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AGROECOLOGIA                                                                                                                                                                                                                                                                                          AGROECOLOGIA


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                                                                                                                                                        culinária caseira, o bordado e o artesanato.          de Itapuranga produzem. O agricultor da                    mílias. Resultado de um processo histórico
                                que se fazem ao andar                                                                                                        Simples e “caprichosa”, Aldete Apa-              Fazenda Laranjal 2, Ailton Freitas da Sil-                 de mobilização, a cooperativa foi fundada
                                                                                                                                                        recida Pereira de Souza é uma das co-                 va, que conversou com a reportagem na                      no final da década de 1980 e atualmente
Agricultores familiares se desdobram para conquistar uma produção autônoma e sustentável de alimentos. Em Itapuranga,                                   operadas que garantem parte da renda                  sede da Cooperafi em Itapuranga, diz ter                   está associada a 14 entidades locais, como
realizam transição agroecológica como forma de reparar danos ambientais e sociais provocados pelo agronegócio ao                                        da família na cozinha. Tão logo recebeu               sido um dos fundadores da feira que os pe-                 o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de
longo de décadas. A prática, em diálogo com a UFG, acompanha necessidades que se revelam no cotidiano                                                   a equipe de reportagem da UFG em sua                  quenos produtores fazem às quintas-feiras.                 Itapuranga (STRI).
                                                                                                                                                        propriedade, já estendeu o forro da mesa              Assim, ele rememora: “Antes, trazíamos o                        As condições de vida no Xixá pare-
                                                                                                                                                        e ofereceu uma de suas “iguarias”: requei-            que havia em casa. Hoje não conseguimos                    cem um privilégio. “Para se ter uma ideia,
                                                                                                                                                        jão com doce de laranja. Ela demonstrou               atender a toda a demanda”.                                 aqui não tem latifúndio”, diz Augusta,
                                                                         Bertolino e Ridinalva   Itapuranga (Cooperafi), Maria Pereira dos
                                                                                                                                                        especial apreço ao afirmar que “vem gente                  A Cooperafi aponta ainda a possibili-                 com orgulho. Contudo, a trajetória des-
                                                                         fazem parte de uma      Santos, conhecida como Augusta, produ-
                                                                                                                                                        de longe” para provar suas ofertas. “Tem              dade de escoar produtos por meio de ações                  ses agricultores é de luta e resistência. E o
                                                                         história de luta        tora rural e também secretária de Agricul-
                                                                                                                                                        mulher que arrecada até R$ 2,7 mil por                de políticas públicas voltadas ao associa-                 histórico dos agricultores aponta para uma
                                                                         pela sobrevivência      tura do município, e Selma Maria Gondim
                                                                                                                                                        mês”, completou Selma Maria, reforçando               tivismo e aos camponeses assentados e/ou                   caminhada muitas vezes tortuosa e incerta
                                                                         autônoma na terra,      Cardoso Rodrigues, agricultora familiar.
                                                                                                                                                        o entusiasmo da colega agricultora.                   tradicionais. Atualmente, servem como                      entre a dependência e a independência,
                                                                         protagonizada                Na casa da família Souza, a sobrevi-
                                                                                                                                                             Na propriedade de Aldete e seu mari-             alicerces dessa dinâmica o Programa Na-                    por exemplo, do conhecimento científi-
                                                                         pelos moradores         vência é retirada da produção de frutas
                                                                                                                                                        do, Altair Souza, também se produz caju,              cional de Alimentação Escolar (PNAE)                       co e da transferência de tecnologia. Daí a
                                                                         de Itapuranga.          aliada à criação de bovinos e ao cultivo de
                                                                                                                                                        cagaita, pequi, mexerica, morango, abó-               e o Programa de Aquisição de Alimentos                     importância da participação e do envolvi-
                                                                         Atualmente, o casal     hortaliças, leguminosas e outros gêneros
                                                                                                                                                        bora, alface, entre outros. Quando aceitou            (PAA), da Companhia Nacional de Abas-                      mento da comunidade universitária.
                                                                         preocupa-se em          alimentícios. “É pouco, mas é diversifi-
                                                                         produzir sem degradar   cado”, resume Bertolino, modestamente,
                                                                                                                                                                                                                                                                         Percurso social – Juntamente com o ex-
                                                                         o meio ambiente         referindo-se às cerca de 90 variedades
                                                                                                                                                                                                                                                                         professor da EA, Joel Orlando Bevilacqua
                                                                                                 que crescem em seu terreno, incluindo




                                                                                                                                                                                                                                                             Cooperafi
                                                                                                                                                                                                                                                                         Marin, pioneiro dos projetos em Itapu-
                                                                                                 acerola, abacaxi, cagaita, mangaba, caja-
                                                                                                                                                                                                                                                                         ranga e atualmente vinculado à Univer-
Patrícia da Veiga                                   O objetivo da visita a Itapuranga foi        -manga, murici, manga, pequi, mandioca,
                                                                                                                                                                                                                                                                         sidade Federal de Santa Maria (UFMS),



R
                                                conhecer o modo de vida dos agricultores         cará, milho, quiabo etc.
                                                                                                                                                                                                                                                                         Glays Matos identificou em seu estudo,

R    idinalva Maria dos Santos Souza e
     Bertolino João de Souza vivem em
uma propriedade de aproximadamente
                                                familiares, que nem sempre firmam-se em
                                                um sistema produtivo hegemônico, vincu-
                                                lado à estrutura do agronegócio, oposto,
                                                                                                      A mão-de-obra em sua propriedade é
                                                                                                 constituída basicamente por ele e por seu
                                                                                                 filho mais jovem. Uma vez por semana,
                                                                                                                                                                                                                                                                         publicado na revista científica Pesquisa
                                                                                                                                                                                                                                                                         Agropecuária Tropical (Goiânia, v. 39, n.
                                                                                                                                                                                                                                                                         3, jul./set. 2009), três momentos distintos
sete hectares, no município de Itapuranga,      portanto, às suas condições materiais e          entretanto, a família contrata um diarista
                                                                                                                                                                                                                                                                         da trajetória das famílias do município.
antigo povoado de Xixá, a 170 quilôme-                                                           para auxiliar no que for necessário: limpeza
                                                                                                                                                                                                                                                                         O primeiro remonta ao início do século
tros de Goiânia. Ele migrou de Minas Ge-                                                         do terreno, preparação do pasto, plantação
                                                                                                                                                                                                                                                                         XX, com as ocupações iniciais de uma
rais e chegou a trabalhar em fazendas da                                                         ou colheita. Ridinalva produz queijos, re-
                                                                                                                                                                                                                                                                         área que, por pelo menos dois séculos, foi
redondeza, até conquistar esse terreno, em                                                       queijão, quitandas e doces, atividade que
                                                                                                                                                 O trabalho coletivo e comunitário, em forma de mutirão, é uma das práticas adotadas pelos camponeses que                passagem para a mineração. Do processo
1987. Ela é da região, saiu de casa quando                                                       vem sendo estimulada pelo projeto Mu-
                                                                                                                                                                                    participam da transição agroecológica                                                inicial de ocupar terras devolutas e plan-
se casou. Os três filhos do casal mantêm-se                                                      lheres Rurais do Xixá, desenvolvido pela
                                                                                                                                                                                                                                                                         tar para o consumo próprio, os campone-
ainda no campo, mas, como parte de sua                                                           Cooperafi em parceria com o Ministério do
                                                                                                                                                        andar por suas terras com a reportagem, Al-           tecimento (Conab).                                         ses passaram a comercializar o excedente,
geração, estudaram na cidade, que está a                                                         Desenvolvimento Agrário (MDA).
                                                                                                                                                        tair fez questão de mostrar sua plantação de               O nível de organização da agricultura                 intercalando o uso do solo e produzindo
cerca de dez quilômetros de casa. Na com-                                                             Esse é um retrato comum entre os
                                                                                                                                                        “açaí com banana”, combinação de cultivo              familiar em Itapuranga envolve atualmen-                   a baixo custo. “A primeira lavoura a ser
posição do cenário em que se encontra a                                                          agricultores familiares do município de
                                                                                                                                                        que resultou de um experimento de sistema             te 105 famílias e 20 profissionais contrata-               cultivada era a de arroz, realizada entre
família Souza há uma residência arejada e          Selma e Augusta, diretoras da Cooperafi,      Itapuranga. De acordo com pesquisa rea-
                                                                                                                                                        agroflorestal (SAF) realizado em conjunto             dos pela Cooperafi, sendo dois deles filhos                os tocos, e, na sequência, cultivavam-se o
com fachada de cor verde, quintal a per-               mostram os frutos do seu trabalho         lizada entre 2005 e 2007 pela analista da
                                                                                                                                                        com a UFG e que é objeto de investigação              de cooperados. Também efetua parceria                      milho e o feijão, por três ou quatro anos.
der de vista, represa nos fundos, paiol, chi-                                                    Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecu-
                                                                                                                                                        de estudantes do curso de Agronomia. À                com diversas entidades públicas e priva-                   Neste lapso de tempo, os agricultores ro-
queiro, pequenos pastos, lavouras esparsas      às suas pequenas terras. Outra finalidade        ária (Embrapa) Glays Rodrigues Matos,
                                                                                                                                                        pergunta sobre o interesse pela diversifica-          das. Em 2006, por exemplo, 25 proprie-                     çavam outro terreno, para prepará-lo para
e uma vasta aglomeração de árvores típi-        da viagem foi conhecer de que modo a             no Programa de Pós-graduação em De-
                                                                                                                                                        ção e, sobretudo, pelas frutas, o agricultor          dades receberam fomento da Petrobras,                      um novo ciclo”, descrevem Glays e Joel
cas do Cerrado. Por ali, conforme apresen-      universidade, com seu arcabouço teórico          senvolvimento Rural da UFG, desde a dé-
                                                                                                                                                        respondeu, demonstrando disposição cons-              por meio de um projeto de incentivo à                      no texto que assinam conjuntamente.
ta Bertolino, “a terra é macia”.                e sua experiência de pesquisa científica,        cada de 1990, Itapuranga desponta como
                                                                                                                                                        tante para observar a natureza e inovar:              fruticultura. Em 2011, a renovação desse
     Assim que chegou ao lugar, a equipe        vem acompanhando o desenvolvimen-                polo de fruticultura em Goiás.
                                                                                                                                                               – “Não sei. Só curiosidade mesmo.              contrato envolveu 45 famílias. Ações de                     A agroidústria produz nove tipos de polpas para
de reportagem da revista UFG Afirmati-          to do lugar. Intermediaram esse contato               Os camponeses das pequenas proprie-
                                                                                                                                                        Já pensou ver uma planta durar 40 anos?               mutirão, educação ambiental, atenção                        sucos. Entre elas, a do caja-manga
va foi recebida pelo casal, dois cachorros      Ricardo Camargo, engenheiro agrônomo             dades, maioria na região, optaram ainda pelo
                                                                                                                                                        Também, cansei de milho e arroz. Agri-                aos conflitos de gênero e recuperação de
e uma mesa farta posta com doces, quei-         vinculado a um projeto de pesquisa da Es-        uso diversificado da terra. Dos 2.020 estabe-
                                                                                                                                                        cultor é assim mesmo, gosta de inventar”.             matas ciliares, além da assistência técnica
jo, pão de queijo, café e salada de frutas      cola de Agronomia e Engenharia de Ali-           lecimentos rurais do município, 1.800 alter-
                                                                                                                                                              Todas as semanas, ao menos duas                 constante, também foram incorporadas à
frescas. Considerando os hábitos e os ali-      mentos (EA/UFG) sobre o território rural         nam sua produção dessa forma. Associada à
                                                                                                                                                        feiras da região e mais uma agroindústria,            agenda dos pequenos produtores, extrapo-
mentos ali cultivados, não poderia haver        Vale do Rio Vermelho, e duas diretoras da        fruticultura está também a comercialização
                                                                                                                                                        que produz nove tipos de polpas para su-              lando questões econômicas e valorizando
recepção mais característica.                   Cooperativa de Agricultores Familiares de        de hortaliças, leite e derivados, bem como a
                                                                                                                                                        cos, são abastecidas com o que as famílias            o sentimento de solidariedade entre as fa-




       Pág 38 -                  Afirmativa                                                                                                                                                                                                                                                     -   Pá g 39
AGROECOLOGIA                                                                                                                                                                                                                                                                                           AGROECOLOGIA

     A produção extensiva passou a ser am-                  Aos poucos, a atividade leiteira pas-                ainda não foram superados plenamente             “As experiências humanas não
                                                                                                                                                                  podem ser desperdiçadas ”
pliada e incentivada pelo Estado a partir da           sou a predominar, sendo considerada mais                  os problemas sobretudo ambientais, pro-
década de 1960, marcando a segunda fase                segura para a obtenção de financiamento                   vocados pela política agrária moderniza-
das vivências camponesas. Com políticas                e de resultados nos investimentos. As                     dora de outrora.
de crédito que, em troca de financiamentos             pastagens substituíram a arborização na-                                                                        Altair Souza, quando levou a repor-        experimentar outra
para o aumento das áreas cultiváveis, in-              tural e, por outro lado, deu-se mais ênfase                                                                tagem da revista UFG Afirmativa para            ‘pedagogia’,       que
centivavam o desmatamento e ainda con-                 à horticultura, com o cultivo de “tomate,                                                                  conhecer suas terras, demonstrou dúvidas        implique a troca de
                                                                                                                                                 Tatiane
dicionavam o lavrador ao uso de insumos,               pimentão, pimenta, abóbora, pepino, me-                                                                    de como plantar morangos, por exemplo,          saberes e não a im-




                                                                                                     Cooperafi
                                                                                                                                                 Ferraz, filha
as terras foram gradualmente submetidas ao             lancia, repolho e folhosas”, até então um                                                                  sem o uso de agrotóxicos. No entanto,           posição de valores.
                                                                                                                                                 de produtores
seu esgotamento, ao passo que respondiam               complemento da renda das famílias. “Os                                                                     ele não deixou de tentar. “Tenho receio               Os      próprios
                                                                                                                                                 e estudante
a um “novo ritmo de produção”. A mão-de-               agricultores familiares redefiniram seus                                                                   de que não funcione por muito tempo.            agricultores       de-
                                                                                                                                                 de Ciências
-obra local, por sua vez, foi substituída por          sistemas de produção”, aponta Glays.                                                                       Além disso, me informei em Heitoraí,            monstram        impa-
                                                                                                                                                 Biológicas da
máquinas, ainda que algumas atividades,                     A terceira etapa, nos anos 90, as-                                                                    essa variedade serve somente para sucos”,       ciência e cansaço
                                                                                                                                                 UEG, integra
como a colheita, seguissem dependendo de               sentou-se na troca de experiências com                                                                     argumentou. A plantação de morangos é           quando se fala em
                                                                                                                                                 equipe dos
trabalho manual. Além disso, o controle de             agricultores familiares e cooperativas de                                                                  seguida dos mamoeiros, que também cor-          assistência técnica.
                                                                                                                                                 projetos da
mercado por atacadistas e outros agentes               outros municípios, como Araguari, em                                                                       rem o risco de contaminação por produto         “O técnico exige
                                                                                                                                                 Cooperafi em
urbanos tornara a mercadoria produzida                 Minas Gerais. Foi quando a fruticultura                                                                    químico. “Se ficam feios, ninguém com-          determinada postu-
                                                                                                                                                 parceria com a
pelos agricultores familiares cada vez mais            tornou-se um atrativo e revigorou a so-                                                                    pra”, completou.                                ra dos agricultores,
                                                                                                                                                 UFG
barata, acarretando agravante econômico                brevivência desses camponeses. No en-                                                                           A agricultura convencional, com a          mas não nota que
para todo o município.                                 tanto, no que tange ao modo de produzir,                                                                   “revolução verde”, foi fortemente marca-        muitas vezes nos
                                                                                                                                                                  da pelo modelo difusionista de transmis-        falta recurso ou             Altair e Aldete, da zona rural de Itapuranga, produzem frutas, hortaliças e leite
                                                                                                                                                                  são de conhecimento. Na época, essa foi         mão-de-obra”, re-
                                                                                                                                                                  a ‘pedagogia’ (entendida aqui como for-         clamou Altair Souza, no alpendre de sua                humana organizada para produzir tecnolo-
                                                                                                                                                                  mação dos seres humanos para atuarem            casa, quando Ricardo Camargo, o agrôno-                gia e modos de produção no campo que,
                          É chamada “revolução verde” a ação que complemen-        política pública entre 1975 e 1979, com a segunda ver-                         com base em determinada visão de mun-           mo que acompanhou a equipe de reporta-                 de forma gradual, considerem as bases da
                     tava o pacote estadunidense de políticas públicas para a      são do Plano Nacional de Desenvolvimento (PND).                                do) que acompanhou as vendas de adubos          gem pela estrada, tocou no assunto. “De                agroecologia, bem como as características
                     América Latina, iniciado na década de 1950, que mecani-       Guiava a República Federativa do Brasil, na ocasião, o                         químicos, agrotóxicos e maquinários. As-        fato, não conseguimos fazer sempre o que               ambientais locais e os saberes acumulados
                     zou a produção agrícola e transformou latifúndios oligár-     general Ernesto Geisel, que ensaiou uma terceira “Mar-                         sim, as técnicas oriundas de um processo        os agrônomos querem”, opinou Selma Ma-                 pelos povos. Vale destacar que por tecno-
                     quicos em grandes empresas exportadoras. Esse processo,       cha para o Oeste” (depois de Getúlio Vargas e Juscelino                        de mecanização, até a década de 1960 es-        ria, na mesma roda de conversa. De acordo              logia se entende o resultado da interação
 “Revolução verde”




                     no entanto, não foi pontual nem linear. Jacques Chon-         Kubitschek), com incentivo à ocupação dos territórios                          tranhas aos agricultores familiares, pene-      com Ricardo, os profissionais, em contra-              entre os seres humanos e a natureza, que se
                     chol, pensador chileno, delimita ter sido o auge da revo-     “vazios” e “sem vida” no Cerrado e na Amazônia.                                traram bruscamente nas culturas diversas,       partida, têm reconhecido a necessidade de              desdobra em um “saber fazer” e/ou em uma
                     lução verde o ano de 1975, dos países asiáticos e africanos        Na ocasião, foi comum confrontar, a partir da te-                         muitas vezes com o apoio e o fomento do         redimensionar sua prática. “O homem do                 ferramenta para esse “fazer”.
                     aos latino-americanos. Esta década, no entanto, viveu a       oria da dependência, o mundo rural e o urbano. Sen-                            próprio Estado. Com o tempo, costumes           campo, em sua relação com a terra, já de-                    A partir dos anos 2000, por influên-
                     consequência de um processo de “modernização” das prá-        do este último uma suposta consequência do primeiro,                           “estrangeiros” passaram a ser incorpora-        senvolve o seu saber. É necessário, assim,             cia das convenções ambientalistas e de
                     ticas camponesas que começou antes mesmo da eclosão da        primitivo, que deveria receber toda a “luz” da ciência                         dos à visão de mundo dos camponeses,            adotar uma metodologia de trabalho cons-               um contexto global de rearranjo das bases
                     Segunda Guerra Mundial, nos anos de 1930, na Europa,          e toda a intervenção da vida moderna. Em outras pala-                          como por exemplo o uso de agrotóxicos,          trutivista”, informou.                                 capitalistas, a agroecologia passou a ser
                     quando se constatou que uma parcela do mundo tinha o          vras, o tratamento mecanicista dado ao campo foi con-                          mencionado por Altair.                                                                                 considerada alternativa de produção em
                     problema de excedente de alimentos e outra, ainda maior,      siderado um “avanço”.                                                               O Brasil é o país que mais consome                                                                todo o mundo. Novas teorias multidis-
                     padecia com fome.                                                  No entanto, para as pessoas que vivem no campo,                           esse tipo de produto em todo o mundo                                                                   ciplinares foram experimentadas e reco-
                          O processo de “modernização” da agricultura brasi-       a “modernização” trouxe várias formas de violência e                           e, conforme o Movimento dos Pequenos                                                                   mendadas. No Brasil, a Política Nacional
                     leira foi realizado sob o argumento do aumento da pro-        miséria, desde a simbólica até a física, como comentou                         Agricultores (MPA), cada cidadão ingere,                                                               de Assistência Técnica e Extensão Rural
                     dução e da oferta de trabalho. Era predominante a ideia       José de Souza Martins em 2000, durante o encerramen-                           por ano, o equivalente a 5,2 kg de vene-                                                               (PNATER), proposta em 2003, reverbe-
                     de que o caminho para o crescimento do país e para a          to do X Congresso Mundial de Sociologia Rural: “Des-                           no, indiretamente, através dos alimentos.                                                              rou esse pensamento.
                     distribuição igualitária de renda deveria passar pela in-     de os anos 70, a modernização forçada do campo e o                             Iniciativas como a Campanha Permanen-                                                                        No entanto, conforme alerta o professor
                     dustrialização. Em busca de uma produtividade em larga        desenvolvimento econômico tendencioso e excluden-                              te Contra os Agrotóxicos e Pela Vida,                                                                  da EA, Gabriel Medina, é preciso que a as-
                     escala para o abastecimento do mercado de commodities         te nos vêm mostrando que esse modelo imperante de                              encabeçada pela sociedade civil brasileira                                                             sistência técnica evite o risco de reproduzir o
                                                                                                                                                                                                                    Ricardo Camargo acredita na possibilidade de
                     (mercadoria em estado bruto), o país investiu, também,        desenvolvimento acarretou um contradesenvolvimen-                              e lançada em 2011, sinalizam o rumo em                                                                 difusionismo do passado. Sua sugestão é que,
                                                                                                                                                                                                                         uma assistência técnica colaborativa
                     em máquinas, sementes melhoradas e insumos.                   to social responsável por formas perversas de miséria                          que caminham as “tendências” do século                                                                 no momento das orientações sobre como
                          Essa transformação foi intensificada na forma de         antes desconhecidas em muitas partes do mundo”.                                XXI. Combater os “pacotes” da agricultu-                                                               produzir, leve-se em conta o agricultor, sua
                                                                                                                                                                  ra moderna é consenso entre movimentos                E é desta forma que a EA vem pronun-             história, seu pensamento, suas práticas coti-
                                                                                                                                                                  sociais, associações, cooperativas e agricul-   ciando a expressão “transição agroecológi-             dianas e suas preferências. Até mesmo porque
                                                                                                                                                                  tores. No entanto, para que essa dependên-      ca”. Grosso modo, a transição agroecológi-             há questões relacionadas a mão-de-obra e fi-
                                                                                                                                                                  cia de insumos seja superada, é necessário      ca pode ser compreendida como uma ação                 nanças que podem impedir, por mais que se




            Pág 40 -                  Afirmativa                                                                                                                                                                                                                       Afirmativa - Pá g 41
AGROECOLOGIA                                                                                                                                                                                                                                                                                                                AGROECOLOGIA




                                                                                                                                                                                                                                                                                                                      Foto: Cooperafi
            queira, que a agroecologia vigore totalmente.            a agricultura convencional, mais pratica-                               Por esse motivo, o professor Gabriel         de Goiás (UEG) e integrante do projeto da                                                                                         so às fontes de água
                 “Partimos da hipótese de que novas                  da, e a agroecologia, por muitos desejada.                         defende que a assistência deva ser ajusta-        UFG em parceria com a Cooperafi, trata de                                                                                         corrente do terreno.
            práticas, mesmo as agroecológicas, terão                 Para tanto, conforme explicou o professor                          da. “Agora o projeto está selecionando as         mantê-lo atualmente com mudas de abaca-                                                                                           De resto, adaptou-
            maior potencial de adoção e manutenção                   Gabriel, foram realizadas propostas de as-                         práticas que foram facilmente adotadas,           te, graviola, cagaita, pitanga, açaí, cacau e                                                                                     -se bem às técnicas.
            quanto mais próximas forem das práticas                  sistência técnica que pudessem testar “sis-                        para concluir o desenho das propostas téc-        cupuaçu. Já Bertolino optou por ampliar                                                                                           “Até ampliei minha
            convencionais e quanto mais gradual for                  temas de manejo do gado leiteiro, horticul-                        nicas adequadas a esse público”, conclui.         sua área de SAF e reduzir a de hortaliças.                                                                                        área de pasto. Estou
            a mudança promovida”, escreveu o pro-                    tura agroecológica e arranjos de espécies                                                                            “Não tinha muito tempo para me dedicar                                                                                            agora com três hec-
                                                                                                                                        Sistema agroflorestal – Em 2006, Berto-           a tudo”, complementa. Em sua visão, o que                                                                                         tares e 13 piquetes”,
                                                                                                                                        lino João descobriu ter ideias similares às       é plantado no SAF tem utilidade em todo                                                                                           completou.
                                                                                                                                        dos pesquisadores e estudantes da EA. “Há         o restante de sua produção, podendo con-                                                                                               	Conforme
                                                                                                                                                                                                                                                   PRV sugere divisão de pastos para promover a recuperação do capim
                                                                                                                                        muito tempo queria produzir sem degradar a        verter-se em medicamento para seu gado.                                                                                           pesquisa da EA, ape-




                                                                                                                      Foto: Cooperafi
                                                                                                                                        natureza. As ideias coincidiram”, confirma.       “Tenho uma receita que serve de vermífugo                                                                                         nas 7% das famílias
                                                                                                                                        Ele notava a dificuldade em lidar com pragas      para as vacas: pego o caule do mamoeiro e           Trata-se da maior fonte de energia do ani-            lograram executar todo o sistema proposto.
                                                                                                                                        frequentes nas pequenas lavouras, além de         trituro junto com a cana”, exemplifica.             mal. “Quanto melhor a qualidade do pasto,             Além da irrigação, outro fator de dificuldade
                                                                                                                                        plantas cada vez mais desnutridas. Também                                                             melhor o aproveitamento do animal, maior              para os agricultores é a realização de análi-
                                                                                                                                        observava constante dificuldade em recupe-        Manejo de pasto – A produção leiteira em            a produção de leite por animal e menor o              se do solo. Há, ainda, problemas técnicos,
                                                                                                                                        rar a vegetação nativa em áreas muito de-         Itapuranga, assim como em todo o Vale do            custo com ingredientes extras, como ração             conforme exemplifica Tatiane, que acompa-
                                                                                                                                        vastadas, como margens de rios. Conforme          Rio Vermelho, é altamente praticada pelos           e silagem”, explicou Tatiane durante o se-            nhou dez famílias: “O que também afetou o
                                                                                                                                        narrativa de Joel Marin, para combater tal        agricultores. Em pesquisa recentemente re-          minário “O Mundo da Agricultura Fami-                 sucesso do PRV foram as sementes, que não
                                                                                                                                        desequilíbrio e atender às frequentes de-         alizada, a equipe coordenada pelo professor         liar”, realizado na EA em junho de 2011.              germinaram de acordo com o esperado. Em
                                                                                                                                        mandas de agricultores, como Bertolino, foi       Gabriel entrevistou 144 famílias na região                Em Itapuranga, como as propriedades             algumas propriedades foi necessário fazer um
                                                                                                                                        proposto criar “unidades de experimentação        e constatou que, dessas, 109 têm como úni-          não dispõem de vastos espaços para pastos,            segundo plantio”.
                                                                                                                                        sobre os processos de produção agroecológi-       ca fonte de renda o gado, seis intercalam           o trabalho feito entre camponeses e univer-                O que mais gerou custos e, consequen-
                                                                                                                                        ca de frutíferas e hortaliças, sistemas agro-     a produção de leite com a horticultura e 21         sidade partiu do loteamento de pequenas               temente, resistência entre os agricultores
                                                                                                                                        florestais, resgate de sementes crioulas, co-     (estando boa parte destas em Itapuranga)            áreas, conhecidas como “piquetes”, dividi-            foi a necessidade de mais mão-de-obra do
                                                                                                                                        berturas vegetais para recuperação do solo,       investem também em fruticultura. “Apenas            das na extensão de um hectare e separadas             que no sistema convencional. Com base
                                                                                                                                        manejo racional de pastagens e técnicas de        três agricultores têm sistemas de produção          por cerca elétrica. O sistema implantado              em dados apresentados pelo professor Ga-
                                                                                                                                        compostagem orgânica e biofertilizantes”.         altamente diversificados, incluindo gado            foi o pastoreio racional voisin (PRV), rea-           briel, um hectare de pasto organizado con-
                                                                                                                                             A fruticultura passou por etapas de          de leite, horticultura e fruticultura”, apon-       lizando análise do solo, preparação do ter-           forme o sistema voisin, em seu processo
                                                                                                                                        “adubação verde”, complementação de               ta artigo do grupo a ser publicado no livro         reno com adubação orgânica e alternância              de implantação, exige aproximadamente
                                                                                                                                        nutrientes e formação de um pomar. A              Agricultura Familiar em Goiás, editado pela         do uso do pasto pelo animal entre um e três           quatro diárias de trabalho a mais. Ao longo
                                                                                                                                        horticultura foi reforçada por uma aduba-         UFG e pela Cooperafi (no prelo).                    dias. Conforme explica Ricardo Camargo,               do ano, a diferença foi de 42 diárias, o que
Feira livre realizada pelos trabalhadores rurais e pelos agricultores familiares de Itapuranga: variedade e fartura                     ção com biofertilizantes, além de promover             Por essa razão, o manejo de pasto              foram realizadas as seguintes etapas: “aná-           levou os agricultores a trabalharem mais de
                                                                                                                                        rotação de culturas e substituir os venenos       é uma técnica almejada pelo agricultor.             lise de solos, calagem da área, gradeamen-            oito horas diárias, já que em muitos casos
                                                                                                                                        por nim, pimenta, alho e calda bordale-                                                                                         to, plantio de capim        houve dificuldade para arcar com os custos
            fessor para um trabalho apresentado no                   para a recuperação de margens de rios”.                            sa. Os sistemas agroflorestais (SAFs), por                                                                                      e leguminosas, ins-         da contratação de diaristas.
            VIII Congresso Latino-Americano de So-                        A conclusão da pesquisa sinaliza para                         sua vez, consistiam em formar viveiros de                                                                                       talação dos piquetes             Ainda assim, os agricultores aceitaram
            ciologia Rural, realizado em 2010. O an-                 uma construção conjunta de práticas de                             plantas que intercalassem leguminosas,                                                                                          dividindo o pasto,          ir até o fim do processo, vislumbrando re-
            tecessor de Gabriel Medina, Joel Marin,                  transição, tendo em vista que não há ho-                           árvores nativas do Cerrado e frutíferas em                                                                                      instalação do siste-        torno para o futuro. A expectativa calcula-
            demonstrou ter a mesma consideração                      mogeneidade na recepção das técnicas                               uma mesma área. Cada SAF foi montada                                                                                            ma elétrico e insta-        da é que a remuneração por dia de trabalho
            quando, em 2009, escreveu em publicação                  agroecológicas. No que se refere à adu-                            conforme os interesses dos agricultores e,                                                                                      lação do sistema de         no sistema convencional seja de R$ 18,42 e
            organizada pela Pró-reitoria de Extensão e               bação do terreno para a horticultura, por                          para dar-lhes suporte, houve o momento de                                                                                       água”.                      que no PRV suba para R$ 41,41.
            Cultura (Revista UFG, dez/2009, ano XI,                  exemplo, 100% dos agricultores atendidos                           troca de sementes crioulas de milho, feijão,                                                                                          Bertolino João             Para a equipe da UFG, os resultados
            n. 7) que “as experiências humanas não                   pela UFG demonstraram interesse em usar                            arroz, mandioca, batata–doce, pimentas,                                                                                         cumpriu quase todos         foram compensatórios, tendo em vista que
            podem ser desperdiçadas”.                                como adubo composto orgânico e esterco                             abóbora, melancia, melão, cabaça etc.                                                                                           os passos, deixando         houve melhoria na qualidade da alimen-
                 Sob essa premissa, as famílias de Al-               bovino, pelo fato de serem materiais dispo-                             A manutenção dos SAFs ficou a car-                                                                                         temporariamente             tação do animal e no aproveitamento das
            dete e Altair, Ridinalva e Bertolino, bem                níveis e de fácil preparo. No entanto, para                        go de cada agricultor, de acordo com suas                                                                                       o sistema de água.          pastagens. Tatiane ressaltou ainda o be-
            como outras 30 famílias de agricultores, fo-             controlar pragas aéreas, 30% das famílias                          possibilidades. Altair Souza, que teve seu                                                                                      “É muito caro”, co-         nefício da independência: “os produtores
            ram acompanhadas por técnicos da UFG e                   não aceitaram usar a calda de pimenta,                             viveiro organizado pela própria filha, Ta-                                                                                      mentou, indicando           trocaram informações entre si e, muitas
            da Cooperafi, entre 2006 e 2010, para que                solução natural, alegando que um produto                           tiane Ferraz, estudante do curso de Ciên-                                                                                       que deixou apenas           vezes, executaram as tarefas sem a presen-
            fosse detectada a “distância técnica” entre              químico seria de mais fácil aplicação.                             cias Biológicas da Universidade Estadual                                                                                        corredores de aces-         ça dos técnicos”.
                                                                                                                                                                                        Harmonia entre o meio ambiente e o trabalho humano caracterizam as
                                                                                                                                                                                                   condições de vida no antigo povoado do Xixá



                    Pág 42 -                      Afirmativa                                                                                                                                                                                                                                    Afirmativa - Pá g 43

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  • 1. Pr AGROECOLOGIA AGROECOLOGIA Caminhos culinária caseira, o bordado e o artesanato. de Itapuranga produzem. O agricultor da mílias. Resultado de um processo histórico que se fazem ao andar Simples e “caprichosa”, Aldete Apa- Fazenda Laranjal 2, Ailton Freitas da Sil- de mobilização, a cooperativa foi fundada recida Pereira de Souza é uma das co- va, que conversou com a reportagem na no final da década de 1980 e atualmente Agricultores familiares se desdobram para conquistar uma produção autônoma e sustentável de alimentos. Em Itapuranga, operadas que garantem parte da renda sede da Cooperafi em Itapuranga, diz ter está associada a 14 entidades locais, como realizam transição agroecológica como forma de reparar danos ambientais e sociais provocados pelo agronegócio ao da família na cozinha. Tão logo recebeu sido um dos fundadores da feira que os pe- o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de longo de décadas. A prática, em diálogo com a UFG, acompanha necessidades que se revelam no cotidiano a equipe de reportagem da UFG em sua quenos produtores fazem às quintas-feiras. Itapuranga (STRI). propriedade, já estendeu o forro da mesa Assim, ele rememora: “Antes, trazíamos o As condições de vida no Xixá pare- e ofereceu uma de suas “iguarias”: requei- que havia em casa. Hoje não conseguimos cem um privilégio. “Para se ter uma ideia, jão com doce de laranja. Ela demonstrou atender a toda a demanda”. aqui não tem latifúndio”, diz Augusta, Bertolino e Ridinalva Itapuranga (Cooperafi), Maria Pereira dos especial apreço ao afirmar que “vem gente A Cooperafi aponta ainda a possibili- com orgulho. Contudo, a trajetória des- fazem parte de uma Santos, conhecida como Augusta, produ- de longe” para provar suas ofertas. “Tem dade de escoar produtos por meio de ações ses agricultores é de luta e resistência. E o história de luta tora rural e também secretária de Agricul- mulher que arrecada até R$ 2,7 mil por de políticas públicas voltadas ao associa- histórico dos agricultores aponta para uma pela sobrevivência tura do município, e Selma Maria Gondim mês”, completou Selma Maria, reforçando tivismo e aos camponeses assentados e/ou caminhada muitas vezes tortuosa e incerta autônoma na terra, Cardoso Rodrigues, agricultora familiar. o entusiasmo da colega agricultora. tradicionais. Atualmente, servem como entre a dependência e a independência, protagonizada Na casa da família Souza, a sobrevi- Na propriedade de Aldete e seu mari- alicerces dessa dinâmica o Programa Na- por exemplo, do conhecimento científi- pelos moradores vência é retirada da produção de frutas do, Altair Souza, também se produz caju, cional de Alimentação Escolar (PNAE) co e da transferência de tecnologia. Daí a de Itapuranga. aliada à criação de bovinos e ao cultivo de cagaita, pequi, mexerica, morango, abó- e o Programa de Aquisição de Alimentos importância da participação e do envolvi- Atualmente, o casal hortaliças, leguminosas e outros gêneros bora, alface, entre outros. Quando aceitou (PAA), da Companhia Nacional de Abas- mento da comunidade universitária. preocupa-se em alimentícios. “É pouco, mas é diversifi- produzir sem degradar cado”, resume Bertolino, modestamente, Percurso social – Juntamente com o ex- o meio ambiente referindo-se às cerca de 90 variedades professor da EA, Joel Orlando Bevilacqua que crescem em seu terreno, incluindo Cooperafi Marin, pioneiro dos projetos em Itapu- acerola, abacaxi, cagaita, mangaba, caja- ranga e atualmente vinculado à Univer- Patrícia da Veiga O objetivo da visita a Itapuranga foi -manga, murici, manga, pequi, mandioca, sidade Federal de Santa Maria (UFMS), R conhecer o modo de vida dos agricultores cará, milho, quiabo etc. Glays Matos identificou em seu estudo, R idinalva Maria dos Santos Souza e Bertolino João de Souza vivem em uma propriedade de aproximadamente familiares, que nem sempre firmam-se em um sistema produtivo hegemônico, vincu- lado à estrutura do agronegócio, oposto, A mão-de-obra em sua propriedade é constituída basicamente por ele e por seu filho mais jovem. Uma vez por semana, publicado na revista científica Pesquisa Agropecuária Tropical (Goiânia, v. 39, n. 3, jul./set. 2009), três momentos distintos sete hectares, no município de Itapuranga, portanto, às suas condições materiais e entretanto, a família contrata um diarista da trajetória das famílias do município. antigo povoado de Xixá, a 170 quilôme- para auxiliar no que for necessário: limpeza O primeiro remonta ao início do século tros de Goiânia. Ele migrou de Minas Ge- do terreno, preparação do pasto, plantação XX, com as ocupações iniciais de uma rais e chegou a trabalhar em fazendas da ou colheita. Ridinalva produz queijos, re- área que, por pelo menos dois séculos, foi redondeza, até conquistar esse terreno, em queijão, quitandas e doces, atividade que O trabalho coletivo e comunitário, em forma de mutirão, é uma das práticas adotadas pelos camponeses que passagem para a mineração. Do processo 1987. Ela é da região, saiu de casa quando vem sendo estimulada pelo projeto Mu- participam da transição agroecológica inicial de ocupar terras devolutas e plan- se casou. Os três filhos do casal mantêm-se lheres Rurais do Xixá, desenvolvido pela tar para o consumo próprio, os campone- ainda no campo, mas, como parte de sua Cooperafi em parceria com o Ministério do andar por suas terras com a reportagem, Al- tecimento (Conab). ses passaram a comercializar o excedente, geração, estudaram na cidade, que está a Desenvolvimento Agrário (MDA). tair fez questão de mostrar sua plantação de O nível de organização da agricultura intercalando o uso do solo e produzindo cerca de dez quilômetros de casa. Na com- Esse é um retrato comum entre os “açaí com banana”, combinação de cultivo familiar em Itapuranga envolve atualmen- a baixo custo. “A primeira lavoura a ser posição do cenário em que se encontra a agricultores familiares do município de que resultou de um experimento de sistema te 105 famílias e 20 profissionais contrata- cultivada era a de arroz, realizada entre família Souza há uma residência arejada e Selma e Augusta, diretoras da Cooperafi, Itapuranga. De acordo com pesquisa rea- agroflorestal (SAF) realizado em conjunto dos pela Cooperafi, sendo dois deles filhos os tocos, e, na sequência, cultivavam-se o com fachada de cor verde, quintal a per- mostram os frutos do seu trabalho lizada entre 2005 e 2007 pela analista da com a UFG e que é objeto de investigação de cooperados. Também efetua parceria milho e o feijão, por três ou quatro anos. der de vista, represa nos fundos, paiol, chi- Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecu- de estudantes do curso de Agronomia. À com diversas entidades públicas e priva- Neste lapso de tempo, os agricultores ro- queiro, pequenos pastos, lavouras esparsas às suas pequenas terras. Outra finalidade ária (Embrapa) Glays Rodrigues Matos, pergunta sobre o interesse pela diversifica- das. Em 2006, por exemplo, 25 proprie- çavam outro terreno, para prepará-lo para e uma vasta aglomeração de árvores típi- da viagem foi conhecer de que modo a no Programa de Pós-graduação em De- ção e, sobretudo, pelas frutas, o agricultor dades receberam fomento da Petrobras, um novo ciclo”, descrevem Glays e Joel cas do Cerrado. Por ali, conforme apresen- universidade, com seu arcabouço teórico senvolvimento Rural da UFG, desde a dé- respondeu, demonstrando disposição cons- por meio de um projeto de incentivo à no texto que assinam conjuntamente. ta Bertolino, “a terra é macia”. e sua experiência de pesquisa científica, cada de 1990, Itapuranga desponta como tante para observar a natureza e inovar: fruticultura. Em 2011, a renovação desse Assim que chegou ao lugar, a equipe vem acompanhando o desenvolvimen- polo de fruticultura em Goiás. – “Não sei. Só curiosidade mesmo. contrato envolveu 45 famílias. Ações de A agroidústria produz nove tipos de polpas para de reportagem da revista UFG Afirmati- to do lugar. Intermediaram esse contato Os camponeses das pequenas proprie- Já pensou ver uma planta durar 40 anos? mutirão, educação ambiental, atenção sucos. Entre elas, a do caja-manga va foi recebida pelo casal, dois cachorros Ricardo Camargo, engenheiro agrônomo dades, maioria na região, optaram ainda pelo Também, cansei de milho e arroz. Agri- aos conflitos de gênero e recuperação de e uma mesa farta posta com doces, quei- vinculado a um projeto de pesquisa da Es- uso diversificado da terra. Dos 2.020 estabe- cultor é assim mesmo, gosta de inventar”. matas ciliares, além da assistência técnica jo, pão de queijo, café e salada de frutas cola de Agronomia e Engenharia de Ali- lecimentos rurais do município, 1.800 alter- Todas as semanas, ao menos duas constante, também foram incorporadas à frescas. Considerando os hábitos e os ali- mentos (EA/UFG) sobre o território rural nam sua produção dessa forma. Associada à feiras da região e mais uma agroindústria, agenda dos pequenos produtores, extrapo- mentos ali cultivados, não poderia haver Vale do Rio Vermelho, e duas diretoras da fruticultura está também a comercialização que produz nove tipos de polpas para su- lando questões econômicas e valorizando recepção mais característica. Cooperativa de Agricultores Familiares de de hortaliças, leite e derivados, bem como a cos, são abastecidas com o que as famílias o sentimento de solidariedade entre as fa- Pág 38 - Afirmativa - Pá g 39
  • 2. AGROECOLOGIA AGROECOLOGIA A produção extensiva passou a ser am- Aos poucos, a atividade leiteira pas- ainda não foram superados plenamente “As experiências humanas não podem ser desperdiçadas ” pliada e incentivada pelo Estado a partir da sou a predominar, sendo considerada mais os problemas sobretudo ambientais, pro- década de 1960, marcando a segunda fase segura para a obtenção de financiamento vocados pela política agrária moderniza- das vivências camponesas. Com políticas e de resultados nos investimentos. As dora de outrora. de crédito que, em troca de financiamentos pastagens substituíram a arborização na- Altair Souza, quando levou a repor- experimentar outra para o aumento das áreas cultiváveis, in- tural e, por outro lado, deu-se mais ênfase tagem da revista UFG Afirmativa para ‘pedagogia’, que centivavam o desmatamento e ainda con- à horticultura, com o cultivo de “tomate, conhecer suas terras, demonstrou dúvidas implique a troca de Tatiane dicionavam o lavrador ao uso de insumos, pimentão, pimenta, abóbora, pepino, me- de como plantar morangos, por exemplo, saberes e não a im- Cooperafi Ferraz, filha as terras foram gradualmente submetidas ao lancia, repolho e folhosas”, até então um sem o uso de agrotóxicos. No entanto, posição de valores. de produtores seu esgotamento, ao passo que respondiam complemento da renda das famílias. “Os ele não deixou de tentar. “Tenho receio Os próprios e estudante a um “novo ritmo de produção”. A mão-de- agricultores familiares redefiniram seus de que não funcione por muito tempo. agricultores de- de Ciências -obra local, por sua vez, foi substituída por sistemas de produção”, aponta Glays. Além disso, me informei em Heitoraí, monstram impa- Biológicas da máquinas, ainda que algumas atividades, A terceira etapa, nos anos 90, as- essa variedade serve somente para sucos”, ciência e cansaço UEG, integra como a colheita, seguissem dependendo de sentou-se na troca de experiências com argumentou. A plantação de morangos é quando se fala em equipe dos trabalho manual. Além disso, o controle de agricultores familiares e cooperativas de seguida dos mamoeiros, que também cor- assistência técnica. projetos da mercado por atacadistas e outros agentes outros municípios, como Araguari, em rem o risco de contaminação por produto “O técnico exige Cooperafi em urbanos tornara a mercadoria produzida Minas Gerais. Foi quando a fruticultura químico. “Se ficam feios, ninguém com- determinada postu- parceria com a pelos agricultores familiares cada vez mais tornou-se um atrativo e revigorou a so- pra”, completou. ra dos agricultores, UFG barata, acarretando agravante econômico brevivência desses camponeses. No en- A agricultura convencional, com a mas não nota que para todo o município. tanto, no que tange ao modo de produzir, “revolução verde”, foi fortemente marca- muitas vezes nos da pelo modelo difusionista de transmis- falta recurso ou Altair e Aldete, da zona rural de Itapuranga, produzem frutas, hortaliças e leite são de conhecimento. Na época, essa foi mão-de-obra”, re- a ‘pedagogia’ (entendida aqui como for- clamou Altair Souza, no alpendre de sua humana organizada para produzir tecnolo- mação dos seres humanos para atuarem casa, quando Ricardo Camargo, o agrôno- gia e modos de produção no campo que, É chamada “revolução verde” a ação que complemen- política pública entre 1975 e 1979, com a segunda ver- com base em determinada visão de mun- mo que acompanhou a equipe de reporta- de forma gradual, considerem as bases da tava o pacote estadunidense de políticas públicas para a são do Plano Nacional de Desenvolvimento (PND). do) que acompanhou as vendas de adubos gem pela estrada, tocou no assunto. “De agroecologia, bem como as características América Latina, iniciado na década de 1950, que mecani- Guiava a República Federativa do Brasil, na ocasião, o químicos, agrotóxicos e maquinários. As- fato, não conseguimos fazer sempre o que ambientais locais e os saberes acumulados zou a produção agrícola e transformou latifúndios oligár- general Ernesto Geisel, que ensaiou uma terceira “Mar- sim, as técnicas oriundas de um processo os agrônomos querem”, opinou Selma Ma- pelos povos. Vale destacar que por tecno- quicos em grandes empresas exportadoras. Esse processo, cha para o Oeste” (depois de Getúlio Vargas e Juscelino de mecanização, até a década de 1960 es- ria, na mesma roda de conversa. De acordo logia se entende o resultado da interação “Revolução verde” no entanto, não foi pontual nem linear. Jacques Chon- Kubitschek), com incentivo à ocupação dos territórios tranhas aos agricultores familiares, pene- com Ricardo, os profissionais, em contra- entre os seres humanos e a natureza, que se chol, pensador chileno, delimita ter sido o auge da revo- “vazios” e “sem vida” no Cerrado e na Amazônia. traram bruscamente nas culturas diversas, partida, têm reconhecido a necessidade de desdobra em um “saber fazer” e/ou em uma lução verde o ano de 1975, dos países asiáticos e africanos Na ocasião, foi comum confrontar, a partir da te- muitas vezes com o apoio e o fomento do redimensionar sua prática. “O homem do ferramenta para esse “fazer”. aos latino-americanos. Esta década, no entanto, viveu a oria da dependência, o mundo rural e o urbano. Sen- próprio Estado. Com o tempo, costumes campo, em sua relação com a terra, já de- A partir dos anos 2000, por influên- consequência de um processo de “modernização” das prá- do este último uma suposta consequência do primeiro, “estrangeiros” passaram a ser incorpora- senvolve o seu saber. É necessário, assim, cia das convenções ambientalistas e de ticas camponesas que começou antes mesmo da eclosão da primitivo, que deveria receber toda a “luz” da ciência dos à visão de mundo dos camponeses, adotar uma metodologia de trabalho cons- um contexto global de rearranjo das bases Segunda Guerra Mundial, nos anos de 1930, na Europa, e toda a intervenção da vida moderna. Em outras pala- como por exemplo o uso de agrotóxicos, trutivista”, informou. capitalistas, a agroecologia passou a ser quando se constatou que uma parcela do mundo tinha o vras, o tratamento mecanicista dado ao campo foi con- mencionado por Altair. considerada alternativa de produção em problema de excedente de alimentos e outra, ainda maior, siderado um “avanço”. O Brasil é o país que mais consome todo o mundo. Novas teorias multidis- padecia com fome. No entanto, para as pessoas que vivem no campo, esse tipo de produto em todo o mundo ciplinares foram experimentadas e reco- O processo de “modernização” da agricultura brasi- a “modernização” trouxe várias formas de violência e e, conforme o Movimento dos Pequenos mendadas. No Brasil, a Política Nacional leira foi realizado sob o argumento do aumento da pro- miséria, desde a simbólica até a física, como comentou Agricultores (MPA), cada cidadão ingere, de Assistência Técnica e Extensão Rural dução e da oferta de trabalho. Era predominante a ideia José de Souza Martins em 2000, durante o encerramen- por ano, o equivalente a 5,2 kg de vene- (PNATER), proposta em 2003, reverbe- de que o caminho para o crescimento do país e para a to do X Congresso Mundial de Sociologia Rural: “Des- no, indiretamente, através dos alimentos. rou esse pensamento. distribuição igualitária de renda deveria passar pela in- de os anos 70, a modernização forçada do campo e o Iniciativas como a Campanha Permanen- No entanto, conforme alerta o professor dustrialização. Em busca de uma produtividade em larga desenvolvimento econômico tendencioso e excluden- te Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, da EA, Gabriel Medina, é preciso que a as- escala para o abastecimento do mercado de commodities te nos vêm mostrando que esse modelo imperante de encabeçada pela sociedade civil brasileira sistência técnica evite o risco de reproduzir o Ricardo Camargo acredita na possibilidade de (mercadoria em estado bruto), o país investiu, também, desenvolvimento acarretou um contradesenvolvimen- e lançada em 2011, sinalizam o rumo em difusionismo do passado. Sua sugestão é que, uma assistência técnica colaborativa em máquinas, sementes melhoradas e insumos. to social responsável por formas perversas de miséria que caminham as “tendências” do século no momento das orientações sobre como Essa transformação foi intensificada na forma de antes desconhecidas em muitas partes do mundo”. XXI. Combater os “pacotes” da agricultu- produzir, leve-se em conta o agricultor, sua ra moderna é consenso entre movimentos E é desta forma que a EA vem pronun- história, seu pensamento, suas práticas coti- sociais, associações, cooperativas e agricul- ciando a expressão “transição agroecológi- dianas e suas preferências. Até mesmo porque tores. No entanto, para que essa dependên- ca”. Grosso modo, a transição agroecológi- há questões relacionadas a mão-de-obra e fi- cia de insumos seja superada, é necessário ca pode ser compreendida como uma ação nanças que podem impedir, por mais que se Pág 40 - Afirmativa Afirmativa - Pá g 41
  • 3. AGROECOLOGIA AGROECOLOGIA Foto: Cooperafi queira, que a agroecologia vigore totalmente. a agricultura convencional, mais pratica- Por esse motivo, o professor Gabriel de Goiás (UEG) e integrante do projeto da so às fontes de água “Partimos da hipótese de que novas da, e a agroecologia, por muitos desejada. defende que a assistência deva ser ajusta- UFG em parceria com a Cooperafi, trata de corrente do terreno. práticas, mesmo as agroecológicas, terão Para tanto, conforme explicou o professor da. “Agora o projeto está selecionando as mantê-lo atualmente com mudas de abaca- De resto, adaptou- maior potencial de adoção e manutenção Gabriel, foram realizadas propostas de as- práticas que foram facilmente adotadas, te, graviola, cagaita, pitanga, açaí, cacau e -se bem às técnicas. quanto mais próximas forem das práticas sistência técnica que pudessem testar “sis- para concluir o desenho das propostas téc- cupuaçu. Já Bertolino optou por ampliar “Até ampliei minha convencionais e quanto mais gradual for temas de manejo do gado leiteiro, horticul- nicas adequadas a esse público”, conclui. sua área de SAF e reduzir a de hortaliças. área de pasto. Estou a mudança promovida”, escreveu o pro- tura agroecológica e arranjos de espécies “Não tinha muito tempo para me dedicar agora com três hec- Sistema agroflorestal – Em 2006, Berto- a tudo”, complementa. Em sua visão, o que tares e 13 piquetes”, lino João descobriu ter ideias similares às é plantado no SAF tem utilidade em todo completou. dos pesquisadores e estudantes da EA. “Há o restante de sua produção, podendo con- Conforme PRV sugere divisão de pastos para promover a recuperação do capim muito tempo queria produzir sem degradar a verter-se em medicamento para seu gado. pesquisa da EA, ape- Foto: Cooperafi natureza. As ideias coincidiram”, confirma. “Tenho uma receita que serve de vermífugo nas 7% das famílias Ele notava a dificuldade em lidar com pragas para as vacas: pego o caule do mamoeiro e Trata-se da maior fonte de energia do ani- lograram executar todo o sistema proposto. frequentes nas pequenas lavouras, além de trituro junto com a cana”, exemplifica. mal. “Quanto melhor a qualidade do pasto, Além da irrigação, outro fator de dificuldade plantas cada vez mais desnutridas. Também melhor o aproveitamento do animal, maior para os agricultores é a realização de análi- observava constante dificuldade em recupe- Manejo de pasto – A produção leiteira em a produção de leite por animal e menor o se do solo. Há, ainda, problemas técnicos, rar a vegetação nativa em áreas muito de- Itapuranga, assim como em todo o Vale do custo com ingredientes extras, como ração conforme exemplifica Tatiane, que acompa- vastadas, como margens de rios. Conforme Rio Vermelho, é altamente praticada pelos e silagem”, explicou Tatiane durante o se- nhou dez famílias: “O que também afetou o narrativa de Joel Marin, para combater tal agricultores. Em pesquisa recentemente re- minário “O Mundo da Agricultura Fami- sucesso do PRV foram as sementes, que não desequilíbrio e atender às frequentes de- alizada, a equipe coordenada pelo professor liar”, realizado na EA em junho de 2011. germinaram de acordo com o esperado. Em mandas de agricultores, como Bertolino, foi Gabriel entrevistou 144 famílias na região Em Itapuranga, como as propriedades algumas propriedades foi necessário fazer um proposto criar “unidades de experimentação e constatou que, dessas, 109 têm como úni- não dispõem de vastos espaços para pastos, segundo plantio”. sobre os processos de produção agroecológi- ca fonte de renda o gado, seis intercalam o trabalho feito entre camponeses e univer- O que mais gerou custos e, consequen- ca de frutíferas e hortaliças, sistemas agro- a produção de leite com a horticultura e 21 sidade partiu do loteamento de pequenas temente, resistência entre os agricultores florestais, resgate de sementes crioulas, co- (estando boa parte destas em Itapuranga) áreas, conhecidas como “piquetes”, dividi- foi a necessidade de mais mão-de-obra do berturas vegetais para recuperação do solo, investem também em fruticultura. “Apenas das na extensão de um hectare e separadas que no sistema convencional. Com base manejo racional de pastagens e técnicas de três agricultores têm sistemas de produção por cerca elétrica. O sistema implantado em dados apresentados pelo professor Ga- compostagem orgânica e biofertilizantes”. altamente diversificados, incluindo gado foi o pastoreio racional voisin (PRV), rea- briel, um hectare de pasto organizado con- A fruticultura passou por etapas de de leite, horticultura e fruticultura”, apon- lizando análise do solo, preparação do ter- forme o sistema voisin, em seu processo “adubação verde”, complementação de ta artigo do grupo a ser publicado no livro reno com adubação orgânica e alternância de implantação, exige aproximadamente nutrientes e formação de um pomar. A Agricultura Familiar em Goiás, editado pela do uso do pasto pelo animal entre um e três quatro diárias de trabalho a mais. Ao longo horticultura foi reforçada por uma aduba- UFG e pela Cooperafi (no prelo). dias. Conforme explica Ricardo Camargo, do ano, a diferença foi de 42 diárias, o que Feira livre realizada pelos trabalhadores rurais e pelos agricultores familiares de Itapuranga: variedade e fartura ção com biofertilizantes, além de promover Por essa razão, o manejo de pasto foram realizadas as seguintes etapas: “aná- levou os agricultores a trabalharem mais de rotação de culturas e substituir os venenos é uma técnica almejada pelo agricultor. lise de solos, calagem da área, gradeamen- oito horas diárias, já que em muitos casos por nim, pimenta, alho e calda bordale- to, plantio de capim houve dificuldade para arcar com os custos fessor para um trabalho apresentado no para a recuperação de margens de rios”. sa. Os sistemas agroflorestais (SAFs), por e leguminosas, ins- da contratação de diaristas. VIII Congresso Latino-Americano de So- A conclusão da pesquisa sinaliza para sua vez, consistiam em formar viveiros de talação dos piquetes Ainda assim, os agricultores aceitaram ciologia Rural, realizado em 2010. O an- uma construção conjunta de práticas de plantas que intercalassem leguminosas, dividindo o pasto, ir até o fim do processo, vislumbrando re- tecessor de Gabriel Medina, Joel Marin, transição, tendo em vista que não há ho- árvores nativas do Cerrado e frutíferas em instalação do siste- torno para o futuro. A expectativa calcula- demonstrou ter a mesma consideração mogeneidade na recepção das técnicas uma mesma área. Cada SAF foi montada ma elétrico e insta- da é que a remuneração por dia de trabalho quando, em 2009, escreveu em publicação agroecológicas. No que se refere à adu- conforme os interesses dos agricultores e, lação do sistema de no sistema convencional seja de R$ 18,42 e organizada pela Pró-reitoria de Extensão e bação do terreno para a horticultura, por para dar-lhes suporte, houve o momento de água”. que no PRV suba para R$ 41,41. Cultura (Revista UFG, dez/2009, ano XI, exemplo, 100% dos agricultores atendidos troca de sementes crioulas de milho, feijão, Bertolino João Para a equipe da UFG, os resultados n. 7) que “as experiências humanas não pela UFG demonstraram interesse em usar arroz, mandioca, batata–doce, pimentas, cumpriu quase todos foram compensatórios, tendo em vista que podem ser desperdiçadas”. como adubo composto orgânico e esterco abóbora, melancia, melão, cabaça etc. os passos, deixando houve melhoria na qualidade da alimen- Sob essa premissa, as famílias de Al- bovino, pelo fato de serem materiais dispo- A manutenção dos SAFs ficou a car- temporariamente tação do animal e no aproveitamento das dete e Altair, Ridinalva e Bertolino, bem níveis e de fácil preparo. No entanto, para go de cada agricultor, de acordo com suas o sistema de água. pastagens. Tatiane ressaltou ainda o be- como outras 30 famílias de agricultores, fo- controlar pragas aéreas, 30% das famílias possibilidades. Altair Souza, que teve seu “É muito caro”, co- nefício da independência: “os produtores ram acompanhadas por técnicos da UFG e não aceitaram usar a calda de pimenta, viveiro organizado pela própria filha, Ta- mentou, indicando trocaram informações entre si e, muitas da Cooperafi, entre 2006 e 2010, para que solução natural, alegando que um produto tiane Ferraz, estudante do curso de Ciên- que deixou apenas vezes, executaram as tarefas sem a presen- fosse detectada a “distância técnica” entre químico seria de mais fácil aplicação. cias Biológicas da Universidade Estadual corredores de aces- ça dos técnicos”. Harmonia entre o meio ambiente e o trabalho humano caracterizam as condições de vida no antigo povoado do Xixá Pág 42 - Afirmativa Afirmativa - Pá g 43