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REAJUSTAMENTO DE PREÇOS NOS CONTRATOS DE OBRAS E
SERVIÇOS DE ENGENHARIA - ASPECTOS POLÊMICOS E
METODOLOGIA PARA A CONCESSÃO DOS REAJUSTES
ULYSSES JOSÉ BELTRÃO MAGALHÃES
INSPETOR DE OBRAS PÚBLICAS DO TCE/PE
1
1
Introdução
Ao longo da década de oitenta e início da de noventa, o Brasil conviveu
com uma inflação crônica que corroia impiedosamente o valor da moeda. Dentro desse
contexto, para corrigir, ou ao menos atenuar, os efeitos ruinosos da inflação, o Governo
promoveu a institucionalização de mecanismos voltados à indexação da economia.
Essa política atrelada a índices econômicos teve forte reflexo na seara contratualista,
manifestando-se, sobretudo, através da cláusula de reajuste de preços nos contratos
contendo obrigações de cunho pecuniário. Por essa cláusula, autorizava-se a
majoração do preço originariamente fixado para a remuneração do objeto contratual,
com base na variação de determinado índice de preços ou custos. Assim, por muito
tempo, foi corriqueiro o pagamento de despesas através de faturas nas quais eram
automaticamente incorporados, além dos valores nominais das prestações adimplidas,
os acréscimos referentes a reajustamentos dos preços contratuais.
Contudo, em julho de 1994, o advento do Plano Real marcou o início de
um processo de ruptura com a cultura inflacionária, estabelecendo-se, a partir de
então, uma nova ordem na economia nacional. No entanto, a estratégia de
estabilização começara antes, com a adoção de um indexador diário, a Unidade de
Referência de Valores – URV – instituída através da Lei nº 8.880, de 27 de maio de
1994.
Dentre as disposições estatuídas através do aludido diploma legal,
ressalte-se a que determinou que, a partir de 1º de março de 1994, os contratos
celebrados com a Administração Pública teriam a aplicabilidade de suas cláusulas de
reajustes de preços suspensas pelo prazo mínimo de um ano. Estava, assim,
condenada a prática do reajustamento automático dos preços dos contratos
administrativos.
A Lei 8.880/94 representou, destarte, um marco no processo de
desindexação da economia, alterando de forma contundente a sistemática das
contratações na esfera pública e privada.
Após a edição da Lei 8.880/94, foram promulgadas a Lei nº 9.069, de 29
de junho de 1995 e a Lei nº 10.192, de 14 de fevereiro de 2001, que dispuseram sobre
o Plano Real e estabeleceram regras e condições para as obrigações contraídas na
2
2
nova moeda, inclusive no que se refere à questão do reajustamento contratual. Do
mesmo modo que a Lei 8.880/94, os referidos diplomas legais reiteraram a proibição
quanto a estipulação de cláusulas de reajustamento dos valores contratuais com
periodicidade inferior a um ano. Ocorre que, malgrado a clareza no tocante à disciplina
da periodicidade anual mínima, os textos das referidas leis não andaram tão bem no
regramento dos demais dispositivos norteadores da matéria, mormente no que diz
respeito ao instante em que seria exigível a primeira reforma nos preços e, sobretudo,
na definição das datas-base a serem consideradas para a apuração do percentual de
reajustes. Isso tudo tem sido motivo de divergências interpretativas e, por conseguinte,
tem gerado um indesejável clima de insegurança jurídica por parte dos interessados
em contratar com a Administração Pública.
Tecidas estas breves considerações, há de se ressaltar que, não obstante
as análises e ponderações consubstanciadas no presente trabalho serem aplicáveis a
todas as espécies de contratos administrativos, a problemática do reajustamento de
preços se revela de forma mais marcante nos contratos de obras e serviços de
engenharia. De fato, são em contratos dessa natureza que residem os maiores
questionamentos e dificuldades de ordem prática-operacional em matéria de
reajustamento, haja vista a complexidade e peculiaridade de seus objetos. Com efeito,
por se tratarem de contratos de execução diferida no tempo e que, não raro, envolvem
recursos financeiros de grande monta, que, nesses casos, o problema do reajuste de
preços se manifesta de forma mais visível e enfática. Reside aí a importância de
delinearmos adequadamente o tema de sorte que possamos ultrapassar as
controvérsias subjacentes ao mesmo e propor uma metodologia para a concessão dos
reajustes que represente o real sentido e alcance das expressões do direito.
3
3
1. Reajuste de Preços e Equilíbrio Econômico-Financeiro
Contratual - Notas Características
Nos contratos celebrados com a Administração Pública, a principal
garantia assegurada ao contratado pode ser traduzida no chamado direito à
intangibilidade do equilíbrio econômico-financeiro contratual.
Consoante o magistério de Di Pietro1
, “equilíbrio econômico-financeiro ou
equação econômico-financeira é a relação que se estabelece, no momento da
celebração do contrato, entre o encargo assumido pelo contratado e a contraprestação
assegurada pela Administração”.
De modo exemplificativo, Marçal Justen Filho2
elenca as espécies de
encargos e contraprestações (remuneração, na concepção de Justen Filho) abarcadas
no conceito de equilíbrio econômico-financeiro, verbis:
O equilíbrio econômico-financeiro abrange todos os encargos impostos à
parte, ainda quando não se configurem como “deveres jurídicos” propriamente
ditos. São relevantes os prazos de início, execução, recebimento provisório e
definitivo previstos no ato convocatório; os processos tecnológicos a serem
aplicados; as matérias primas a serem utilizadas; as distâncias para entrega
dos bens; o prazo para pagamento etc.
O mesmo se passa quanto à remuneração. Todas as circunstâncias atinentes
à remuneração são relevantes, tais como prazos e forma de pagamento. Não
se considera apenas o valor que o contratante receberá, mas também as
épocas previstas para sua liquidação.
A garantia do contratado à manutenção da equação econômico-
financeira contratual tem sede constitucional, não podendo ser afetada nem mesmo por
lei. Nesse sentido, a Constituição de 1988, em seu artigo 37, XXI, dispõe
expressamente:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da
União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá ao
princípio da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e,
também, ao seguinte:
(...)
______________
1
SYLVIA ZANELLA DE PIETRO, Maria. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2004, p. 263.
2
JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. São Paulo: Dialética,
2004, p. 528.
4
4
XXI – ressalvados os casos especificados na legislação, as obras,
serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de
licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os
concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento,
mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual
somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica
indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações; (grifos nosso)
(...)
A manutenção da equação econômico-financeira é, pois, um direito do
contratado que a Administração Pública há obrigatoriamente de respeitar em toda sua
plenitude.
Para assegurar a efetivação do direito à manutenção da equação
econômico-financeira contratual, foram incorporados ao Ordenamento Jurídico
mecanismos destinados a operacionalizar a restauração do equilíbrio rompido. Nesse
contexto, surgiram os institutos da atualização financeira, do reajuste e da
recomposição de preços. Ocorre que, em virtude de todos esses institutos terem
reflexo direto sobre os valores contratuais, frequentemente a doutrina diverge em
termos da nomenclatura apropriada, confundindo figuras distintas entre si. Assim, para
não incorrermos em inadequações terminológicas ou em confusões conceituais, urge
traçarmos, em linhas gerais, as notas distintivas entre os aludidos institutos.
A atualização financeira, por vezes denominada atualização ou correção
monetária, no magistério de Celso Antônio Bandeira de Mello3
, “é a simples variação
numérica expressiva de um mesmo valor que permanece inalterado e tão somente
passa a ser expresso por números diferentes”. Ela é cabível nos casos de atraso de
pagamento por parte da Administração, com a finalidade de evitar que o contratado
receba menos do que efetivamente lhe é devido, preservando, dessarte, o valor de seu
crédito. Não há dúvidas de que a mora no pagamento afeta inevitavelmente a equação
econômico-financeira, haja vista que esta é delineada com base na programação de
desembolso financeiro prometida pela Administração. Como deve retratar a perda do
poder aquisitivo da moeda, a atualização financeira se refere a índices gerais da
inflação, tais como o INPC, o IGPM, etc. Conforme previsto no art. 7º, §7º, da Lei nº
8.666/93, a atualização monetária das obrigações de pagamento deve incidir desde a
data final de cada período de aferição até o respectivo pagamento.
______________
3
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2003. p.582.
5
5
O reajuste de preços, por seu turno, é instituto concebido com a
finalidade de alterar o valor a ser pago em função da variação do valor dos insumos
que determinavam a composição do preço do objeto contratual. Trata-se de um
mecanismo estabelecido para preservar o conteúdo econômico-financeiro do ajuste,
através da utilização de fórmulas atreladas a índices de custos de insumos publicados
com base em dados oficiais ou por instituições de credibilidade, como o INCC da FGV.
Ao discorrer sobre a cláusula de reajuste, Celso Antônio Bandeira de Mello4
assinala:
Pela cláusula de reajuste, o contratante particular e o Poder Público adotam
no próprio contrato o pressuposto rebus sic stantibus quanto aos valores então
demarcados, posto que estipulam a revisão dos preços em função das
alterações subseqüentes. É dizer: pretendem acautelar os riscos derivados
das altas que, nos tempos atuais, assumem caráter de normalidade. Portanto,
fica explícito no ajuste o propósito de garantir com previdência a equação
econômico-financeira, na medida em que se renega a imutabilidade de um
valor fixo e se acolhe, como um dado interno à própria avença, a atualização
do preço.
Da mesma forma que a atualização financeira, o reajuste de preços
também é fruto da prática contratual pátria de indexação da economia no período de
grande inflação. Entretanto, em que pese a semelhança dos institutos, não se pode
confundir atualização monetária com reajuste de preços, pois, enquanto este se baseia
em índices setoriais vinculados a elevações inflacionárias quanto a prestações
específicas, aquela se refere aos índices gerais de inflação. Ainda no que concerne à
distinção entre as duas figuras, é de grande valia trazer à colação a seguinte lição de
Celso Antônio Bandeira de Mello5
:
Assim, ao contrário da correção monetária, em que o valor devido permanece
constante, alterando-se apenas a quantidade de moeda que expressa o
mesmo valor, no reajuste, em consideração ao fato de que se alterou o próprio
custo da prestação ajustada, aumenta-se o valor do pagamento. Donde – em
contraposição à correção monetária – no reajuste com base nos insumos o
valor da prestação se modifica, modificando-se também o valor do pagamento
, para que haja entre ambos uma correlação precisa.
A derradeira figura a ser considerada na presente análise é da chamada
recomposição de preços, também conhecida por revisão de preços, ou ainda,
repactuação de preços. Por oportuno, pedimos vênia para criticar os que insistem em
denominar o instituto em comento de reequilíbrio econômico-financeiro. À evidência,
______________
4
Ob. cit., p.602.
5
Ob. cit., p.584.
6
6
quem assim o faz está a confundir meio com fim. Em verdade, o reequilíbrio
econômico-financeiro contratual não é um instrumento, e sim o propósito almejado,
tanto pela atualização financeira, quanto pelo reajuste e pela revisão de preços.
A recomposição de preços é instituto utilizado para o restabelecimento do
equilíbrio econômico-financeiro, rompido em razão de ocorrências discrepantes do
previsto e pactuado pelas partes. Isso ocorre quando as prestações a cargo do
particular sofrem uma extraordinária e excepcional elevação de preços ou quando os
encargos contratualmente previstos se tornam excessivamente onerosos. Ela é devida,
dessarte, nos casos em que a alteração dos deveres impostos ao contratado
independe de circunstâncias meramente inflacionárias, de modo que a mantença do
equilíbrio econômico-financeiro não pode ser eficazmente solucionada pela aplicação
do mecanismo de reajuste dos preços. Hely Lopes Meirelles6
, de forma precisa,
distingue o reajuste da recomposição de preços:
É obrigatória a revisão do contrato quando as alterações do projeto ou do
cronograma de sua execução, imposta pela Administração, aumentam os
custos ou agravam os encargos do particular contratante, ou quando os atos
gerais do Governo ou dificuldades materiais específicas passam a onerar
extraordinariamente o cumprimento do contrato, desequilibrando a equação
econômico-financeira estabelecida inicialmente entre as partes. Destarte, a
recomposição de preços não se confunde de modo algum com o
reajustamento contratual de preços, pois este surge do consenso inicial das
partes, para manter o equilíbrio econômico-financeiro do contrato durante sua
execução normal, ao passo que aquela, a recomposição, destina-se a
restaurar esse mesmo equilíbrio, desfeito por eventos supervenientes e
extraordinários, não previstos e imprevisíveis pelos contratantes, que
acarretam modificação anormal na situação fática existente na época da
celebração do ajuste. A recomposição de preços, assim, independe de
previsão no contrato de um critério de reajustamento de preços e torna-se
devida no momento em que este deixa de atender à sua finalidade, ou seja, à
manutenção da equação financeira do ajuste, em razão de atos e fatos
inimputáveis ao particular contratante.
Isso posto, vê-se que a revisão de preços é o instrumento idôneo para
proceder às alterações contratuais com vistas ao restabelecimento da equação
econômico-financeira rompida em face da superveniência de áleas extraordinárias,
compreendidas no âmbito da Teoria da Imprevisão, da alteração unilateral do contrato
pela Administração, do fato do príncipe, do fato da Administração e, ainda, do caso
______________
6
MEIRELLES, Hely Lopes. Reajustamento e Recomposição de Preços em Contrato Administrativo. RDA nº
139, 1980. p.18.
7
7
fortuito e da força maior. A recomposição de preços está genericamente prevista na
disposição ampla do art. 65, II, “d”, da Lei 8.666/93. Ademais, na dicção do §5º do
mesmo artigo, a revisão de preços é admitida de forma expressa na hipótese de
desequilíbrios causados pela superveniência de tributos, encargos ou disposições
legais.
Em face do exposto, não obstante derivarem do mesmo princípio da
intangibilidade da equação econômico-financeira do contrato administrativo, a
atualização financeira, o reajuste e a revisão de preços são figuras de natureza jurídica
e de objeto diversos. Por isso, de acordo com Marçal Justen Filho7
,
o tratamento das três figuras pode ser distinto. Nada impede que se cumulem
recomposição e reajuste. Podem ocorrer variações extraordinariamente
elevadas em certos casos concretos, que ultrapassem largamente a variação
dos medidores da inflação. Nesse caso, o particular poderia pleitear, além do
reajuste, a recomposição de preços. A concessão do reajuste não exaure o
direito à recomposição do equilíbrio econômico-financeiro da contratação.
2. Elementos Norteadores do Reajustamento de Preços nos
Contratos de Obras e Serviços de Engenharia
2.1. Evolução Histórica no Direito Positivo
Conforme já acenamos, o reajuste de preços dos contratos
administrativos foi resultado da política de indexação da economia incentivada pelo
Poder Público no período de alta inflação, em que era imperiosa uma rotineira revisão
dos preços contratados para atualizá-los e protegê-los dos efeitos ruinosos da perda do
poder aquisitivo da moeda. Dentro desse contexto, foram editadas leis com o fito de
regulamentar a matéria, institucionalizando, destarte, mecanismo já consagrado pela
prática contratual pátria.
O primeiro diploma legal a prever expressamente o reajuste de preços na
seara dos contratos administrativos foi o Decreto-Lei nº 2.300, de 21 de novembro de
1986, que disciplinava as licitações e contratos administrativos. Nos termos do art. 32
______________
7
Ob. cit., p.534.
8
8
do aludido Decreto-Lei, a inclusão de cláusulas de reajustamento de preços era uma
faculdade da Administração Pública.
Com o advento da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, alterada pela Lei
nº 8.883, de 8 de junho de 1994, que instituiu normas gerais para licitações contratos
da Administração Pública, a cláusula de reajuste de preços deixou de ser uma mera
faculdade da Administração, convertendo-se em um elemento essencial para todos os
editais e contratos, conforme se defere da leitura dos arts. 40, XI e 55, III.
Aos 07 de fevereiro de 1994, foi editado o Decreto nº 1.054, que
regulamentou o reajuste de preços nos contratos da Administração Federal direta e
indireta, e que teve seu texto parcialmente modificado pelo Decreto nº 1.110, de 13 de
abril de 1994. O Decreto 1.054/94 repetiu as disposições gerais contidas na Lei de
Licitações e Contratos e estabeleceu algumas importantes definições, tais como a de
periodicidade, índice de custos ou preços, índice inicial, data-base, etc.
No propósito de marchar rumo à erradicação do fenômeno inflacionário, o
Governo Federal instituiu, no primeiro semestre de 1994, o Programa de Estabilização
Econômica. Assim, aos 27 de maio de 1994, foi publicada a Lei nº 8.880 que dispôs
sobre o referido Programa e instituiu a URV – Unidade Real de Valor - que consistiu
numa espécie de indexador a ser utilizado durante o período da transição entre o
Cruzeiro Real e a nova moeda: o Real. No que tange à questão específica do reajuste
de preços, o art. 11 da Lei 8.880/94, preconizou:
Art. 11. Nos contratos celebrados em URV, a partir de 1º de março de 1994,
inclusive, é permitido estipular cláusula de reajuste de valor por índice de
preços ou por índice que reflita a variação ponderada dos custos dos insumos
utilizados, desde que a aplicação da mesma fique suspensa pelo prazo de
um ano. (Grifos nosso)
Aos 29 de junho de 1995, foi editada a Lei nº 9.069, que dispôs sobre o
Plano Real e o Sistema Monetário Nacional, estabelecendo as regras e condições de
emissão do REAL e os critérios para conversão das obrigações para o REAL. O art. 28
dessa lei aludiu ao reajuste contratual nos seguintes termos:
Art. 28. Nos contratos celebrados ou convertidos em REAL com cláusula de
correção monetária por índices de preço ou por índice que reflita a variação
ponderada dos custos dos insumos utilizados, a periodicidade de aplicação
dessas cláusulas será anual.
§ 1º É nula de pleno direito e não surtirá nenhum efeito cláusula de
correção monetária cuja periodicidade seja inferior a um ano.
9
9
(...)
§ 3º A periodicidade de que trata o caput deste artigo será contada a
partir:
(...)
III - da contratação, no caso de obrigações contraídas após 1º de julho
de 1994. Os grifos não constam no original.
O referido dispositivo reiterou a periodicidade anual para aplicação da
cláusula de reajuste de preços, dispondo, ainda, que o interregno de um ano para a
concessão do primeiro reajuste deveria ser computado a partir da data da contratação.
Aos 14 de fevereiro de 2001, foi editada a Lei nº 10.192, que dispôs sobre
medidas complementares ao Plano Real. O caput do artigo 2º desta Lei admitiu, de
forma expressa, o reajuste de preços para contratos com prazo de duração igual ou
superior a um ano. Por sua vez, à semelhança dos diplomas legais antecedentes, o §
1º do mesmo artigo vedou, sob pena de nulidade, a estipulação de reajustamentos de
periodicidade inferior a um ano.
Entretanto, de forma diversa da constante no art. 28, § 3º, III, da Lei nº
9.069/95, o § 1º do artigo 3º da Lei nº 10.192/01 dispôs sobre a periodicidade anual nos
seguintes termos:
Art. 3o Os contratos em que seja parte órgão ou entidade da Administração
Pública direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios, serão reajustados ou corrigidos monetariamente de acordo com as
disposições desta Lei, e, no que com ela não conflitarem, da Lei no 8.666, de
21 de junho de 1993.
§ 1º A periodicidade anual nos contratos de que trata o caput deste
artigo será contada a partir da data limite para apresentação da proposta
ou do orçamento a que essa se referir.(Grifos nosso).
Feita esta breve exposição dos dispositivos legais reguladores do reajuste
de preços, fica caracterizada a existência de alguns pontos que podem dar ensejo a
divergências interpretativas, mormente no que se refere às questões da
imprevisibilidade e da exigibilidade do reajustamento e dos critérios para o cômputo do
percentual de reajuste de preços.
10
10
2.2. Da Imprevisibilidade no Edital e no Contrato
A ausência da previsão expressa no Edital de determinadas cláusulas,
erigidas à condição de essenciais pela Lei nº 8.6666/93, constitui um forte elemento de
incerteza para os licitantes quando da formulação das propostas. Nesse contexto, a
insegurança jurídica provocado pelas lacunas editalícias tem levado os licitantes a se
precaverem através da majoração dos seus preços, em detrimento, por óbvio, do
interesse público. É justamente para evitar essa situação indesejável que reside a
importância de analisar a questão do direito ao reajuste de preços, nos casos em que o
mesmo não se encontra expressamente previsto no Edital e no Contrato.
Significativa parcela dos doutrinadores se inclina no sentido de que a
previsão expressa no instrumento convocatório da licitação é conditio sine qua non
para a concessão de reajuste nos preços. É de se notar que os defensores da
imprescindibilidade da previsão da cláusula de reajuste de preços no Edital e no
contrato pautam seus argumentos precipuamente no respeito aos princípios da
igualdade e da vinculação ao instrumento convocatório. Os mesmos alegam, ainda,
que a não definição a priori da concessão do reajuste acarretaria a desuniformidade
das propostas, as quais seriam formuladas sob condições desiguais. Alertam, ademais,
para o risco de direcionamento do certame licitatório para certos licitantes detentores
de informações privilegiadas.
Entretanto, não obstante as valiosas opiniões em contrário, filiamo-nos à
tese que considera o reajuste de preços um direito do contratado, ainda que não esteja
previsto no edital da licitação ou no contrato.
Vimos que, com a Constituição de 1988, o direito ao equilíbrio econômico-
financeiro do contrato administrativo passou a ter raiz constitucional, assegurado nos
termos do art. 37, XXI, da carta magna. Em palavras singelas, para serem mantidas as
efetivas condições das propostas8
, a Administração passou a ter a incumbência de
manter íntegra a equação econômico-financeira inicial, defendendo-a contra os ônus
que o contratado venha a sofrer em decorrência, dentre outras causa, do desgaste do
poder aquisitivo da moeda provocado por inflação.
O novo paradigma constitucional teve reflexo na legislação ordinária
subseqüente, sobretudo com o advento da Lei nº 8.666/93, que vaticinou a proteção ao
equilíbrio econômico-financeiro em vários dos seus dispositivos. Nesse diapasão, a Lei
______________
8
Constituição Federal de 1988, artigo 37, inciso XXI.
11
11
de Licitações, nos termos dos seus artigos 40, XI e 55, III, tornou obrigatório o reajuste
de preços, como se defere da leitura dos trechos a seguir transcritos:
Art. 40. O edital conterá no preâmbulo o número de ordem em série anual, o
nome da repartição interessada e de seu setor, a modalidade, o regime de
execução e o tipo da licitação, a menção de que será regida por esta Lei, o
local, dia e hora para recebimento da documentação e proposta, bem como
para início da abertura dos envelopes, e indicará, obrigatoriamente, o
seguinte:
(...)
XI - critério de reajuste, que deverá retratar a variação efetiva do custo de
produção, admitida a adoção de índices específicos ou setoriais, desde a data
prevista para apresentação da proposta, ou do orçamento a que essa
proposta se referir, até a data do adimplemento de cada parcela;
(...)
Art. 55. São cláusulas necessárias em todo o contrato as que estabeleçam:
(...)
III – o preço e as condições de pagamento, os critérios, data-base e
periodicidade do reajustamento de preços, os critérios de atualização
monetária entre a data do adimplemento das obrigações e a do efetivo
pagamento. (Grifos nosso)
Vê-se, pois, que no regime da Lei de Licitações e Contratos, o reajuste de
preços decorre de ordem legal, e não de deferimento administrativo. A lei impõe à
Administração reajustar os preços contratuais, consoante os critérios que deverão
obrigatoriamente constar no edital e no termo do contrato.
Outro diploma legal que ressaltou a obrigatoriedade do reajuste de preços
dos contratos administrativos é a Lei nº 10.192/01, ao preconizar no caput de seu artigo
3º:
Art. 3o Os contratos em que seja parte órgão ou entidade da Administração
Pública direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios, serão reajustados ou corrigidos monetariamente de acordo com
as disposições desta Lei, e, no que com ela não conflitarem, da Lei no 8.666,
de 21 de junho de 1993.
Isso posto, o fato do reajuste de preços não ter sido previsto no ato
convocatório não autoriza a Administração a descumprir a lei. O que a Lei 8.666/93
preconiza é que os critérios de reajuste é que devem estar previstos no ato
convocatório e no contrato, não o reajuste de preços em si mesmo. Este resulta da lei,
12
12
não do edital ou do contrato. Se o edital e o contrato são omissos quanto à indicação
dos critérios, nem por isto estará a Administração desonerada do dever legal de
satisfazer o reajuste de preços. Pelo lapso do ato convocatório ou do contrato não pode
responder o contratado, nem ser penalizado, diante das expressas disposições das leis
que consagram o dever de reajustar os preços contratados. Ademais, por força do
preceito contido no referido art. 37, XXI, da Constituição Federal, conforme assevera
Marçal Justen Filho9
, “são inconstitucionais todos os dispositivos legais e
regulamentares que pretendam condicionar a concessão de reajustes de preços,
recomposição de preços, correção monetária a uma previsão no ato convocatório ou no
contrato”. Contudo, isso não significa vedar a regulamentação sobre o cálculo dos
reajustes. Quanto a isso, os dispositivos relacionados com o Plano Real não são
inconstitucionais.
A ausência de previsão contratual do reajuste não importa supressão ou
vedação a tanto. No entanto, tornará a questão mais complexa e difícil de ser
solucionada na via administrativa. A questão se resolve pela consideração de que o
particular tem o direito de obter o restabelecimento da equação econômico-financeira
contratual, rompida pelos efeitos inflacionários. Nesse sentido, convém trazer à colação
o Acórdão nº 376/1997 – Primeira Câmara do TCU10
, em que se reconheceu que a
ausência de previsão de reajuste não impedia sua prática, conforme se aduz do trecho
a seguir transcrito:
A Unidade Técnica deste Tribunal, ao examinar as alegações de defesa
apresentadas pelos responsáveis, entendeu que, não obstante inexistir na
Lei nº 7.730, de 31.01.89(Plano Verão), dispositivo permitindo o reajuste de
contratos, o procedimento adotado pelos responsáveis foi regular, uma
vez feito em obediência ao preceituado no art.55, inciso II, letra "d", que previa
o reajuste de contratos celebrados pela Administração, quando ocorrida a
necessidade de se manter o equilíbrio econômico do mesmo. (Grifos
nosso)
Omisso o edital e o contrato, a solução do problema deverá recair na
escolha adequada dos índices de custos oficiais usualmente utilizados pela
Administração para reajustar os preços dos seus contratos de longo prazo. Por óbvio,
esses índices setoriais hão de ser necessariamente condizentes com a natureza das
______________
9
Ob. cit., p.535.
10
BRASIL. Tribunal de Contas da União, 1º Câmara. Acórdão 376/1997, Processo TC 724.050/94-09, Publicado no
Diário Oficial da União de 08/09/1997.
13
13
prestações a terem seus valores reajustados. No mais, a Administração deverá se valer
das regras previstas em lei para o cômputo dos percentuais de reajustamento.
2.3. Do Lapso Temporal entre as Datas da Apresentação da Proposta
e a da Contratação
Sabe-se que, por força do principio da vinculação ao instrumento
convocatório, todos os contratos administrativos devem reproduzir os direitos,
obrigações e responsabilidades que hajam sido definidos nos respectivos atos
convocatórios e nas propostas vencedoras. Assim, resta patente a interdependência do
contrato em relação à proposta, haja vista que qualquer desconformidade nesta
inevitavelmente repercutirá naquele. Desse modo, para o bem da execução contratual,
é imprescindível que preços da proposta vencedora estejam exeqüíveis e compatíveis
com os do mercado à época da contratação. Ocorre que, entre a data da apresentação
da proposta e da efetiva contratação, não é incomum que se transcorra um lapso
temporal significativo, fato este que tem ensejado alguns questionamentos acerca da
forma de aplicação dos critérios de reajuste.
É importante acentuar que a licitação é um procedimento administrativo
integrada, pois, por atos da Administração e do licitante, todos contribuindo para formar
a vontade contratual. Dentro desse contexto, em que pese alguns atos terem prazo
máximo para serem praticados, sob pena de preclusão, a prática de outros se sujeita à
conveniência e à oportunidade administrativa. Desse modo, não é incomum que,
sobretudo em se tratando de objetos de grande vulto ou complexidade, como é o caso
das obras e serviços de engenharia, vários meses separem a apresentação da
proposta da assinatura do contrato com o vencedor da licitação.
A discussão acerca das conseqüências da extemporaneidade entre
proposta e contrato ganha contornos especiais quando se parte para a definição da
data que deve servir de termo a quo para a contagem do período de um ano exigido
para a concessão do primeiro reajuste. A polêmica reside no fato de alguns estudiosos
do tema sustentarem que o termo inicial para o cômputo do prazo anual do primeiro
reajuste ser a data de apresentação da proposta. Para tais estudiosos, o primeiro
reajuste deve ser concedido antes de um ano da vigência do contrato, justamente para
14
14
compensar eventuais distorções, existentes à época da contratação, entre o valor
proposto e o contratado.
No entanto, conforme demonstraremos no tópico a seguir, o primeiro
reajuste só é devido após o decurso de um ano da contratação. Dessa feita, o
contratado deverá arcar com os preços propostos durante o primeiro ano de vigência
do contrato, não podendo exigir a antecipação do reajuste, sob alegação de que os
preços contratuais estariam defasados ou depreciados. A esse respeito, frise-se que,
para vencer o certame licitatório, o licitante houve de ser devidamente habilitado sobre
o ponto de vista técnico. Assim, milita a seu favor a presunção juris tantum que possuía
capacitação técnica para formular conscientemente sua proposta de preços, sabedor
que é das peculiaridades do objeto contratual e das vicissitudes do mercado. Assim, se
o licitante subestimou seus preços ou não levou em consideração as previsíveis
elevações dos custos dos insumos, no intervalo de tempo que mediaria a formulação
da proposta do início da execução contratual, não poderá se escusar legitimamente de
contratar com a Administração.
Urge alertarmos que as distorções nos preços a que nos referimos não
são as resultantes da superveniência de áleas extraordinárias no interregno entre a
apresentação da proposta e a contratação. Nesses casos, é cediço que o particular faz
jus ao restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro rompido, não podendo,
pois, ser compelido a contratar pelo mesmo preço proposto. Contudo, o licitante
vencedor não terá tal direito se as distorções nos preços forem oriundas de álea
ordinária ou empresarial, a qual, na lição de Di Pietro11
, “está presente em qualquer
tipo de negócio; é um risco que todo empresário corre, como resultado da própria
flutuação do mercado; sendo previsível, por ele responde o particular”.
O licitante vencedor poderá, contudo, se recusar legitimamente a celebrar
o contrato na hipótese da Administração o convocar para contratar depois de expirado
o prazo de validade de sua proposta. Feita essa ressalva, faz-se necessário atentar
para o disposto o §3º do art. 64 da Lei nº 8.666/93:
Art. 64. A Administração convocará regularmente o interessado para assinar o
termo de contrato, aceitar ou retirar o instrumento equivalente, dentro do prazo
e condições estabelecidos, sob pena de decair o direito à contratação, sem
prejuízo das sanções previstas no art. 81 desta Lei.
(...)
______________
11
Ob. cit., p.264.
15
15
§ 3
o
Decorridos 60 (sessenta) dias da data da entrega das propostas, sem
convocação para a contratação, ficam os licitantes liberados dos
compromissos assumidos.
O dispositivo em tela consagra o prazo genérico de 60 dias, dentro do
qual os licitantes ficam obrigados a assumir os compromissos consignados na
proposta. Findo este prazo, sem que se convoque o interessado para assinar o
contrato, a lei presume que cessou o interesse público pela contratação, não mais
podendo a Administração exigir que os licitantes mantenham suas propostas. Todavia,
nada impede que, ultrapassado os sessenta dias, o licitante vencedor manifeste o
interesse em contratar. Nesse caso, ressalta Jessé Torres12
, “a convocação serôdia
não inibirá o adjudicatário de aceitar o contrato, se o desejar, desde que nos termos da
proposta. Apenas não estará a tanto obrigado. Por conseguinte, se o recusar, não
estará sujeito às penas previstas no art. 81”.
Consigne-se, ademais, que, pelo fato da norma contida no §3º do art. 64
da Lei nº 8.666/93 disciplinar matéria de interesse predominantemente privado, é lícito
ao edital estabelecer prazo de convocação superior a 60 dias. Corroborando esse
entendimento, afirma Marçal Justen Filho13
, verbis:
Deve-se reputar, no entanto, que a regra é supletiva, aplicando-se quando o
instrumento convocatório não dispuser em contrário. Como o prazo de
validade de propostas é matéria referida preponderantemente ao interesse
privado, o instrumento convocatório pode estabelecer regras diversas, quer
ampliando, quer reduzindo o prazo previsto no § 3
o
Essa orientação, a propósito, acabou por ser consagrada no art. 6º da Lei
nº 10.520, de 17 de julho de 2002, que disciplina o pregão, cuja redação é a seguinte:
Art. 6º O prazo de validade das propostas será de 60 (sessenta) dias, se outro
não estiver fixado no edital.
Analisando esse dispositivo da Lei do Pregão, Marçal Justen Filho14
sustenta:
Deve-se reputar que o dispositivo se aplica genericamente a todas as
licitações. Não se invoque o princípio da especialidade, pretendendo que o
dispositivo seja aplicável apenas ao pregão. Ora, a Lei nº 10.520 veicula
______________
12
TORRES PEREIRA JÚNIOR , Jessé. Comentários à Lei das Licitações e Contratações da Administração
Pública. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p.638.
13
Ob. cit. p.522
14
Ob. cit. pp. 522-523
16
16
normas gerais sobre licitação. Portanto, sua abrangência é ampla. Não seria a
circunstância de destinar-se a disciplinar o pregão que impediria a aplicação
generalizada de normas contidas naquele diploma. Portanto, apenas seria
possível reputar como não extensíveis às demais modalidades licitatórias as
regras contidas na Lei nº 10.520 que fossem especificamente relacionadas
com a natureza do pregão.
Isso posto, incumbe à Administração, com base na modalidade licitatória,
na complexidade do objeto a ser licitado e, sobretudo, na experiência em licitações
anteriores, fixar, para cada licitação, um prazo mínimo de validade para as propostas,
compatível com o tempo médio estimado entre a apresentação da proposta e a
convocação do licitante vencedor para a contratação. Dessa forma, minimizar-se-ão os
riscos de insucesso do certame licitatório.
Em face do exposto, estando a inflação contida em níveis razoavelmente
conhecidos, deverá o contratante formular sua proposta escoimada em previsões bem
feitas e com margem de lucro razoável, sendo previdente ao cotar preços que lhe
assegure retorno econômico dentro do prazo de validade da proposta.
2.4. Da Exigibilidade, da Periodicidade e dos Critérios para a
Apuração do Percentual de Reajustamento
Conforme frisamos no tópico anterior, questão que tem levantado relativa
cizânia doutrinária e jurisprudencial diz respeito à definição do momento em que é
juridicamente exigível o primeiro reajustamento nos preços contratuais. Comentamos,
en passant, que uma das vertentes apregoa que o reajuste de preços só é devido após
um ano da data de apresentação da proposta. À oportunidade, expusemos nossa
discordância para com esse entendimento e tomamos partido da corrente que defende
que o contratado somente faz jus ao primeiro reajuste de preços após o transcurso de
um ano da data da contratação.
Para que possamos compreender e superar as controvérsias subjacentes
à questão, faz-se mister recapitularmos o contexto dentro do qual o instituto do reajuste
de preços foi disciplinado em nosso recente Direito Positivo.
Lembremos que, no início de 1994, o Brasil vivia o ápice de um processo
inflacionário, o que obrigou o Governo a tomar medidas enérgicas para conter a
17
17
marcha desenfreada dos preços. Nesse mesmo ano, foi promulgada a Lei nº 8.880/94,
que dispôs sobre o Programa de Estabilização Econômica e instituiu a URV. Dentre
outras ações, a aludida Lei se preocupou em combater os mecanismos indexadores da
economia, que serviam de fomento para a galopante inflação reinante à época. Para
tanto, uma de suas disposições foi a suspensão imediata, pelo prazo de um ano, da
concessão de reajustes de preços nos contratos, expressa nos termos do art. 11 do
referido diploma legal.
O passo seguinte do Programa de Estabilização Econômica foi dado com
o advento da Lei nº 9.069/95, que dispôs sobre o Plano Real. À semelhança da Lei nº
8.880/94, a Lei do Plano Real manteve a orientação de “congelar” por um ano os
preços contratados ao preconizar, em seu artigo 28, que a periodicidade de aplicação
das cláusulas de reajuste seria anual, contada a partir da contratação.
Entretanto, o panorama mudou com a chegada da Lei nº 10.192/01, que
dispôs sobre as medidas complementares ao Plano Real e vaticinou, no § 1º de seu
art. 3º:
Art. 3o Os contratos em que seja parte órgão ou entidade da Administração
Pública direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios, serão reajustados ou corrigidos monetariamente de acordo com
as disposições desta Lei, e, no que com ela não conflitarem, da Lei no 8.666,
de 21 de junho de 1993.
§ 1
o
A periodicidade anual nos contratos de que trata o caput deste artigo
será contada a partir da data limite para a apresentação da proposta ou
do orçamento a que essa se referir. (Grifos nosso)
O novel dispositivo legal deu margem à interpretação de que o termo
inicial para o cômputo do prazo de um ano para concessão do primeiro reajuste de
preços não mais seria a data da contratação, e sim, a data limite para a apresentação
da proposta ou do orçamento a que essa se referir. Por sua vez, esse entendimento
começou a ser seguido por diversos Órgãos Públicos que passaram, de tal arte, a
reajustar os preços de seus contratos antes de completado um ano de vigência dos
mesmos.
De fato, a leitura isolada e desatenta do § 1º do art. 3º da Lei nº 10.192/01
pode nos levar à falsa impressão de que o legislador optara pela data da apresentação
da proposta como novo termo inicial para o cômputo do prazo de 12 meses requerido
para a concessão do primeiro reajuste. Entretanto, nem é preciso recorrer a outros
18
18
diplomas legais para descobrir que tal interpretação é insustentável. Isso porque, nos
termos do art. 2º da própria Lei nº 10.192/01, :
Art. 2º É admitida estipulação de correção monetária ou de reajuste por
índices de preços gerais, setoriais ou que reflitam a variação dos custos de
produção ou dos insumos utilizados nos contratos de prazo de duração
igual ou superior a um ano.
§ 1º É nula de pleno direito qualquer estipulação de reajuste ou correção
monetária de periodicidade inferior a um ano. (Grifos nosso)
É de se notar, que a disposição insculpida no caput do art. 2º Lei nº
10.192/01, ao restringir a concessão de reajustes de preços apenas para os contratos
com prazo de duração igual ou superior a um ano, está logicamente vedando os
reajustes para contratos com prazo de duração inferior a um ano. Em assim sendo,
estaríamos diante de uma antinomia, pois, a vedação imposta pelo caput do art. 2º não
se compatibilizaria com a, ora combatida, interpretação dada ao § 1º do art. 3º da Lei
nº 10.192/01. À guisa de exemplificação do problema, imaginemos um contrato com
prazo de 10 meses, cuja entrega das propostas licitatórias se deu no mês de janeiro,
sendo a contratação realizada apenas no mês de maio. Assim, admitindo-se que o
termo inicial para contagem do prazo de um ano fosse a data da apresentação da
proposta, o contratado faria jus ao primeiro reajuste no mês de janeiro do ano
subseqüente, ou seja, sete meses após a contratação. Entretanto, procedendo dessa
forma, a Administração estaria infringindo o disposto no art. 2º da Lei nº 10.192/01, que
veda a concessão de reajustes para contratos com prazo de duração inferior a 12
meses.
A solução para esse aparente conflito normativo nos remonta aos
primórdios do Plano Real, onde a proibição de reajuste dos preços contratuais antes do
decurso de um ano da data contratação, como disposto no art. 11 da Lei 8.880/94, no
art. 28 da Lei 9.069/95 e no art. 2º da Lei 10.192/01, teve o propósito claro de auxiliar
na desindexação da economia e, com isso, frear o ímpeto inflacionário. Trata-se, à
evidência, de uma prescrição em que o interesse da sociedade coletivamente
considerada sobreleva a tudo, ou seja, a tutela do mesmo constitui o fim principal do
comando normativo. Por conseguinte, essas normas contêm preceitos imperativos ou
proibitivos de ordem pública, os quais não comportam interpretação ampla, como se
deduz da lição de Carlos Maximiliano15
, verbis:
______________
15
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p.181.
19
19
As prescrições de ordem pública, em ordenando ou vedando, colimam um
objetivo: estabelecer e salvaguardar o equilíbrio social. Por isso, tomadas em
conjunto, enfeixam a íntegra das condições desse equilíbrio, o que não
poderia acontecer se todos os elementos do mesmo não estivessem reunidos.
Atingido aquele escopo, nada se deve aditar nem suprimir. Todo acréscimo
seria inútil; toda restrição, prejudicial. Logo é caso de exegese estrita. Não há
margem para interpretação extensiva, e muito menos para analogia.
Nesse diapasão, nota-se claramente que o caput do art. 2° da Lei
10.192/2000 encerra uma proibição, isto é, proíbe a realização de reajuste em
contratos com prazo de duração inferior a um ano. Se a disposição legal faz incidir
explicitamente a vedação sobre qualquer contrato com prazo inferior a 12 meses, sem
estabelecer nenhuma exceção, então não há como ampliar o alcance da norma.
Significa dizer que, celebrado o contrato, o particular deverá assumir seus preços pelo
prazo de um ano, pois, somente findo tal período é que o primeiro reajuste poderá ser
concedido. Portanto, como não há fundamento para a concessão de reajuste se a
execução do contrato não superar 12 meses, não é possível submeter o mesmo
contrato a uma norma que venha a autorizar o reajustamento antes do decurso de um
ano da contratação.
O entendimento de que é vedada a concessão de reajuste de preços para
os contratos com menos de um ano de vigência encontra-se prestigiado em decisão do
Tribunal de Contas do Rio Grande do Sul, no processo de Tomada de Contas nº
000184-02.00/99-216
, verbis:
b) Já no mês de maio do exercício de celebração do contrato o valor acordado
foi reajustado em oito por cento (8%), o que vale dizer, quatro meses após o
início da relação. Deste modo, também, houve burla ao parágrafo 1º do artigo
2º da Medida Provisória nº. 1540-26/97, assento legal que definiu como nula
de pleno direito a aplicação de reajuste em relações jurídicas que ainda não
tenham completado um ano de vigência. (Grifos nosso).
Ressalte-se que a medida provisória citada foi convertida na Lei nº
10.192/01, mantendo-se a mesma redação do art. 2º, caput e parágrafo 1º.
No entanto, ao simplesmente afirmarmos a supremacia da norma contida
no caput do art. 2º da Lei nº 10.192/01, incorremos no risco de, por extensão, tratar o §
1º do art. 3º como “letra morta” na própria Lei. Esse tipo de tratamento, por seu turno, é
______________
16
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Contas do Estado, Tribunal Pleno. Tomada de Contas nº 000184-02.00/99-
2, Porto Alegre, RS, 29 ago. 2001.
20
20
condenado pela Hermenêutica Jurídica, segundo a qual: “não se presumem, na lei,
palavras inúteis”. A esse respeito, Carlos Maximiliano17
nos adverte que se deve dar
“valor a todos os vocábulos e, principalmente, a todas as frases, para achar o
verdadeiro sentido de um texto; porque este deve ser entendido de modo que tenha
efeito todas as suas provisões, nenhuma parte resulta inoperativa ou supérflua, nula ou
sem significação alguma”.
A exegese do art. 3º da Lei nº 10.192/01 requer perspicácia por parte do
intérprete, haja vista a péssima técnica legislativa empreendida em sua elaboração. A
primeira evidência da desídia na feitura do dispositivo legal em comento se manifesta
quando atentamos para a forma pela qual o § 1º se refere à expressão “periodicidade”.
Com efeito, observa-se que o § 1º alude a uma “periodicidade anual dos contratos”,
supostamente tratada no caput do art. 3º. Ocorre que, em nenhum trecho do caput do
art. 3º, se faz menção à expressão “periodicidade anual dos contratos”. Vê-se, destarte,
a lógica absurda do § 1º, que faz referência a algo que não existe.
Além de colocado de forma despropositada, o vocábulo “periodicidade” é
também empregado em uma acepção equivocada. A definição jurídica de
periodicidade, para fins de reajuste de preços, consta no art. 3º, inc. VI, do Decreto
Federal nº 1.054 de 7 de fevereiro de 1994, com redação alterada pelo Decreto nº
1.110 de 13 de abril de 1994, verbis:
Art. 3°Para os fins deste decreto, são adotadas as seguintes definições:
(...)
VI – periodicidade - intervalo de tempo entre dois reajustes sucessivos
do preço; (Grifos nosso)
Vê-se claramente que o conceito de periodicidade está relacionado com a
idéia de reajustes sucessivos do preço. Assim, a periodicidade, seja ela mensal,
trimestral ou anual, só pode ser compreendida no âmbito do primeiro e do segundo
reajuste, ou do segundo e do terceiro reajuste, e assim por diante. Na esteira desse
raciocínio, não há sentido em falarmos de periodicidade entre o primeiro reajuste e a
contratação, tampouco entre primeiro reajuste e data limite para apresentação da
proposta.
Resta-nos, dessarte, desvendar quais os sentidos e os alcances das
expressões empregadas no § 1º da Lei nº 10.192/01. Para tal desiderato, vamos nos
______________
17
Ob. cit., p.204.
21
21
socorrer do Decreto Federal nº 1.054/94, que foi editado exatamente para regulamentar
o reajuste de preços nos contratos da Administração Federal direta e indireta.
Preconiza o art. 5º do Decreto Federal nº 1.054/94 :
Art. 5°Os preços contratuais serão reajustados par a mais ou para menos, de
acordo com a variação dos índices indicados no instrumento convocatório da
licitação ou nos atos formais de sua dispensa ou inexigibilidade, ou ainda no
contrato, com base na seguinte fórmula, vedada a periodicidade de reajuste
inferior a um ano, contados da data limite para apresentação da
proposta: (Grifos nosso)
R = V( I - Io ) , onde:
Io
R = valor do reajuste procurado;
V = valor contratual do fornecimento, obra ou serviço a ser reajustado;
Io = índice inicial - refere-se ao índice de custos ou de preços
correspondente à data fixada para entrega da proposta da licitação;
I = índice relativo à data do reajuste.
Cotejando o art. 5º do Decreto Federal nº 1.054/94 com o § 1º do art. 3º
da Lei nº 10.192/01, verificamos uma grande semelhança na redação dos dois
dispositivos. De fato, ambos versam sobre “periodicidade anual” e aludem à “contagem
da data limite para a apresentação da proposta”. Evidencia-se, de tal modo, que a
disposição contida no § 1º do art. 3º da Lei nº 10.192/01 teve nítida inspiração no art. 5º
do Decreto Federal nº 1.054/94, servindo este de referência na concepção daquele.
No entanto, por certo o legislador não foi feliz na gênese do § 1º do art. 3º
da Lei nº 10.192/01, visto que o seu texto saiu truncado, resultando uma redação
incoerente e de interpretação conflituosa. Contudo, na lição de Carlos Maximiliano18
,
“prefira-se a inteligência dos textos que torne viável seu objetivo, ao invés da que os
reduz à inutilidade”. Partindo-se dessa premissa, para que possamos captar a intenção
do legislador no § 1º do art. 3º da Lei nº 10.192/01, é imperioso que interpretemos os
significados dos termos do art. 5º do Decreto Federal nº 1.054/94. Desse modo,
alcançaremos os elementos de identidade entre ambas as normas, o que nos permitirá
deduzir qual o preceito contido no § 1º do art. 3º da Lei nº 10.192/01.
______________
18
Ob. cit., p.203.
22
22
A exegese do art. 5º do Decreto Federal nº 1.054/94, por seu turno, não
oferece maiores dificuldades. De início, constata-se que a expressão “contados da data
limite para a apresentação da proposta”, ao contrário do que possa parecer, não faz
referência à expressão “periodicidade de reajuste inferior a um ano”. Isso porque, em
que pese haver apenas uma vírgula separando as aludidas expressões, entre os
vocábulos “contados” e “periodicidade” inexiste concordância. Ademais, vimos que, nos
termos do art. 3º, inc. VI, do mesmo decreto federal, a definição de periodicidade não
guarda nenhuma correlação com a data da apresentação da proposta.
Em verdade, a expressão “contados da data limite para a apresentação
da proposta” alude a “índices indicados no instrumento convocatório da licitação”. Para
se chegar a essa conclusão, há de se atentar para a parte inicial do caput do art. 5º,
onde é dito que os preços contratuais serão reajustados de acordo com a variação dos
índices indicados no instrumento convocatório da licitação. Por seu turno, é a variação
de tais índices que deverá ser contada da data limite para a apresentação da proposta
até a data do reajuste. O próprio art. 5º confirma esse entendimento na medida em que
define a fórmula a ser utilizada para o cálculo valor do reajuste em função da variação
dos aludidos índices. Na disciplina dessa fórmula, por sua vez, está indicado
expressamente que o índice inicial – Io – se refere ao índice de custos ou preços
correspondentes a data fixada para a entrega da proposta da licitação. Ademais, essa
mesma prescrição também é observada no art. 40, XI, da Lei nº 8.666/93, verbis:
Art. 40. O edital conterá no preâmbulo o número de ordem em série anual, o
nome da repartição interessada e de seu setor, a modalidade, o regime de
execução e o tipo da licitação, a menção de que será regida por esta Lei, o
local, dia e hora para recebimento da documentação e proposta, bem como
para início da abertura dos envelopes, e indicará, obrigatoriamente, o
seguinte:
(...)
XI - critério de reajuste, que deverá retratar a variação efetiva do custo de
produção, admitida a adoção de índices específicos ou setoriais, desde a
data prevista para apresentação da proposta, ou do orçamento a que
essa proposta se referir, até a data do adimplemento de cada parcela;
(Grifos nosso)
Isso posto, compatibilizando-se os termos do art. 5º do Decreto Federal nº
1.054/94 com os do § 1º do art. 3º da Lei nº 10.192/01, estamos convencidos de que:
1 – A referência à “periodicidade anual nos contratos de que trata o caput”
consiste na ratificação da determinação, presente nos diplomas legais antecedentes,
23
23
de que o intervalo entre dois reajustes sucessivos de preços continua sendo de um
ano;
2 – A expressão “contada a partir da data limite para a apresentação da
proposta ou do orçamento a que se referir” faz alusão à variação dos índices de custos
a serem considerados no cômputo do percentual de reajuste. Nesses termos, o
dispositivo preconiza que o índice inicial de custo a ser considerado para o cômputo do
percentual de reajustamente corresponde ao da data limite para a apresentação da
proposta ou do orçamento a que esta se referir.
Em face do exposto, entendemos que a interpretação que melhor se
coaduna com o “espírito” da lei, compreendida no âmbito do complexo de
circunstâncias específicas que constituíram o impulso exterior à emanação da norma
jurídica, pode ser sintetizada da seguinte forma:
1º) O preço reajustado (Pi) em uma dada época “i” deve ser computado
através da aplicação da seguinte fórmula:
Io
IiPo
Pi
×
=
i = 1, 2,...n
onde,
Pi = Preço reajustado na época “i” ;
Po = Preço contratado;
Io = Índice setorial de custos ou de preços correspondente à data fixada
para apresentação da proposta ou do orçamento a que ela se referir;
Ii = Índice setorial de custos ou de preços correspondente à época “i”.
2º) A época “i” corresponde a:
i = 1, um ano após a data da contratação;
i = 2, dois anos após a data da contratação;
...
i = n, n anos após a data da contratação.
24
24
3. Conclusões
No que atina aos aspectos relacionados à figura do reajuste de preços na
seara dos contratos de obras e serviços de engenharia celebrados pela Administração
Pública, as considerações, análises e ponderações tecidas no trabalho em epígrafe nos
permite extrair, fundamentalmente, as seguintes conclusões:
● O equilíbrio econômico-financeiro dos contratos administrativos é
um direito do contratante particular, assegurado nos termos do art. 37, XXI da
Constituição Federal.
● Um dos motivos que ensejam o desequilíbrio econômico-financeiro
contratual é o desgaste do poder aquisitivo da moeda, provocado pelos efeitos da
inflação nos contratos que se perlongam no tempo.
● O reajuste de preços é mecanismo estabelecido para preservar a
equação econômico-financeira do contrato, através da utilização de fórmulas atreladas
a índices de custos setoriais, vinculados a elevações inflacionárias quanto a prestações
específicas.
● Não se confunde o reajuste de preços com a recomposição ou
revisão de preços, tampouco com a atualização financeira. Malgrado derivarem do
mesmo princípio da intangibilidade da equação econômico-financeira do contrato
administrativo, os três institutos têm natureza jurídica e objeto diversos.
● A concessão do reajuste de preços é obrigatória, atendidos aos
pressupostos legais. O direito ao reajuste de preços resulta da lei, e não do edital ou do
contrato. Os critérios do reajustamento é que devem estar previstos no ato
convocatório da licitação e no instrumento contratual. A ausência de previsão editalícia
ou contratual do reajuste de preços não importa supressão ou vedação a tanto.
● É vedado o reajuste de preços para os contratos com prazo de
duração inferior a doze meses. Isto é o que se deduz da leitura do art. 2º, da Lei nº
10.192/01, que ratifica a determinação de “congelamento” dos preços contratuais pelo
período de um ano após a contratação, preconizada nas Leis 8.880/94 e 9.069/95
● Em face do disposto no art. 11 da Lei nº 8.880/94, art. 28 da Lei nº
9.069/95 e art. 2º da Lei nº 10.192/01, o primeiro reajuste de preços nos contratos
administrativos só é devido um ano após a data da contratação.
25
25
● A inflação, no intervalo que media a apresentação da proposta e a
data contratação, deve ser suportada pelo contratado. Assim, o particular deve formular
sua proposta tendo em vista os efeitos da inflação durante o prazo de validade da
mesma. Findo o prazo de validade da proposta, o contratado não é mais obrigado a
contratar com a Administração, mas, se assim o fizer, terá que manter os termos
propostos.
● No silêncio do edital, por força do § 3º do art. 64 da Lei nº 8.666/93,
o prazo de validade da proposta é de sessenta dias. Este prazo pode ser reduzido ou
ampliado no interesse da Administração, desde que expressamente previsto no edital.
● A periodicidade do reajustamento corresponde ao intervalo de
tempo entre dois reajustes sucessivos do preço (art. 3º, VI, do Decreto nº 1.110 de 13
de abril de 1994). Nos termos das Leis nºs 8.880/94, 9.069/95 e 10.192/01, a
periodicidade do reajuste de preços nos contratos administrativos é de um ano.
● O reajustamento dos preços deve ser proporcional à variação
percentual dos índices de preços ou custos, no período compreendido entre a data da
apresentação da proposta ou a do orçamento a que ela se referir e a data em que for
devido o reajuste.
Referências Bibliográficas
JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos
Administrativos. São Paulo: Dialética, 2004.
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. Rio de Janeiro:
Forense, 2006.
MEIRELLES, Hely Lopes. Reajustamento e Recomposição de Preços em Contrato
Administrativo. RDA nº 139, 1980.
SYLVIA ZANELLA DE PIETRO, Maria. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2004.
TORRES PEREIRA JÚNIOR , Jessé. Comentários à Lei das Licitações e
Contratações da Administração Pública. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.

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  • 1. REAJUSTAMENTO DE PREÇOS NOS CONTRATOS DE OBRAS E SERVIÇOS DE ENGENHARIA - ASPECTOS POLÊMICOS E METODOLOGIA PARA A CONCESSÃO DOS REAJUSTES ULYSSES JOSÉ BELTRÃO MAGALHÃES INSPETOR DE OBRAS PÚBLICAS DO TCE/PE
  • 2. 1 1 Introdução Ao longo da década de oitenta e início da de noventa, o Brasil conviveu com uma inflação crônica que corroia impiedosamente o valor da moeda. Dentro desse contexto, para corrigir, ou ao menos atenuar, os efeitos ruinosos da inflação, o Governo promoveu a institucionalização de mecanismos voltados à indexação da economia. Essa política atrelada a índices econômicos teve forte reflexo na seara contratualista, manifestando-se, sobretudo, através da cláusula de reajuste de preços nos contratos contendo obrigações de cunho pecuniário. Por essa cláusula, autorizava-se a majoração do preço originariamente fixado para a remuneração do objeto contratual, com base na variação de determinado índice de preços ou custos. Assim, por muito tempo, foi corriqueiro o pagamento de despesas através de faturas nas quais eram automaticamente incorporados, além dos valores nominais das prestações adimplidas, os acréscimos referentes a reajustamentos dos preços contratuais. Contudo, em julho de 1994, o advento do Plano Real marcou o início de um processo de ruptura com a cultura inflacionária, estabelecendo-se, a partir de então, uma nova ordem na economia nacional. No entanto, a estratégia de estabilização começara antes, com a adoção de um indexador diário, a Unidade de Referência de Valores – URV – instituída através da Lei nº 8.880, de 27 de maio de 1994. Dentre as disposições estatuídas através do aludido diploma legal, ressalte-se a que determinou que, a partir de 1º de março de 1994, os contratos celebrados com a Administração Pública teriam a aplicabilidade de suas cláusulas de reajustes de preços suspensas pelo prazo mínimo de um ano. Estava, assim, condenada a prática do reajustamento automático dos preços dos contratos administrativos. A Lei 8.880/94 representou, destarte, um marco no processo de desindexação da economia, alterando de forma contundente a sistemática das contratações na esfera pública e privada. Após a edição da Lei 8.880/94, foram promulgadas a Lei nº 9.069, de 29 de junho de 1995 e a Lei nº 10.192, de 14 de fevereiro de 2001, que dispuseram sobre o Plano Real e estabeleceram regras e condições para as obrigações contraídas na
  • 3. 2 2 nova moeda, inclusive no que se refere à questão do reajustamento contratual. Do mesmo modo que a Lei 8.880/94, os referidos diplomas legais reiteraram a proibição quanto a estipulação de cláusulas de reajustamento dos valores contratuais com periodicidade inferior a um ano. Ocorre que, malgrado a clareza no tocante à disciplina da periodicidade anual mínima, os textos das referidas leis não andaram tão bem no regramento dos demais dispositivos norteadores da matéria, mormente no que diz respeito ao instante em que seria exigível a primeira reforma nos preços e, sobretudo, na definição das datas-base a serem consideradas para a apuração do percentual de reajustes. Isso tudo tem sido motivo de divergências interpretativas e, por conseguinte, tem gerado um indesejável clima de insegurança jurídica por parte dos interessados em contratar com a Administração Pública. Tecidas estas breves considerações, há de se ressaltar que, não obstante as análises e ponderações consubstanciadas no presente trabalho serem aplicáveis a todas as espécies de contratos administrativos, a problemática do reajustamento de preços se revela de forma mais marcante nos contratos de obras e serviços de engenharia. De fato, são em contratos dessa natureza que residem os maiores questionamentos e dificuldades de ordem prática-operacional em matéria de reajustamento, haja vista a complexidade e peculiaridade de seus objetos. Com efeito, por se tratarem de contratos de execução diferida no tempo e que, não raro, envolvem recursos financeiros de grande monta, que, nesses casos, o problema do reajuste de preços se manifesta de forma mais visível e enfática. Reside aí a importância de delinearmos adequadamente o tema de sorte que possamos ultrapassar as controvérsias subjacentes ao mesmo e propor uma metodologia para a concessão dos reajustes que represente o real sentido e alcance das expressões do direito.
  • 4. 3 3 1. Reajuste de Preços e Equilíbrio Econômico-Financeiro Contratual - Notas Características Nos contratos celebrados com a Administração Pública, a principal garantia assegurada ao contratado pode ser traduzida no chamado direito à intangibilidade do equilíbrio econômico-financeiro contratual. Consoante o magistério de Di Pietro1 , “equilíbrio econômico-financeiro ou equação econômico-financeira é a relação que se estabelece, no momento da celebração do contrato, entre o encargo assumido pelo contratado e a contraprestação assegurada pela Administração”. De modo exemplificativo, Marçal Justen Filho2 elenca as espécies de encargos e contraprestações (remuneração, na concepção de Justen Filho) abarcadas no conceito de equilíbrio econômico-financeiro, verbis: O equilíbrio econômico-financeiro abrange todos os encargos impostos à parte, ainda quando não se configurem como “deveres jurídicos” propriamente ditos. São relevantes os prazos de início, execução, recebimento provisório e definitivo previstos no ato convocatório; os processos tecnológicos a serem aplicados; as matérias primas a serem utilizadas; as distâncias para entrega dos bens; o prazo para pagamento etc. O mesmo se passa quanto à remuneração. Todas as circunstâncias atinentes à remuneração são relevantes, tais como prazos e forma de pagamento. Não se considera apenas o valor que o contratante receberá, mas também as épocas previstas para sua liquidação. A garantia do contratado à manutenção da equação econômico- financeira contratual tem sede constitucional, não podendo ser afetada nem mesmo por lei. Nesse sentido, a Constituição de 1988, em seu artigo 37, XXI, dispõe expressamente: Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá ao princípio da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (...) ______________ 1 SYLVIA ZANELLA DE PIETRO, Maria. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2004, p. 263. 2 JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. São Paulo: Dialética, 2004, p. 528.
  • 5. 4 4 XXI – ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações; (grifos nosso) (...) A manutenção da equação econômico-financeira é, pois, um direito do contratado que a Administração Pública há obrigatoriamente de respeitar em toda sua plenitude. Para assegurar a efetivação do direito à manutenção da equação econômico-financeira contratual, foram incorporados ao Ordenamento Jurídico mecanismos destinados a operacionalizar a restauração do equilíbrio rompido. Nesse contexto, surgiram os institutos da atualização financeira, do reajuste e da recomposição de preços. Ocorre que, em virtude de todos esses institutos terem reflexo direto sobre os valores contratuais, frequentemente a doutrina diverge em termos da nomenclatura apropriada, confundindo figuras distintas entre si. Assim, para não incorrermos em inadequações terminológicas ou em confusões conceituais, urge traçarmos, em linhas gerais, as notas distintivas entre os aludidos institutos. A atualização financeira, por vezes denominada atualização ou correção monetária, no magistério de Celso Antônio Bandeira de Mello3 , “é a simples variação numérica expressiva de um mesmo valor que permanece inalterado e tão somente passa a ser expresso por números diferentes”. Ela é cabível nos casos de atraso de pagamento por parte da Administração, com a finalidade de evitar que o contratado receba menos do que efetivamente lhe é devido, preservando, dessarte, o valor de seu crédito. Não há dúvidas de que a mora no pagamento afeta inevitavelmente a equação econômico-financeira, haja vista que esta é delineada com base na programação de desembolso financeiro prometida pela Administração. Como deve retratar a perda do poder aquisitivo da moeda, a atualização financeira se refere a índices gerais da inflação, tais como o INPC, o IGPM, etc. Conforme previsto no art. 7º, §7º, da Lei nº 8.666/93, a atualização monetária das obrigações de pagamento deve incidir desde a data final de cada período de aferição até o respectivo pagamento. ______________ 3 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2003. p.582.
  • 6. 5 5 O reajuste de preços, por seu turno, é instituto concebido com a finalidade de alterar o valor a ser pago em função da variação do valor dos insumos que determinavam a composição do preço do objeto contratual. Trata-se de um mecanismo estabelecido para preservar o conteúdo econômico-financeiro do ajuste, através da utilização de fórmulas atreladas a índices de custos de insumos publicados com base em dados oficiais ou por instituições de credibilidade, como o INCC da FGV. Ao discorrer sobre a cláusula de reajuste, Celso Antônio Bandeira de Mello4 assinala: Pela cláusula de reajuste, o contratante particular e o Poder Público adotam no próprio contrato o pressuposto rebus sic stantibus quanto aos valores então demarcados, posto que estipulam a revisão dos preços em função das alterações subseqüentes. É dizer: pretendem acautelar os riscos derivados das altas que, nos tempos atuais, assumem caráter de normalidade. Portanto, fica explícito no ajuste o propósito de garantir com previdência a equação econômico-financeira, na medida em que se renega a imutabilidade de um valor fixo e se acolhe, como um dado interno à própria avença, a atualização do preço. Da mesma forma que a atualização financeira, o reajuste de preços também é fruto da prática contratual pátria de indexação da economia no período de grande inflação. Entretanto, em que pese a semelhança dos institutos, não se pode confundir atualização monetária com reajuste de preços, pois, enquanto este se baseia em índices setoriais vinculados a elevações inflacionárias quanto a prestações específicas, aquela se refere aos índices gerais de inflação. Ainda no que concerne à distinção entre as duas figuras, é de grande valia trazer à colação a seguinte lição de Celso Antônio Bandeira de Mello5 : Assim, ao contrário da correção monetária, em que o valor devido permanece constante, alterando-se apenas a quantidade de moeda que expressa o mesmo valor, no reajuste, em consideração ao fato de que se alterou o próprio custo da prestação ajustada, aumenta-se o valor do pagamento. Donde – em contraposição à correção monetária – no reajuste com base nos insumos o valor da prestação se modifica, modificando-se também o valor do pagamento , para que haja entre ambos uma correlação precisa. A derradeira figura a ser considerada na presente análise é da chamada recomposição de preços, também conhecida por revisão de preços, ou ainda, repactuação de preços. Por oportuno, pedimos vênia para criticar os que insistem em denominar o instituto em comento de reequilíbrio econômico-financeiro. À evidência, ______________ 4 Ob. cit., p.602. 5 Ob. cit., p.584.
  • 7. 6 6 quem assim o faz está a confundir meio com fim. Em verdade, o reequilíbrio econômico-financeiro contratual não é um instrumento, e sim o propósito almejado, tanto pela atualização financeira, quanto pelo reajuste e pela revisão de preços. A recomposição de preços é instituto utilizado para o restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro, rompido em razão de ocorrências discrepantes do previsto e pactuado pelas partes. Isso ocorre quando as prestações a cargo do particular sofrem uma extraordinária e excepcional elevação de preços ou quando os encargos contratualmente previstos se tornam excessivamente onerosos. Ela é devida, dessarte, nos casos em que a alteração dos deveres impostos ao contratado independe de circunstâncias meramente inflacionárias, de modo que a mantença do equilíbrio econômico-financeiro não pode ser eficazmente solucionada pela aplicação do mecanismo de reajuste dos preços. Hely Lopes Meirelles6 , de forma precisa, distingue o reajuste da recomposição de preços: É obrigatória a revisão do contrato quando as alterações do projeto ou do cronograma de sua execução, imposta pela Administração, aumentam os custos ou agravam os encargos do particular contratante, ou quando os atos gerais do Governo ou dificuldades materiais específicas passam a onerar extraordinariamente o cumprimento do contrato, desequilibrando a equação econômico-financeira estabelecida inicialmente entre as partes. Destarte, a recomposição de preços não se confunde de modo algum com o reajustamento contratual de preços, pois este surge do consenso inicial das partes, para manter o equilíbrio econômico-financeiro do contrato durante sua execução normal, ao passo que aquela, a recomposição, destina-se a restaurar esse mesmo equilíbrio, desfeito por eventos supervenientes e extraordinários, não previstos e imprevisíveis pelos contratantes, que acarretam modificação anormal na situação fática existente na época da celebração do ajuste. A recomposição de preços, assim, independe de previsão no contrato de um critério de reajustamento de preços e torna-se devida no momento em que este deixa de atender à sua finalidade, ou seja, à manutenção da equação financeira do ajuste, em razão de atos e fatos inimputáveis ao particular contratante. Isso posto, vê-se que a revisão de preços é o instrumento idôneo para proceder às alterações contratuais com vistas ao restabelecimento da equação econômico-financeira rompida em face da superveniência de áleas extraordinárias, compreendidas no âmbito da Teoria da Imprevisão, da alteração unilateral do contrato pela Administração, do fato do príncipe, do fato da Administração e, ainda, do caso ______________ 6 MEIRELLES, Hely Lopes. Reajustamento e Recomposição de Preços em Contrato Administrativo. RDA nº 139, 1980. p.18.
  • 8. 7 7 fortuito e da força maior. A recomposição de preços está genericamente prevista na disposição ampla do art. 65, II, “d”, da Lei 8.666/93. Ademais, na dicção do §5º do mesmo artigo, a revisão de preços é admitida de forma expressa na hipótese de desequilíbrios causados pela superveniência de tributos, encargos ou disposições legais. Em face do exposto, não obstante derivarem do mesmo princípio da intangibilidade da equação econômico-financeira do contrato administrativo, a atualização financeira, o reajuste e a revisão de preços são figuras de natureza jurídica e de objeto diversos. Por isso, de acordo com Marçal Justen Filho7 , o tratamento das três figuras pode ser distinto. Nada impede que se cumulem recomposição e reajuste. Podem ocorrer variações extraordinariamente elevadas em certos casos concretos, que ultrapassem largamente a variação dos medidores da inflação. Nesse caso, o particular poderia pleitear, além do reajuste, a recomposição de preços. A concessão do reajuste não exaure o direito à recomposição do equilíbrio econômico-financeiro da contratação. 2. Elementos Norteadores do Reajustamento de Preços nos Contratos de Obras e Serviços de Engenharia 2.1. Evolução Histórica no Direito Positivo Conforme já acenamos, o reajuste de preços dos contratos administrativos foi resultado da política de indexação da economia incentivada pelo Poder Público no período de alta inflação, em que era imperiosa uma rotineira revisão dos preços contratados para atualizá-los e protegê-los dos efeitos ruinosos da perda do poder aquisitivo da moeda. Dentro desse contexto, foram editadas leis com o fito de regulamentar a matéria, institucionalizando, destarte, mecanismo já consagrado pela prática contratual pátria. O primeiro diploma legal a prever expressamente o reajuste de preços na seara dos contratos administrativos foi o Decreto-Lei nº 2.300, de 21 de novembro de 1986, que disciplinava as licitações e contratos administrativos. Nos termos do art. 32 ______________ 7 Ob. cit., p.534.
  • 9. 8 8 do aludido Decreto-Lei, a inclusão de cláusulas de reajustamento de preços era uma faculdade da Administração Pública. Com o advento da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, alterada pela Lei nº 8.883, de 8 de junho de 1994, que instituiu normas gerais para licitações contratos da Administração Pública, a cláusula de reajuste de preços deixou de ser uma mera faculdade da Administração, convertendo-se em um elemento essencial para todos os editais e contratos, conforme se defere da leitura dos arts. 40, XI e 55, III. Aos 07 de fevereiro de 1994, foi editado o Decreto nº 1.054, que regulamentou o reajuste de preços nos contratos da Administração Federal direta e indireta, e que teve seu texto parcialmente modificado pelo Decreto nº 1.110, de 13 de abril de 1994. O Decreto 1.054/94 repetiu as disposições gerais contidas na Lei de Licitações e Contratos e estabeleceu algumas importantes definições, tais como a de periodicidade, índice de custos ou preços, índice inicial, data-base, etc. No propósito de marchar rumo à erradicação do fenômeno inflacionário, o Governo Federal instituiu, no primeiro semestre de 1994, o Programa de Estabilização Econômica. Assim, aos 27 de maio de 1994, foi publicada a Lei nº 8.880 que dispôs sobre o referido Programa e instituiu a URV – Unidade Real de Valor - que consistiu numa espécie de indexador a ser utilizado durante o período da transição entre o Cruzeiro Real e a nova moeda: o Real. No que tange à questão específica do reajuste de preços, o art. 11 da Lei 8.880/94, preconizou: Art. 11. Nos contratos celebrados em URV, a partir de 1º de março de 1994, inclusive, é permitido estipular cláusula de reajuste de valor por índice de preços ou por índice que reflita a variação ponderada dos custos dos insumos utilizados, desde que a aplicação da mesma fique suspensa pelo prazo de um ano. (Grifos nosso) Aos 29 de junho de 1995, foi editada a Lei nº 9.069, que dispôs sobre o Plano Real e o Sistema Monetário Nacional, estabelecendo as regras e condições de emissão do REAL e os critérios para conversão das obrigações para o REAL. O art. 28 dessa lei aludiu ao reajuste contratual nos seguintes termos: Art. 28. Nos contratos celebrados ou convertidos em REAL com cláusula de correção monetária por índices de preço ou por índice que reflita a variação ponderada dos custos dos insumos utilizados, a periodicidade de aplicação dessas cláusulas será anual. § 1º É nula de pleno direito e não surtirá nenhum efeito cláusula de correção monetária cuja periodicidade seja inferior a um ano.
  • 10. 9 9 (...) § 3º A periodicidade de que trata o caput deste artigo será contada a partir: (...) III - da contratação, no caso de obrigações contraídas após 1º de julho de 1994. Os grifos não constam no original. O referido dispositivo reiterou a periodicidade anual para aplicação da cláusula de reajuste de preços, dispondo, ainda, que o interregno de um ano para a concessão do primeiro reajuste deveria ser computado a partir da data da contratação. Aos 14 de fevereiro de 2001, foi editada a Lei nº 10.192, que dispôs sobre medidas complementares ao Plano Real. O caput do artigo 2º desta Lei admitiu, de forma expressa, o reajuste de preços para contratos com prazo de duração igual ou superior a um ano. Por sua vez, à semelhança dos diplomas legais antecedentes, o § 1º do mesmo artigo vedou, sob pena de nulidade, a estipulação de reajustamentos de periodicidade inferior a um ano. Entretanto, de forma diversa da constante no art. 28, § 3º, III, da Lei nº 9.069/95, o § 1º do artigo 3º da Lei nº 10.192/01 dispôs sobre a periodicidade anual nos seguintes termos: Art. 3o Os contratos em que seja parte órgão ou entidade da Administração Pública direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, serão reajustados ou corrigidos monetariamente de acordo com as disposições desta Lei, e, no que com ela não conflitarem, da Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993. § 1º A periodicidade anual nos contratos de que trata o caput deste artigo será contada a partir da data limite para apresentação da proposta ou do orçamento a que essa se referir.(Grifos nosso). Feita esta breve exposição dos dispositivos legais reguladores do reajuste de preços, fica caracterizada a existência de alguns pontos que podem dar ensejo a divergências interpretativas, mormente no que se refere às questões da imprevisibilidade e da exigibilidade do reajustamento e dos critérios para o cômputo do percentual de reajuste de preços.
  • 11. 10 10 2.2. Da Imprevisibilidade no Edital e no Contrato A ausência da previsão expressa no Edital de determinadas cláusulas, erigidas à condição de essenciais pela Lei nº 8.6666/93, constitui um forte elemento de incerteza para os licitantes quando da formulação das propostas. Nesse contexto, a insegurança jurídica provocado pelas lacunas editalícias tem levado os licitantes a se precaverem através da majoração dos seus preços, em detrimento, por óbvio, do interesse público. É justamente para evitar essa situação indesejável que reside a importância de analisar a questão do direito ao reajuste de preços, nos casos em que o mesmo não se encontra expressamente previsto no Edital e no Contrato. Significativa parcela dos doutrinadores se inclina no sentido de que a previsão expressa no instrumento convocatório da licitação é conditio sine qua non para a concessão de reajuste nos preços. É de se notar que os defensores da imprescindibilidade da previsão da cláusula de reajuste de preços no Edital e no contrato pautam seus argumentos precipuamente no respeito aos princípios da igualdade e da vinculação ao instrumento convocatório. Os mesmos alegam, ainda, que a não definição a priori da concessão do reajuste acarretaria a desuniformidade das propostas, as quais seriam formuladas sob condições desiguais. Alertam, ademais, para o risco de direcionamento do certame licitatório para certos licitantes detentores de informações privilegiadas. Entretanto, não obstante as valiosas opiniões em contrário, filiamo-nos à tese que considera o reajuste de preços um direito do contratado, ainda que não esteja previsto no edital da licitação ou no contrato. Vimos que, com a Constituição de 1988, o direito ao equilíbrio econômico- financeiro do contrato administrativo passou a ter raiz constitucional, assegurado nos termos do art. 37, XXI, da carta magna. Em palavras singelas, para serem mantidas as efetivas condições das propostas8 , a Administração passou a ter a incumbência de manter íntegra a equação econômico-financeira inicial, defendendo-a contra os ônus que o contratado venha a sofrer em decorrência, dentre outras causa, do desgaste do poder aquisitivo da moeda provocado por inflação. O novo paradigma constitucional teve reflexo na legislação ordinária subseqüente, sobretudo com o advento da Lei nº 8.666/93, que vaticinou a proteção ao equilíbrio econômico-financeiro em vários dos seus dispositivos. Nesse diapasão, a Lei ______________ 8 Constituição Federal de 1988, artigo 37, inciso XXI.
  • 12. 11 11 de Licitações, nos termos dos seus artigos 40, XI e 55, III, tornou obrigatório o reajuste de preços, como se defere da leitura dos trechos a seguir transcritos: Art. 40. O edital conterá no preâmbulo o número de ordem em série anual, o nome da repartição interessada e de seu setor, a modalidade, o regime de execução e o tipo da licitação, a menção de que será regida por esta Lei, o local, dia e hora para recebimento da documentação e proposta, bem como para início da abertura dos envelopes, e indicará, obrigatoriamente, o seguinte: (...) XI - critério de reajuste, que deverá retratar a variação efetiva do custo de produção, admitida a adoção de índices específicos ou setoriais, desde a data prevista para apresentação da proposta, ou do orçamento a que essa proposta se referir, até a data do adimplemento de cada parcela; (...) Art. 55. São cláusulas necessárias em todo o contrato as que estabeleçam: (...) III – o preço e as condições de pagamento, os critérios, data-base e periodicidade do reajustamento de preços, os critérios de atualização monetária entre a data do adimplemento das obrigações e a do efetivo pagamento. (Grifos nosso) Vê-se, pois, que no regime da Lei de Licitações e Contratos, o reajuste de preços decorre de ordem legal, e não de deferimento administrativo. A lei impõe à Administração reajustar os preços contratuais, consoante os critérios que deverão obrigatoriamente constar no edital e no termo do contrato. Outro diploma legal que ressaltou a obrigatoriedade do reajuste de preços dos contratos administrativos é a Lei nº 10.192/01, ao preconizar no caput de seu artigo 3º: Art. 3o Os contratos em que seja parte órgão ou entidade da Administração Pública direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, serão reajustados ou corrigidos monetariamente de acordo com as disposições desta Lei, e, no que com ela não conflitarem, da Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993. Isso posto, o fato do reajuste de preços não ter sido previsto no ato convocatório não autoriza a Administração a descumprir a lei. O que a Lei 8.666/93 preconiza é que os critérios de reajuste é que devem estar previstos no ato convocatório e no contrato, não o reajuste de preços em si mesmo. Este resulta da lei,
  • 13. 12 12 não do edital ou do contrato. Se o edital e o contrato são omissos quanto à indicação dos critérios, nem por isto estará a Administração desonerada do dever legal de satisfazer o reajuste de preços. Pelo lapso do ato convocatório ou do contrato não pode responder o contratado, nem ser penalizado, diante das expressas disposições das leis que consagram o dever de reajustar os preços contratados. Ademais, por força do preceito contido no referido art. 37, XXI, da Constituição Federal, conforme assevera Marçal Justen Filho9 , “são inconstitucionais todos os dispositivos legais e regulamentares que pretendam condicionar a concessão de reajustes de preços, recomposição de preços, correção monetária a uma previsão no ato convocatório ou no contrato”. Contudo, isso não significa vedar a regulamentação sobre o cálculo dos reajustes. Quanto a isso, os dispositivos relacionados com o Plano Real não são inconstitucionais. A ausência de previsão contratual do reajuste não importa supressão ou vedação a tanto. No entanto, tornará a questão mais complexa e difícil de ser solucionada na via administrativa. A questão se resolve pela consideração de que o particular tem o direito de obter o restabelecimento da equação econômico-financeira contratual, rompida pelos efeitos inflacionários. Nesse sentido, convém trazer à colação o Acórdão nº 376/1997 – Primeira Câmara do TCU10 , em que se reconheceu que a ausência de previsão de reajuste não impedia sua prática, conforme se aduz do trecho a seguir transcrito: A Unidade Técnica deste Tribunal, ao examinar as alegações de defesa apresentadas pelos responsáveis, entendeu que, não obstante inexistir na Lei nº 7.730, de 31.01.89(Plano Verão), dispositivo permitindo o reajuste de contratos, o procedimento adotado pelos responsáveis foi regular, uma vez feito em obediência ao preceituado no art.55, inciso II, letra "d", que previa o reajuste de contratos celebrados pela Administração, quando ocorrida a necessidade de se manter o equilíbrio econômico do mesmo. (Grifos nosso) Omisso o edital e o contrato, a solução do problema deverá recair na escolha adequada dos índices de custos oficiais usualmente utilizados pela Administração para reajustar os preços dos seus contratos de longo prazo. Por óbvio, esses índices setoriais hão de ser necessariamente condizentes com a natureza das ______________ 9 Ob. cit., p.535. 10 BRASIL. Tribunal de Contas da União, 1º Câmara. Acórdão 376/1997, Processo TC 724.050/94-09, Publicado no Diário Oficial da União de 08/09/1997.
  • 14. 13 13 prestações a terem seus valores reajustados. No mais, a Administração deverá se valer das regras previstas em lei para o cômputo dos percentuais de reajustamento. 2.3. Do Lapso Temporal entre as Datas da Apresentação da Proposta e a da Contratação Sabe-se que, por força do principio da vinculação ao instrumento convocatório, todos os contratos administrativos devem reproduzir os direitos, obrigações e responsabilidades que hajam sido definidos nos respectivos atos convocatórios e nas propostas vencedoras. Assim, resta patente a interdependência do contrato em relação à proposta, haja vista que qualquer desconformidade nesta inevitavelmente repercutirá naquele. Desse modo, para o bem da execução contratual, é imprescindível que preços da proposta vencedora estejam exeqüíveis e compatíveis com os do mercado à época da contratação. Ocorre que, entre a data da apresentação da proposta e da efetiva contratação, não é incomum que se transcorra um lapso temporal significativo, fato este que tem ensejado alguns questionamentos acerca da forma de aplicação dos critérios de reajuste. É importante acentuar que a licitação é um procedimento administrativo integrada, pois, por atos da Administração e do licitante, todos contribuindo para formar a vontade contratual. Dentro desse contexto, em que pese alguns atos terem prazo máximo para serem praticados, sob pena de preclusão, a prática de outros se sujeita à conveniência e à oportunidade administrativa. Desse modo, não é incomum que, sobretudo em se tratando de objetos de grande vulto ou complexidade, como é o caso das obras e serviços de engenharia, vários meses separem a apresentação da proposta da assinatura do contrato com o vencedor da licitação. A discussão acerca das conseqüências da extemporaneidade entre proposta e contrato ganha contornos especiais quando se parte para a definição da data que deve servir de termo a quo para a contagem do período de um ano exigido para a concessão do primeiro reajuste. A polêmica reside no fato de alguns estudiosos do tema sustentarem que o termo inicial para o cômputo do prazo anual do primeiro reajuste ser a data de apresentação da proposta. Para tais estudiosos, o primeiro reajuste deve ser concedido antes de um ano da vigência do contrato, justamente para
  • 15. 14 14 compensar eventuais distorções, existentes à época da contratação, entre o valor proposto e o contratado. No entanto, conforme demonstraremos no tópico a seguir, o primeiro reajuste só é devido após o decurso de um ano da contratação. Dessa feita, o contratado deverá arcar com os preços propostos durante o primeiro ano de vigência do contrato, não podendo exigir a antecipação do reajuste, sob alegação de que os preços contratuais estariam defasados ou depreciados. A esse respeito, frise-se que, para vencer o certame licitatório, o licitante houve de ser devidamente habilitado sobre o ponto de vista técnico. Assim, milita a seu favor a presunção juris tantum que possuía capacitação técnica para formular conscientemente sua proposta de preços, sabedor que é das peculiaridades do objeto contratual e das vicissitudes do mercado. Assim, se o licitante subestimou seus preços ou não levou em consideração as previsíveis elevações dos custos dos insumos, no intervalo de tempo que mediaria a formulação da proposta do início da execução contratual, não poderá se escusar legitimamente de contratar com a Administração. Urge alertarmos que as distorções nos preços a que nos referimos não são as resultantes da superveniência de áleas extraordinárias no interregno entre a apresentação da proposta e a contratação. Nesses casos, é cediço que o particular faz jus ao restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro rompido, não podendo, pois, ser compelido a contratar pelo mesmo preço proposto. Contudo, o licitante vencedor não terá tal direito se as distorções nos preços forem oriundas de álea ordinária ou empresarial, a qual, na lição de Di Pietro11 , “está presente em qualquer tipo de negócio; é um risco que todo empresário corre, como resultado da própria flutuação do mercado; sendo previsível, por ele responde o particular”. O licitante vencedor poderá, contudo, se recusar legitimamente a celebrar o contrato na hipótese da Administração o convocar para contratar depois de expirado o prazo de validade de sua proposta. Feita essa ressalva, faz-se necessário atentar para o disposto o §3º do art. 64 da Lei nº 8.666/93: Art. 64. A Administração convocará regularmente o interessado para assinar o termo de contrato, aceitar ou retirar o instrumento equivalente, dentro do prazo e condições estabelecidos, sob pena de decair o direito à contratação, sem prejuízo das sanções previstas no art. 81 desta Lei. (...) ______________ 11 Ob. cit., p.264.
  • 16. 15 15 § 3 o Decorridos 60 (sessenta) dias da data da entrega das propostas, sem convocação para a contratação, ficam os licitantes liberados dos compromissos assumidos. O dispositivo em tela consagra o prazo genérico de 60 dias, dentro do qual os licitantes ficam obrigados a assumir os compromissos consignados na proposta. Findo este prazo, sem que se convoque o interessado para assinar o contrato, a lei presume que cessou o interesse público pela contratação, não mais podendo a Administração exigir que os licitantes mantenham suas propostas. Todavia, nada impede que, ultrapassado os sessenta dias, o licitante vencedor manifeste o interesse em contratar. Nesse caso, ressalta Jessé Torres12 , “a convocação serôdia não inibirá o adjudicatário de aceitar o contrato, se o desejar, desde que nos termos da proposta. Apenas não estará a tanto obrigado. Por conseguinte, se o recusar, não estará sujeito às penas previstas no art. 81”. Consigne-se, ademais, que, pelo fato da norma contida no §3º do art. 64 da Lei nº 8.666/93 disciplinar matéria de interesse predominantemente privado, é lícito ao edital estabelecer prazo de convocação superior a 60 dias. Corroborando esse entendimento, afirma Marçal Justen Filho13 , verbis: Deve-se reputar, no entanto, que a regra é supletiva, aplicando-se quando o instrumento convocatório não dispuser em contrário. Como o prazo de validade de propostas é matéria referida preponderantemente ao interesse privado, o instrumento convocatório pode estabelecer regras diversas, quer ampliando, quer reduzindo o prazo previsto no § 3 o Essa orientação, a propósito, acabou por ser consagrada no art. 6º da Lei nº 10.520, de 17 de julho de 2002, que disciplina o pregão, cuja redação é a seguinte: Art. 6º O prazo de validade das propostas será de 60 (sessenta) dias, se outro não estiver fixado no edital. Analisando esse dispositivo da Lei do Pregão, Marçal Justen Filho14 sustenta: Deve-se reputar que o dispositivo se aplica genericamente a todas as licitações. Não se invoque o princípio da especialidade, pretendendo que o dispositivo seja aplicável apenas ao pregão. Ora, a Lei nº 10.520 veicula ______________ 12 TORRES PEREIRA JÚNIOR , Jessé. Comentários à Lei das Licitações e Contratações da Administração Pública. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p.638. 13 Ob. cit. p.522 14 Ob. cit. pp. 522-523
  • 17. 16 16 normas gerais sobre licitação. Portanto, sua abrangência é ampla. Não seria a circunstância de destinar-se a disciplinar o pregão que impediria a aplicação generalizada de normas contidas naquele diploma. Portanto, apenas seria possível reputar como não extensíveis às demais modalidades licitatórias as regras contidas na Lei nº 10.520 que fossem especificamente relacionadas com a natureza do pregão. Isso posto, incumbe à Administração, com base na modalidade licitatória, na complexidade do objeto a ser licitado e, sobretudo, na experiência em licitações anteriores, fixar, para cada licitação, um prazo mínimo de validade para as propostas, compatível com o tempo médio estimado entre a apresentação da proposta e a convocação do licitante vencedor para a contratação. Dessa forma, minimizar-se-ão os riscos de insucesso do certame licitatório. Em face do exposto, estando a inflação contida em níveis razoavelmente conhecidos, deverá o contratante formular sua proposta escoimada em previsões bem feitas e com margem de lucro razoável, sendo previdente ao cotar preços que lhe assegure retorno econômico dentro do prazo de validade da proposta. 2.4. Da Exigibilidade, da Periodicidade e dos Critérios para a Apuração do Percentual de Reajustamento Conforme frisamos no tópico anterior, questão que tem levantado relativa cizânia doutrinária e jurisprudencial diz respeito à definição do momento em que é juridicamente exigível o primeiro reajustamento nos preços contratuais. Comentamos, en passant, que uma das vertentes apregoa que o reajuste de preços só é devido após um ano da data de apresentação da proposta. À oportunidade, expusemos nossa discordância para com esse entendimento e tomamos partido da corrente que defende que o contratado somente faz jus ao primeiro reajuste de preços após o transcurso de um ano da data da contratação. Para que possamos compreender e superar as controvérsias subjacentes à questão, faz-se mister recapitularmos o contexto dentro do qual o instituto do reajuste de preços foi disciplinado em nosso recente Direito Positivo. Lembremos que, no início de 1994, o Brasil vivia o ápice de um processo inflacionário, o que obrigou o Governo a tomar medidas enérgicas para conter a
  • 18. 17 17 marcha desenfreada dos preços. Nesse mesmo ano, foi promulgada a Lei nº 8.880/94, que dispôs sobre o Programa de Estabilização Econômica e instituiu a URV. Dentre outras ações, a aludida Lei se preocupou em combater os mecanismos indexadores da economia, que serviam de fomento para a galopante inflação reinante à época. Para tanto, uma de suas disposições foi a suspensão imediata, pelo prazo de um ano, da concessão de reajustes de preços nos contratos, expressa nos termos do art. 11 do referido diploma legal. O passo seguinte do Programa de Estabilização Econômica foi dado com o advento da Lei nº 9.069/95, que dispôs sobre o Plano Real. À semelhança da Lei nº 8.880/94, a Lei do Plano Real manteve a orientação de “congelar” por um ano os preços contratados ao preconizar, em seu artigo 28, que a periodicidade de aplicação das cláusulas de reajuste seria anual, contada a partir da contratação. Entretanto, o panorama mudou com a chegada da Lei nº 10.192/01, que dispôs sobre as medidas complementares ao Plano Real e vaticinou, no § 1º de seu art. 3º: Art. 3o Os contratos em que seja parte órgão ou entidade da Administração Pública direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, serão reajustados ou corrigidos monetariamente de acordo com as disposições desta Lei, e, no que com ela não conflitarem, da Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993. § 1 o A periodicidade anual nos contratos de que trata o caput deste artigo será contada a partir da data limite para a apresentação da proposta ou do orçamento a que essa se referir. (Grifos nosso) O novel dispositivo legal deu margem à interpretação de que o termo inicial para o cômputo do prazo de um ano para concessão do primeiro reajuste de preços não mais seria a data da contratação, e sim, a data limite para a apresentação da proposta ou do orçamento a que essa se referir. Por sua vez, esse entendimento começou a ser seguido por diversos Órgãos Públicos que passaram, de tal arte, a reajustar os preços de seus contratos antes de completado um ano de vigência dos mesmos. De fato, a leitura isolada e desatenta do § 1º do art. 3º da Lei nº 10.192/01 pode nos levar à falsa impressão de que o legislador optara pela data da apresentação da proposta como novo termo inicial para o cômputo do prazo de 12 meses requerido para a concessão do primeiro reajuste. Entretanto, nem é preciso recorrer a outros
  • 19. 18 18 diplomas legais para descobrir que tal interpretação é insustentável. Isso porque, nos termos do art. 2º da própria Lei nº 10.192/01, : Art. 2º É admitida estipulação de correção monetária ou de reajuste por índices de preços gerais, setoriais ou que reflitam a variação dos custos de produção ou dos insumos utilizados nos contratos de prazo de duração igual ou superior a um ano. § 1º É nula de pleno direito qualquer estipulação de reajuste ou correção monetária de periodicidade inferior a um ano. (Grifos nosso) É de se notar, que a disposição insculpida no caput do art. 2º Lei nº 10.192/01, ao restringir a concessão de reajustes de preços apenas para os contratos com prazo de duração igual ou superior a um ano, está logicamente vedando os reajustes para contratos com prazo de duração inferior a um ano. Em assim sendo, estaríamos diante de uma antinomia, pois, a vedação imposta pelo caput do art. 2º não se compatibilizaria com a, ora combatida, interpretação dada ao § 1º do art. 3º da Lei nº 10.192/01. À guisa de exemplificação do problema, imaginemos um contrato com prazo de 10 meses, cuja entrega das propostas licitatórias se deu no mês de janeiro, sendo a contratação realizada apenas no mês de maio. Assim, admitindo-se que o termo inicial para contagem do prazo de um ano fosse a data da apresentação da proposta, o contratado faria jus ao primeiro reajuste no mês de janeiro do ano subseqüente, ou seja, sete meses após a contratação. Entretanto, procedendo dessa forma, a Administração estaria infringindo o disposto no art. 2º da Lei nº 10.192/01, que veda a concessão de reajustes para contratos com prazo de duração inferior a 12 meses. A solução para esse aparente conflito normativo nos remonta aos primórdios do Plano Real, onde a proibição de reajuste dos preços contratuais antes do decurso de um ano da data contratação, como disposto no art. 11 da Lei 8.880/94, no art. 28 da Lei 9.069/95 e no art. 2º da Lei 10.192/01, teve o propósito claro de auxiliar na desindexação da economia e, com isso, frear o ímpeto inflacionário. Trata-se, à evidência, de uma prescrição em que o interesse da sociedade coletivamente considerada sobreleva a tudo, ou seja, a tutela do mesmo constitui o fim principal do comando normativo. Por conseguinte, essas normas contêm preceitos imperativos ou proibitivos de ordem pública, os quais não comportam interpretação ampla, como se deduz da lição de Carlos Maximiliano15 , verbis: ______________ 15 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p.181.
  • 20. 19 19 As prescrições de ordem pública, em ordenando ou vedando, colimam um objetivo: estabelecer e salvaguardar o equilíbrio social. Por isso, tomadas em conjunto, enfeixam a íntegra das condições desse equilíbrio, o que não poderia acontecer se todos os elementos do mesmo não estivessem reunidos. Atingido aquele escopo, nada se deve aditar nem suprimir. Todo acréscimo seria inútil; toda restrição, prejudicial. Logo é caso de exegese estrita. Não há margem para interpretação extensiva, e muito menos para analogia. Nesse diapasão, nota-se claramente que o caput do art. 2° da Lei 10.192/2000 encerra uma proibição, isto é, proíbe a realização de reajuste em contratos com prazo de duração inferior a um ano. Se a disposição legal faz incidir explicitamente a vedação sobre qualquer contrato com prazo inferior a 12 meses, sem estabelecer nenhuma exceção, então não há como ampliar o alcance da norma. Significa dizer que, celebrado o contrato, o particular deverá assumir seus preços pelo prazo de um ano, pois, somente findo tal período é que o primeiro reajuste poderá ser concedido. Portanto, como não há fundamento para a concessão de reajuste se a execução do contrato não superar 12 meses, não é possível submeter o mesmo contrato a uma norma que venha a autorizar o reajustamento antes do decurso de um ano da contratação. O entendimento de que é vedada a concessão de reajuste de preços para os contratos com menos de um ano de vigência encontra-se prestigiado em decisão do Tribunal de Contas do Rio Grande do Sul, no processo de Tomada de Contas nº 000184-02.00/99-216 , verbis: b) Já no mês de maio do exercício de celebração do contrato o valor acordado foi reajustado em oito por cento (8%), o que vale dizer, quatro meses após o início da relação. Deste modo, também, houve burla ao parágrafo 1º do artigo 2º da Medida Provisória nº. 1540-26/97, assento legal que definiu como nula de pleno direito a aplicação de reajuste em relações jurídicas que ainda não tenham completado um ano de vigência. (Grifos nosso). Ressalte-se que a medida provisória citada foi convertida na Lei nº 10.192/01, mantendo-se a mesma redação do art. 2º, caput e parágrafo 1º. No entanto, ao simplesmente afirmarmos a supremacia da norma contida no caput do art. 2º da Lei nº 10.192/01, incorremos no risco de, por extensão, tratar o § 1º do art. 3º como “letra morta” na própria Lei. Esse tipo de tratamento, por seu turno, é ______________ 16 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Contas do Estado, Tribunal Pleno. Tomada de Contas nº 000184-02.00/99- 2, Porto Alegre, RS, 29 ago. 2001.
  • 21. 20 20 condenado pela Hermenêutica Jurídica, segundo a qual: “não se presumem, na lei, palavras inúteis”. A esse respeito, Carlos Maximiliano17 nos adverte que se deve dar “valor a todos os vocábulos e, principalmente, a todas as frases, para achar o verdadeiro sentido de um texto; porque este deve ser entendido de modo que tenha efeito todas as suas provisões, nenhuma parte resulta inoperativa ou supérflua, nula ou sem significação alguma”. A exegese do art. 3º da Lei nº 10.192/01 requer perspicácia por parte do intérprete, haja vista a péssima técnica legislativa empreendida em sua elaboração. A primeira evidência da desídia na feitura do dispositivo legal em comento se manifesta quando atentamos para a forma pela qual o § 1º se refere à expressão “periodicidade”. Com efeito, observa-se que o § 1º alude a uma “periodicidade anual dos contratos”, supostamente tratada no caput do art. 3º. Ocorre que, em nenhum trecho do caput do art. 3º, se faz menção à expressão “periodicidade anual dos contratos”. Vê-se, destarte, a lógica absurda do § 1º, que faz referência a algo que não existe. Além de colocado de forma despropositada, o vocábulo “periodicidade” é também empregado em uma acepção equivocada. A definição jurídica de periodicidade, para fins de reajuste de preços, consta no art. 3º, inc. VI, do Decreto Federal nº 1.054 de 7 de fevereiro de 1994, com redação alterada pelo Decreto nº 1.110 de 13 de abril de 1994, verbis: Art. 3°Para os fins deste decreto, são adotadas as seguintes definições: (...) VI – periodicidade - intervalo de tempo entre dois reajustes sucessivos do preço; (Grifos nosso) Vê-se claramente que o conceito de periodicidade está relacionado com a idéia de reajustes sucessivos do preço. Assim, a periodicidade, seja ela mensal, trimestral ou anual, só pode ser compreendida no âmbito do primeiro e do segundo reajuste, ou do segundo e do terceiro reajuste, e assim por diante. Na esteira desse raciocínio, não há sentido em falarmos de periodicidade entre o primeiro reajuste e a contratação, tampouco entre primeiro reajuste e data limite para apresentação da proposta. Resta-nos, dessarte, desvendar quais os sentidos e os alcances das expressões empregadas no § 1º da Lei nº 10.192/01. Para tal desiderato, vamos nos ______________ 17 Ob. cit., p.204.
  • 22. 21 21 socorrer do Decreto Federal nº 1.054/94, que foi editado exatamente para regulamentar o reajuste de preços nos contratos da Administração Federal direta e indireta. Preconiza o art. 5º do Decreto Federal nº 1.054/94 : Art. 5°Os preços contratuais serão reajustados par a mais ou para menos, de acordo com a variação dos índices indicados no instrumento convocatório da licitação ou nos atos formais de sua dispensa ou inexigibilidade, ou ainda no contrato, com base na seguinte fórmula, vedada a periodicidade de reajuste inferior a um ano, contados da data limite para apresentação da proposta: (Grifos nosso) R = V( I - Io ) , onde: Io R = valor do reajuste procurado; V = valor contratual do fornecimento, obra ou serviço a ser reajustado; Io = índice inicial - refere-se ao índice de custos ou de preços correspondente à data fixada para entrega da proposta da licitação; I = índice relativo à data do reajuste. Cotejando o art. 5º do Decreto Federal nº 1.054/94 com o § 1º do art. 3º da Lei nº 10.192/01, verificamos uma grande semelhança na redação dos dois dispositivos. De fato, ambos versam sobre “periodicidade anual” e aludem à “contagem da data limite para a apresentação da proposta”. Evidencia-se, de tal modo, que a disposição contida no § 1º do art. 3º da Lei nº 10.192/01 teve nítida inspiração no art. 5º do Decreto Federal nº 1.054/94, servindo este de referência na concepção daquele. No entanto, por certo o legislador não foi feliz na gênese do § 1º do art. 3º da Lei nº 10.192/01, visto que o seu texto saiu truncado, resultando uma redação incoerente e de interpretação conflituosa. Contudo, na lição de Carlos Maximiliano18 , “prefira-se a inteligência dos textos que torne viável seu objetivo, ao invés da que os reduz à inutilidade”. Partindo-se dessa premissa, para que possamos captar a intenção do legislador no § 1º do art. 3º da Lei nº 10.192/01, é imperioso que interpretemos os significados dos termos do art. 5º do Decreto Federal nº 1.054/94. Desse modo, alcançaremos os elementos de identidade entre ambas as normas, o que nos permitirá deduzir qual o preceito contido no § 1º do art. 3º da Lei nº 10.192/01. ______________ 18 Ob. cit., p.203.
  • 23. 22 22 A exegese do art. 5º do Decreto Federal nº 1.054/94, por seu turno, não oferece maiores dificuldades. De início, constata-se que a expressão “contados da data limite para a apresentação da proposta”, ao contrário do que possa parecer, não faz referência à expressão “periodicidade de reajuste inferior a um ano”. Isso porque, em que pese haver apenas uma vírgula separando as aludidas expressões, entre os vocábulos “contados” e “periodicidade” inexiste concordância. Ademais, vimos que, nos termos do art. 3º, inc. VI, do mesmo decreto federal, a definição de periodicidade não guarda nenhuma correlação com a data da apresentação da proposta. Em verdade, a expressão “contados da data limite para a apresentação da proposta” alude a “índices indicados no instrumento convocatório da licitação”. Para se chegar a essa conclusão, há de se atentar para a parte inicial do caput do art. 5º, onde é dito que os preços contratuais serão reajustados de acordo com a variação dos índices indicados no instrumento convocatório da licitação. Por seu turno, é a variação de tais índices que deverá ser contada da data limite para a apresentação da proposta até a data do reajuste. O próprio art. 5º confirma esse entendimento na medida em que define a fórmula a ser utilizada para o cálculo valor do reajuste em função da variação dos aludidos índices. Na disciplina dessa fórmula, por sua vez, está indicado expressamente que o índice inicial – Io – se refere ao índice de custos ou preços correspondentes a data fixada para a entrega da proposta da licitação. Ademais, essa mesma prescrição também é observada no art. 40, XI, da Lei nº 8.666/93, verbis: Art. 40. O edital conterá no preâmbulo o número de ordem em série anual, o nome da repartição interessada e de seu setor, a modalidade, o regime de execução e o tipo da licitação, a menção de que será regida por esta Lei, o local, dia e hora para recebimento da documentação e proposta, bem como para início da abertura dos envelopes, e indicará, obrigatoriamente, o seguinte: (...) XI - critério de reajuste, que deverá retratar a variação efetiva do custo de produção, admitida a adoção de índices específicos ou setoriais, desde a data prevista para apresentação da proposta, ou do orçamento a que essa proposta se referir, até a data do adimplemento de cada parcela; (Grifos nosso) Isso posto, compatibilizando-se os termos do art. 5º do Decreto Federal nº 1.054/94 com os do § 1º do art. 3º da Lei nº 10.192/01, estamos convencidos de que: 1 – A referência à “periodicidade anual nos contratos de que trata o caput” consiste na ratificação da determinação, presente nos diplomas legais antecedentes,
  • 24. 23 23 de que o intervalo entre dois reajustes sucessivos de preços continua sendo de um ano; 2 – A expressão “contada a partir da data limite para a apresentação da proposta ou do orçamento a que se referir” faz alusão à variação dos índices de custos a serem considerados no cômputo do percentual de reajuste. Nesses termos, o dispositivo preconiza que o índice inicial de custo a ser considerado para o cômputo do percentual de reajustamente corresponde ao da data limite para a apresentação da proposta ou do orçamento a que esta se referir. Em face do exposto, entendemos que a interpretação que melhor se coaduna com o “espírito” da lei, compreendida no âmbito do complexo de circunstâncias específicas que constituíram o impulso exterior à emanação da norma jurídica, pode ser sintetizada da seguinte forma: 1º) O preço reajustado (Pi) em uma dada época “i” deve ser computado através da aplicação da seguinte fórmula: Io IiPo Pi × = i = 1, 2,...n onde, Pi = Preço reajustado na época “i” ; Po = Preço contratado; Io = Índice setorial de custos ou de preços correspondente à data fixada para apresentação da proposta ou do orçamento a que ela se referir; Ii = Índice setorial de custos ou de preços correspondente à época “i”. 2º) A época “i” corresponde a: i = 1, um ano após a data da contratação; i = 2, dois anos após a data da contratação; ... i = n, n anos após a data da contratação.
  • 25. 24 24 3. Conclusões No que atina aos aspectos relacionados à figura do reajuste de preços na seara dos contratos de obras e serviços de engenharia celebrados pela Administração Pública, as considerações, análises e ponderações tecidas no trabalho em epígrafe nos permite extrair, fundamentalmente, as seguintes conclusões: ● O equilíbrio econômico-financeiro dos contratos administrativos é um direito do contratante particular, assegurado nos termos do art. 37, XXI da Constituição Federal. ● Um dos motivos que ensejam o desequilíbrio econômico-financeiro contratual é o desgaste do poder aquisitivo da moeda, provocado pelos efeitos da inflação nos contratos que se perlongam no tempo. ● O reajuste de preços é mecanismo estabelecido para preservar a equação econômico-financeira do contrato, através da utilização de fórmulas atreladas a índices de custos setoriais, vinculados a elevações inflacionárias quanto a prestações específicas. ● Não se confunde o reajuste de preços com a recomposição ou revisão de preços, tampouco com a atualização financeira. Malgrado derivarem do mesmo princípio da intangibilidade da equação econômico-financeira do contrato administrativo, os três institutos têm natureza jurídica e objeto diversos. ● A concessão do reajuste de preços é obrigatória, atendidos aos pressupostos legais. O direito ao reajuste de preços resulta da lei, e não do edital ou do contrato. Os critérios do reajustamento é que devem estar previstos no ato convocatório da licitação e no instrumento contratual. A ausência de previsão editalícia ou contratual do reajuste de preços não importa supressão ou vedação a tanto. ● É vedado o reajuste de preços para os contratos com prazo de duração inferior a doze meses. Isto é o que se deduz da leitura do art. 2º, da Lei nº 10.192/01, que ratifica a determinação de “congelamento” dos preços contratuais pelo período de um ano após a contratação, preconizada nas Leis 8.880/94 e 9.069/95 ● Em face do disposto no art. 11 da Lei nº 8.880/94, art. 28 da Lei nº 9.069/95 e art. 2º da Lei nº 10.192/01, o primeiro reajuste de preços nos contratos administrativos só é devido um ano após a data da contratação.
  • 26. 25 25 ● A inflação, no intervalo que media a apresentação da proposta e a data contratação, deve ser suportada pelo contratado. Assim, o particular deve formular sua proposta tendo em vista os efeitos da inflação durante o prazo de validade da mesma. Findo o prazo de validade da proposta, o contratado não é mais obrigado a contratar com a Administração, mas, se assim o fizer, terá que manter os termos propostos. ● No silêncio do edital, por força do § 3º do art. 64 da Lei nº 8.666/93, o prazo de validade da proposta é de sessenta dias. Este prazo pode ser reduzido ou ampliado no interesse da Administração, desde que expressamente previsto no edital. ● A periodicidade do reajustamento corresponde ao intervalo de tempo entre dois reajustes sucessivos do preço (art. 3º, VI, do Decreto nº 1.110 de 13 de abril de 1994). Nos termos das Leis nºs 8.880/94, 9.069/95 e 10.192/01, a periodicidade do reajuste de preços nos contratos administrativos é de um ano. ● O reajustamento dos preços deve ser proporcional à variação percentual dos índices de preços ou custos, no período compreendido entre a data da apresentação da proposta ou a do orçamento a que ela se referir e a data em que for devido o reajuste. Referências Bibliográficas JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. São Paulo: Dialética, 2004. MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. Rio de Janeiro: Forense, 2006. MEIRELLES, Hely Lopes. Reajustamento e Recomposição de Preços em Contrato Administrativo. RDA nº 139, 1980. SYLVIA ZANELLA DE PIETRO, Maria. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2004. TORRES PEREIRA JÚNIOR , Jessé. Comentários à Lei das Licitações e Contratações da Administração Pública. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.