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CURSO DE LICENCIATURA EM LETRAS
Literaturas Lusófonas III
O espaço como formador de identidade: Uma análise de
Quarto de Despejo de Carolina Maria de Jesus.
Discente: Giovane Duarte.
Docente: Prof.Ms. Taiane Porto Basgalupp
BAGÉ
2014
O espaço como formador de identidade: Uma análise de Quarto de
Despejo de Carolina Maria de Jesus
O presente trabalho tem como objetivo analisar o livro Quarto de despejo de
Carolina Maria de Jesus sob uma perspectiva dos estudos culturais, para
isso,discutiremos sobre as definições clássicas de literatura, levando em
consideração o quesito literariedade de Antoine Compagnon, além de uma breve
apresentação da história dos estudos culturais, arcabouço teórico para esse estudo.
Também discutiremos se a obra por ser um diário pode ser considerada
literatura ou apenas um relato do dia-a-dia de uma personagem dentro de uma
favela. Sobretudo, Quarto de Despejo antes de ser um diário da autora é uma
crítica social às barbáries acometidas nas favelas, problemas esses ainda não
resolvidos.
A construção de uma identidade de uma classe social, de uma raça através
da voz minoritária de uma pessoa, nesse caso de Carolina de Jesus é válida para os
estudos culturais já que este diário é o primeiro relato desta voz, além disso, as
alterações feitas pelo jornalista Audálio Dantas devem ser levadas em conta.
Análise da Obra
Quarto de Despejo- Diário de uma favelada de Carolina Maria de Jesus foi
publicado em 1960 e é caracterizado por um diário de cunho pessoal onde podemos
ver o dia-a-dia de uma moradora da favela e a luta diária contra a fome. Porém,
pode-se dizer que Carolina Maria é diferente das outras pessoas daquele círculo,
pois se destaca por refletir mais e desejar algo melhor indo a busca desse sonho.
A linguagem utilizada na obra em partes apresenta-se de forma formal e
outras informal, é uma linguagem simples com alguns termos sofisticados, há de se
pensar nesse caso o fator Audálio Dantas. A grafia utilizada não corresponde a
norma culta padrão da língua portuguesa e isto tem forte caracterização da
construção da identidade social da autora. Caso a grafia fosse corrigida, a obra
deixaria de ser ‘culturalmente’ importante, sendo esquecida, porém não é o caso.
Por ser um diário, os acontecimentos são demarcados por datas exatas,
sendo alguns mais curtos e outros mais longos. Fica bem evidenciado o desejo da
personagem-autora de mudar a situação em comparação com os outros moradores
da favela, além de personagens que a ajudam dando emprego e, outras, comida.
Há a forte presença de temas como o feminismo: momentos em que Carolina
Maria fala sobre as mulheres que tem maridos e os tem que sustentar e que ela
consegue sem grandes problemas assumir os papeis de mãe e de pai da família.
O social aparece em todos os aspectos, além da influência do jornalista em
suprimir partes pessoais e evidenciar partes onde o espaço“favela”aparece inclusive
momentos em que Carolina Maria toca na ferida da sociedade moderna: o governo e
seus governadores. Carolina tem total entendimento da política e que ao resolver os
problemas dos pobres não é algo muito complicado, bastando os políticos quererem.
Esta obra abre muitos espaços para a crítica sócio-histórica e para discussões das
políticas da época.
Literariedade e Estudos culturais: Definições teóricas
Antes de começarmos a falar sobre os estudos culturais e a importância da
obra para os mesmos, vamos discutir o que seja literário e o que não é segundo o
teórico Antoine Compagnon em O Demônio da Teoria. Para Compagnon um texto
para ser considerado literário deve obedecer a alguns parâmetros, deve ter o que
ele chama de literariedade que é nada mais, nada menos que um conjunto de
normas que todas as obras literárias atendem.
Entre essas características comuns destaca-se a linguagem rebuscada; a
desfamiliarização do leitor com o texto e a presença de uma rede metafórica
cerrada. Logo, como primeira análise, podemos descartar a obra de Carolina de
Jesus por não apresentar uma linguagem rebuscada (exceto certos termos
duvidosos que discutiremos mais tarde se seriam do texto original ou são asserções
do jornalista). Sobre a desfamiliarização é possível se ler a realidade de Carolina
como algo exterior e de certa forma grotesco e triste, é estranho pensar que as
pessoas passam muita fome, porém essa informação nos é passada diariamente
nos meios de comunicação em massa, portanto há uma desfamiliarização, porém
não profunda o suficiente para caracterizar a obra literatura. A rede metafórica
cerrada não se encontra na obra visto que não é fixação, mesmo não tendo
verossimilhança como os relatos que são muito repetitivos e monótonos.
Ao pensar o conceito deliterariedadefechamos de certa forma o que é literário
deixando de lado obras importantes para outros campos, de certa a forma a
lliterariedade é encontrada nos cânones clássicos. Foi a partir deste contexto de
fechar o que é literatura que os estudos culturais começaram a aparecer.
Ao notar a mudança das classes pós revolução industrial, nota-se que as
classes trabalhadoras produziam escritos que eram lidos para aquela classe.
Três textos que surgiram nos final dos anos 50, são identificados como as
fontesdos Estudos Culturais: Richard Hoggart com The Uses ofLiteracy (1957),
RaymondWilliams com CultureandSociety (1958) e E. P. Thompson com The
MakingoftheEnglishWorking-class (1963). Essas são os primeiros textos teóricos que
utilizam os estudos culturais, o primeiro é, em partes, auto-biográfico, o segundo
discuti questões culturais como a cultura comum ou ordinária e a inclusão destas
questões nas artes e literatura e o terceiro é um reconstrução da história inglesa
contada pelos menos afortunados.
Os teóricos considerados precursores dos estudos culturais foram Williams,
Thompson e Hoggart, esses três teóricos formam os grandes teóricos dos estudos
culturais.
É importante salientarmos que, em grande parte, os estudos culturais foram
constuídos através da literatura comparada, pois para notarmos que uma cultura é
diferente da outra se faz através de uma comparação. Enquanto uma grande massa
de teóricos se volta para os clássicos e para a literariedade, os estudos culturais vão
a busca das vozes minoritárias e de culturas consideradas menores.
Portanto é através dos estudos culturais que textos antes sem importância
para a literatura começam a serem resgatados como uma maneira de dar voz à uma
classe social, à uma raça e um sexo. Um livro escrito por uma mulher negra, pobre,
moradora da periferia é de grande importância para os estudos culturais, tendo em
vista que esta escritora representa todo um perfil e não é apenas ela.
Identidade e Espaço em Quarto de Depejo
“Duro é o pão que nós comemos. Dura é a cama que dormimos. Dura é a vida do favelado.”
Carolina Maria de Jesus
A favela é o espaço onde se passam os relatos do diário, neste momento
discutiremos o espaço como o pertencimento à um grupo social. O espaço onde eu
resido é papel fundamental para saber quem sou ou mesmo para me identificar no
mundo. As pessoas que moram no centro se identificam como alguém de poder
aquisitivo maior (mesmo que não tenha), centro significando ascensão social. Quem
mora na periferia da cidade é visto como “marginal” e seus sonhos se pautam na ida
para o centro ou para o mais perto possível dele.
Pensando estas questões de onde morar devemos pensar no contexto em
que as favelas foram se configurando na cidade. Após a assinatura da lei áurea os
escravos negros não poderiam morar nas fazendas dos ex-patrões, não podendo
morar nas cidades (no centro) foram se acumulando ao redor das cidades montando
seus barracos e suas casa irregulares, nesse lugar, também, foram morar outras
pessoas que não possuíam condições de morar na cidade e que não se
identificavam com o meio onde estavam residindo.
Carolina era pobre e negra, moradora de uma favela, porém este espaço não
lhe era pertencente, apesar de ter característica físicas e sociais da maioria dos
moradores da favela, Carolina era excluída por ser letrada, portanto dentro deste
espaço era ela marginalizada dentro da favela.
“Nós somos pobres, viemos para as margens do rio. As margens do rio
são os lugares do lixo e dos marginais. Gente da favela é considerado
marginais. Não mais se vê os corvos voando as margens do rio, perto dos
lixos. Os homens desempregados substituíram os corvos.”
(JESUS, 2005, p.45).
Nota-se uma profunda reflexão do espaço, a sociedade (a pertencente ao
centro/poder) tem nesses seres humanos que não possuem condições de viverem
no centro como marginais. A questão das favelas terem sido construídas perto dos
lixões e tem uma estreita ligação com o lugar onde havia comida e o espaço onde
tudo que não valia mais para a sociedade era jogado fora.
Buscar a identidade de uma favelada é discutir e compreender o espaço, os
diálogos e sua cultura, isto Carolina consegue nos mostrar em sua obra,
conseguimos compreender este espaço de pessoas, a identidade delas em relação
à identidade de Carolina e sua cultura, tudo através de uma comparação que ela
mesma faz.
“Hoje éa Nair Mathias quem começou impricar com os meus filhos. A
Silviae o esposo já iniciaram o espetaculo ao ar livre. Ele está lhe
espancando.E eu estou revoltada com o que as crianças
presenciam.Ouvem palavras de baixo calão. Oh! se eu pudesse mudar
daqui para um nucleo mais decente.”
(JESUS, 2005, p. 10)
Logo nos primeiros relatos do diário notamos que Carolina ao descrever os
acontecimentos da favela sente-se deslocada deste espaço, sendo que não
encontra em seu “barraco” e em seu espaço atual algo positivo. O modo como ela
descreve o marido batendo em sua esposa deixa claro que Carolina não deixará
nenhum detalhe de sua vida de fora. Notamos também neste trecho um dos motivos
dela escolher viver sem marido.
“Passou um senhore perguntou-me:
- O que escreve?
-Todas as lambanças que pratica os favelados, estes projetos de gente
humana.
Ele disse:
- Escreve e depois dá a um critico para fazer a revisão.
Olhou as crianças ao meu redor e perguntou:
- Estes filhos são seus?
Olhei as crianças. Meu, era apenas dois. Mas como todaseram da mesma
cor, afirmei que sim.”
(JESUS, 2005, p. 20)
Notamos que o fato de Carolina escrever mexe um pouco com a curiosidade
das pessoas da favela que ela julga serem “projetos de gente humana”
menosprezando ou apenas concordando com o que a sociedade impõem.
Vemos neste trecho a referência religiosa e o maior problema encontrado nas
favelas, o vício do álcool que hoje em dia mudou o entorpecente, mas não o
problema
“Levantei cinco horas para ir buscar agua. Hojeé domingo, as favelas
recolhem agua mais tarde. Mas, eu já habituei-me levantar cedo. Comprei
pão e sabão. Puis feijão no fogoe fui lavar roupas. No rio chegou Adair
Marthias, lamentandoque sua mãe tinha saido, e ela tinha que fazer
almoço e lavar roupas.Disse que sua mãe era forte, mas que agora lhe
puzeraram feitiço. Que o curador disse que era a feiticeira. Mas o feitiço
que invadea familia Mathias é o alcool. Esta é a minha opinião.”
(JESUS, 2005, p. 23/24)
É possível notarmos que mesmo uma favela possui uma organização, neste
sentido a busca pela água. Não é de hoje que a água encanada não chega nas
casas de pessoas pobres e que esse problema social é comum até hoje. Carolina
descreve todo o processo da favela, onde todos pagavam uma taxa altíssima de
água, mensalmente, e todos os dias saiam com baldes para pegar água.
A presença de um religioso na construção de um espaço é importante,
enquanto que o centro possui uma igreja católica, nas favelas quem ocupa este
espaço são antigos africanos ou indígenas que atendem receitando remédios e
fazendo rezas, nesta favela chamado-o de “curador”.
Também havia uma pessoa responsável pela luz, que na maioria das favelas,
não possuindo espaço para os postes de luz, são feitas ligações clandestinas, no
contexto desta favela havia uma pessoa responsável por fazer a manutenção da
rede de energia elétrica.
“O fio não dava para ligar a luz. Precisava emendá-lo. Souleiga na
eletricidade. Mandei chamar o senhor Alfredo. que é o atual encarregado
da luz. Ele estava nervoso. Olhava o senhor Binidito com despreso. A
Juana que é esposa do Binidito deu cinquemacruzeiros para o senhor
Alfredo. Ele pegou o dinheiro.Não sorriu. Mas ficou alegre. Percebi pela
sua fisionomia. Enfimo dinheiro dissipou o nervosismo.”
(JESUS, 2005, p. 28)
A relação com o dinheiro também descrito neste relato, sendo que é sob o
signo do dinheiro que os favelados não passam fome, além de ser esse seu maior
problema. Em mundo capitalista, os moradores da favela só querem sobreviver.
“Abri a janela e vi as mulheres que passam rapidas com
seusagasalhosdescorados e gastos pelo tempo. Daqui a uns tempos
estepalitol que elas ganharam de outras e que de há muito devia estar
num museu, vão ser substituidospor outros. E os políticos que há de nos
dar. Devo incluir-me, porque eu tambem sou favelada.Sou rebotalho.
Estou no quarto de despejo, e o que está no quarto de despejo ou
queima-se ou joga-se no lixo.”
(JESUS, 2005, p. 35)
A relação do título é interessante ser pensada, pois há uma comparação e
uma simbologia entre a favela e um quarto de despejo. Esta comparação se faz
importante para entendermos o espaço, o que se encontra em quarto de despejo?
Alguns móveis velhos, roupas surradas, nada de grande valor ou importância, eis
que no meio dos móveis há uma relíquia que deve ser posta em questão. Este
quarto é a favela, enquanto que o quarto é o acúmulo de objetos considerados sem
valor, a favela é o acúmulo de pessoas consideradas pela sociedade sem valor,
porém neste quarto a relíquia é nossa autora.
Fator jornalista Audálio Dantas
Audálio Dantas ao escolher os diários de Carolina para editar, escolhe estes
relatos por serem a voz minoritária onde encontra-se registros do que se passa em
uma favela, portanto um prato cheio para vender. A primeira coisa que Dantas faz no
texto de Carolina Maria de Jesus é revisar a ortográfica, o vocabulário e termos
populares, suprimindo todos os termos considerados “euriditos” e popularizando
outros. Essa revisão constrói uma imagem, afinal a visão de uma favelada não
poderia ser ou ter uma linguagem formal.
Há muitos cadernos escritos por Carolina que não foram publicados, Dantas
diz ter que cortar estes diários por serem muito repetitivos, além disso, a maior parte
reflexiva sobre política é cortada.
Em quarto de despejo Carolina Maria de Jesus é apenas a escritora, a grande
personagem da obra é a favela e seus moradores e isto fica evidente pelo olhar de
Dantas que editou os diários. Após Quarto de Despejo a autora escreve outras
obras como Casa de Alvenaria- Diário de uma ex-favelada, porém não obteve o
sucesso do primeiro, e são nestas obras que se seguem que a identidade de
Carolina é formada, já que em Quarto de Despejo ela é uma personagem
secundária.
REFERÊNCIAS
COMPAGNON, Antoine. O demônio da Teoria: Literatura e Senso comum. Trad.
Cleonice Paes Barreto Mourão. 2. Edição; Belo Horizonte: Editora UFMG, 2010.
JESUS, Carolina Maria Quarto de despejo- Diário de uma favelada. São Paulo:
Francisco Alves, 1960; Ática,
2005.
PEREIRA, Luciara. Do quarto de despejo à sala de estar: aventuras de obra pelo
campo literário. Disponível em
<http://www.letras.ufmg.br/poslit/08_publicacoes_pgs/Em%20Tese%2013/TEXTO%
2009_jj.pdf.> Acesso em 24.02.14 às 9h02min
PERPÉTUA, E. D.Aquém do Quarto de despejo: a palavra de Carolina Maria de
Jesus nos manuscritos de seu diário. Disponível em
<http://seer.bce.unb.br/index.php/estudos/article/download/2182/1740> Acesso em
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Análise da obra Quarto de Despejo e a construção da identidade através do espaço

  • 1. CURSO DE LICENCIATURA EM LETRAS Literaturas Lusófonas III O espaço como formador de identidade: Uma análise de Quarto de Despejo de Carolina Maria de Jesus. Discente: Giovane Duarte. Docente: Prof.Ms. Taiane Porto Basgalupp BAGÉ 2014
  • 2. O espaço como formador de identidade: Uma análise de Quarto de Despejo de Carolina Maria de Jesus O presente trabalho tem como objetivo analisar o livro Quarto de despejo de Carolina Maria de Jesus sob uma perspectiva dos estudos culturais, para isso,discutiremos sobre as definições clássicas de literatura, levando em consideração o quesito literariedade de Antoine Compagnon, além de uma breve apresentação da história dos estudos culturais, arcabouço teórico para esse estudo. Também discutiremos se a obra por ser um diário pode ser considerada literatura ou apenas um relato do dia-a-dia de uma personagem dentro de uma favela. Sobretudo, Quarto de Despejo antes de ser um diário da autora é uma crítica social às barbáries acometidas nas favelas, problemas esses ainda não resolvidos. A construção de uma identidade de uma classe social, de uma raça através da voz minoritária de uma pessoa, nesse caso de Carolina de Jesus é válida para os estudos culturais já que este diário é o primeiro relato desta voz, além disso, as alterações feitas pelo jornalista Audálio Dantas devem ser levadas em conta. Análise da Obra Quarto de Despejo- Diário de uma favelada de Carolina Maria de Jesus foi publicado em 1960 e é caracterizado por um diário de cunho pessoal onde podemos ver o dia-a-dia de uma moradora da favela e a luta diária contra a fome. Porém, pode-se dizer que Carolina Maria é diferente das outras pessoas daquele círculo, pois se destaca por refletir mais e desejar algo melhor indo a busca desse sonho. A linguagem utilizada na obra em partes apresenta-se de forma formal e outras informal, é uma linguagem simples com alguns termos sofisticados, há de se pensar nesse caso o fator Audálio Dantas. A grafia utilizada não corresponde a norma culta padrão da língua portuguesa e isto tem forte caracterização da construção da identidade social da autora. Caso a grafia fosse corrigida, a obra deixaria de ser ‘culturalmente’ importante, sendo esquecida, porém não é o caso. Por ser um diário, os acontecimentos são demarcados por datas exatas, sendo alguns mais curtos e outros mais longos. Fica bem evidenciado o desejo da personagem-autora de mudar a situação em comparação com os outros moradores da favela, além de personagens que a ajudam dando emprego e, outras, comida. Há a forte presença de temas como o feminismo: momentos em que Carolina Maria fala sobre as mulheres que tem maridos e os tem que sustentar e que ela consegue sem grandes problemas assumir os papeis de mãe e de pai da família. O social aparece em todos os aspectos, além da influência do jornalista em suprimir partes pessoais e evidenciar partes onde o espaço“favela”aparece inclusive momentos em que Carolina Maria toca na ferida da sociedade moderna: o governo e
  • 3. seus governadores. Carolina tem total entendimento da política e que ao resolver os problemas dos pobres não é algo muito complicado, bastando os políticos quererem. Esta obra abre muitos espaços para a crítica sócio-histórica e para discussões das políticas da época. Literariedade e Estudos culturais: Definições teóricas Antes de começarmos a falar sobre os estudos culturais e a importância da obra para os mesmos, vamos discutir o que seja literário e o que não é segundo o teórico Antoine Compagnon em O Demônio da Teoria. Para Compagnon um texto para ser considerado literário deve obedecer a alguns parâmetros, deve ter o que ele chama de literariedade que é nada mais, nada menos que um conjunto de normas que todas as obras literárias atendem. Entre essas características comuns destaca-se a linguagem rebuscada; a desfamiliarização do leitor com o texto e a presença de uma rede metafórica cerrada. Logo, como primeira análise, podemos descartar a obra de Carolina de Jesus por não apresentar uma linguagem rebuscada (exceto certos termos duvidosos que discutiremos mais tarde se seriam do texto original ou são asserções do jornalista). Sobre a desfamiliarização é possível se ler a realidade de Carolina como algo exterior e de certa forma grotesco e triste, é estranho pensar que as pessoas passam muita fome, porém essa informação nos é passada diariamente nos meios de comunicação em massa, portanto há uma desfamiliarização, porém não profunda o suficiente para caracterizar a obra literatura. A rede metafórica cerrada não se encontra na obra visto que não é fixação, mesmo não tendo verossimilhança como os relatos que são muito repetitivos e monótonos. Ao pensar o conceito deliterariedadefechamos de certa forma o que é literário deixando de lado obras importantes para outros campos, de certa a forma a lliterariedade é encontrada nos cânones clássicos. Foi a partir deste contexto de fechar o que é literatura que os estudos culturais começaram a aparecer. Ao notar a mudança das classes pós revolução industrial, nota-se que as classes trabalhadoras produziam escritos que eram lidos para aquela classe. Três textos que surgiram nos final dos anos 50, são identificados como as fontesdos Estudos Culturais: Richard Hoggart com The Uses ofLiteracy (1957), RaymondWilliams com CultureandSociety (1958) e E. P. Thompson com The MakingoftheEnglishWorking-class (1963). Essas são os primeiros textos teóricos que utilizam os estudos culturais, o primeiro é, em partes, auto-biográfico, o segundo discuti questões culturais como a cultura comum ou ordinária e a inclusão destas questões nas artes e literatura e o terceiro é um reconstrução da história inglesa contada pelos menos afortunados. Os teóricos considerados precursores dos estudos culturais foram Williams, Thompson e Hoggart, esses três teóricos formam os grandes teóricos dos estudos culturais.
  • 4. É importante salientarmos que, em grande parte, os estudos culturais foram constuídos através da literatura comparada, pois para notarmos que uma cultura é diferente da outra se faz através de uma comparação. Enquanto uma grande massa de teóricos se volta para os clássicos e para a literariedade, os estudos culturais vão a busca das vozes minoritárias e de culturas consideradas menores. Portanto é através dos estudos culturais que textos antes sem importância para a literatura começam a serem resgatados como uma maneira de dar voz à uma classe social, à uma raça e um sexo. Um livro escrito por uma mulher negra, pobre, moradora da periferia é de grande importância para os estudos culturais, tendo em vista que esta escritora representa todo um perfil e não é apenas ela. Identidade e Espaço em Quarto de Depejo “Duro é o pão que nós comemos. Dura é a cama que dormimos. Dura é a vida do favelado.” Carolina Maria de Jesus A favela é o espaço onde se passam os relatos do diário, neste momento discutiremos o espaço como o pertencimento à um grupo social. O espaço onde eu resido é papel fundamental para saber quem sou ou mesmo para me identificar no mundo. As pessoas que moram no centro se identificam como alguém de poder aquisitivo maior (mesmo que não tenha), centro significando ascensão social. Quem mora na periferia da cidade é visto como “marginal” e seus sonhos se pautam na ida para o centro ou para o mais perto possível dele. Pensando estas questões de onde morar devemos pensar no contexto em que as favelas foram se configurando na cidade. Após a assinatura da lei áurea os escravos negros não poderiam morar nas fazendas dos ex-patrões, não podendo morar nas cidades (no centro) foram se acumulando ao redor das cidades montando seus barracos e suas casa irregulares, nesse lugar, também, foram morar outras pessoas que não possuíam condições de morar na cidade e que não se identificavam com o meio onde estavam residindo. Carolina era pobre e negra, moradora de uma favela, porém este espaço não lhe era pertencente, apesar de ter característica físicas e sociais da maioria dos moradores da favela, Carolina era excluída por ser letrada, portanto dentro deste espaço era ela marginalizada dentro da favela. “Nós somos pobres, viemos para as margens do rio. As margens do rio são os lugares do lixo e dos marginais. Gente da favela é considerado marginais. Não mais se vê os corvos voando as margens do rio, perto dos lixos. Os homens desempregados substituíram os corvos.” (JESUS, 2005, p.45).
  • 5. Nota-se uma profunda reflexão do espaço, a sociedade (a pertencente ao centro/poder) tem nesses seres humanos que não possuem condições de viverem no centro como marginais. A questão das favelas terem sido construídas perto dos lixões e tem uma estreita ligação com o lugar onde havia comida e o espaço onde tudo que não valia mais para a sociedade era jogado fora. Buscar a identidade de uma favelada é discutir e compreender o espaço, os diálogos e sua cultura, isto Carolina consegue nos mostrar em sua obra, conseguimos compreender este espaço de pessoas, a identidade delas em relação à identidade de Carolina e sua cultura, tudo através de uma comparação que ela mesma faz. “Hoje éa Nair Mathias quem começou impricar com os meus filhos. A Silviae o esposo já iniciaram o espetaculo ao ar livre. Ele está lhe espancando.E eu estou revoltada com o que as crianças presenciam.Ouvem palavras de baixo calão. Oh! se eu pudesse mudar daqui para um nucleo mais decente.” (JESUS, 2005, p. 10) Logo nos primeiros relatos do diário notamos que Carolina ao descrever os acontecimentos da favela sente-se deslocada deste espaço, sendo que não encontra em seu “barraco” e em seu espaço atual algo positivo. O modo como ela descreve o marido batendo em sua esposa deixa claro que Carolina não deixará nenhum detalhe de sua vida de fora. Notamos também neste trecho um dos motivos dela escolher viver sem marido. “Passou um senhore perguntou-me: - O que escreve? -Todas as lambanças que pratica os favelados, estes projetos de gente humana. Ele disse: - Escreve e depois dá a um critico para fazer a revisão. Olhou as crianças ao meu redor e perguntou: - Estes filhos são seus? Olhei as crianças. Meu, era apenas dois. Mas como todaseram da mesma cor, afirmei que sim.” (JESUS, 2005, p. 20)
  • 6. Notamos que o fato de Carolina escrever mexe um pouco com a curiosidade das pessoas da favela que ela julga serem “projetos de gente humana” menosprezando ou apenas concordando com o que a sociedade impõem. Vemos neste trecho a referência religiosa e o maior problema encontrado nas favelas, o vício do álcool que hoje em dia mudou o entorpecente, mas não o problema “Levantei cinco horas para ir buscar agua. Hojeé domingo, as favelas recolhem agua mais tarde. Mas, eu já habituei-me levantar cedo. Comprei pão e sabão. Puis feijão no fogoe fui lavar roupas. No rio chegou Adair Marthias, lamentandoque sua mãe tinha saido, e ela tinha que fazer almoço e lavar roupas.Disse que sua mãe era forte, mas que agora lhe puzeraram feitiço. Que o curador disse que era a feiticeira. Mas o feitiço que invadea familia Mathias é o alcool. Esta é a minha opinião.” (JESUS, 2005, p. 23/24) É possível notarmos que mesmo uma favela possui uma organização, neste sentido a busca pela água. Não é de hoje que a água encanada não chega nas casas de pessoas pobres e que esse problema social é comum até hoje. Carolina descreve todo o processo da favela, onde todos pagavam uma taxa altíssima de água, mensalmente, e todos os dias saiam com baldes para pegar água. A presença de um religioso na construção de um espaço é importante, enquanto que o centro possui uma igreja católica, nas favelas quem ocupa este espaço são antigos africanos ou indígenas que atendem receitando remédios e fazendo rezas, nesta favela chamado-o de “curador”. Também havia uma pessoa responsável pela luz, que na maioria das favelas, não possuindo espaço para os postes de luz, são feitas ligações clandestinas, no contexto desta favela havia uma pessoa responsável por fazer a manutenção da rede de energia elétrica. “O fio não dava para ligar a luz. Precisava emendá-lo. Souleiga na eletricidade. Mandei chamar o senhor Alfredo. que é o atual encarregado da luz. Ele estava nervoso. Olhava o senhor Binidito com despreso. A Juana que é esposa do Binidito deu cinquemacruzeiros para o senhor Alfredo. Ele pegou o dinheiro.Não sorriu. Mas ficou alegre. Percebi pela sua fisionomia. Enfimo dinheiro dissipou o nervosismo.” (JESUS, 2005, p. 28) A relação com o dinheiro também descrito neste relato, sendo que é sob o signo do dinheiro que os favelados não passam fome, além de ser esse seu maior problema. Em mundo capitalista, os moradores da favela só querem sobreviver.
  • 7. “Abri a janela e vi as mulheres que passam rapidas com seusagasalhosdescorados e gastos pelo tempo. Daqui a uns tempos estepalitol que elas ganharam de outras e que de há muito devia estar num museu, vão ser substituidospor outros. E os políticos que há de nos dar. Devo incluir-me, porque eu tambem sou favelada.Sou rebotalho. Estou no quarto de despejo, e o que está no quarto de despejo ou queima-se ou joga-se no lixo.” (JESUS, 2005, p. 35) A relação do título é interessante ser pensada, pois há uma comparação e uma simbologia entre a favela e um quarto de despejo. Esta comparação se faz importante para entendermos o espaço, o que se encontra em quarto de despejo? Alguns móveis velhos, roupas surradas, nada de grande valor ou importância, eis que no meio dos móveis há uma relíquia que deve ser posta em questão. Este quarto é a favela, enquanto que o quarto é o acúmulo de objetos considerados sem valor, a favela é o acúmulo de pessoas consideradas pela sociedade sem valor, porém neste quarto a relíquia é nossa autora. Fator jornalista Audálio Dantas Audálio Dantas ao escolher os diários de Carolina para editar, escolhe estes relatos por serem a voz minoritária onde encontra-se registros do que se passa em uma favela, portanto um prato cheio para vender. A primeira coisa que Dantas faz no texto de Carolina Maria de Jesus é revisar a ortográfica, o vocabulário e termos populares, suprimindo todos os termos considerados “euriditos” e popularizando outros. Essa revisão constrói uma imagem, afinal a visão de uma favelada não poderia ser ou ter uma linguagem formal. Há muitos cadernos escritos por Carolina que não foram publicados, Dantas diz ter que cortar estes diários por serem muito repetitivos, além disso, a maior parte reflexiva sobre política é cortada. Em quarto de despejo Carolina Maria de Jesus é apenas a escritora, a grande personagem da obra é a favela e seus moradores e isto fica evidente pelo olhar de Dantas que editou os diários. Após Quarto de Despejo a autora escreve outras obras como Casa de Alvenaria- Diário de uma ex-favelada, porém não obteve o sucesso do primeiro, e são nestas obras que se seguem que a identidade de Carolina é formada, já que em Quarto de Despejo ela é uma personagem secundária. REFERÊNCIAS COMPAGNON, Antoine. O demônio da Teoria: Literatura e Senso comum. Trad. Cleonice Paes Barreto Mourão. 2. Edição; Belo Horizonte: Editora UFMG, 2010. JESUS, Carolina Maria Quarto de despejo- Diário de uma favelada. São Paulo: Francisco Alves, 1960; Ática,
  • 8. 2005. PEREIRA, Luciara. Do quarto de despejo à sala de estar: aventuras de obra pelo campo literário. Disponível em <http://www.letras.ufmg.br/poslit/08_publicacoes_pgs/Em%20Tese%2013/TEXTO% 2009_jj.pdf.> Acesso em 24.02.14 às 9h02min PERPÉTUA, E. D.Aquém do Quarto de despejo: a palavra de Carolina Maria de Jesus nos manuscritos de seu diário. Disponível em <http://seer.bce.unb.br/index.php/estudos/article/download/2182/1740> Acesso em 24.02.14 às 10h34min.