O documento descreve o restaurante Velho Coração no bairro Navegantes em Porto Alegre e dois de seus clientes habituais, o barbeiro Hamilton Martins e o adolescente Emerson Rodrigues. Hamilton atende clientes há 32 anos em uma pequena saleta com vidro quebrado, cobrando preços baixos. Apesar da idade e problemas de saúde, mantém sua aparência cuidadosa. O restaurante e outros negócios da economia popular parecem ter sucesso apesar de não seguirem manuais formais de gestão.

1. | 32 | Especial > ZERO HORA > SEGUNDA | 13 | AGOSTO | 2007
Cardápio sem
regras de gerência
P
TEXTOS: SEBASTIÃO RIBEIRO e TATIANA CRUZ
FOTOS: GENARO JONER Cliente habitual do restaurante Velho Coração (detalhe),
Hamilton chega a demorar mais de uma hora para fazer
ara um grupo de pessoas, encarar o um corte. Em uma pequena saleta, com vidro quebrado,
negócio próprio não é uma questão o movimento preciso da lâmina do barbeiro vale tanto
de escolha. Assim como Adriano,
quanto uma conversa.
Adriane e Jovilde Paesi, donos do
Velho Coração, fritam polenta e
servem bebidas para sobreviver, seus 74 anos de vida, tira lascas do chur- O barbeiro chegou a faturar R$ 1,1 mil
muitos dos que sentam-se às mesas rasco. Das histórias da campanha, Hamil- por mês, mas hoje tira R$ 400, além da
ton lembra todo dia, nos intermináveis ba- aposentadoria de R$ 380. Com a debanda-
do restaurante no bairro Navegantes, te-papos com os clientes. da das grandes empresas do bairro, foram-
na Capital, repetem o esforço, com dificuldades Como tantos outros, teve de deixar o se os clientes. Na economia popular, porém,
parecidas. No segundo dia da série que retrata os campo em busca de oportunidades na ci- sempre haverá espaço para um barbeiro
dade grande – entre 1970 e 2000, a fatia caprichoso que cobra R$ 5 o cabelo, R$ 2 a
braços do bufê de bairro na economia popular, da população rural reduziu-se de 44% pa- barba e nada para aparar bigode, franja ou
ZH convida você a almoçar com empreendedores ra 19% no país. Em 1965, quando chegou carioca (acabamento à lâmina, na nuca).
que comem o feijão da dona Jovilde para espiar a Porto Alegre, a idéia era comprar um – Para esse público tem de ter preço
“auto-bar”, como se chamava trailer de bom – receita Naira Lobraico Libermann,
como seus negócios parecem estar tão longe dos lanches antigamente, mas o negócio não gerente de pesquisa e de desenvolvimento
manuais de gestão, mas tão perto da vida real. prosperou. A saída foi virar barbeiro, tro- de soluções do Sebrae/RS.
car a pá por lâmina, pente e tesoura. Hoje, É um dos atrativos que leva o adolescen-
a profissão faz parte da sua própria perso- te Emerson Rodrigues até Hamilton. Cabe-
nalidade: no Navegantes, onde atende há lo com gel e piercing no queixo, ainda que
UM CAMINHO A PERCORRER
Devorado o segundo prato de ar- 32 anos, a maioria dos clientes e amigos o sentado na cadeira de cabeleireiro compra-
roz, feijão, ervilha, molho vermelho e chama apenas de Barbeiro. da de segunda mão em 1972, é a antítese
35,2% 57,6% pedaços de frango, Hamilton Martins Hamilton atende em uma peça rudi- do barbeiro.
das micro e pequenas
empresas não das que não
47,7% agarra a costela que aguardava a vez mentar de aproximadamente cinco metros Mesmo com a idade avançada, a coluna
delas dizem que em um pires ao lado. Com a mão es- quadrados. A saleta de basculantes com vergada e mancando por problemas no jo-
possuem computador possuem o
não querem querda, segura o osso. Com a direita, vidro quebrado e o Barbeiro parecem per- elho, marcas de quando carregava fardos de
equipamento
comprar um
os dedos entre o plástico do cabo e tencer a um outro tempo – um tempo em 50 quilos de arroz sobre a cabeça, Hamilton
45,5% dizem que não o
tem por falta de
computador
futuramente
o metal da ponta, a faca de serrinha. que um corte chega a levar mais de hora não perde a pose. Apresenta-se no Velho
não têm o recursos Como aprendeu quando peão de fa- para ficar pronto, o movimento da lâmi- Coração diariamente com camisa e jaqueta
equipamento porque financeiros zendas de arroz e gado em Camaquã, na é feito com precisão, o papo vale tanto puídas, mas o sapato engraxado, o bigode
não acham necessário Fonte: Sebrae/RS
onde passou os primeiros 32 anos dos quanto a barba. aparado e o cabelo domado pelo gel.

2. Data Publicação : 13/08/2007
Prato do Dia (2) (série), Restaurante de bairro: No improviso, gestão da economia popular,
Alimentação, Alimento