Turismo inclusivo e acessibilidade para pessoas com deficiência
1. REVISTA REAÇÃO
Dr. Scott Rains
srains@oco.net
San Jose, California
PERGUNTAS
1) Para sua apresentação aos nossos leitores, por favor, fale sobre
suas atividades, cargos que ocupa, funções... Todas as informações sobre sua
vida pessoal, formação acadêmica, idade, profissão, família, sua deficiência
etc... Tudo o que está no blog A Vida que Segue estão corretas ? podemos
usá-las na abertura da entrevista ?
Sou um norte americano que tem adorado o Brasil e seu povo desde que
escolhi o país como meu destino de intercambio durante o colegial. Voltei
dois anos depois em 1975 já como cadeirante com bolsa de estudos para
a USP. Hoje com 58 anos, destes, 40 como cadeirante e 30 como marido,
tenho visto muitas mudanças no país. Sou grato por ter sido convidado
para contribuir um pouco. Tenho boa lembrança de ter dado o primeiro
workshop no país sobre Desenho Universal em turismo na abertura do
3° Congresso Internacional sobre Desenho Universal "Projetando para
o Século XXI."
2) Quando o sr começou a se interessar por turismo adaptado ?
A verdade é que turismo “adaptado” não me interessa. Falo de turismo
inclusivo.
Adaptar supõe uma norma que tem que ser modificada para 23.9% de
pessoas do Brasil e do Mundo, e que num mercado do tamanho da
população da China fica ‘fora” – fora do dito normal, das normas, do
mercado, ou da vida social. Quando estiver adequado com a ideologia que
classifica “adaptação” como justiça, já haveremos perdido ao nível de
preconceitos de nosso valor. Ambos como seres humanos e como
segmento consumidor. Falta ainda constatar na arquitetura, na atitude e na
qualidade dos serviços essa adaptação e normas, notadamente mais sutis
e completamente desconhecida pelos que não fazem parte da nossa
comunidade de PCD. Percebemos a falta da nossa gente no mercado e
eliminamos um destino , uma possibilidade de maior participação.
2. Demonstram as representações visuais que não fazemos parte do mundo
dos que tem responsabilidade por si mesmo, e ,por isso sabemos que não
se tem pensado em como criar, planejar uma experiência agradável para
nós.
3) A questão do turismo é bastante discutida entre as pessoas com
deficiência, com muitos estudos para definições das melhores rotas, hotéis
acessíveis, transportes adaptados. O sr afirma que o caminho não é o turismo
adaptado mas sim o turismo acessível. Qual a diferença entre os dois
conceitos ?
Existem artigos sobre a realidade de hoje, sim. É importante para nós
como viajantes. Acho mais importante nesta época, discussões
fortificadas com os estudos acadêmicos e profissionais sobre o
comportamento de viagem (Techinical term in English “travel behavior”) e
processos decisórios do mercado que é” viajantes com deficiência”. No
Brasil estamos esperando os resultados da primeira pesquisa nacional
sobre a comunidade de pessoas com deficiências como viajantes.
Cumprimento os responsáveis no governo com visão de iniciar a
investigação necessária para desenvolver uma implantação
verdadeiramente brasileira de turismo inclusivo.
Com pesquisa confiável podemos iniciar com o “destination management”.
Para isso é necessário um plano de turismo integral visando um destino
que adote os princípios e mandamentos de desenho universal.
4) Por que acessibilidade
A verdadeira inclusão é simplesmente uma cultura humanizada. Nela o que
tem prioridade é o valor do individuo seja qual for o nível de capacidade de
deficiência que tiver.
A Acessibilidade é necessária para a verdadeira inclusão. A Inclusão
floresce somente no solo da acessibilidade.
Nosso comportamento "natural", seja social ou econômico, é distorcido
pela falta de acessibilidade, que nos exclui da participação plena como
cidadãos, ou no meu caso, como convidado do Brasil.
3. Lembro que dizemos “Qualquer viagem e esporte radical quando tiver
deficiência.” Viajamos para nos testar contra os desafios de sair de nossa
zona de conforto, queremos escolher desafios interessantes como outros
que viajem, não com problemas com embarcar no avião, entrar no
banheiro, sobreviver com a falta de sinal de emergência visual no quarto
do hotel se formos surdos e etc...
É uma decisão perigosa para a empresa, excluir lucros do mercado que
está crescendo tão rápido no setor de turismo de deficiência.
5) O que pode representar o turismo para as pessoas com deficiência ? É
diferente em relação a pessoas sem deficiência ?
As respostas não são curtas.
Primeiro de tudo turismo é um negócio e como tal sobrevive de lucro. A
falta de imaginar 1/4 da população como consumidor dos produtos de
turismo desde o princípio, garante que o produto não vai ser adequado.
Pois, quem somos nós?
Tradicionalmente a deficiência recebeu o seu lugar na sociedade por
instituições poderosas que nos adotou como os objetos de sua
preocupação: religião, medicina e negócios para citar três. Cada uma
desenvolveu um modelo de deficiência de acordo com sua visão de
mundo. Pessoas com deficiência têm desenvolvido o seu próprio modelo
de deficiência fazendo surgir uma fome de justiça. O Modelo Social da
Deficiência, juntamente com seu protocolo de soluções práticas,
conhecido como Desenho Universal, classifica os outros três como
ideologias que mantêm as pessoas com deficiência como impotente e
passiva.
No entanto com os limites exagerados que experimentamos como pessoas
com deficiência, ensinamos e tornamos a ensinar a realidade fundamental
do ser humano e encarnado somos interdependentes.
A Independência flui da adequada interdependência e não vice-versa. Nós
brincamos que "Toda viagem é um esporte radical quando você é uma
pessoa com deficiência." Nós projetamos sistemas de transporte, hotéis,
restaurantes e atitudes que nos inclui. Lutamos para que os projetos sejam
implementados , sem mudanças, ou influenciadas pela corrupção. Então,
viajamos, assim como qualquer pioneiro, para descobrir exatamente como,
porque e onde estes sistemas falham.
O modelo de caridade de deficiência carrega um tom de julgamento moral.
Nele o PCD participa como beneficiário de atos individuais ou corporativos
4. de caridade. O caminho de filantropo está fechado para eles. O estigma
social exagera na sua distância social, proporcionando uma narrativa
preconcebida de carência em que suas necessidades estão por ser
assumidas e entendidas por todos, mesmo para aqueles que não têm
experiência direita da vida de uma pessoa com deficiência. A
responsabilidade adulta para o auto aperfeiçoamento moral, bem como a
alegria sem ego de auto doação através do dar, é limitado a pouco mais do
que ser uma "inspiração". Em seus mais cínicos modelos de caridade, o
que perpetua sem reservas uma classe privilegiada, é o direito de dar o
que o doador considere adequado para um destinatário cuja esperada
resposta é a gratidão. Leis que permitam o acesso a edifícios
arquitetonicamente sem graça ou soluciona agrupamentos isolados de
cadeiras de rodas em seções consideradas inutilizável devido as barreiras
que bloqueiam a visão do campo de jogo são dois exemplos do modelo de
caridade disfarçada de como “ acessibilidade”.
O modelo médico da deficiência evoluiu em campo limitado, onde a cura
de uma condição médica aguda ou a manutenção da saúde em uma
condição crônica era o objetivo. No caso pior, o modelo pivô em torno de
uma relação desequilibrada em que o profissional médico dispensa o
conhecimento privilegiado a um PCD e se espera obedecer muitas vezes
sem ser oferecido alternativas ou justificativas fornecidas para pessoas
sem deficiência. A condescendência pode assim inundar a prática médica.
De tal modo que o modelo médico da deficiência é às vezes considerado
um caso do modelo de caridade. Explicando assim que o conhecimento
não o dinheiro, é o que ancora uma relação de dominação e submissão.
Uma das consequências do exagero deste modelo é o falso pressuposto
pelo público que questões de saúde ou cura são de interesse constante no
cotidiano das pessoas com deficiência. Outra, é a adoção de atitude de
dominação paternalista pelo publico, por exemplo: por um motorista de
ônibus ou uma comissária de bordo que não foram adequadamente
treinados para no uso de seus equipamentos e insistem na obediência a
seus "pacientes" que têm conhecimento íntimo - às vezes ate diário - dos
mecanismos e protocolos e as ameaças á saúde deles e suas
consequências..
O modelo econômico de deficiência é o conceito mais recente e menos
desenvolvido para explicar a construção social e manutenção da
deficiência. Aqui, os princípios do ” Desenho Universal” são aplicados
para criar produtos, ambientes e comunicação a serem utilizados por todas
as pessoas, na maior extensão possível, sem necessidade de adaptação
ou desenho especializado. O modelo propõe que as pessoas com
deficiência em geral, e os de compartilhamento de deficiências
semelhantes, especificamente, irá apresentar um comportamento
econômico similar. Por exemplo, as pessoas com deficiência irão
reconhecer e comprar produtos e serviços projetados para acomodar suas
limitações em função do corpo, desde que estes não mais os estigmatize
5. como diferentes. Estudos têm mostrado que os viajantes com deficiência
tomam decisões de viagem baseados mais nas recomendações boca-a-
boca do que qualquer outro segmento do público viajante. Um estudo feito
nos EUA, em 2002, e repetido em 2005 mostrou que americanos com
deficiência gastam 13,6 bilhões dólares EUA a cada ano somente em
viagens. Os estudos relatam que iria dobrar a frequência de suas viagens
se a indústria adotassem as práticas de turismo inclusivo.
O modelo social da deficiência, define a mesma como a interação entre a
capacidade funcional humana e as forças sociais. Identificar a deficiência
como uma interação é reconhecer que a mudança de ambiente e outras
respostas sociais para a diversidade natural na capacidade funcional dos
indivíduos diminui a incapacidade de todos os seres humanos. Em outras
palavras, a sociedade cria a experiência da deficiência recusando-se a
projetar para aqueles que estão fora de um determinado intervalo de
habilidades - mas pode optar por estender uma gama de diversidade
através de escolhas de design consciente. O modelo social de deficiência,
é o único modelo criado pela comunidade mundial de pessoas com
deficiência. Como tal, ele demonstra seu pressuposto fundamental de que
a experiência de pessoas com disabilites é o ponto de partida necessário
para qualquer política social justa, relacionado à pessoas com deficiência.
Este valor central é constatado no slogan do movimento pelos direitos dos
deficientes: "Nada sobre nós sem nós". Flui daí que é a afirmação de que
a plena participação das pessoas com deficiência, como especialistas em
sua própria experiência, é exigido em cada etapa. Este por sua vez , é a
afirmação da aplicação prática do modelo social da deficiência conhecida
como Design Universal. Sugiro aqui a leitura do livro prático da minha
colega Silvana Cambiaghi em Portugues “Desenho Universal - Métodos e
Técnicas Para Arquitetos e Urbanistas “ e o novo livro didático “Universal
Design: Creating Inclusive Environments” dos meus colegas Edward
Steinfeld e Jordana Maisel. ( http://www.amazon.com/Universal-Design-
Creating-Inclusive-Environments/dp/0470399139 ) No setor de turismo a
aplicação do Desenho Universal em todas as fases do desenvolvimento de
produtos turísticos, serviços e comunicação, bem como no
desenvolvimento e marketing de destinos, é conhecido como “Turismo
Inclusivo”. Nesta época que antecede a Copa 2014 e Rio 2016 é apenas
esta abordagem abrangente e incapacidade positiva para a política de
turismo e gestão de destino que pode criar produtos que apelam para esse
mercado global de 1 bilhão de pessoas.
6) O sr já viajou por muitos países em seu trabalho e por lazer, quais
as melhores experiências em turismo e acessiblidade que o sr já encontrou?
6. Não há lugar que já tenha descoberto como desenvolver um turismo
inclusivo. As Ilhas Canárias, a cidade Takayama em Japão e varios lugares
no Canada são bons exemplos. Aqui no Brasil temos as cidades de
Socorro, Brotas, e Gramado. Não brincando, os que melhor sabem
proporcionar o que queremos á Disneyland! Vale dizer que eles tem a
vantagem do controle total sobre os próprios ambientes. É verdade .
Fazem isso objetivamente. Praticam “Destination Management” inclusivo.
Tem o atitude correta – proporcionar diversão, prazer. Ultrapassar as
normas e expectativas . Projetar uma experiência integral para todos. Até
inventaram uma palavra para quem desenha isso - “Imagineer.” Gosto
disso, eles praticam o que dizemos na indústria, “Vendemos não o e
simples viajar. Vendemos a Imaginação.”
7) Sua relação com o Brasil é antiga, desde os tempos de estudante.
Quantas vezes já esteve no país e qual sua avaliação sobre a acessibilidade
por aqui ? Mudou muito nos últimos anos ? Estamos no caminho certo ?
Estive sete vezes no Brasil. Inclusive visitas de vários meses. Deixei minha
bolsa de estudo na USP em 1975 por falta de acessibilidade – até mesmo a
falta de desejo da universidade de corrigir a injustiça disso. Muitas coisas
estão melhores . Programas como Viver sem Limites mostram o caminho
certo além do erro estrutural de não incluir o Ministério de Turismo na
gerencia nacional do projeto.
Parabéns ao governo que esta respondendo ao ímpeto do nosso
movimento. Ainda assim, a admissão de uma faixa de pessoas com
deficiência como clientes e consumidores pelo setor privado vai facilitar
uma inclusão social sustentável.
8) Grandes eventos ocorrerão no Brasil proximamente, a Copa do Mundo de
Futebol em 2014, as Olimpíadas e Paralimpíadas em 2016. O que é preciso
fazer em termos de acessibilidade para receber bem as pessoas com
deficiência que viajarão para o Brasil ?
Nisso, cito a resposta do meu amigo Augusto Fernandes que tem
responsabilidade para acessibilidade no Comitê Brasileiro Paralimpiada e
Rio 2016:
Inicialmente é preciso que todas as obras construídas para os jogos,
sejam acessíveis e cumpram os as exigências nacionais e
internacionais de acessibilidade. Em um segundo momento, não
menos importante, é adequar toda a infraestrutura já existente e que
7. servirão para os jogos. Isto envolve, desde o sistema de transporte,
vias públicas, acomodações e as instalações esportivas. Também, é
de suma importância treinar as pessoas para operar todo este
sistema e ao mesmo tempo conscientizar a população despertando
uma nova visão e atitude perante as pessoas que possuem alguma
deficiência ou mobilidade reduzida.
Veja como o ambiente e atitude juntos funcionando podem liberar o poder
algemado do povo brasileiro com deficiência, servir o cidadão e 80% do
que precisamos para receber bem as pessoas com deficiência que viajarão
para o Brasil. O genial deste enfoque é que somos nós como turistas
estrangeiros que retornarão os custos iniciais para o Brasil na forma de
lucros.
9) O que esses eventos poderão deixar de legado nosso país nessa área ?
Sobre isso fizemos uma pesquisa de opinião com os brasileiros. A
arquiteta cadeirante que responde sobre acessibilidade na Copa 2014,
Silvana Cambiaghi , reporta o que se ouviu de 200 respostas: “Acredito
que além de corrigir algumas leis equivocadas da mobilidade urbana, o
Brasil precisa por em prática as leis vigentes , uma vez que um turista vai
para um país conhecer as "Cidades", restaurantes, entretenimento, lojas e
não apenas ir a um evento!”
Feito corretamente, atingiremos a visão de Augusto Fernandes:
Será a maior transformação em acessibilidade feita em uma cidade
brasileira, até então. Seja na infraestrutura, quanto nos serviços
oferecidos beneficiando todos os moradores e turistas que visitarem
o Rio de Janeiro. Ao mesmo tempo servirá de modelo e estímulo
para as demais cidades do Brasil.
O que sabemos de Londres, é que 86% dos adultos mudaram de opinião
sobre as pessoas com deficiência, após a Paraolimpíada. Derrubar as
barreiras arquitetônicas e atitudes, abre portas para que pessoas com
deficiência passam contribuir na cultura nos negócios, no meio
acadêmico, na arte, moda, entretenimento e ciência.
10) Quais são seus planos ? O que gostaria ainda de realizar não só na
área do turismo mas também em outros campos em relação a pessoas com
deficiência ?
8. Meu plano em relação ao Brasil e fazer tour jornalístico nos Estados sedes
dos jogos Copa 2014. Pretendo repetir o tour que fiz nas províncias da
África do Sul que sediou a Copa do Mundo 2010. Quero contar a historia
antes do Rio 2016 como é e para conhecer neste grande e belo país.
11) Qual sua mensagem final aos leitores brasileiros ?
Evitem os erros que cometemos nos EUA. Como disse Bertrand Russel,
“Porque repetir velhos erros quando há tantos erros novos para cometer?”