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Slap G B • Adolescencia Latinoamericana • 1414-7130/2-173-176
AdolescenciaLatinoamericana
1414-7130/98/1-173-176
Gail B. Slap*Gail B. Slap*Gail B. Slap*Gail B. Slap*Gail B. Slap*
Conceitos atuais, aplicações práticas
e resiliência no novo milênio
* Dr. Gail B. Slap, MD, MS, Divisão de Medicina do Adolescente, Departamento de Pediatria, Centro Médico do Hospital da Criança e Escola de Medicina da
Universidade de Cincinnati. Cincinnati, Ohio, Estados Unidos da América.
Resumo
O presente artigo reflete sobre as apresenta-
ções e discussões de uma conferência internaci-
onal de dois dias sobre a resiliência do adoles-
cente, conferência esta que se realizou em mar-
ço de 2000. O conceito de resiliência e os esfor-
ços para incorporá-lo em modelos de comporta-
mento e saúde do adolescente originam-se de
modelos mais tradicionais, que vinculam risco e
resultados adversos. Embora esteja em franco
desenvolvimento o significado e uso comuns do
termo, não existe ainda uma definição única,
nem parâmetro inquestionável, nem medida uni-
forme de resiliência. Em geral, concorda-se em
afirmar que resiliência não é o oposto de risco e
não é o mesmo que algum fator protetor especí-
fico. O conjunto de recursos que constitui a resi-
liência pode variar entre os adolescentes, e o
desafio está em obter e aplicar esse conjunto
para cada adolescente. À medida em que desen-
volvem-se programas para ajudar pais e escolas a
fomentar a resiliência do adolescente, a avaliação
desses programas deve levar em conta força teó-
rica, eficiência na colocação em prática e custo.
Unitermos: Adolescência, comportamento,
resiliência, risco, desenvolvimento juvenil.
Correspondência: Professor Gail B. Slap,
MD, MS. Director, Division fo Adolescent Medici-
ne, Children's Hospital Medicial Center, 3333
Burnet Avenue, Cincinnati, 45229 OH, United
States of America. Tel: (513)636-8602; Fax:
(513) 636-8844; E-mail: slap@chmcc.org
Introdução
Durante a Conferência Especial da Associação
Internacional de Saúde do Adolescente e da Or-
ganização Pan-Americana de Saúde, realizada ao
longo de dois dias, conceitos de resiliência do
adolescente foram examinados a partir de pers-
pectivas de diferentes países e diferentes discipli-
nas. A cada apresentação e workshop, surgiam
outros ângulos a partir dos quais considerar as
definições e exemplos de resiliência dos jovens.
Os anais demonstraram que não havia uma defi-
nição única, um parâmetro inquestionável, tam-
pouco uma medida uniforme de resiliência. Apa-
rentemente, é mais fácil concordar sobre o que
resiliência não significa do que sobre o que a pa-
lavra significa. Resiliência não é simplesmente o
oposto de risco. Não é um sinônimo de algum fa-
tor de proteção. Não é algo que desejamos ape-
nas para alguns adolescentes. Pelo contrário, re-
siliência implica em uma abordagem universal à
saúde e ao comportamento dos jovens, e é um
recurso a ser cultivado e obtido para todos os
adolescentes.
Evolução da pesquisa sobre resiliência
O interesse de pesquisadores na resiliência
dos jovens tem evoluído à medida que modelos
para identificar jovens em risco de resultados
adversos apresentavam dificuldades em explicar
os prognósticos positivos falsos ou em explicar
aqueles adolescentes que, contra todas as ex-
pectativas, evitavam comportamentos prejudici-
ais e vivenciavam bons resultados de saúde. O
enfoque que está no risco antes de estar na resi-
liência é representativo de um modelo médico de
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patologia. Entretanto, os riscos comportamentais
estudados por investigadores da saúde do ado-
lescente durante a segunda metade do século XX
eram notavelmente diferentes dos riscos biológi-
cos da pesquisa médica tradicional. O enfoque
no comportamento foi impulsionado pelas cres-
centes taxas de mortalidade entre adolescentes
devido a lesões corporais, homicídios e suicídios
em países desenvolvidos durante as décadas de
1960 e 1970. No início da década de 1980, as
tendências da mortalidade em muitos países em
desenvolvimento começaram a parecer-se com
aquelas do mundo industrializado.(1)
Estruturas sociais em mudança, migração do
campo para as cidades e rupturas familiares
eram fatores associados a uma lista cada vez
maior de “novas morbidades sociais”, que incluí-
am lesões corporais, violência, abuso de subs-
tâncias químicas, doenças sexualmente trans-
missíveis e gestações não planejadas.(2) No co-
meço da década de 1990, após uma revisão de
seu Programa de Saúde do Adolescente e proje-
tos afins, a Organização Mundial de Saúde
(OMS) preparou uma nova listagem de pontos a
serem contemplados em ações futuras. A abor-
dagem revisada enfatizou a importância da parti-
cipação de jovens no desenvolvimento de progra-
mas; uma maior defesa política das questões da
juventude; a avaliação de políticas, leis e progra-
mas relacionados com a juventude; e um melhor
entendimento do contexto cultural e dos siste-
mas sociais que afetam a juventude.(3)(5)
Organizações internacionais, governos fede-
rais, fundações privadas, organizações não gover-
namentais e instituições acadêmicas foram rápi-
dos em responder à chamada por ação da OMS.
Atraiu-se a atenção pública para estudos como o
Comportamento em Saúde de Crianças em Ida-
de Escolar da OMS (HBSC),(6)(7) o Levantamento
de Comportamentos de Risco entre os Jovens
dos EUA (YRBS) (8), o Estudo Longitudinal de
Saúde do Adolescente (Add Health)(9)(10) e os
relatórios do Instituto Alan Guttmacher.(11)(12) As
amplas amostragens dos conjuntos de dados
nacionais e a super-amostragem de subgrupos
populacionais anteriormente subrepresentados
devido a técnicas de amostragem randômica per-
mitiram melhores análises por raça, etnicidade e
status sócioeconômico. Paralelamente às análi-
ses, no entanto, houve uma crescente conscien-
tização da variabilidade em todos os estudos nas
definições dessas variáveis e na escassez de es-
tudos que avaliassem as relações entre contexto
cultural, outras características sociodemográfi-
cas, comportamento e saúde.(13)
Justificativa para a resiliência
A busca por fatores que colocam os jovens em
risco e fatores que os protegem encontrava-se a
todo vapor, e a listagem cresceu rapidamente.
Esforços foram feitos no sentido de organizar fa-
tores de risco em categorias como fatores indivi-
duais, fatores familiares e fatores ambientais. O
enfoque nos riscos promoveu o desenvolvimento
de programas específicos para cada problema,
cujos alvos eram subgrupos de jovens. Na confe-
rência acima mencionada, Robert Blum, de Min-
neapolis, pediu uma mudança urgente da abor-
dagem, de problemas para saúde do adolescen-
te. Ele apresentou dados que fundamentavam as
seguintes teorias: (a) a redução de problemas
não funciona; (b) a auto-estima foi super-enfati-
zada; (c) a união familiar protege de modo uni-
versal; e (d) o aumento dos recursos sociais per-
mite a melhoria das capacidades.
Eu gostaria de oferecer uma reescrita desses
temas: (a) A redução de problemas não funciona
de modo consistente. Contudo, funciona em cer-
tos casos. Melhorou comportamentos em saúde
relacionados com mortes cardiovasculares. Dimi-
nuiu as taxas de gonorréia e infecções por clamí-
dia. Por outro lado, não alterou taxas de depres-
são nos jovens ou de violência nas escolas. (b) A
auto-estima tem sido super-generalizada. A dete-
rioração da auto-estima durante o início da ado-
lescência em meninas brancas é importante e
deve ser enfatizada. A auto-estima de meninos
afro-americanas, no entanto, permanece forte
durante a adolescência e não deve ser vista
como seguindo o mesmo caminho da auto-esti-
ma da maioria branca nos Estados Unidos. (c) A
união familiar protege quando a família está pre-
sente e funcionante. É um ideal que permanece
inalcançável nos dias de hoje para muitos jovens
no mundo todo. (d) A reserva de recursos sociais
promove as capacidades quando é acessível.
Como a união familiar, o capital social, mesmo
quando presente num país ou numa região, está
disponível no mais das vezes seletivamente e não
universalmente.
Nesse mesmo encontro, Bengt Lindstrom, da
Suécia, apresentou um conceito de resiliência
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construído a partir de quatro componentes: fato-
res individuais, contexto ambiental, acontecimen-
tos ao longo da vida, e fatores de proteção. Esses
componentes unem-se para formar um banco de
recursos, que pode proteger o adolescente con-
tra danos e promover um bem-estar geral. Entre-
tanto, como com qualquer recurso, seu valor está
na capacidade de usá-lo. Se aderimos a esse
modelo de resiliência, cada componente do ban-
co de recursos e sua operacionalização apresen-
tam desafios à pesquisa. Quais são as caracte-
rísticas específicas nos níveis individual e ambien-
tal que reforçam o modelo básico? Quais são
suas relativas contribuições para o banco de re-
cursos? Como é que um adolescente percebe os
pontos específicos do pacote que define seu pró-
prio conjunto de recursos? Como é que os ado-
lescentes variam em sua aplicação de recursos
de resiliência?
Conclusão
À medida em que avançamos em nosso estu-
do desse e de outros modelos, espero que este-
jamos nos lembrandos das lacunas e dos des-
compassos entre construções teóricas e realida-
des práticas. Em qualquer teoria de resiliência,
aparecem muitos casos de jovens resilientes.
Consideremos, por exemplo, três jovens dentro
dos espectros de risco familiar, comportamento
em relação à saúde e resultados em saúde. O
primeiro vive em uma família unida, comporta-se
bem e é saudável. O segundo vive em uma famí-
lia desunida, comporta-se bem e é saudável. O
terceiro vive num ambiente institucional, compor-
ta-se bem e, no entanto, sua saúde está com-
prometida devido a uma condição crônica subja-
cente. Todos os três sofrem dos estresses da
vida e passam com sucesso pela adolescência.
Todos os três são resilientes. Mesmo assim, pa-
recem todos diferentes e funcionam todos de
modos diferentes.
É essa diversidade que oferece a maior espe-
rança para a teoria da resiliência e o maior desa-
fio para sua tradução em uma aplicação útil. Cada
adolescente deve ser capaz de reconhecer seu
próprio conjunto de recursos e deve aprender
quando e como melhor aplicá-los.
As questões de pesquisa levantadas por novas
construções teóricas sobre resiliência do adoles-
cente pedem a desconstrução de pesquisas tra-
dicionais armazenadas. Identificar as caracterís-
ticas individuais no conjunto de recursos de resi-
liência significa tanto as biológicas quanto as psi-
cológicas e sociais. É hora de a pesquisa em saú-
de do adolescente voltar-se de novo para o cien-
tista básico. À medida em que o risco biológico e
os fatores de proteção vão se elucidando, cuida-
dos devem ser tomados no sentido de evitar-se
uma rotulação biológica que implica baixa capaci-
dade. A modificabilidade que se tinha como certa
muito provavelmente será descartada; ficará de-
monstrado que os genes são mutáveis, enquanto
alguns comportamentos “evitáveis” podem mos-
trar-se bem mais resistentes. E, à medida em
que a pesquisa esclarece o que protege, o que
coloca em perigo e o que é mutável, os criadores
de programas de saúde continuarão aplicando os
achados e avaliando a eficácia de suas estratégi-
as.
Além dos programas da década de 1990, com
enfoque nos adolescentes, esta próxima década
exige programas que ajudem os pais e as escolas
a promover a resiliência dos jovens. Além da ava-
liação da eficácia teórica, existe uma demanda
por responsabilidade e análise de custo/benefício.
Além disso, como sempre, as muitas faces da
adolescência devem ser reconhecidas. Na busca
pelo modelo universal do adolescente resiliente, o
adolescente de risco não deve ser esquecido.
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