1) A gestão das operações de produção e serviços se tornou mais complexa nos dias de hoje devido a sete fontes principais: a variedade imposta pela concorrência, a variabilidade trazida pela inovação e fatores aleatórios, e a velocidade do fluxo de informações, dos ciclos de vida dos produtos e dos processos logísticos.
2) A concorrência força as empresas a oferecer uma grande variedade de produtos e serviços para atrair clientes, o que aumenta a complexidade dos sistemas de produção.
3)
A reinvenção da sociedade empreendedora curso superior de tecnologia semest...
Pós-Graduação em Engenharia de Produção Lean
1. Pós – Graduação em Engenharia de Produção
Ênfase na Produção Enxuta de Bens e Serviços
(LEAN MANUFACTURING)
A FILOSOFIA DA PRODUÇÃO ENXUTA
(LEAN THINKING)
Textos para Leitura
Prof. Eduardo G. M. Jardim, PhD.
Prof. Ricardo Sarmento Costa, DSc.
2. A Filosofia da Produção Enxuta
SUMÁRIO
Texto 1: A Gestão das Operações de Produção e Serviços nos
dias de hoje......................................................................1
Texto 2: Avaliando o desempenho operacional de um Sistema
de Produção e Serviços ....................................................43
Texto 3: O Pensamento Lean nas operações de Produção e
Serviços .........................................................................89
REFERÊNCIAS ............................................................... 134
3. A Filosofia da Produção Enxuta
1
Texto 1: A Gestão das Operações de Produção e Serviços nos dias
de hoje
Ricardo Sarmento Costa e Eduardo G. M. Jardim
A Gestão das Operações de Produção e Serviços nos dias de hoje
Motivação e objetivo deste texto
Se víssemos um filme de ficção científica há alguns anos, ou lêssemos um livro em que
se especulasse sobre como seria o futuro, provavelmente nos depararíamos com o
sonho de um mundo em que a tecnologia requalificaria nossas vidas para melhor, para o
lazer. Robôs, automação, impressão 3D, armazenamento de dados nas nuvens, drones,
convergência das inovações, redes, realidade aumentada, objetos virtualmente
inteligentes, semiautônomos e conectados uns aos outros, a internet das coisas: no
imaginário do ser humano tudo sugeria (e ainda sugere) um amanhã mais simples, com
mais tempo para curtir a vida, para desfrutar do “ócio criativo”. As coisas maçantes do
cotidiano ficariam por conta das máquinas; conosco, as façanhas do espírito: a criação,
a arte, o esporte, a natureza, as relações humanas, a transcendência.
Surpresa porém: examinamos nossas vidas nos últimos anos e temos a sensação quase
oposta. O tempo foge às mãos, a condução do dia a dia parece se tornar mais e mais
complexa, mais agitada e ansiosa ! É um paradoxo, afinal de contas com tantas
ferramentas potentes e muito mais meios para coordenar e controlar nossas atividades
do que tínhamos quem poderia supor que fossemos terminar nesse corre-corre
alucinado da vida moderna ?
Há vinte e cinco anos, ainda sem celular, internet e computador pessoal em nossas
mãos, tudo de fato tinha ares mais suaves. Nós, por exemplo, autores deste texto,
trabalhávamos então ambos em um instituto de pesquisas durante o dia e à noite,
eventualmente, dávamos aulas em cursos de pós-graduação no Rio de Janeiro. Era
frequente irmos ter com os amigos após a jornada de trabalho em um bar ou chegar em
extraído e adaptado do livro
Produção e serviços: reflexões e conceitos
de Ricardo Sarmento Costa e Eduardo Galvão Moura Jardim
Em publicação, Editora Atlas, 2015, 1o
edição
POR ESTAR ESTE MATERIAL EM FASE DE PUBLICAÇÃO
É vedada a cópia e utilização para outro fim que não a utilização como material de
estudo na Pós-Graduação em Lean Manufacturing da FUCAPI
sem autorização expressa e por escrito dos autores
4. A Filosofia da Produção Enxuta
2
casa com o dia ainda claro, aproveitando a luz do horário de verão e a beleza da
paisagem carioca.
Olhadas retrospectivamente, estas imagens e sensações simples nos dão certa nostalgia.
Parecem já distantes, como se tudo houvesse virado às avessas nesse curto período.
Sem que tivéssemos planejado isso, paulatinamente cruzamos o perímetro da cidade e
passamos atuar em todo o estado, depois na região sudeste, então nos quatro cantos do
país. Hoje, na condução de uma pequena empresa de base tecnológica, desenvolvemos
projetos e cursos em quase todos os estados brasileiros e atuamos em outros países da
América Latina e Europa. Mais dia menos dia haveremos de estar fazendo algo na África
ou no oriente !
A consequência é que – como provavelmente acontece também com vocês – ao acordar
de manhã somos assolados por um lote de e-mails reclamando justa atenção e
solicitando o cumprimento de pendências. Outro lote, porém, nos oferta diversas
oportunidades e novos chamados. Os compromissos e agendas se conectam, se afetam,
se integram. A mudança de planos e prioridades é uma constante. No peito, uma
permanente ansiedade e a sensação de perda de controle e complexidade.
Mas afinal de contas: de onde veio toda essa complexidade?
Sintonizar as percepções sobre a gestão de operações de produção e serviços nos dias de
hoje; compreender o que são os sistemas de produção e serviços; como a gestão das
operações pode contribuir para ganhar clientes, dinheiro e prover utilidade; descrever
introdutoriamente as principais linhas de ação que vêm sendo adotadas por empresas
líderes em seus segmentos de atuação, esses são os objetivos deste texto.
Os 7+1 “Vs” da complexidade nas operações de bens e serviços
A variedade imposta pela concorrência
Possivelmente uma das principais fontes da complexidade na nossa vida contemporânea
é a variedade de coisas que nos comprometemos a fazer todos os dias! Uma coisa é dar
aula em um curso em uma cidade. Outra coisa é dar aula em diferentes cursos e em
muitas cidades. Ainda que o volume total de alunos alcançados fosse o mesmo nestes
dois cenários, o fato dos cursos serem diferentes, terem conteúdos, cargas horárias e
públicos-alvo distintos tornaria tudo mais complexo. Seria preciso pensar as ementas e a
diferenciação entre elas; preparar os materiais; conceber a dinâmica de aula; a forma de
avaliação, e customizar outros tantos aspectos acadêmicos.
A pressão da variedade não ocorre apenas nas nossas vidas pessoais. No contexto
empresarial são também raríssimas as empresas que podem dar-se hoje ao luxo de
fabricar apenas uma estreita faixa de produtos. Aparentemente as causas-raiz são: as
necessidades ilimitadas dos seres humanos e a concorrência. Sim, porque não se trata
mais apenas de encantar o cliente; é preciso que ele considere sua oferta de valor mais
atraente que a de seu concorrente.
5. A Filosofia da Produção Enxuta
3
Como exemplo, tome o caso da indústria de refrigerantes. Somos sete bilhões de
habitantes no planeta, cada um bebe seis, sete copos de líquido por dia. É um mercado
relativamente finito. Como sede não se estoca, quem faz refrigerante e quer crescer
neste mercado tem que preparar-se para concorrer com água, sucos, café, chá, vinhos, a
variedade de coisas com as quais os seres saciam a sede e são ofertadas no mercado.
Com efeito mesmo empresas “ícones” da produção em massa não podem mais
concentrar seus recursos na produção em um único ou poucos SKUs1
. Pergunte a um
leigo quantos diferentes produtos são envasados pela empresa líder de refrigerantes no
mundo? Talvez ele diga: cinco, sete, dez ou algo assim. Pois saiba: são mais que 200
variantes entre marcas tradicionais, marcas locais que foram adquiridas, sucos,
energéticos, chás e muitos outros; sem dizer das opções: normal, diet, light; dos tipos
de vasilhame: vidro, lata, PET e; das alternativas de volume e amarração.
A variabilidade trazida pela inovação e pelo aleatório
Repare! Quando se introduz variedade em um sistema comumente surge também uma
segunda fonte de complexidade: a variabilidade!
Sim, variedade e variabilidade costumam andar juntas. Palavras parecidas, mas com
significados diferentes. Ministre várias vezes um mesmo curso para um mesmo único
público-alvo. Agora, ministre esse mesmo curso para diferentes públicos, ou ainda para
o mesmo público-alvo, mas em diferentes regiões do Brasil. Você se surpreenderá ao
perceber como a execução e o resultado são diferentes. Experiência própria: se a cultura
local não é exatamente a mesma, as expectativas e desejos pessoais também tendem a
variar. O curso é percebido pelos alunos de forma diferenciada. O mesmo acontece se
você apresenta um mesmo conteúdo para estudantes de graduação, de especialização,
de um MBA executivo ou de um mestrado acadêmico. Serão aulas bem diferentes,
mesmo se os slides e dinâmicas forem parecidos.
De modo análogo, em uma empresa, se você faz vários produtos com um mesmo
fornecedor, o grau de controle do processo é mais determinado. Se você já o conhece, a
introdução de um novo produto trará questões novas, é claro, mas sendo o
relacionamento com o canal maduro você pode presumir ou conter mais facilmente a
variabilidade.
Por outro lado, se o aumento da oferta de variedade para o seu mercado traz consigo
fornecedores, processos, materiais ou consumidores não típicos, é plausível, e bastante
provável, que você se depare com variações que não conhece bem ainda, processos não
estabilizados e flutuações imprevistas de desempenho.
Some-se a esse tipo de turbulência, a existência de variáveis aleatórias, fatos que fogem
ao nosso domínio ou à previsão humana. No nível pessoal: a morte, a paixão, os
1
SKU – stock keeping unit, unidade que identifica um item específico de armazenagem ou venda.
6. A Filosofia da Produção Enxuta
4
encontros e desencontros. No nível corporativo: o absenteísmo, a falta de energia,
greves, desabastecimento por algo imprevisto, furtos, quebras de equipamentos, chuvas,
alagamentos, nevascas, terremotos, tsunamis; as intempéries da natureza ! Ou
simplesmente um acidente; uma pessoa passando mal ao seu lado, pedindo socorro.
Como nos planejar para isso ?
Observe que na realidade do mundo contemporâneo, e particularmente nos grandes e
complexos aglomerados urbanos, mesmo pequenos fatos se propagam, se amplificam.
Uma pequena manifestação, a greve de um serviço essencial, uma discussão de trânsito,
até mesmo um evento tolo e fortuito pode suspender a mobilidade de uma grande
cidade.
A velocidade do fluxo de informações
Há uma terceira razão para o mundo das operações, no dia a dia, parecer de pernas para
o ar: tudo se comunica muito rapidamente, velocidade meteórica!
Citamos há pouco nossa memória de há vinte cinco anos atrás. Pois, embora em uma
perspectiva histórica esse seja um período irrisório, o fato é que naquela altura a
comunicação era ainda dominada por carta e telex. A ligação telefônica era cara, o
aparelho de telefone era um bem (listado como um ativo na declaração do imposto de
renda). Ligar da rua dependia de encontrar um “orelhão”2
. Computadores pessoais
tinham custo elevado. Para nós, por exemplo, era ainda um item inacessível ao nosso
orçamento pessoal. Entre pergunta e resposta o tempo parecia passar mais devagar e
ninguém ficava aflito se a resposta a uma carta demorava dias e não minutos. Havia
mesmo um romantismo nessa espera: imaginar o interlocutor abrindo o envelope, lendo
sua carta, preparando a resposta!
Hoje se o computador demora segundos para se conectar ficamos já impacientes. Um
programa de televisão precisa nos conquistar imediatamente antes que seja trocado via
controle remoto. A informação flui e nos alcança por vários veículos. Tudo se sabe, tudo
se copia e se transforma rapidamente. Se a variedade e a variabilidade ao entrar em
cena já nos deixam atônitos, que dirá se esse processo acontece em um fluxo de alta
velocidade e aceleração crescente? É grande de fato a chance de perdermos o fio da
meada.
A volatilidade dos ciclos de vida e a curta validade das novidades
Outra dimensão da velocidade refere-se ao encurtamento dos ciclos de vida dos
produtos. Todos os dias novos produtos e modelos são lançados no mercado. É um mar
de novidades capaz de “afogar” o mais compulsivo dos consumidores.
2
Gíria popular que identifica no Rio de Janeiro e em outras cidades brasileiras os telefones
públicos.
7. A Filosofia da Produção Enxuta
5
O que mais surpreende é que a novidade dura pouco! Pouquíssimo ! O produto entra
hoje na vitrine principal e dois meses depois já é deslocado para um lugar de menor
destaque. Montadoras de automóveis, computadores, celulares, periféricos, automóveis e
cosméticos; produtores de software, fabricantes e prestadores de serviço, praticamente
todos, em todos os segmentos da sociedade, competem em um ritmo frenético de
invenção e moda, fazendo modificações ou mudando por completo o pacote de valor
ofertado em períodos que se contam em meses ou, em alguns mercados, já em semanas
ou dias.
E observe que a fonte de pressão não é só seu cliente ávido por novidade. É dura, meu
amigo, a vida de quem inventa algo ! Você investe em pesquisa e desenvolvimento, arca
com esses custos e “dez minutos depois” é seguido por concorrentes que atalham o
processo e sem arcar com os mesmos custos copiam seus produtos colocando-se par e
passo na competição. Por exemplo: nós como consultores testemunhamos recentemente
uma situação em que uma empresa, líder em seu mercado, teve que adotar como
política alterar continuamente as peças de seus produtos apenas para impedir que a
concorrência as copiasse. É que sua rede de concessionárias espalhada por todo o
território nacional é uma de suas grandes vantagens competitivas e estava sendo usada
predatoriamente pelos concorrentes que para tanto fabricavam produtos com peças
idênticas às suas.
A vagarosidade dos processos logísticos (em contraposição aos fluxos de
informação)
Um fato interessante da correria contemporânea é que enquanto a distância virtual entre
pessoas, empresas e países se encurtou, a distância física não. Através de meu
computador visito a casa de um parente no Canadá instantaneamente pela internet, mas
para abraçá-lo de fato tenho que reservar, com sorte, pelo menos um dia de viagem
entre a minha casa e a dele !
Eis aí mais um elemento gerador de tensão: a vagarosidade dos processos logísticos
frente à velocidade da informação e as expectativas daí derivadas. Em uma época em
que o tempo parece faltar a todos nós, os processos de produção, fornecimento ou
entrega seguem tomando dias, semanas ou meses e são quase sempre fonte provável de
estresse. Já as expectativas não estão nem aí para isso, querem respostas
instantâneas.
Tempos existem na produção e no fluxo entre os elos da cadeia como, por exemplo,
entre o sistema e seus fornecedores ou entre o sistema e seus clientes. À esse respeito
observe que quando os lead-times3
dos processos logísticos são longos, mais expostos
3
Lead-time é o termo em inglês que refere o tempo total de atravessamento de um material em um sistema
de produção ou de um cliente em um sistema de serviço. De forma simplificada pense no tempo que decorre
entre você entrar em uma loja e sair após compra de um produto; ou o tempo entre a encomenda de um
material até o instante em que você o recebe em sua casa; ou o tempo entre o processo receber uma
requisição de serviço e o entregar.
8. A Filosofia da Produção Enxuta
6
ficam à variabilidade e interferências. Se isso é verdade as ações da gestão deveriam
convergir para a busca de fluidez e redução dos tempos. Óbvio, não é? Nem tanto!
Quando a cadeia de suprimento reúne processos que estão distantes uns dos outros; ou
são muito turbulentos; ou quando a gestão dos fluxos é conduzida sob o estresse de
relações de poder desbalanceadas – em lugar de parcerias ganha-ganha – tende a haver
ações defensivas de proteção, seja com estoques ou com antecipações de tempo. A
consequência é que a fluidez desejada fica obstaculizada por eficiências locais; a
complexidade cresce e com ela a chance de erros.
O volume de tarefas, o aumento do alcance e dos impactos
Combinado com a velocidade que avança em desembalada carreira, outro fenômeno
caracteriza também nossos dias: o alcance das nossas ações vem se alargando
consideravelmente. Via telefonia, e-mail e redes sociais pela internet, a metáfora da
“aldeia global” tornou-se realidade e mesmo crianças relacionam-se, hoje, com “amigos”
de diferentes locais do mundo. No nível corporativo então nem se fala: empresas locais
passaram a se relacionar nacionalmente, e as que já atuavam nesse nível lançaram-se
aos mercados internacionais.
A consequência disso é que cresceram os volumes de produção e vendas (o que é bom!).
Mas, em correspondência cresceram também os riscos e as responsabilidades (o que não
é tão agradável assim!). De fato, quanto maiores os volumes, mais impactantes os
desdobramentos de não conformidades, não atendimentos ou atrasos, daí advindo novos
graus de tensão.
Interessante é notar que se de um lado o alto volume traz complexidade de outro não
menos complexo é a situação de quem produz volumes baixos ou unitários. Quem faz
algo irregular ou unitariamente tem menos possibilidade de padronizar ou fazer ganhos
de escala tende a ver-se às voltas com mais incertezas e variabilidade.
O valor dos ativos
Na produção de bens e serviços há dois tipos de problema:
o “doce problema”, que é quando a demanda supera a capacidade;
e o “amargo problema”, que é quando, ao contrário, há mais capacidade que
pedidos.
O “doce problema” é, em tese, bom de ter. De fato, se você pode crescer
incrementalmente sua capacidade de produção, ou ajustá-la com as flutuações de
demanda, esse é um cenário de sonhos. Pense, por exemplo, num processo
fundamentalmente dominado por pessoas, bancadas, ferramentas e ativos baratos.
Exemplo: situações de montagem ou sistemas de prestação de serviços que não
requerem máquinas caras. Quando a capacidade é barata e pode ser contratada ou
comprada paulatinamente pode-se imaginar o sistema crescendo no ritmo da demanda e
tirando o melhor proveito da oportunidade de mercado.
9. A Filosofia da Produção Enxuta
7
Se, porém, o processo é dominado por processos automatizados, com ativos caros,
temos aí mais um dado de complexidade e tensão. Pois, se a demanda cresce
gradualmente, a capacidade de máquina tende a ser provisionada em patamares e
precisa ser providenciada com antecipação.
Isto é, suponha que você tem uma máquina cara com capacidade para processar 100
produtos em certo período. Considere também que você tem uma demanda de 95
produtos que a consome quase que integralmente. Se a sua demanda avançar para 120,
o que você faz? Compra outra máquina? Meio arriscado, não é? Ativos caros significam
um risco a mais para a gestão!
Bem, quanto ao “amargo problema” nem é preciso dizer que grande tensão haverá se
ativos caros ficarem subutilizados. Provavelmente a ineficiência e o baixo aproveitamento
do capital imobilizado deixará o acionista de “cabelo em pé”.
A vaidade e a cegueira de paradigma
Além destes sete fatores geradores de complexidade (variedade, variabilidade, volume,
velocidade, volatilidade, valor e vagarosidade) que de algum modo se originam
externamente - relacionados que estão com a dinâmica do mundo contemporâneo e seu
processo de globalização - há um oitavo aspecto, de natureza mais interna, mais ligada
a nossa própria atitude diante da mudança. Referimo-nos aqui à vaidade ou a “cegueira
de paradigma”. Pesquisas da neurociência mostram que o cérebro humano desenvolve
mecanismos de poupança de energia em buscas de zonas de conforto. Escolher, depois
decidir e então mudar são processos mentais que demandam energia; muitas vezes
manter a posição que estamos traz conforto, calma.
Em tese, procurar calma e conforto diante da complexidade parece sensato, mas se tudo
a volta segue mudando e se transformando manter-se na mesma posição pode,
contrariamente ao propósito, significar estresse elevado. Diz-se que uma causa
recorrente de afogamento no mar é nadar contra a maré. Por outra, se você nadar em
sintonia com a corrente, suavemente, aproveitando o ritmo e sentido das ondas, com
calma e menor esforço chegará à praia são e salvo.
O que nos faz não querer mudar? Por que manter a posição? Uma causa é a que
mencionamos: a hipótese (na maioria das vezes falaciosa) de que onde estamos é a zona
de maior conforto. Outra possibilidade (talvez um pouco menos honrosa) é a de estarmos
tomados pela vaidade, seduzidos pelo próprio ego, encantados com escolhas que fizemos
no passado (e porventura nos trouxeram recompensas). Tais fatos e sucessos muitas
vezes nos iludem, contribuindo para uma certa cegueira de paradigma que nos retém,
paralisa. E quando despertamos, em geral tardiamente, vemos que em lugar do
conforto almejado estamos é “perdendo o barco” e elevando assim a ansiedade à sua
máxima potência.
10. A Filosofia da Produção Enxuta
8
Síntese desta primeira seção e conclusões
Investigamos aqui algumas das causas que estão por trás da complexidade das
operações no mundo contemporâneo. Listamos 7+1 aspectos da realidade que em
combinação trazem grande dificuldade para a gestão articular, consistentemente, as
decisões e ações locais do dia a dia com o nível estratégico, os planos e resultados
desejados pela corporação. A figura 1 resume as fontes de complexidade aqui
identificadas.
Figura 1: Os 7+1 “Vs” da complexidade
O QUÊ CARACTERIZA?
(de quê?)
INDICADOR DE REFERÊNCIA
(no sistema de produção)
A COMPLEXIDADE
AUMENTA QUANDO O
INDICADOR:
1
2
3
4
5
6
7
7+1
VARIEDADE
VARIABILIDADE
VELOCIDADE
VOLUME
VAGAROSIDADE
VALOR
VALIDADE
VAIDADE
(de) PRODUTOS
(de) PROCESSOS
(das) MUDANÇAS
(dos) PEDIDOS
(nas) ENTREGAS
(dos) ATIVOS
(dos) CICLOS DE VIDA
(da) GESTÃO
Nº de diferentes produtos feitos
simultaneamente
Nº de diferentes recursos /
fornecedores usados para a mesma
operação / o mesmo insumo
Diferenças nas quantidades a serem
produzidas de um mesmo produto
Tempo disponível para introduzir um
novo processo ou produto
Tempo necessário para receber ou
entregar um produto
Custo de aquisição ou adaptação
dos recursos
Tempo de vida de um produto no
mercado
Frequência com que clientes são
consultados sobre a sua satisfação
AUMENTA ( )
AUMENTA ( )
AUMENTA ( )
DIMINUI ( )
AUMENTA ( )
AUMENTA ( )
DIMINUI ( )
DIMINUI ( )
11. A Filosofia da Produção Enxuta
9
As doenças da visão global na gestão de operações
A ação local em desarmonia com o objetivo global
Os 7+1 fatores citados na seção anterior operam simultaneamente para o aumento da
complexidade em quase todos os sistemas de produção e serviços do mundo de hoje. A
questão torna-se ainda mais intensa quando tais elementos atuam sobre uma extensa
cadeia de processos que precisa atuar de forma integrada. De fato, uma característica
do nosso tempo é a produção de bens e a oferta de serviços através de grandes sistemas
ou cadeias integradas de suprimento que se configuram em nós espalhados, muitas
vezes, pelos vários continentes do planeta.
Embora, em tese, quando se consolida e se integra diferentes sistemas num único o que
se busca seja exatamente produzir sinergias tais que proporcionem economias globais e
eliminação de atividades anteriormente feitas de modo redundante, por outro lado, o
aumento do número global de recursos e a necessidade de operá-los de maneira
harmônica traz aos sistemas de produção e serviços um crescimento de complexidade
que tende a ser combinatorialmente explosivo. A consequência é que comumente tem-
se dificuldade de ver o todo com nitidez e, muitas vezes sem perceber, induz-se
comportamentos que terminam hostis aos próprios interesses e estratégias competitivas.
Há até mesmo razões matemáticas que explicam isso. Pode-se provar por exemplo que
a complexidade de solução de um problema de programação da produção aumenta muito
mais que proporcionalmente quando o escopo de análise cresce. Com efeito, agendar
quatro clientes em dois recursos, de forma integrada, oferece uma gama de alternativas
muitíssimo superior que o dobro das existentes para o agendamento integrado de apenas
dois clientes nesses mesmos dois recursos4
.
Com o crescimento da complexidade, fica mais difícil a programação e o controle das
operações no dia a dia e, em decorrência, costuma crescer o fosso entre as decisões
locais tomadas no cotidiano e os objetivos estratégicos traçados pelas corporações.
Não faltam situações que ilustram a operação caminhando em um sentido avesso ao
pretendido. E, muitas vezes, isto é consequência de distorções de nossa visão global que,
diante da dimensão do sistema, teima em nos iludir fazendo com que nos confortemos
com ótimos locais que não necessariamente conduzem ao que realmente se deseja.
Tomemos um exemplo típico do campo da Gestão das Operações. Suponha que uma
empresa, por uma definição estratégica, quer ter a pontualidade como seu diferencial
competitivo. Mas, claro, está também preocupada com o uso racional e a rentabilização
dos seus caros ativos. Imagine ainda que, neste instante, há três produtos em carteira
4
O universo de possibilidades de agendamento de dois clientes em dois recursos é da ordem de 2!2
, que é igual
a 4; enquanto o universo de possibilidades de agendamento de quatro clientes nesses mesmos dois recursos é
dado por 4!2
, que é igual a 576, muito mais que o dobro das 4 existentes na situação com dois clientes. Isso
ocorre porque o sequenciamento de n atividades em m recursos é da ordem de n!m
, o que configura um
problema de natureza combinatória explosiva.
12. A Filosofia da Produção Enxuta
10
que devem ser preparados para hoje. Considere que para passar de um serviço para o
outro perde-se cerca de duas horas preparando e ajustando a máquina para o
processamento do novo pedido.
Admita agora que, face à dimensão do sistema, o objetivo estratégico (“ser pontual”)
não tenha sido claramente comunicado ou percebido pela célula de produção local. Ou
pior, ao invés disso, a alta direção tenha decidido medir o desempenho do gerente local
de acordo com a utilização da máquina que processará estes pedidos. Ora, qual será a
provável consequência desse estímulo ao uso eficiente dos caros ativos?
Possivelmente, o chefe local se guiará pela forma como é medido. Para apresentar alta
utilização da máquina ele tenderá a manter em processamento o mesmo produto durante
todo o dia. De fato, se não gastar tempos improdutivos, trocando o produto que está em
processamento, conseguirá o melhor resultado possível de utilização do ativo e ficará
“bem na foto”. Porém, os outros dois produtos que não foram priorizados para
processamento ficarão para o dia seguinte. Ou seja, o objetivo estratégico da
pontualidade acabará traído pelo comportamento local.
A visão global e a sua clara comunicação para a operação é, no mundo contemporâneo,
um fator crítico. A complexidade não é apenas a causa, ou um fator intrínseco aos
sistemas, mas é muitas vezes consequência de uma visão imprecisa, parcial ou
deformada da realidade. Uma percepção errônea sobre os gargalos do sistema, ou a
adoção de medidas de performance que induzem comportamentos locais hostis aos
objetivos estratégicos pretendidos, pode ser o aspecto crítico que retém todo o
desempenho do sistema.
Quais são as principais anomalias que dificultam nossa visão? Poderíamos fazer um
paralelo com as dificuldades que tão frequentemente assolam a gestão da produção e
serviços, obstruindo a visão global do desempenho dos sistemas?
A miopia na gestão de operações
No dicionário da língua portuguesa, miopia é definida como a “condição em que objetos
distantes parecem menos nítidos e aqueles objetos próximos são vistos claramente”.
Que analogia há com a gestão de operações no mundo contemporâneo? Ora, pensemos
no conceito de “produtividade”. Reflita sobre a expressão apresentada na figura 2.
13. A Filosofia da Produção Enxuta
11
Figura 2: A produtividade e a mediação entre as oportunidades e a racionalidade
Produtividade é uma relação entre resultados obtidos por um sistema e os esforços feitos
para alcançá-los. É uma conta de dividir. Pode-se aumentar a Produtividade de duas
formas: potencializando-se os outputs (o numerador da fração) ou reduzindo-se os
inputs (o denominador da fração). Na linguagem de “operações”, o aproveitamento das
oportunidades de negócio, os objetivos, o aumento dos resultados, é o campo da
eficácia; já a desafio pela racionalidade e a economicidade no uso dos meios, a redução
dos esforços, é o campo da eficiência.
Examinemos essas alternativas. Lutar por reduzir o denominador da conta (os esforços
realizados para se obter o resultado) parece ser uma solução atraente e relativamente
simples. Veja: os recursos de produção estão sob controle direto do gestor, estão “perto
dos olhos, perto do coração”. Talvez por isso reduzir os custos de utilização dos recursos
é para muitas empresas o primeiro caminho, a solução mais imediata (e talvez a mais
fácil).
A segunda forma possível de beneficiar o quociente seria trabalhar para alavancar os
resultados, o numerador da conta. Há aí duas situações a considerar. Primeiro: se a
demanda é inferior aos limites de capacidade existentes, os resultados do sistema estão
potencialmente restritos pela obtenção de pedidos no mercado. Isto é, nessa
circunstância gerar mais resultados, ser mais eficaz, depende de mais pedidos, de uma
oferta de valor atraente capaz de suplantar os concorrentes.
Seria portanto o caso de focalizar e desenvolver diferenciais competitivos de valor na
oferta do bem ou serviço e obter assim, se tudo der certo, no médio prazo, o
Os recursos de produção são limitados !
As oportunidades são ilimitadas ...
PRODUTIVIDADE
ESFORÇOS
RESULTADOS
EFICÁCIA
EFICIÊNCIA
14. A Filosofia da Produção Enxuta
12
reconhecimento disso com o eventual adesão do mercado à essa oferta. É um processo
que pode ser longo, e mesmo arriscado, pois depende de variáveis que estão fora do seu
controle. Isto é, não temos como arbitrar as expectativas e sentimentos dos outros
(mesmo que sejam fiéis clientes); tampouco temos como dirigir as ofertas concorrentes
feitas por outros provedores (que provavelmente estão de olho no que estamos fazendo
e não querem ficar atrás). Trata-se pois - o aumento das vendas - uma ação que foge
ao domínio estrito do provedor do bem ou serviço. Por isso, na metáfora da miopia
gerencial, nos referimos às oportunidades comerciais como o elemento mais distante,
mais longe dos olhos, isso quando comparado aos recursos, às máquinas e
colaboradores, que usualmente estão ao alcance das mãos e podem ser eventualmente
descartados ou demitidos numa decisão com impacto imediato.
Mesmo no caso em que a capacidade de produzir é menor que a demanda, o aumento de
resultados não é algo simples; dependerá, provavelmente, de uma gestão sagaz, de uma
compreensão clara sobre o “gargalo” do sistema e seu pleno aproveitamento, bem como
da inteligência de uso dos recursos “não gargalos” como preconiza, por exemplo, a
“Teoria das Restrições”.
Eliminar desperdícios seguramente é saudável do ponto de vista da gestão, mas o perigo
é que sendo esta uma tarefa relativamente mais fácil do que a busca pelo crescimento
dos resultados, pode-se confundir a produtividade com a eficiência (o uso racional dos
recursos) fazendo dessa última não um meio, mas um fim em si mesmo. Essa distorção é
o que chamamos aqui de “miopia gerencial”. Leia-se: ser excessivo na uso racional dos
recursos (que estão ao meu lado) e desconsiderar a importância de prover um valor de
mercado notável, pelo simples fato que o impacto desse posicionamento competitivo está
“longe” para ser alcançado, e portanto não afetará minha avaliação de curto prazo.
Uma razão que de algum modo explica essa distorção é a propriedade cumulativa que
tem o custo. Com efeito, um real de custo tem o mesmo valor, seja gasto com o
cafezinho ou com a máquina mais importante da empresa. Se você quer uma redução
global de 10% basta comandar uma redução de 10% em cada departamento, e se todos
localmente cumprirem o estabelecido a redução global será de 10%.
Já quando se fala de resultado ou de ganho a conta não fecha assim de forma tão fácil.
Um real gasto em um recurso com folga de capacidade pode não significar nada no
resultado, talvez apenas mais ociosidade nesse recurso. Já um real gasto em uma área
“gargalo” tem impacto global. Enquanto o custo se acumula de forma aditiva, o ganho
requer um entendimento mais apurado da cadeia de valor para sua potencialização.
Em suma, o que é, então, a “miopia gerencial”? Reflita sobre a fórmula da
produtividade: se você reduz o denominador, o quociente aumenta; se você reduz mais
um pouco o denominador, o quociente aumenta mais um pouco. Mas, cuidado! Se a
redução de custo minar a sua oferta de valor em um mercado competitivo, o numerador
pode despencar e o feitiço virar contra o feiticeiro. Se isso acontecer, a economia
pretendida se torna uma miragem. Veja a figura 3. Se redução de despesas ocorre mas
provoca queda nas vendas cai o custo unitário. Pense ainda: se o denominador chegar a
zero, qual resultado você obtém?
15. A Filosofia da Produção Enxuta
13
Figura 3: Se as vendas caírem a redução de despesas pode virar miragem
A hipermetropia na gestão de operações
Se a miopia gerencial é o foco excessivo na eficiência, a hipermetropia gerencial seria o
oposto: um sistema excessivamente seduzido pelas oportunidades, pela eficácia mas
desatento à estruturação racional dos meios. No dicionário: “disfunção ocular que faz a
pessoa enxergar melhor de longe que de perto”.
É fato: diante do ilimitado do mundo, da dinamicidade das situações de mercado e do
ritmo frenético de inovação, muitas organizações tornam-se igualmente frenéticas,
“nervosas”, e se deixam dominar, demasiadamente, pela sedução da “nova
oportunidade”.
Está mudando positivamente o cenário de mercado? A empresa reage logo alterando
seus objetivos! O mercado se retrai? Imediatamente o plano é modificado! No afã de
aproveitar as oportunidades muda-se o tempo todo de meta e consequências danosas
começam a surgir.
Com efeito, nos sistemas de produção atuais, frequentemente grandes e integrados, a
constante mudança na ponta de venda gera ondas de turbulência que tendem a se
propagar danosamente pela cadeia de suprimentos. A informação flui, mas sendo um
fato novo, repentino, tende a gerar estresse e incerteza, amplificando-se a cada nó da
cadeia, que tende a prevenir-se de “sustos” futuros, adicionando proteção de estoques
de segurança (e por consequência lentidão) na sua esfera de controle local.
Além disso, como entre a tomada de decisão e a passagem da informação tende a haver
defasagem de tempo, a turbulência não só se amplifica, mas também se defasa, fazendo
Resultado / esforço = Produtividade
Esforço / Resultado => revela a mesma ideia
Despesa total / Quantidade vendida = Custo unitário
100.000 / 20.000 = 5,00
98.000 / 20.000 = 4,90
mas
98.000 / 19.000 = 5,16
Outros cenários para pensar:
102.000 / 21.000 = 4,86
98.000 / 21.000 = 4,67
16. A Filosofia da Produção Enxuta
14
com que quando lá no ponto de consumo o movimento de retorno começa, a base da
cadeia, por vezes, ainda está reagindo à situação oposta e seguindo para outra direção5
.
Por exemplo: imagine que por algum motivo o mercado se aqueceu. Essa informação é
passada pela ponta de venda ao supridor e assim por diante. A cada elo da cadeia, a
tendência de nos protegermos do desconhecido, faz com que as reações se amplifiquem.
Além disso, como há um tempo entre o estímulo e a resposta, a cada passo vai também
se estendendo mais e mais a defasagem em relação ao fato original. No fim das contas,
frequentemente, a onda inicial já começou a se inverter (por exemplo, o mercado
começou a cair) e a ponta oposta da cadeia de suprimentos está ainda reagindo ao
primeiro impulso, como se o mercado ainda estivesse aquecido.
A consequência é que o custo global da cadeia cresce. Em correspondência, cresce o
custo unitário do produto final que assim perde competitividade em relação à
concorrência. O sonho de aproveitar a oportunidade de venda que na origem alimentou
toda a história acaba minado pela baixa competitividade em preço, tempo, pontualidade,
qualidade e flexibilidade decorrente da má gestão da cadeia de suprimentos.
Outro dano decorrente de uma postura nervosa em relação às oportunidades diz respeito
à dificuldade dos processos amadurecerem. A constante mudança de foco nas prioridades
dificulta o aprendizado e a estabilização dos processos.
Qual é, então, a metáfora contida no termo “hipermetropia gerencial”? Voltemos a
“fórmula” da produtividade apresentada na figura 2.
Você tem um tino apurado para as oportunidades, fareja as chances mesmo aquelas que
parecem distantes e competentemente alavanca com agilidade os resultados – o
numerador da conta. Mas, não percebe claramente os custos globais que decorrem
dessa ação e produzem turbulência em toda a cadeia. Tampouco estrutura
adequadamente os processos que reincidem em erros de forma grosseira e ineficiente. O
numerador da conta da produtividade aumenta mas o denominador cresce também mais
que proporcionalmente e o pobre quociente, em lugar do esperado aumento, despenca.
De novo, o feitiço vira contra o feiticeiro. Pense bem: se em uma fração o numerador
(receitas do sistema, por exemplo) é maior que o denominador (despesas do sistema,
por exemplo) e você soma uma unidade a cada uma dessas parcelas, o que acontece
com o quociente? Ele cai, não é mesmo? Se o aumento do resultado for neutralizado
pelo aumento do custo global o ganho de resultado pretendido vira uma miragem.
O astigmatismo na gestão de operações
Uma terceira e conhecida anomalia da visão é o astigmatismo. Segundo o dicionário o
astigmatismo é uma “condição ocular em que o olho não consegue focar a luz
uniformemente em todas as direções”. Que analogia cabe aqui com o mundo das
operações?
5
Na literatura de “Gestão de Operações” esse fenômeno é conhecido como “efeito chicote”.
17. A Filosofia da Produção Enxuta
15
Tomemos como base o conceito de qualidade. Em sentido amplo, a qualidade na
produção ou em serviços focaliza a satisfação de todos os interessados no sistema. Não
apenas os clientes finais, mas também os colaboradores, os parceiros, os fornecedores e,
seguramente, os acionistas, que, afinal de contas, investiram na instalação do sistema e
esperam remunerar seu capital consistentemente.
Se quisermos tomar o conceito da qualidade ainda mais amplamente deveríamos
considerar, também, o interesse social no que toca à sustentabilidade do meio ambiente,
o pagamento regular dos impostos devidos ao governo, a segurança do trabalho e a ética
empresarial, tudo dentro do entendimento de que um sistema capaz de produzir
satisfação em todos os seus stakeholders6
é aquele de fato preparado para obter
sucesso, de forma duradoura e sustentada, mesmo em um contexto competitivo.
Conforme ilustra a figura 4 a seguir, o desafio da qualidade, no contexto da gestão de
operações, tem uma característica omnidirecional, devendo o gestor desenvolver uma
visão abrangente e equilibrada dos vários interesses e pontos focais envolvidos na
questão.
Figura 4: A qualidade e a satisfação de todos
Ora, o que seria então o “astigmatismo gerencial”? A resposta é exatamente a que está
no dicionário! É quando a visão global não consegue focar o olhar uniformemente em
todas as direções.
Imagine um sistema que:
6
Stakeholders são os “os interessados” em um determinado sistema de produção, nomeadamente: clientes,
acionistas, colaboradores, parceiros, fornecedores, governo e sociedade.
QUALIDADE
SATISFAÇÃO DE TODOS
Governo
Sociedade
18. A Filosofia da Produção Enxuta
16
no afã de cumprir um plano de venda ou uma meta financeira do acionista
desconsidera a qualidade do produto percebida pelo cliente;
constrói um bom produto, mas o faz pondo em risco o trabalhador ou o submete a
uma condição antiergonômica de trabalho;
abusa do poder de compra e estabelece com o fornecedor uma relação de
subordinação sem nenhuma visão de parceria;
faz bons produtos, ganha bom dinheiro, tem os colaboradores motivados, porém
destrói o meio-ambiente e tem a sociedade contra si;
proporciona valor para todos, mas o faz via corrupção a expensas da ética e/ou dos
direitos do consumidor.
Síntese desta segunda seção e conclusões
Foram aqui discutidas três típicas distorções comumente incorridas por empresas no
enfrentamento da complexidade inerente à gestão dos sistemas de produção e serviços
nos dias de hoje. Metaforicamente, foram conceituadas a “miopia gerencial”; a
“hipermetropia gerencial” e o “astigmatismo gerencial”. A figura 5 resume brevemente
esses três conceitos.
Figura 5: As doenças da visão global na gestão das operações de produção e serviços
1 A miopia
gerencial
Quando a gestão fica excessivamente concentrada nas reduções de custo
(que estão perto dos olhos) e acaba empobrecendo a oferta de valor aos
clientes (um aspecto que só reverterá em resultado mais à frente).
2 A hipermetropia
gerencial
Quando a gestão fica excessivamente concentrada nas oportunidades (de
curto prazo) e acaba não estruturando os processos e não retendo
aprendizado (para o longo prazo).
3 O astigmatismo
gerencial
Quando, em nome do resultado econômico ou comercial, são
desconsiderados aspectos como: a motivação dos colaboradores, o
sentido de parceria na relação com fornecedores, o respeito ao meio-
ambiente, a segurança do trabalho, o pagamento de obrigações sociais, o
respeito à ética empresarial e a utilidade social
Três filosofias de gestão de operações para lidar com a
complexidade
São tantas as armadilhas no dia a dia; tantas as chances de, no enfrentamento das
questões locais, perdermos a visão do todo que precisamos pensar: o que fazer para
lidar com a complexidade das operações e não perder o rumo?
Vejamos, a seguir, as três principais filosofias de gestão de operações que as empresas
industriais e de serviços têm procurado seguir nessa busca.
19. A Filosofia da Produção Enxuta
17
A gestão das operações com foco na integração (e a Gestão Integrada da
Rede de Suprimentos)7
O mundo está rápido e complexo? Estou perdendo a visão global e tudo parece
fragmentado? Como recuperar a percepção do todo e enfrentar a velocidade e a
complexidade? Ora, quem tem capacidade de velozmente processar uma extensa
massa de dados? Elementar, meu caro! O computador, é claro!
Sim, a tecnologia é uma óbvia resposta para o enfrentamento da aceleração do mundo. A
vida está corrida e afobada, não há tempo para nada e perde-se muitas horas em
deslocamento no trânsito e em aeroportos. Que tal ir ao shopping e comprar um celular
ou um tablet com acesso à internet e as redes sociais ou um notebook potente e leve,
que se possa portar por aí? Se o mundo corre, corro também eu, fazendo uso de meios
tecnológicos avançados.
A empresa comprou várias plantas, em diferentes lugares, cada uma faz vários produtos,
relaciona-se com diferentes clientes. Que tal comprar um sistema computacional
integrado e padronizar os processos de gestão? Colocar sensores nos equipamentos para
capturar seu desempenho em tempo real e acioná-los automaticamente? Etiquetar
produtos e materiais com “tags eletrônicos” inteligentes para que revelem sua localização
e se relacionem autonomamente com os recursos de produção sem intervenção humana?
Aproximar-se do cliente com sistemas inteligentes que armazenam informações sobre
seus hábitos de consumo e interesses, de forma a tentar adivinhar a sua necessidade? E,
porque não integrar estas várias informações em uma base de dados centralizada,
calculando-se perdas e ganhos, e disponibilizar no notebook que fica na mesa do
presidente da empresa o resultado global de todo o sistema atualizado, em tempo real?
Que tal (re)integrar os sistemas usando a tecnologia?
O sonho do sistema de produção robotizado e integrado pelo computador há muito povoa
o inconsciente da humanidade. Intuído nos livros e filmes de ficção científica ou
experimentado nas viagens interplanetárias não tripuladas, esse ambiente cibernético foi
aos poucos se infiltrando nas nossas vidas e, hoje, é de fato plausível pensar-se em
sistemas com grande grau de automatização operando no cotidiano de forma
semiautônoma.
No campo da gestão, esse imaginário de enfrentamento da complexidade via tecnologia é
fomentado pelas consultorias especializadas em sistema integrados de gestão8
,
programas computacionais cujas rotinas orbitam em torno de uma base de dados central
que abrange, hoje, quase todas as operações da empresa.
7
Em inglês, Supply Chain Management.
8
No mundo os sistemas integrados de gestão mais difundidos são o SAP e o ORACLE. No Brasil merece
destaque entre outros a TOTUS que integrou as experiências bem sucedidas da MICROSIGA, RM, DATASUL e
LOGIX, dentre outros.
20. A Filosofia da Produção Enxuta
18
Figura 6: A cadeia de valor integrada pela tecnologia
Para além do cenário ilustrado na figura 69
, tal abordagem evolui hoje a passos rápidos,
no caminho da integração, também, de toda a cadeia de valor, abrangendo
verticalmente as estruturas de suprimento, desde a fonte de matérias-primas até a
distribuição (o fornecedor do meu fornecedor e o cliente do meu cliente), e incluindo a
experiência do consumo pelo cliente final na ponta final da cadeia de valor e a logística
reversa de reciclagem até de volta a origem dela.
A gestão das operações com foco nas restrições (e a Teoria das Restrições10
)
O mundo está rápido e complexo? Você sente-se perdendo a visão do todo? Que tal,
antes de sair automatizando tudo, entender melhor seus próprios processos? Separar o
importante do desimportante: o trigo do joio. Sim, se você não faz isso corre o risco de
integrar e acelerar processos ineficientes.
Suponha que para lidar com a complexidade no nível pessoal, em lugar de notebook e
celular, você resolvesse aplicar seu dinheiro em psicanálise. Resolvesse entender melhor
seus mecanismos mentais, seus comportamentos; optasse por concentrar-se em
descobrir as questões que lhe paralisam, lhe retêm; e como gerenciá-las, concentrando
seus esforços nas questões realmente críticas. Será que é mesmo tudo no entorno que
está complexo ou há algo segurando você? Algo que, se você compreendesse e
9
CRM – Consumer relationship management (gerenciamento do relacionamento com o consumidor).
CAD – Computer aided design (projeto do produto apoiado pelo computador).
CAM – Computer aided manufacuring (fabricação apoiada pelo computador).
CAPP – Computer aided process planning (planejamento da produção apoiado pelo computador).
RFID – Radio frequency identification (identificação eletrônica por rádio frequência).
DRP – Distribution requirement planning (planejamento das necessidades de distribuição).
ERP – Enterprise resource planning (planejamento dos recursos da empresa).
SCM – Supply chain management (gestão integrada da cadeia de suprimentos).
10
Em inglês Theory of Constraints.
21. A Filosofia da Produção Enxuta
19
gerenciasse melhor, desanuviaria e faria fluir melhor todas as suas demais questões e
relações.
No contexto corporativo também, frequentemente, há um ou poucos processos que
retêm todos os demais e limitam o faturamento. Nessas circunstâncias, é inócuo forçar
os recursos que antecedem estes “gargalo” no fluxo de produção, pois ele é uma
limitação mais forte e barra a fluidez do sistema. Pense: pouco importa quão grande
seja o diâmetro de uma garrafa, o fluxo de saída do líquido nela contido é limitado pelo
seu gargalo.
Para entendermos melhor, tomemos um exemplo corporativo fictício (mas como algumas
tintas bem reais). Suponha um grande sistema de produção e logística que de forma
integrada são executados três grandes processos: (i) a extração de um metal precioso no
interior de um país; (ii) o transporte do produto por linha férrea e (iii) a exportação
através de um porto no litoral. Onde está a riqueza?
Um leigo tenderá a dizer: a riqueza está na mina, claro! Mas, vamos supor que a
capacidade de produção da mina neste instante supera a capacidade de transporte da
linha de férrea, e que esta é, por seu turno, mais restrita que a capacidade de embarque
do porto. Nessa hipótese, quem limita a geração de riqueza do sistema é a estrada de
ferro, certo? Pois não é possível faturar nenhum real a mais que o referente ao minério
transportado na linha. Não é possível vender o minério se ele não for transportado até o
porto ! E pouco adianta uma grande capacidade de embarque no porto se não houver
minério para exportar.
Se a eficiência da mina aumentar e mais minério for extraído por hora, qual será o
impacto disso no resultado global? O que acontecerá com o material excedente que
porventura vier a ser disponibilizado pela mina para transporte, mas não tiver como ser
transportado imediatamente? Haverá faturamento adicional ou, muito ao revés, o que
haverá será o aumento das despesas operacionais para extrair o minério e para
armazená-lo até que chegue a sua vez de transporte?
No contexto da gestão de operações, este tipo de reflexão caracteriza a Teoria das
Restrições. Segundo essa abordagem, gargalos e não-gargalos têm papel distinto na
gestão e entender isso é o “fio da meada”. Com efeito, é o pleno aproveitamento da
capacidade do gargalo o que potencializa os resultados (o numerador da produtividade),
enquanto a gestão apropriada dos não-gargalos garante o fluxo de produção e contém as
despesas operacionais (o denominador da produtividade).
Nessa perspectiva, o segredo para o enfrentamento da complexidade das operações
está:
1. no entendimento da cadeia de valor e dos objetivos do negócio;
2. na identificação do “gargalo” de capacidade e/ou restrições críticas que limitam o
faturamento;
3. no aproveitamento pleno da capacidade limitante existente no recurso crítico;
4. na subordinação da operação dos “não-gargalos” ao ritmo de produção do “gargalo”,
focalizando a redução da despesa operacional global e a fluidez do sistema;
22. A Filosofia da Produção Enxuta
20
5. na elevação do limite de capacidade do gargalo (o que, provavelmente, levará ao
surgimento de um novo “gargalo” no sistema e, consequentemente, ao retorno ao
passo ii, recursivamente, até que no limite o “recurso crítico” passe a ser o mercado.
A figura 7 ilustra, resumidamente, a logística preconizada pela Teoria das Restrições,
assinalando que os recursos que antecedem ao gargalo de um sistema não devem
antecipar-se. Isto é, devem ser “puxados” pelo gargalo, enquanto os que o sucedem
podem ser “empurrados”, ou seja, acionados assim que o material oriundo do gargalo ali
chegue.
Figura 7: A cadeia de valor gerenciada de acordo com as suas restrições
A gestão das operações com base no fluxo e na simplificação (e o
Pensamento Enxuto11
)
O mundo está rápido e complexo? Estou perdendo a visão do todo? Que tal, em lugar do
computador ou da psicanálise, rever nossas escolhas e tornar a vida mais simples?
Driblar os “Vs” da complexidade. Ora, se a complexidade vem da variedade e do volume
de coisas processadas no “continente”, porque não dividir o problema em pequenas
“ilhas”? Problemas menores, complexidade menor. “Small is beautiful!”, dizem com
propriedade os ingleses.
Haverá sempre quem argumente contrariamente: se particiono o problema, aí mesmo é
que perco a visão do todo e a lentidão se torna generalizada. Será mesmo? Bem,
depende. Depende de como você “divide o bolo”.
Analisando a figura 8, se o sistema é particionado departamentalmente ou
funcionalmente, talvez de fato a visão do objetivo final perca-se diante da busca de
eficiências locais (lembre-se do perigo da miopia gerencial !). Mas se por outro lado o
corte é longitudinal, no sentido cliente-fornecedor, as pontas da cadeia de valor tendem
a se aproximar viabilizando, quem sabe, um fluxo de valor contínuo e eficaz entre a
demanda e o suprimento. Se assim for, o particionamento traria coesão, não
fragmentação, e isso nos faria enxergar com mais clareza a conexão entre as ações
locais e seu impacto global, na entrega do valor ao cliente final.
11
Em inglês, Lean Thinking.
23. A Filosofia da Produção Enxuta
21
Pense, por exemplo, em células trabalhando em paralelo, cada qual focada e
integralmente dedicada a fazer uma quantidade limitada de produtos ou serviços
semelhantes. Enfatizando o fluxo, aproximam-se os elos da cadeia e diminui-se a
variabilidade e a vagarosidade da cadeia logística. Com efeito, se os sistemas são
menores e conectados pode-se trabalhar mais facilmente a confiança e a parceria entre
os elos da cadeia, evitando-se duplicação de esforços e controles com grande
simplificação da gestão.
Figura 8: Divisão por áreas funcionais ou por família de produtos
E é daí que decorre o “pulo do gato” da filosofia do pensamento enxuto: alcançando-se a
fluidez e com o problema de gestão simplificado, porque não delegar a gestão (ou pelo
menos alguns graus de planejamento e controle) para os próprios operadores que fazem
o produto ou o serviço?
Alguém dirá: ilusão! Nossa mão de obra é despreparada, não há como delegar o desafio
gerencial. E, ainda, na linha da contra-argumentação: o que precisamos é de gerentes
sagazes, capazes de liderar com competência o processo de solução de problemas. E
ademais, responsabilidade não se delega!
Claro que não se discute a importância da liderança na inovação e melhoria operacional,
mas a julgar por estatísticas comprovadas em sistemas de produção repetitiva, cerca de
80% dos problemas que acontecem, cotidianamente, e penalizam o resultado, são
problemas simples e têm soluções já conhecidas!
Será de fato que um adulto que gerencia sua própria vida, que providencia alimento,
residência e escola para os filhos não é capaz de resolver um pequeno problema cuja
solução já é conhecida? Será que a causa-raiz desse distanciamento é de fato ele, o
operador, ou sou eu, o gerente, que o confino num papel meramente operacional e
reativo? Será que não é mesmo possível motivá-lo para o processo de solução de
problemas? Será que não é possível organizar previamente planos de contingência e
24. A Filosofia da Produção Enxuta
22
treiná-lo para a execução desses planos quando pequenas questões ligadas ao seu posto
de trabalho porventura ocorrerem?
É verdade que responsabilidade não se delega, no entanto, é mérito e boa estratégia
para lidar com a complexidade dos dias de hoje delegar, aos colaboradores, parcelas da
autoridade que você, líder, detém sobre a solução dos problemas que afetam sua equipe.
Ou você acabará virando o “gargalo”!
Fica então para reflexão a pergunta-chave: é o colaborador mais simples de nossas
empresas que não está preparado para esse desafio ou é o nosso sistema de gestão que
não está? Se o colaborador que está diante de um problema no seu posto de trabalho,
estivesse motivado a resolvê-lo e tivesse ao alcance a informação sobre o plano de
contingência a implementar, será mesmo que ele não teria condição de participar do
processo de solução de problemas?
Tomemos um exemplo simples para pensar: um jogo de futebol! O time A, mais forte
tecnicamente, está pressionando o time B, mais fraco, há uma hora, sem fazer gols.
Domínio total, mas nada de gol.
Então, finalmente, um tento. Um a zero, passa a dizer o placar. De repente tudo muda.
O time B, inferiorizado no escore avança e inverte as posições, parte para cima. O time A
que estava com controle do jogo recua. É algo um tanto incrível, são os mesmos onze de
cada lado, o mesmo campo, a mesma bola. Mas, de repente, o jogo parece outro. O que
mudou? O placar! O time B, mesmo sendo mais fraco, sabe que agora está atrás do seu
objetivo, sabe o tempo que lhe resta, tenta recuperar o terreno perdido sem que
ninguém lhes sopre isso no ouvido. Instintivamente, os jogadores correm atrás do
prejuízo. Acontece todos os dias.
Pense nesse exemplo do futebol e reflita: se o operador de um posto de trabalho
soubesse sua meta de produção local, hora a hora; se coubesse a ele próprio
acompanhar o andamento do seu trabalho; se tivesse consciência do placar (realização
versus meta) e de sua capacidade de produção horária (a capacidade técnica máxima de
produção); será que este operador não reagiria, também, instintivamente quando se
visse em atraso – como faz o time que está perdendo?
E ainda: se, logo abaixo do placar, o chefe houvesse preparado e afixado ali um plano de
contingência do tipo “se” acontecer isso “então” faça aquilo “ou” alerte alguém, será que
o operador não estaria apto a transformar-se de fato no grande personagem da solução
rápida dos problemas que assolam o cotidiano, deixando assim de ser mera “mão de
obra” e tornando-se uma autêntica “cabeça pensante”?
Simplicidade, fluxo, delegação e melhoria contínua: pedras fundamentais da filosofia
LEAN, a filosofia da Produção Enxuta. Se você conseguir dividir o seu sistema complexo
em um arquipélago de “ilhas” simples, ágeis e semiautônomas, talvez você encontre uma
bela saída para se diferenciar no mercado competitivo dos dias de hoje. E lembre-se:
melhor do que resolver maravilhosamente um problema é não tê-lo12
.
12
Uma descrição detalhada do Pensamento Lean é feita no capítulo 3
25. A Filosofia da Produção Enxuta
23
Síntese desta terceira seção e conclusões
Nesta seção apresentamos introdutoriamente aquelas que são, possivelmente, as três
abordagens de gestão de operações mais disseminadas na sociedade visando o
enfrentamento das questões trazidas pelo mundo contemporâneo. A figura 9 expõe os
pontos focais dessas três grandes filosofias de gestão aqui citadas.
Figura 9: As principais abordagens para enfrentamento da complexidade nos
sistemas de produção e serviços
Foco da
abordagem
Tecnologias de
gestão que adotam
este foco
Proposição filosófica quanto à
complexidade na Gestão das
Operações
A gestão com
foco na
integração das
operações
CIM (Computer
integrated
Manufacturing)
ERP (Enterprise
Resource Planning)
SCM (Supply Chain
Management)
Diante da complexidade, a visão global é
resgatada com forte apoio da tecnologia de
informação e automação.
As informações corporativas são
consolidadas em uma base de dados
centralizada que se conecta
automaticamente com as plantas,
supridores e clientes.
A gestão com
foco nas
restrições da
operação
ToC - Theory of
Constraints
(Teoria das Restrições)
Diante da complexidade, o resultado global
é potencializado pela identificação e
aproveitamento máximo do gargalo do
sistema.
Os recursos não-gargalos têm sua gestão
subordinada ao ritmo de produção do
gargalo, evitando antecipações
desnecessárias de produção e procurando
garantir a fluidez do sistema ao longo da
cadeia de valor.
A gestão com
foco na
simplificação e
agilidade da
Operação
LEAN THINKING
(A filosofia da Produção
Enxuta)
Diante da complexidade, agilidade e foco são
conquistados pela simplificação e eliminação
de desperdícios e um amplo envolvimento das
equipes de linha de frente com a solução de
problemas.
A melhoria contínua dos processos é buscado
por células de trabalho semi-autônonas
focadas e o fluxo de trabalho é direcioando
para a demanda em fluxo contínuo.
Os sistemas de “Produção e Serviços”
Nas fábricas, lojas, construções, restaurantes, eventos, escolas, hospitais, escritórios e
aeroportos, onde quer que formos nos dias de hoje, vamos nos deparar com situações de
Produção e Serviços. E o que as caracteriza?
Bem, quando pensamos num sistema de produção e serviços de pronto nos vêm a
cabeça dois personagens ! E junto com eles um enredo, um objetivo. O objetivo
poderia se dizer que, em sentido amplo, é atender uma necessidade ou agregar valor
26. A Filosofia da Produção Enxuta
24
para alguém. Esse é o real significado da palavra Produção nos dias de hoje, como
ressalta a figura 10.
Figura 10: O conceito atual de produção que abarca além da produção de bens
também a prestação de serviços
Já os dois “personagens” necessários para que a “peça da produção” se passe no
“cenário produtivo” são: o que deseja ter satisfeita a sua necessidade e o que se decide
a tentar satisfazê-la. Em outras palavras: o cliente e o Produtor do bem ou Prestador do
serviço.
Para atender as necessidades do cliente o Produtor/Prestador usa recursos e processa
coisas de forma a configurar a entrega desejada pelo Cliente. E que coisas são essas que
são processadas?
A resposta mais imediata a essa pergunta que tende a vir a nossa mente são os
materiais, insumos, coisas assim. Talvez porque lá atrás no tempo o imaginário da
Revolução Industrial tenha deixado gravado no nosso inconsciente a associação entre
produção e transformação de materiais. Isso de fato se revela no conceito
tradicionalmente atribuído ao termo “Produção”, muito referido aos setores primário e o
secundário da economia como é descrito também na figura 10. Mas repare que hoje, de
algum modo, participamos de inúmeros sistemas que não processam exatamente
materiais.
Você dá a um contador, por exemplo, uma série de comprovantes de débito e crédito. Ele
processa estes dados e lhe devolve um balancete, a consolidação em um resultado
financeiro. A um arquiteto você descreve qualitativamente o que quer e ele traduz em
desenhos, projetos. A um advogado você passa argumentos, sua visão dos fatos e ele
com base nas leis prepara sua linha de defesa ou de acusação.
PRODUÇÃO
Conceito Tradicional:
É a atividade pela qual os recursos,
fluindo dentro de um sistema definido,
são reunidos e transformados de uma forma
controlada, a fim de agregar valor de acordo com
os objetivos empresariais.
Conceito Atual:
Gerar ou aumentar a UTILIDADE ou VALOR
de um bem ou serviço
TRABALHO PRODUÇÃO
?
TRABALHO nem sempre leva a PRODUÇÃO !
27. A Filosofia da Produção Enxuta
25
Escritórios de contabilidade, arquitetura ou advocacia são sistemas de produção. Têm
Prestador de serviço e Cliente e querem satisfazer uma necessidade de alguém ou
agregar um valor, mas, basicamente, o que estes sistemas transformam são
informações.
E há, ainda, além de materiais e de informações, um terceiro elemento que é
“transformado” no mundo de hoje. Pense bem: é claro que em uma escola todo dia
processam-se materiais na hora de se preparar a merenda dos alunos. É certo também
que informações são pedagogicamente organizadas para o ensino. Porém, com outro
olhar, talvez mais significante para o caso, vemos que há ali crianças se transformando
pela experiência e conhecimento. Em um colégio o principal recurso processado são as
pessoas, os próprios clientes do sistema de produção. O mesmo ocorre em um parque
de diversões temático, em um salão de beleza, em um consultório médico e em uma
miríade de outros sistemas de produção e serviços.
Materiais, informações e pessoas! De algum modo todos os sistemas de produção e
serviços processam um, ou um mix, destes recursos para tentar proporcionar a utilidade
ou valor pretendido pelos clientes. Mas como se dá este processamento? Quantos
diferentes Tipos de Processamento de produção e serviço há no mundo atualmente?
Uma categorização abrangente para os sistemas de produção e serviços
Nigel Slack [1], pesquisador inglês, que organizou com clareza esta discussão, propõe
um modelo simples que abrange os diversos tipos de produção e serviços. Considera-se
que são quatro os tipos de processamento ou OPERAÇÕES presentes no mundo
contemporâneo:
1. Transformação de itens em outros de maior valor;
2. Comercialização deles;
3. Distribuição entre pontos de suprimento, produção e venda ou consumo, e;
4. Armazenagem de itens e valores para posterior distribuição e venda.
Na operação de transformação o produtor ou prestador do serviço arregimenta os
materiais e elementos necessários e, lançando mão de recursos como máquinas e
pessoas, conhecimentos e tecnologias, agrega utilidade e valor a esses insumos
compondo a cesta de bens e serviços, o pacote de valor desejado pelo Cliente.
Observe-se que a característica do processo de transformação é a alteração no estado
dos elementos processados pelo sistema. Assim, por exemplo, nos sistemas de
siderurgia, o ferro gusa vira aço, na eletroeletrônica diferentes itens são reunidos e uma
vez montados transformam-se em um aparelho de áudio ou vídeo, no salão de beleza o
cabelo comprido fica curto, no parque temático a criança que chegou triste sai feliz, o
consultor dá ao dado extraído da realidade sistematização e valor.
Já a operação de comercialização é típica dos sistemas de atacado e varejo. Nessa
situação nenhuma característica física ou química do elemento processado é alterada (ou
pelo menos não se espera que seja). O que se altera na loja é a propriedade sobre o
28. A Filosofia da Produção Enxuta
26
bem. O comerciante recebe um pagamento e transfere a propriedade do bem para o
comprador.
Por seu turno, a operação de distribuição trata da mudança do local onde está o bem.
Porém, não apenas as características que determinam o estado do bem devem ser
preservadas, como também agora a propriedade do mesmo é mantido.
Por fim, a operação de armazenagem é o processo que zela por conservar intactas as
características do bem, seu local e propriedade.
A figura 11 apresenta uma matriz de Tipos de Operação por Elemento Processado
exemplificando como, praticamente, todos os sistemas de produção e serviços dos dias
de hoje que de algum modo podem ser nela representados.
Figura 11: Mapa geral dos sistemas de produção categorizados pelo posicionamento na matriz
“Itens processados x Tipo de operação dominante”
Observe-se que seguramente muitos dos exemplos dados poderiam ser também
representados em outros quadrantes, pois dentro de um mesmo sistema tendem a
conviver diferentes tipos de operação e diversos elementos sendo processados. A
exemplificação baseou-se no que a nós parece ser o processo dominante em cada
situação. Pense no processamento dominante no seu sistema ou num sistema de
produção e/ou serviços que você conheça bem. Faça um exercício: tente classificá-lo na
tabela.
TIPO DE
OPERAÇÃO MATERIAIS INFORMAÇÕES CONSUMIDORES
VENDA
TRANSFORMAÇÃO
ARMAZENAMENTO
DISTRIBUIÇÃO
•Operações de Varejo
•“Agiota”
•Pesquisa / Marketing.
•Detetive Particular
•“Paparazzi”
•“Head‐Hunter”
•Empresário de esportista
profissional
•Agenciador de artistas
•Operações de Manu‐
fatura
•Mineração
•Refeições Industriais
•Cemitério
•Contador
•Banco
•Analista / Consultor
•Centro de Pesquisa
•Arquiteto
•Cabeleireiro
•Cirurgião Plástico
•Clínica / Hospital
•Teatro / Cinema
•Restaurante
•Parque Temático
•Escolas / Cursos
•“Motel”
•Depósito
•Armazém do Cais do
Porto
•Aeroporto
•Biblioteca
•Norma Técnica
•Banco de Dados
•Hotel
•Berçário
•Sala de Espera (VIP)
•Serviço Postais
•Frete
•Embarque de “Containers”
•Distribuidora de Gás /
Eletricidade
•Serviço de Notícias /
Reuters
•Telecomunicações
•Transporte Aéreo
•Navio
•Trem
•Taxi
•Metrô
FÍSICA
FISIOLÓGICA
PSICOLÓGICA
I T E N S P R O C E S S A D O S
29. A Filosofia da Produção Enxuta
27
Operação, processo, sistema, cadeia de suprimentos, cadeia de valor,
rede
O que é uma operação? É um dos elementos básicos de um sistema que almeja alcançar
um objetivo.
A operação está para um sistema assim como o átomo está para a substância, um gene
para um ser vivo.
O que é um processo? É uma sequência de operações interligadas, onde a “saída” de um
consiste na “entrada” de outro, de modo a viabilizar que se alcance o objetivo a que se
propõe o sistema. É o que ilustra a figura 12.
Figura 12: Um processo integra operações para realizar um objetivo
O que é um sistema? É um conjunto de processos integrados para o alcance de um
objetivo comum ou objetivos complementares. A figura 13 ilustra o conceito.
Figura 13: Um sistema integra processos para realizar um objetivo
OP
1
OP
2
OP
n
Objetivo / Resultado
Parcial / Final
Entrada
Inicial
OP
1
OP
2
OP
n
Objetivo / Resultado
Parcial / Final
Entrada
Inicial
OP
1
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2
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n
Objetivo / Resultado
Parcial / Final
Entrada
Inicial
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1
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2
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n
Objetivo / Resultado
Parcial / Final
Entrada
Inicial
30. A Filosofia da Produção Enxuta
28
A TERCEIRA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL
Chris Anderson [2] é um autor americano que se notabiliza por refletir sobre o
presente para imaginar possibilidades de futuro. Refletindo sobre o impacto da
evolução tecnológica atual, ele e outros futurólogos consideram que a conjugação
de inventos como impressoras 3D, drones e células de energia solar, por
exemplo, nos levarão a um novo patamar na civilização. Para ele estamos diante
de uma nova revolução industrial.
Com efeito, assim como a máquina a vapor e o carvão viabilizaram o
industrialização, as estradas de ferro e as grandes frotas navais e, num segundo
momento, o petróleo e a eletricidade, tornaram possível o motor de combustão
interna, a locomoção por carro e a comunicação pelo rádio e televisão, agora
estaríamos entrando num novo período da história dominado por células de
energia com captação solar e baterias de longa duração, conexão digital de alta
qualidade em todo canto e automação inteligente.
Um fato subjacente a esse cenário seria a paulatina substituição dos grandes
sistemas centralizados de energia, comunicação e produção por novos arranjos
produtivos baseados em redes de energia e internet, descentralização,
cooperação e partilha.
Tomemos os sistemas de Produção e Serviços em que, como vimos, predominam
as operações de transformação, distribuição, venda e armazenagem. Na lógica
atual de mercados globais, a tendência é de concentração de capitais pois o
acesso a fronteira da inovação tecnológica depende de altos investimentos. As
economias de escala são fundamentais para garantir a rentabilidade dos grandes
atores da economia global.
Esse mundo da concentração pode entretanto vir de fato a ser desmantelado se:
(i) a fabricação de bens materiais por indivíduos passa a ser possível com
impressoras 3D que materializam objetos em suas casas a partir de projetos
próprios ou de terceiros comercializados diretamente por via digital; (ii) a
distribuição de itens individuais passa a ser possível através de veículos aéreos
não tripulados como os drones que, pelo menos em tese, permitem a entrega
entre as janelas do apartamento do produtor e do consumidor; (iii) o controle da
posição física dos bens passa a ser informado por eles mesmos via tags
eletrônicos e rádio frequência, (iv) a venda pode ser feita por e-commerce
diretamente entre os interessados, além da (v) consultoria, apoio técnico e
treinamento que também podem ser disponibilizados via Educação á distância.
A desconcentração dos meios de produção pode estar a caminho e,
consequentemente as economias de escala que definem relações de poder entre
empresas e mesmo entre nações estaria em questão. As tecnologias de produto
e processo se alterarão vertiginosamente daqui para frente num ritmo de
inovação quase imprevisível.
Será um cenário desafiador para todos nós. Queremos crer entretanto que os
elementos básicos de um sistema de produção e serviços, ofertante de valor e
cliente e os critérios de produtividade e qualidade, permanecerão existindo e
quanto mais contundente for esse cenário de grande oferta e variedade
tecnológica, mais a competência na gestão das operações haverá de tornar-se
um extraordinário diferencial competitivo.
31. A Filosofia da Produção Enxuta
29
O que é uma cadeia de suprimentos ? É um sistema de maior dimensão, formado por
um conjunto de sistemas menores que atual de forma integrada, onde a “saída” de um
consiste na “entrada” de outro, de modo a viabilizar que se alcance o objetivo maior da
cadeia de suprimentos como um todo. Observe que entre as fontes primárias de
material e o cliente final todos os elos desempenham simultaneamente um papel como
cliente do elo anterior mas também como supridor do próximo elo, por isso o nome
genérico “cadeia de suprimentos”.
Cadeia de valor é uma cadeia de suprimentos em que a entrega de cada elo para o
próximo não se restringe ao suprimento de materiais mas inclui uma cesta de valor que
pode ser composto de itens tangíveis e intangíveis.
Rede de suprimentos é uma expressão que vem sendo mais e mais utilizada atualmente
em função dos múltiplos arranjos que tornam-se cada dia mais frequentes e incluem, por
exemplo, a colaboração de elos concorrentes e fluxos reversos ao longo da cadeia.
A gestão do chão-de-fábrica, dos serviços e dos processos de consumo
Não há como negar que a maioria do conhecimento e práticas de administração de
operações tem berço na indústria. Desde os primórdios da revolução industrial foi no
chão-de-fábrica que se desenvolveram os primeiros estudos da administração científica.
O foco era o trabalho em si, o estudo dos movimentos e tempos, a padronização e a
divisão de tarefas.
A transformação da sociedade nas últimas décadas, entretanto, trouxe para o centro das
discussões, os Serviços, que cada vez mais passaram a ser valorizados como uma oferta
de valor em si ou como uma componente que se soma a itens tangíveis valorizando-os
numa cesta de valor mista a ser ofertada ao cliente.
A pesquisa sobre qualidade e produtividade em serviços entrou na ordem do dia e
evidentemente valeu-se do aprendizado gerado nas fábricas de todo o mundo ao longo
do século XX. Há muitos pontos em comum e, por consequência, muitas das aplicações
em serviços são replicações ou adaptações de práticas industriais. Mas é claro que
quando as operações do sistema transformam informações ou os próprios clientes, ou
referem-se à processos de armazenagem, distribuição e venda, surgem questões
específicas que colocam desafios novos para a gestão de operações. São temas que
estão em ebulição e há muita oportunidade de pesquisa e inovação ainda a se
desenvolver nesta área. Talvez seja você a pessoa que vai trazer novos e decisivos
“insights” a essas discussões.
Por exemplo, um campo de pesquisa claro e instigante, mas ainda pouco explorado diz
respeito aos processos de consumo em si, a chamada “Engenharia do Consumo”. Trata-
se de tomar a perspectiva do cliente em lugar do olhar do provedor e pensar o fluxo de
valor na perspectiva do consumidor. Em muitas situações, ao fazermos o mapeamento
dos tempos despendidos no processo de consumo com esta perspectiva, somos
32. A Filosofia da Produção Enxuta
30
surpreendidos (e ficamos decepcionados) pela constatação de que usualmente colocamos
grande esforço na otimização da produção dos bens mas somos desatentos aos tempos
que decorrem depois disso, entre o cliente querer o produto e de fato obtê-lo em
condições de pleno uso.
Você que trabalha num banco, que gerencia um restaurante, um posto de gasolina, uma
clínica, uma loja, um armazém, uma frota, ou você que colabora numa fábrica ou na
agroindústria, você tem um papel nesta discussão: o de criador, o de alguém que
analisa os “remédios” existentes, compõe o diagnóstico e depois propõe os
medicamentos mais adequados para aquele paciente singular, que é o seu sistema de
produção!
Veja: ninguém hoje oferta apenas bens ou só serviços! Em quase todos os sistemas
compõe-se uma cesta de valor para comercialização que inclui tanto bens quanto
serviços. Há infinitas possibilidades de compor essa “cesta” e infinitas formas de
administrá-las. É claro que dependendo da circunstância a balança pesa mais para um
lado ou para outro, mas é importante entendermos que a satisfação do consumidor não
se esgota na fabricação do produto em si mas passa pela nossa competência no
gerenciamento de todo a cadeia de suprimentos, incluindo a armazenagem, distribuição
venda no varejo e pós-venda (talvez mesmo a reciclagem).
É com esta perspectiva ampla que desenvolveremos as discussões deste texto.
Analisaremos em detalhe as principais tecnologias de gestão. No anexo você encontrará
uma reflexão sobre como os “gens” dos sistemas de produção e serviços (os gens dos
“pacientes”) afetam a escolha da tecnologia de gestão mais apropriada (os “remédios”).
Ficará com você o desafio de compor inovadoramente a solução mista que melhor pode
se adequar e transformar positivamente a sua realidade.
Síntese desta quarta seção e conclusões
Neste texto foi apresentada uma primeira categorização dos diferentes sistemas de
produção e serviços. Foi assinalada a existência de semelhanças e diferenças entre a
produção e serviços. Especificamente mostrou-se que sistemas de produção e serviços
utilizam ambos recursos de produção para prover uma oferta de valor e utilidade para os
seus clientes (e demais stakeholders), oferta esta que cada vez mais é formada por um
composto de itens tangíveis e intangíveis.
Embora os setores primário e secundário da economia operem com itens de natureza
tangível e os sistemas de serviço numa primeira aproximação tendam a se relacionar
com aspectos mais intangíveis a diversidade de situações é muito grande. As figuras 14
e 15 resumem as discussões apresentadas nesta seção.
33. A Filosofia da Produção Enxuta
31
Figura 14: O sistema e os tipos das operações de produção e serviços
Figura 15: As operações de produção e serviços e os stakeholders
OPERAÇÃO
• Recursos
• Tipos
Operadores / Processadores
Operados / Processados
contribuem para o OBJETIVO
foco do OBJETIVO
• materiais (hardware)
• métodos (software)
• pessoas (humanware)
• dinheiro (moneyware)
Entrada Saída
Materiais
Pessoas
Informação
Dinheiro
Materiais
Pessoas
Informação
Dinheiro
• Recursos
• Tipos
• Transformação - muda o atributo
• Venda - muda a posse
• Transporte - muda o local
• Armazenamento- não muda o atributo,
a posse e o local
Controle
> Impressora 3D
> Internet
> Drones
> RFID / “Cloud”
Tecnologias
Impactantes
Pacotedevalor
CADEIA
BENS e/ou SERVIÇOS
geram e
disponibilizam
PRODUTOS
que são
(tangíveis) (intangíveis)
compõem
PACOTES DE VALOR
percebidos pelos“STAKEHOLDERS”
(as partes interessadas)
quem são?
Clientes, Acionistas,
Colaboradores Internos (Funcionários),
Colaboradores Externos (Fornecedores),
Governo e Sociedade
OS DETERMINANTES!
Clientes, Acionistas,
OPERAÇÕES
em
OS QUE LEGITIMAM A OPERAÇÃO
OS QUE ATUAM
NA OPERAÇÃO
34. A Filosofia da Produção Enxuta
32
O sistema de produção e serviços como fonte de vantagens competitivas
Como na fábula da "Galinha dos Ovos de Ouro" – onde o dono mata a ave que lhe traz
riqueza para retirar o ouro que supunha existir em sua barriga – muitas vezes, na vida
real, a ânsia de maximizar resultados deixa de lado alguns dos aspectos mais estruturais
das questões.
No contexto da gestão empresarial, por exemplo, é comum o foco das atenções
gerenciais deslocar-se da essência do processo produtivo para a resposta à urgências de
natureza comercial e financeira. Não há, porém, como ilustra a fábula, processo de
geração de riqueza, fora do chão-de-fábrica13
, que seja sustentável ao longo do tempo.
Uma boa estratégia de marketing não será capaz de garantir o sucesso estável de uma
empresa no mercado se não estiver sintonizada com as forças e limitações do sistema
produtivo existente. Do mesmo modo, aplicações especulativas de alta rentabilidade
podem aumentar a lucratividade de uma empresa em certo momento, mas não
necessariamente garantem a sua posição competitiva no tempo.
O lugar onde de fato ocorre a geração de valor, na sua dimensão primária e essencial, é
a fabricação, venda, distribuição ou armazenagem de bens e serviços no mercado. E por
mais adversas que sejam as condições macroeconômicas ou por mais sedutoras que
sejam as oportunidades de curtíssimo prazo, é gerenciando o chão-de-fábrica com uma
visão estratégica que se encontram alguns dos elementos mais decisivos para a
competitividade no mundo de hoje.
De fato, a partir dessa constatação muitas empresas líderes em seu ramo de negócio têm
reformulado e concebido estratégias bem sucedidas de competitividade que valoram as
Operações como fonte de vantagens competitivas. Chama atenção, por exemplo, o caso
das firmas japonesas, chinesas e coreanas que penetraram em mercados já existentes
com produtos melhores e mais baratos, alcançando esses resultados, fundamentalmente,
a partir do uso de modernas tecnologias de gestão de chão-de-fábrica.
O papel estratégico do chão-de-fábrica
Por razões quase opostas, as operações de produção reassumem hoje, em todo o
mundo, relevância semelhante à que desfrutaram no período que se seguiu à Revolução
Industrial. Naquela época, as preocupações gerenciais focavam, prioritariamente, os
processos fabris como decorrência do fato de que os mercados estavam incipientemente
13
Chão-de-fábrica (shop-floor, em inglês, gemba, em japonês) é usado aqui como uma metáfora para o “lugar
onde as coisas acontecem”, onde o processo de agregação de valor de fato se dá. Na fábrica, o posto de
trabalho; no salão, a cadeira do cabeleireiro; na escola, a sala de aula. Em todo o texto, a menos que frisado o
contrário, usaremos sempre o termo “chão-de-fábrica” tomado assim nessa perspectiva ampla incluindo os
sistemas de serviços.
35. A Filosofia da Produção Enxuta
33
explorados e a capacidade de produção era ainda muita restrita. Praticamente tudo o que
se fabricava, vendia-se14
.
Desde então muita coisa mudou ! Terry Hill [3], pesquisador inglês, que está entre os
pioneiros da “Estratégia de Manufatura” (em inglês, Manufacturing Strategy), registra o
que se passou em seguida. Em meados do século XX, a busca de novos mercados e a
disputa dentro dos já existentes trouxe ao centro da cena empresarial as funções de
Marketing, como consequência da relação demanda/capacidade que se tornava mais
exigente. Em muitos casos, os diretores de Marketing vieram a se tornar os diretores das
empresas e a tomada de decisão estratégica passou a se vincular diretamente a essa
função.
O momento seguinte, já na década de 70, foi marcado pela ascensão da função de
Finanças ao centro das decisões, como decorrência das recessões mundiais e da crise
energética.
Paradoxalmente, após ter ficado durante tantos anos relegada a um papel apenas
reativo, desde a segunda metade do século passado, e particularmente nas duas últimas
décadas quando a competição nos mercados mundiais tornou-se mais acirrada, a função
Produção voltou a ser paulatinamente recolocada na ordem do dia.
Diferentemente dos primórdios da Revolução Industrial, porém, o que está em jogo
agora no século XXI não é mais simplesmente o aumento dos volumes de produção para
atender mercados “compradores”. Nesse novo tempo, de mercados globais e
ultracompetitivos, a definição de que preços cobrar, que prazos prometer e com qual
qualidade fabricar foge ao controle puro e simples do fabricante e torna-se um fato
externo ao sistema, especificado pelos clientes no mercado.
Em decorrência, a gestão da produção passa a conjugar preocupações tradicionais
ligadas à eficiência do processo e à redução de custos com aspectos mais diretamente
relacionados à eficácia e satisfação dos clientes, tais como: qualidade do produto,
rapidez, versatilidade, cumprimento de prazos, dentre outros.
No nível corporativo, a correspondência desses fatos é a reintegração da função de
Produção no processo de definição das estratégias corporativas. Trata-se de um
fenômeno observado nas grandes empresas de todo o mundo.
No Brasil, essa mudança de atitude ganhou força a partir da década de 1990 com a
abertura da economia e a consequente necessidade de competir em mercados regulados
pela lógica e padrão internacional. Passadas já quase três décadas, em alguns
segmentos produtivos, como os sistemas baseados em Serviços, e especialmente no
contexto da pequena e média empresa, o “chão-de-fábrica” encontra-se frequentemente
14
Sobre esse cenário e o domínio da função Produção no contexto estratégico das corporações do início do
século XX é emblemática a famosa frase de Ford que dizia: “faço qualquer carro desde seja o modelo T”.
Entenda-se: modelo “T” era o modelo fabricado pela Ford e o mercado era tão comprador que se alguém não
quisesse comprá-lo outro alguém o faria. O desafio de FORD era um desafio típico de Operações naquele
momento: fazer muito com os escassos recursos que tinha em mãos. Não a toa Henri Ford, cuja atuação
marcou aquela época, era um homem de fábrica.
36. A Filosofia da Produção Enxuta
34
ainda relegado a um papel secundário, apenas reativo, respondendo como pode a
políticas corporativas definidas, em geral, sem a sua participação efetiva.
É uma constatação surpreendente, pois são muitas as evidências que sugerem que a
performance competitiva de uma empresa, em especial no que se refere aos fatores
relacionados à qualidade, pontualidade, rapidez, preço e flexibilidade, é diretamente
afetada pelas decisões e escolhas relacionadas aos sistemas de gestão da produção. De
fato, no ambiente de competição acirrado que estamos vivendo o conteúdo estratégico
das decisões de curto prazo não pode de fato ser negligenciado.
A questão-chave que precisa ser respondida aqui é portanto: em que medida o sistema
de gestão reforça ou enfraquece a posição competitiva de sua empresa? E, tendo por
base, as estratégias definidas e as oportunidades de mercado existentes, como dever
estruturada a gestão das operações?
Com efeito, cada uma das diversas partes ou módulos de um sistema de planejamento e
controle e execução das operações (gestão do fluxo, da capacidade, de materiais, de
atividades, de pessoas, parcerias e fornecedores, dentre outros pontos de decisão)
precisa ser avaliado e projetado tendo em mente as necessidades estratégicas e
operacionais da estrutura de produção em questão.
Fatores de Competitividade e estratégias competitivas
Pensar a produção de forma estratégica é procurar entender como o chão-de-fábrica
pode contribuir para o sucesso da empresa no mercado. Trata-se de examinar o
funcionamento e as características do ambiente em que a empresa compete para então
decidir, de forma coordenada e consistente, quais processos, procedimentos e métodos
de gestão são capazes de prover vantagens competitivas nos fatores que efetivamente
decidem a obtenção de um pedido de cliente.
O ponto de partida para essa análise é o mercado. Entender os critérios que levam um
cliente típico a escolher uma marca em lugar de outra ou a encomendar um serviço a um
fornecedor em detrimento de outros. Sem pretender fazer uma análise exaustiva do
assunto, a figura 16 enumera uma série de razões que influenciam essa decisão.
Observe que dependendo do negócio em questão, a forma como cada um dos fatores de
competitividade influi na decisão de compra do cliente é diferenciada. Há mercados onde
o baixo preço tende a ser o fator decisivo como, por exemplo, na comercialização de
bens de consumo popular. Já em outras situações, como na produção de automóveis de
luxo, por exemplo, o preço é relativamente menos importante e a qualidade intrínseca do
produto ganha força como um aspecto decisivo no comportamento do cliente.
Para estruturar essa reflexão, há duas categorias de análise, quais sejam:
a. o grau de influência que o fator desempenha na efetiva obtenção de encomendas no
mercado, e;
37. A Filosofia da Produção Enxuta
35
b. a contribuição do fator na qualificação da empresa para participar do processo de
concorrência.
Distinguem-se assim, para cada negócio e/ou público-alvo, fatores de competitividade
que são ganhadores e fatores que são apenas qualificadores.
Figura 16: Fatores que afetam a escolha de um produto (ponto de vista do consumidor)
Um exemplo bem simples: em uma concorrência entre duas lojas de “fast-food” com
produtos similares, se o público-alvo é o profissional liberal que deseja fazer um lanche
rápido na hora de almoço, a presteza do atendimento tende a ser mais decisiva do que
pequenas variações no preço e na própria qualidade do sanduiche para efeito da escolha
feita pelo cliente. Saliente-se que se o pão é ruim ou o preço do sanduiche é o mesmo de
um jantar sofisticado, a loja nem será lembrada quando o cliente decidir fazer seu
lanche. Isto é, o preço e a qualidade qualificam a loja para a concorrência contudo, é o
tempo de atendimento que, provavelmente, determinará a escolha final, nesse caso, a
rapidez de entrega atua como o fator ganhador.
O mesmo exemplo pode resultar em uma análise totalmente diversa se o público-alvo, ao
invés de executivos com pressa, é composto de assalariados de baixa renda. Nessa
hipótese, a tendência é que o preço do sanduiche passe a ser decisivo deixando a rapidez
da entrega relegada a um papel ainda importante, mas apenas qualificador.
Identificados quais são os fatores “ganhadores” e “qualificadores”, dois caminhos são
usualmente mencionados na definição de uma estratégia de competição.
O primeiro deles dá conta de uma abordagem omnidirecional, isto é, a empresa tenta
superar seus concorrentes em todos, ou quase todos, os fatores de competitividade
relevantes, simultaneamente (e.g. preço, qualidade, rapidez de entrega, pontualidade e
flexibilidade).
Em contraste, a segunda estratégia é selecionar um, ou alguns, dos principais fatores
“ganhadores de pedidos” e focar as atenções gerenciais nesses objetivos, buscando
38. A Filosofia da Produção Enxuta
36
estabelecer uma diferenciação positiva em relação aos competidores, ainda que se
situando em posição ligeiramente inferior (mas não desclassificante) à concorrência nos
demais fatores qualificadores.
A justificativa da estratégia focada é que, diante do acirramento da competição e da
velocidade de inovação nos mercados atuais, dificilmente uma empresa poderá alcançar
e sustentar uma posição de “excelência” em todos os fatores de competitividade, ao
mesmo tempo.
Nessas circunstâncias, a estratégia onmidirecional é mais típica de empresas líderes que
precisam se salvaguardar de ameças trazidas por diferentes concorrentes. Já a
estratégia focada é, possivelmente, a melhor forma de alavancar a posição competitiva
de uma empresa que luta por ampliar a fatia de mercado que ocupa. Trata-se de uma
abordagem ofensiva que visa persuadir clientes que usam produtos de outros fabricantes
a refazer suas opções em favor dos produtos da empresa em questão. Para alterar o
comportamento desses consumidores é necessário alcançar graus nítidos de
diferenciação em pelo menos algum dos fatores que são decisivos na sua atitude em
relação à compra do bem ou serviço considerado.
Vantagens competitivas geradas pelos sistemas de produção e serviços
As análises feitas até aqui referem-se não apenas à produção, mas à empresa como um
todo. Com efeito, observando-se a natureza dos fatores de competitividade, citados na
figura 16, constata-se que a obtenção de uma diferenciação positiva nesses fatores é
fruto não do desempenho de um setor isolado da empresa, mas sim do esforço conjunto
e integrado de suas várias funções (e.g. marketing, finanças, produção, dentre outras).
Figura 17: Matriz para discussão de uma estratégia competitiva integrada
Funções
Fatores de
Competitividade
P&D Produção Marketing Finanças Pessoal Outros
Qualidade do produto
Linha de Produtos
Preços
Rapidez de entrega
Pontualidade
Serviço pós-venda
---
---
---
Conveniência da compra
Condições de pagamento
Desempenho do vendedor
Flexibilidade
Imagem social da empresa
39. A Filosofia da Produção Enxuta
37
A figura 17 apresenta um quadro que serve como referência para a reflexão sobre a
contribuição que cada área funcional tem a dar na melhoria de performance dos vários
elementos de competitividade. Dois aspectos devem ser notados:
1. as linhas da matriz contêm os fatores identificados como relevantes para o
negócio em questão;
2. nem todos os fatores relevantes são igualmente “potencializáveis” pelas várias
funções da empresa.
Por exemplo, tomando-se para análise a função Produção e analisando objetivos como
baixo preço e qualidade do produto, pode-se supor que a contribuição dessa função para
a performance global da empresa é, diante desses objetivos, clara e decisiva.
Já no que toca aos fatores como o serviço pós-venda, a conveniência de compra e a
imagem social da empresa, o papel estratégico da produção tende a ser mais de suporte,
podendo ser comparativamente pouco significativo quando o critério de decisão dos
clientes está relacionado por exemplo às condições de pagamento, atuação dos
vendedores e o sistema em questão é uma fábrica15
.
Com este modelo de análise em perspectiva - e assumindo o ponto de vista do cliente
como critério de avaliação - cinco são os fatores largamente reconhecidos na literatura
como “as vantagens competitivas diretamente potencializáveis pela produção”. São eles:
o preço (baixo custo);
15
Observe que se o sistema se em análise fosse uma loja a categorização seria outra pois
certamente nessa circunstância a atuação dos vendedores seria totalmente relevante.
A MATRIZ DE COMPETITIVIDADE
Uma forma de usar essa matriz: debata com sua equipe qual a percepção que
têm em relação aos fatores que diferenciam a oferta de valor de sua empresa
daquela feita pelos concorrentes. Determine assim as linhas da matriz. Inclua
também linhas para fatores que hoje não são decisivos mas talvez devessem
ser.
Agora capture a percepção sobre como cada função da empresa está
alavancando o fator. Pode-se atribuir por exemplo valores para cada célula,
designando-se o nível de importância da contribuição.
Num primeiro momento pense o sistema como ele é. Em seguida pense como o
sistema deveria ser numa situação ideal. Comparando os graus atribuídos a
cada célula em cada um dos dois cenários identifique os “gaps” e estabeleça a
partir daí seu plano de ação para potencializar seus diferenciais competitivos.
40. A Filosofia da Produção Enxuta
38
a qualidade intrínseca do produto ou serviço;
a rapidez de entrega;
a confiabilidade (a capacidade de ser confiável, ser pontual), e;
a flexibilidade.
Com respeito à flexibilidade deve-se ressaltar que o conceito pode ser desdobrado em
várias categorias distintas, quais sejam::
i. a flexibilidade de produto, que trata da capacidade de introduzir novos produtos
ou de modificar aqueles em produção;
ii. a flexibilidade de “mix”, que se refere a capacidade de mudar a variedade de
coisas que está sendo produzida em um determinado período;
iii. a flexibilidade de volume, relacionada à alteração do nível agregado de produção,
e;
iv. a flexibilidade de entrega, cuja ideia está associada à capacidade de refazer os
planos para acomodar novas prioridades ou datas de entrega.
Henrique Correa [4], autor brasileiro com várias publicações no campo da Gestão de
Operações, acrescenta ainda para cada tipo de flexibilidade duas dimensões de análise,
a saber:
i. velocidade de mudança, que descreve o quão rápido a empresa é capaz de mudar
o que é feito, e;
ii. amplitude da mudança, que descreve a magnitude da alteração
Estratégia de “Produção e Serviços”
Identificadas no mercado as prioridades competitivas que devem ser priorizadas pelo
chão-de-fábrica para desenvolver a posição competitiva da empresa, a definição de uma
Estratégia de Produção pode ser entendida como um “roteiro” estruturado de decisões
que são tomadas com o propósito de direcionar a atividade do chão-de-fábrica para a
performance que se deseja alcançar.
Com efeito, há uma série de decisões e escolhas de longo, médio e curto prazo, relativas
ao sistema de produção, que afetam diretamente a posição competitiva da empresa no
mercado. São questões que vão desde a localização das instalações, identificação da
tecnologia do processo mais adequada e do arranjo físico dos recursos, passam pela
filosofia de acionamento da produção, pela definição da política de recursos humanos e
dos sistemas de suprimentos, qualidade e manutenção até alcançar o planejamento de
estoques e a programação de atividades.
Tomar essas decisões de forma integrada, consistente e orientada para as prioridades
estabelecidas é um desafio simples de ser enunciado mas que, na prática, é muito
complexo de ser alcançado pelo número e variedade de decisões envolvidas.
Tal complexidade faz, inclusive, com que muitas empresas prefiram adotar estratégias de
produção focadas, visando reduzir a dimensão do problema e, assim, favorecer um