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MARX 2014| Seminário Nacional de Teoria Marxista – Uberlândia, 12 a 15 de maio de 2014
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Capitalismo e renda da terra: estudo sobre o processo de
formação da propriedade capitalista da terra
Carlos Alberto Vieira Borba1
Resumo
No presente artigo buscamos fazer uma reflexão teórica acerca do processo de formação da
propriedade capitalista da terra embasada na teoria da renda fundiária. Acreditamos que a
renda da terra é a forma que se realiza e que se valoriza a propriedade fundiária. Para
compreender o processo de formação da propriedade capitalista da terra é preciso ter em
mente a dificuldade de definir no capitalismo uma lógica de transformação da propriedade
territorial em sua forma tipicamente capitalista, inclusive, o próprio Marx em seus estudos,
não se sentiu demasiadamente seguro com sua descrição da propriedade territorial capitalista.
Posteriormente ele disse que havia apenas traçado o caminho no qual a Europa Ocidental,
surgiu o sistema capitalista do ventre do sistema econômico feudal e atacou os que fizeram
dela um caminho geral do desenvolvimento de todas as nações. Nesse sentido, buscamos
compreender o desenvolvimento desigual e combinado do capitalismo, para observar as suas
diferentes configurações com ênfase especialmente no papel da terra na acumulação
capitalista. Para tanto, faremos uma breve comparação ente o modelo capitalista clássico
elaborado por Marx, que tinha a Inglaterra como principal referência, e no Brasil – país onde
o desenvolvimento desse sistema processou-se de forma mais tardia.
Palavras-chave: Renda da Terra; Capitalismo; Propriedade Fundiária.
Caracterizar a propriedade fundiária em sua forma tipicamente capitalista, não é tarefa
fácil, muitos buscaram através da teoria da renda da terra, formulada pelos economistas
ingleses e complementada pelo pensador alemão – Karl Marx – o arsenal teórico para buscar
compreender o processo de mercantilização e de formação da propriedade territorial. Isso
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Doutorando em história econômica (USP), mestre em história social (UFU) e graduado em história UFG. E-
mail: carlosborba.historia@gmail.com
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porque essa categoria de análise buscou solucionar um dilema: como mensurar o preço da
terra na vigência da teoria do valor, onde tudo que constitui valor é produzido pelo trabalho
humano, pelo trabalho socialmente necessário. Destarte, a renda da terra foi um esforço
realizado por esses pensadores, para entender, como a terra não sendo capital está passível de
valorizar-se e obter um preço.
É importante destacar conforme elencou Martins (1990), que em muitas análises,
sobretudo na expansão do capitalismo no Brasil, a terra é considerada erroneamente como
capital.
A apropriação da terra não se dá num processo de trabalho, de exploração do
trabalho pelo capital. (...) A terra é, pois, um instrumento de trabalho
qualitativamente diferente dos outros meios de produção. Quando alguém trabalha
na terra, não é para produzir a terra, mas para produzir o fruto da terra. O fruto da
terra pode ser produto do trabalho, mas a própria terra não o é (MARTINS, 1990, p.
159-160).
Nesse sentido, David Harvey adverte que a terra é um meio de produção não
produzido. Mas sublinha que as melhorias feitas nela são frutos do trabalho humano, as casa,
fábricas, estradas, interferem na produção de mercadorias e nos valores de circulação.
Comunga também dessa visão Samir Amin (1977) quando argumenta que embora a natureza
não seja produzida pelo homem, ela pode ser alterada, tornando-se, um meio de produção
fruto do trabalho humano.
Contudo, a renda da terra refere-se ao pagamento puro da terra independente das
melhorias que se tem nela (HARVEY, 1990, p. 333), o que explica o fato de uma terra sem
condição de uso ter um preço. Todavia as melhorias realizadas na terra representam apenas
um componente adicional da renda fundiária.
Antes de tudo, é preciso conceituar o que é renda fundiária. A renda é o pagamento
feito aos proprietários de terras pelo direito de usar a terra e seus acessórios (os recursos
incrustados em seu interior, como os recursos naturais, e os edifícios colocados sobre ela, etc).
Para Harvey:
La renta es el concepto teórico por medio de cual há economia política (de
culaquier afiliación) tradicionalmente confronta el problema de la
organización espacial. La renta, (...) proporciona uma base para diversas
formas de control social sobre la organización espacial e el desarrollo del
capitalismo. Esto es así porque La tierra sirve no solo como um médio de
producción sino também como uma “base, como sitio, como centro local de
operacionaes”; el espacio és um elemento necesario em toda producción y
atividad humana (HARVEY, apud MARX, 1990, p. 340).
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A renda da terra capitalista2
se manifesta em diferentes formas. Renda de Monopólio –
que se caracteriza quando um proprietário de terra cobra altos valores para o uso de uma
determinada terra com determinadas qualidades para determinados produtos. Renda absoluta,
que é a barreira que os proprietários de terra erguem sobre a livre circulação do capital,
obrigando a uma redistribuição da mais-valia total produzida. Ademais, temos a renda
diferencial, a qual é dividida em duas: a renda diferencial um (RDI), assentada na ideia de que
o valor do produto agrícola é fixado pelos preços das piores terras, combinado ainda, com a
fertilidade e localização. Neste caso, as terras de melhores qualidades obteriam um ganho
extraordinário permanente ao lucro médio, o que seria a renda diferencial. Entretanto, no
sistema capitalista a tendência é que a RDI seja incorporada a outra forma de renda,
decorrente do investimento do capital em máquinas e técnicas de produção para o aumento de
fertilidade das terras e da sua localização relativa, alterada de acordo com os investimentos
em transportes e das mudanças geográficas do mercado. Esta denominada de renda diferencial
dois (RD2) seria resultado não das qualidades naturais da terra, mas do investimento
diferenciado em terras de uma mesma qualidade. Um investimento maior nessas terras
permitiria um ganho proporcional ao capital investido, interferindo diretamente na redução
dos custos da produção, tornando-se mais baixo que o valor de mercado fixado pela aplicação
“normal” de capital. Com efeito, esse ganho é apropriado como RD2.
Entretanto, a renda fundiária ao mesmo tempo em que representa um alicerce para
entender a expansão do capitalismo no campo e a forma pela qual esse modo de produção
sujeita a agricultura, também apresenta algumas questões controvérsias e alguns limites. Isso
porque, a renda fundiária é uma das “categorias mais polêmicas na história do pensamento
econômico” (LENZ, 1996, p. 431) pelas distintas interpretações do seu papel no
desenvolvimento do capitalismo e no processo de produção e distribuição da mais-valia
social. No mais, depois de alcançar o centro de grandes discussões na economia clássica ela
foi deixada em segundo plano, sobretudo com o aparecimento do marginalismo por volta de
1870 que “introduziu uma nova metodologia de análise, baseada em uma teoria do valor e
distribuição de caráter subjetivo, onde as classes sociais desapareceriam como atores na
2
A renda da terra em sua forma pré-capitalista assume três formas: a renda da terra em trabalho, renda da terra
em produto e renda da terra em dinheiro. A primeira consiste na troca de dias de trabalho (semanal, mensal ou
anual) pelo direito a concessão de terras. A segunda, caracteriza-se pela troca de parte da produção (o excedente)
pelo direito de cultivar a terra. Por fim, a terceira, “é a renda em dinheiro que se origina da conversão, da simples
metamorfose da renda em produto em renda em dinheiro” (OLIVEIRA, 2007, p. 44)
MARX 2014| Seminário Nacional de Teoria Marxista – Uberlândia, 12 a 15 de maio de 2014
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determinação do excedente econômico, e entravam em cena o fator de produção” (LENZ,
1996, p. 431).
Mesmo Marx que avançou consideravelmente nas reflexões sobre a renda da terra,
deixou algumas lacunas, pois como observou Harvey suas formulações foram quase todas
publicadas postumamente, inviabilizando qualquer esclarecimento posterior sobre o tema.
Com efeito, grande parte dos pensadores que se dedicaram a análise da renda fundiária
encontraram dificuldades para estudá-la. Além disso, as reflexões de Marx sobre o assunto
variou muito em seus estudos, se levarmos em consideração as reflexões elaboradas em seu
livro Teoria da mais-valia e em sua obra de maior envergadura – O Capital –, elas
apresentam grandes diferenças. (HARVEY, 1990, p. 33)
Sobre essas questões, o sociólogo José de Souza Martins, acrescenta que, a análise da
renda fundiária pensada por Marx “tem poucas referências históricas, ao contrário do que
ocorre com outras passagens do livro3
; é uma análise altamente abstrata, baseada em muitas
formulações hipotéticas, motivo aliás da dificuldade com que geralmente é lida” (MARTINS,
1990, p. 161).
Buscaremos agora, apresentar algumas questões entre renda fundiária, propriedade da
terra e capitalismo, de forma que possamos ampliar nosso leque de análise através do diálogo
com autores contemporâneo, como José de Souza Martins e David Harvey, que refletiram e
que avançaram em alguns pontos nas formulações de Marx. Esse exercício cumprirá,
outrossim, a função de esclarecer algumas erros teóricos que alguns estudiosos incorrem nas
análises sobre a relação da terra e capitalismo, para facilitar a compreensão do papel da terra
no processo de transição e reprodução do capital e argumentar que longe de representar um
obstáculo ao capital, a renda da terra faz parte do processo de expansão capitalista.
Propriedade da terra e transição para o capitalismo: uma análise comparativa entre o
modelo clássico e o brasileiro
A terra representa um importante papel no processo de transição e expansão do
capitalismo, apesar de manifestar uma contradição com o capital e em determinados
momentos erigir como obstáculo para sua livre circulação, ela cumpre um importante papel
para sua expansão.
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O livro o qual o autor se refere é O Capital.
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Essa contradição se manifesta como já discutimos, pelo fato da terra não ser capital
(trabalho humano acumulado sobre os meios de produção), que é a prerrogativa que
fundamenta o direito do capitalista sobre a propriedade privada dos meios de produção.
Assim, toda a riqueza criada pelo trabalhado assalariado no processo de produção aparece
como produto do capital, simplesmente pelo fato do capitalista ser dono dos meios de
produção, matéria-prima e comprar a força de trabalho do trabalhador (MARTINS, 1990, p.
159).
Nesse sentido, o processo que fundamenta ao capitalista o direito sobre a propriedade
privada dos meios de produção – a exploração do trabalho pelo capital – não se dá com a
terra, pois ela não é a materialização do trabalho humano e, por isso, não pode ter um
processo de legitimação igual ao da produção capitalista dos meios de produção.
Então como entender o processo em que a terra torna-se uma mercadoria, uma
propriedade, um objeto de relações mercantis? Para Martins a terra passa por um processo
semelhante ao do trabalho – que também não é produto do próprio trabalho, não contém valor
– mas também é apropriado pelo capital. O capital cria condições para apropriar do trabalho
quando separa os trabalhadores dos meios de produção, deixando como única opção aos
trabalhadores vender sua força de trabalho.
Mas, assim como o capitalista precisa pagar um salário para se apropriar da
força de trabalho do trabalhador, também precisa pagar uma renda para se
apropriar da terra. Assim como a força de trabalho se transforma em
mercadoria no capitalismo, também a terra se transforma em mercadoria.
Assim como o trabalhador cobra um salário para que a sua força de trabalho
seja empregada na reprodução do capital, o proprietário da terra cobra uma
renda para que ela possa ser utilizada pelo capital ou pelo trabalhador.
(MARTINS, 1990, p. 160).
Portanto o resultado da contradição entre terra e capital é a renda fundiária, que é a
forma que o capital encontra para apropria-se da terra e legitimar o direito de explorá-la.
Entretanto para compreender como a renda da terra em sua forma pré-capitalista é convertida
a renda capitalista, devemos entender melhor a dinâmica do capitalismo.
O economista – Samir Amin – traça um panorama do desenvolvimento do capitalismo
desde sua gênese na Europa e sua expansão global integrando os países periféricos desse
sistema, como os países coloniais e ex-colônias, buscando identificar como a agricultura e a
terra é subordinada ao capital.
Ele distingue, em três etapas o desenvolvimento do capitalismo:
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1) a que qualificamos como etapa do mercantilismo, do século XV ao século
XIX, caracterizada por uma primeira transformação na agricultura, sua
mercantilização e a desagregação das relações de produção feudais; 2) a do
século XIX, caracterizada pela realização do modo de produção na indústria;
3) a do século XX, caracterizada pela “industrialização” da agricultura
(AMIN, 1977, p. 21).
A partir dessa divisão do capitalismo em três fases, o autor defende a seguinte tese, pela qual
corroboramos:
(...) as relações de produção capitalistas aparecem inicialmente na vida rural,
mas limitadas pela resistência do modo de produção feudal; em seguida,
estas relações se transportam para o campo de atividades novas, a indústria
urbana, onde assumem forma definitiva e abandonam a agricultura; enfim,
apropriam-se de toda a vida social e integram a agricultura de forma tal e
muito mais profunda. Este movimento oscilante caracteriza a história das
relações do capitalismo com a agricultura nas formações capitalistas centrais
(AMIN, 1977, p. 21).
A primeira fase do mercantilismo é marcada pela acumulação primitiva e pela
constituição de dois polos necessários para a realização do capitalismo: o capital e o
proletariado, que só vão entrar em embates diretos a partir da revolução industrial. O
mercantilismo é responsável pela desagregação das relações feudais. Tal fato é de suma
importância para o capitalismo, pois é através dele que ocorre a separação dos camponeses
dos seus meios de produção (a terra), engrossando, portanto, as fileiras de trabalhadores
disponíveis para a indústria emergente. Acarretando também a mercantilização da agricultura
e o surgimento da terra como produto de transação mercantil.
Nesse período de transição de aproximadamente três séculos do capitalismo,
decorrente da desintegração do feudalismo, o que ocorre é a apropriação da terra por senhores
feudais e em raras as situações, pelos camponeses, transformando-se assim, em proprietários
absolutos da terra. Com efeito, é extinto a superposição do direito a terra por parte dos
senhores feudais e camponeses, emergindo desse processo, a propriedade absoluta fruto do
direito romano do jus usiet abutendi, reinterpretado do direito mercantil (AMIN, 1977, p. 22).
Harvey em diálogo com Marx, aponta duas fases da formação da propriedade
territorial capitalista:
Em la primera, las rentas feudales pagadas com trabajo se transforman en
rentas del miesmo tipo y finalmente em rentas de dinero (...) La
monetización de las rentas feudales abre la possibilidade de arrendar la
tierra, a tierra a cambio de pago em dinero y, finalmente, a la compra y la
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venta de la tierra como uma mercancia (HARVEY, apud MARX, 1990, p.
347).
A segunda fase trata-se da expropriação violenta com ou sem a participação do Estado.
Esses novos proprietários absolutos do solo que são potencialmente burgueses
agrários, proprietários capitalistas e camponeses, começam a investir em melhorias da terra e
venderem parte de sua produção (AMIN 1977, p. 22), transformando assim, a renda-produto
em renda-dinheiro e, por fim, elevando à terra a condição de mercadoria passível de compra e
venda.
Contudo, inicialmente o desenvolvimento do capital no campo é limitado pela escassa
demanda do mercado urbano. No entanto, a medida que aumenta esse demanda, mormente
pela revolução industrial (segunda etapa do desenvolvimento do capitalismo) e a concentração
da vida cada vez mais na cidade, a agricultura e a terra passam a ser requisitadas a uma maior
produção para atender essa procura.
Dessa maneira, a agricultura é incorporada pelo capitalismo, se industrializando ao
mesmo tempo em que a terra passa a ser um obstáculo para o desenvolvimento desse sistema
quando não produz de acordo com sua lógica. Amin conclui então que, “depois de ter
aparecido embrionariamente no mundo rural, as relações capitalistas surgem, se completam e
se desenvolvem na indústria. O dinheiro, que pode ser transformado em capital, está lá: o
proletariado também já existe” (AMIN, 1977, p. 24) depois retorna a agricultura, promovendo
sua industrialização, possibilitando aferir uma renda capitalista da terra (AMIN, 1977, p. 24).
Como vimos, a tendência do capital é subordinar todos os setores e ramos de
produção. Com efeito, a terra por meio do seu proprietário se ergue como um obstáculo para a
livre circulação do capital ao cobrar um preço para sua utilização. Nesse sentido, a terra
apresenta duas contradições com o capital. A primeira como falamos, é o fato de que ela não é
capital. Segundo, é que:
quando o capitalista paga pela utilização da terra, está, na verdade,
convertendo uma parte do seu capital em renda. Está imobilizando
improdutivamente essa parte do capital, unicamente porque esse é o preço
para remover o obstáculo que a propriedade fundiária representa, no
capitalismo, à reprodução do capital na agricultura. Essa imobilização é
improdutiva porque ela sozinha não é suficiente para promover a extração de
riqueza da terra, para efetivar a produção agrícola. O capitalista precisará,
ainda, empregar ferramentas, adubos, inseticidas, combinados com força de
trabalho, para que a terra dê os seus frutos. Os instrumentos e os objetos de
trabalho, além da própria força de trabalho, é que são o verdadeiro capital
capaz de fazer a terra produzir sob o seu controle e domínio. (...) A
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subordinação da propriedade fundiária ao capital ocorre justamente para que
ela produza sob o domínino e conforme os pressupostos do capital. A
apropriação capitalista da terra permite justamente que o trabalho que nela se
dá, o trabalho agrícola, se torne subordinado ao capital. A terra assim
apropriada opera como se fosse capital, ela se torna equivalente de capital e,
para o capitalista, obedece a critérios que ele basicamente leva em conta em
relação aos outros instrumentos possuídos pelo capital. Ainda assim o fato
de que a terra pareça, socialmente, capital não faz dela, efetivamente,
capital”. (MARTINS, 1990, p. 161-162).
O que a terra produz do ponto de vista capitalista é diferente do que produz o capital,
pois este produz o lucro (a apropriação do trabalho excedente), o trabalho produz salário, e a
terra, produz a renda.
Vale mencionar que “esta revolução industrial opera-se pela aliança da nova burguesia
com a propriedade fundiária”. Essas alianças apresentam diferenças em distintos lugares. Na
Inglaterra a burguesia alia-se a grande propriedade capitalista da terra fundindo-se em uma
única classe. Na França, diferentemente, a burguesia se junta com camponeses e promovem
uma mudança agrária radical, da qual resulta uma nova classe rural do tipo koulak (AMIN,
1997, p. 24).
O importante nestas alianças é perceber, que através dela se paga pela extração de uma
parte da mais-valia em benefício da propriedade fundiária para romper os obstáculos que a
terra representa para a livre circulação do capital. Com efeito, “pode-se falar agora de renda
capitalista em sentido pleno, já que é obtida da mais-valia” (AMIN, 1977, p. 24), dos
excedentes de capitais acumulados na indústria e que precisam ser transferidos para a
agricultura e para uma maior racionalização da terra. Nestes termos, podemos falar que a
propriedade territorial assume sua forma capitalista, pois a apropriação da renda capitalista é a
forma econômica como se realiza a propriedade territorial no capitalismo (Harvey, 1990, p.
346).
Convém destacar que esse processo que origina a propriedade fundiária de origem
capitalista, varia muito de lugar para lugar. A Inglaterra, por exemplo, apresenta um processo
peculiar, porque a transformação em propriedade pré-capitalista para a capitalista ocorreu de
modo mais acelerado do que em outros lugares. Uma explicação para isso está no fato de que
“Como la separación entre el trabajo y la tierra como medio de producción
há sido y sigue siendo uma precondición essencial para la formación del
trabajo assalariado, la forma de la propriedade territorial precapitalista
desempeño un papel igualmente importante em la acumulación de capital em
la creación de la forma moderna de la propriedade territorial” (HARVEY,
1990, p. 346-347).
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Assim, a Inglaterra foi indiscutivelmente o país onde mais se desenvolveu a forma
clássica do capitalismo na sociedade moderna, tornando-se o berço do desenvolvimento do
capitalismo. Por isso, teve uma transformação mais rápida de sua estrutura agrária com o
processo de cercamento dos campos que acarretou na expropriação do camponês de sua terra.
Levando em consideração essa questões, é difícil definir no capitalismo uma lógica de
transformação da propriedade territorial em sua forma tipicamente capitalista, inclusive,
segundo Harvey (1990, p. 347), o próprio Marx em seus estudos, não se sentiu
demasiadamente seguro com sua descrição da propriedade territorial capitalista.
Posteriormente ele disse que havia apenas traçado o caminho no qual a Europa Ocidental,
surgiu o sistema capitalista do ventre do sistema econômico feudal e atacou os que fizeram
dela um caminho geral do desenvolvimento de todas as nações.
A caracterização da propriedade territorial no capitalismo torna-se ainda mais difícil
em países periféricos do sistema capitalista, como os países que foram alvos da colonização
do capital mercantil europeu - a exemplo do Brasil, nesses lugares como enfatizou Amin
(1977), o capitalismo desenvolveu de forma diferente do capitalismo europeu locus de análise
de Marx, o que dificulta qualquer análise que busque transpor o modelo elaborado daquela
realidade para a realidade dos países latino-americanos.
No Brasil o capitalismo não foi resultado da evolução interna de um processo de
transição de um modo de produção para outro a partir da dinâmica da luta de classes e do
desenvolvimento natural das forças produtivas e relações de produção. Ele foi desde o início
produto da ingerência do capital mercantil europeu, explorados segundo as necessidades desse
comércio, aos moldes de uma empresa colonial como sublinhou Caio Prado Jr.
Portanto, não tivemos no Brasil nenhum sistema feudal ou semifeudal, nem relações
feudais ou resquícios do feudalismo, como acreditavam muitos marxistas em meados do
século XX. Esses autores brasileiros munidos de um marxismo aplicado de forma mecânica
na realidade social brasileira, via na terra e no grande proprietário uma semelhança com o
senhor feudal e com o modo de produção feudal, ou no produtor familiar, um camponês e um
modo de produção camponês. Esses autores enxergavam o campesinato e latifundiário como
“evidências da permanência de relações feudais de produção” (OLIVEIRA, 2007, p. 10),
consequentemente, suas análises giravam em torno da dualidade que há “um setor urbano
industrial capitalista nas cidades e um setor feudal, semifeudal, pré-capitalista, atrasado no
campo” (OLIVEIRA, 2007, p. 10). Para eles “a penetração do capitalismo ocorre a partir do
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rompimento com as estruturas políticas tradicionais de dominação” (OLIVEIRA, 2007, p.
10).
Martins destaca que a contradição que a terra representa no capitalismo não é porque
ele seja um elemento estranho ou fora desse sistema, pelo contrário, é uma contradição
interna, constitutiva do próprio modelo capitalista de produção. E embora a renda da terra
tenha origem pré-capitalista, colocando-se como contradição e obstáculo à expansão do
capital, ela perde “esse caráter à medida que é absorvida pelo processo de capital e se
transforma em renda territorial capitalizada. (...) A determinação histórica do capital não
destrói a renda da terra nem preserva o seu caráter pré-capitalista – transforma-a,
incorporando-a, em capitalizada” (MARTINS, 2010, p. 22). Assim, longe de ser um entrave a
reprodução capitalista, a terra cumpre uma função importante na acumulação do capital.
Seguindo esse raciocínio, Harvey em diálogo com Marx argumenta que “la propriedade
territorial privada, como el capital mercantil y la usura, (es a la vez prerrequisito y produto del
modo de producción capitalista” (HARVEY, 1990, p. 347).
Logo, a contradição existente entre terra e capital e a presença de relações não-
capitalistas são produto do desenvolvimento desigual e contraditório do capitalismo que
“além de redefinir antigas relações subordinando-as à sua produção, engendra relações não-
capitalistas igual e contraditoriamente necessárias à sua reprodução” (OLIVEIRA, 2007, p.
40).
Por isso, incorre ao erro aqueles que analisam separadamente os elementos do
processo social sem observá-los em sua totalidade, enxergando nas relações não-capitalistas,
na perpetuação do latifúndio e do campesinato, resquícios do feudalismo ou elementos
integrantes a outros modos de produção. Sobre essa questão, Martins esclarece “se eu separo
cada um dos elementos do processo social, se não vejo a terra como relação social que é parte
desse processo que é processo social, a minha tendência será ver aí modos de produção
diferentes e serão tantos os modos de produção quantas forem as diferenças”. (MARTINS,
1990, p. 172). Desse modo, muitos autores enxergam nessas contradições que compõem a
expansão do capitalismo, uma diversidade de modos de produções.
Por fim, só é possível entender que a terra é de grande importância para a acumulação
capitalista e apropriação de sua renda acarreta na formação da propriedade fundiária.
No Brasil a terra também cumpriu um papel essencial no processo de transição para o
capitalismo com a promulgação da Lei de Terras de 1850. Esta lei marca o processo de
“absolutização” ou formalização da propriedade fundiária, à medida que proibia qualquer
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forma de aquisição de terras que não fosse feita através da compra, extinguindo assim, as
formas tradicionais de aquisição de terras, como o apossamento e doações sesmarias
concedidas pela Coroa Portuguesa. Entretanto, o governo imperial permitia a regularização
das propriedades que foram adquiridas anteriores a Lei de Terras, através da posse e das
doações de sesmarias na qual os títulos não haviam sido regularizados.
Para Emilia Viotti da Costa (1998), a política de terra e a regularização da propriedade
territorial estão associadas ao estágio de desenvolvimento econômico no Brasil. Segundo a
autora:
A caótica situação da propriedade rural e os problemas da força de trabalho
impeliram os setores dinâmicos da elite a reavaliar as políticas de terras e do
trabalho. A Lei de Terras de 1850 expressou os interesses desses grupos e
representou uma tentativa de regularizar a propriedade rural e o fornecimento de
trabalho, de acordo com as novas necessidades e possibilidades da época (COSTA,
1998, p. 176).
Outros autores, como Roberto Smith (2008), corrobora dessa ideia quando argumenta
que a elaboração e a aprovação da Lei de Terras de1850 foi responsável pela formação da
propriedade privada da terra e para a transição para o capitalismo no Brasil. Ademais esse
instrumento jurídico era necessário para atender as exigências da acumulação do capital
mercantil, que era basicamente promover a transição entre o trabalho escravo para o trabalho
livre. Um indicativo disso é que a Lei de Terras e a lei que decretou o fim do tráfico de
escravos foram aprovadas num prazo de duas semanas entre uma e outra. Smith chama
atenção ainda para a necessidade de entender a promulgação da Lei de Terras de forma
conectada a dinâmica do capitalismo mundial:
A inter-relação com o processo de amplo crescimento capitalista industrial, após a
crise europeia do início do século XIX, contudo, projeta desde o Exterior, e
especificamente da Inglaterra, a conjunção de interesses mercantis que abalaria
internamente as relações entre a terra e o trabalho no país. Evidentemente,
encontrava-se no Brasil permeado por um processo econâmico (sic) e político de
caráter capitalista internacional. O que era mais específico ao Brasil, no âmbito onde
projetos de leis de terra foram aparecendo, era o teor da importância assumido pelo
escravismo e a complexidade que envolvia o processo de sua substituição (SMITH,
2008, p. 327-328).
Ligia Osório Silva (2008) e Marcia Motta (1998), outrossim, destacam que a referida
lei buscou substituir o trabalho escravo pelo trabalho livre, atendendo assim, as necessidades
das classes dominantes em um estágio determinado da acumulação do capital mercantil no
Brasil.
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Esse processo marca a passagem da terra como um domínio da Coroa para o domínio
público e também na mudança na relação de exploração da propriedade fundiária, a terra
como uma doação de si mesma passa a ser uma mercadoria, e a terra como prestígio social
deu lugar a terra como poder econômico, que também culminava em prestígio social
(COSTA, 1998, p. 172).
Dessa maneira, “durante a crise do trabalho servil, o objeto da renda capitalizada passa
do escravo para a terra, do predomínio num para a outra, da atividade produtiva do
trabalhador para o objeto do trabalho, a terra” (MARTINS, 1996, p. 40). Assim, a Lei de
Terras caracteriza o início da transição da propriedade individual da terra para a propriedade
privada capitalista e lança as bases para o surgimento do capitalismo no Brasil que na visão de
Muller (1989, p. 29) data de 1870.
Para Moreira (1986, p. 8) “até os anos 30 o capitalismo evolui internamente no Brasil
sob os parâmetros semelhantes aos de subsunção formal clássica”. Já a partir de 1930 inicia
um novo ciclo na economia brasileira, que pode ser notado através das mudanças na
composição de força das classes dominantes que conduzem o Estado, como o papel desta
instituição no sentido de estimular e apoiar as atividades industriais e um novo padrão de
acumulação capitalista.
Muitos são os estudiosos que apontam o período de 1930 como um marco de uma
nova etapa do capitalismo no Brasil. Para o sociólogo, Francisco de Oliveira:
a revolução de 1930 marca o fim de um ciclo e o início de outro na economia
brasileira: o fim da hegemonia agrário-exportadora e o início da predominância da
estrutura produtiva de base urbano-industrial. (...) o processo mediante o qual a
posição hegemônica se concretizará é crucial: a nova correlação de forças sociais, a
reformulação do aparelho e da ação estatal, a regulamentação dos fatores, entre os
quais o trabalho ou preço do trabalho, têm o significado, de um lado, de destruição
das regras do jogo segundo as quais a economia se inclinava para as atividades
agrário exportadoras e, de outro, de criação das condições institucionais para a
expansão das atividades ligadas ao mercado interno. (OLIVEIRA, 2006, p. 35).
Corroboram também dessa visão, Ruy Moreira (1986) e Geraldo Muller (1989),
ambos são unânimes em afirmar que 1930 representa um marco na economia brasileira, pois
caracteriza a passagem para uma economia industrial. Esse processo de transição para uma
economia industrial consolida-se em meados da década de 1950 e na década de 1960, quando
na compreensão de Muller, configura-se “um sistema econômico dominado pelo capital
industrial, tanto em termos de acumulação como de contribuição para o crescimento do PIB”
(MÜLLER, 1989, p. 29). Vale acrescentar que o ano de 1956 marca o momento em que pela
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primeira vez na história econômica do Brasil, a indústria representa uma maior porcentagem
do PIB do país (OLIVEIRA, 2006).
Ruy Moreira (1986, p. 8) traduz esse período que marca a consolidação de um novo
ciclo da economia brasileira como a passagem da fase de subsunção formal para a subsunção
real do capitalismo no Brasil, perceptíveis a partir das seguintes evidências: nesse momento o
“bloco histórico” tem como padrão de acumulação valores de troca que passam a serem cada
vez mais valores de usos industriais, e que a esfera econômica passa a se concentrar
predominantemente através da relação capital-trabalho, tanto no setor primário como no setor
secundário, assim como nas esferas de produção e de circulação.
Para a consolidação de uma economia centrada no modelo urbano-industrial, a
agricultura desempenhou um papel importante. Para Francisco de Oliveira (2006, p. 43), o
papel da agricultura nesse processo caracteriza-se como um elemento de acumulação
primitiva, com algumas peculiaridades se comparada com o “modelo clássico”. Isto porque no
Brasil trata-se de um processo que não se expropria a propriedade, embora isso também
ocorresse na passagem da agricultura de subsistência para a agricultura comercial de
exportação - mas aqui se apropria do excedente formado pela posse transitória da terra. Ainda
conforme o referido autor:
A agricultura, nesse modelo, cumpre um papel vital para as virtualidades de
expansão do sistema: seja fornecendo os contingentes de força de trabalho, seja
fornecendo os alimentos no esquema já descrito, ela tem uma contribuição
importante na compatibilização do processo de acumulação global da economia. De
outra parte, esta, no seu crescimento, redefine as condições estruturais daquela,
introduzindo novas relações de produção no campo, que torna viável a agricultura
comercial de consumo interno e externo pela formação de um proletariado rural.
Longe de um crescente e acumulativo isolamento, há relações estruturais entre os
dois setores que estão na lógica do tipo de expansão capitalista dos últimos trintas
anos no Brasil (OLIVEIRA, 2006, pp. 47-48).
Dessa maneira, a partir de meados do século XX a agricultura não é um setor ligado
aos demais setores econômicos, mas integrado a dinâmica do capital (MÜLLER, 1989, p. 57).
Os limites de produzir no campo foram superados pelos interesses da tríplice aliança que foi à
fusão de interesses do capital estrangeiro, do capital nacional e do capital Estatal, como nos
mostra Müller em seu diálogo com Peter Evans:
Data dos anos 50 a Tríplice Aliança. Para Peter Evans, “o resultado final da
incorporação da periferia ao sistema capitalista internacional, no que concerne à
elite, é criar uma aliança complexa entre o capital nacional da elite, o capital
internacional e o capital estatal, a que dei o nome de ‘tríplice aliança”. Esta aliança,
portanto, nada mais é do que a forma nacional da expansão do capitalismo
oligopólico do pós-guerra num país atrasado da periferia. E se ela fez com que o
Brasil passasse de vez para uma economia industrial, implicou também uma
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aderência significativa, na verdade e em boa medida, numa fusão entre os interesses
internos e externos, com ganhos extraordinários de poder econômico e político por
parte do Estado (MÜLLER, 1989, p. 31).
Essa nova configuração da economia brasileira precipita algumas mudanças na
racionalização da terra e consequentemente nas prerrogativas sobre a propriedade privada da
terra, pois como chamou atenção Harvey (ano, p. 351) “Cuanto más capital excedente haya (a
corto plazo a través de la acumulación excessiva y a largo plazo), más probable será que la
tierra sea absorbida al interior de la estrutura de circulación de capital em general”.
No Brasil o projeto Brasília que na visão de Francisco Oliveira marca o auge da
acumulação capitalista no país, possibilita inserir à terra de uma forma mais geral a circulação
capitalista, ao criar possibilidade de exploração de uma renda capitalista da terra, em regiões
onde não apresentavam grandes atrativos para uma exploração de uma agropecuária em larga
escala, devido a sua posição desfavorável com o mercado. Ademais, grande parte dessa região
que foi cortada por estradas para promover a interface do sertão brasileiro com as regiões
mais dinâmicas economicamente, eram marcadas em grande parte por sua situação indefinida
no que tange a propriedade privada da terra, já que prevaleceu nestas áreas a criação do gado,
que exigia sempre a incorporação de novas terras, criando obstáculos para a regularização da
propriedade. Ao mesmo temo o monopólio fundiário gera alguns obstáculos para o
desenvolvimento do capitalismo e para a livre circulação do capital. Primeiro, porque estes
por não contarem com a concorrência, a exemplo dos setores industriais, tem a condição de
manter os preços dos produtos de subsistência em alto valor. Segundo, porque a autonomia do
mundo rural culmina em obstáculo para o desenvolvimento do capitalismo, sem entretanto,
retardar a sua expansão.
Como mostra Vania Moreira (2003) a construção de Brasília e seus apêndices foi um
modelo de ocupação territorial oligárquico, pois o Estado não regulou os procedimentos para
a sua ocupação. O que, claro, favoreceu a apropriação das terras pelas classes dominantes e,
sobretudo por uma elite rural. Diferentemente da Marcha para o Oeste criado por Vargas, que
tinha como objetivo ocupar os “vazios demográficos” através de projetos de colonização
assentados na pequena propriedade fundiária, a opção de Juscelino Kubitschek foi bastante
diferente, como mostra, Vânia Moreira (2003, p. 185), quando diz que ele:
(...) apoiou de forma muito efetiva a expansão do modelo oligárquico de apropriação
territorial. Construiu Brasília e o gigantesco cruzeiro rodoviário, sem disciplinar a
ocupação, posse e formação de propriedades rurais nas frentes de expansão da
sociedade nacional. Na prática, isso viabilizou o controle e o domínio da elite rural
sobre os novos territórios ocupados.
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Portanto, a acumulação do capital industrial implicou uma nova forma de exploração
sobre a terra (re) definindo a propriedade fundiária, marcando assim a transição de formas
intermediárias de propriedade individual para a propriedade capitalista da terra, pois como
bem observou Marx, em cada época histórica a propriedade evoluiu de forma diferente dentro
de relações sociais totalmente diferentes. Isso significa dizer que o desenvolvimento do
capitalismo provoca dissoluções das antigas relações econômicas da propriedade territorial e
sua conversão, a uma forma que foi compatível com a acumulação surgida (HARVEY, 1990,
p. 346).
Com efeito, a propriedade capitalista da terra se forma quando é possível apropriar-se
de um renda capitalista. Ora como podemos definir a renda como capitalista? Qual a sua
diferença com a renda pré-capitalista? A renda pré-capitalista em suas diferentes formas
(renda em trabalho, renda em produto e renda em dinheiro) nasce da produção e é o
trabalhador quem paga a renda ao proprietário da terra para a sua utilização. Nesses termos, a
renda pré-capitalista nasce diretamente da produção sem a necessidade de intermediários, do
excedente produzido pelo trabalhador entregue diretamente para o dono das terras como uma
forma de tributo pessoal deste para aquele.
Já a renda capitalista nasce da distribuição da mais-valia social que se contretiza na
circulação. Isso porque:
no processo de produção o trabalhador produz o seu salário e o capitalista
extrai o seu lucro. A conversa com o proprietário da terra vem depois, em
separado, não obstante a sua renda também tenha que sair da produção. Só
que nesta parte da riqueza que excede o necessário ao pagamento do salário
do trabalhador é apropriada pelo capitalista, porque ele é o proprietário do
capital, e mais ninguém. Portanto, a renda que toca ao proprietário da terra
terá que chegar num segundo momento. Isto ocorrerá quando o capital lhe
pagar pelo direito de utilização da terra. Ora, o trabalhador produziu mais-
valia, incrementou a riqueza, para o capitalista. Quando este paga a renda ao
proprietário, não está produzindo nada; está distribuindo uma parte da mais-
valia que extraíra dos seus trabalhadores. Por isso, a renda capitalista da terra
não nasce na produção, mas sim na distribuição da mais valia (MARTINS,
1990, p. 162-163).
Ademais, a renda capitalista é um tributo social, porque ele é paga pelo conjunto da
sociedade.
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As contribuições de David Harvey para o processo em que a terra assume sua forma
tipicamente capitalista
Apesar de toda dificuldade de definir na história uma lógica da transformação
necessária da propriedade territorial em sua forma capitalista, devido as diferentes
caracterizações que assume o capitalismo em vários lugares, corroboramos da tese de David
Harvey: a chave da transição da propriedade individual da terra para propriedade capitalista
da terra é o seu caráter de bem financeiro. No entanto, compreender a terra como bem
financeiro implica também pensar algumas questões que ficaram em segundo plano nas
formulações de Marx sobre renda da terra – os valores de uso do espaço e compreender a terra
como ativo financeiro. Vejamos.
Harvey avançou em alguns pontos sobre a análise da RD2 a partir do diálogo com as
formulações de Marx sobre o assunto. Harvey (2000, p. 341) percebeu que Marx não elaborou
de forma sistemática e mais profunda sobre o valor de uso do espaço e argumentou que assim
como os antagonismos de classes são de suma importância para pensar o valor de uso e de
troca, também o são as categorias espaciais. A boa localização com o mercado é um fator
essencial para aferir uma renda diferencial.
Nesse sentido, a produção do espaço é um fator de grande importância para
compreender a RD2. Especialmente o papel que as estradas exercem na configuração desta
renda, pois a localização relativa da terra diante o mercado é fundamental para a aferição da
RD2. No entanto, não basta essas terras estarem numa boa localização em relação ao mercado
consumidor. É preciso também, que haja uma rede de transportes eficientes para diminuir o
tempo de circulação de mercadorias, e assim reduzir os custos com as despesas de transporte e
consequentemente, nos gastos totais com a produção. “En La medida em que el intercamibo
se vuelve general y se perfecciona, así La circulación de marcancías rompi con todas las
restriciones em cuanto al tiempo, lugar e indivíduos” (HARVEY, 1990, p. 341).
Para um melhor entendimento dos custos e ganhos com transportes para a produção do
valor da terra, é importante observar o mercado de terras, que na compreensão de Harvey não
é contemplado em toda sua complexidade apenas pela teoria da renda fundiária.
Dessa maneira, para Harvey todo o processo de circulação do capital através do uso da
terra e a organização social das atividades está diretamente ligada ao funcionamento dos
mercados de terras, que por sua vez repousam na capacidade de apropriar-se da renda da terra.
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De acordo com Harvey (1990), o mercado de terras é regulado por fatores altamente
especulativos associados à expectativa de ganhos futuros, os quais estariam assentados diante
a capacidade que determinadas terras teriam de gerar ganhos maiores, por sua fertilidade e
localização com mercado. O mercado de terras a exemplo do mercado especulativo é regulado
basicamente por dois fatores, a taxa de lucro e os ganhos futuros previstos através da renda da
terra. O fator especulativo explica porque terras sem condição de uso apresentam um valor, o
que levou Harvey (1990, p. 370) a concluir que o elemento especulativo exerce uma
influencia considerável no preço da terra. Compreender o mercado de terras desta maneira
implica refletir que a tendência da terra no capitalismo é assumir a condição de capital
fictício, já que, da mesma forma que os títulos de dívidas do estado, que é regulada pela
possibilidade que estes títulos têm de produzir ganhos futuros, assim também é a terra. O que
se busca com a compra da terra é um título que autoriza o comprador a receber uma renda
anual.
Bajo esas condiciones se trata a la tierra como um bien financeiro que se
compra y se vende según la renta que produce. Como todas las demás
formas de capital fictício, lo que se compra y se vende és um derecho a um
ingresso futuro, lo cual significa um derecho sobre utilidades futuras por el
uso de la tierra o, más directamente, um derecho al trabajo futuro
(HARVEY, 1990, p. 350).
Nesse sentido, o investimento em terras não é direcionado na produção direta, mas
pela possibilidade de retornos financeiros no mercado de terras. Dessa maneira, a dinâmica de
funcionamento do mercado de terras tem papel importante na circulação de capital através do
meio-ambiente construído.
Segundo Harvey (1990), quando a terra torna-se um capital fictício é o que a
caracteriza em sua forma capitalista. “Cuando el comercio com tierras se há reducido a uma
rama especial de la circulácion del capital a interes, entonces yo argumentaria que la
propriedade territorial há logrado su forma verdaderamente capitalista” (HARVEY, 1990, p.
350). Ele acrescenta que embora Marx não conclua que a terra seja um capital fictício, diz que
o comércio de terras pode ser tratado como uma forma de capital fictício.
Para Harvey, a crescente tendência da terra atuar na economia como um ativo
financeiro seria a chave para a transição da propriedade privada da terra em sua forma
tipicamente capitalista, pois apesar de toda a heterogeneidade dos interesses relacionados a
terra, a partir do momento em que ela assume o caráter de ativo financeiro, é capaz de unificar
os interesses de diversos grupos sobre a terra. Isso permite entender porque duas classes
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antagônicas – os proprietários de terras e os capitalistas, podem ter objetivos em comum e se
fundirem numa mesma pessoa.
Portanto, se o capitalista e o proprietário estão objetivamente separados e
contrapostos, isso não quer dizer que ambos não possam estar juntos, unidos
pelo interesse comum na apropriação da mais-valia produzida pelos
trabalhadores. Essa é a razão, também histórica, que faz com que ambos
possam surgir unificados numa única figura, a do proprietário de terra que
também é proprietário de capital (MARTINS, 1990, p. 166).
É por isso que quando capitalista compra a terra, ele não está interessado diretamente
na terra em si, pois o que ele compra é a renda da terra que é o direito de reter uma parte da
mais-valia social, de receber pelos ganhos que a terra possivelmente pode lhe garantir.
No entanto, para que a terra alcance esta condição de ativo financeiro é necessário um
sistema sofisticado de crédito para dar conta dos problemas que a circulação do capital fixo
pode impor. Para tanto, essa condição só é possível ser alcançada com um capitalismo mais
maduro e desenvolvido. Em resumo, “en al análises final, probablemente es la necesidad de
revolucionar las fuerzas productivas sobre la tierra, de abrir la tierra a la libre corriente de
capital, lo que obliga a que se reduza la propriedade territorial a la tenencia de um bien
financeiro puro” (HARVEY, 1990, p. 351).
Bibliografia
AMIN, Samir. O capitalismo e a renda fundiária: a dominação do capitalismo sobre a
agricultura. In: AMIN, Samir; VERGOPOULOS, Kostas. A questão agrária e o capitalismo.
2º ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977. p. 10-40.
COSTA, Emília Viotti da. Da Monarquia à República: momentos decisivos. São Paulo: Ed.
UNESP, 1998.
HARVEY, David. La teoria de la renta. In: Los limites del capitalismo y la teoría marxista.
México: Fundo de Cultura Econômica, 1990. p. 333-375.
LENZ, Maria Heloisa. A renda da terra e a moderna formulação do imposto único na obra de
Henry George. Ensaios FEE, Porto Alegre (17)2, pp. 431-444,1996.
MARTINS, José de Souza. O cativeiro da terra.São Paulo: Contexto, 2010.
MARTINS, José de Souza. Os camponeses e a política no Brasil: as lutas sociais no campo e
seu lugar no processo político. Petrópolis- RJ. Editora Vozes, 1990.
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MOREIRA, Ruy. O Plano Nacional de Reforma Agrária em Questão. In: Revista Terra Livre.
Nº 01, Ano 1. São Paulo: Associação dos Geógrafos Brasileiros, 1986. p. 06-19.
MOREIRA, Vânia Maria Losada. Os anos JK: industrialização e modelo oligárquico de
desenvolvimento. In: FERREIRA, Jorge. & DELGADO, Lucilia de Almeida Neves. (orgs.) O
Brasil Republicano: O tempo da experiência democrática – da democratização de 1945 ao
golpe civil-militar de 1964. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. p. 157-194.
MOTTA, Marcia Maria Menendes. Nas Fronteiras do Poder: conflito e direito à terra no
Brasil no século XIX. Rio de Janeiro: Vício de Leitura. Arquivo Público do estado do Rio de
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MULLER, Geraldo. Indústria e agricultura no Brasil: do latifúndio-minifúndio ao CAI. &
Formulações gerais sobre o CAI. & A agricultura Brasileira no CAI. In: MULLER, Geraldo.
Complexo Agroindustrial e modernização agrária. São Paulo: Editora Hucitec, 1989. p. 27-
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OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de. Modo capitalista de produção, agricultura e reforma
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OLIVEIRA, Francisco de. Crítica à razão dualista/ O ornitorrinco. São Paulo: Boitempo,
2003.
SILVA, Lígia Osório. Terras Devolutas e Latifúndio. 2ª Ed. São Paulo: Editoria Unicamp,
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________________. Propriedade da terra & transição: Estudo da formação da propriedade
privada da terra e transição para o capitalismo no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1990. p. 237-
338.

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Analise Capitalismo e renda da terra david harvey

  • 1. MARX 2014| Seminário Nacional de Teoria Marxista – Uberlândia, 12 a 15 de maio de 2014 1 Capitalismo e renda da terra: estudo sobre o processo de formação da propriedade capitalista da terra Carlos Alberto Vieira Borba1 Resumo No presente artigo buscamos fazer uma reflexão teórica acerca do processo de formação da propriedade capitalista da terra embasada na teoria da renda fundiária. Acreditamos que a renda da terra é a forma que se realiza e que se valoriza a propriedade fundiária. Para compreender o processo de formação da propriedade capitalista da terra é preciso ter em mente a dificuldade de definir no capitalismo uma lógica de transformação da propriedade territorial em sua forma tipicamente capitalista, inclusive, o próprio Marx em seus estudos, não se sentiu demasiadamente seguro com sua descrição da propriedade territorial capitalista. Posteriormente ele disse que havia apenas traçado o caminho no qual a Europa Ocidental, surgiu o sistema capitalista do ventre do sistema econômico feudal e atacou os que fizeram dela um caminho geral do desenvolvimento de todas as nações. Nesse sentido, buscamos compreender o desenvolvimento desigual e combinado do capitalismo, para observar as suas diferentes configurações com ênfase especialmente no papel da terra na acumulação capitalista. Para tanto, faremos uma breve comparação ente o modelo capitalista clássico elaborado por Marx, que tinha a Inglaterra como principal referência, e no Brasil – país onde o desenvolvimento desse sistema processou-se de forma mais tardia. Palavras-chave: Renda da Terra; Capitalismo; Propriedade Fundiária. Caracterizar a propriedade fundiária em sua forma tipicamente capitalista, não é tarefa fácil, muitos buscaram através da teoria da renda da terra, formulada pelos economistas ingleses e complementada pelo pensador alemão – Karl Marx – o arsenal teórico para buscar compreender o processo de mercantilização e de formação da propriedade territorial. Isso 1 Doutorando em história econômica (USP), mestre em história social (UFU) e graduado em história UFG. E- mail: carlosborba.historia@gmail.com
  • 2. MARX 2014| Seminário Nacional de Teoria Marxista – Uberlândia, 12 a 15 de maio de 2014 2 porque essa categoria de análise buscou solucionar um dilema: como mensurar o preço da terra na vigência da teoria do valor, onde tudo que constitui valor é produzido pelo trabalho humano, pelo trabalho socialmente necessário. Destarte, a renda da terra foi um esforço realizado por esses pensadores, para entender, como a terra não sendo capital está passível de valorizar-se e obter um preço. É importante destacar conforme elencou Martins (1990), que em muitas análises, sobretudo na expansão do capitalismo no Brasil, a terra é considerada erroneamente como capital. A apropriação da terra não se dá num processo de trabalho, de exploração do trabalho pelo capital. (...) A terra é, pois, um instrumento de trabalho qualitativamente diferente dos outros meios de produção. Quando alguém trabalha na terra, não é para produzir a terra, mas para produzir o fruto da terra. O fruto da terra pode ser produto do trabalho, mas a própria terra não o é (MARTINS, 1990, p. 159-160). Nesse sentido, David Harvey adverte que a terra é um meio de produção não produzido. Mas sublinha que as melhorias feitas nela são frutos do trabalho humano, as casa, fábricas, estradas, interferem na produção de mercadorias e nos valores de circulação. Comunga também dessa visão Samir Amin (1977) quando argumenta que embora a natureza não seja produzida pelo homem, ela pode ser alterada, tornando-se, um meio de produção fruto do trabalho humano. Contudo, a renda da terra refere-se ao pagamento puro da terra independente das melhorias que se tem nela (HARVEY, 1990, p. 333), o que explica o fato de uma terra sem condição de uso ter um preço. Todavia as melhorias realizadas na terra representam apenas um componente adicional da renda fundiária. Antes de tudo, é preciso conceituar o que é renda fundiária. A renda é o pagamento feito aos proprietários de terras pelo direito de usar a terra e seus acessórios (os recursos incrustados em seu interior, como os recursos naturais, e os edifícios colocados sobre ela, etc). Para Harvey: La renta es el concepto teórico por medio de cual há economia política (de culaquier afiliación) tradicionalmente confronta el problema de la organización espacial. La renta, (...) proporciona uma base para diversas formas de control social sobre la organización espacial e el desarrollo del capitalismo. Esto es así porque La tierra sirve no solo como um médio de producción sino também como uma “base, como sitio, como centro local de operacionaes”; el espacio és um elemento necesario em toda producción y atividad humana (HARVEY, apud MARX, 1990, p. 340).
  • 3. MARX 2014| Seminário Nacional de Teoria Marxista – Uberlândia, 12 a 15 de maio de 2014 3 A renda da terra capitalista2 se manifesta em diferentes formas. Renda de Monopólio – que se caracteriza quando um proprietário de terra cobra altos valores para o uso de uma determinada terra com determinadas qualidades para determinados produtos. Renda absoluta, que é a barreira que os proprietários de terra erguem sobre a livre circulação do capital, obrigando a uma redistribuição da mais-valia total produzida. Ademais, temos a renda diferencial, a qual é dividida em duas: a renda diferencial um (RDI), assentada na ideia de que o valor do produto agrícola é fixado pelos preços das piores terras, combinado ainda, com a fertilidade e localização. Neste caso, as terras de melhores qualidades obteriam um ganho extraordinário permanente ao lucro médio, o que seria a renda diferencial. Entretanto, no sistema capitalista a tendência é que a RDI seja incorporada a outra forma de renda, decorrente do investimento do capital em máquinas e técnicas de produção para o aumento de fertilidade das terras e da sua localização relativa, alterada de acordo com os investimentos em transportes e das mudanças geográficas do mercado. Esta denominada de renda diferencial dois (RD2) seria resultado não das qualidades naturais da terra, mas do investimento diferenciado em terras de uma mesma qualidade. Um investimento maior nessas terras permitiria um ganho proporcional ao capital investido, interferindo diretamente na redução dos custos da produção, tornando-se mais baixo que o valor de mercado fixado pela aplicação “normal” de capital. Com efeito, esse ganho é apropriado como RD2. Entretanto, a renda fundiária ao mesmo tempo em que representa um alicerce para entender a expansão do capitalismo no campo e a forma pela qual esse modo de produção sujeita a agricultura, também apresenta algumas questões controvérsias e alguns limites. Isso porque, a renda fundiária é uma das “categorias mais polêmicas na história do pensamento econômico” (LENZ, 1996, p. 431) pelas distintas interpretações do seu papel no desenvolvimento do capitalismo e no processo de produção e distribuição da mais-valia social. No mais, depois de alcançar o centro de grandes discussões na economia clássica ela foi deixada em segundo plano, sobretudo com o aparecimento do marginalismo por volta de 1870 que “introduziu uma nova metodologia de análise, baseada em uma teoria do valor e distribuição de caráter subjetivo, onde as classes sociais desapareceriam como atores na 2 A renda da terra em sua forma pré-capitalista assume três formas: a renda da terra em trabalho, renda da terra em produto e renda da terra em dinheiro. A primeira consiste na troca de dias de trabalho (semanal, mensal ou anual) pelo direito a concessão de terras. A segunda, caracteriza-se pela troca de parte da produção (o excedente) pelo direito de cultivar a terra. Por fim, a terceira, “é a renda em dinheiro que se origina da conversão, da simples metamorfose da renda em produto em renda em dinheiro” (OLIVEIRA, 2007, p. 44)
  • 4. MARX 2014| Seminário Nacional de Teoria Marxista – Uberlândia, 12 a 15 de maio de 2014 4 determinação do excedente econômico, e entravam em cena o fator de produção” (LENZ, 1996, p. 431). Mesmo Marx que avançou consideravelmente nas reflexões sobre a renda da terra, deixou algumas lacunas, pois como observou Harvey suas formulações foram quase todas publicadas postumamente, inviabilizando qualquer esclarecimento posterior sobre o tema. Com efeito, grande parte dos pensadores que se dedicaram a análise da renda fundiária encontraram dificuldades para estudá-la. Além disso, as reflexões de Marx sobre o assunto variou muito em seus estudos, se levarmos em consideração as reflexões elaboradas em seu livro Teoria da mais-valia e em sua obra de maior envergadura – O Capital –, elas apresentam grandes diferenças. (HARVEY, 1990, p. 33) Sobre essas questões, o sociólogo José de Souza Martins, acrescenta que, a análise da renda fundiária pensada por Marx “tem poucas referências históricas, ao contrário do que ocorre com outras passagens do livro3 ; é uma análise altamente abstrata, baseada em muitas formulações hipotéticas, motivo aliás da dificuldade com que geralmente é lida” (MARTINS, 1990, p. 161). Buscaremos agora, apresentar algumas questões entre renda fundiária, propriedade da terra e capitalismo, de forma que possamos ampliar nosso leque de análise através do diálogo com autores contemporâneo, como José de Souza Martins e David Harvey, que refletiram e que avançaram em alguns pontos nas formulações de Marx. Esse exercício cumprirá, outrossim, a função de esclarecer algumas erros teóricos que alguns estudiosos incorrem nas análises sobre a relação da terra e capitalismo, para facilitar a compreensão do papel da terra no processo de transição e reprodução do capital e argumentar que longe de representar um obstáculo ao capital, a renda da terra faz parte do processo de expansão capitalista. Propriedade da terra e transição para o capitalismo: uma análise comparativa entre o modelo clássico e o brasileiro A terra representa um importante papel no processo de transição e expansão do capitalismo, apesar de manifestar uma contradição com o capital e em determinados momentos erigir como obstáculo para sua livre circulação, ela cumpre um importante papel para sua expansão. 3 O livro o qual o autor se refere é O Capital.
  • 5. MARX 2014| Seminário Nacional de Teoria Marxista – Uberlândia, 12 a 15 de maio de 2014 5 Essa contradição se manifesta como já discutimos, pelo fato da terra não ser capital (trabalho humano acumulado sobre os meios de produção), que é a prerrogativa que fundamenta o direito do capitalista sobre a propriedade privada dos meios de produção. Assim, toda a riqueza criada pelo trabalhado assalariado no processo de produção aparece como produto do capital, simplesmente pelo fato do capitalista ser dono dos meios de produção, matéria-prima e comprar a força de trabalho do trabalhador (MARTINS, 1990, p. 159). Nesse sentido, o processo que fundamenta ao capitalista o direito sobre a propriedade privada dos meios de produção – a exploração do trabalho pelo capital – não se dá com a terra, pois ela não é a materialização do trabalho humano e, por isso, não pode ter um processo de legitimação igual ao da produção capitalista dos meios de produção. Então como entender o processo em que a terra torna-se uma mercadoria, uma propriedade, um objeto de relações mercantis? Para Martins a terra passa por um processo semelhante ao do trabalho – que também não é produto do próprio trabalho, não contém valor – mas também é apropriado pelo capital. O capital cria condições para apropriar do trabalho quando separa os trabalhadores dos meios de produção, deixando como única opção aos trabalhadores vender sua força de trabalho. Mas, assim como o capitalista precisa pagar um salário para se apropriar da força de trabalho do trabalhador, também precisa pagar uma renda para se apropriar da terra. Assim como a força de trabalho se transforma em mercadoria no capitalismo, também a terra se transforma em mercadoria. Assim como o trabalhador cobra um salário para que a sua força de trabalho seja empregada na reprodução do capital, o proprietário da terra cobra uma renda para que ela possa ser utilizada pelo capital ou pelo trabalhador. (MARTINS, 1990, p. 160). Portanto o resultado da contradição entre terra e capital é a renda fundiária, que é a forma que o capital encontra para apropria-se da terra e legitimar o direito de explorá-la. Entretanto para compreender como a renda da terra em sua forma pré-capitalista é convertida a renda capitalista, devemos entender melhor a dinâmica do capitalismo. O economista – Samir Amin – traça um panorama do desenvolvimento do capitalismo desde sua gênese na Europa e sua expansão global integrando os países periféricos desse sistema, como os países coloniais e ex-colônias, buscando identificar como a agricultura e a terra é subordinada ao capital. Ele distingue, em três etapas o desenvolvimento do capitalismo:
  • 6. MARX 2014| Seminário Nacional de Teoria Marxista – Uberlândia, 12 a 15 de maio de 2014 6 1) a que qualificamos como etapa do mercantilismo, do século XV ao século XIX, caracterizada por uma primeira transformação na agricultura, sua mercantilização e a desagregação das relações de produção feudais; 2) a do século XIX, caracterizada pela realização do modo de produção na indústria; 3) a do século XX, caracterizada pela “industrialização” da agricultura (AMIN, 1977, p. 21). A partir dessa divisão do capitalismo em três fases, o autor defende a seguinte tese, pela qual corroboramos: (...) as relações de produção capitalistas aparecem inicialmente na vida rural, mas limitadas pela resistência do modo de produção feudal; em seguida, estas relações se transportam para o campo de atividades novas, a indústria urbana, onde assumem forma definitiva e abandonam a agricultura; enfim, apropriam-se de toda a vida social e integram a agricultura de forma tal e muito mais profunda. Este movimento oscilante caracteriza a história das relações do capitalismo com a agricultura nas formações capitalistas centrais (AMIN, 1977, p. 21). A primeira fase do mercantilismo é marcada pela acumulação primitiva e pela constituição de dois polos necessários para a realização do capitalismo: o capital e o proletariado, que só vão entrar em embates diretos a partir da revolução industrial. O mercantilismo é responsável pela desagregação das relações feudais. Tal fato é de suma importância para o capitalismo, pois é através dele que ocorre a separação dos camponeses dos seus meios de produção (a terra), engrossando, portanto, as fileiras de trabalhadores disponíveis para a indústria emergente. Acarretando também a mercantilização da agricultura e o surgimento da terra como produto de transação mercantil. Nesse período de transição de aproximadamente três séculos do capitalismo, decorrente da desintegração do feudalismo, o que ocorre é a apropriação da terra por senhores feudais e em raras as situações, pelos camponeses, transformando-se assim, em proprietários absolutos da terra. Com efeito, é extinto a superposição do direito a terra por parte dos senhores feudais e camponeses, emergindo desse processo, a propriedade absoluta fruto do direito romano do jus usiet abutendi, reinterpretado do direito mercantil (AMIN, 1977, p. 22). Harvey em diálogo com Marx, aponta duas fases da formação da propriedade territorial capitalista: Em la primera, las rentas feudales pagadas com trabajo se transforman en rentas del miesmo tipo y finalmente em rentas de dinero (...) La monetización de las rentas feudales abre la possibilidade de arrendar la tierra, a tierra a cambio de pago em dinero y, finalmente, a la compra y la
  • 7. MARX 2014| Seminário Nacional de Teoria Marxista – Uberlândia, 12 a 15 de maio de 2014 7 venta de la tierra como uma mercancia (HARVEY, apud MARX, 1990, p. 347). A segunda fase trata-se da expropriação violenta com ou sem a participação do Estado. Esses novos proprietários absolutos do solo que são potencialmente burgueses agrários, proprietários capitalistas e camponeses, começam a investir em melhorias da terra e venderem parte de sua produção (AMIN 1977, p. 22), transformando assim, a renda-produto em renda-dinheiro e, por fim, elevando à terra a condição de mercadoria passível de compra e venda. Contudo, inicialmente o desenvolvimento do capital no campo é limitado pela escassa demanda do mercado urbano. No entanto, a medida que aumenta esse demanda, mormente pela revolução industrial (segunda etapa do desenvolvimento do capitalismo) e a concentração da vida cada vez mais na cidade, a agricultura e a terra passam a ser requisitadas a uma maior produção para atender essa procura. Dessa maneira, a agricultura é incorporada pelo capitalismo, se industrializando ao mesmo tempo em que a terra passa a ser um obstáculo para o desenvolvimento desse sistema quando não produz de acordo com sua lógica. Amin conclui então que, “depois de ter aparecido embrionariamente no mundo rural, as relações capitalistas surgem, se completam e se desenvolvem na indústria. O dinheiro, que pode ser transformado em capital, está lá: o proletariado também já existe” (AMIN, 1977, p. 24) depois retorna a agricultura, promovendo sua industrialização, possibilitando aferir uma renda capitalista da terra (AMIN, 1977, p. 24). Como vimos, a tendência do capital é subordinar todos os setores e ramos de produção. Com efeito, a terra por meio do seu proprietário se ergue como um obstáculo para a livre circulação do capital ao cobrar um preço para sua utilização. Nesse sentido, a terra apresenta duas contradições com o capital. A primeira como falamos, é o fato de que ela não é capital. Segundo, é que: quando o capitalista paga pela utilização da terra, está, na verdade, convertendo uma parte do seu capital em renda. Está imobilizando improdutivamente essa parte do capital, unicamente porque esse é o preço para remover o obstáculo que a propriedade fundiária representa, no capitalismo, à reprodução do capital na agricultura. Essa imobilização é improdutiva porque ela sozinha não é suficiente para promover a extração de riqueza da terra, para efetivar a produção agrícola. O capitalista precisará, ainda, empregar ferramentas, adubos, inseticidas, combinados com força de trabalho, para que a terra dê os seus frutos. Os instrumentos e os objetos de trabalho, além da própria força de trabalho, é que são o verdadeiro capital capaz de fazer a terra produzir sob o seu controle e domínio. (...) A
  • 8. MARX 2014| Seminário Nacional de Teoria Marxista – Uberlândia, 12 a 15 de maio de 2014 8 subordinação da propriedade fundiária ao capital ocorre justamente para que ela produza sob o domínino e conforme os pressupostos do capital. A apropriação capitalista da terra permite justamente que o trabalho que nela se dá, o trabalho agrícola, se torne subordinado ao capital. A terra assim apropriada opera como se fosse capital, ela se torna equivalente de capital e, para o capitalista, obedece a critérios que ele basicamente leva em conta em relação aos outros instrumentos possuídos pelo capital. Ainda assim o fato de que a terra pareça, socialmente, capital não faz dela, efetivamente, capital”. (MARTINS, 1990, p. 161-162). O que a terra produz do ponto de vista capitalista é diferente do que produz o capital, pois este produz o lucro (a apropriação do trabalho excedente), o trabalho produz salário, e a terra, produz a renda. Vale mencionar que “esta revolução industrial opera-se pela aliança da nova burguesia com a propriedade fundiária”. Essas alianças apresentam diferenças em distintos lugares. Na Inglaterra a burguesia alia-se a grande propriedade capitalista da terra fundindo-se em uma única classe. Na França, diferentemente, a burguesia se junta com camponeses e promovem uma mudança agrária radical, da qual resulta uma nova classe rural do tipo koulak (AMIN, 1997, p. 24). O importante nestas alianças é perceber, que através dela se paga pela extração de uma parte da mais-valia em benefício da propriedade fundiária para romper os obstáculos que a terra representa para a livre circulação do capital. Com efeito, “pode-se falar agora de renda capitalista em sentido pleno, já que é obtida da mais-valia” (AMIN, 1977, p. 24), dos excedentes de capitais acumulados na indústria e que precisam ser transferidos para a agricultura e para uma maior racionalização da terra. Nestes termos, podemos falar que a propriedade territorial assume sua forma capitalista, pois a apropriação da renda capitalista é a forma econômica como se realiza a propriedade territorial no capitalismo (Harvey, 1990, p. 346). Convém destacar que esse processo que origina a propriedade fundiária de origem capitalista, varia muito de lugar para lugar. A Inglaterra, por exemplo, apresenta um processo peculiar, porque a transformação em propriedade pré-capitalista para a capitalista ocorreu de modo mais acelerado do que em outros lugares. Uma explicação para isso está no fato de que “Como la separación entre el trabajo y la tierra como medio de producción há sido y sigue siendo uma precondición essencial para la formación del trabajo assalariado, la forma de la propriedade territorial precapitalista desempeño un papel igualmente importante em la acumulación de capital em la creación de la forma moderna de la propriedade territorial” (HARVEY, 1990, p. 346-347).
  • 9. MARX 2014| Seminário Nacional de Teoria Marxista – Uberlândia, 12 a 15 de maio de 2014 9 Assim, a Inglaterra foi indiscutivelmente o país onde mais se desenvolveu a forma clássica do capitalismo na sociedade moderna, tornando-se o berço do desenvolvimento do capitalismo. Por isso, teve uma transformação mais rápida de sua estrutura agrária com o processo de cercamento dos campos que acarretou na expropriação do camponês de sua terra. Levando em consideração essa questões, é difícil definir no capitalismo uma lógica de transformação da propriedade territorial em sua forma tipicamente capitalista, inclusive, segundo Harvey (1990, p. 347), o próprio Marx em seus estudos, não se sentiu demasiadamente seguro com sua descrição da propriedade territorial capitalista. Posteriormente ele disse que havia apenas traçado o caminho no qual a Europa Ocidental, surgiu o sistema capitalista do ventre do sistema econômico feudal e atacou os que fizeram dela um caminho geral do desenvolvimento de todas as nações. A caracterização da propriedade territorial no capitalismo torna-se ainda mais difícil em países periféricos do sistema capitalista, como os países que foram alvos da colonização do capital mercantil europeu - a exemplo do Brasil, nesses lugares como enfatizou Amin (1977), o capitalismo desenvolveu de forma diferente do capitalismo europeu locus de análise de Marx, o que dificulta qualquer análise que busque transpor o modelo elaborado daquela realidade para a realidade dos países latino-americanos. No Brasil o capitalismo não foi resultado da evolução interna de um processo de transição de um modo de produção para outro a partir da dinâmica da luta de classes e do desenvolvimento natural das forças produtivas e relações de produção. Ele foi desde o início produto da ingerência do capital mercantil europeu, explorados segundo as necessidades desse comércio, aos moldes de uma empresa colonial como sublinhou Caio Prado Jr. Portanto, não tivemos no Brasil nenhum sistema feudal ou semifeudal, nem relações feudais ou resquícios do feudalismo, como acreditavam muitos marxistas em meados do século XX. Esses autores brasileiros munidos de um marxismo aplicado de forma mecânica na realidade social brasileira, via na terra e no grande proprietário uma semelhança com o senhor feudal e com o modo de produção feudal, ou no produtor familiar, um camponês e um modo de produção camponês. Esses autores enxergavam o campesinato e latifundiário como “evidências da permanência de relações feudais de produção” (OLIVEIRA, 2007, p. 10), consequentemente, suas análises giravam em torno da dualidade que há “um setor urbano industrial capitalista nas cidades e um setor feudal, semifeudal, pré-capitalista, atrasado no campo” (OLIVEIRA, 2007, p. 10). Para eles “a penetração do capitalismo ocorre a partir do
  • 10. MARX 2014| Seminário Nacional de Teoria Marxista – Uberlândia, 12 a 15 de maio de 2014 10 rompimento com as estruturas políticas tradicionais de dominação” (OLIVEIRA, 2007, p. 10). Martins destaca que a contradição que a terra representa no capitalismo não é porque ele seja um elemento estranho ou fora desse sistema, pelo contrário, é uma contradição interna, constitutiva do próprio modelo capitalista de produção. E embora a renda da terra tenha origem pré-capitalista, colocando-se como contradição e obstáculo à expansão do capital, ela perde “esse caráter à medida que é absorvida pelo processo de capital e se transforma em renda territorial capitalizada. (...) A determinação histórica do capital não destrói a renda da terra nem preserva o seu caráter pré-capitalista – transforma-a, incorporando-a, em capitalizada” (MARTINS, 2010, p. 22). Assim, longe de ser um entrave a reprodução capitalista, a terra cumpre uma função importante na acumulação do capital. Seguindo esse raciocínio, Harvey em diálogo com Marx argumenta que “la propriedade territorial privada, como el capital mercantil y la usura, (es a la vez prerrequisito y produto del modo de producción capitalista” (HARVEY, 1990, p. 347). Logo, a contradição existente entre terra e capital e a presença de relações não- capitalistas são produto do desenvolvimento desigual e contraditório do capitalismo que “além de redefinir antigas relações subordinando-as à sua produção, engendra relações não- capitalistas igual e contraditoriamente necessárias à sua reprodução” (OLIVEIRA, 2007, p. 40). Por isso, incorre ao erro aqueles que analisam separadamente os elementos do processo social sem observá-los em sua totalidade, enxergando nas relações não-capitalistas, na perpetuação do latifúndio e do campesinato, resquícios do feudalismo ou elementos integrantes a outros modos de produção. Sobre essa questão, Martins esclarece “se eu separo cada um dos elementos do processo social, se não vejo a terra como relação social que é parte desse processo que é processo social, a minha tendência será ver aí modos de produção diferentes e serão tantos os modos de produção quantas forem as diferenças”. (MARTINS, 1990, p. 172). Desse modo, muitos autores enxergam nessas contradições que compõem a expansão do capitalismo, uma diversidade de modos de produções. Por fim, só é possível entender que a terra é de grande importância para a acumulação capitalista e apropriação de sua renda acarreta na formação da propriedade fundiária. No Brasil a terra também cumpriu um papel essencial no processo de transição para o capitalismo com a promulgação da Lei de Terras de 1850. Esta lei marca o processo de “absolutização” ou formalização da propriedade fundiária, à medida que proibia qualquer
  • 11. MARX 2014| Seminário Nacional de Teoria Marxista – Uberlândia, 12 a 15 de maio de 2014 11 forma de aquisição de terras que não fosse feita através da compra, extinguindo assim, as formas tradicionais de aquisição de terras, como o apossamento e doações sesmarias concedidas pela Coroa Portuguesa. Entretanto, o governo imperial permitia a regularização das propriedades que foram adquiridas anteriores a Lei de Terras, através da posse e das doações de sesmarias na qual os títulos não haviam sido regularizados. Para Emilia Viotti da Costa (1998), a política de terra e a regularização da propriedade territorial estão associadas ao estágio de desenvolvimento econômico no Brasil. Segundo a autora: A caótica situação da propriedade rural e os problemas da força de trabalho impeliram os setores dinâmicos da elite a reavaliar as políticas de terras e do trabalho. A Lei de Terras de 1850 expressou os interesses desses grupos e representou uma tentativa de regularizar a propriedade rural e o fornecimento de trabalho, de acordo com as novas necessidades e possibilidades da época (COSTA, 1998, p. 176). Outros autores, como Roberto Smith (2008), corrobora dessa ideia quando argumenta que a elaboração e a aprovação da Lei de Terras de1850 foi responsável pela formação da propriedade privada da terra e para a transição para o capitalismo no Brasil. Ademais esse instrumento jurídico era necessário para atender as exigências da acumulação do capital mercantil, que era basicamente promover a transição entre o trabalho escravo para o trabalho livre. Um indicativo disso é que a Lei de Terras e a lei que decretou o fim do tráfico de escravos foram aprovadas num prazo de duas semanas entre uma e outra. Smith chama atenção ainda para a necessidade de entender a promulgação da Lei de Terras de forma conectada a dinâmica do capitalismo mundial: A inter-relação com o processo de amplo crescimento capitalista industrial, após a crise europeia do início do século XIX, contudo, projeta desde o Exterior, e especificamente da Inglaterra, a conjunção de interesses mercantis que abalaria internamente as relações entre a terra e o trabalho no país. Evidentemente, encontrava-se no Brasil permeado por um processo econâmico (sic) e político de caráter capitalista internacional. O que era mais específico ao Brasil, no âmbito onde projetos de leis de terra foram aparecendo, era o teor da importância assumido pelo escravismo e a complexidade que envolvia o processo de sua substituição (SMITH, 2008, p. 327-328). Ligia Osório Silva (2008) e Marcia Motta (1998), outrossim, destacam que a referida lei buscou substituir o trabalho escravo pelo trabalho livre, atendendo assim, as necessidades das classes dominantes em um estágio determinado da acumulação do capital mercantil no Brasil.
  • 12. MARX 2014| Seminário Nacional de Teoria Marxista – Uberlândia, 12 a 15 de maio de 2014 12 Esse processo marca a passagem da terra como um domínio da Coroa para o domínio público e também na mudança na relação de exploração da propriedade fundiária, a terra como uma doação de si mesma passa a ser uma mercadoria, e a terra como prestígio social deu lugar a terra como poder econômico, que também culminava em prestígio social (COSTA, 1998, p. 172). Dessa maneira, “durante a crise do trabalho servil, o objeto da renda capitalizada passa do escravo para a terra, do predomínio num para a outra, da atividade produtiva do trabalhador para o objeto do trabalho, a terra” (MARTINS, 1996, p. 40). Assim, a Lei de Terras caracteriza o início da transição da propriedade individual da terra para a propriedade privada capitalista e lança as bases para o surgimento do capitalismo no Brasil que na visão de Muller (1989, p. 29) data de 1870. Para Moreira (1986, p. 8) “até os anos 30 o capitalismo evolui internamente no Brasil sob os parâmetros semelhantes aos de subsunção formal clássica”. Já a partir de 1930 inicia um novo ciclo na economia brasileira, que pode ser notado através das mudanças na composição de força das classes dominantes que conduzem o Estado, como o papel desta instituição no sentido de estimular e apoiar as atividades industriais e um novo padrão de acumulação capitalista. Muitos são os estudiosos que apontam o período de 1930 como um marco de uma nova etapa do capitalismo no Brasil. Para o sociólogo, Francisco de Oliveira: a revolução de 1930 marca o fim de um ciclo e o início de outro na economia brasileira: o fim da hegemonia agrário-exportadora e o início da predominância da estrutura produtiva de base urbano-industrial. (...) o processo mediante o qual a posição hegemônica se concretizará é crucial: a nova correlação de forças sociais, a reformulação do aparelho e da ação estatal, a regulamentação dos fatores, entre os quais o trabalho ou preço do trabalho, têm o significado, de um lado, de destruição das regras do jogo segundo as quais a economia se inclinava para as atividades agrário exportadoras e, de outro, de criação das condições institucionais para a expansão das atividades ligadas ao mercado interno. (OLIVEIRA, 2006, p. 35). Corroboram também dessa visão, Ruy Moreira (1986) e Geraldo Muller (1989), ambos são unânimes em afirmar que 1930 representa um marco na economia brasileira, pois caracteriza a passagem para uma economia industrial. Esse processo de transição para uma economia industrial consolida-se em meados da década de 1950 e na década de 1960, quando na compreensão de Muller, configura-se “um sistema econômico dominado pelo capital industrial, tanto em termos de acumulação como de contribuição para o crescimento do PIB” (MÜLLER, 1989, p. 29). Vale acrescentar que o ano de 1956 marca o momento em que pela
  • 13. MARX 2014| Seminário Nacional de Teoria Marxista – Uberlândia, 12 a 15 de maio de 2014 13 primeira vez na história econômica do Brasil, a indústria representa uma maior porcentagem do PIB do país (OLIVEIRA, 2006). Ruy Moreira (1986, p. 8) traduz esse período que marca a consolidação de um novo ciclo da economia brasileira como a passagem da fase de subsunção formal para a subsunção real do capitalismo no Brasil, perceptíveis a partir das seguintes evidências: nesse momento o “bloco histórico” tem como padrão de acumulação valores de troca que passam a serem cada vez mais valores de usos industriais, e que a esfera econômica passa a se concentrar predominantemente através da relação capital-trabalho, tanto no setor primário como no setor secundário, assim como nas esferas de produção e de circulação. Para a consolidação de uma economia centrada no modelo urbano-industrial, a agricultura desempenhou um papel importante. Para Francisco de Oliveira (2006, p. 43), o papel da agricultura nesse processo caracteriza-se como um elemento de acumulação primitiva, com algumas peculiaridades se comparada com o “modelo clássico”. Isto porque no Brasil trata-se de um processo que não se expropria a propriedade, embora isso também ocorresse na passagem da agricultura de subsistência para a agricultura comercial de exportação - mas aqui se apropria do excedente formado pela posse transitória da terra. Ainda conforme o referido autor: A agricultura, nesse modelo, cumpre um papel vital para as virtualidades de expansão do sistema: seja fornecendo os contingentes de força de trabalho, seja fornecendo os alimentos no esquema já descrito, ela tem uma contribuição importante na compatibilização do processo de acumulação global da economia. De outra parte, esta, no seu crescimento, redefine as condições estruturais daquela, introduzindo novas relações de produção no campo, que torna viável a agricultura comercial de consumo interno e externo pela formação de um proletariado rural. Longe de um crescente e acumulativo isolamento, há relações estruturais entre os dois setores que estão na lógica do tipo de expansão capitalista dos últimos trintas anos no Brasil (OLIVEIRA, 2006, pp. 47-48). Dessa maneira, a partir de meados do século XX a agricultura não é um setor ligado aos demais setores econômicos, mas integrado a dinâmica do capital (MÜLLER, 1989, p. 57). Os limites de produzir no campo foram superados pelos interesses da tríplice aliança que foi à fusão de interesses do capital estrangeiro, do capital nacional e do capital Estatal, como nos mostra Müller em seu diálogo com Peter Evans: Data dos anos 50 a Tríplice Aliança. Para Peter Evans, “o resultado final da incorporação da periferia ao sistema capitalista internacional, no que concerne à elite, é criar uma aliança complexa entre o capital nacional da elite, o capital internacional e o capital estatal, a que dei o nome de ‘tríplice aliança”. Esta aliança, portanto, nada mais é do que a forma nacional da expansão do capitalismo oligopólico do pós-guerra num país atrasado da periferia. E se ela fez com que o Brasil passasse de vez para uma economia industrial, implicou também uma
  • 14. MARX 2014| Seminário Nacional de Teoria Marxista – Uberlândia, 12 a 15 de maio de 2014 14 aderência significativa, na verdade e em boa medida, numa fusão entre os interesses internos e externos, com ganhos extraordinários de poder econômico e político por parte do Estado (MÜLLER, 1989, p. 31). Essa nova configuração da economia brasileira precipita algumas mudanças na racionalização da terra e consequentemente nas prerrogativas sobre a propriedade privada da terra, pois como chamou atenção Harvey (ano, p. 351) “Cuanto más capital excedente haya (a corto plazo a través de la acumulación excessiva y a largo plazo), más probable será que la tierra sea absorbida al interior de la estrutura de circulación de capital em general”. No Brasil o projeto Brasília que na visão de Francisco Oliveira marca o auge da acumulação capitalista no país, possibilita inserir à terra de uma forma mais geral a circulação capitalista, ao criar possibilidade de exploração de uma renda capitalista da terra, em regiões onde não apresentavam grandes atrativos para uma exploração de uma agropecuária em larga escala, devido a sua posição desfavorável com o mercado. Ademais, grande parte dessa região que foi cortada por estradas para promover a interface do sertão brasileiro com as regiões mais dinâmicas economicamente, eram marcadas em grande parte por sua situação indefinida no que tange a propriedade privada da terra, já que prevaleceu nestas áreas a criação do gado, que exigia sempre a incorporação de novas terras, criando obstáculos para a regularização da propriedade. Ao mesmo temo o monopólio fundiário gera alguns obstáculos para o desenvolvimento do capitalismo e para a livre circulação do capital. Primeiro, porque estes por não contarem com a concorrência, a exemplo dos setores industriais, tem a condição de manter os preços dos produtos de subsistência em alto valor. Segundo, porque a autonomia do mundo rural culmina em obstáculo para o desenvolvimento do capitalismo, sem entretanto, retardar a sua expansão. Como mostra Vania Moreira (2003) a construção de Brasília e seus apêndices foi um modelo de ocupação territorial oligárquico, pois o Estado não regulou os procedimentos para a sua ocupação. O que, claro, favoreceu a apropriação das terras pelas classes dominantes e, sobretudo por uma elite rural. Diferentemente da Marcha para o Oeste criado por Vargas, que tinha como objetivo ocupar os “vazios demográficos” através de projetos de colonização assentados na pequena propriedade fundiária, a opção de Juscelino Kubitschek foi bastante diferente, como mostra, Vânia Moreira (2003, p. 185), quando diz que ele: (...) apoiou de forma muito efetiva a expansão do modelo oligárquico de apropriação territorial. Construiu Brasília e o gigantesco cruzeiro rodoviário, sem disciplinar a ocupação, posse e formação de propriedades rurais nas frentes de expansão da sociedade nacional. Na prática, isso viabilizou o controle e o domínio da elite rural sobre os novos territórios ocupados.
  • 15. MARX 2014| Seminário Nacional de Teoria Marxista – Uberlândia, 12 a 15 de maio de 2014 15 Portanto, a acumulação do capital industrial implicou uma nova forma de exploração sobre a terra (re) definindo a propriedade fundiária, marcando assim a transição de formas intermediárias de propriedade individual para a propriedade capitalista da terra, pois como bem observou Marx, em cada época histórica a propriedade evoluiu de forma diferente dentro de relações sociais totalmente diferentes. Isso significa dizer que o desenvolvimento do capitalismo provoca dissoluções das antigas relações econômicas da propriedade territorial e sua conversão, a uma forma que foi compatível com a acumulação surgida (HARVEY, 1990, p. 346). Com efeito, a propriedade capitalista da terra se forma quando é possível apropriar-se de um renda capitalista. Ora como podemos definir a renda como capitalista? Qual a sua diferença com a renda pré-capitalista? A renda pré-capitalista em suas diferentes formas (renda em trabalho, renda em produto e renda em dinheiro) nasce da produção e é o trabalhador quem paga a renda ao proprietário da terra para a sua utilização. Nesses termos, a renda pré-capitalista nasce diretamente da produção sem a necessidade de intermediários, do excedente produzido pelo trabalhador entregue diretamente para o dono das terras como uma forma de tributo pessoal deste para aquele. Já a renda capitalista nasce da distribuição da mais-valia social que se contretiza na circulação. Isso porque: no processo de produção o trabalhador produz o seu salário e o capitalista extrai o seu lucro. A conversa com o proprietário da terra vem depois, em separado, não obstante a sua renda também tenha que sair da produção. Só que nesta parte da riqueza que excede o necessário ao pagamento do salário do trabalhador é apropriada pelo capitalista, porque ele é o proprietário do capital, e mais ninguém. Portanto, a renda que toca ao proprietário da terra terá que chegar num segundo momento. Isto ocorrerá quando o capital lhe pagar pelo direito de utilização da terra. Ora, o trabalhador produziu mais- valia, incrementou a riqueza, para o capitalista. Quando este paga a renda ao proprietário, não está produzindo nada; está distribuindo uma parte da mais- valia que extraíra dos seus trabalhadores. Por isso, a renda capitalista da terra não nasce na produção, mas sim na distribuição da mais valia (MARTINS, 1990, p. 162-163). Ademais, a renda capitalista é um tributo social, porque ele é paga pelo conjunto da sociedade.
  • 16. MARX 2014| Seminário Nacional de Teoria Marxista – Uberlândia, 12 a 15 de maio de 2014 16 As contribuições de David Harvey para o processo em que a terra assume sua forma tipicamente capitalista Apesar de toda dificuldade de definir na história uma lógica da transformação necessária da propriedade territorial em sua forma capitalista, devido as diferentes caracterizações que assume o capitalismo em vários lugares, corroboramos da tese de David Harvey: a chave da transição da propriedade individual da terra para propriedade capitalista da terra é o seu caráter de bem financeiro. No entanto, compreender a terra como bem financeiro implica também pensar algumas questões que ficaram em segundo plano nas formulações de Marx sobre renda da terra – os valores de uso do espaço e compreender a terra como ativo financeiro. Vejamos. Harvey avançou em alguns pontos sobre a análise da RD2 a partir do diálogo com as formulações de Marx sobre o assunto. Harvey (2000, p. 341) percebeu que Marx não elaborou de forma sistemática e mais profunda sobre o valor de uso do espaço e argumentou que assim como os antagonismos de classes são de suma importância para pensar o valor de uso e de troca, também o são as categorias espaciais. A boa localização com o mercado é um fator essencial para aferir uma renda diferencial. Nesse sentido, a produção do espaço é um fator de grande importância para compreender a RD2. Especialmente o papel que as estradas exercem na configuração desta renda, pois a localização relativa da terra diante o mercado é fundamental para a aferição da RD2. No entanto, não basta essas terras estarem numa boa localização em relação ao mercado consumidor. É preciso também, que haja uma rede de transportes eficientes para diminuir o tempo de circulação de mercadorias, e assim reduzir os custos com as despesas de transporte e consequentemente, nos gastos totais com a produção. “En La medida em que el intercamibo se vuelve general y se perfecciona, así La circulación de marcancías rompi con todas las restriciones em cuanto al tiempo, lugar e indivíduos” (HARVEY, 1990, p. 341). Para um melhor entendimento dos custos e ganhos com transportes para a produção do valor da terra, é importante observar o mercado de terras, que na compreensão de Harvey não é contemplado em toda sua complexidade apenas pela teoria da renda fundiária. Dessa maneira, para Harvey todo o processo de circulação do capital através do uso da terra e a organização social das atividades está diretamente ligada ao funcionamento dos mercados de terras, que por sua vez repousam na capacidade de apropriar-se da renda da terra.
  • 17. MARX 2014| Seminário Nacional de Teoria Marxista – Uberlândia, 12 a 15 de maio de 2014 17 De acordo com Harvey (1990), o mercado de terras é regulado por fatores altamente especulativos associados à expectativa de ganhos futuros, os quais estariam assentados diante a capacidade que determinadas terras teriam de gerar ganhos maiores, por sua fertilidade e localização com mercado. O mercado de terras a exemplo do mercado especulativo é regulado basicamente por dois fatores, a taxa de lucro e os ganhos futuros previstos através da renda da terra. O fator especulativo explica porque terras sem condição de uso apresentam um valor, o que levou Harvey (1990, p. 370) a concluir que o elemento especulativo exerce uma influencia considerável no preço da terra. Compreender o mercado de terras desta maneira implica refletir que a tendência da terra no capitalismo é assumir a condição de capital fictício, já que, da mesma forma que os títulos de dívidas do estado, que é regulada pela possibilidade que estes títulos têm de produzir ganhos futuros, assim também é a terra. O que se busca com a compra da terra é um título que autoriza o comprador a receber uma renda anual. Bajo esas condiciones se trata a la tierra como um bien financeiro que se compra y se vende según la renta que produce. Como todas las demás formas de capital fictício, lo que se compra y se vende és um derecho a um ingresso futuro, lo cual significa um derecho sobre utilidades futuras por el uso de la tierra o, más directamente, um derecho al trabajo futuro (HARVEY, 1990, p. 350). Nesse sentido, o investimento em terras não é direcionado na produção direta, mas pela possibilidade de retornos financeiros no mercado de terras. Dessa maneira, a dinâmica de funcionamento do mercado de terras tem papel importante na circulação de capital através do meio-ambiente construído. Segundo Harvey (1990), quando a terra torna-se um capital fictício é o que a caracteriza em sua forma capitalista. “Cuando el comercio com tierras se há reducido a uma rama especial de la circulácion del capital a interes, entonces yo argumentaria que la propriedade territorial há logrado su forma verdaderamente capitalista” (HARVEY, 1990, p. 350). Ele acrescenta que embora Marx não conclua que a terra seja um capital fictício, diz que o comércio de terras pode ser tratado como uma forma de capital fictício. Para Harvey, a crescente tendência da terra atuar na economia como um ativo financeiro seria a chave para a transição da propriedade privada da terra em sua forma tipicamente capitalista, pois apesar de toda a heterogeneidade dos interesses relacionados a terra, a partir do momento em que ela assume o caráter de ativo financeiro, é capaz de unificar os interesses de diversos grupos sobre a terra. Isso permite entender porque duas classes
  • 18. MARX 2014| Seminário Nacional de Teoria Marxista – Uberlândia, 12 a 15 de maio de 2014 18 antagônicas – os proprietários de terras e os capitalistas, podem ter objetivos em comum e se fundirem numa mesma pessoa. Portanto, se o capitalista e o proprietário estão objetivamente separados e contrapostos, isso não quer dizer que ambos não possam estar juntos, unidos pelo interesse comum na apropriação da mais-valia produzida pelos trabalhadores. Essa é a razão, também histórica, que faz com que ambos possam surgir unificados numa única figura, a do proprietário de terra que também é proprietário de capital (MARTINS, 1990, p. 166). É por isso que quando capitalista compra a terra, ele não está interessado diretamente na terra em si, pois o que ele compra é a renda da terra que é o direito de reter uma parte da mais-valia social, de receber pelos ganhos que a terra possivelmente pode lhe garantir. No entanto, para que a terra alcance esta condição de ativo financeiro é necessário um sistema sofisticado de crédito para dar conta dos problemas que a circulação do capital fixo pode impor. Para tanto, essa condição só é possível ser alcançada com um capitalismo mais maduro e desenvolvido. Em resumo, “en al análises final, probablemente es la necesidad de revolucionar las fuerzas productivas sobre la tierra, de abrir la tierra a la libre corriente de capital, lo que obliga a que se reduza la propriedade territorial a la tenencia de um bien financeiro puro” (HARVEY, 1990, p. 351). Bibliografia AMIN, Samir. O capitalismo e a renda fundiária: a dominação do capitalismo sobre a agricultura. In: AMIN, Samir; VERGOPOULOS, Kostas. A questão agrária e o capitalismo. 2º ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977. p. 10-40. COSTA, Emília Viotti da. Da Monarquia à República: momentos decisivos. São Paulo: Ed. UNESP, 1998. HARVEY, David. La teoria de la renta. In: Los limites del capitalismo y la teoría marxista. México: Fundo de Cultura Econômica, 1990. p. 333-375. LENZ, Maria Heloisa. A renda da terra e a moderna formulação do imposto único na obra de Henry George. Ensaios FEE, Porto Alegre (17)2, pp. 431-444,1996. MARTINS, José de Souza. O cativeiro da terra.São Paulo: Contexto, 2010. MARTINS, José de Souza. Os camponeses e a política no Brasil: as lutas sociais no campo e seu lugar no processo político. Petrópolis- RJ. Editora Vozes, 1990.
  • 19. MARX 2014| Seminário Nacional de Teoria Marxista – Uberlândia, 12 a 15 de maio de 2014 19 MOREIRA, Ruy. O Plano Nacional de Reforma Agrária em Questão. In: Revista Terra Livre. Nº 01, Ano 1. São Paulo: Associação dos Geógrafos Brasileiros, 1986. p. 06-19. MOREIRA, Vânia Maria Losada. Os anos JK: industrialização e modelo oligárquico de desenvolvimento. In: FERREIRA, Jorge. & DELGADO, Lucilia de Almeida Neves. (orgs.) O Brasil Republicano: O tempo da experiência democrática – da democratização de 1945 ao golpe civil-militar de 1964. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. p. 157-194. MOTTA, Marcia Maria Menendes. Nas Fronteiras do Poder: conflito e direito à terra no Brasil no século XIX. Rio de Janeiro: Vício de Leitura. Arquivo Público do estado do Rio de Janeiro, 1998. MULLER, Geraldo. Indústria e agricultura no Brasil: do latifúndio-minifúndio ao CAI. & Formulações gerais sobre o CAI. & A agricultura Brasileira no CAI. In: MULLER, Geraldo. Complexo Agroindustrial e modernização agrária. São Paulo: Editora Hucitec, 1989. p. 27- 107. OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de. Modo capitalista de produção, agricultura e reforma agrária. São Paulo: FFLCH, 2007. OLIVEIRA, Francisco de. Crítica à razão dualista/ O ornitorrinco. São Paulo: Boitempo, 2003. SILVA, Lígia Osório. Terras Devolutas e Latifúndio. 2ª Ed. São Paulo: Editoria Unicamp, 2008. SMITH, Roberto. A transição no Brasil: a absolutização da propriedade fundiária. In: ________________. Propriedade da terra & transição: Estudo da formação da propriedade privada da terra e transição para o capitalismo no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1990. p. 237- 338.