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O CERTO E O ERRADO?O ADEQUADO E O INADEQUADO?Apolêmica sobre o livro didático “Por uma vida melhor”
		O livro didático “Por uma vida melhor”, um dos volumes da coleção Viver, Aprender (Editora Global), foi produzido pela ONG “Ação Educativa”, destinado aos alunos da Educação de Jovens e Adultos (EJA). 		A obra foi escolhida por um total de 4.236 escolas, que a definiram por ser "mais apropriada em cada contexto“, sendo distribuída pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC) a 484.195 alunos do EJA de todo o Brasil. 		O material vem acompanhado de um livro-guia ao professor e dos Parâmetros Curriculares Nacionais, os quais explicam a abordagem variada da língua.
O alvo da polêmica é um trecho do capítulo sobre concordância, em que os autores apresentam variedades do português falado, admitindo construções como “os livro” ou “nós pega”, com apresentação das formas aceitas pela norma culta, fazendo com que o aluno fique menos receoso ao se expressar dessa maneira. O livro afirma que o uso da língua  popular, mesmo com seus erros gramaticais, é válido na tentativa de estabelecer comunicação, lembrando que, caso deixem de usar a norma culta, os alunos podem sofrer “preconceito linguístico”. Segundo uma nota do MEC, uma das autoras, a professora aposentada Heloisa Ramos, defende a ideia de que as expressões “correto” e “incorreto” no uso da língua portuguesa devem ser substituídas por “adequado” e “inadequado”, dependendo da situação comunicativa.
	A proposta da obra é que se aceite dentro da sala de aula todo tipo de linguagem, ao invés de reprimir aqueles que usam a linguagem popular. De acordo com Heloisa Ramos, o livro foi elaborado por ela e por outros especialistas em língua portuguesa com base nas experiências que tiveram em sala de aula após décadas de ensino. “Nossa coleção é séria, temos formação sólida e não estamos brincando. Não há irresponsabilidade da nossa parte”, afirma. Apesar de defender que o livro continue sendo adotado, a professora admite que é preciso que os professores entendam a proposta para não desvirtuar o que ele propõe.
“Certo e errado são conceitos pouco honestos que a sociedade usa para marcar os indivíduos e classes sociais pelos modos de falar e para revelar em que consideração os tem… Essa atitude da sociedade revela seus preconceitos, pois marca as diferenças linguísticas com marcas de prestígio ou estigma.” 			CAGLIARI, 1999.
		A língua não tem só uma variante e sim muitas delas. Por essa razão, cobrar do nosso  aluno só a língua “culta” é um erro  gravíssimo. Ele tem um repertório de vida antes mesmo de entrar na escola, e isso não é uma questão de língua, mas social. 		“A variação lingüística tem que ser objeto e objetivo do ensino da língua: uma  educação lingüística voltada para a construção da cidadania numa sociedade verdadeiramente democrática não pode desconsiderar que os modos de falar dos diferentes  grupos  sociais constituem elementos fundamentais da identidade cultural da comunidade e dos indivíduos particulares, e que denegrir  ou condenar uma variedade lingüística equivale a denegrir e a condenar  os seres humanos  que a falam, como se fossem incapazes, deficientes  ou menos inteligentes (...).” BAGNO, 1999

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  • 2. O livro didático “Por uma vida melhor”, um dos volumes da coleção Viver, Aprender (Editora Global), foi produzido pela ONG “Ação Educativa”, destinado aos alunos da Educação de Jovens e Adultos (EJA). A obra foi escolhida por um total de 4.236 escolas, que a definiram por ser "mais apropriada em cada contexto“, sendo distribuída pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC) a 484.195 alunos do EJA de todo o Brasil. O material vem acompanhado de um livro-guia ao professor e dos Parâmetros Curriculares Nacionais, os quais explicam a abordagem variada da língua.
  • 3. O alvo da polêmica é um trecho do capítulo sobre concordância, em que os autores apresentam variedades do português falado, admitindo construções como “os livro” ou “nós pega”, com apresentação das formas aceitas pela norma culta, fazendo com que o aluno fique menos receoso ao se expressar dessa maneira. O livro afirma que o uso da língua popular, mesmo com seus erros gramaticais, é válido na tentativa de estabelecer comunicação, lembrando que, caso deixem de usar a norma culta, os alunos podem sofrer “preconceito linguístico”. Segundo uma nota do MEC, uma das autoras, a professora aposentada Heloisa Ramos, defende a ideia de que as expressões “correto” e “incorreto” no uso da língua portuguesa devem ser substituídas por “adequado” e “inadequado”, dependendo da situação comunicativa.
  • 4.
  • 5. A proposta da obra é que se aceite dentro da sala de aula todo tipo de linguagem, ao invés de reprimir aqueles que usam a linguagem popular. De acordo com Heloisa Ramos, o livro foi elaborado por ela e por outros especialistas em língua portuguesa com base nas experiências que tiveram em sala de aula após décadas de ensino. “Nossa coleção é séria, temos formação sólida e não estamos brincando. Não há irresponsabilidade da nossa parte”, afirma. Apesar de defender que o livro continue sendo adotado, a professora admite que é preciso que os professores entendam a proposta para não desvirtuar o que ele propõe.
  • 6. “Certo e errado são conceitos pouco honestos que a sociedade usa para marcar os indivíduos e classes sociais pelos modos de falar e para revelar em que consideração os tem… Essa atitude da sociedade revela seus preconceitos, pois marca as diferenças linguísticas com marcas de prestígio ou estigma.” CAGLIARI, 1999.
  • 7. A língua não tem só uma variante e sim muitas delas. Por essa razão, cobrar do nosso aluno só a língua “culta” é um erro gravíssimo. Ele tem um repertório de vida antes mesmo de entrar na escola, e isso não é uma questão de língua, mas social. “A variação lingüística tem que ser objeto e objetivo do ensino da língua: uma educação lingüística voltada para a construção da cidadania numa sociedade verdadeiramente democrática não pode desconsiderar que os modos de falar dos diferentes grupos sociais constituem elementos fundamentais da identidade cultural da comunidade e dos indivíduos particulares, e que denegrir ou condenar uma variedade lingüística equivale a denegrir e a condenar os seres humanos que a falam, como se fossem incapazes, deficientes ou menos inteligentes (...).” BAGNO, 1999