingway se matou usando a mesma arma que o pai também cometera suicídio.
       Pela vivência do autor e sua produção tão próxima à sua realidade, relatando sempre
10



o sofrimento, paixões, desilusões, vitórias e derrotas vem a pergunta que norteia este
trabalho: de que maneiras a morte foi representada por Hemingway em suas obras?
       Nossos objetivos são traçar um panorama geral sobre a representação da morte na
literatura, assim como analisar as formas assumidas pela morte encontradas em trechos
selecionados de obras de Hemingway, delineando as circunstâncias que envolvem cada uma
das três situações.
       O trabalho aqui apresentado parte de uma revisão de conceitos e representações da
morte ao longo dos tempos, da Idade Média até o presente. Sua fundamentação tem como
suporte alguns historiadores, filósofos e outros profissionais que abordaram sobre este tema,
contribuindo para o estudo e observação deste evento natural. Em seguida, apresentamos
uma análise de trechos de três obras de Hemingway nos quais a morte está presente, mas
nem sempre de modo explícito.
       A primeira obra a ser analisada é A Farewell to Arms (1929), romance inspirado em
sua participação como motorista de ambulância da Cruz Vermelha Italiana na Primeira
Guerra Mundial, que reproduz o encontro amoroso de um tenente norte-americano em terras
italianas durante a Primeira Guerra, ao apaixonar-se por uma enfermeira. Uma história de
amor e guerra e a condição humana influenciada por essa violência. Na segunda obra a ser
analisada, o conto A Clean,Well-lighted Place (1933), os personagens – dois garçons que
observam e criticam um velho que frequenta sempre sozinho um café - discutem a
concepção e o valor da vida e da morte. No romance For Whom the Bell Tolls (1940), a
terceira obra a ser analisada neste trabalho, a condição humana se revela diante dos impactos
causados pela Guerra Civil Espanhola, na qual a morte acontece quase como um evento
comunitário e a crítica política são temas observados. É também um romance de amor e
guerra. Personagens e inspirações são influenciados pela atuação de Hemingway nesta
guerra, à qual esteve presente.
       Nas três produções de Hemingway aqui apresentadas, é possível observar como o
autor se volta para o quadro da morte, delineando configurações sutis e diferenciadas para
lidar com este elemento.
         A farewell to Arms e For whom the Bell tolls tiveram suas versões para o cinema e,
no Brasil, os livros foram traduzidos pelo também renomado autor Monteiro Lobato.
       A metodologia do trabalho se deu por meio de uma pesquisa bibliográfica. Este tipo
de pesquisa, de acordo com Macedo (1994, p. 13) se baseia em material já produzido na
11



literatura e tem como finalidade deixar o pesquisador ciente daquilo que já foi abordado
sobre o tema, evitando assim que ele discorra sobre algo já analisado. Ela também permite
outros olhares sobre temas já abordados.
       Uma pesquisa bibliográfica é o primeiro passo de uma pesquisa, pois, permite ao
pesquisador traçar um plano para seu trabalho como levantamento de dados, o fichamento, o
sumário e material para o desenvolvimento da escrita do texto.
       Neste trabalho, utilizamos como fontes de pesquisa obras literárias, obras de
divulgação, artigos científicos, revistas e jornais, tanto impressos quanto eletrônicos.
Também utilizamos materiais áudio-visuais, como filmes e fotos. Nestas três análises,
contribuições de autores como Vargas Llosa, Octávio Paz, Williams, Baker, dentre outros
teóricos da literatura assim como filósofos e outros estudiosos do tema, nos guiarão no
processo de compreensão da morte como representada por Ernest Hemingway.
       A escolha dessa metodologia se deu pela necessidade de leituras sobre as obras do
autor e sobre o tema escolhido, assim como os estudos feitos sobre estas obras. Através
dessa pesquisa, buscamos as possíveis respostas para entender as faces da morte por
Hemingway apresentadas.



2 E A MORTE, O QUE É?


       Sabemos que a morte é um evento natural que vem para todos os seres vivos sem
distinção, às vezes, sem avisos. Costuma não ser aceita naturalmente ou da mesma forma por
todos, sendo causa de muito sofrimento para aqueles que precisam continuar a vida sem a
presença do outro. E, embora seja um processo inevitável e parte do cotidiano, ainda é um
tema considerado como tabu para muitos. Geralmente vista como algo negativo, doloroso,
terrível, a morte, por outro lado, também inspira, seduz e fascina outras pessoas. Ela tem sido
encarada de diferentes maneiras com o passar dos tempos, e analisada por diferentes prismas.
A morte é tema para diferentes profissionais e seu conceito pode ser traçado a partir de
diferentes vertentes: médico, teológico, filosófico, social, antropológico, espiritual, e até
mesmo poético.
       Nós, seres humanos, sem exceção, “estamos todos destinados à morte. Ignorando o
momento em que ela virá, procedemos como se nunca devesse chegar. Em verdade, vivendo,
não acreditamos realmente na morte, embora ela constitua a maior de todas as certezas”
12



(JASPERS, 2005. p. 127). E por ser um evento destinado a todos, a morte coloca todos no
mesmo patamar, sem escolher gênero, condição social, ou outras distinções (RODRIGUES,
1993 apud COSTA, 2010).
          Vista, primeiramente, como um fenômeno natural de ordem biológica para a
coordenadora do Laboratório de Estudos Sobre a Morte da USP, Maria Júlia Kovács (1992,
p. 11), “a morte clínica é definida como um estado no qual todos os sinais de vida
(consciência, reflexo, respiração, atividade cardíaca) estão suspensos, embora uma parte dos
processos metabólicos continue a funcionar.” Sendo categorizada como um processo natural:
“como o sexo, a morte faz parte da vida” (JASPERS, 2005, p. 128).
          Segundo o ponto de vista teológico, “a morte é definida como o maior enigma da
condição humana (GS 18), mas que encontra uma formidável resposta no mistério da
salvação,” (STANCATI, 2003, p. 516). O grande exemplo disso é a morte do próprio Jesus
Cristo.
          Para a criadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Tanatologia no Rio de Janeiro
Wilma da Costa Torres (1934-2004):
                         a morte surge também como um acontecimento revestido de ambigüidade:
                         considerada, por um lado, como o mais natural de todos os fenômenos,
                         transclassista tanto quanto o nascimento, a sexualidade, a fome, a sede, o
                         riso; por outro lado, social e cultural, como qualquer episódio da práxis
                         humana, e, portanto, investida, trabalhada pela experiência da idade, classe,
                         religião, etc., vivida em suma, sob uma aparência que deve servir para
                         explicá-la e justificá-la. (1983, p. 9)

          Vivem-se as angústias, os medos e as incertezas de um processo não definitivamente
explicável. O doutor em Teologia Lino Rampazzo (2004) salienta que o homem teme não
apenas a dor e a destruição do corpo, mas também o fim completo de sua existência e por
possuir uma “semente de eternidade”, está sempre em busca de armas para lutar contra ela. O
medo diante da aproximação da própria morte, a perda de um ente querido, a dor de ser
privado de sua presença física, o vazio que a morte causa e a incerteza do que há após a
morte, dão ao homem um sentimento de angústia, por vezes, devastador. O filósofo alemão
Arthur Schopenhauer (1788-1860) ressaltou que “o maior dos males, o que de pior em geral
pode nos ameaçar, é a morte, a maior angústia é a angústia da morte.” (2000 p.62-63)
          O evento da morte traduz um medo, algo que atormenta o homem mais que qualquer
outra coisa, capaz de mover a atividade humana, sendo que o homem faz de tudo para tentar
negar que a morte seja o destino final da vida, na visão de Becker (2007).
          Ao contrário da maioria das visões negativas expressas ao longo dos tempos até a
13



atualidade, carregadas de dor, pesar, “os primitivos não eram importunados pelo medo da
morte. Uma perspicaz amostragem de provas antropológicas iria mostrar que a morte era,
com muita frequência, acompanhada de júbilos e festejos, parecendo ser uma ocasião mais
para comemoração do que medo” (HOCART, apud BECKER. 2007 p.11). Isto porque, para
estes, a morte era a passagem para uma vida de forma mais elevada, gozando da eternidade.
          Embora a morte seja um evento individual, seus reflexos são sentidos na sociedade.
Destarte, “o morrer não é então apenas um fato biológico, mas um processo construído
socialmente, que não se distingue das outras dimensões do universo das relações sociais”
esclarece a doutora em Saúde Coletiva Rachel Aisengart Menezes (2004). E nesse aspecto,
acrescenta o historiador francês Philippe Ariès (2003), todos os passos desde a preparação do
moribundo para sua morte, como acontecia na Idade Média, até os ritos funerais, o luto, são
vividos em coletividade.
          A depender dos valores religiosos ou morais, a morte carrega diferentes sentidos, dos
mais simples, aos mais assustadores. Para uns, apenas mais uma etapa da vida, quando
acontece naturalmente. Para outros, o caminho para a vida eterna ou o castigo pelos pecados
contra a vontade divina, e o consequente afastamento de Deus, encontrada na Bíblia, carta de
São Tiago, capitulo 1, versículo 15 “a seguir, o desejo concebe e dá a luz ao pecado, e o
pecado uma vez consumado, gera a morte” ( BIBLIA SAGRADA, 1991), seguindo uma
visão religiosa. Há aqueles que encontram na morte a libertação das amarras a que estão
presos, deixando para trás o que consideram uma vida sem sentidos ou de muito sofrimento.
Instituída como forma de punição, como nas penas capitais, adotadas em alguns países, pode
ser também o resultado de uma traição em questões amorosas, ou ainda por fazer lembrar a
todos as divergências de credo ou ideais políticos historicamente exemplificados por muitos
enforcamentos e degolamentos de revoltosos, inconfidentes ou mulheres consideradas como
bruxas.
          O grande filósofo grego Sócrates (470AC - 399AC) professava a espiritualidade e a
imortalidade da alma e foi exemplo dessa forma de punição, pois foi condenado a beber
cicuta, morrendo por envenenamento, por ser considerado transgressor de ideais
revolucionários e por perturbar a ordem social do seu tempo. A doutora em Sociologia
Hoffmann-Horochovski (2008) transcreve um trecho do discurso de Sócrates às vésperas da
morte, relatado por seu discípulo Platão:
                          Morrer é uma destas duas coisas: ou o morto é igual a nada, e não sente
                          nenhuma sensação de coisa nenhuma; ou, então, como se costuma dizer,
                          trata-se duma mudança, uma emigração da alma, do lugar desse mundo
14



                        para outro lugar. Se não há nenhuma sensação, se é como um sono em que
                        o adormecido nada vê nem sonha, que maravilhosa vantagem seria a
                        morte! (...) Se, do outro lado, a morte é como a mudança daqui para outro
                        lugar e está certa a tradição de que lá estão todos os mortos, que maior
                        bem haveria que esse, senhores juízes? (PLATÃO, apud HOFFMANN-
                        HOROCHOVSKI, 2008, p. 51).

       As reflexões acerca da morte e do que acontece depois dela se tornaram tema para
muitos estudiosos. Esta incerteza de haver uma vida além da morte tem trazido, ao longo dos
tempos, muita ansiedade e indagações.       Refletir sobre a morte, para muitos filósofos,
significa ter uma forma de viver bem diferente, pois pode levar a uma mudança de
comportamentos e atitudes durante a vida, comenta Incontri (2010).
       Por seu caráter misterioso, às vezes assustador, às vezes encantador, a morte ganhou
várias representações ao longo dos tempos. Dentre elas está uma figura esquelética, usando
roupa preta com capuz e carregando uma foice. Isso, de acordo com Incontri (2010) tinha a
finalidade de conscientizar a curta duração da vida e que era preciso estar preparado para
esse momento para que nada fosse esquecido. Essa mesma imagem, salienta Williams (1996,
p.134), é oriunda da idéia cristã da separação da imagem da morte com a imagem de Deus, já
que para os cristãos, o Deus é um Deus dos vivos. Por isso, a morte se liberta de concepções
cristãs e assume outras formas.
       Uma representação da simbologia da morte também pode ser encontrada em cartas de
Tarô. O Professor de Psicologia e Simbologia, Constantino K. Riemma explica que o Tarô,
surgido na Europa no século XIV, com iconografia cristã, é um jogo composto por 78 cartas,
22 chamadas de “arcanos maiores” e 56 chamadas de “arcanos menores”. Estas últimas são
as cartas que conhecemos dos jogos de baralho comuns. Das 22 cartas dos arcanos maiores,
a morte é apresentada na carta XIII, contendo um esqueleto segurando uma foice e restos
humanos na parte inferior. Riemma acrescenta que a carta XIII pode ser interpretada como
abandono de hábitos antigos, fim de uma esperança ou de um sentimento, mudanças,
desapegos, desilusão, a morte física propriamente dita, más notícias, desânimo ou mesmo
renascimento. A morte nos primeiros séculos, segundo ele, trazia a esperança de uma vida
melhor, a crença no Juízo Final e, por ser um estado transitório, enfrentada sem medo.
       Na mitologia grega, a morte é personificada em Thanatos, o deus da morte,
representado como uma nuvem prateada ou então pela visão de um homem de olhos e
cabelos prateados. A divindade emprestou seu nome a uma nova ciência, surgida no século
XX, que trata da morte e os problemas médico-legais a ela relacionados: a Tanatologia.
15



Santos (2007) a apresenta como: “a ciência que estuda a morte e o processo de morrer em
todos os seus aspectos: forense, antropológico, social, psicológico, biológico, educacional,
filosófico, religioso e estético”.
         Para que se tenha uma visão dos processos ocorridos neste evento e tudo o que ele
acarreta, Agra e Albuquerque (2008, p. 4) afirmam:

                          O estudo da tanatologia é de suma importância para desmistificar
                          preconceitos e fornecer subsídios para um melhor preparo ao lidar com a
                          questão da morte, proporcionando a valorização da humanização no
                          cuidado de pessoas e pacientes com risco iminente de morte assim com
                          também de seus familiares, através de ações de conforto e respeito.

         Embora as imagens retratadas sejam comumente vistas de forma negativa, nem toda
iconografia apresenta a morte como uma imagem assustadora. Há também representações
encantadoras da morte, como as citadas em Kovács (1992), como sereias, botos, arlequins,
figuras que refletem a sedução, a conquista e o amor. Portanto, as imagens e as ideias sobre a
morte multiplicam-se na cultura e nas áreas do conhecimento.




2.1 A morte ao longo tempo
         As mudanças de atitude em relação à morte, da Idade Média até a
contemporaneidade, mostram um caminho de apegos e rituais em relação à vida e a morte.
De acordo com Ariès, em seu livro História da morte no Ocidente (2003, p. 30), Por volta do
século XII, a morte era “uma cerimônia pública e organizada” e encarada como algo simples.
Pública, porque o quarto do moribundo podia ser visitado livremente, e mesmo as crianças
tomavam parte desse evento. Parentes e amigos presenciavam os últimos momentos do
moribundo. Isso a tornava um evento comum, simples, sem dramas.
         Tal evento era organizado, pois o moribundo geralmente tinha tempo de presidir os
protocolos que antecediam sua morte, como o de lamento da vida, o perdão dos
companheiros e assistentes, as preces e por último, um ato eclesiástico: a absolvição
sacramental. Não havia demasias emocionais nos ritos fúnebres. Tudo era muito natural,
embora fosse solene, para demonstrar mais uma etapa da vida. Assim, relata o autor, “a
familiaridade com a morte era uma forma de aceitação da ordem da natureza, aceitação ao
mesmo tempo ingênua na vida quotidiana e sábia nas especulações astrológicas” (2003,
p.43).
16



           Porém, embora houvesse essa aceitação da morte, os cemitérios eram localizados
fora das cidades; vivos e mortos habitavam locais distantes. Ainda segundo Ariès, os antigos
respeitavam as sepulturas e realizavam cultos funerários a fim de impedir a volta dos mortos.
Já na Idade Média, os corpos começaram a ser enterrados nas igrejas e casas foram
construídas no mesmo espaço dos cemitérios, embora este não fosse um local apenas para
enterrar seus mortos. Eram como asilos ou refúgios que tinham privilégios fiscais e
dominiais. O cemitério transformou-se num ponto de encontro e de reunião, onde havia
comércio, dança e jogos.
       Por volta do século XV, a ideia de que havia uma vida além da morte, trouxe uma
crença no Juízo Final. O homem não terminaria sua existência com a sua morte; haveria que
esperar pelo fim dos tempos, quando então, ele seria julgado. Nesta época, escreve Ariès
(2003, p. 50), “Acredita-se, a partir de então, que cada homem revê sua vida inteira no
momento em que morre, de uma só vez. Acredita-se também que sua atitude nesse momento
dará à sua biografia seu sentido definitivo, sua conclusão” Logo, morrer não era o fim. O
medo da morte física daquela época era o medo da decomposição do corpo. Essa visão foi
retratada na arte e na poesia dos séculos XV e XVI. Ariès continua: “A decomposição é o
sinal do fracasso do homem, e neste ponto reside, sem dúvida, o sentido do macabro, que faz
desse fracasso um fenômeno novo e original (2003, p.53). A morte era retratada em pinturas,
gravuras em madeiras e em livros, às vezes como um cadáver decomposto, às vezes como
carniça.
       A expressão pública de pesar pela passagem de um ente querido era lembrada pelo
luto, uma forma de perpetuar a memória daquele que se foi. No século XVI, o luto era
representado pela roupa ou por uma cor. O preto tornou-se símbolo dessa fase e não havia
mais os gritos e gestos como antes. No fim da Idade Média, o luto tanto servia para
demonstrar a dor dos familiares, mesmo que não fosse autêntica, como para se dar certo
caráter social à lembrança do morto, com as visitas às famílias, com gestos espontâneos:
choros, desmaios, jejuns.
       Do século XVI ao XVIII, a morte é associada ao amor.          Os ocidentais passam a
exaltar a morte, a desejá-la e a dramatizá-la. A preocupação nesse período não é com a
própria morte, mas com a morte do outro. Esta preocupação é que inicia o culto aos túmulos
e cemitérios que aparece a partir do século XIX, como uma forma de perpetuar as
lembranças e a existência do outro. O culto aos mortos na atualidade, relata Ariès, é um culto
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para lembrar a imagem do corpo, a sua aparência. O dia de mortos, comemorado em muitos
países católicos, leva milhares a pessoas a visitar os túmulos nos cemitérios. Também no
século XIX, aparece o medo da morte e as suas imagens são cada vez menos vistas. Neste
século, o luto passa a ser exagerado, histérico, exemplificado no conto de Mark Twain, The
Californian’s Tale, de 1893, onde um viúvo inconformado espera dezenove anos o retorno
de sua falecida.
       A morte é recusada no século XX. Poupa-se o moribundo da notícia de seu estado.
Roupas escuras não são mais usadas no luto e não há exageros aparentes nos rituais. O lugar
de morrer também mudou. Os hospitais passam a ser lugar privilegiado para o
acontecimento. As crianças são poupadas desses momentos finais e a morte deixou de ser
“anunciada”, devido às mudanças do cotidiano, repleto de violências. A ciência busca, mais
e mais, meios de prolongar a vida mesmo que isso requeira prolongar a dor. Apesar dessa
recusa, os cemitérios estão localizados próximos às casas, mesmo que muitos não se sintam
tão à vontade com isso.
       Em oposição ao modo privado de morrer, traçado por Ariès e descrito aqui, de acordo
com Kovács (1992), a morte agora é “escancarada”, noticiada e mostrada livremente nas
mídias, apresentadas em novelas e filmes e programas de várias formas, acontecendo em
todos os lugares, nas casas, nas ruas, nas escolas. Por vezes, ela é apresentada na mídia
dando a ideia de que a morte é reversível, como em desenhos animados, onde os personagens
sempre reaparecem. Ou mesmo a ideia de que a violência é algo natural, pela frequência com
que aparece nas telas, com o intuito de entreter e divertir os telespectadores.
            As causas de morte também mudaram conforme o tempo. No início do século XX,
relata Rampazzo (2004), elas eram o resultado de doenças do coração, epidemias e acidentes
causados pela natureza. Hoje são muitas as causas, principalmente com o aumento da
violência, das novas doenças como câncer e AIDS, a fome e o suicídio.
       Contrariando a ética e as doutrinas religiosas, o suicídio, evento não raro em nossa
sociedade atual, “poderia ser uma manifestação de revolta, a expressão suprema de uma
autonomia destruidora que enfrenta o próprio Deus, autor da vida” escreve Rampazzo (2004,
p. 197). Esta atitude reflete desespero, insatisfação ou angústias em muitos dos casos de
suicídio.
       O suicídio foi condenado por muitos filósofos, segundo Incontri (2010), dentre eles
Platão, que via esse ato como uma fuga da vida dada por Deus; Para São Tomás de Aquino,
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o suicídio contraria a lei natural, para Plotino, a alma não se separa totalmente do corpo, o
que causa o sofrimento. Schopenhauer acreditava que o suicida na verdade não queria
continuar a viver a vida que tinha. Sem contar argumentos como o de que era um ato de
covardia, de falta de compromisso com a sociedade e também um ato de egoísmo.
       Falando da morte nos dias de hoje, como resultado do consumismo, o escritor
Mexicano Octavio Paz (1998) escreve: “Ao mesmo tempo, esta tem sido a época da morte de
massas. Neste século de Auschwitz, Hiroshima e Bósnia, ninguém pensa sobre a sua própria
morte, como o poeta alemão Rainer Maria Rilke nos pedia que fizéssemos, já que ninguém
vive uma vida que seja só sua.” Neste mesmo pensamento de consumismo, Ziegles, apud
Torres (1983, p.11-12), reafirma o que o homem é como mercadoria para o mundo ocidental,
agindo como produtor de mercadorias, e se ele deixa de existir, deixa também de produzir e
de consumir, se tornando um nada no mundo capitalista.


2.2 Filosofando sobre a morte
       Uma das áreas envolvidas no estudo dos problemas da existência humana é a
Filosofia. Por isso, a vida e a morte foram temas relevantes nas discussões filosóficas dos
séculos XIX e XX. Conforme Arthur Schopenhauer (1788 – 1860), a morte é a musa
inspiradora da filosofia. “Dificilmente se teria filosofado sem a morte” (SHOPENHAUER,
2000, p. 59). O existencialismo, movimento filosófico e literário do século XIX, embora
tenha expressões em Sócrates e Santo Agostinho, advoga a liberdade, a subjetividade e a
responsabilidade do homem por tudo que ele faz. José Renato Salatiel, professor da PUC-SP,
define em seu artigo “Existencialismo – O homem está condenado a ser livre”, que
“existencialismo é um conjunto de doutrinas filosóficas que tiveram como tema central a
análise do homem em sua relação com o mundo, em oposição a filosofias tradicionais que
idealizaram a condição humana”(s/d).
       Essa corrente teve seguidores célebres como o dinamarquês Sören Kierkegaard, o
francês Gabriel Marcel, o alemão Karl Jaspers, o filósofo alemão Martin Heidegger, o
filósofo e escritor francês Jean-Paul Sartre e os escritores franceses Albert Camus e Simone
de Beauvoir.
       Jean-Paul Sartre (1905-1980), escritor, filósofo e dramaturgo francês, acreditava que
“a existência precede a essência”, ou conforme explica Salatiel, (s/d) “o homem primeiro
existe no mundo - e depois se realiza, se define por meio de suas ações e pelo que faz com
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sua vida”. Para os existencialistas como Sartre, o homem é livre para fazer suas escolhas e é
responsável pelo seu destino, não existindo Deus como forma de atribuir sucessos ou
fracassos. Seguindo esse ponto de vista, ele relaciona o existencialismo ao ateísmo. Por
causa dessa liberdade e toda responsabilidade pelos nossos atos, surgem as angústias que
acompanham o nosso viver. Em sua obra O ser e o nada, de 1943, Sartre trata dessa
liberdade do homem, da não existência de Deus e do nada. Sartre afirma que vida e morte
são fatos idênticos, com um aspecto ocasional. Tudo acontece em meio ao nada.
         Da ideia de haver um modo de ser “autêntico” ou “inautêntico”, o filósofo alemão
Martin Heidegger (1889 – 1976), define a existência inautêntica como cotidiana e anônima, e
a autêntica “é a de quem reconhece e escolhe a possibilidade mais própria de seu ser”
(ZILLES, 1988, p. 16). E a morte é esta possibilidade. O homem é um ser único, embora
vivendo numa sociedade de massa, e é a morte que vai dar-lhe este sentido de singularidade.
Heidegger enfatiza a angústia do homem face à morte, embora esta seja, para ele, uma
liberdade. Em uma das obras desse filósofo, “Ser e Tempo”, Heidegger retrata temas como
o nada, a angústia e a morte. Filosofando com Heidegger, “a morte é, em última instância, a
possibilidade da impossibilidade absoluta da presença” (1997, p.32). Com a morte de um
ente, se experimenta a não-presença e se observa que este deixa de ser um ser-no-mundo. E
mesmo que se pudesse substituir essa presença, a tentativa fracassaria, já que ninguém pode
retirar a morte do outro. Acrescenta Heidegger que a presença também traz em si um morrer
que é fisiológico, que é próprio da vida, e que se pode findar sem significar morrer.
         Angústia e morte também são estudadas pelo filósofo e psicólogo alemão Karl
Jaspers (1883-1969): “Tememos a morte. Observe-se, porém, que a morte – o cessar de ser –
e o ato de morrer – cujo termo é a morte – provocam angústias muito diversas. [...] Daí
decorre a idéia de que estar morto é não ser, de que a morte é o nada”. (JASPERS, 2005,
p.128)
         Jaspers se inclina sobre o temor da morte, o temor da dor física, a angústia que dá
lugar à agonia da possibilidade da morte, e faz com que um paciente possa dizer que morreu
várias vezes por viver essa experiência. Assim, todos os vivos podem experimentar o
sofrimento, já que “a morte escapa à experiência” (2005, p.128) explica o autor. Ainda
segundo este autor, a Filosofia é a única que consegue livrar o homem da angústia da
concepção de morte como resultado do desaparecimento da vida. A angústia também é
gerada pela falta de base de uma experiência após a morte. Por não haver provas desse
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estágio posterior, de haver outra existência, “daí decorre a idéia de que estar morto é não ser,
de que morrer é o nada” (2005, p. 128), completa Jaspers. Ao contrário da idéia de salvação
pela visão cristã, se o defunto não tinha uma crença religiosa, então o morrer não significaria
uma salvação, apenas se confirmaria o seu fim. Seria então a decomposição do corpo e o
esquecimento da sua existência. Mas se havia essa crença, então a necessidade de ressuscitar
também era real, reforçando a ideia do Juízo final. Esse sentido de eternidade desenvolve o
sentimento de não destruição do homem, e é no sentido de orientar para essa eternidade que
Jaspers acredita ser a tarefa da Filosofia.
       Na obra Metafísica do amor, metafísica da morte (2000), O filósofo Schopenhauer
comunga com Jaspers a respeito da existência de um sentimento de angústia causado pela
morte, por habitar no homem a vontade de viver. Sendo que a morte é, por natureza, um
sinônimo de aniquilação e o homem possui um apego pela vida. Porém, Schopenhauer
também admite que, para aqueles que passam por grandes obstáculos, doenças incuráveis ou
profundos desgostos, a morte vem como um alívio, uma amiga, não mais interpretada como
um grande mal. Mostra-se aí a representação do deus da morte para os hindus, Yama,
segundo Schopenhauer, que aparece com um lado da face terrível e outra, alegre e boa.




2.3 Morte e outras mortes
       Apesar dos conceitos e significados já mencionados, a morte não representou sempre
um vazio, um deixar de existir ou de ser apenas no fim da vida e com visões negativas, ela
ilustra outros estados e estágios da vida humana, esclarece a doutora em Psicologia Escolar e
do Desenvolvimento humano Maria Júlia Kovács (1992, p.2), “Desde o tempo das cavernas
há inúmeros registros sobre a morte como perda, ruptura, desintegração, degeneração, mas
também, como fascínio, sedução, uma grande viagem, entrega, descanso ou alívio”.
       Desde os primeiros meses de vida, relata essa autora, a criança experimenta
diferentes tipos de “morte”, como a ausência da mãe, as separações, o sentimento de
desamparo. A morte quando representa a perda, está ligada a sentimento experimentado
entre aqueles que ficaram e aquele que se foi.
       Há ainda, também de acordo com Kovács (1992, p. 168) as “pequenas mortes”,
aquelas em que há uma mudança de estágios como da infância para a adolescência, da
adolescência para a fase adulta, da adulta para a velhice. Ela também chama de “pequenas
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mortes” as mudanças do que é conhecido para situações ou experiências desconhecidas
como mudanças de casa ou de emprego. Ela rotula “mortes simbólicas” o matrimônio, ou o
nascimento dos filhos, casos em que se vive o desconhecido. Todas essas experiências, por
carregar sentimentos de medo, angústias, solidão, tristezas remetem aos sentimentos de
morte.
         Ainda na infância, a perda de parentes e amigos leva o indivíduo a adquirir conceitos
de vida e morte. Esta última aparece de forma reversível, aparecendo para as crianças em
desenhos animados, por exemplo, onde não há realmente um fim, personagens e heróis
nunca morrem.
         Na adolescência, acontece a descoberta do amor e das drogas, elementos que podem
também levar à morte. O amor tem como seu ponto culminante o orgasmo, também tratado
por essa autora como “pequena morte”. O termo, em francês petit mort, é uma metáfora para
o orgasmo, a fadiga experimentada depois do ato sexual, as mudanças ocorridas no corpo
durante esse momento. Na literatura, o termo foi usado por Thomas Hardy significando uma
experiência muito marcante na vida da pessoa como uma morte interior, como na passagem:
She felt the petite mort at this unexpectedly gruesome information, and left the solitary man
behind her" no livro Tess of the D'Urbervilles, 1912. A autora acrescenta que “A droga traz a
representação da morte ligada às grandes viagens, à percepção diferente do mundo, a um
estado alterado de consciência.” (KOVÁCS, 1992, p. 6)
         Saindo da fase adulta para a velhice, o homem observa grande carga das perdas: a
fraqueza do corpo, a mudança dos ganhos financeiros, a diminuição ou perda da
produtividade. Isto aumenta o sentimento negativo dessa fase do homem, não existe uma
próxima fase a ser vivida, apenas a morte. Além disso, a pessoa idosa deixa de exercer uma
função na sociedade mercantilista e “a sociedade marginaliza indivíduos que deixam de ser
funcionais” (TORRES, 1983. p.13).


2.4 A morte na literatura
         A morte também inspira poetas e escritores. Ao longo dos séculos, poemas, contos,
romances são frutos deste assunto polêmico e instigante. Por motivos como o tabu, nem
sempre a morte pode ser exposta de forma escancarada, podendo ser descrita de forma
simbólica, ganhando novos significados, novas imagens. “Ora, a imagem é uma frase em que
a pluralidade de significados não desaparece. A imagem recolhe e exalta todos os valores das
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palavras, sem excluir os significados primários e secundários” (PAZ, 1976, p.45). A
literatura tem usado desse instrumento para expressar essa pluralidade.
       A literatura explora, pela ficção, a realidade inegável da subjetividade humana e a
morte, elemento que sempre atraiu a imaginação. Usando um jogo com as palavras, Vargas
Llosa (2007) relata a veracidade do que é escrito como ficção, as verdadeiras intenções
contrastando com as inscrições. O real e o irreal convivendo na mesma história. “De fato, os
romances mentem – não podem fazer outra coisa –, porém essa é só uma parte da história. A
outra é que, mentindo, expressam uma verdade, que somente pode se expressar escondida,
disfarçada do que não é.” (VARGAS LLOSA, 2007, p. 12) Portanto, pode-se afirmar que a
literatura, através da ficção, é capaz de discutir uma realidade tão complexa e concreta
quanto a morte.
       Por vezes, o que um autor deseja expressar nem sempre pode ser escrito com
facilidade ou aceitação. A morte, por exemplo, às vezes precisou de um símbolo, algo que a
representasse sem que seu sentido fosse totalmente ocultado. Nas palavras de Carl Jung, “o
homem utiliza a palavra escrita ou falada para expressar o que deseja comunicar. Sua
linguagem é cheia de símbolos, mas ele muitas vezes faz uso de sinais ou imagens não
estreitamente descritivos” (2008, p. 18) Na Idade Média, por exemplo, os textos retratavam a
morte, não apenas como um fim de uma vida, mas carregando outras conotações.
       Textos escritos desde a Idade Média mostram um jogo de palavras e significados
inspirados pela morte. Através dos textos, a sociedade era revelada, juntamente com suas
tradições: “A morte estabelece o vínculo entre o passado e o futuro e opera de forma
estruturante texto e signo sobre a concepção que cada sociedade faz de sua própria tradição”
(ZUMTHOR, apud WILLIAMS, 1996, p. 131) Naquela época, estes textos traziam a morte
como um signo de cunho histórico, sociocultural, psicológico e semiológico. Amor e morte
caminhavam lado a lado, por vezes, indissolúveis. As reflexões sobre esses temas estavam
intimamente ligados às manifestações religiosas e não-religiosas daquela época, sendo a
morte representada por sua visão física e espiritual.
       Nas palavras de Williams (1996, p. 132) “A morte pode assim ser entendida como
um signo apoiado no qual o autor pretende influir sobre seu público incisivamente,
manipulando ou simplesmente descrevendo”. Williams exemplifica obras ou personagens
como: Confissões, de Santo Agostinho, Hélinand, Hartman, Maria de França, escritos da
corte em Roman de Thèbes e Roman d’Eneas:
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                        Com relação às idéias sobre o amor e a morte e seus múltiplos reflexos na
                        poesia do século XII, desenvolvem-se textos e temas que determinam a
                        representação e o uso dessas idéias até o final da Idade Média. Ao mesmo
                        tempo, com o florescimento da cultura e da literatura medievais, nasce
                        também o debate crítico com essa cultura, na sua ameaça e condenação
                        severas, por meio de seus próprios conceitos de valor e de seu modo de
                        compreender a si mesma. (WILLIAMS, 1996, p. 132)

       Williams (1996) assim define as formas de produção de textos e criação de signos na
Idade Média: a) a morte como acontecimento histórico – as crônicas retratam a morte sem
nenhum medo existencial, na Alta Idade Média, os nomes e acontecimentos aparecem sem
muitos comentários. Na Baixa Idade Média, o cronista busca os motivos das ocorrências.
Morte e coroação significam providência divina. A história do mundo se une à história da
salvação; b) morte como signo sociocultural – a morte de um líder também significa a
mudança de um sistema cultural, por exemplo; c) a morte como evento psicológico- aparece
na poesia, a morte se dá interiormente ou na dor pela falta da pessoa amada; d) a morte como
signo semiológico – a relação semântica e pragmática com outros signos: a relação texto/
leitor contrapõe “signo-vida”, o leitor/ouvinte vê a morte apenas como tema e relaciona a
morte com diferentes estruturas do mundo, quer sejam mudanças sociais ou outras estruturas
do cotidiano. A representação literária da morte se une a outras formas literárias, como a
imagética e a depender do período em que a obra é lida ou do público que a lê, ganha signos
diferentes. “a produção incessante de signos de uma obra depende simplesmente de quantas
funções de signo o texto pode preencher na comunicação com uma série sucessiva de
gerações de leitores”, acrescenta Williams (1996, p.144).
        Visando revelar a morte com outras palavras, explica ainda Williams “O código
cultural ‘Morte’ precisa assim de muitos portadores de signos para que a ‘Morte’, em si
mesma imutável, possa ser representada na arte, na literatura ou também na música”. (1996,
p.142) A possibilidade de haver vários signos para representar a morte e o amor dão margem
para que ilimitados novos textos sejam produzidos a cada nova leitura, com o passar das
gerações.
       A morte está presente nas representações físicas e espirituais, nas decadências de
estruturas de organização do homem e seu lado místico em estágio de êxtase, dissolvendo os
velhos vínculos sociais e cedendo espaço a outros novos. Os séculos XIV e XV ressaltaram a
morte representada de forma apavorante na literatura, escultura e pintura, dominada pelo
período barroco. Porém, amor e morte andavam lado a lado em obras literárias. E assim “a
morte como ameaça, advertência, como separação entre vida e amor e, de um ponto de vista
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positivo, como promessa de vida eterna e amor puro inspira e estimula a participação
engajada do leitor/ouvinte na comunicação literária”. (WILLIAMS, 1996. p. 135).
       Nos séculos XV e XVI, a morte na poesia é tema descrito em forma de horror à morte
física e a decomposição do corpo, relata Ariès (2003). Esta decomposição não se dava
apenas após a morte, se dava através da doença, da velhice, da corrupção. A decomposição
significava, pois, o fracasso do homem.
       A arte e a literatura associam a morte ao amor entre os séculos XVI e XVIII e um
tom erótico e mórbido envolve textos, danças e dramas desta época. Os apaixonados se
encontram em túmulos nas peças em teatros barrocos e a literatura ganha um ar macabro,
onde a morte é desejada. Num trecho citado por Ariès, (2003, p.65) sobre uma jovem da
família La Ferronays, da época romântica, este desejo de morte pode ser notado. Ela assim
escrevia: “Morrer é uma recompensa, pois é o céu... A idéia favorita de toda minha vida (de
menina) é a morte que sempre me fez sorrir... Jamais alguma coisa fez com que a palavra
morte se tornasse lúgubre para mim”. A morte não é apenas uma representação do fim físico,
podendo, da mesma forma, ser um fim espiritual.
       No século XX, a literatura volta a falar sobre a morte. A Sociologia e a Psicologia
redescobrem a morte em seus livros e artigos, como em A Pornografia da Morte de Geoffrey
Gorer de 1955; The American way of death (O estilo americano da morte) de Jessica Mitford
de 1963, uma coletânea de estudos interdisciplinares onde Antropologia, Arte, Literatura,
Medicina, Filosofia, Religião estão presentes na obra The meaning of death (O significado
da morte) de 1959.
       Ao longo dos séculos, foram muitas as obras que retrataram a morte em suas várias
dimensões: como Odisséia (século VIII a.C.), de Homero; Fédon, de Platão; Antígona (440
a.C.), de Sófocles; A Divina Comédia (entre 1310 e 1321), de Dante Alighieri; Ars Moriendi,
dos séculos XV e XVI; Romeu e Julieta (1596), de William Shakespeare; Méditations
(1820), de Lamartine, o conto The Californian’s Tale (1892) de Mark Twain; O homem e a
morte (1948), de Manuel Bandeira; Pavilhão de Cancerosos (1970), de Aleksandr
Solzhenitsyn.
       Vencendo as barreiras do tempo e focando diferentes aspectos do viver e do morrer, a
morte tem-se mostrado um tema que ainda desperta conturbados sentimentos, mesmo na
coletividade, que cada um exterioriza de maneira singular.
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3. DAS OBRAS


3.1 A farewell to arms

       Realidade e ficção se misturam em A farewell to arms (Adeus às armas) lançado em
1929, dez anos depois do fim da I Guerra Mundial. Esta mistura, já comentada por Vargas
Llosa (2007), permite que o autor mescle fatos vividos aos imaginados.
       Harold Bloom (2010, p. 22-23) não considera o romance como uma obra
completamente autobiográfica, mas que toma como inspiração muitos elementos
autobiográficos. Na realidade, aos 19 anos, Hemingway alista-se na Cruz Vermelha Italiana
para trabalhar como motorista de ambulância na I Guerra Mundial. Ferido em combate, ele é
levado a um hospital em Milão, onde conhece a enfermeira Agnes von Kurowsky, por quem
se apaixona. Na ficção, o americano Frederic Henry se alista na Cruz Vermelha Italiana
atuando como motorista de ambulância. Ferido em combate, ele é levado para um hospital
em Milão onde conhece a enfermeira britânica Catherine Barkley, por quem se apaixona.
No período em que Hemingway escrevia o livro, sua esposa Pauline teve um parto
complicado. Este é mais um evento que pode ser percebido em sua ficção. Embora estes
eventos reais tivessem sido inseridos na ficção, nem sempre tiveram o mesmo final da vida
do escritor. A Farewell to Arms é um romance que mostra momentos de guerra, de dor
sofrimento, tragédia, mas também um romance de amor e morte, entre 1916 e 1918.
       Hemingway descreveu assim A farewell to Arms: “o fato de o livro ser trágico não
me tornava infeliz, visto eu pensar que a vida era uma tragédia e sabia que só poderia ter um
final. ( HEMINGWAY apud BAKER, 1974, p.115). Baker ainda ressalta que “ a publicação
de Adeus às Armas em livro, a 27 de setembro de 1929, assinalou a posição de Hemingway
no começo, como um dos poucos grandes escritores trágicos da literatura do século XX”
(1974, p.115).
       Embora tivesse atuado na I Guerra Mundial apenas por um mês, quando foi atingido
e enviado para um hospital em Milão, a narrativa de Hemingway tão envolvente em relação
ao cotidiano e sentimentos dos soldados em A Farewell to Arms recebeu muitos elogios de
soldados que realmente participaram da guerra.
       Neste romance, o personagem central também é o narrador, permitindo ao leitor que
ele conheça seus pensamentos, emoções, contados por ele mesmo. Hemingway descreve
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momentos de tensão, dor, morte, e fuga, realidades e detalhes da guerra como quem só quem
experimentou pode revelar. Na visão de Ross Walker (2009), Hemingway conta as verdades
do resultado da guerra na vida das pessoas e expressa suas ideias e sentimentos através de
seus personagens. Deste modo, pode-se supor que em A Farewell to arms ele também expõe
sua desilusão com a guerra. Analisando a narrativa de Adeus às armas, Baker considera que
“projetado em termos realísticos e num tom despreocupado, contando a verdade sobre os
efeitos da guerra na vida humana, Adeus às armas é um romance inteiro e até mesmo
exclusivamente aceitável como uma narrativa naturalista daquilo que aconteceu.” (1974,
p.115).


3.1.1 “A farewell to Arms” em poucas palavras
          O texto, ambientado no período da I Guerra Mundial, apresenta o tenente americano
Frederic Henry, que se alista na Cruz Vermelha Italiana como motorista de ambulância
voluntário. Ele é apresentado às enfermeiras Catherine Barkley e Helen Ferguson pelo
médico tenente Rinaldi. O relacionamento de Frederic e Catherine cresce. Numa ocasião,
Frederic e alguns companheiros são atingidos. Frederic é ferido no joelho e na cabeça e um
de seus companheiros, Passini, tem as pernas esmagadas e morre. Frederic é levado a um
hospital em Milão onde reencontra a enfermeira Catherine Barkley, por quem está
apaixonado. Após um tempo de recuperação, ele volta ao front italiano. Catherine engravida.
Frederic quer casar-se, mas ela alega que casando será mandada para seu país. Jordan se
recupera e volta ao front. Por desacato a uma ordem sua, Frederic mata um de seus homens.
Outro companheiro se entrega a polícia. Frederic é preso, mas consegue escapar pulando no
rio Tagliamento. É o seu adeus às armas. Vai para Milão e descobre que Catherine não está
mais lá, foi enviada a Stresa. Lá ele reencontra Catherine e os dois vivem por algum tempo.
Ameaçado de ser preso ele foge com ela de barco para a Suíça durante uma noite chuvosa.
Passam o inverno na Suíça, vivendo uma história de amor numa montanha perto de
Montreux. Grávida, ela sonha com uma vida de paz ao lado do seu amado e da criança. Na
primavera, eles se mudam para Lausanne, para estarem próximos ao hospital na hora do
nascimento do bebê. No último capítulo do livro, que analisaremos neste trabalho, Catherine
tem um parto complicado e graças a uma cesariana, dá a luz a um menino que vem ao mundo
já sem vida e roxo, sufocado pelo cordão umbilical. Catherine morre de hemorragia no
mesmo dia. Frederic, se sentindo vazio, nada mais pode fazer, apenas volta sozinho para o
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hotel onde estavam hospedados, caminhando na chuva.


3.1.2 Para entender “A farewell to Arms”
       Podemos observar que os textos de Hemingway, apesar de uma linguagem simples,
carregam muitos símbolos, muitas imagens. Na análise de A farewell to Arms feita por
Adam Sexton (2001), o simbolismo da chuva que cobre o céu ameaçadoramente representa a
presença da morte. Segundo ele, ela está presente desde o começo da trama, no primeiro
capítulo, relembrando a chuva que precedeu a cólera que matou sete mil pessoas naquele
outono: “The vineyards were thin and barebranched too and all the country wet and brown
and dead with the autumn” (p.2). A chuva permeia momentos importantes do livro e segue
até o fim da história de Frederic e Catherine. Um desses momentos é quando os dois estão
num hotel e Catherine revela seu medo de morrer na chuva e que também ele morra. Outro
momento é quando os croatas atacam a noite e eles começam a perceber que correm riscos
de vida e pareciam estar perdendo a guerra. Chove também quando Frederic parte em
retirada com seus companheiros. Depois de escapar pelo rio e reencontrar Catherine, o casal
foge de barco para a suíça na chuva. Carlos Baker (1974) sugere que o autor utiliza o
elemento chuva como uma referência à situações de desastres ou desespero.
       No último capítulo, Frederic observa a chuva que cai na hora da cesariana: “It was
dark but in the light from the window I could see it was raining” (p.169). Está também
presente quando a enfermeira lhe informa sobre a morte do bebê: “I could see nothing but
the dark and the rain falling across the light from the window” (p.171). Na última frase do
livro, o símbolo reaparece: “after a while I went out and left the hospital and walked back to
the hotel in the rain” (p.174).
       Nem todo simbolismo da chuva se refere à negatividade. A chuva também pode
representar bons sinais. De acordo com Cirlot (1984), a chuva está relacionada com o sentido
de fertilização e purificação. Chevalier (1993, p. 235-236) também cita este elemento como
agente de fertilidade não apenas para animais, mas também para as mulheres. Para este autor,
a chuva, “aquilo que desce do céu para a terra é também a fertilidade do espírito, a luz, as
influências espirituais”. Também no texto em estudo, a fertilidade existia. Catherine estava
grávida, uma nova vida surgiria. Outros significados são dados a este mesmo elemento,
como a vida nova, renovação. Para o percurso dos personagens, o evento não marcaria
apenas a chegada de uma criança, mas o começo de uma nova vida para esta pequena
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família. No entanto, esta renovação não acontece.
           Outro elemento recorrente nesses momentos de turbulência é a noite. Para Rama
Rao (2007, p. 31), a morte representa a noite da vida e Hemingway usa esse elemento com
bastante habilidade, incluindo a dor e o sofrimento ou físico ou psicológico.
          Para Cirlot (2001) A noite também simboliza a morte numa visão mais tradicional. E
neste capítulo, noite e chuva aparecem nos dois momentos de morte. Ainda está escuro
quando Catherine começa a sentir as dores e eles estão à espera do taxi. “The night was clear
and the stars were out” (A noite estava clara e as estrelas tinham saido) (p.232). Começa
então o que deveria ser o fim de um período no ventre para uma nova vida. De uma morte
para uma vida, como explicou Kovács (1992) uma mudança de um estágio de uma vida para
outro. Já está escuro quando Catherine é levada para sala de cirurgia. “It was dark but in the
light from the window I could see it was raining.” (Estava escuro mas pela luz da janela pude
ver que estava chovendo) (p.242) A criança já estava sem vida. Frederic utiliza a palavra
“dark” quando observa a criança na mão do médico, embora sem saber que ela já estava
morta: “ I saw the little dark face and dark hand, but I did not see him move or hear him cry.
(Vi a pequena face e a mão escuras, mas não o vi mover-se ou chorar.(p.243)” E a utiliza
também quando ele o descreve para Catherine: “A boy. He’s long and wide and dark” ( Um
menino. Ele é comprido e grande e roxo) (p.244)” Ainda chove quando Catherine morre.
Frederic apaga as luzes do quarto e depois de algum tempo, sai na chuva: “But after I had got
them out and shut the door and turned off the light it wasn´t any good. It was like saying
good-by to a statue. After a while I went out and left the hospital and walked back to the
hotel in the rain” (Mas depois de colocá-las para fora e fechar a porta e apagar a luz não
melhorou. Era como dizer adeus a uma estátua) (p.249).
          Uma sensação de vazio e finitude domina o espaço e o tempo quando a morte vem.
Para Frederic o “nada” impede as ações, nada a se fazer, nada a se dizer, nada é tudo que
segue:
          ‘Outside the room, in the hall, I spoke to the doctor, ‘Is there anything I can do to-
night?’
          ‘No. There is nothing to do. Can I take you to your hotel?’
          ‘No, thank you. I am going to stay here a while.’
          ‘I know there is nothing to say. I cannot tell you ______’
          ‘No,’ I said. ‘There is nothing to say’
          ‘Good-night,’ he Said. ‘I cannot take you to your hotel?’
          ‘No, thank you’ ( p.248 )

          (“Do lado de fora da sala, no corridor, eu falei com o medico, (Há algo que        eu
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       possa fazer agora a noite?”)
        (“Não. Não há nada a fazer. Posso levá-lo pro hotel?”)
        ( “Não, obrigado. Vou ficar aqui um pouco.”)
        (“ Eu sei que não há nada a dizer. Não posso dizer que …”)
        (“Não,” eu disse. “Não há nada a dizer.”
        ( “Boa noite” disse ele. “ Não posso levá-lo ao hotel?
        (“Não, obrigado.”)

        Além da guerra, das perdas, das tragédias, outro tema perceptível neste último de “A
farewell to arms” é a angústia. Isto pode ser observado tanto em Catherine quanto em
Frederic. As dores de Catherine começam ao amanhecer. A demora pelo nascimento passa
ser angustiante. As horas passam, as contrações vêm e vão, mas a criança não nasce.
Catherine luta para ter o bebê, Frederic vê anunciada a morte de sua amada e sua angústia
começa. Quando percebe a gravidade da situação ele se pergunta: “And what if she should
die? She won't die. People don't die in childbirth nowadays. That was what all husbands
thought. Yes, but what if she should die? She won't die” ( E se ela morrer? Ela não morrerá.
(p.239). E depois ele presencia o desespero de Catherine na hora da dor: “I won't die. I won't
let myself die” (p.241). Para alguém acostumado a se deparar com situações de morte por
causa da guerra, esta é uma situação diferente para Frederic. Este é o medo da morte citado
por Jaspers: “Tememos a morte. Observe-se, porém, que a morte – o cessar de ser – e o ato
de morrer – cujo termo é a morte – provocam angústias muito diversas” (2005, p. 128). Isto
porque implica aí a possibilidade de não ter mais a presença do outro, descrita por Heidegger
(2001). Frederic teme perder Catherine, pois sua vida se transformaria num “nada”. Ela já
não tem mais forças, está muito fraca.
       Catherine também se angustia, e o medo da morte também é sentido por ela:
“Darling, I won’t die, Will I?” (p.241) (Querido, eu não vou morrer, vou?), mas ela pressente
o desfecho: “Sometimes I know I’m going to die” (p.241) (Às vezes acho que vou morrer).
       A tarde chega e a criança nasce morta, sufocada. Frederic ainda não sabe da morte da
criança, mas vê o quanto Catherine sofre. A angústia de Frederic aumenta quando ele toma
conhecimento do acontecido com o bebê e que Catherine teve uma hemorragia e também
corre risco de morrer. O medo que aconteça com ela o mesmo que aconteceu com a criança
toma conta de Frederic. O retrato do desespero do personagem é demonstrado em forma de
oração, embora ele não tivesse uma religião: I knew she was going to die and I prayed that
she would not. Don't let her die. Oh, God, please don't let her die. I'll do anything for you if
you won't let her die. Please, please, please, dear God, don't let her die. Dear God, don't let
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her die. Please, please, please don't let her die. God please make her not die. I'll do anything
you say if you don't let her die. You took the baby but don't let her die. That was all right but
don't let her die. Please, please, dear God, don't let her die” (p.247). (Eu sabia que ela ia
morrer e eu rezei para que ela nao morresse. Não a deixe morrer. Oh Deus, por favor não a
deixe morrer. Farei qualquer coisa se o Senhor não a deixar morrer. Por favor, por favor, por
favor, Senhor Deus, não a deixe morrer. Senhor Deus, não a deixe morrer. Por favor, por
favor, por favor não a deixe morrer. Senhor, faça com que ela não morra. Farei qualquer
coisa que me disser se o Senhor não a deixar morrer. O Senhor levou o bebê mas não a deixe
morrer. Tudo bem mas não a deixe morrer. Por favor, por favor, por favor, Senhor Deus,
não a deixe morrer).
       Hemingway introduz mais um símbolo, a cor cinza “gray” anunciando uma
transformação de estado, a aproximação de algo ruim. Frederic percebe que a morte se
aproxima. O rosto de Catherine revela todo sofrimento: “She looked gray” (p.247)
(Catherine estava pálida) E ela sabe que vai morrer: “I’m going to die” (p.247) (Vou morrer).
       Como na Idade Média, em que era costume que o moribundo se preparasse para a
morte, Catherine revela a Frederic seus planos não realizados: “I meant to write you a letter
to have if anything happened, but I didn’t do it”(p.247) ( Quis deixar-lhe uma carta se algo
acontecesse mas não escrevi). E, mesmo sabendo que ela tem uma religião, Frederic
pergunta se ela quer a presença de um padre: “Do you want to me to get a priest or any one
to come and see you?” (p.247) (Quer que eu chame um padre ou alguém para vim vê-la?).
Porém ela recusa, diz não estar com medo do final embora não o aceite: “I’m not afraid. I
just hate it”(p. 247) ( Não estou com medo. Apenas odeio isso).
       Para Frederic, o cessar de duas vidas findam também o sonho de uma vida longe da
guerra e uma vivência em família. Tudo se esvazia e a única atitude que ele tem é a de
caminhar sozinho na chuva. Assim, em A Farewell to arms, a morte do herói não é uma
morte física, mas toda uma carga de perdas resultantes da guerra, quando fica sem seus
companheiros em combate, quando deserta para salvar a própria vida e quando perde mulher
e filho no parto. Para quem nunca tinha amado e não tinha mesmo intenção de amar,
Catherine se tornou a essência da vida de Frederic sua religião e agora nada mais importava.
A noite, a morte e o nada foram tudo que restou.
       O amor em A farewell to arms é uma espécie de jogo, uma escapatória para aquela
realidade cruel e violenta. Mas o amor de Frederic por Catherine que também começou como
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um jogo, transforma-se numa união onde as almas se encontram e por isso, viver sem ela
significa um “nada”.




3.2 A clean well-lighted place

       Neste capítulo, analisaremos o conto A clean, well-lighted place, no qual Hemingway
traz questões sobre a vida, o relacionamento humano, a velhice, a solidão, o suicídio e a
solidariedade. O conto, escrito em 1933, apresenta como cenário um café. Os personagens
são dois garçons, um de meia idade e o outro, um jovem. Um dos clientes é um homem
idoso, surdo, rico e solitário. Não há nomes para a identificação do café ou dos personagens,
apenas que os garçons também falam espanhol. Quase não há ação no conto, assim como
nem sempre há uma certeza de qual dos garçons está falando, o que causa, às vezes, uma
incógnita na sequência das falas.

3.2.1 A clean, well-lighted place em poucas palavras

       Os dois garçons observam o homem que frequenta o café sempre sozinho. Por já
estar na hora de fechar, o garçom mais novo se irrita com a presença do único cliente, porque
ele deseja terminar seu dia de trabalho e voltar para sua esposa que o espera em casa. Um
dos garçons comenta que o homem tinha tentado suicídio na semana anterior e havia sido
salvo pela sobrinha; não tinha mais esposa e se tornara um solitário. O garçom mais novo se
recusa a servir mais uma bebida ao homem, alegando que, além de bêbado, é velho. Para ele,
ser velho não é algo bom. Sem ouvir as palavras ofensivas do garçom, o homem paga a
conta e se vai. O café é fechado e os dois garçons se prepararam para ir para suas casas.
       O mais velho comenta a atitude do mais novo em não ter servido mais uma bebida ao
cliente e também da hora em que fecham o bar, alegando que poderiam ter ficado mais um
pouco, pois alguém poderia precisar do café, porque ele é limpo, bem iluminado e protegido
pelas folhas das árvores. Então, eles discutem seus pontos de vista em relação à vida. O mais
jovem se vangloria por ter tudo: juventude, trabalho e confiança e esses fatores o deixam
com a vontade de ir para casa. O mais velho, assume ter apenas o trabalho, por isso prefere
ficar até mais tarde no café, pois há a possibilidade de outro cliente aparecer. O garçom mais
velho despede-se do colega de trabalho e se encaminha para um bar, refletindo sobre sua
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existência, o significado da vida, o significado de Deus, ou a falta deles: tudo é nada! Este
personagem faz ainda uma paródia com a oração do Pai Nosso usando a palavra “nada”, que
aparece em espanhol, em partes estratégicas da oração. Ele entra num bar e pede um copo de
“nada”. O garçom pensa que ele é mais um louco. Ele não gosta de bares, bodegas ou
lugares mal iluminados. Então, vai para casa e espera que amanheça para conseguir dormir.
Para ele, é apenas mais uma noite de insônia.

3.2.2 Para entender “A clean, well-lighted place”

       Para o leitor, um conto pode trazer uma trama simples, aparentemente desconectada
com a realidade aparente, mas “a ‘irrealidade’ da literatura fantástica se transforma, para o
leitor, em símbolo ou alegoria, quer dizer, na representação das realidades, de experiências
que se pode identificar na vida.” (VARGAS LLOSA, 2004, p. 14). Estas experiências, no
texto de Hemingway são a solidão, o suicídio, a morte. Situações tão corriqueiras e, ao
mesmo tempo, tão profundas. A solidão, o suicídio, o desespero, a rotina e a percepção de
ser mais um na multidão são características que apontam para uma visão crítica da
modernidade, pois, apesar de todo o progresso alcançado, o homem se tornava apenas mais
um na multidão, com poucas relações sociais significativas.
       O conto reflete a condição humana principalmente quando a velhice chega.
Independente de ser rico e limpo, o único cliente do café é velho. A idade avançada é uma
etapa crítica da existência humana, por trazer, como já citado por Torres (1983), um leque de
experiências negativas, como as fraquezas do corpo, a diminuição ou perda de produtividade,
a certeza de que a próxima fase da vida é a morte. A sociedade aumenta a desvalorização do
homem idoso. No texto, um dos garçons associa a negatividade à idade: “An old man is a
nasty thing." (Um homem velho é algo nojento) (p. 288), o que evidencia sua impressão
preconceituosa.
       Do ponto de vista existencialista de Heidegger, o medo do nada, do vazio da vida
vivenciados pelo idoso e pelo garçom mais velho é apavorante, desesperador e intimida a
existência. A velhice representa a aproximação da morte, o fim.
       Embora o garçom mais velho e o idoso rico sofram com a solidão, assim como
muitas pessoas, cada um lida com esta situação de maneira diferente e isolada. Nesse
aspecto, os dois compartilham as mesmas angústias. O idoso frequenta o café todas as noites
e se embriaga “he’s drunk every night” (Ele está bêbado todas as noites.) (p. 289). O garçom
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vê nessa lacuna o motivo para manter o café aberto até mais tarde. Ele diz: “Each night I am
reluctant to close up because there may be some one who needs the café (p.290)". (A Cada
noite eu reluto em fechar porque pode haver alguém que precise do café).
       A falta de um sentido real para a vida leva o velho a um desespero, uma angústia,
sentimento que só a morte pode resolver. Neste caso, a morte não é percebida como um
monstro, mas como uma salvação, um fim desejado, um alívio, encerrando de vez as
pequenas mortes cotidianas, como a solidão, a separação da esposa, o vazio que transforma a
vida num nada. É este mesmo vazio a razão pela qual o homem vai todas as noites ao café.
       O suicídio que, segundo Incontri (2010), foi negado por alguns filósofos, mas visto
por Sartre como o ato de liberdade suprema do ser humano, foi discutido pelos garçons. Um
deles acredita que o velho não tinha motivos pra a tentativa de suicídio, já que era rico. Nem
mesmo o fato de ser um solitário o faz crer que o velho estivesse num momento de angústia,
desespero. O nada também é o motivo dado por um dos garçons para a tentativa de suicídio.
       "Last week he tried to commit suicide," one waiter said.
       "Why?"
       "He was in despair."
       "What about?"
       "Nothing."
       “How do you know it was nothing?”
       “He has plenty of money.” (p. 288 )

       ( “Semana passada ele tentou suicídio,” um garçom falou)
       ( Por que? )
       ( Ele estava desesperado)
       ( Por causa de que? )
       ( Nada )
       ( Por que você acha que não foi nada? )
       ( Ele tem muito dinheiro.)

       Este vazio que permeia todo o conto e caracteriza a vida dos homens, a solidão, o
motivo para cometer suicídio, se estabelece representado pelas palavras “nothing” que
aparece seis vezes, e “nada” que no texto está em espanhol, repete-se 22 vezes. O garçom
mais velho faz uma paródia com a oração do “Pai Nosso”, revelando sua descrença em Deus:
Our nada who art in nada, nada be thy name thy kingdom nada thy will be nada in nada as
it is in nada. Give us this nada our daily nada and nada us our nada as we nada our nadas
and nada us not into nada but deliver us from nada; pues nada. Hail nothing full of nothing,
nothing is with thee” (p.291) (Nada nosso que está no nada, nada seja teu nome assim no
nada como no nada. O nada nosso de cada dia nos dai hoje perdoai nosso nada assim como
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nós nada vossas nadas e não nos deixei cair no nada, para nada; para nada. Salve nada
cheia de nada, nada esteja contigo).
       Este trecho pode nos remeter ao existencialismo e ao ateísmo defendidos por Sartre e
mistura a fé católica dos espanhóis com a falta de fé de um solitário. O garçom mais velho
considera vazia a existência humana: “It was all a nothing and a man was a nothing too.”
(p.291) ( Tudo era um nada e um homem era um nada também).
       Usando símbolos para camuflar ou transportar algumas de suas verdades,
Hemingway utiliza dois elementos: a luz e a noite. Autores como Dominik Gerhard (2008) e
Rama Rao (2007, p. 31) demonstram que esses elementos podem ser vistos como algo que
dá sentido à existência, a luz; e a noite, como a falta desse sentido. O café é um lugar bem
iluminado, e há a sombra das folhas das árvores também, e isso é tudo que alguém precisa
para espantar o vazio da solidão. O garçom mais velho sabe disso, ele argumenta com o mais
novo: “you do not understand. This is a clean and pleasant café. It is well-lighted. the light is
very good and also, now, there are shadows of the leaves” (p.290). (“Você não entende. Este
café é limpo e agradável. É bem iluminado. A luz é muito boa e também, agora, há a sombra
das folhas.”) E reafirma essa necessidade quando dialoga consigo mesmo na saída do
trabalho: “it was only that and light was all it needed and a certain cleanness and order” (p.
291). (Era só isso e a luz era tudo que precisava e uma certa limpeza e ordem).
       Novamente, o personagem divaga no final do conto, quando sai do bar: “a clean well-
lighted café was a different thing” (p.291). (Um café limpo e bem iluminado era algo
diferente). Para este garçom, a noite dá lugar ao nada, à solidão, por isso ele tem insônia e
espera a luz do dia chegar para afugentar o nada e ele possa dormir: “he would lie in the bed
and finally, with daylight, he would go to sleep” (p. 291). (ele deitaria em sua cama e
finalmente, com a luz do dia, iria dormir). Ele tem a consciência de que ele não é o único que
sofre desse sentimento, pois diz a si mesmo: “it is probably only insomnia. Many must have
it” (p. 291) (provavelmente é só insônia. Muitos devem tê-la).
       Embora o suicídio por causa da solidão seja o foco desta obra, A clean well-lighted
place também ressalta um lado positivo deste “nada”, analisa Jeffrey Berman (1999, p.112),
a solidariedade. É este o sentimento que move o garçom mais velho a permanecer por mais
tempo no trabalho, para se aliar a outros solitários que buscam a luz, mesmo que temporária,
para fugir da morte ou dos indícios de sua proximidade. Ele teme por outros que vivem o
mesmo dilema e sabe quão importante é um lugar limpo, iluminado e organizado, um lugar
35



onde os solitários possam ter um pouco de dignidade.
       A trama também enfatiza o tempo. Não apenas por causa do horário já tardio da
noite, quase três horas da manhã, mas também da idade dos dois personagens. Que se vêem
envolvidos por um “nada” que corrói as alegrias e esperanças do cotidiano. A velhice não
tem próxima etapa. A velhice que, mesmo sendo vida, transforma-se numa morte lenta e
irreversível.



3.3 For whom the bell tolls

       Aparentemente um enunciado isolado, o título desta obra faz referência a um trecho
de uma obra do poeta inglês John Donne (1572 – 1631). A escolha do título e a colocação
do trecho do poeta como epígrafe do livro apontam para o tema, que é a morte como evento
inevitável para todo ser humano.
                                      No man is an Iland, entire of it selfe; every man is a peece of
                                      the Continent, a part of the maine; if a Clod bee washed
                                      away by the Sea, Europe is the lesse, as well as if a
                                      Promotorie were, as well as if a Manor of thy friends or if
                                      thine owne were; any mans death diminishes me because I
                                      am involved in Mankinde; And therefore never send to know
                                      for whom the bell tolls; it tolls for thee. (JOHN DONNE,
                                      apud HEMINGWAY, 1979, epígrafe)1

       O contexto da escrita do livro nos explica mais sobre esse tema. Em 1937,
Hemingway viajou para a Espanha como correspondente para o jornal North American
Newspaper Alliance para cobrir a Guerra Civil Espanhola, iniciada um ano antes. Por ter
vivenciado fatos marcantes do cotidiano de combatentes e da vida das pessoas naquele
período, pôde coletar elementos daquela realidade para escrever seu próximo livro. O
romance foi publicado em 1940 e é mais uma trama que mostra os horrores da guerra.
Hemingway mostra as atrocidades cometidas tanto pelos Fascistas quanto pelos
Republicanos. A condição humana e as ações por vezes indesejadas e cruéis que as pessoas
praticam a ponto de ter que matar para não morrer fazem parte dessa história. De acordo com
LaPrade ( 2007, p. 32), em For whom the bell tolls, uma das intenções de Hemingway era
passar para os americanos a herança da cultura espanhola e também fazê-los entender mais

1
 “Nenhum homem é uma ILHA isolada; cada homem é uma partícula do CONTINENTE, uma parte da terra; se
um TORRÃO é arrastado para o MAR, a EUROPA fica diminuída, como se fosse um PROMONTÓRIO , como
se fôsse o SOLAR de teus AMIGOS ou TEU PRÓPRIO, a morte de qualquer homem me diminui, porque sou
parte do GÊNERO HUMANO, e por isso não perguntes por quem os sinos dobram; êles dobram por TI”
Tradução de Monteiro Lobato, 1958
36



aprofundadamente sobre aquela guerra.
       Este romance é considerado um gênero épico, segundo Baker, pois possui:
                        um ambiente primitivo, comida simples e vinho, o cuidado e o uso das
                        armas, o sentido de perigo eminente, a ênfase na proeza masculina, a
                        presença de vários graus de coragem e covardia, os cruéis barbarismos de
                        ambos os lados, a operação de certas superstições religiosas e mágicas, os
                        códigos éticos dos guerreiros – estes por certo, são elos comuns entre os
                        dois grupos de protagonistas. (BAKER,1974, p.267)

       Toda história se passa em três dias do mês de março de 1937. Mas é tempo suficiente
para Hemingway fazer um recorte de vários aspectos da vida humana. O romance é uma
história de amor, de costumes, de tradições, de encontro de culturas, de política e de história.


3.3.1 For whom the Bell tolls em poucas palavras
       O romance pode ser assim resumido: Robert Jordan, um americano, professor de
espanhol, se junta aos guerrilheiros republicanos na Guerra Civil Espanhola e recebe a tarefa
de explodir uma ponte controlada pelos Fascistas. Anselmo é quem leva Jordan para o
campo de guerrilha onde eles encontram Pablo, o líder do acampamento. Jordan é
hostilmente recebido por Pablo. O americano passa a desconfiar da lealdade dele, temendo
que ele traia ou mesmo sabote a missão. Nesse acampamento Jordan conhece também os
outros integrantes do bando: Pilar, mulher de Pablo, Rafael, Agustín, Fernando, Primitivo,
Andrés e Eladio. Há também uma jovem que foi violentada pelos Fascistas, de nome Maria,
por quem Jordan se apaixona. Eles se tornam próximos e vivem momentos de amor no meio
dessa turbulência. Pablo discorda da idéia do bando explodir a ponte e se recusa a ajudá-lo.
Os Fascistas descobrem os planos dos Republicanos de destruir a ponte e Jordan decide
cancelar a ofensiva. Na manhã planejada para a explosão, Pilar conta a Jordan que Pablo
tinha fugido com alguns explosivos que seriam usados na missão. Jordan fica enfurecido e
resolve levar o plano adiante. Pablo se arrepende e volta trazendo consigo cinco homens do
bando. Jordan faz amor com Maria e se despede dela. Pilar e Pablo levam Maria. Jordan e
Anselmo seguem para montar os explosivos. Mesmo sem concordar com a ideia de matar,
Anselmo atira numa sentinela para que tenham chance de chegar até a ponte. Pilar se junta a
Jordan e anuncia que Eladio foi morto na guerrilha e Fernando ficou seriamente ferido. Na
explosão da ponte, Anselmo morre atingido pelos estilhaços. Na retirada, os Fascistas
acertam o cavalo de Jordan que cai por cima dele, quebrando sua perna. Impossibilitado de
caminhar, ele decide ficar e pede que os outros continuem seus caminhos. Ele mais uma vez
37



se despede de Maria, jurando amor eterno e pede que ela leve o amor dele para onde ela for e
só assim esse amor sobreviverá. A dor o faz delirar e questionar-se entre o suicídio ou
sobrevivência para derrubar os inimigos. Jordan fica a espera dos Fascistas.


3.3.2 Para entender For whom the Bell tolls
       Pelo fato da trama acontecer num período de guerra, a iminência da morte é algo
esperado e muito marcante em todo o enredo. Mesmo assim, a vida se realiza em sua
plenitude, com intensidade e luta. Robert Jordan, o personagem central, sente essa plenitude:
“I have fought for what I believed in for a year now” (Eu lutei por aquilo que acreditei por
uno ano). Segundo Baker (1974, p. 274) “[...] a idéia de que uma consciência da morte dará
mais profundidade aos acontecimentos da vida é apenas um dos temas familiares de
Hemingway em Por quem os sinos dobram”. Outros temas como, o viver em comunidade,
homens sem mulheres, pai e filho, já que em alguns momentos Jordan relembra o pai que
cometeu suicídio, e a figura do lar, aqui representado simbolicamente pela Espanha, em
contraste com a guerra, também são abordados na trama.
       De acordo com Tyler (2001, p.121), em vários trechos há alusão às passagens e temas
bíblicos, como o nome do herói Jordan, relembrando o Rio Jordão onde Cristo foi batizado;
quando Jordan pede a Maria para enxugar seus pés com seus cabelos, como fez Maria
Madalena com Cristo; a comparação da guerra com uma cruzada ou uma guerra santa; o
sentimento de participação de Jordan na guerra como a celebração da Primeira Comunhão; a
prática das orações que os personagens faziam; a traição de Pablo como Judas também traiu
Jesus; o próprio sacrifício de Jordan pelos companheiros como Jesus fez pela humanidade.
Rama Rao (2007) comunga com esta análise. Para ele, a figura de Maria, da obra, representa
a Virgem Maria, que é violentada, assim como está sendo a Espanha. Este autor acrescenta a
comparação das humilhações e atrocidades sofridas por Maria, em ser amarrada e violentada,
com a crucificação de Jesus. E também a recuperação de Maria em três dias estaria
relacionada com a ressurreição de Cristo no terceiro dia
       O misticismo também está presente, como quando Jordan observa as duas sentinelas
que cospem no rio, e ele também pensa em fazer o mesmo, porém desiste: “I wonder if that
is superstition? Robert Jordan thought. I’ll have to take me a spit in that gorge too. If I can
spit by then. It can’t be very powerful medicine” (p. 378). (Será que isso é uma superstição?
Robert Jordan pensou. Terei que cuspir nessa torrente também. Se no momento eu conseguir
38



cuspir. Não deve ser um remédio muito poderoso). Outro momento é quando Pilar lê a mão
de Jordan e vê sua morte. Tal sentimento, especialmente no personagem Jordan, aponta para
a expectativa sempre presente da morte, para um encontro com o mundo da eternidade, que
pode acontecer a qualquer momento.
        A presença de imagens simbólicas realça a riqueza da construção do autor americano,
quando as palavras ou as verdades não podem ou não querem ser ditas abertamente, como
ressalta Vargas Llosa (2007). Desse modo, podem-se perceber muitos outros eventos e
personalidades da história representados nesta obra, constituindo uma grande rede
intertextual com obras da tradição.
        A ponte, por exemplo, missão dirigida a Jordan para ser explodida, na análise de
LaPrade (2007, p.46), relembra a Guerra Civil Romana na Espanha entre César e Pompeu
em 46 – 45 A.C., pelo controle da ponte sobre o Rio Baetis. Hoje, este rio é chamado de
Guadalquivir, em Córdoba. Outra menção é da batalha de 509 A.C., quando Horácio
defendeu Roma contra os ataques dos Etruscos sobre a ponte do Rio Tibre.
        A destruição da ponte, conforme Rama Rao (2007, p.56), sugere um novo começo,
uma outra forma de união partindo da separação. Por causa dessa ponte, Jordan luta, e é na
destruição desta que ele se separa de Maria, que é forçada a aceitar uma vida sem ele. Este
episódio dá início à figura de Jordan como mártir, sacrificando-se por seu ideal e por seu
amor.
        Ainda retratando os significados que a ponte carrega, segundo Ishteyaque Shams
(2002, p. 85) esta traz o sentido de liberdade, a esperança do futuro da raça humana. Ela
relata que a palavra “bridge” (ponte) aparece 294 vezes neste livro, destas, 110 são usadas no
último capítulo, o que marca, para o leitor, a imagem da ponte como algo central no enredo.
         A trama toda se passa em três dias. Este número, para LaPrade (2007, p. 34) está
relacionado a três mil anos de história e de civilização que a guerra civil tenta destruir. Ao
que indica Hemingway buscou também preservar a história e a cultura espanhola. Também
três vezes Jordan e Maria fazem amor. Em cada um desses encontros, eles dizem ver a terra
se mover. Porém Pilar afirma que essa experiência só se vive três vezes durante toda a vida,
o que também apontaria para o fim da vida para um deles.
        Durante a leitura, é possível perceber que a morte aparece em vários momentos no
romance. Não se pode esperar muito quando se está numa guerra. Republicanos e Fascistas
perdem seus homens. Amigos e inimigos se vão, a vida dura pouco. Jordan viu e matou
39



também, assim como seus companheiros, mesmo que esse não fosse o seu desejo. Mas a
morte não aparece apenas como um fim. Esta assume outras formas. Maria presencia a morte
dos pais pelos Fascistas, e também é estuprada. Traumatizada, ela não fala e chora muito.
Pablo trai Jordan e o romance de Jordan e Maria se sente vazia com a morte de Jordan.
Violência, traição, separação também se configuram em morte pela carga emocional
negativa que deixa.
       No último capítulo, após a explosão da ponte e com a perna quebrada, sentindo
muitas dores e sabendo que os inimigos não tardariam, Jordan pede a Pablo e Pilar que
levem Maria com eles e o deixem ali. As palavras dele para Maria são uma bela revelação de
amor, um amor que, para os personagens, nem uma guerra com toda atrocidade poderia
vencer. Ele já não os considera duas pessoas, mas apenas uma, vivendo no corpo dela: “we
will not go to Madrid now but I go always with thee wherever thou goest” (p.405) (Não
iremos a Madri agora mas eu sempre irei com você onde quer que você vá) e depois “as long
as there is one of us there is both of us. Do you understand?”(p.405) (Enquanto um de nós
existir, nós dois existiremos). Maria diz ser difícil ter que abandoná-lo ali “what about me?
It’s worse for me to go” (p.405) ( e eu? É mais difícil pra mim ter que ir), mas ele explica:
“It’s harder for thee. But I am thee also now” (p.405) (É mais difícil pra você. Mas eu sou
você agora). Jordan reafirma essa cumplicidade: “you are me now” (p.406) (você agora é
eu). E depois de muitos pedidos para que ela se vá, ele diz não querer despedidas: “there is
no goodbye, guapa, because we are not apart”. (p.406) (Sem despedidas, guapa, porque não
estamos nos separando). Embora ela estivesse relutante, ele queria que ela entendesse que
esse amor só continuaria a existir se um deles existisse também e, por isso, ela precisava
seguir. Se ela ficasse, então os dois morreriam e o amor morreria junto. Aqui a morte se
disfarça de rompimento, de separação. Morre o que ama, mas não o amor.
       A pluralidade de significados de uma mesma palavra, já retratada por Paz (1976)
acontece comumente na construção literária. Numa análise de LaPrade (2007, p.50) Jordan e
Maria se referem ao ato sexual como uma pequena morte, significado contido na palavra
orgasmo em francês, “petit morte”, já mencionado anteriormente.
       Em determinados momentos, a morte aparece não como algo arrebatador e infame
como quando os pais de Maria são cruelmente mortos, mas como solução, um alívio numa
situação de sofrimento ou de desespero, como quando Agustín, embora abalado e sem querer
deixar Jordan sozinho, se oferece para dar-lhe um tiro de misericórdia, considerando ser algo
40



natural: “do you want me to shoot thee, inglés? [...] Quieres? It is nothing? (p.407) (você
quer que eu atire, inglês? [...] Quer? Não custa nada) Mas ele recusa, pensa ainda haver uma
chance de fazer algo: acabar como o Tenente Berrendo. Ficando ali, ele pode ocupar o tempo
dos inimigos facilitando a fuga de sua amada e seus companheiros.
       Depois que estes se vão, Jordan sente-se mais aliviado para morrer ali. Ele não se
julga forte o suficiente para aguentar as dores: “I think I’m not awfully good at pain” (p.411)
(Acho que não sou muito bom de aguentar a dor). E começa um diálogo para justificar o
certo e o errado em sua decisão de se matar: “listen, if I do that now you wouldn’t
misunderstand, would you?”(p.411) (ouça, se eu fizer isso agora você não interpretar errado,
vai?). E se pergunta com ele estaria conversando. Ele pensa no avô: “Grandfather, I guess.
No, nobody” (p. 411) ( Vovô, eu acho. Não, ninguém). Jordan não aceita o suicídio de seu
pai, por achar esta atitude uma covardia. Esses questionamentos remetem à vida pessoal de
Hemingway, em não aceitar o suicídio do pai em 1928. Berman (1999, p. 109) revela esta
consideração. Segundo ele, Hemingway não conseguia lidar com este evento e não queria
cometer a mesma atitude do pai, embora esse monstro o tivesse acompanhado na vida e na
obra até concretizar sua morte em 1961.
       Os devaneios de Jordan continuam: “so why wouldn’t it be all right to just do it now
and then the whole thing would be over with?(p.411) ( então , por que não seria certo fazer
isso logo e acabar com tudo de uma vez?) Mas o pensamento nos inimigos tão próximos e a
chance de ainda vencer um deles o faz recuar: “no, it isn’t. Because there is something you
can do yet” (p.411) (não, não é. Porque ainda há algo que você pode fazer). As dores
aumentam e ele tenta pensar em algo que o faça suportar até a chegada dos Fascistas: “think
about Montana. I can’t. Think about Madrid. I can’t. Think about a cool drink of water. All
right”(p.411) (pense em Montana. Não posso. Pense num copo d’água gelada. Isso) E
compara o desfecho com esse copo de água: “that’s what it will be like. Like a cool drink of
water” (p.411-412) (É como vai ser. Como um copo d’água gelada). E reflete que tudo pode
não ser assim, por isso a vontade de suicidar-se volta: “then do it. Do it. Do it now. It’s all
right to do it now. Go on and do it now” (p.412) (então atire. Atire agora. Sem problemas
atirar agora. Vamos, faça isso agora), mas decide por fim esperar “no, you have to wait”
(p.412) (não, você tem que esperar). Ele ouve os homens chegando cada vez mais perto.
Hemingway deixa para o leitor a tarefa de finalizar o romance. Se Jordan consegue atingir o
tenente ou se é morto por ele não fica claro. A certeza é que, na última sentença do romance,
41



Jordan ainda está vivo: “He could feel his heart beating against the pine needle floor of the
Forest” (p.413) (Ele podia sentir seu coração bater contra o chão de agulhas de pinheiros da
floresta).
        O romance For whom the Bell tolls começa e termina com uma mesma reflexão: o
homem como um ser coletivo. Assim como na epígrafe de John Donne, na qual ele compara
o homem como um continente, e não como uma ilha, a morte de Jordan no último capítulo
não retrata apenas o seu fim como um ser isolado, mas seu sacrifício pelos companheiros,
pelos seus ideais, por uma comunidade. A morte aqui é, acima de tudo, uma questão
humanitária.
42



4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

       Vida e morte caminham lado a lado nestas três obras de Hemingway. Assumir o
papel de cada um destes personagens analisados nos leva a reflexões nas quais a ficção tenta
escancarar a realidade. Questionar o valor da vida, da família, do amor, do ser enquanto
presença no mundo e significado para o ser-em-si e o ser para o outro talvez nos conceda as
respostas que buscamos obter e assim assumir e entender vida e morte nos suas mais
diversas ramificações.
       Quando se fala em morte, parece óbvio que algumas considerações se apresentem
como algo já conhecido e banal. Falar de morte, por exemplo, nos remete sempre a etapa
final da vida. Muitas vezes não nos damos conta de tantos momentos de nossas vidas em que
o vazio nos preenche e parecemos mesmo ter findado nossa existência neste mundo.
       Hemingway viveu muitos momentos difíceis, muitas perdas, desilusão, vazio.
Embora seu romance com a enfermeira não tivesse tido o mesmo final que seu personagem,
Hemingway experimentou o amor e a separação ainda muito jovem; o nascimento de seu
segundo filho e a morte do seu pai certamente deixaram marcas no artista. O suicídio do pai
foi um evento que o perseguiu até seus últimos dias como uma negação a coragem. A
reflexão do personagem Robert Jordan na hora da morte parecia um diálogo de Hemingway
consigo mesmo sobre aquilo que a vida representava para ele. Ele não se deu tempo de
envelhecer como o personagem do conto, mas percebeu a falta de dignidade e vida que
reside nos idosos e nos solitários.
       Muitos estudiosos e críticos literários apresentaram diferentes pontos e aspectos das
obras de Hemingway. Concordâncias e divergências serviram para buscar aprofundar mais o
tema em um outro momento. Quanto à morte e suas faces, tema discutido neste trabalho,
houve em geral um consenso, mostrando como fases da vida, eventos históricos e naturais
influenciam na vida do homem e como ele a percebe.
       Pelas próprias palavras de Hemingway, muito do que ele colocou no papel surgiu das
suas experiências e sentimentos. Em suas próprias palavras, “não há imaginação pura em
literatura. Ninguém extrai idéias conceitos e caracteres do nada. Meus próprios romances
podem ser considerados biográficos” (HEMINGWAY apud BROWN, 1990, p.22). Mesmo
sendo um revolucionário da arte de escrever, a morte continua ganhando formas diferentes a
depender do ângulo em que se olha. O certo é que, embora o corpo só experimente este
evento uma vez, a alma pode renascer sempre que consiga vencer os obstáculos da morte.
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  • 1. 0 UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO – CAMPUS XIV CONCEIÇÃO DO COITÉ MARILENE DE SOUZA MAIA AS FACES DA MORTE EM OBRAS DE ERNEST HEMINGWAY Conceição do Coité 2012
  • 2. 1 MARILENE DE SOUZA MAIA AS FACES DA MORTE EM OBRAS DE ERNEST HEMINGWAY Monografia apresentada à Universidade do Estado da Bahia, Departamento de Educação, Campus XIV, como requisito final para obtenção do Grau de Licenciatura em Letras - Inglês. Orientadora: Profa. Dra. Flávia Aninger Rocha Conceição do Coité 2012
  • 3. 2 MARILENE DE SOUZA MAIA AS FACES DA MORTE EM OBRAS DE ERNEST HEMINGWAY Monografia apresentada à Universidade do Estado da Bahia, Departamento de Educação, Campus XIV, como requisito final para obtenção do Grau de Licenciatura em Letras - Inglês. Aprovado em ________/ ________/ _______ Banca examinadora __________________________________________ Flávia Aninger Rocha – Orientadora Universidade Estadual de Feira de Santana - UEFS _________________________________________ Neila Maria Oliveira Santana Universidade do Estado da Bahia – Campus XIV ___________________________________________ Rita Sacramento Universidade do Estado da Bahia – Campus XIV CONCEIÇÃO DO COITÉ 2012
  • 4. 3 Em memória de Maria Cecília, aluna que no despertar da sua adolescência, e apesar de toda sua vitalidade e alegria, aos 14 anos de idade perdeu a batalha contra um câncer.
  • 5. 4 AGRADECIMENTOS A Deus pela oportunidade dada para viver mais uma etapa em minha vida e chegar até aqui com a mesma vontade de seguir que tinha quando comecei. Aos meus pais, Milton e Railda, e minhas irmãs Emília, Marise, Lícia, Patrícia e Milene pelo apoio em todas as horas, da minha vida, tanto nas vitórias como nas derrotas. À Silvio Marcos Dias Santos, grande incentivador do meu crescimento pessoal e acadêmico. Às professoras Flávia Aninger Rocha e Rita Sacramento que me fizeram ver com outros olhos o que a literatura pode representar e despertaram em mim mais um prazer pela leitura. A todos os professores do curso, e aos funcionários deste departamento pelo seu desempenho e dedicação. A todos os colegas de sala que partilharam comigo não apenas o conhecimento, mas também valores, experiências e que deixarão lembranças de momentos que por certo vão me acompanhar por toda vida. E aos amigos que, de uma forma ou de outra, mesmo com todas as atribulações de suas vidas, foram sustento e direção quando eu me sentia em dificuldades, dentre eles Carlos Henrique Valença, Ira Smith, Margareth Ravel, Arquigênia Soares e Antonio Vieira.
  • 6. 5 A morte é o supremo remédio para todos os infortúnios. Ernest Hemingway
  • 7. 6 RESUMO O presente trabalho tem como objetivo analisar a representação da morte em três obras do escritor norte-americano Ernest Hemingway, sendo trechos de dois romances, A Farewell to Arms e For Whom the Bell Tolls, e um conto, A Clean, Well-lighted Place, baseada em fundamentação de origens diversas que consubstanciam a recorrência desse tema em diferentes contextos. Este trabalho parte de uma revisão da literatura sobre conceitos e visões da morte desde a Idade Média até a atualidade e em seguida a apresentação e análise destas obras. Em cada obra escolhida, procuramos demonstrar os fatores sociais, emocionais, físicos e históricos que compõem estas cenas, bem como as formas como este tema tão complexo e ao mesmo tempo tão natural são apresentadas, cheias de simbolismo. Palavras-chave: Morte. Representação. Simbolismo.
  • 8. 7 ABSTRACT The present paper aims to analyse the representation of death in three works by American writer Ernerst Hemingway, precisely part of two novels, A Farewell to Arms and For Whom the Bell Tolls, and a short story, A Clean, Well-lighted Place, based on various concepts and analysis that support the recurrence of this theme in different contexts. It parts from a literature review of concepts and representation of death from the Middle Age until present days and then it presents the analysis of these three mentioned works. In each work chosen, we aim to highlight the social, emotional, physical and historical facts that compose these scenarios, as well as to highlight how this theme, considered so complex and so simple, is presented, full of symbolism. Key words: Death. Representation. Symbolism
  • 9. 8 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO 9 2 E A MORTE, O QUE É? 11 2.1 A morte ao longo do tempo 15 2.2 Filosofando a morte 18 2.3 Morte e outras mortes 20 2.4 A morte na literatura 21 3 DAS OBRAS 24 3.1 A farewell to arms 24 3.1.1 A farewell to arms em poucas palavras 25 3.1.2 Para entender A farewell to arms 26 3.2 A clean, well-lighted place 30 3.2.1 A clean, well-lighted place em poucas palavras 30 3.2.2 Para entender A clean, well-lighted place 31 3.3 For whom the bell tolls 34 3.3.1 For whom the bell tolls em poucas palavras 35 3.3.2 Para entender For whom the bell tolls 36 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS 41 REFERÊNCIAS 42
  • 10. 9 1 INTRODUÇÃO Ernest Hemingway (1899-1961), escritor modernista norte-americano, retratou de forma simples, porém marcante e profunda, situações que não apenas fizeram parte de sua vida pessoal como também dos momentos históricos e sociais de sua época. Com frases curtas e objetivas, típicas do ofício de repórter que foi, com parágrafos também curtos, fazendo uso de repetições, de forma a interiorizar no leitor as suas palavras e a utilização de diálogos sobre temas como a guerra, a condição do ser humano e a morte, Hemingway cravou na literatura um estilo que o fez merecer o Prêmio Nobel de Literatura em 1954. Nasceu em Oak Park, Chicago em 21 de julho de 1899. Seu pai Dr. Clarence, desde cedo o iniciou nas atividades de caça e pesca. Em 1917 foi trabalhar como repórter para o jornal The Kansas City Star. Com 18 anos foi recusado no serviço militar para servir na I Guerra Mundial por problemas de visão, voluntariou-se então como motorista de ambulância em Paris. Logo foi enviado ao front italiano. Com pouco tempo de atuação foi gravemente ferido no joelho e levou meses de convalescência. No hospital em Milão onde ficou internado se apaixonou pela enfermeira que cuidou dele. Foi sua primeira desilusão amorosa. Retornou à guerra, mas por não concordar até mesmo com as condecorações que recebeu, voltou para casa. Trabalhou então para o jornal Toronto Star e cobriu a guerra entre a Grécia e a Turquia. Retornou a Paris onde se aliou a grandes escritores daquela época como Gertrude Stein, Ezra Pound, James Joyce e T.S. Eliot. Esta geração de escritores pós-guerra revolucionários ficaram conhecidos como a “geração perdida”. Hemingway tornou-se ícone dessa nova fase da literatura, que usava termos mais simples e frases mais diretas. Foi correspondente de guerra na Espanha em 1937, depois cobriu a guerra na China e finalmente a II Guerra Mundial. Dentre seus trabalhos estão The Sun Also Rises (O sol também se levanta), de 1926, A Farewell to Arms (Adeus às armas), de 1929, For Whom the Bell Tolls (Por quem os sinos dobram), de 1940 e The Old Man and the Sea ( O velho e o mar), em 1952. Em 1954 ganhou o Prêmio Nobel de Literatura. Mas Hemingway sentia que sua produção já não representava a mesma arte de antes e sofria muito com isso. Lutava com a sombra do suicídio do pai em 1928. Teve depressão, diabetes e problemas com álcool, ficando internado algumas vezes para recuperação. Em 1961, após o retorno de uma dessas clínicas, Hemingway se matou usando a mesma arma que o pai também cometera suicídio. Pela vivência do autor e sua produção tão próxima à sua realidade, relatando sempre
  • 11. 10 o sofrimento, paixões, desilusões, vitórias e derrotas vem a pergunta que norteia este trabalho: de que maneiras a morte foi representada por Hemingway em suas obras? Nossos objetivos são traçar um panorama geral sobre a representação da morte na literatura, assim como analisar as formas assumidas pela morte encontradas em trechos selecionados de obras de Hemingway, delineando as circunstâncias que envolvem cada uma das três situações. O trabalho aqui apresentado parte de uma revisão de conceitos e representações da morte ao longo dos tempos, da Idade Média até o presente. Sua fundamentação tem como suporte alguns historiadores, filósofos e outros profissionais que abordaram sobre este tema, contribuindo para o estudo e observação deste evento natural. Em seguida, apresentamos uma análise de trechos de três obras de Hemingway nos quais a morte está presente, mas nem sempre de modo explícito. A primeira obra a ser analisada é A Farewell to Arms (1929), romance inspirado em sua participação como motorista de ambulância da Cruz Vermelha Italiana na Primeira Guerra Mundial, que reproduz o encontro amoroso de um tenente norte-americano em terras italianas durante a Primeira Guerra, ao apaixonar-se por uma enfermeira. Uma história de amor e guerra e a condição humana influenciada por essa violência. Na segunda obra a ser analisada, o conto A Clean,Well-lighted Place (1933), os personagens – dois garçons que observam e criticam um velho que frequenta sempre sozinho um café - discutem a concepção e o valor da vida e da morte. No romance For Whom the Bell Tolls (1940), a terceira obra a ser analisada neste trabalho, a condição humana se revela diante dos impactos causados pela Guerra Civil Espanhola, na qual a morte acontece quase como um evento comunitário e a crítica política são temas observados. É também um romance de amor e guerra. Personagens e inspirações são influenciados pela atuação de Hemingway nesta guerra, à qual esteve presente. Nas três produções de Hemingway aqui apresentadas, é possível observar como o autor se volta para o quadro da morte, delineando configurações sutis e diferenciadas para lidar com este elemento. A farewell to Arms e For whom the Bell tolls tiveram suas versões para o cinema e, no Brasil, os livros foram traduzidos pelo também renomado autor Monteiro Lobato. A metodologia do trabalho se deu por meio de uma pesquisa bibliográfica. Este tipo de pesquisa, de acordo com Macedo (1994, p. 13) se baseia em material já produzido na
  • 12. 11 literatura e tem como finalidade deixar o pesquisador ciente daquilo que já foi abordado sobre o tema, evitando assim que ele discorra sobre algo já analisado. Ela também permite outros olhares sobre temas já abordados. Uma pesquisa bibliográfica é o primeiro passo de uma pesquisa, pois, permite ao pesquisador traçar um plano para seu trabalho como levantamento de dados, o fichamento, o sumário e material para o desenvolvimento da escrita do texto. Neste trabalho, utilizamos como fontes de pesquisa obras literárias, obras de divulgação, artigos científicos, revistas e jornais, tanto impressos quanto eletrônicos. Também utilizamos materiais áudio-visuais, como filmes e fotos. Nestas três análises, contribuições de autores como Vargas Llosa, Octávio Paz, Williams, Baker, dentre outros teóricos da literatura assim como filósofos e outros estudiosos do tema, nos guiarão no processo de compreensão da morte como representada por Ernest Hemingway. A escolha dessa metodologia se deu pela necessidade de leituras sobre as obras do autor e sobre o tema escolhido, assim como os estudos feitos sobre estas obras. Através dessa pesquisa, buscamos as possíveis respostas para entender as faces da morte por Hemingway apresentadas. 2 E A MORTE, O QUE É? Sabemos que a morte é um evento natural que vem para todos os seres vivos sem distinção, às vezes, sem avisos. Costuma não ser aceita naturalmente ou da mesma forma por todos, sendo causa de muito sofrimento para aqueles que precisam continuar a vida sem a presença do outro. E, embora seja um processo inevitável e parte do cotidiano, ainda é um tema considerado como tabu para muitos. Geralmente vista como algo negativo, doloroso, terrível, a morte, por outro lado, também inspira, seduz e fascina outras pessoas. Ela tem sido encarada de diferentes maneiras com o passar dos tempos, e analisada por diferentes prismas. A morte é tema para diferentes profissionais e seu conceito pode ser traçado a partir de diferentes vertentes: médico, teológico, filosófico, social, antropológico, espiritual, e até mesmo poético. Nós, seres humanos, sem exceção, “estamos todos destinados à morte. Ignorando o momento em que ela virá, procedemos como se nunca devesse chegar. Em verdade, vivendo, não acreditamos realmente na morte, embora ela constitua a maior de todas as certezas”
  • 13. 12 (JASPERS, 2005. p. 127). E por ser um evento destinado a todos, a morte coloca todos no mesmo patamar, sem escolher gênero, condição social, ou outras distinções (RODRIGUES, 1993 apud COSTA, 2010). Vista, primeiramente, como um fenômeno natural de ordem biológica para a coordenadora do Laboratório de Estudos Sobre a Morte da USP, Maria Júlia Kovács (1992, p. 11), “a morte clínica é definida como um estado no qual todos os sinais de vida (consciência, reflexo, respiração, atividade cardíaca) estão suspensos, embora uma parte dos processos metabólicos continue a funcionar.” Sendo categorizada como um processo natural: “como o sexo, a morte faz parte da vida” (JASPERS, 2005, p. 128). Segundo o ponto de vista teológico, “a morte é definida como o maior enigma da condição humana (GS 18), mas que encontra uma formidável resposta no mistério da salvação,” (STANCATI, 2003, p. 516). O grande exemplo disso é a morte do próprio Jesus Cristo. Para a criadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Tanatologia no Rio de Janeiro Wilma da Costa Torres (1934-2004): a morte surge também como um acontecimento revestido de ambigüidade: considerada, por um lado, como o mais natural de todos os fenômenos, transclassista tanto quanto o nascimento, a sexualidade, a fome, a sede, o riso; por outro lado, social e cultural, como qualquer episódio da práxis humana, e, portanto, investida, trabalhada pela experiência da idade, classe, religião, etc., vivida em suma, sob uma aparência que deve servir para explicá-la e justificá-la. (1983, p. 9) Vivem-se as angústias, os medos e as incertezas de um processo não definitivamente explicável. O doutor em Teologia Lino Rampazzo (2004) salienta que o homem teme não apenas a dor e a destruição do corpo, mas também o fim completo de sua existência e por possuir uma “semente de eternidade”, está sempre em busca de armas para lutar contra ela. O medo diante da aproximação da própria morte, a perda de um ente querido, a dor de ser privado de sua presença física, o vazio que a morte causa e a incerteza do que há após a morte, dão ao homem um sentimento de angústia, por vezes, devastador. O filósofo alemão Arthur Schopenhauer (1788-1860) ressaltou que “o maior dos males, o que de pior em geral pode nos ameaçar, é a morte, a maior angústia é a angústia da morte.” (2000 p.62-63) O evento da morte traduz um medo, algo que atormenta o homem mais que qualquer outra coisa, capaz de mover a atividade humana, sendo que o homem faz de tudo para tentar negar que a morte seja o destino final da vida, na visão de Becker (2007). Ao contrário da maioria das visões negativas expressas ao longo dos tempos até a
  • 14. 13 atualidade, carregadas de dor, pesar, “os primitivos não eram importunados pelo medo da morte. Uma perspicaz amostragem de provas antropológicas iria mostrar que a morte era, com muita frequência, acompanhada de júbilos e festejos, parecendo ser uma ocasião mais para comemoração do que medo” (HOCART, apud BECKER. 2007 p.11). Isto porque, para estes, a morte era a passagem para uma vida de forma mais elevada, gozando da eternidade. Embora a morte seja um evento individual, seus reflexos são sentidos na sociedade. Destarte, “o morrer não é então apenas um fato biológico, mas um processo construído socialmente, que não se distingue das outras dimensões do universo das relações sociais” esclarece a doutora em Saúde Coletiva Rachel Aisengart Menezes (2004). E nesse aspecto, acrescenta o historiador francês Philippe Ariès (2003), todos os passos desde a preparação do moribundo para sua morte, como acontecia na Idade Média, até os ritos funerais, o luto, são vividos em coletividade. A depender dos valores religiosos ou morais, a morte carrega diferentes sentidos, dos mais simples, aos mais assustadores. Para uns, apenas mais uma etapa da vida, quando acontece naturalmente. Para outros, o caminho para a vida eterna ou o castigo pelos pecados contra a vontade divina, e o consequente afastamento de Deus, encontrada na Bíblia, carta de São Tiago, capitulo 1, versículo 15 “a seguir, o desejo concebe e dá a luz ao pecado, e o pecado uma vez consumado, gera a morte” ( BIBLIA SAGRADA, 1991), seguindo uma visão religiosa. Há aqueles que encontram na morte a libertação das amarras a que estão presos, deixando para trás o que consideram uma vida sem sentidos ou de muito sofrimento. Instituída como forma de punição, como nas penas capitais, adotadas em alguns países, pode ser também o resultado de uma traição em questões amorosas, ou ainda por fazer lembrar a todos as divergências de credo ou ideais políticos historicamente exemplificados por muitos enforcamentos e degolamentos de revoltosos, inconfidentes ou mulheres consideradas como bruxas. O grande filósofo grego Sócrates (470AC - 399AC) professava a espiritualidade e a imortalidade da alma e foi exemplo dessa forma de punição, pois foi condenado a beber cicuta, morrendo por envenenamento, por ser considerado transgressor de ideais revolucionários e por perturbar a ordem social do seu tempo. A doutora em Sociologia Hoffmann-Horochovski (2008) transcreve um trecho do discurso de Sócrates às vésperas da morte, relatado por seu discípulo Platão: Morrer é uma destas duas coisas: ou o morto é igual a nada, e não sente nenhuma sensação de coisa nenhuma; ou, então, como se costuma dizer, trata-se duma mudança, uma emigração da alma, do lugar desse mundo
  • 15. 14 para outro lugar. Se não há nenhuma sensação, se é como um sono em que o adormecido nada vê nem sonha, que maravilhosa vantagem seria a morte! (...) Se, do outro lado, a morte é como a mudança daqui para outro lugar e está certa a tradição de que lá estão todos os mortos, que maior bem haveria que esse, senhores juízes? (PLATÃO, apud HOFFMANN- HOROCHOVSKI, 2008, p. 51). As reflexões acerca da morte e do que acontece depois dela se tornaram tema para muitos estudiosos. Esta incerteza de haver uma vida além da morte tem trazido, ao longo dos tempos, muita ansiedade e indagações. Refletir sobre a morte, para muitos filósofos, significa ter uma forma de viver bem diferente, pois pode levar a uma mudança de comportamentos e atitudes durante a vida, comenta Incontri (2010). Por seu caráter misterioso, às vezes assustador, às vezes encantador, a morte ganhou várias representações ao longo dos tempos. Dentre elas está uma figura esquelética, usando roupa preta com capuz e carregando uma foice. Isso, de acordo com Incontri (2010) tinha a finalidade de conscientizar a curta duração da vida e que era preciso estar preparado para esse momento para que nada fosse esquecido. Essa mesma imagem, salienta Williams (1996, p.134), é oriunda da idéia cristã da separação da imagem da morte com a imagem de Deus, já que para os cristãos, o Deus é um Deus dos vivos. Por isso, a morte se liberta de concepções cristãs e assume outras formas. Uma representação da simbologia da morte também pode ser encontrada em cartas de Tarô. O Professor de Psicologia e Simbologia, Constantino K. Riemma explica que o Tarô, surgido na Europa no século XIV, com iconografia cristã, é um jogo composto por 78 cartas, 22 chamadas de “arcanos maiores” e 56 chamadas de “arcanos menores”. Estas últimas são as cartas que conhecemos dos jogos de baralho comuns. Das 22 cartas dos arcanos maiores, a morte é apresentada na carta XIII, contendo um esqueleto segurando uma foice e restos humanos na parte inferior. Riemma acrescenta que a carta XIII pode ser interpretada como abandono de hábitos antigos, fim de uma esperança ou de um sentimento, mudanças, desapegos, desilusão, a morte física propriamente dita, más notícias, desânimo ou mesmo renascimento. A morte nos primeiros séculos, segundo ele, trazia a esperança de uma vida melhor, a crença no Juízo Final e, por ser um estado transitório, enfrentada sem medo. Na mitologia grega, a morte é personificada em Thanatos, o deus da morte, representado como uma nuvem prateada ou então pela visão de um homem de olhos e cabelos prateados. A divindade emprestou seu nome a uma nova ciência, surgida no século XX, que trata da morte e os problemas médico-legais a ela relacionados: a Tanatologia.
  • 16. 15 Santos (2007) a apresenta como: “a ciência que estuda a morte e o processo de morrer em todos os seus aspectos: forense, antropológico, social, psicológico, biológico, educacional, filosófico, religioso e estético”. Para que se tenha uma visão dos processos ocorridos neste evento e tudo o que ele acarreta, Agra e Albuquerque (2008, p. 4) afirmam: O estudo da tanatologia é de suma importância para desmistificar preconceitos e fornecer subsídios para um melhor preparo ao lidar com a questão da morte, proporcionando a valorização da humanização no cuidado de pessoas e pacientes com risco iminente de morte assim com também de seus familiares, através de ações de conforto e respeito. Embora as imagens retratadas sejam comumente vistas de forma negativa, nem toda iconografia apresenta a morte como uma imagem assustadora. Há também representações encantadoras da morte, como as citadas em Kovács (1992), como sereias, botos, arlequins, figuras que refletem a sedução, a conquista e o amor. Portanto, as imagens e as ideias sobre a morte multiplicam-se na cultura e nas áreas do conhecimento. 2.1 A morte ao longo tempo As mudanças de atitude em relação à morte, da Idade Média até a contemporaneidade, mostram um caminho de apegos e rituais em relação à vida e a morte. De acordo com Ariès, em seu livro História da morte no Ocidente (2003, p. 30), Por volta do século XII, a morte era “uma cerimônia pública e organizada” e encarada como algo simples. Pública, porque o quarto do moribundo podia ser visitado livremente, e mesmo as crianças tomavam parte desse evento. Parentes e amigos presenciavam os últimos momentos do moribundo. Isso a tornava um evento comum, simples, sem dramas. Tal evento era organizado, pois o moribundo geralmente tinha tempo de presidir os protocolos que antecediam sua morte, como o de lamento da vida, o perdão dos companheiros e assistentes, as preces e por último, um ato eclesiástico: a absolvição sacramental. Não havia demasias emocionais nos ritos fúnebres. Tudo era muito natural, embora fosse solene, para demonstrar mais uma etapa da vida. Assim, relata o autor, “a familiaridade com a morte era uma forma de aceitação da ordem da natureza, aceitação ao mesmo tempo ingênua na vida quotidiana e sábia nas especulações astrológicas” (2003, p.43).
  • 17. 16 Porém, embora houvesse essa aceitação da morte, os cemitérios eram localizados fora das cidades; vivos e mortos habitavam locais distantes. Ainda segundo Ariès, os antigos respeitavam as sepulturas e realizavam cultos funerários a fim de impedir a volta dos mortos. Já na Idade Média, os corpos começaram a ser enterrados nas igrejas e casas foram construídas no mesmo espaço dos cemitérios, embora este não fosse um local apenas para enterrar seus mortos. Eram como asilos ou refúgios que tinham privilégios fiscais e dominiais. O cemitério transformou-se num ponto de encontro e de reunião, onde havia comércio, dança e jogos. Por volta do século XV, a ideia de que havia uma vida além da morte, trouxe uma crença no Juízo Final. O homem não terminaria sua existência com a sua morte; haveria que esperar pelo fim dos tempos, quando então, ele seria julgado. Nesta época, escreve Ariès (2003, p. 50), “Acredita-se, a partir de então, que cada homem revê sua vida inteira no momento em que morre, de uma só vez. Acredita-se também que sua atitude nesse momento dará à sua biografia seu sentido definitivo, sua conclusão” Logo, morrer não era o fim. O medo da morte física daquela época era o medo da decomposição do corpo. Essa visão foi retratada na arte e na poesia dos séculos XV e XVI. Ariès continua: “A decomposição é o sinal do fracasso do homem, e neste ponto reside, sem dúvida, o sentido do macabro, que faz desse fracasso um fenômeno novo e original (2003, p.53). A morte era retratada em pinturas, gravuras em madeiras e em livros, às vezes como um cadáver decomposto, às vezes como carniça. A expressão pública de pesar pela passagem de um ente querido era lembrada pelo luto, uma forma de perpetuar a memória daquele que se foi. No século XVI, o luto era representado pela roupa ou por uma cor. O preto tornou-se símbolo dessa fase e não havia mais os gritos e gestos como antes. No fim da Idade Média, o luto tanto servia para demonstrar a dor dos familiares, mesmo que não fosse autêntica, como para se dar certo caráter social à lembrança do morto, com as visitas às famílias, com gestos espontâneos: choros, desmaios, jejuns. Do século XVI ao XVIII, a morte é associada ao amor. Os ocidentais passam a exaltar a morte, a desejá-la e a dramatizá-la. A preocupação nesse período não é com a própria morte, mas com a morte do outro. Esta preocupação é que inicia o culto aos túmulos e cemitérios que aparece a partir do século XIX, como uma forma de perpetuar as lembranças e a existência do outro. O culto aos mortos na atualidade, relata Ariès, é um culto
  • 18. 17 para lembrar a imagem do corpo, a sua aparência. O dia de mortos, comemorado em muitos países católicos, leva milhares a pessoas a visitar os túmulos nos cemitérios. Também no século XIX, aparece o medo da morte e as suas imagens são cada vez menos vistas. Neste século, o luto passa a ser exagerado, histérico, exemplificado no conto de Mark Twain, The Californian’s Tale, de 1893, onde um viúvo inconformado espera dezenove anos o retorno de sua falecida. A morte é recusada no século XX. Poupa-se o moribundo da notícia de seu estado. Roupas escuras não são mais usadas no luto e não há exageros aparentes nos rituais. O lugar de morrer também mudou. Os hospitais passam a ser lugar privilegiado para o acontecimento. As crianças são poupadas desses momentos finais e a morte deixou de ser “anunciada”, devido às mudanças do cotidiano, repleto de violências. A ciência busca, mais e mais, meios de prolongar a vida mesmo que isso requeira prolongar a dor. Apesar dessa recusa, os cemitérios estão localizados próximos às casas, mesmo que muitos não se sintam tão à vontade com isso. Em oposição ao modo privado de morrer, traçado por Ariès e descrito aqui, de acordo com Kovács (1992), a morte agora é “escancarada”, noticiada e mostrada livremente nas mídias, apresentadas em novelas e filmes e programas de várias formas, acontecendo em todos os lugares, nas casas, nas ruas, nas escolas. Por vezes, ela é apresentada na mídia dando a ideia de que a morte é reversível, como em desenhos animados, onde os personagens sempre reaparecem. Ou mesmo a ideia de que a violência é algo natural, pela frequência com que aparece nas telas, com o intuito de entreter e divertir os telespectadores. As causas de morte também mudaram conforme o tempo. No início do século XX, relata Rampazzo (2004), elas eram o resultado de doenças do coração, epidemias e acidentes causados pela natureza. Hoje são muitas as causas, principalmente com o aumento da violência, das novas doenças como câncer e AIDS, a fome e o suicídio. Contrariando a ética e as doutrinas religiosas, o suicídio, evento não raro em nossa sociedade atual, “poderia ser uma manifestação de revolta, a expressão suprema de uma autonomia destruidora que enfrenta o próprio Deus, autor da vida” escreve Rampazzo (2004, p. 197). Esta atitude reflete desespero, insatisfação ou angústias em muitos dos casos de suicídio. O suicídio foi condenado por muitos filósofos, segundo Incontri (2010), dentre eles Platão, que via esse ato como uma fuga da vida dada por Deus; Para São Tomás de Aquino,
  • 19. 18 o suicídio contraria a lei natural, para Plotino, a alma não se separa totalmente do corpo, o que causa o sofrimento. Schopenhauer acreditava que o suicida na verdade não queria continuar a viver a vida que tinha. Sem contar argumentos como o de que era um ato de covardia, de falta de compromisso com a sociedade e também um ato de egoísmo. Falando da morte nos dias de hoje, como resultado do consumismo, o escritor Mexicano Octavio Paz (1998) escreve: “Ao mesmo tempo, esta tem sido a época da morte de massas. Neste século de Auschwitz, Hiroshima e Bósnia, ninguém pensa sobre a sua própria morte, como o poeta alemão Rainer Maria Rilke nos pedia que fizéssemos, já que ninguém vive uma vida que seja só sua.” Neste mesmo pensamento de consumismo, Ziegles, apud Torres (1983, p.11-12), reafirma o que o homem é como mercadoria para o mundo ocidental, agindo como produtor de mercadorias, e se ele deixa de existir, deixa também de produzir e de consumir, se tornando um nada no mundo capitalista. 2.2 Filosofando sobre a morte Uma das áreas envolvidas no estudo dos problemas da existência humana é a Filosofia. Por isso, a vida e a morte foram temas relevantes nas discussões filosóficas dos séculos XIX e XX. Conforme Arthur Schopenhauer (1788 – 1860), a morte é a musa inspiradora da filosofia. “Dificilmente se teria filosofado sem a morte” (SHOPENHAUER, 2000, p. 59). O existencialismo, movimento filosófico e literário do século XIX, embora tenha expressões em Sócrates e Santo Agostinho, advoga a liberdade, a subjetividade e a responsabilidade do homem por tudo que ele faz. José Renato Salatiel, professor da PUC-SP, define em seu artigo “Existencialismo – O homem está condenado a ser livre”, que “existencialismo é um conjunto de doutrinas filosóficas que tiveram como tema central a análise do homem em sua relação com o mundo, em oposição a filosofias tradicionais que idealizaram a condição humana”(s/d). Essa corrente teve seguidores célebres como o dinamarquês Sören Kierkegaard, o francês Gabriel Marcel, o alemão Karl Jaspers, o filósofo alemão Martin Heidegger, o filósofo e escritor francês Jean-Paul Sartre e os escritores franceses Albert Camus e Simone de Beauvoir. Jean-Paul Sartre (1905-1980), escritor, filósofo e dramaturgo francês, acreditava que “a existência precede a essência”, ou conforme explica Salatiel, (s/d) “o homem primeiro existe no mundo - e depois se realiza, se define por meio de suas ações e pelo que faz com
  • 20. 19 sua vida”. Para os existencialistas como Sartre, o homem é livre para fazer suas escolhas e é responsável pelo seu destino, não existindo Deus como forma de atribuir sucessos ou fracassos. Seguindo esse ponto de vista, ele relaciona o existencialismo ao ateísmo. Por causa dessa liberdade e toda responsabilidade pelos nossos atos, surgem as angústias que acompanham o nosso viver. Em sua obra O ser e o nada, de 1943, Sartre trata dessa liberdade do homem, da não existência de Deus e do nada. Sartre afirma que vida e morte são fatos idênticos, com um aspecto ocasional. Tudo acontece em meio ao nada. Da ideia de haver um modo de ser “autêntico” ou “inautêntico”, o filósofo alemão Martin Heidegger (1889 – 1976), define a existência inautêntica como cotidiana e anônima, e a autêntica “é a de quem reconhece e escolhe a possibilidade mais própria de seu ser” (ZILLES, 1988, p. 16). E a morte é esta possibilidade. O homem é um ser único, embora vivendo numa sociedade de massa, e é a morte que vai dar-lhe este sentido de singularidade. Heidegger enfatiza a angústia do homem face à morte, embora esta seja, para ele, uma liberdade. Em uma das obras desse filósofo, “Ser e Tempo”, Heidegger retrata temas como o nada, a angústia e a morte. Filosofando com Heidegger, “a morte é, em última instância, a possibilidade da impossibilidade absoluta da presença” (1997, p.32). Com a morte de um ente, se experimenta a não-presença e se observa que este deixa de ser um ser-no-mundo. E mesmo que se pudesse substituir essa presença, a tentativa fracassaria, já que ninguém pode retirar a morte do outro. Acrescenta Heidegger que a presença também traz em si um morrer que é fisiológico, que é próprio da vida, e que se pode findar sem significar morrer. Angústia e morte também são estudadas pelo filósofo e psicólogo alemão Karl Jaspers (1883-1969): “Tememos a morte. Observe-se, porém, que a morte – o cessar de ser – e o ato de morrer – cujo termo é a morte – provocam angústias muito diversas. [...] Daí decorre a idéia de que estar morto é não ser, de que a morte é o nada”. (JASPERS, 2005, p.128) Jaspers se inclina sobre o temor da morte, o temor da dor física, a angústia que dá lugar à agonia da possibilidade da morte, e faz com que um paciente possa dizer que morreu várias vezes por viver essa experiência. Assim, todos os vivos podem experimentar o sofrimento, já que “a morte escapa à experiência” (2005, p.128) explica o autor. Ainda segundo este autor, a Filosofia é a única que consegue livrar o homem da angústia da concepção de morte como resultado do desaparecimento da vida. A angústia também é gerada pela falta de base de uma experiência após a morte. Por não haver provas desse
  • 21. 20 estágio posterior, de haver outra existência, “daí decorre a idéia de que estar morto é não ser, de que morrer é o nada” (2005, p. 128), completa Jaspers. Ao contrário da idéia de salvação pela visão cristã, se o defunto não tinha uma crença religiosa, então o morrer não significaria uma salvação, apenas se confirmaria o seu fim. Seria então a decomposição do corpo e o esquecimento da sua existência. Mas se havia essa crença, então a necessidade de ressuscitar também era real, reforçando a ideia do Juízo final. Esse sentido de eternidade desenvolve o sentimento de não destruição do homem, e é no sentido de orientar para essa eternidade que Jaspers acredita ser a tarefa da Filosofia. Na obra Metafísica do amor, metafísica da morte (2000), O filósofo Schopenhauer comunga com Jaspers a respeito da existência de um sentimento de angústia causado pela morte, por habitar no homem a vontade de viver. Sendo que a morte é, por natureza, um sinônimo de aniquilação e o homem possui um apego pela vida. Porém, Schopenhauer também admite que, para aqueles que passam por grandes obstáculos, doenças incuráveis ou profundos desgostos, a morte vem como um alívio, uma amiga, não mais interpretada como um grande mal. Mostra-se aí a representação do deus da morte para os hindus, Yama, segundo Schopenhauer, que aparece com um lado da face terrível e outra, alegre e boa. 2.3 Morte e outras mortes Apesar dos conceitos e significados já mencionados, a morte não representou sempre um vazio, um deixar de existir ou de ser apenas no fim da vida e com visões negativas, ela ilustra outros estados e estágios da vida humana, esclarece a doutora em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento humano Maria Júlia Kovács (1992, p.2), “Desde o tempo das cavernas há inúmeros registros sobre a morte como perda, ruptura, desintegração, degeneração, mas também, como fascínio, sedução, uma grande viagem, entrega, descanso ou alívio”. Desde os primeiros meses de vida, relata essa autora, a criança experimenta diferentes tipos de “morte”, como a ausência da mãe, as separações, o sentimento de desamparo. A morte quando representa a perda, está ligada a sentimento experimentado entre aqueles que ficaram e aquele que se foi. Há ainda, também de acordo com Kovács (1992, p. 168) as “pequenas mortes”, aquelas em que há uma mudança de estágios como da infância para a adolescência, da adolescência para a fase adulta, da adulta para a velhice. Ela também chama de “pequenas
  • 22. 21 mortes” as mudanças do que é conhecido para situações ou experiências desconhecidas como mudanças de casa ou de emprego. Ela rotula “mortes simbólicas” o matrimônio, ou o nascimento dos filhos, casos em que se vive o desconhecido. Todas essas experiências, por carregar sentimentos de medo, angústias, solidão, tristezas remetem aos sentimentos de morte. Ainda na infância, a perda de parentes e amigos leva o indivíduo a adquirir conceitos de vida e morte. Esta última aparece de forma reversível, aparecendo para as crianças em desenhos animados, por exemplo, onde não há realmente um fim, personagens e heróis nunca morrem. Na adolescência, acontece a descoberta do amor e das drogas, elementos que podem também levar à morte. O amor tem como seu ponto culminante o orgasmo, também tratado por essa autora como “pequena morte”. O termo, em francês petit mort, é uma metáfora para o orgasmo, a fadiga experimentada depois do ato sexual, as mudanças ocorridas no corpo durante esse momento. Na literatura, o termo foi usado por Thomas Hardy significando uma experiência muito marcante na vida da pessoa como uma morte interior, como na passagem: She felt the petite mort at this unexpectedly gruesome information, and left the solitary man behind her" no livro Tess of the D'Urbervilles, 1912. A autora acrescenta que “A droga traz a representação da morte ligada às grandes viagens, à percepção diferente do mundo, a um estado alterado de consciência.” (KOVÁCS, 1992, p. 6) Saindo da fase adulta para a velhice, o homem observa grande carga das perdas: a fraqueza do corpo, a mudança dos ganhos financeiros, a diminuição ou perda da produtividade. Isto aumenta o sentimento negativo dessa fase do homem, não existe uma próxima fase a ser vivida, apenas a morte. Além disso, a pessoa idosa deixa de exercer uma função na sociedade mercantilista e “a sociedade marginaliza indivíduos que deixam de ser funcionais” (TORRES, 1983. p.13). 2.4 A morte na literatura A morte também inspira poetas e escritores. Ao longo dos séculos, poemas, contos, romances são frutos deste assunto polêmico e instigante. Por motivos como o tabu, nem sempre a morte pode ser exposta de forma escancarada, podendo ser descrita de forma simbólica, ganhando novos significados, novas imagens. “Ora, a imagem é uma frase em que a pluralidade de significados não desaparece. A imagem recolhe e exalta todos os valores das
  • 23. 22 palavras, sem excluir os significados primários e secundários” (PAZ, 1976, p.45). A literatura tem usado desse instrumento para expressar essa pluralidade. A literatura explora, pela ficção, a realidade inegável da subjetividade humana e a morte, elemento que sempre atraiu a imaginação. Usando um jogo com as palavras, Vargas Llosa (2007) relata a veracidade do que é escrito como ficção, as verdadeiras intenções contrastando com as inscrições. O real e o irreal convivendo na mesma história. “De fato, os romances mentem – não podem fazer outra coisa –, porém essa é só uma parte da história. A outra é que, mentindo, expressam uma verdade, que somente pode se expressar escondida, disfarçada do que não é.” (VARGAS LLOSA, 2007, p. 12) Portanto, pode-se afirmar que a literatura, através da ficção, é capaz de discutir uma realidade tão complexa e concreta quanto a morte. Por vezes, o que um autor deseja expressar nem sempre pode ser escrito com facilidade ou aceitação. A morte, por exemplo, às vezes precisou de um símbolo, algo que a representasse sem que seu sentido fosse totalmente ocultado. Nas palavras de Carl Jung, “o homem utiliza a palavra escrita ou falada para expressar o que deseja comunicar. Sua linguagem é cheia de símbolos, mas ele muitas vezes faz uso de sinais ou imagens não estreitamente descritivos” (2008, p. 18) Na Idade Média, por exemplo, os textos retratavam a morte, não apenas como um fim de uma vida, mas carregando outras conotações. Textos escritos desde a Idade Média mostram um jogo de palavras e significados inspirados pela morte. Através dos textos, a sociedade era revelada, juntamente com suas tradições: “A morte estabelece o vínculo entre o passado e o futuro e opera de forma estruturante texto e signo sobre a concepção que cada sociedade faz de sua própria tradição” (ZUMTHOR, apud WILLIAMS, 1996, p. 131) Naquela época, estes textos traziam a morte como um signo de cunho histórico, sociocultural, psicológico e semiológico. Amor e morte caminhavam lado a lado, por vezes, indissolúveis. As reflexões sobre esses temas estavam intimamente ligados às manifestações religiosas e não-religiosas daquela época, sendo a morte representada por sua visão física e espiritual. Nas palavras de Williams (1996, p. 132) “A morte pode assim ser entendida como um signo apoiado no qual o autor pretende influir sobre seu público incisivamente, manipulando ou simplesmente descrevendo”. Williams exemplifica obras ou personagens como: Confissões, de Santo Agostinho, Hélinand, Hartman, Maria de França, escritos da corte em Roman de Thèbes e Roman d’Eneas:
  • 24. 23 Com relação às idéias sobre o amor e a morte e seus múltiplos reflexos na poesia do século XII, desenvolvem-se textos e temas que determinam a representação e o uso dessas idéias até o final da Idade Média. Ao mesmo tempo, com o florescimento da cultura e da literatura medievais, nasce também o debate crítico com essa cultura, na sua ameaça e condenação severas, por meio de seus próprios conceitos de valor e de seu modo de compreender a si mesma. (WILLIAMS, 1996, p. 132) Williams (1996) assim define as formas de produção de textos e criação de signos na Idade Média: a) a morte como acontecimento histórico – as crônicas retratam a morte sem nenhum medo existencial, na Alta Idade Média, os nomes e acontecimentos aparecem sem muitos comentários. Na Baixa Idade Média, o cronista busca os motivos das ocorrências. Morte e coroação significam providência divina. A história do mundo se une à história da salvação; b) morte como signo sociocultural – a morte de um líder também significa a mudança de um sistema cultural, por exemplo; c) a morte como evento psicológico- aparece na poesia, a morte se dá interiormente ou na dor pela falta da pessoa amada; d) a morte como signo semiológico – a relação semântica e pragmática com outros signos: a relação texto/ leitor contrapõe “signo-vida”, o leitor/ouvinte vê a morte apenas como tema e relaciona a morte com diferentes estruturas do mundo, quer sejam mudanças sociais ou outras estruturas do cotidiano. A representação literária da morte se une a outras formas literárias, como a imagética e a depender do período em que a obra é lida ou do público que a lê, ganha signos diferentes. “a produção incessante de signos de uma obra depende simplesmente de quantas funções de signo o texto pode preencher na comunicação com uma série sucessiva de gerações de leitores”, acrescenta Williams (1996, p.144). Visando revelar a morte com outras palavras, explica ainda Williams “O código cultural ‘Morte’ precisa assim de muitos portadores de signos para que a ‘Morte’, em si mesma imutável, possa ser representada na arte, na literatura ou também na música”. (1996, p.142) A possibilidade de haver vários signos para representar a morte e o amor dão margem para que ilimitados novos textos sejam produzidos a cada nova leitura, com o passar das gerações. A morte está presente nas representações físicas e espirituais, nas decadências de estruturas de organização do homem e seu lado místico em estágio de êxtase, dissolvendo os velhos vínculos sociais e cedendo espaço a outros novos. Os séculos XIV e XV ressaltaram a morte representada de forma apavorante na literatura, escultura e pintura, dominada pelo período barroco. Porém, amor e morte andavam lado a lado em obras literárias. E assim “a morte como ameaça, advertência, como separação entre vida e amor e, de um ponto de vista
  • 25. 24 positivo, como promessa de vida eterna e amor puro inspira e estimula a participação engajada do leitor/ouvinte na comunicação literária”. (WILLIAMS, 1996. p. 135). Nos séculos XV e XVI, a morte na poesia é tema descrito em forma de horror à morte física e a decomposição do corpo, relata Ariès (2003). Esta decomposição não se dava apenas após a morte, se dava através da doença, da velhice, da corrupção. A decomposição significava, pois, o fracasso do homem. A arte e a literatura associam a morte ao amor entre os séculos XVI e XVIII e um tom erótico e mórbido envolve textos, danças e dramas desta época. Os apaixonados se encontram em túmulos nas peças em teatros barrocos e a literatura ganha um ar macabro, onde a morte é desejada. Num trecho citado por Ariès, (2003, p.65) sobre uma jovem da família La Ferronays, da época romântica, este desejo de morte pode ser notado. Ela assim escrevia: “Morrer é uma recompensa, pois é o céu... A idéia favorita de toda minha vida (de menina) é a morte que sempre me fez sorrir... Jamais alguma coisa fez com que a palavra morte se tornasse lúgubre para mim”. A morte não é apenas uma representação do fim físico, podendo, da mesma forma, ser um fim espiritual. No século XX, a literatura volta a falar sobre a morte. A Sociologia e a Psicologia redescobrem a morte em seus livros e artigos, como em A Pornografia da Morte de Geoffrey Gorer de 1955; The American way of death (O estilo americano da morte) de Jessica Mitford de 1963, uma coletânea de estudos interdisciplinares onde Antropologia, Arte, Literatura, Medicina, Filosofia, Religião estão presentes na obra The meaning of death (O significado da morte) de 1959. Ao longo dos séculos, foram muitas as obras que retrataram a morte em suas várias dimensões: como Odisséia (século VIII a.C.), de Homero; Fédon, de Platão; Antígona (440 a.C.), de Sófocles; A Divina Comédia (entre 1310 e 1321), de Dante Alighieri; Ars Moriendi, dos séculos XV e XVI; Romeu e Julieta (1596), de William Shakespeare; Méditations (1820), de Lamartine, o conto The Californian’s Tale (1892) de Mark Twain; O homem e a morte (1948), de Manuel Bandeira; Pavilhão de Cancerosos (1970), de Aleksandr Solzhenitsyn. Vencendo as barreiras do tempo e focando diferentes aspectos do viver e do morrer, a morte tem-se mostrado um tema que ainda desperta conturbados sentimentos, mesmo na coletividade, que cada um exterioriza de maneira singular.
  • 26. 25 3. DAS OBRAS 3.1 A farewell to arms Realidade e ficção se misturam em A farewell to arms (Adeus às armas) lançado em 1929, dez anos depois do fim da I Guerra Mundial. Esta mistura, já comentada por Vargas Llosa (2007), permite que o autor mescle fatos vividos aos imaginados. Harold Bloom (2010, p. 22-23) não considera o romance como uma obra completamente autobiográfica, mas que toma como inspiração muitos elementos autobiográficos. Na realidade, aos 19 anos, Hemingway alista-se na Cruz Vermelha Italiana para trabalhar como motorista de ambulância na I Guerra Mundial. Ferido em combate, ele é levado a um hospital em Milão, onde conhece a enfermeira Agnes von Kurowsky, por quem se apaixona. Na ficção, o americano Frederic Henry se alista na Cruz Vermelha Italiana atuando como motorista de ambulância. Ferido em combate, ele é levado para um hospital em Milão onde conhece a enfermeira britânica Catherine Barkley, por quem se apaixona. No período em que Hemingway escrevia o livro, sua esposa Pauline teve um parto complicado. Este é mais um evento que pode ser percebido em sua ficção. Embora estes eventos reais tivessem sido inseridos na ficção, nem sempre tiveram o mesmo final da vida do escritor. A Farewell to Arms é um romance que mostra momentos de guerra, de dor sofrimento, tragédia, mas também um romance de amor e morte, entre 1916 e 1918. Hemingway descreveu assim A farewell to Arms: “o fato de o livro ser trágico não me tornava infeliz, visto eu pensar que a vida era uma tragédia e sabia que só poderia ter um final. ( HEMINGWAY apud BAKER, 1974, p.115). Baker ainda ressalta que “ a publicação de Adeus às Armas em livro, a 27 de setembro de 1929, assinalou a posição de Hemingway no começo, como um dos poucos grandes escritores trágicos da literatura do século XX” (1974, p.115). Embora tivesse atuado na I Guerra Mundial apenas por um mês, quando foi atingido e enviado para um hospital em Milão, a narrativa de Hemingway tão envolvente em relação ao cotidiano e sentimentos dos soldados em A Farewell to Arms recebeu muitos elogios de soldados que realmente participaram da guerra. Neste romance, o personagem central também é o narrador, permitindo ao leitor que ele conheça seus pensamentos, emoções, contados por ele mesmo. Hemingway descreve
  • 27. 26 momentos de tensão, dor, morte, e fuga, realidades e detalhes da guerra como quem só quem experimentou pode revelar. Na visão de Ross Walker (2009), Hemingway conta as verdades do resultado da guerra na vida das pessoas e expressa suas ideias e sentimentos através de seus personagens. Deste modo, pode-se supor que em A Farewell to arms ele também expõe sua desilusão com a guerra. Analisando a narrativa de Adeus às armas, Baker considera que “projetado em termos realísticos e num tom despreocupado, contando a verdade sobre os efeitos da guerra na vida humana, Adeus às armas é um romance inteiro e até mesmo exclusivamente aceitável como uma narrativa naturalista daquilo que aconteceu.” (1974, p.115). 3.1.1 “A farewell to Arms” em poucas palavras O texto, ambientado no período da I Guerra Mundial, apresenta o tenente americano Frederic Henry, que se alista na Cruz Vermelha Italiana como motorista de ambulância voluntário. Ele é apresentado às enfermeiras Catherine Barkley e Helen Ferguson pelo médico tenente Rinaldi. O relacionamento de Frederic e Catherine cresce. Numa ocasião, Frederic e alguns companheiros são atingidos. Frederic é ferido no joelho e na cabeça e um de seus companheiros, Passini, tem as pernas esmagadas e morre. Frederic é levado a um hospital em Milão onde reencontra a enfermeira Catherine Barkley, por quem está apaixonado. Após um tempo de recuperação, ele volta ao front italiano. Catherine engravida. Frederic quer casar-se, mas ela alega que casando será mandada para seu país. Jordan se recupera e volta ao front. Por desacato a uma ordem sua, Frederic mata um de seus homens. Outro companheiro se entrega a polícia. Frederic é preso, mas consegue escapar pulando no rio Tagliamento. É o seu adeus às armas. Vai para Milão e descobre que Catherine não está mais lá, foi enviada a Stresa. Lá ele reencontra Catherine e os dois vivem por algum tempo. Ameaçado de ser preso ele foge com ela de barco para a Suíça durante uma noite chuvosa. Passam o inverno na Suíça, vivendo uma história de amor numa montanha perto de Montreux. Grávida, ela sonha com uma vida de paz ao lado do seu amado e da criança. Na primavera, eles se mudam para Lausanne, para estarem próximos ao hospital na hora do nascimento do bebê. No último capítulo do livro, que analisaremos neste trabalho, Catherine tem um parto complicado e graças a uma cesariana, dá a luz a um menino que vem ao mundo já sem vida e roxo, sufocado pelo cordão umbilical. Catherine morre de hemorragia no mesmo dia. Frederic, se sentindo vazio, nada mais pode fazer, apenas volta sozinho para o
  • 28. 27 hotel onde estavam hospedados, caminhando na chuva. 3.1.2 Para entender “A farewell to Arms” Podemos observar que os textos de Hemingway, apesar de uma linguagem simples, carregam muitos símbolos, muitas imagens. Na análise de A farewell to Arms feita por Adam Sexton (2001), o simbolismo da chuva que cobre o céu ameaçadoramente representa a presença da morte. Segundo ele, ela está presente desde o começo da trama, no primeiro capítulo, relembrando a chuva que precedeu a cólera que matou sete mil pessoas naquele outono: “The vineyards were thin and barebranched too and all the country wet and brown and dead with the autumn” (p.2). A chuva permeia momentos importantes do livro e segue até o fim da história de Frederic e Catherine. Um desses momentos é quando os dois estão num hotel e Catherine revela seu medo de morrer na chuva e que também ele morra. Outro momento é quando os croatas atacam a noite e eles começam a perceber que correm riscos de vida e pareciam estar perdendo a guerra. Chove também quando Frederic parte em retirada com seus companheiros. Depois de escapar pelo rio e reencontrar Catherine, o casal foge de barco para a suíça na chuva. Carlos Baker (1974) sugere que o autor utiliza o elemento chuva como uma referência à situações de desastres ou desespero. No último capítulo, Frederic observa a chuva que cai na hora da cesariana: “It was dark but in the light from the window I could see it was raining” (p.169). Está também presente quando a enfermeira lhe informa sobre a morte do bebê: “I could see nothing but the dark and the rain falling across the light from the window” (p.171). Na última frase do livro, o símbolo reaparece: “after a while I went out and left the hospital and walked back to the hotel in the rain” (p.174). Nem todo simbolismo da chuva se refere à negatividade. A chuva também pode representar bons sinais. De acordo com Cirlot (1984), a chuva está relacionada com o sentido de fertilização e purificação. Chevalier (1993, p. 235-236) também cita este elemento como agente de fertilidade não apenas para animais, mas também para as mulheres. Para este autor, a chuva, “aquilo que desce do céu para a terra é também a fertilidade do espírito, a luz, as influências espirituais”. Também no texto em estudo, a fertilidade existia. Catherine estava grávida, uma nova vida surgiria. Outros significados são dados a este mesmo elemento, como a vida nova, renovação. Para o percurso dos personagens, o evento não marcaria apenas a chegada de uma criança, mas o começo de uma nova vida para esta pequena
  • 29. 28 família. No entanto, esta renovação não acontece. Outro elemento recorrente nesses momentos de turbulência é a noite. Para Rama Rao (2007, p. 31), a morte representa a noite da vida e Hemingway usa esse elemento com bastante habilidade, incluindo a dor e o sofrimento ou físico ou psicológico. Para Cirlot (2001) A noite também simboliza a morte numa visão mais tradicional. E neste capítulo, noite e chuva aparecem nos dois momentos de morte. Ainda está escuro quando Catherine começa a sentir as dores e eles estão à espera do taxi. “The night was clear and the stars were out” (A noite estava clara e as estrelas tinham saido) (p.232). Começa então o que deveria ser o fim de um período no ventre para uma nova vida. De uma morte para uma vida, como explicou Kovács (1992) uma mudança de um estágio de uma vida para outro. Já está escuro quando Catherine é levada para sala de cirurgia. “It was dark but in the light from the window I could see it was raining.” (Estava escuro mas pela luz da janela pude ver que estava chovendo) (p.242) A criança já estava sem vida. Frederic utiliza a palavra “dark” quando observa a criança na mão do médico, embora sem saber que ela já estava morta: “ I saw the little dark face and dark hand, but I did not see him move or hear him cry. (Vi a pequena face e a mão escuras, mas não o vi mover-se ou chorar.(p.243)” E a utiliza também quando ele o descreve para Catherine: “A boy. He’s long and wide and dark” ( Um menino. Ele é comprido e grande e roxo) (p.244)” Ainda chove quando Catherine morre. Frederic apaga as luzes do quarto e depois de algum tempo, sai na chuva: “But after I had got them out and shut the door and turned off the light it wasn´t any good. It was like saying good-by to a statue. After a while I went out and left the hospital and walked back to the hotel in the rain” (Mas depois de colocá-las para fora e fechar a porta e apagar a luz não melhorou. Era como dizer adeus a uma estátua) (p.249). Uma sensação de vazio e finitude domina o espaço e o tempo quando a morte vem. Para Frederic o “nada” impede as ações, nada a se fazer, nada a se dizer, nada é tudo que segue: ‘Outside the room, in the hall, I spoke to the doctor, ‘Is there anything I can do to- night?’ ‘No. There is nothing to do. Can I take you to your hotel?’ ‘No, thank you. I am going to stay here a while.’ ‘I know there is nothing to say. I cannot tell you ______’ ‘No,’ I said. ‘There is nothing to say’ ‘Good-night,’ he Said. ‘I cannot take you to your hotel?’ ‘No, thank you’ ( p.248 ) (“Do lado de fora da sala, no corridor, eu falei com o medico, (Há algo que eu
  • 30. 29 possa fazer agora a noite?”) (“Não. Não há nada a fazer. Posso levá-lo pro hotel?”) ( “Não, obrigado. Vou ficar aqui um pouco.”) (“ Eu sei que não há nada a dizer. Não posso dizer que …”) (“Não,” eu disse. “Não há nada a dizer.” ( “Boa noite” disse ele. “ Não posso levá-lo ao hotel? (“Não, obrigado.”) Além da guerra, das perdas, das tragédias, outro tema perceptível neste último de “A farewell to arms” é a angústia. Isto pode ser observado tanto em Catherine quanto em Frederic. As dores de Catherine começam ao amanhecer. A demora pelo nascimento passa ser angustiante. As horas passam, as contrações vêm e vão, mas a criança não nasce. Catherine luta para ter o bebê, Frederic vê anunciada a morte de sua amada e sua angústia começa. Quando percebe a gravidade da situação ele se pergunta: “And what if she should die? She won't die. People don't die in childbirth nowadays. That was what all husbands thought. Yes, but what if she should die? She won't die” ( E se ela morrer? Ela não morrerá. (p.239). E depois ele presencia o desespero de Catherine na hora da dor: “I won't die. I won't let myself die” (p.241). Para alguém acostumado a se deparar com situações de morte por causa da guerra, esta é uma situação diferente para Frederic. Este é o medo da morte citado por Jaspers: “Tememos a morte. Observe-se, porém, que a morte – o cessar de ser – e o ato de morrer – cujo termo é a morte – provocam angústias muito diversas” (2005, p. 128). Isto porque implica aí a possibilidade de não ter mais a presença do outro, descrita por Heidegger (2001). Frederic teme perder Catherine, pois sua vida se transformaria num “nada”. Ela já não tem mais forças, está muito fraca. Catherine também se angustia, e o medo da morte também é sentido por ela: “Darling, I won’t die, Will I?” (p.241) (Querido, eu não vou morrer, vou?), mas ela pressente o desfecho: “Sometimes I know I’m going to die” (p.241) (Às vezes acho que vou morrer). A tarde chega e a criança nasce morta, sufocada. Frederic ainda não sabe da morte da criança, mas vê o quanto Catherine sofre. A angústia de Frederic aumenta quando ele toma conhecimento do acontecido com o bebê e que Catherine teve uma hemorragia e também corre risco de morrer. O medo que aconteça com ela o mesmo que aconteceu com a criança toma conta de Frederic. O retrato do desespero do personagem é demonstrado em forma de oração, embora ele não tivesse uma religião: I knew she was going to die and I prayed that she would not. Don't let her die. Oh, God, please don't let her die. I'll do anything for you if you won't let her die. Please, please, please, dear God, don't let her die. Dear God, don't let
  • 31. 30 her die. Please, please, please don't let her die. God please make her not die. I'll do anything you say if you don't let her die. You took the baby but don't let her die. That was all right but don't let her die. Please, please, dear God, don't let her die” (p.247). (Eu sabia que ela ia morrer e eu rezei para que ela nao morresse. Não a deixe morrer. Oh Deus, por favor não a deixe morrer. Farei qualquer coisa se o Senhor não a deixar morrer. Por favor, por favor, por favor, Senhor Deus, não a deixe morrer. Senhor Deus, não a deixe morrer. Por favor, por favor, por favor não a deixe morrer. Senhor, faça com que ela não morra. Farei qualquer coisa que me disser se o Senhor não a deixar morrer. O Senhor levou o bebê mas não a deixe morrer. Tudo bem mas não a deixe morrer. Por favor, por favor, por favor, Senhor Deus, não a deixe morrer). Hemingway introduz mais um símbolo, a cor cinza “gray” anunciando uma transformação de estado, a aproximação de algo ruim. Frederic percebe que a morte se aproxima. O rosto de Catherine revela todo sofrimento: “She looked gray” (p.247) (Catherine estava pálida) E ela sabe que vai morrer: “I’m going to die” (p.247) (Vou morrer). Como na Idade Média, em que era costume que o moribundo se preparasse para a morte, Catherine revela a Frederic seus planos não realizados: “I meant to write you a letter to have if anything happened, but I didn’t do it”(p.247) ( Quis deixar-lhe uma carta se algo acontecesse mas não escrevi). E, mesmo sabendo que ela tem uma religião, Frederic pergunta se ela quer a presença de um padre: “Do you want to me to get a priest or any one to come and see you?” (p.247) (Quer que eu chame um padre ou alguém para vim vê-la?). Porém ela recusa, diz não estar com medo do final embora não o aceite: “I’m not afraid. I just hate it”(p. 247) ( Não estou com medo. Apenas odeio isso). Para Frederic, o cessar de duas vidas findam também o sonho de uma vida longe da guerra e uma vivência em família. Tudo se esvazia e a única atitude que ele tem é a de caminhar sozinho na chuva. Assim, em A Farewell to arms, a morte do herói não é uma morte física, mas toda uma carga de perdas resultantes da guerra, quando fica sem seus companheiros em combate, quando deserta para salvar a própria vida e quando perde mulher e filho no parto. Para quem nunca tinha amado e não tinha mesmo intenção de amar, Catherine se tornou a essência da vida de Frederic sua religião e agora nada mais importava. A noite, a morte e o nada foram tudo que restou. O amor em A farewell to arms é uma espécie de jogo, uma escapatória para aquela realidade cruel e violenta. Mas o amor de Frederic por Catherine que também começou como
  • 32. 31 um jogo, transforma-se numa união onde as almas se encontram e por isso, viver sem ela significa um “nada”. 3.2 A clean well-lighted place Neste capítulo, analisaremos o conto A clean, well-lighted place, no qual Hemingway traz questões sobre a vida, o relacionamento humano, a velhice, a solidão, o suicídio e a solidariedade. O conto, escrito em 1933, apresenta como cenário um café. Os personagens são dois garçons, um de meia idade e o outro, um jovem. Um dos clientes é um homem idoso, surdo, rico e solitário. Não há nomes para a identificação do café ou dos personagens, apenas que os garçons também falam espanhol. Quase não há ação no conto, assim como nem sempre há uma certeza de qual dos garçons está falando, o que causa, às vezes, uma incógnita na sequência das falas. 3.2.1 A clean, well-lighted place em poucas palavras Os dois garçons observam o homem que frequenta o café sempre sozinho. Por já estar na hora de fechar, o garçom mais novo se irrita com a presença do único cliente, porque ele deseja terminar seu dia de trabalho e voltar para sua esposa que o espera em casa. Um dos garçons comenta que o homem tinha tentado suicídio na semana anterior e havia sido salvo pela sobrinha; não tinha mais esposa e se tornara um solitário. O garçom mais novo se recusa a servir mais uma bebida ao homem, alegando que, além de bêbado, é velho. Para ele, ser velho não é algo bom. Sem ouvir as palavras ofensivas do garçom, o homem paga a conta e se vai. O café é fechado e os dois garçons se prepararam para ir para suas casas. O mais velho comenta a atitude do mais novo em não ter servido mais uma bebida ao cliente e também da hora em que fecham o bar, alegando que poderiam ter ficado mais um pouco, pois alguém poderia precisar do café, porque ele é limpo, bem iluminado e protegido pelas folhas das árvores. Então, eles discutem seus pontos de vista em relação à vida. O mais jovem se vangloria por ter tudo: juventude, trabalho e confiança e esses fatores o deixam com a vontade de ir para casa. O mais velho, assume ter apenas o trabalho, por isso prefere ficar até mais tarde no café, pois há a possibilidade de outro cliente aparecer. O garçom mais velho despede-se do colega de trabalho e se encaminha para um bar, refletindo sobre sua
  • 33. 32 existência, o significado da vida, o significado de Deus, ou a falta deles: tudo é nada! Este personagem faz ainda uma paródia com a oração do Pai Nosso usando a palavra “nada”, que aparece em espanhol, em partes estratégicas da oração. Ele entra num bar e pede um copo de “nada”. O garçom pensa que ele é mais um louco. Ele não gosta de bares, bodegas ou lugares mal iluminados. Então, vai para casa e espera que amanheça para conseguir dormir. Para ele, é apenas mais uma noite de insônia. 3.2.2 Para entender “A clean, well-lighted place” Para o leitor, um conto pode trazer uma trama simples, aparentemente desconectada com a realidade aparente, mas “a ‘irrealidade’ da literatura fantástica se transforma, para o leitor, em símbolo ou alegoria, quer dizer, na representação das realidades, de experiências que se pode identificar na vida.” (VARGAS LLOSA, 2004, p. 14). Estas experiências, no texto de Hemingway são a solidão, o suicídio, a morte. Situações tão corriqueiras e, ao mesmo tempo, tão profundas. A solidão, o suicídio, o desespero, a rotina e a percepção de ser mais um na multidão são características que apontam para uma visão crítica da modernidade, pois, apesar de todo o progresso alcançado, o homem se tornava apenas mais um na multidão, com poucas relações sociais significativas. O conto reflete a condição humana principalmente quando a velhice chega. Independente de ser rico e limpo, o único cliente do café é velho. A idade avançada é uma etapa crítica da existência humana, por trazer, como já citado por Torres (1983), um leque de experiências negativas, como as fraquezas do corpo, a diminuição ou perda de produtividade, a certeza de que a próxima fase da vida é a morte. A sociedade aumenta a desvalorização do homem idoso. No texto, um dos garçons associa a negatividade à idade: “An old man is a nasty thing." (Um homem velho é algo nojento) (p. 288), o que evidencia sua impressão preconceituosa. Do ponto de vista existencialista de Heidegger, o medo do nada, do vazio da vida vivenciados pelo idoso e pelo garçom mais velho é apavorante, desesperador e intimida a existência. A velhice representa a aproximação da morte, o fim. Embora o garçom mais velho e o idoso rico sofram com a solidão, assim como muitas pessoas, cada um lida com esta situação de maneira diferente e isolada. Nesse aspecto, os dois compartilham as mesmas angústias. O idoso frequenta o café todas as noites e se embriaga “he’s drunk every night” (Ele está bêbado todas as noites.) (p. 289). O garçom
  • 34. 33 vê nessa lacuna o motivo para manter o café aberto até mais tarde. Ele diz: “Each night I am reluctant to close up because there may be some one who needs the café (p.290)". (A Cada noite eu reluto em fechar porque pode haver alguém que precise do café). A falta de um sentido real para a vida leva o velho a um desespero, uma angústia, sentimento que só a morte pode resolver. Neste caso, a morte não é percebida como um monstro, mas como uma salvação, um fim desejado, um alívio, encerrando de vez as pequenas mortes cotidianas, como a solidão, a separação da esposa, o vazio que transforma a vida num nada. É este mesmo vazio a razão pela qual o homem vai todas as noites ao café. O suicídio que, segundo Incontri (2010), foi negado por alguns filósofos, mas visto por Sartre como o ato de liberdade suprema do ser humano, foi discutido pelos garçons. Um deles acredita que o velho não tinha motivos pra a tentativa de suicídio, já que era rico. Nem mesmo o fato de ser um solitário o faz crer que o velho estivesse num momento de angústia, desespero. O nada também é o motivo dado por um dos garçons para a tentativa de suicídio. "Last week he tried to commit suicide," one waiter said. "Why?" "He was in despair." "What about?" "Nothing." “How do you know it was nothing?” “He has plenty of money.” (p. 288 ) ( “Semana passada ele tentou suicídio,” um garçom falou) ( Por que? ) ( Ele estava desesperado) ( Por causa de que? ) ( Nada ) ( Por que você acha que não foi nada? ) ( Ele tem muito dinheiro.) Este vazio que permeia todo o conto e caracteriza a vida dos homens, a solidão, o motivo para cometer suicídio, se estabelece representado pelas palavras “nothing” que aparece seis vezes, e “nada” que no texto está em espanhol, repete-se 22 vezes. O garçom mais velho faz uma paródia com a oração do “Pai Nosso”, revelando sua descrença em Deus: Our nada who art in nada, nada be thy name thy kingdom nada thy will be nada in nada as it is in nada. Give us this nada our daily nada and nada us our nada as we nada our nadas and nada us not into nada but deliver us from nada; pues nada. Hail nothing full of nothing, nothing is with thee” (p.291) (Nada nosso que está no nada, nada seja teu nome assim no nada como no nada. O nada nosso de cada dia nos dai hoje perdoai nosso nada assim como
  • 35. 34 nós nada vossas nadas e não nos deixei cair no nada, para nada; para nada. Salve nada cheia de nada, nada esteja contigo). Este trecho pode nos remeter ao existencialismo e ao ateísmo defendidos por Sartre e mistura a fé católica dos espanhóis com a falta de fé de um solitário. O garçom mais velho considera vazia a existência humana: “It was all a nothing and a man was a nothing too.” (p.291) ( Tudo era um nada e um homem era um nada também). Usando símbolos para camuflar ou transportar algumas de suas verdades, Hemingway utiliza dois elementos: a luz e a noite. Autores como Dominik Gerhard (2008) e Rama Rao (2007, p. 31) demonstram que esses elementos podem ser vistos como algo que dá sentido à existência, a luz; e a noite, como a falta desse sentido. O café é um lugar bem iluminado, e há a sombra das folhas das árvores também, e isso é tudo que alguém precisa para espantar o vazio da solidão. O garçom mais velho sabe disso, ele argumenta com o mais novo: “you do not understand. This is a clean and pleasant café. It is well-lighted. the light is very good and also, now, there are shadows of the leaves” (p.290). (“Você não entende. Este café é limpo e agradável. É bem iluminado. A luz é muito boa e também, agora, há a sombra das folhas.”) E reafirma essa necessidade quando dialoga consigo mesmo na saída do trabalho: “it was only that and light was all it needed and a certain cleanness and order” (p. 291). (Era só isso e a luz era tudo que precisava e uma certa limpeza e ordem). Novamente, o personagem divaga no final do conto, quando sai do bar: “a clean well- lighted café was a different thing” (p.291). (Um café limpo e bem iluminado era algo diferente). Para este garçom, a noite dá lugar ao nada, à solidão, por isso ele tem insônia e espera a luz do dia chegar para afugentar o nada e ele possa dormir: “he would lie in the bed and finally, with daylight, he would go to sleep” (p. 291). (ele deitaria em sua cama e finalmente, com a luz do dia, iria dormir). Ele tem a consciência de que ele não é o único que sofre desse sentimento, pois diz a si mesmo: “it is probably only insomnia. Many must have it” (p. 291) (provavelmente é só insônia. Muitos devem tê-la). Embora o suicídio por causa da solidão seja o foco desta obra, A clean well-lighted place também ressalta um lado positivo deste “nada”, analisa Jeffrey Berman (1999, p.112), a solidariedade. É este o sentimento que move o garçom mais velho a permanecer por mais tempo no trabalho, para se aliar a outros solitários que buscam a luz, mesmo que temporária, para fugir da morte ou dos indícios de sua proximidade. Ele teme por outros que vivem o mesmo dilema e sabe quão importante é um lugar limpo, iluminado e organizado, um lugar
  • 36. 35 onde os solitários possam ter um pouco de dignidade. A trama também enfatiza o tempo. Não apenas por causa do horário já tardio da noite, quase três horas da manhã, mas também da idade dos dois personagens. Que se vêem envolvidos por um “nada” que corrói as alegrias e esperanças do cotidiano. A velhice não tem próxima etapa. A velhice que, mesmo sendo vida, transforma-se numa morte lenta e irreversível. 3.3 For whom the bell tolls Aparentemente um enunciado isolado, o título desta obra faz referência a um trecho de uma obra do poeta inglês John Donne (1572 – 1631). A escolha do título e a colocação do trecho do poeta como epígrafe do livro apontam para o tema, que é a morte como evento inevitável para todo ser humano. No man is an Iland, entire of it selfe; every man is a peece of the Continent, a part of the maine; if a Clod bee washed away by the Sea, Europe is the lesse, as well as if a Promotorie were, as well as if a Manor of thy friends or if thine owne were; any mans death diminishes me because I am involved in Mankinde; And therefore never send to know for whom the bell tolls; it tolls for thee. (JOHN DONNE, apud HEMINGWAY, 1979, epígrafe)1 O contexto da escrita do livro nos explica mais sobre esse tema. Em 1937, Hemingway viajou para a Espanha como correspondente para o jornal North American Newspaper Alliance para cobrir a Guerra Civil Espanhola, iniciada um ano antes. Por ter vivenciado fatos marcantes do cotidiano de combatentes e da vida das pessoas naquele período, pôde coletar elementos daquela realidade para escrever seu próximo livro. O romance foi publicado em 1940 e é mais uma trama que mostra os horrores da guerra. Hemingway mostra as atrocidades cometidas tanto pelos Fascistas quanto pelos Republicanos. A condição humana e as ações por vezes indesejadas e cruéis que as pessoas praticam a ponto de ter que matar para não morrer fazem parte dessa história. De acordo com LaPrade ( 2007, p. 32), em For whom the bell tolls, uma das intenções de Hemingway era passar para os americanos a herança da cultura espanhola e também fazê-los entender mais 1 “Nenhum homem é uma ILHA isolada; cada homem é uma partícula do CONTINENTE, uma parte da terra; se um TORRÃO é arrastado para o MAR, a EUROPA fica diminuída, como se fosse um PROMONTÓRIO , como se fôsse o SOLAR de teus AMIGOS ou TEU PRÓPRIO, a morte de qualquer homem me diminui, porque sou parte do GÊNERO HUMANO, e por isso não perguntes por quem os sinos dobram; êles dobram por TI” Tradução de Monteiro Lobato, 1958
  • 37. 36 aprofundadamente sobre aquela guerra. Este romance é considerado um gênero épico, segundo Baker, pois possui: um ambiente primitivo, comida simples e vinho, o cuidado e o uso das armas, o sentido de perigo eminente, a ênfase na proeza masculina, a presença de vários graus de coragem e covardia, os cruéis barbarismos de ambos os lados, a operação de certas superstições religiosas e mágicas, os códigos éticos dos guerreiros – estes por certo, são elos comuns entre os dois grupos de protagonistas. (BAKER,1974, p.267) Toda história se passa em três dias do mês de março de 1937. Mas é tempo suficiente para Hemingway fazer um recorte de vários aspectos da vida humana. O romance é uma história de amor, de costumes, de tradições, de encontro de culturas, de política e de história. 3.3.1 For whom the Bell tolls em poucas palavras O romance pode ser assim resumido: Robert Jordan, um americano, professor de espanhol, se junta aos guerrilheiros republicanos na Guerra Civil Espanhola e recebe a tarefa de explodir uma ponte controlada pelos Fascistas. Anselmo é quem leva Jordan para o campo de guerrilha onde eles encontram Pablo, o líder do acampamento. Jordan é hostilmente recebido por Pablo. O americano passa a desconfiar da lealdade dele, temendo que ele traia ou mesmo sabote a missão. Nesse acampamento Jordan conhece também os outros integrantes do bando: Pilar, mulher de Pablo, Rafael, Agustín, Fernando, Primitivo, Andrés e Eladio. Há também uma jovem que foi violentada pelos Fascistas, de nome Maria, por quem Jordan se apaixona. Eles se tornam próximos e vivem momentos de amor no meio dessa turbulência. Pablo discorda da idéia do bando explodir a ponte e se recusa a ajudá-lo. Os Fascistas descobrem os planos dos Republicanos de destruir a ponte e Jordan decide cancelar a ofensiva. Na manhã planejada para a explosão, Pilar conta a Jordan que Pablo tinha fugido com alguns explosivos que seriam usados na missão. Jordan fica enfurecido e resolve levar o plano adiante. Pablo se arrepende e volta trazendo consigo cinco homens do bando. Jordan faz amor com Maria e se despede dela. Pilar e Pablo levam Maria. Jordan e Anselmo seguem para montar os explosivos. Mesmo sem concordar com a ideia de matar, Anselmo atira numa sentinela para que tenham chance de chegar até a ponte. Pilar se junta a Jordan e anuncia que Eladio foi morto na guerrilha e Fernando ficou seriamente ferido. Na explosão da ponte, Anselmo morre atingido pelos estilhaços. Na retirada, os Fascistas acertam o cavalo de Jordan que cai por cima dele, quebrando sua perna. Impossibilitado de caminhar, ele decide ficar e pede que os outros continuem seus caminhos. Ele mais uma vez
  • 38. 37 se despede de Maria, jurando amor eterno e pede que ela leve o amor dele para onde ela for e só assim esse amor sobreviverá. A dor o faz delirar e questionar-se entre o suicídio ou sobrevivência para derrubar os inimigos. Jordan fica a espera dos Fascistas. 3.3.2 Para entender For whom the Bell tolls Pelo fato da trama acontecer num período de guerra, a iminência da morte é algo esperado e muito marcante em todo o enredo. Mesmo assim, a vida se realiza em sua plenitude, com intensidade e luta. Robert Jordan, o personagem central, sente essa plenitude: “I have fought for what I believed in for a year now” (Eu lutei por aquilo que acreditei por uno ano). Segundo Baker (1974, p. 274) “[...] a idéia de que uma consciência da morte dará mais profundidade aos acontecimentos da vida é apenas um dos temas familiares de Hemingway em Por quem os sinos dobram”. Outros temas como, o viver em comunidade, homens sem mulheres, pai e filho, já que em alguns momentos Jordan relembra o pai que cometeu suicídio, e a figura do lar, aqui representado simbolicamente pela Espanha, em contraste com a guerra, também são abordados na trama. De acordo com Tyler (2001, p.121), em vários trechos há alusão às passagens e temas bíblicos, como o nome do herói Jordan, relembrando o Rio Jordão onde Cristo foi batizado; quando Jordan pede a Maria para enxugar seus pés com seus cabelos, como fez Maria Madalena com Cristo; a comparação da guerra com uma cruzada ou uma guerra santa; o sentimento de participação de Jordan na guerra como a celebração da Primeira Comunhão; a prática das orações que os personagens faziam; a traição de Pablo como Judas também traiu Jesus; o próprio sacrifício de Jordan pelos companheiros como Jesus fez pela humanidade. Rama Rao (2007) comunga com esta análise. Para ele, a figura de Maria, da obra, representa a Virgem Maria, que é violentada, assim como está sendo a Espanha. Este autor acrescenta a comparação das humilhações e atrocidades sofridas por Maria, em ser amarrada e violentada, com a crucificação de Jesus. E também a recuperação de Maria em três dias estaria relacionada com a ressurreição de Cristo no terceiro dia O misticismo também está presente, como quando Jordan observa as duas sentinelas que cospem no rio, e ele também pensa em fazer o mesmo, porém desiste: “I wonder if that is superstition? Robert Jordan thought. I’ll have to take me a spit in that gorge too. If I can spit by then. It can’t be very powerful medicine” (p. 378). (Será que isso é uma superstição? Robert Jordan pensou. Terei que cuspir nessa torrente também. Se no momento eu conseguir
  • 39. 38 cuspir. Não deve ser um remédio muito poderoso). Outro momento é quando Pilar lê a mão de Jordan e vê sua morte. Tal sentimento, especialmente no personagem Jordan, aponta para a expectativa sempre presente da morte, para um encontro com o mundo da eternidade, que pode acontecer a qualquer momento. A presença de imagens simbólicas realça a riqueza da construção do autor americano, quando as palavras ou as verdades não podem ou não querem ser ditas abertamente, como ressalta Vargas Llosa (2007). Desse modo, podem-se perceber muitos outros eventos e personalidades da história representados nesta obra, constituindo uma grande rede intertextual com obras da tradição. A ponte, por exemplo, missão dirigida a Jordan para ser explodida, na análise de LaPrade (2007, p.46), relembra a Guerra Civil Romana na Espanha entre César e Pompeu em 46 – 45 A.C., pelo controle da ponte sobre o Rio Baetis. Hoje, este rio é chamado de Guadalquivir, em Córdoba. Outra menção é da batalha de 509 A.C., quando Horácio defendeu Roma contra os ataques dos Etruscos sobre a ponte do Rio Tibre. A destruição da ponte, conforme Rama Rao (2007, p.56), sugere um novo começo, uma outra forma de união partindo da separação. Por causa dessa ponte, Jordan luta, e é na destruição desta que ele se separa de Maria, que é forçada a aceitar uma vida sem ele. Este episódio dá início à figura de Jordan como mártir, sacrificando-se por seu ideal e por seu amor. Ainda retratando os significados que a ponte carrega, segundo Ishteyaque Shams (2002, p. 85) esta traz o sentido de liberdade, a esperança do futuro da raça humana. Ela relata que a palavra “bridge” (ponte) aparece 294 vezes neste livro, destas, 110 são usadas no último capítulo, o que marca, para o leitor, a imagem da ponte como algo central no enredo. A trama toda se passa em três dias. Este número, para LaPrade (2007, p. 34) está relacionado a três mil anos de história e de civilização que a guerra civil tenta destruir. Ao que indica Hemingway buscou também preservar a história e a cultura espanhola. Também três vezes Jordan e Maria fazem amor. Em cada um desses encontros, eles dizem ver a terra se mover. Porém Pilar afirma que essa experiência só se vive três vezes durante toda a vida, o que também apontaria para o fim da vida para um deles. Durante a leitura, é possível perceber que a morte aparece em vários momentos no romance. Não se pode esperar muito quando se está numa guerra. Republicanos e Fascistas perdem seus homens. Amigos e inimigos se vão, a vida dura pouco. Jordan viu e matou
  • 40. 39 também, assim como seus companheiros, mesmo que esse não fosse o seu desejo. Mas a morte não aparece apenas como um fim. Esta assume outras formas. Maria presencia a morte dos pais pelos Fascistas, e também é estuprada. Traumatizada, ela não fala e chora muito. Pablo trai Jordan e o romance de Jordan e Maria se sente vazia com a morte de Jordan. Violência, traição, separação também se configuram em morte pela carga emocional negativa que deixa. No último capítulo, após a explosão da ponte e com a perna quebrada, sentindo muitas dores e sabendo que os inimigos não tardariam, Jordan pede a Pablo e Pilar que levem Maria com eles e o deixem ali. As palavras dele para Maria são uma bela revelação de amor, um amor que, para os personagens, nem uma guerra com toda atrocidade poderia vencer. Ele já não os considera duas pessoas, mas apenas uma, vivendo no corpo dela: “we will not go to Madrid now but I go always with thee wherever thou goest” (p.405) (Não iremos a Madri agora mas eu sempre irei com você onde quer que você vá) e depois “as long as there is one of us there is both of us. Do you understand?”(p.405) (Enquanto um de nós existir, nós dois existiremos). Maria diz ser difícil ter que abandoná-lo ali “what about me? It’s worse for me to go” (p.405) ( e eu? É mais difícil pra mim ter que ir), mas ele explica: “It’s harder for thee. But I am thee also now” (p.405) (É mais difícil pra você. Mas eu sou você agora). Jordan reafirma essa cumplicidade: “you are me now” (p.406) (você agora é eu). E depois de muitos pedidos para que ela se vá, ele diz não querer despedidas: “there is no goodbye, guapa, because we are not apart”. (p.406) (Sem despedidas, guapa, porque não estamos nos separando). Embora ela estivesse relutante, ele queria que ela entendesse que esse amor só continuaria a existir se um deles existisse também e, por isso, ela precisava seguir. Se ela ficasse, então os dois morreriam e o amor morreria junto. Aqui a morte se disfarça de rompimento, de separação. Morre o que ama, mas não o amor. A pluralidade de significados de uma mesma palavra, já retratada por Paz (1976) acontece comumente na construção literária. Numa análise de LaPrade (2007, p.50) Jordan e Maria se referem ao ato sexual como uma pequena morte, significado contido na palavra orgasmo em francês, “petit morte”, já mencionado anteriormente. Em determinados momentos, a morte aparece não como algo arrebatador e infame como quando os pais de Maria são cruelmente mortos, mas como solução, um alívio numa situação de sofrimento ou de desespero, como quando Agustín, embora abalado e sem querer deixar Jordan sozinho, se oferece para dar-lhe um tiro de misericórdia, considerando ser algo
  • 41. 40 natural: “do you want me to shoot thee, inglés? [...] Quieres? It is nothing? (p.407) (você quer que eu atire, inglês? [...] Quer? Não custa nada) Mas ele recusa, pensa ainda haver uma chance de fazer algo: acabar como o Tenente Berrendo. Ficando ali, ele pode ocupar o tempo dos inimigos facilitando a fuga de sua amada e seus companheiros. Depois que estes se vão, Jordan sente-se mais aliviado para morrer ali. Ele não se julga forte o suficiente para aguentar as dores: “I think I’m not awfully good at pain” (p.411) (Acho que não sou muito bom de aguentar a dor). E começa um diálogo para justificar o certo e o errado em sua decisão de se matar: “listen, if I do that now you wouldn’t misunderstand, would you?”(p.411) (ouça, se eu fizer isso agora você não interpretar errado, vai?). E se pergunta com ele estaria conversando. Ele pensa no avô: “Grandfather, I guess. No, nobody” (p. 411) ( Vovô, eu acho. Não, ninguém). Jordan não aceita o suicídio de seu pai, por achar esta atitude uma covardia. Esses questionamentos remetem à vida pessoal de Hemingway, em não aceitar o suicídio do pai em 1928. Berman (1999, p. 109) revela esta consideração. Segundo ele, Hemingway não conseguia lidar com este evento e não queria cometer a mesma atitude do pai, embora esse monstro o tivesse acompanhado na vida e na obra até concretizar sua morte em 1961. Os devaneios de Jordan continuam: “so why wouldn’t it be all right to just do it now and then the whole thing would be over with?(p.411) ( então , por que não seria certo fazer isso logo e acabar com tudo de uma vez?) Mas o pensamento nos inimigos tão próximos e a chance de ainda vencer um deles o faz recuar: “no, it isn’t. Because there is something you can do yet” (p.411) (não, não é. Porque ainda há algo que você pode fazer). As dores aumentam e ele tenta pensar em algo que o faça suportar até a chegada dos Fascistas: “think about Montana. I can’t. Think about Madrid. I can’t. Think about a cool drink of water. All right”(p.411) (pense em Montana. Não posso. Pense num copo d’água gelada. Isso) E compara o desfecho com esse copo de água: “that’s what it will be like. Like a cool drink of water” (p.411-412) (É como vai ser. Como um copo d’água gelada). E reflete que tudo pode não ser assim, por isso a vontade de suicidar-se volta: “then do it. Do it. Do it now. It’s all right to do it now. Go on and do it now” (p.412) (então atire. Atire agora. Sem problemas atirar agora. Vamos, faça isso agora), mas decide por fim esperar “no, you have to wait” (p.412) (não, você tem que esperar). Ele ouve os homens chegando cada vez mais perto. Hemingway deixa para o leitor a tarefa de finalizar o romance. Se Jordan consegue atingir o tenente ou se é morto por ele não fica claro. A certeza é que, na última sentença do romance,
  • 42. 41 Jordan ainda está vivo: “He could feel his heart beating against the pine needle floor of the Forest” (p.413) (Ele podia sentir seu coração bater contra o chão de agulhas de pinheiros da floresta). O romance For whom the Bell tolls começa e termina com uma mesma reflexão: o homem como um ser coletivo. Assim como na epígrafe de John Donne, na qual ele compara o homem como um continente, e não como uma ilha, a morte de Jordan no último capítulo não retrata apenas o seu fim como um ser isolado, mas seu sacrifício pelos companheiros, pelos seus ideais, por uma comunidade. A morte aqui é, acima de tudo, uma questão humanitária.
  • 43. 42 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS Vida e morte caminham lado a lado nestas três obras de Hemingway. Assumir o papel de cada um destes personagens analisados nos leva a reflexões nas quais a ficção tenta escancarar a realidade. Questionar o valor da vida, da família, do amor, do ser enquanto presença no mundo e significado para o ser-em-si e o ser para o outro talvez nos conceda as respostas que buscamos obter e assim assumir e entender vida e morte nos suas mais diversas ramificações. Quando se fala em morte, parece óbvio que algumas considerações se apresentem como algo já conhecido e banal. Falar de morte, por exemplo, nos remete sempre a etapa final da vida. Muitas vezes não nos damos conta de tantos momentos de nossas vidas em que o vazio nos preenche e parecemos mesmo ter findado nossa existência neste mundo. Hemingway viveu muitos momentos difíceis, muitas perdas, desilusão, vazio. Embora seu romance com a enfermeira não tivesse tido o mesmo final que seu personagem, Hemingway experimentou o amor e a separação ainda muito jovem; o nascimento de seu segundo filho e a morte do seu pai certamente deixaram marcas no artista. O suicídio do pai foi um evento que o perseguiu até seus últimos dias como uma negação a coragem. A reflexão do personagem Robert Jordan na hora da morte parecia um diálogo de Hemingway consigo mesmo sobre aquilo que a vida representava para ele. Ele não se deu tempo de envelhecer como o personagem do conto, mas percebeu a falta de dignidade e vida que reside nos idosos e nos solitários. Muitos estudiosos e críticos literários apresentaram diferentes pontos e aspectos das obras de Hemingway. Concordâncias e divergências serviram para buscar aprofundar mais o tema em um outro momento. Quanto à morte e suas faces, tema discutido neste trabalho, houve em geral um consenso, mostrando como fases da vida, eventos históricos e naturais influenciam na vida do homem e como ele a percebe. Pelas próprias palavras de Hemingway, muito do que ele colocou no papel surgiu das suas experiências e sentimentos. Em suas próprias palavras, “não há imaginação pura em literatura. Ninguém extrai idéias conceitos e caracteres do nada. Meus próprios romances podem ser considerados biográficos” (HEMINGWAY apud BROWN, 1990, p.22). Mesmo sendo um revolucionário da arte de escrever, a morte continua ganhando formas diferentes a depender do ângulo em que se olha. O certo é que, embora o corpo só experimente este evento uma vez, a alma pode renascer sempre que consiga vencer os obstáculos da morte.