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U N I V E R S I D A D E D E A R A R A Q U A R A
P S I C O P A T O L O G I A
Curso de Graduação em Psicologia
Prof. Fábio de Carvalho Mastroianni
2
PARTE I - Conceitos Básicos
1 - Psicopatologia e Semiologia dos Transtornos Mentais 3
PARTE II - As Funções Psíquicas e suas Alterações
1 - A Consciência e suas alterações 7
2 - A Atenção e suas alterações 9
3 - A Orientação e suas alterações 10
4 - A Sensopercepção e suas alterações 11
5 - A Memória e suas alterações 13
6 - O Pensamento e suas alterações 17
7 - O Juízo e suas alterações 19
8 - A Afetividade e suas alterações 22
9 - A Vontade, a Psicomotricidade e suas alterações 25
10 - A Linguagem e suas Alterações 28
11- A Consciência do eu e suas alterações 30
PARTE III – As Grandes Síndromes Psiquiátricas
1 - Esquizofrenia e outros transtornos psicóticos 35
2 - Transtornos do Humor (Afetivos) 45
3 - Transtornos Orgânicos 55
4 - Transtornos de Ansiedade 53
5 - Transtornos relacionados ao uso de substâncias 75
6 - Transtornos relacionados à alimentação 81
7 - Transtornos não-orgânicos do Sono 88
8 - Transtornos relacionados ao gênero e ao comportamento
sexual 96
9 - Transtornos de Personalidade 107
10 - Transtornos de Sintomas Somáticos 114
Referências 125
3
PARTE I - Conceitos Básicos
1 - Psicopatologia e Semiologia dos Transtornos Mentais
Semiologia em saúde é o estudo dos sinais e sintomas das doenças, que
permite ao profissional ordenar os fenômenos observados, formular diagnósticos
e empreender terapêuticas. Semiologia = ciência dos signos; seu elemento nu-
clear é o signo. Signo = é um tipo de sinal, qualquer estímulo emitido pelo objeto
estudado, p.ex.: Coriza = sinal/signo de resfriado, gripe, entre outros; Esqueci-
mentos, falhas de raciocínio, senilidade = sinal/signo de demência; Ouvir vozes =
sinal/signo de alucinação. Em psicopatologia, sinais são os comportamentos
objetivos, verificáveis pela observação direta do paciente (objeto do estudo), des-
te modo, pode-se separá-los em: Signos - sinais comportamentais objetivos e
Sintomas - vivências subjetivas relatadas, comunicadas pelo paciente, ou então:
(sintomas objetivos) = aquilo que é observado pelo examinador e (sintomas sub-
jetivos) = aquilo que é percebido apenas pelo paciente, relatado por ele.
A Semiotécnica é o processo específico (procedimento) de observação e
coleta de sinais e sintomas e sua correspondente interpretação, enquanto que as
Síndromes podem ser definidas como: conjunto, agrupamentos relativamente
constantes e estáveis de determinados sinais e sintomas – descrição momentâ-
nea ≠ doença específica. De modo geral, define-se Psicopatologia como o con-
junto de conhecimentos referentes ao adoecimento mental do ser humano, é a
ciência que trata da natureza essencial do transtorno mental.
A psicopatologia tem parte de suas raízes na tradição médica e outra na
tradição humanística (filosofia, artes, psicanálise, psicologia), contudo é uma ci-
ência autônoma, não é um prolongamento da Neurologia nem da Psicologia. É
uma ciência básica que serve de auxilio a outras práticas, psiquiatria por exem-
plo. Sendo ciência, é diferente de dogma, pois não julga moralmente o objeto e,
por ser ciência, possui seus limites, pois não se pode compreender ou explicar
tudo o que existe em um homem por meio de conceitos psicopatológicos. A psi-
copatologia é tida, portanto, como: uma das abordagens possíveis de se compre-
ender o homem mentalmente doente, mas não a única e exclusiva.
Os sintomas possuem dois aspectos básicos: a forma, que é a estrutura
básica, semelhante a todos os indivíduos, por exemplo: delírio, ansiedade; e o
conteúdo, que é aquilo que preenche essa estrutura (pessoal), por exemplo:
conteúdo de culpa, perseguição, medo de elevadores ou de sangue entre outros.
Os conteúdos estão ligados à história de vida do paciente, sua cultura e persona-
lidade. Neste sentindo, juntando os dois aspectos pode-se observar fenômenos
ou sintomas tais como: delírio de ciúmes, de perseguição, etc.
Transtorno Mental x Normalidade
O conceito de normalidade em psicopatologia impõe a análise do contex-
to sociocultural. Existem diversos critérios de normalidade e anormalidade em
psicopatologia, dependendo para a adoção destes a opção filosófica, ideológica e
pragmática de cada profissional. A seguir listar-se-á diversos critérios (insuficien-
tes) utilizados ao longo dos tempos para se definir o que é ou não, ser normal. O
critério de ausência de doença é um deles, porém, o próprio critério já se mostra
contraindicado, uma vez que se trata de uma definição negativa, onde “ser nor-
mal é não ser....”. O critério ideal também é bastante subjetivo e além de ser
utópico, depende do que determinada cultura define como padrões de idealiza-
ção. Não obstante, este critério pode gerar graves exclusões, segregando àque-
les que não conseguem atingir estes ideais aspirados e almejados.
4
Outro critério que já foi bastante utilizado e em algumas condições ainda
é usado é o critério estatístico, onde àqueles que apresentam determinadas
características em maior frequência são considerados “dentro da faixa da norma-
lidade” e as minorias, que apresentam determinadas características com menor
frequência, estariam fora desta faixa e, portanto, considerados anormais e por
conseguinte, excluídos. Outra definição ou critério utópico seria o de bem-estar,
uma vez que um completo bem-estar em diversas áreas, com ausência de confli-
tos também parece distante, além de oferecer margens à subjetividade. Com
relação à subjetividade que estes critérios podem gerar, é interessante observar a
definição de dois conceitos chave em psicopatologia.
Em saúde mental, este tema é bastante complexo e muito já se foi discu-
tido, uma vez que a existência de diagnósticos, de certo modo, sempre favoreceu
e favorecerá exclusões. No entanto, é possível encontrar manuais específicos
que sugerem alguns critérios sintomáticos para determinados tipos de transtorno
mental, como por exemplo, a CID (Classificação Internacional de Doenças) e o
DSM (Manual diagnóstico de Saúde Mental). Em psicopatologia, é muito impor-
tante, e útil, considerar também como o indivíduo portador de um transtorno men-
tal se relaciona com seu(s) sintoma(s).
Verifica-se que a percepção que o indivíduo, supostamente portador de
um transtorno mental, possui a respeito de sua condição é muito variável, sendo
possível que ele possa estar sofrendo e provocando sofrimento a outros indiví-
duos, sem se quer perceber esta disfuncionalidade. Um exemplo bastante prático
é não muito difícil de imaginarmos é um sujeito dependente de álcool que já de-
senvolveu problemas de saúde e envolvimento com situações de risco para e si
para outros e não pondera que este uso esteja lhe sendo disfuncional ou está lhe
trazendo prejuízos. Sob estas condições, um importante denominador, é avaliar
como o sujeito se encontra ou se relaciona com o seu sintoma.
Quando os sintomas apresentados pelo paciente estão em sintonia e co-
adunam com a imagem e com a representação que o indivíduo tem sobre si
mesmo, utilizamos a expressão egossintônico, ou seja, neste caso o indivíduo
considera que seus impulsos, expressões e atitudes correspondem com a per-
cepção que ele tem de si e, portanto, ele não se perturba com estes aspectos.
Seu oposto, ou seja, quando os sintomas, expressões, impulsos ou comporta-
mentos contrariam e perturbam o indivíduo, o qual sente que algo em si não cor-
responde à sua imagem pessoal, utilizamos a expressão egodistônico.
Voltando então ao exemplo acima – onde o sujeito é dependente de ál-
cool e já desenvolveu problemas de saúde e envolvimento com situações de risco
para e si para outros e não pondera que este uso esteja lhe sendo disfuncional ou
está lhe trazendo prejuízos – pode-se considerar que este indivíduo está egos-
sintônico em relação aos sintomas da dependência de álcool. Outro indivíduo
com sintomas idênticos ou este mesmo indivíduo em um momento distinto de sua
vida ou do tratamento, pode vir a apresentar crítica em relação à sua condição e
passar a considerar a necessidade de modificar estas atitudes, pois agora ele já
não mais considera que estas expressões e comportamentos (sintomas) condi-
zem com a imagem ou representação que ele possui sobre si, neste caso pode-
se dizer que o sujeito está egodistônico em relação ao seu transtorno.
Mesmo os referidos manuais, como se poderá ver durante todo o curso,
não devem ser vistos como sentenças ou considerações definitivas sobre os
transtornos mentais. Prova disso é que eles precisam passar por revisões perió-
dicas, a CID, por exemplo, está na sua 10ª edição e uma nova edição deverá ser
em breve apresentada. Já o DSM, passou pela última revisão em 2013, sendo
lançado no Brasil (versão traduzida) no ano de 2014 a 5ª edição do manual. De
modo geral, para se diferenciar um sintoma entre normal ou “anormal”, deve-se
ponderar três critérios básicos, não tendo sido fácil, segundo Durand e Barlow,
(2011), chegar a esta definição:
5
 Envolve uma disfunção psicológica (alteração emocional, comportamental
e/ou cognitiva)
 Causa desconforto, angústia e acarreta prejuízos sociais e ocupacionais
 Se apresenta fora do contexto sociocultural do indivíduo
O Diagnóstico em Psicopatologia
Em termos éticos e práticos, qual é o valor ou a importância de um diag-
nóstico psicopatológico? Ele é sem valor, serve apenas para “rotular” as pessoas
consideradas “diferentes”, “excêntricas” ou ele auxilia a prática, a compreensão e
à definição de estratégias terapêuticas? O que é psicodiagnóstico? Psicodiag-
nóstico são construtos/ideias que servem para conhecer o objeto, no caso, o
paciente. Deve-se diferenciá-lo da realidade do paciente, pois por mais completo
que seja, nenhum instrumento ou conjunto de instrumentos são suficientes para
apreender a realidade de um indivíduo. Além disso, nenhum diagnóstico clínico é
capaz de definir um ser humano em sua essência, correndo-se o risco do diag-
nóstico se transformar em uma forma de rotulá-lo.
O psicodiagnóstico se baseia nos dados clínicos, composto por sinais e
sintomas avaliados no momento da entrevista. Constitui-se de dois aspectos es-
senciais: a) os dados clínicos momentâneos (exame psíquico) e b) os dados
clínicos evolutivos (anamnese, história pregressa do transtorno). Neste sentido,
deve ser pluridimensional, considerando o maior número possível de fatores e
aspectos associados. A antiga versão do DSM (DSM-IV e DSM-IV R) utilizava o
diagnóstico pluridimensional baseado num sistema multiaxial composto de 5 par-
tes: o dados de saúde mental (1); nível de inteligência e disfuncionalidade da
personalidade (2); os dados de saúde clínica (3); fatores psicossociais associa-
dos (4) e nível de funcionalidade psicossocial (5), conforme quadro abaixo:
Eixo 1 Diagnóstico do Transtorno Mental
Eixo 2 Diagnóstico de personalidade e do nível de inteligência
Eixo 3 Diagnóstico de transtornos somáticos associados
Eixo 4 Problemas psicossociais e eventos da vida desencadeantes ou
associados
Eixo 5 Avaliação Global do Nível de funcionamento Psicossocial (AGF)
Exemplo clínico: Eixo 1 – Síndrome de dependência de álcool
Eixo 2 – Personalidade histriônica
Eixo 3 – Cirrose hepática alcoólica
Eixo 4 – estressores psicossociais – desemprego contí-
nuo, dependência financeira, abandono familiar
Eixo 5 – Funcionamento adaptativo atual avaliado em 25,
grave dependência dos serviços clínico e social
Na versão atual (DSM-5) o sistema multiaxial foi abandonado, de qual-
quer forma, fatores psicossociais e contextuais importantes continuam sendo
feitos em anotações separadas. A escala AGF ou GAF (eixo 5 ) foi excluída devi-
do à ausência de clareza conceitual e psicometria questionável na prática cotidia-
na (subjetividade envolvida). A nova edição buscou uma harmonização com a
CID-11 (próxima), pois a existência de duas classificações distintas dificulta a
coleta e o uso de estatísticas nacionais de saúde, complicando também as tenta-
tivas de replicar resultados científicos entre países. A maioria das diferenças pro-
6
eminentes entre as classificações do DSM e da CID não reflete, necessariamen-
te, diferenças científica reais, mas representa subprodutos históricos de proces-
sos de comitês independentes.
A Avaliação em Psicopatologia
A entrevista e a observação são os principais instrumentos de conheci-
mento. A entrevista permite a avaliação de 2 (dois) importantes aspectos: a) o
aspecto evolutivo, composto com o histórico dos sintomas e sinais, antecedentes
pessoais, familiares e do meio social, podendo eles serem também coletados
através de uma anamnese; b) os aspectos momentâneos ou atuais, que se refere
ao exame do estado mental atual, ou seja, o exame psíquico das funções men-
tais. No entanto, uma avaliação psicopatológica não limita somente a estes ins-
trumentos, muitos outros compõem este tipo de avaliação, entre eles: a avalia-
ção física, que pode ser feita tanto pelo psiquiatra, quanto pelo clínico geral; a
avaliação neurológica, que visa identificar topograficamente uma possível lesão
ou disfunção no sistema nervoso central e/ou periférico; o psicodiagnóstico
complementar que pode ser realizado através de testes de personalidade, scree-
ning e inventários entre outros e; os exames complementares que podem ser
exames laboratoriais, de neuroimagem, de SPECT, entre outros.
A entrevista com o paciente configura-se em uma habilidade que reside
no “como” perguntar, no “quando” falar e no “evitar” falas ou comportamentos que
possam inibir a observação e análise do indivíduo avaliado. Deve-se privilegiar
uma relação empática, pois dependendo da situação o profissional vai falar muito
ou pouco, daí a importância de entrar em “sintonia” com o paciente, sabendo-se
se colocar no lugar dele, sem se confundir ou assumir papéis que não estejam
relacionados à função de entrevistador/avaliador. De modo geral, deve-se evitar:
posturas rígidas, estereotipadas; atitude neutra ou fria excessivas; reações exa-
geradamente emotivas ou que favoreçam falsas intimidades; comentários valora-
tivos ou julgamentos morais; pena ou compaixão; hostilidade; fala prolixa ou de-
masiadamente complexa, devendo-se também saber interromper de forma res-
peitosa o paciente quando o discurso se mostra improdutivo para a avaliação;
anotações, observando-se se estas incomodam o paciente.
O primeiro contato deve produzir no paciente uma sensação de confiança
e alívio do sofrimento, deve-se facilitar a fala do paciente, deixando-o “desabafar”
(catarse). É importante garantir sigilo e colaboração mútua, evitando-se pausas e
silêncios prolongados. Informações de parentes e terceiros podem ajudar a com-
preender melhor o quadro; assim como outros profissionais que já tiveram conta-
to com o paciente. Por fim, é válido também distinguir se os sinais ou sintomas se
configuram em dissimulação ou simulação. A primeira é o ato de negar ou es-
conder voluntariamente a presença de sinais e sintomas psicopatológicos, já a
segunda é a tentativa de criar, apresentar, como o faria um ator, voluntariamente
um sintoma, sinal ou vivência que de fato não o tem.
As Funções Psíquicas
O estudo das funções psíquicas, embora realizado de forma isolada, é
apenas uma forma didática e útil para um estudo aprofundado e detalhado. Desta
forma, a separação das funções deve ser considerada apenas em termos práti-
cos e não como modo de se compreender um indivíduo em sua totalidade. Deve-
se considerar que não existem funções psíquicas isoladas, é a pessoa inteira que
adoece e não uma função. São consideradas as funções psíquicas: a) Consci-
ência; b) Atenção; c) Orientação; d) Memória; e) Sensopercepção; f) Pensa-
mento; g) Juízo; h) Vontade e psicomotricidade; i) Afetividade; j) Linguagem
e k) as funções compostas: consciência e valoração do eu; personalidade e
a inteligência.
7
PARTE II - As Funções Psíquicas e suas Alterações
1 - A Consciência e suas alterações
Consciência significa com conhecimento / com ciência. Do ponto de vista
neuropsicológico, a consciência é o estado de estar desperto, acordado, vigil,
lúcido. Do ponto de vista psicológico, a consciência é: a dimensão subjetiva da
atividade psíquica do sujeito que se volta para a realidade. É a capacidade do
indivíduo de entrar em contato com a realidade, perceber e conhecer seus obje-
tos. Dentro desse processo, destacam-se duas formas de orientação da consci-
ência: a consciência do eu: conhecimento que temos de existirmos como indivi-
dualidade distinta das demais coisas do mundo e a consciência dos objetos:
conhecimento dos objetos que ocupam o campo da consciência.
A consciência não constitui algo imóvel, estático, mas sim em constante
movimento, que ao se voltar para a realidade demarca um campo: campo da
consciência:
Alterações normais da consciência – processos fisiológicos
Complementar ao estado de “plena consciência”, ou seja, o estado vigil,
existe o sono que juntos formam o ciclo sono-vigília. O sono é um estado de
consciência que pode ser dividido em 5 (cinco) estágios: a) Sono REM (movimen-
to rápido dos olhos) ou sono paradoxal ocupa de 20-25% do sono total, nele ocor-
re a maior parte dos sonhos em forma de histórias; b) Sono não-REM (movimento
não-rápido dos olhos) que pode ser divido em 4 estágios: estágio 1 - representa
uma transição da vigília para o sono e ocupa cerca de 5% do tempo gasto dor-
mindo, em adultos saudáveis; estágio 2 - caracterizado por formatos de ondas de
EEG específicos (fusos de sono e complexos K), ocupa cerca de 50% do tempo
de sono; estágios 3 e 4 - também conhecidos coletivamente como sono de ondas
lentas, onde se encontram os níveis mais profundos de sono, eles ocupam cerca
de 10-20% do tempo de sono. O sono REM ocorre ciclicamente durante a noite,
alternando-se com sono NREM a cada 80-100 minutos, aproximadamente.
Leituras Recomendadas
Básica:
DALGALARRONDO, Paulo. Aspectos Gerais da Psicopatologia. In:
DALGALARRONDO, Paulo. Psicopatologia e semiologia dos trans-
tornos mentais 2 ed. Porto Alegre: Artmed, 2000. p. 23-34.
DALGALARRONDO, Paulo. Avaliação do paciente e funções psíquicas
alteradas. In: DALGALARRONDO, Paulo. Psicopatologia e semiologia
dos transtornos mentais 2 ed. Porto Alegre: Artmed, 2000. p. 61-84.
CS
Sistema psíquico
Realidade ICS
8
Alterações “anormais” da consciência – processos psicopatológicos
As alterações podem ocorrer de forma quantitativa, ou seja, há um rebai-
xamento do nível de consciência do estado vigil (consciência) ao estado de não-
consciência. Entre as alterações quantitativas encontram-se:
a) Obnubilação da Consciência: há uma turvação da consciência, um
rebaixamento de leve a moderado do nível de consciência. Há dificuldade de
integrar as informações oriundas do ambiente, certa confusão; ocorre diminuição
do grau de clareza do sensório, com lentidão da compreensão e também, dificul-
dade de concentração;
b) Sopor: é um estado marcante de turvação da consciência, o paciente
pode ser apenas despertado por estímulo energético, sobretudo de natureza
dolorosa. Há um rebaixamento de moderado a grave do nível de
consciência. Nesta alteração, o paciente apresenta-se evidentemente sonolento,
com reações de defesa, mas sem ação espontânea.
c) Coma: é o grau mais profundo de rebaixamento da consciência, não é
possível qualquer atividade voluntária consciente, há ausência de qualquer indí-
cio de atividade consciente. A escala de coma de Glasgow é um dos inventários
mais conhecidos e utilizados para se medir a gravidade do coma entre: muito
grave; grave; moderado e leve. O rebaixamento do nível de consciência pode ser
observado em quadros tais como o Delirium
1
(enquadram-se aqui as alterações
tais como o estado onírico como a amência ou confusão mental).
As alterações podem ocorrer também de forma qualitativa, contudo, há
quase sempre um rebaixamento do nível de consciência nestas alterações, ainda
que mínimo; entre elas destacam-se:
1
Trata-se de uma síndrome etiologicamente não específica caracterizada por perturbações simultâ-
neas de consciência e atenção, percepção, pensamento, memória, comportamento psicomotor, emo-
ção e ciclo sono-vigília. Será melhor abordada em Transtornos orgânicos (CID) ou Transtornos
Neurocognitivos (DSM - 4º bimestre).
a) Estados Crepusculares: ocorre estreitamento transitório da consciên-
cia, com a conservação da atividade motora mais ou menos organizada. O paci-
ente pode executar uma série de atos coordenados e com certa finalidade, embo-
ra inconscientes, como por exemplo: andar sem destino, enfrentar situações
complexas como o sistema de transportes de uma grande cidade, fazer longas
viagens. Estas alterações surgem e desaparecem de forma abrupta e tem uma
duração variável, de poucas horas a algumas semanas, acompanhado de amné-
sia em relação às vivências. Em alguns casos podem ocorrer atos explosivos,
violência e descontrole emocional. Alguns autores utilizam o termo “estado se-
gundo” quando a alteração é ocasionada por fatores emocionais e estados cre-
pusculares quando as causas são orgânicas;
b) Dissociação da Consciência: há uma fragmentação ou divisão no
campo da consciência, ocorrendo perda da unidade psíquica comum do ser hu-
mano; ocorre em situações de grande ansiedade, como forma de lidar ou de se
defender da ansiedade (uma forma de se desligar da realidade). As crises nor-
malmente duram de minutos a horas e ocorrem com certa frequência nos qua-
dros de histeria. Sua manifestação mais frequente é o sonambulismo, uma forma
de dissociação a consciência;
c) Transe: dissociação da consciência que se assemelha a um sonhar
acordado, mas dele difere pela presença motora automática e estereotipada
acompanhada de suspensão parcial dos movimentos voluntários. Ocorrem ge-
ralmente em contextos religioso-culturais, porém, não se deve confundir o transe
religioso com o transe histérico, este último, patológico;
d) Estado hipnótico: é um estado de consciência reduzida e estreitada e
de atenção concentrada, que pode ser induzido por outra pessoa (hipnotizador).
É semelhante ao transe onde fenômenos podem ser induzidos, causando altera-
ções no indivíduo hipnotizado. É uma técnica refinada de concentração da aten-
9
ção e de alteração induzida da consciência, por isso considerada anormal, po-
rém, pode ser utilizada de maneira terapêutica.
2 - A Atenção e suas alterações
A atenção é a direção da consciência, o estado de concentração da ativi-
dade mental sobre determinado objeto:
A atenção pode ser de dois tipos: voluntária, que exprime concentração
ativa e intencional sobre um objeto ou espontânea, atenção suscitada pelo inte-
resse momentâneo, incidental que o objeto desperta, ou seja, involuntária. Com
relação à direção, a atenção pode ser externa, quando projetada para fora do
mundo subjetivo do sujeito, ou interna, quando se volta para os processos men-
tais, introspectiva, reflexiva. Além disso, a atenção possui amplitude, que pode
ser focal, quando se mantém concentrada sobre um determinado campo ou dis-
persa , quando não se concentra em um determinado campo, espalhando-se.
Com relação às propriedades da atenção, existe a tenacidade que é a
capacidade de fixar a atenção sobre determinada área ou objeto e a vigilância,
capacidade que permite o indivíduo mudar o seu foco de um objeto para outro.
Neste sentido, baseado nestas propriedades, se pode dividir a atenção em: a)
atenção sustentada, capacidade de manter a atenção sobre determinado objeto
e b) atenção seletiva, capacidade de selecionar estímulos e objetos específicos.
A atenção flutuante, apontada por Freud não está relacionada a estas proprie-
dades, trata-se de uma técnica utilizada na clínica psicanalítica que consiste em
deixar fluir livremente a atividade mental, consciente e inconsciente, suspenden-
do-se ao máximo as motivações, desejos e memórias.
Alterações da atenção
a) Hipoprosexia: há uma perda básica da capacidade de concentração e
da atenção em todos os seus aspectos, com fadigabilidade aumentada, dificul-
tando a percepção e a compreensão dos estímulos ambientais;
b) Hiperprosexia: é um estado de atenção exacerbada, há aumento
quantitativo da atenção, uma superatividade da atenção espontânea;
c) Distração: não se trata de um déficit de atenção, mas sim a uma su-
perconcentração sobre determinados conteúdos e inibição dos demais, diferente
Leitura Recomendada
Básica:
DALGALARRONDO, Paulo. A consciência e suas alterações. In: DAL-
GALARRONDO, Paulo. Psicopatologia e semiologia dos transtornos
mentais 2 ed. Porto Alegre: Artmed, 2000. p. 88-101.
CS
Objeto ICS
10
da distraibilidade, pois nela há aumento () da tenacidade e diminuição () da
vigilância, enquanto que na ...
d) Distraibilidade: há dificuldade ou incapacidade de se fixar ou se man-
ter em qualquer coisa que implique esforço produtivo, a atenção é muito facilmen-
te desviada, ocorrendo diminuição () da tenacidade e aumento () da vigilância.
3 - A Orientação e suas alterações
A consciência é a 1ª (primeira) função psíquica a ser avaliada e a orien-
tação é a melhor forma de avaliá-la. Trata-se da capacidade do indivíduo de se
situar quanto a si mesmo e ao ambiente. Obviamente, a orientação não é uma
função autônoma e depende de outras funções, principalmente a memória e a
sensopercepção. Denomina-se autopsíquica, a orientação em relação a si pró-
prio, enquanto que a capacidade de se orientar em relação ao mundo, ou seja,
quanto ao tempo e ao espaço, denomina-se alopsíquica. O processo de desori-
entação ocorre primeiramente em relação ao tempo, apenas com o agravamento
da desorientação é que esta se dá em relação ao espaço e por último em relação
a si mesmo, seguindo a seguinte ordem: Tempo  Espaço  Si mesmo.
Alterações da orientação
a) Desorientação por redução do nível de consciência: também co-
nhecida como desorientação toporosa ou confusa, é aquela em que o indivíduo
está desorientado por turvação da consciência, perdendo a capacidade de inte-
grar os estímulos ambientais;
b) Desorientação por déficit de memória: também conhecida como de-
sorientação amnéstica, é quando o indivíduo perde a capacidade de fixar as in-
formações, perdendo a noção do fluir do tempo e do deslocamento do espaço;
c) Desorientação Demencial: ocorre não apenas pela perda da memória
de fixação, mas pela perda e desorganização global das funções cognitivas, ocor-
re, portanto em quadros demenciais;
d) Desorientação Oligofrênica: ocorre em indivíduos com graves défi-
cits intelectuais, por dificuldade em compreender o ambiente, de reconhecer e
interpretar as normas sociais (calendário, horas, datas);
e) Desorientação Apática ou abúlica: ocorrem devido a uma marcante
alteração do humor e da volição, em indivíduos gravemente deprimidos, a falta de
interesse e motivação de investir energia no mundo e se ater aos estímulos am-
bientais os tornam, assim, desorientados;
f) Desorientação Delirante: ocorre em indivíduos que estão imersos em
um profundo estado delirante, é comum a dupla orientação, na qual a orientação
delirante (falsa) coexiste com a correta (real);
g) Desorientação Histérica: ocorre em quadros histéricos graves, ge-
ralmente acompanhados de alterações da identidade pessoal;
h) Desorientação por desagregação: ocorre em pacientes psicóticos,
geralmente portadores de esquizofrenia em estado crônico.
Leitura Recomendada
Básica:
DALGALARRONDO, Paulo. A atenção e suas alterações. In: DALGA-
LARRONDO, Paulo. Psicopatologia e semiologia dos transtornos
mentais 2 ed. Porto Alegre: Artmed, 2000. p. 102-108.
11
4 - A Sensopercepção e suas alterações
A sensopercepção é uma função importante na relação do indivíduo com
o mundo interno e externo (ambiente), didaticamente pode-se dividi-la em: a)
sensação – fenômeno gerado por estímulos físicos (luz, som, calor, pressão),
químicos (substâncias com sabor ou odor) ou biológicos variados, originados fora
ou dentro do organismo, que produzem alterações nos órgãos receptores, esti-
mulando-os e b) percepção – processo neuropsicológico de transformação de
estímulos puramente sensoriais em fenômenos perceptivos conscientes; é a to-
mada de conhecimento sensorial de objetos ou de fatos exteriores mais ou
menos complexos. A sensação é um fenômeno passivo, já a percepção é ativa.
A percepção é a construção de um percepto pelo sistema nervoso e pela
mente do sujeito que dá significado a uma experiência a partir da síntese dos
estímulos sensoriais, confrontados com experiências passadas registradas na
memória associadas ao contexto sociocultural em que o indivíduo se insere. A
percepção, portanto não é o resultado passivo do conjunto de estímulos sensori-
ais, mas sim recriações da mente de quem as percebe. Para melhor compreen-
der estes processo, é importante diferenciar imagem de representação.
Imagem e Representação
O elemento básico da sensopercepção é a imagem perceptiva real ou
imagem apenas; a imagem se caracteriza por: nitidez, corporeidade, estabilida-
de, extrojeção, ininfluenciabilidade voluntária e completude, enquanto que a re-
presentação (imagem representativa ou mnêmica) é a re-apresentação da ima-
gem na consciência, sem a presença real, externa do objeto, se caracteriza por:
pouca nitidez, pouca corporeidade, instabilidade, introjeção, e incompletude.
Quando a evocação da representação é feita de forma bastante precisa e muito
semelhante à percepção real, denominamos de imagem eidética (eidetismo).
Denominamos de pareidolias o fenômeno de perceber imagens visuais
voluntariamente a partir de estímulos imprecisos, como por exemplo: ver objetos
formados pelas nuvens. A imaginação, portanto seria uma atividade psíquica
voluntária que consiste na evocação de imagens mnêmicas (percebidas no pas-
sado) ou na criação de novas imagens (imagem criada), neste sentido, a fantasia
é um produto minimamente organizado da imaginação.
Alterações da sensopercepção
Pode-se dividir as alterações da sensopercepção em quantitativas e qua-
litativas, com relação às primeiras têm-se:
a) Hiperestesia: é a condição na qual as percepções se encontram
anormalmente aumentadas em sua intensidade ou duração, ocorre principalmen-
te em intoxicações por LSD ou após ingestão de maconha, cocaína, entre outras
substâncias psicodislépticas (alucinógenas, perturbadoras ou psicoticomiméti-
cas); já a hiperpatia é o aumento de uma sensação desagradável, como a sen-
sação de uma queimação dolorosa provocada por um leve estímulo da pele;
Leitura Recomendada
Básica:
DALGALARRONDO, Paulo. A sensopercepção e suas alterações. In:
DALGALARRONDO, Paulo. Psicopatologia e semiologia dos trans-
tornos mentais 2 ed. Porto Alegre: Artmed, 2000. p. 119-136.
12
b) Hipoestesia: é a condição na qual as percepções se encontram
anormalmente diminuídas em sua intensidade ou duração; ocorrem principalmen-
te em indivíduos depressivos que podem perceber o mundo circundante como
mais escuro, sem brilho, com cores pálidas, coisas sem sabores ou sem odores;
c) Anestesias táteis e analgesias: as anestesias táteis implicam na per-
da da sensação tátil em determinada área da pele; já a analgesia se refere à per-
da das sensações dolorosas de áreas da pele e partes do corpo. São denomina-
das de parestesias sensações táteis desagradáveis, embora não sentidas como
dor, descritas como “formigamentos, adormecimentos, picadas, agulhadas ou
queimação”. A Parestesia de Berger é a mais conhecida.
Com relação às qualitativas têm-se:
a) Ilusão: é a percepção deformada de um objeto real e presente; sem-
pre há um objeto externo real, mas a percepção é adulterada por
fatores diversos. Basicamente ocorrem nas seguintes condições: estado de re-
baixamento do nível de consciência; estado de fadiga grave ou inatenção mar-
cante e em alguns estados afetivos devido a sua intensidade, nestas situações,
elas são denominadas de ilusões catatímicas. As ilusões mais comuns são as
visuais e as auditivas;
b) Alucinação: é a percepção clara e definida de um objeto, sem que es-
te esteja presente, sem o estímulo sensorial respectivo. São mais comuns em
pessoas com transtornos mentais graves, mas podem ocorrer em pessoas que
não, necessariamente, os apresente. As alucinações se dividem em tipos, de
acordo com o órgão do sentido relacionado. As auditivas são as mais comuns
nos transtornos mentais, pode-se dividi-las em simples, nelas são ouvidos ape-
nas ruídos primários (cliques, burburinhos, zumbidos) e complexas, onde as mais
comuns são as audioverbais, na qual o indivíduo escuta vozes sem qualquer
estímulo real (presente). Geralmente as vozes insultam ou ameaçam o sujeito.
Outra possibilidade de alucinação auditiva, relacionada também com alte-
rações da consciência do eu, é a Sonorização do pensamento, que é uma vi-
vência sensorial de ouvir o próprio pensamento. Pode-se dividi-las em: a) eco do
pensamento – o paciente reconhece claramente que está ouvindo os próprios
pensamentos; b) sonorização de pensamentos como vivência alucinatório-
delirante – o paciente ouve pensamentos que foram introduzidos em sua cabeça
por alguém estranho, sendo agora ouvidos por ele, trata-se de uma vivência de
influência e c) publicação do pensamento – paciente tem a nítida sensação de
que as pessoas ouvem o que ela pensa no exato momento em que está pensan-
do, como se não houvesse barreiras entre o interno (eu) e o externo (mundo).
As alucinações visuais também se dividem em simples, também deno-
minadas de fotopsias, onde o indivíduo vê cores, bolas e pontos brilhantes ou
complexas, estas incluem figuras de pessoas, partes do corpo, entidades, objetos
inanimados, animais entre outros; podem incluir a visão de uma cena completa,
denominadas de alucinações cenográficas. Estas podem aparecer com perso-
nagens minúsculos entre objetos reais, denominadas de alucinações liliputia-
nas. Sempre que as alucinações ocorrerem em pessoas idosas, estado físico
geral ruim, em intoxicações/abstinência de álcool ou drogas deve-se aventar a
possibilidade de causa orgânica.
Nas alucinações táteis, o paciente sente espetadas, insetos ou peque-
nos animais correndo sobre sua pele, são frequentes alucinações táteis sentidas
nos genitais. As alucinações olfativas e gustativas geralmente são raras,
quando surgem são acompanhadas de forte conteúdo emocional, podendo estar
relacionadas a interpretações delirantes, por exemplo: “sinto cheiro de veneno de
rato na comida, pois estão tentando me envenenar” ou “sinto gosto de ácido na
comida, pois estão tentando me matar”. Outros tipos de alucinações, também
relacionadas aos sentidos, são as alucinações cenestésicas e cinestésicas.
Nas primeiras ocorrem percepções incomuns e claramente anormais em diferen-
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tes partes do corpo, por exemplo: sentir o cérebro diminuir, o fígado despedaçar,
uma víbora dentro do abdômen. Na segunda (cinestésicas), ocorrem percepções
alteradas de movimento do corpo, como por exemplo: sentir o corpo afundando, o
braço se elevando, entre outras.
Outro tipo de alucinação são as alucinações funcionais (em função de),
diferentes da ilusão em que apenas há a deformação de um objeto real e presen-
te, nestas o objeto real e presente (estímulo real) apenas desencadeiam a aluci-
nação, como por exemplo: o paciente começa a ouvir vozes assim que o chuveiro
ou a torneira da pia são abertos. Existem ainda as alucinações denominadas de
combinadas (sinestesias), estas são experiências alucinatórias com várias
modalidades sensoriais (visão, tato, audição...), por exemplo: o paciente vê uma
pessoa que fala com ele e que o toca, se relaciona.
Alucinações menos comuns são as alucinações extracampinas, estas
são alucinações experimentadas fora do campo sensoperceptivo usuais, por
exemplo: o paciente vê um objeto atrás de suas costas ou atrás de uma parede.
Também rara é a alucinação autoscópica, nestas o indivíduo vê a si mesmo,
fora do próprio corpo contemplando a si mesmo (fenômeno do duplo). Duas
formas de alucinações que podem ocorrer em indivíduos “normais” ou sem ne-
cessariamente serem portadores de um transtorno mental são as alucinações
hipnagógicas e hipnopômpicas. As primeiras se manifestam no momento em
que o indivíduo está adormecendo, enquanto que as hipnopômpicas ocorrem na
fase em que o indivíduo está despertando.
c) Alucinose: é o fenômeno pelo qual o indivíduo percebe tal alucinação
como estranha à sua pessoa, são acompanhadas de críticas pelo sujeito, reco-
nhecendo seu caráter patológico. Diferente da alucinação, nela falta a crença
nessa alucinação, ela é egodistônica, enquanto que a alucinação é egossintônica.
d) Pseudo-alucinação: embora se pareça com a alucinação, dela se di-
fere por não apresentar aspectos vivos e corpóreos de uma imagem perceptiva
real, por exemplo: “parece uma voz .... é como se fosse uma imagem ....”. Dife-
rente da alucinação falta a crença nessa alucinação, é também, egodistônica,
enquanto a alucinação é egossintônica.
5 - A Memória e suas alterações
A memória é a capacidade de registrar, manter e evocar os fatos já ocor-
ridos, relaciona-se intimamente com a consciência, atenção e o interesse afetivo.
É uma atividade altamente diferenciada do sistema nervoso, que permite ao indi-
víduo registrar, conservar e evocar a qualquer momento os dados aprendidos de
uma experiência. A memória é composta de 3 (três) fases ou elementos básicos:
a) fase de percepção, registro e fixação; b) fase de retenção e conservação; e c)
fase de reprodução e evocação. Para a formação das unidades de memória a
região do hipocampo (sistema límbico) é fundamental.
O processo de memorização está relacionado a diversos fatores psicoló-
gicos. Dividindo-se de acordo com cada fase citada acima, podem-se destacar os
Leitura Recomendada
Básica:
DALGALARRONDO, Paulo. A sensopercepção e suas alterações. In:
DALGALARRONDO, Paulo. Psicopatologia e semiologia dos trans-
tornos mentais 2 ed. Porto Alegre: Artmed, 2000. p. 119-136.
Filmes: Ray; O pescador de ilusões; Mente Brilhante, entre outros.
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seguintes fatores. Na fase de fixação, contribuem os seguintes aspectos: do
nível de consciência e do estado geral do organismo; da capacidade de manu-
tenção da atenção (tenacidade); da sensopercepção preservada; do interesse e
colorido emocional relacionado ao conteúdo (afetividade); do empenho e interes-
se do indivíduo em aprender (vontade); do conhecimento anterior e da capacida-
de de compreensão do conteúdo; da disposição temporal das repetições; dos
canais sensoperceptivos envolvidos (multicanais auxiliam na fixação).
Na fase de conservação, contribui para a memorização, a repetição e a
associação com outros elementos, enquanto que na fase de evocação, o esque-
cimento pode estar relacionado a fatores fisiológicos, devido ao desinteresse
ou desuso da informação e, por fatores psicológicos, ocasionado por repres-
são, as informações ficam estocadas no sistema pré-consciente; ou por recalque,
as informações ficam estocados no sistema inconsciente, segundo as contribui-
ções da Psicanálise. Além disso, a memorização é feita através de um processo,
este processo de memorização se divide em 3 fases:
a) memória imediata ou de curtíssimo prazo: capacidade de reter o
material imediatamente após ser percebido. Depende de fatores como a concen-
tração, a fadigabilidade e de certo treino – sua capacidade é limitada;
b) memória recente ou de curto prazo: capacidade de reter a informa-
ção por um período curto de tempo, de poucos minutos até meia ou uma hora –
sua capacidade também é limitada;
c) memória remota ou de longo prazo: é a capacidade de evocação de
informações e acontecimentos ocorridos no passado, meses ou anos – sua capa-
cidade é bem mais ampla que as anteriores.
Em caso de esquecimentos ou perda de memória, a regressão mnêmica
costuma seguir uma lei, conhecida como Lei de Ribot:: “a perda dos conteúdos
mnêmicos tende a ocorrer na ordem e no sentido inverso em que foram adquiri-
dos”. Do mais recente  para o mais antigo; do mais complexo  para o mais
simples; dos mais estranhos  para os mais familiares e dos mais neutros 
para os mais afetivos.
Tipos de memória
A) Memória Explícita ou Declarativa: nela há um processo consciente e
voluntário, por exemplo: evocar fatos ocorridos ou conhecimentos adquiridos.
Neste sentido, pode-se dividi-la em: a) memória episódica – recordação consci-
ente de fatos reais, por exemplo, “Ontem almocei com o meu amigo em um res-
taurante chinês” e b) memória semântica – recordação dos significados, inclui o
conhecimento dos objetos, por exemplo: Ontem = dia anterior a hoje; Amigo =
pessoa que gostamos e que confidenciamos intimidade; Restaurante chinês =
local especializado na culinária chinesa.
B) Memória Implícita ou Não-declarativa: é uma memória automática
ou reflexa, não depende de fatores conscientes e voluntários; manifesta-se em
ações motoras e em atividades que não podem ser expressas por palavras, por
exemplo: caminhar, andar de bicicleta, datilografar, tocar um instrumento.
C) Memória de trabalho (operante ou executiva): refere-se a um con-
junto amplo de habilidades cognitivas que permite que informações novas e anti-
gas sejam mantidas ativas a fim de serem manipuladas. É utilizada no exercício
de tarefas específicas, como pro exemplo: seguir a orientação de um endereço,
memorizar o número de um telefone e depois discar.
Alterações patológicas da memória
As alterações da memória podem ser divididas em quantitativas e qualita-
tivas. Com relação às primeiras têm-se:
15
a) Hipermnésia: mais do que uma alteração, é a aceleração do processo
de evocação, deve-se diferenciá-la de hipertrofia da memória. Esta alteração
ocorre em episódios de visão panorâmica da vida, denominada de ecmnésia,
outro tipo de alteração da memória, mas que é qualitativa;
b) Hipomnésia ou amnésias: é a perda da capacidade de fixar, manter
ou evocar antigos conteúdos mnêmicos. As amnésias podem ter dois tipos de
origem: a) amnésia psicogênica: há perdas de elementos mnêmicos que tem um
valor psicológico específico (valor simbólico, afetivo), tal conteúdo pode ser recu-
perado por um estado hipnótico por exemplo; b) amnésia orgânica: há perdas de
elementos mnêmicos relacionados a acidentes e doenças, de maneira geral se-
gue a Lei de Ribot. Já em relação aos tipos, as amnésias se dividem em: I) am-
nésia anterógrada: o indivíduo não consegue mais fixar elementos mnêmicos a
partir o momento em que ocorreu o dano/trauma (psicológico ou orgânico); II)
amnésia retrógrada: o indivíduo perde a memória para fatos ocorridos antes da-
no/trauma e III) amnésia retroanterógrada: há déficits para o que ocorreu antes e
depois do dano/trauma, conforme a ilustração acima.
Já nas alterações qualitativas, há uma deformação do processo de evo-
cação, entre elas, destacam-se:
a) Ilusões mnêmicas: há um acréscimo de elementos falsos a um nú-
cleo verdadeiro de memória a lembrança adquire um caráter fictício;
b) Alucinações mnêmicas: são verdadeiras criações imaginativas, o
conteúdo não corresponde a nenhum acontecimento de fato ocorrido. As alucina-
ções mnêmicas, junto às ilusões mnêmicas constituem o material básico para a
formação dos delírios (alteração dos juízos – capítulo 7);
c) Fabulações: as fabulações ou confabulações são invenções, produtos
da imaginação utilizados para cobrir vazios de memória. Não há intenção de
mentir ou de enganar, tanto é que elas podem ser induzidas, direcionadas pelo
examinador, diferentes, portanto, das anteriores, onde o indivíduo está “conven-
cido” de sua existência;
d) Criptomnésia: é o falseamento da memória, onde determinados con-
teúdos surgem como fatos novos. O indivíduo vivencia e conta histórias fortemen-
te conhecidas como se fossem suas. Trata-se de um processo que pode ocorrer
em alguns episódios de plágio;
e) Ecmnésia: é a revivescência intensa, abreviada e panorâmica de uma
recordação, o indivíduo revive uma lembrança de forma intensa e condensada,
como por exemplo no fenômeno da visão panorâmica da vida;
f) Lembrança obsessiva: é o surgimento espontâneo de imagens mnê-
micas passadas, que não podem ser repelidas conscientemente. Ocorre nitida-
mente em pacientes com transtorno obsessivo compulsivo.
Transtornos do Reconhecimento
Reconhecimento é a capacidade de identificar o conteúdo mnêmico como
lembrança e diferenciá-la da imaginação e de representações atuais. Algumas
alterações do reconhecimento podem ocorrer em estado de fadiga e não são,
Dano/Trauma
retrógrada anterógrada
retroanterógrada
16
necessariamente, patológicas, como por exemplo, o fenômeno do já visto (Dé-
jàvu), no qual o indivíduo tem a nítida impressão de que está vendo, ouvindo,
pensando ou vivenciando no momento, algo que já foi experimentado no passado
e o fenômeno do jamais visto, onde o indivíduo apesar de já ter passado por
determinada experiência, tem a nítida sensação de que nunca a viu, ouviu, pen-
sou ou viveu. De qualquer forma, tais alterações podem estar associadas a al-
guns transtornos mentais. Os transtornos do reconhecimento dividem-se em
dois grandes grupos: I) as Agnosias, de origem essencialmente cerebral e II) os
transtornos do reconhecimento associados aos transtornos mentais, sem
base orgânica definida.
a) Agnosias: são déficits do reconhecimento de estímulos sensoriais, ob-
jetos e fenômenos. Não podem ser explicados por déficits sensoriais, transtornos
da linguagem ou perdas cognitivas globais. De acordo com os sentidos, as princi-
pais formas de agnosia são: I) Agnosias táteis - ocorre uma incapacidade de
reconhecer as formas do objeto colocado nas mãos (astereognosia) ou há capa-
cidade de reconhecer as formas, mas incapacidade de reconhecimento global de
tal objeto. Na primeira não há reconhecimento das formas, na segunda o paciente
consegue descrever como o objeto é, mas não sabe qual objeto é apresentado;
II) Agnosias visuais - incapacidade de reconhecer os objetos visualmente, o
paciente os vê, descreve como são, mas não sabe o que são e, III) Agnosias
auditivas: incapacidade de reconhecer sons - não linguísticos (agnosia auditiva
seletiva) ou sons linguísticos (agnosia verbal).
b) Transtornos do reconhecimento associados aos transtornos men-
tais: estas síndromes podem ser consideradas tanto como transtornos do reco-
nhecimento como quadros delirantes ou transtornos da consciência do eu, entre
eles se destacam: I) Falso desconhecimento - o paciente não reconhece pes-
soas familiares ou muito próximas, dizendo jamais tê-los visto anteriormente; II)
Falso reconhecimento - também conhecida como síndrome de Frégoli, onde o
indivíduo identifica falsamente uma pessoa estranha como se fosse alguém de
seu círculo pessoal; III) Síndrome de Capgras - o paciente diz que a pessoa que
o visitou dizendo ser seu familiar é na verdade um sósia dessa pessoa, uma falsa
cópia e IV) Síndrome do duplo subjetivo - o paciente acredita que outra pessoa
transformou-se fisicamente a ponto de tornar-se idêntica a ela própria.
Leitura Recomendada
Básica:
DALGALARRONDO, Paulo. A memória e suas alterações. In: DALGA-
LARRONDO, Paulo. Psicopatologia e semiologia dos transtornos
mentais 2 ed. Porto Alegre: Artmed, 2000. p. 137-154.
Filmes: Amnésia; Visões de um crime; Como se fosse a primeira vez;
Procurando Nemo, entre outros.
17
6 - O Pensamento e suas alterações
O pensamento tem como função selecionar e orientar os dados do co-
nhecimento, tendo como objetivo alcançar uma integração significativa; é um tipo
de comportamento encoberto, mas que pode ser expresso e, portanto, observado
através da linguagem. O pensamento se constitui através de elementos sensori-
ais, que oferecem substrato para o processo de pensar: imagens perceptivas e as
representações. Os elementos que constituem o pensamento são: o conceito, o
juízo e o raciocínio.
Os conceitos se formam a partir das representações, porém, não apre-
sentam elementos de sensorialidade, não sendo possível contemplá-los, nem
imaginá-los. Trata-se de um elemento cognitivo e intelectivo, não é possível ouvi-
lo ou senti-lo; é o elemento estrutural básico e nele se exprimem apenas os ca-
racteres essenciais dos objetos e dos fenômenos. Para extraí-lo, é necessário
eliminar os caracteres de sensorialidade, devendo-se também ocorrer generaliza-
ção, ou seja, ele deve ser válido para todos os objetos. Por exemplo, “tente des-
crever qual é a função, o significado e como é um determinado objeto, sem re-
presentá-lo, apenas explicar através da linguagem verbal, sem apontar”.
O juízo é o processo que conduz ao estabelecimento de relações signifi-
cativas entre os conceitos básicos, é, portanto a relação entre dois conceitos, por
exemplo: Conceito (1) = cadeira; Conceito (2) = utilidade; Juízo = a cadeira é útil.
Linguisticamente, conceitos se expressam por palavras e juízos por frases ou
proposições. Outros exemplos podem ser encontrados em: Conceito (1) = mãe;
Conceito (2) = bebê; Juízo (1) = a mãe cuida do bebê ou neste: Conceito (3) =
cuidar de; Conceito (2) = bebê; Juízo (2) = os cuidados favorecem o desenvolvi-
mento do bebê. Já o raciocínio, é o processo que conduz ao estabelecimento de
relações significativas entre os conceitos e entre juízos.
Resumidamente, pode-se afirmar que conceitos formam juízos, juízos
conduzem a formação de novos juízos que formam o raciocínio. Por exemplo
nessa sequência: Conceito (1) = mãe; Conceito (2) = bebê Juízo (1) = a mãe
cuida do bebê; Conceito (3) = cuidar de; Conceito (2) = bebê; Juízo (2) = os cui-
dados favorecem o desenvolvimento do bebê. A relação significativa que se extrai
destes juízos formados por conceito é o raciocínio = Os cuidados maternos favo-
recem o desenvolvimento do bebê.
Alterações dos Elementos do Pensar
Em relação aos conceitos dois tipos de alteração são possíveis, estas
são mais facilmente observadas em paciente psicóticos, são elas: a) Desintegra-
ção dos conceitos: quando os conceitos perdem seu significado original, ou
seja, a ideia de determinado objeto e a palavra que normalmente a designa pas-
sam a não mais coincidir, por exemplo: Ateu = a teu comando = comandado de
Deus, invertendo-se, portanto o significado original e b) Condensação dos con-
ceitos: ocorre quando dois ou mais conceitos são fundidos em uma só ideia,
formação de neologismos por exemplo. Em relação aos juízos a sua alteração é
denominada de: c) Delírio: devido a sua importância no estudo das psicopatolo-
gias será posteriormente estudada de forma detalhada (capítulo 7).
Em relação ao raciocínio / pensamento diversas formas de alteração
podem ser observadas, entre elas:
a) Pensamento mágico: alteração que fere frontalmente os princípios da
lógica formal e da realidade; nela seguem-se os desígnios dos desejos, das fan-
tasias, adequando a realidade ao pensamento, ou seja, faz-se uma associação
puramente subjetiva de fatos objetivos;
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b) Pensamento dereístico: uma forma de pensamento mágico que se
opõe marcadamente ao pensamento realista. O pensamento obedece a lógica e
a realidade naquilo em que interessa ao sujeito, distorcendo a realidade para
adaptá-la aos seus anseios – a mitomania é um bom exemplo;
c) Pensamento concreto (concretismo): neste tipo de alteração não
ocorre a distinção entre a dimensão abstrata, simbólica e a dimensão concreta
imediata dos fatos. Não se consegue utilizar metáforas, ou seja, leva-se ao pé da
letra sem entender o que essa metáfora significa. Por exemplo, “tirar o cavalo da
chuva é entendido como uma necessidade de se retirar o animal da chuva, ao
invés do que a expressão culturalmente significa”;
d) Pensamento inibido: ocorre a inibição do raciocínio, com diminuição
da velocidade, tornando o pensamento lento e pouco produtivo;
e) Pensamento vago: a concatenação de conceitos e juízos em raciocí-
nio é feita de forma imprecisa, ocorrendo falta de clareza e precisão do raciocínio;
f) Pensamento prolixo: discurso que dá longas voltas ao redor do tema,
com dificuldade em obter uma construção direta, clara e acabada, falta a capaci-
dade de síntese. Nunca se chega ao ponto central, roda-se em cima do mesmo
tema, eventualmente, conclui-se o raciocínio;
g) Pensamento deficitário (oligofrênico): é um pensamento de estrutu-
ra pobre e rudimentar, os conceitos são escassos e utilizados de forma mais con-
creta do que abstrata;
h) Pensamento confusional: nesta alteração, devido à turvação da
consciência, apresenta-se um pensamento incoerente, que impede o indivíduo de
apreender de forma clara e precisa os estímulos ambientais e processar o seu
raciocínio, relacionado, portanto ao rebaixamento da função consciência;
i) Pensamento desagregado: pensamento radicalmente incoerente, os
conceitos e os juízos não se articulam, ocorre mistura aleatória de palavras sem
sentido, uma espécie de “salada de palavras” que nas alterações da linguagem
são denominadas de jargonofasia, esquizofasia, observada, portanto em paci-
entes psicóticos crônicos;
j) Pensamento obsessivo: nele predominam ideias ou representações
que, apesar de absurdas ou repulsivas, se impõem à consciência do indivíduo de
modo persistente e incontrolável, observada em quadros de Transtorno obsessivo
compulsivo (TOC).
O Processo do pensar
No processo do pensar distinguem-se três aspectos: o curso, a forma e
o conteúdo. O curso é o modo como o pensamento flui, a sua velocidade e o
seu ritmo ao longo do tempo, já a forma é a estrutura básica, sua “arquitetura”,
preenchida pelos mais diversos conteúdos, ou seja, é o modo como o pensamen-
to se “mostra se apresenta, seu formato”, enquanto que o conteúdo é aquilo que
dá substância ao pensamento, os seus temas predominantes, o assunto em si.
Cada um destes processos pode apresentar alterações que recebem denomina-
ções específicas. Algumas são semelhantes às alterações dos elementos do
raciocínio, estudas anteriormente, porém recebem nomenclaturas distintas por se
tratar de alterações também do processo, não se restringindo somente aos ele-
mentos. Com relação às alterações do curso, destacam-se:
a) Aceleração do pensamento (Taquipsiquismo): o pensamento flui de
forma muito acelerada, uma ideia se sucedendo à outra rapidamente, podendo
dificultar a compreensão do raciocínio;
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b) Lentificação do pensamento (Bradpsiquismo): o pensamento pro-
gride lentamente de forma dificultosa; há certa latência entre as perguntas e as
respostas que o paciente apresenta;
c) Bloqueio ou interceptação do pensamento: nesta alteração, ao rela-
tar algo, o paciente de forma brusca e repentina interrompe seu pensamento e
consequentemente sua fala, como se estivesse paralisado;
d) Roubo do pensamento: frequentemente associado ao bloqueio do
pensamento, porém, neste tipo de alteração o paciente tem a nítida sensação de
que seu pensamento foi roubado de sua mente por uma força ou ente estranho,
ou objeto (antena, máquina). Trata-se de uma vivência de influência, uma forma
de alteração da consciência do eu, assim como envolve uma alteração do juízo,
constituindo-se também em um delírio. Ambas as funções serão posteriormente
estudadas (capítulos 7 e 11).
Já em relação às alterações da forma, destacam-se:
a) Fuga de ideias: é uma alteração secundária à aceleração do pensa-
mento, onde as ideias se seguem de forma extremamente rápida perturbando as
associações lógicas;
b) Dissociação do pensamento: os pensamentos passam a não seguir
uma sequência lógica e bem organizada, neste sentido, os juízos não se articu-
lam de forma coerente uns com os outros; há uma desorganização do
pensamento que dificulta a compreensão;
c) Afrouxamento das associações – Descarrilamento do pensamento
e Desagregação do pensamento: em ordem crescente de gravidade constitu-
em-se em perdas dos enlaces associativos e da coerência do pensamento; o
sujeito vai se perdendo em sua forma de pensar até chegar a uma desagregação.
Estas alterações são observadas principalmente em pacientes psicóticos crônicos
e em quadros demenciais.
Com relação ao conteúdo do pensamento, não se utiliza em psicopatolo-
gia a denominação alteração de conteúdo, mas existem determinados temas que,
geralmente preenchem os sintomas psicopatológicos e são mais comumente
observados, entre eles destacam-se os conteúdos: persecutórios; depreciativos;
religiosos; sexuais; de poder, riqueza, prestígio ou grandeza; de ruína ou culpa e
conteúdos hipocondríacos, entre outros.
7 - O Juízo e suas alterações
O juízo é um elemento do pensamento e ajuizar quer dizer julgar, portan-
to todo juízo implica em um julgamento. Os juízos podem ser falseados por inú-
meras formas, sendo ou não patológicos; entre os não-patológicos destacam-se
os erros simples e entre os patológicos destacam-se as ideias prevalentes e os
delírios. O erro simples se origina da ignorância, do julgar apressado e com
base em premissas falsas, por exemplo: pensar que o sol gira em torno da terra,
se me cair um dente, um conhecido meu irá morrer. Os erros são passíveis de
serem corrigidos pela experiência, pelas provas e pelos dados que a realidade
Leitura Recomendada
Básica:
DALGALARRONDO, Paulo. O pensamento e suas alterações. In: DAL-
GALARRONDO, Paulo. Psicopatologia e semiologia dos transtornos
mentais 2 ed. Porto Alegre: Artmed, 2000. p. 193-205.
20
oferece, além disso, são psicologicamente compreensíveis podendo ocorrer devi-
do à ignorância ou por situações afetivas intensas.
Outras formas de ajuizar, não necessariamente patológicas, são: a) os
preconceitos, juízos a priori, baseados em falsas premissas e que geralmente
visam atender os interesses de determinados grupos sociais em relação a um
grupo, por exemplo: racismo, classismo, sexismo e b) as crenças culturais e su-
perstições, juízos compartilhados por determinado grupo cultural (religioso, políti-
co, étnico). As superstições geralmente são motivadas por fatores afetivos (dese-
jos, temores), como por exemplo: não comer determinados alimentos em algu-
mas religiões; não passar em baixo de escadas, guardar um trevo de quatro fo-
lhas, pé de coelho etc...
Já em relação às alterações patológicas destacam-se:
a) Ideias prevalentes ou sobrevaloradas: são alterações do ajuizar
que, por conta da importância afetiva (catatimia), adquirem predominância enor-
me sobre os demais pensamentos, conservando-se obstinadamente na mente do
indivíduo. Distinguem-se das ideias obsessivas, pois são egossintônica, ou sejá,
aceitas pelo indivíduo, o qual se identifica com elas. Em uma escala de muito
insight até pouco insight pode-se encontrar a seguinte sequência: Ideias obses-
sivas (muito insight)  ideias prevalentes  delírios (pouco insight). Exemplos
de ideias prevalentes são: uma mãe que se preocupa excessivamente com um
filho quando este sai, acreditando que ele sempre está em perigo; um amante
inseguro que não pára de pensar se sua amada realmente o ama, buscando em
cada detalhe provas contra esse amor.
As ideias prevalentes possuem algumas características importantes: a)
são sustentadas com grande convicção, porém menos que no delírio; b) são
compreensíveis a partir das experiências passadas de um indivíduo e de sua
personalidade; c) causam sofrimento ou disfunção no sujeito e naqueles com
quem ele convive; d) podem eventualmente progredir para um delírio verdadeiro;
e) o paciente não busca ajuda por conta destas ideias e f) assemelham-se a con-
vicções religiosas ou políticas apaixonadas.
b) O Delírio: as ideias delirantes ou delírio são juízos patologicamente
falsos – é um erro do ajuizar que tem origem no transtorno mental. Não é a falsi-
dade do conteúdo da crença que caracteriza o delírio, mas sobretudo a justificati-
va para a crença e o tipo de evidência que lhe assegura que as coisas são assim.
Neste sentido, os delírios possuem 4 (quatro) características importantes que
devem ser levadas em conta em seu diagnóstico:
Contudo, os delírios podem ocorrer em mais de uma pessoa, são os de-
nominados: delírios compartilhados ou loucura a dois (folie à deux). Isso pode
ocorrer através do contato entre um sujeito realmente psicótico ou com transtorno
delirante que, ao interagir intimamente com uma pessoa influenciável ou com
personalidade dependente, acaba por gerar o delírio nesta ou nestas pessoas
mais frágeis ou sugestionáveis. Com relação à estrutura os delírios podem ser
divididos em primário ou secundário (ideias deliróides):
21
Delírio primário
(ideias delirantes)
x
Delírio secundário
(ideias deliróides)
É psicologicamente
incompreensível, impenetrável
Deriva de condições psicologica-
mente compreensíveis
Origina-se de uma alteração
primária do pensamento
Estão ligados a alterações
de outras funções
A temática delirante está relacionada a um tipo de alteração do humor,
denominado humor delirante, uma espécie de período pré-delirante, ou fase de
construção do delírio, onde ele não se expressa, mas se encontra latente. Nesse
período o paciente experimenta aflição e ansiedade intensas, como se algo terrí-
vel fosse acontecer, mas ele não sabe muito bem o que é. O humor delirante
cessa quando o sujeito configura o delírio, ou seja, o delírio surge como uma
revelação inexplicável do que está acontecendo.
Embora para o observador externo possa parecer estranho, para o deli-
rante, as conclusões ou juízos, lhes faz “todo o sentido”, por exemplo: “Ah! Agora
eu sei, entendi tudo, aquelas pessoas estão querendo me matar, estão fazendo
um complô contra mim”. Muitas vezes o indivíduo se “acalma”, pois acaba a am-
bivalência entre dúvida x certeza ou entre ansiedade x delírio. Deve-se pensar no
delírio como uma construção, um processo de tentativa de reorganização do
funcionamento mental; um esforço para lidar com a desorganização que a doen-
ça de fundo lhe traz.
c) Percepção Delirante: neste tipo de alteração, o delírio surge a partir
de uma percepção normal, que imediatamente recebe significação delirante. Por
exemplo: “um sujeito entra em um recinto com pessoas vestidas com trajes de
cor preta (uma percepção real) e imediatamente entende que aquilo significa que
estão tramando contra a sua pessoa”. A percepção delirante é vivenciada como
uma revelação, uma descoberta abrupta que o leva a entender tudo o que se
passa, como se a ansiedade e desorganização que se vive, passasse a ter um
sentido, o objeto ou a situação (real) apenas desencadeou o delírio.
Alguns tipos de Delírios
a) De perseguição (persecutório): o sujeito acredita que é vítima de um
complô e está sendo perseguido por pessoas conhecidas ou desconhecidas, este
é o tema mais frequente dos delírios;
b) De referência (autorreferência): o sujeito apresenta a tendência do-
minante a experimentar fatos cotidianos, fortuitos como referentes à sua pessoa –
ser alvo frequente e constante de referências depreciativas, caluniosas; este tipo
de delírio geralmente ocorre associado à perseguição;
c) De influência ou controle: o sujeito vivencia intensamente o fato de
estar sendo controlado, comandado ou influenciado por pessoa ou entidade ex-
terna; algo/alguém controla seus sentimentos, suas funções corporais, nele tam-
bém contém um conteúdo persecutório, além disso, implica, necessariamente
uma alteração da função consciência do eu (capítulo 11);
d) De grandeza, poder: o sujeito acredita ser extremamente especial,
dotado de capacidades e poderes, ter um destino espetacular; pensa que pode
tudo, tem poderes e conhecimentos superiores ou especiais. Geralmente se ob-
serva estas formas de delírio em alterações do humor (afetividade), em quadros
denominados maníacos. Nestes casos, portanto são ideias deliróides e não delí-
rios, pois a alteração do juízo é secundária à alteração da afetividade, ou seja, se
o humor estiver estável, o delírio tende a desaparecer;
e) Místico ou religioso: o sujeito afirma ser ou receber mensagens de
que é o novo messias, um Deus, um Jesus, um santo poderoso ou até mesmo
22
um demônio; não se deve confundir este tipo de delírio com fanatismo religioso
ou a fé religiosa, dada as condições socioculturais;
f) De ciúmes, de infidelidade: o sujeito percebe-se traído pelo cônjuge
de forma vil e cruel, que o outro tem centenas de amantes; normalmente o indiví-
duo é extremamente dependente do ser amado. Nestes casos, é difícil diferenciar
quando é delírio e quando é ideia prevalente;
g) Erótico ou Erotomania: nestes casos, o sujeito afirma que uma pes-
soa de destaque social ou de grande importância para o paciente está totalmente
apaixonada por ele;
h) De conteúdo depressivo: estão intimamente relacionados a estados
depressivos, podem-se destacar os: De ruína no qual o sujeito vive um repleto de
desgraças, acredita que está condenado à miséria, o futuro lhe reserva a ele e a
sua família apenas sofrimentos e fracassos, pode chegar a acreditar que está
morto ou que todos estão mortos; De culpa e de auto-acusação - o sujeito afir-
ma sem base real, ser culpado por tudo de ruim que acontece no mundo e na
vida das pessoas que o cercam, de ser pessoa indigna, pecaminosa e que deve
ser punida e, de Negação de órgãos, nestes casos, o indivíduo relata que o seu
corpo está destruído ou morto.
Diagnóstico Diferencial
As ideias delirantes, diferente das ideias prevalentes, são marcadas
por convicção extraordinária; certeza subjetiva praticamente absoluta; impossibi-
lidade de modificação da ideia pela experiência e possuem caráter associal, ou
seja, não compartilhado pelo grupo cultural do sujeito. Nas ideias obsessivas,
diferente das ideias delirantes, o sujeito sofre com elas, tem crítica em relação a
seu caráter absurdo, ou seja, são egodistônicas, enquanto que nas ideias deliran-
tes falta, de modo geral, a crítica ao caráter absurdo, são egossintônicas.
8 - A Afetividade e suas alterações
A vida afetiva é a dimensão psíquica que dá cor, brilho e calor a todas as
vivências humana; sem a afetividade a vida mental se torna vazia, sem sabor.
Define-se afeto como a qualidade e o tônus emocional que acompanha uma ideia
ou uma representação, neste sentido, afetividade é um termo genérico que com-
preende várias modalidades de vivências afetivas, como por exemplo: o humor,
as emoções e os sentimentos. Humor ou estado de ânimo é a disposição afe-
tiva de fundo que penetra toda a experiência psíquica, a lente afetiva que dá às
vivências do sujeito, a cada momento, uma cor particular. Esse estado amplia ou
reduz o impacto das experiências reais e, muitas vezes, modifica o seu sentido e
a sua natureza. O humor é vivido corporalmente e se relaciona com as funções
vegetativas, é somático e psicológico. Exemplos de humor são: humor irritado,
humor depressivo, humor maníaco ou elevado, entre outros.
As Emoções, por sua vez são reações afetivas agudas, momentâneas,
desencadeadas por estímulos significativos; é um estado afetivo intenso de curta
duração, originado como reação do indivíduo a certas excitações internas ou
Leitura Recomendada
Básica:
DALGALARRONDO, Paulo. O juízo e suas alterações. In: DALGALAR-
RONDO, Paulo. Psicopatologia e semiologia dos transtornos men-
tais 2 ed. Porto Alegre: Artmed, 2000. p. 206-231.
Filmes: Teoria da Conspiração; K-Pax, o caminho da luz; Spider, desa-
fie a sua mente; Mente Brilhante; Dom Casmurro, entre outros.
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externas, conscientes ou não. É um movimento emergente, uma tempestade
anímica que desconcerta, comove e perturba o instável equilíbrio existencial,
assim como o humor é uma experiência somática e psíquica. Exemplos de emo-
ções podem ser: a alegria, a raiva, o susto, entre outras. Já os Sentimentos são
estados e configurações afetivas estáveis, são mais atenuados que às emoções
em sua intensidade e menos reativos a estímulos passageiros. Geralmente estão
relacionados a representações, valores e conteúdos intelectuais; é um estado
“mais mental” do que somático – são as ideias que representam os afetos, mas
energizadas por esses afetos, como por exemplo: tristeza, tesão, amor, culpa. A
Paixão, por fim, é um estado afetivo extremamente intenso, que domina a ativi-
dade psíquica como um todo, nela o indivíduo dirige a atenção e o interesse em
uma só direção, inibindo os demais interesses.
A afetividade pode influenciar as demais funções, seja através do humor,
das emoções, sentimentos ou paixões. Denomina-se Catatimia, quando as ou-
tras funções psíquicas são alteradas devido à ação da afetividade, a ilusão cata-
tímica é um exemplo de alteração da função sensopercepção devido à ação da
afetividade. Conforme foi estudado anteriormente, a fixação de um conteúdo na
memória pode ocorrer de forma mais fácil, quando ocorre uma associação afetiva
no armazenamento desta informação. A lembrança obsessiva, por exemplo, ge-
ralmente está ligada a uma questão afetiva, esta influência da função afetividade
sobre a memória e o pensamento, são exemplos de catatimia.
A vida afetiva ocorre sempre num contexto de relações do Eu com o
mundo e com as pessoas; à capacidade do indivíduo ser influenciado afetiva-
mente por estímulos externos denomina-se sintonização afetiva, enquanto que
a capacidade do indivíduo em transmitir, irradiar ou contaminar os outros com o
seu estado afetivo, permitindo que os demais entrem em sintonia com ele, deno-
mina-se irradiação afetiva. Já a impossibilidade ou dificuldade tanto de sintoni-
zação quanto de irradiação afetiva denomina-se rigidez afetiva, nestas o indiví-
duo não produz reações afetivas nos outros nem reage diante de uma situação
afetiva específica.
Sentimentos e/ou emoções relacionadas à esfera afetiva que merecem
atenção e diferenciação são: a ansiedade, a angústia e o medo. A Ansiedade é
um estado desconfortável, de apreensão negativa em relação ao futuro, uma
inquietação interna desagradável, enquanto que a Angústia assemelha-se a
ansiedade, mas tem conotação mais corporal e mais relacionada ao passado; a
angústia se relaciona à sensação de aperto no peito e na garganta, de compres-
são, sufocamento. Já o Medo, diferente da angústia e da ansiedade, o se volta a
objetos mais ou menos precisos, o medo, quase sempre é medo de algo.
Alterações Patológicas da Afetividade
Com relação às alterações do humor, o gráfico abaixo ilustra as princi-
pais alterações possíveis, segundo os principais manuais:
a) Distimia: é o termo utilizado por Dalgalarrondo (2008), que designa a
alteração básica do humor, tanto no sentido da exaltação quanto da inibição,
Humor normal
Humor hipomaníaco
Humor distímico
Humor depressivo
Humor maníaco / euforia
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deste modo o autor utiliza nomenclaturas tais como: distimia hipotímica e distimia
hipertímica. No gráfico acima, foram ilustradas as nomenclaturas que os princi-
pais manuais (CID e DSM) utilizam para diferenciar os tipos de alteração de hu-
mor, neste sentido, na prática, não se utiliza os termos sugeridos por Dalgalar-
rondo (2008), devendo-se privilegiar a nomenclatura dos manuais;
b) Disforia: é a distimia (alteração qualquer de humor) quando acompa-
nhada de uma tonalidade afetiva desagradável, mal-humorada – fortemente
acompanhada pela irritação, amargura ou agressividade. A irritabilidade patoló-
gica, é uma expressão da disforia, trata-se de uma hiper-reatividade desagradá-
vel, hostil e agressiva exagerada;
c) Puerilidade: alteração do humor que não se encontra localizada no
gráfico acima, pois ela se caracteriza muito mais pelo aspecto infantil, regredido,
nele o sujeito ri ou chora por motivos banais, sua vida afetiva é superficial, sem
afetos profundos, do que uma elevação ou diminuição do humor.
Com relação às alterações das emoções e dos sentimentos, têm-se:
a) Apatia: é a diminuição da excitabilidade emotiva e afetiva; o paciente
não pode sentir alegria, tristeza, raiva nem nada. Nesta alteração, o indivíduo
sabe a importância afetiva que determinada experiência deveria ter, mas não
consegue sentir nada (afetos);
b) Anedonia: é um fenômeno muito próximo da apatia e pode ocorrer de
forma simultânea; significa a perda da capacidade de sentir prazer;
c) Hipomodulação do afeto: é a incapacidade do indivíduo de modular a
resposta afetiva de acordo com a situação existencial, indica, portanto rigidez na
sua relação com o mundo e com as pessoas;
d) Inadequação do afeto ou paratimia: trata-se de uma reação comple-
tamente incongruente às situações existenciais, é uma contradição profunda en-
tre a esfera ideativa e a afetiva. É mais comum, observar nos casos clínicos a
expressão “humor congruente” ou “humor incongruente”. A definição é a
mesma para este tipo de alteração, mas Dalgalarrondo prefere classificar esta
alteração, ou seja, a contradição entre a esfera ideativa e a afetiva como uma
alteração das emoções e dos sentimentos; na prática, porém, é mais comum
associar este contraste com a expressão humor;
e) Embotamento afetivo e devastação afetiva: perda profunda de todo
tipo de vivência afetiva; ao contrário da apatia, que basicamente é subjetiva, o
embotamento é observável por meio da postura e da atitude
do paciente. A apatia e a anedonia são mais comuns em pacientes depressivos,
enquanto que o embotamento se observa em pacientes psicóticos;
f) Labilidade afetiva e incontinência afetiva: são estados nos quais
ocorrem mudanças súbitas e imotivadas de humor, sentimentos ou emoções.
Neste tipo de alteração o sujeito não consegue conter de forma alguma suas
reações afetivas; geralmente elas são bastante desproporcionais e exageradas,
sendo mais facilmente observadas em personalidades histéricas;
g) Fobias: são medos desproporcionais e incompatíveis com as possibi-
lidades de perigo real oferecidas por desencadeantes chamados situações fobí-
genas. Embora existam diversas formas de fobia, duas delas, devido à frequên-
cia merecem maior atenção e definição: I) a agorafobia, medo de espaços am-
plos e de aglomerações como estádios, cinemas, congestionamentos, supermer-
cados; locais ou situações onde possa ser difícil escapar ou onde o auxílio possa
não estar disponível e II) a fobia social, o medo de contato com interações soci-
ais, principalmente pessoas pouco familiares e em situações onde se possa sentir
estar sendo examinado, avaliado ou criticado;
h) Pânico: é uma situação de intenso medo e de pavor relacionado, ge-
ralmente, ao perigo imaginário de morte iminente, descontrole ou
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desintegração. Manifesta-se através de ataques e crises agudas de extrema an-
siedade, medo de morte, de perder o controle e de acentuada descarga autonô-
mica. Por fim, existem alguns sentimentos que embora considerados normais, em
determinadas ocasiões e em certo grau podem ter implicações patológicas, entre
eles destacam-se o ciúme e inveja.
9 - A Vontade, a Psicomotricidade e suas alterações
A Vontade é uma dimensão complexa da vida mental, relacionada inti-
mamente com as esferas instintivas, afetiva e intelectiva. Já o Instinto é o modo
relativamente organizado e complexo de resposta comportamental de uma dada
espécie para melhor sobreviver em seu ambiente natural, como por exemplo: as
reações e os comportamentos associados à fome e outros instintos de sobrevi-
vência. O Desejo, por sua vez é um querer, um anseio, um apetite de natureza
consciente ou não, que busca sempre satisfação, é diferente de Necessidade,
pois estas são fixas e inatas, independem da cultura e da história individual, não
são móveis como os desejos – que dependem da cultura e da história individual.
O Ato volitivo ou ato de vontade é traduzido pelas expressões típicas
do “eu quero” ou “eu não quero”; como é influenciado pela razão e pelos afetos,
distinguem-se em motivos (razões intelectuais) e móveis (influências afetivas).
Além disso, o ato evolutivo é realizado através de um Processo Volitivo, que
pode ser em 4 fases distintas:
I) Intenção ou propósito: nesta fase se esboçam as tendências básicas
do indivíduo, suas inclinações e interesses (impulsos, desejos e temores
inconscientes exercem influência decisiva sobre o ato volitivo) muitos de-
les podem ser imperceptíveis para o indivíduo;
II) Deliberação: nesta fase ocorre uma ponderação consciente, o indiví-
duo faz uma análise básica do que seria positivo ou negativo, favorável
ou desfavorável;
III) Decisão propriamente dita: esta fase é o momento culminante do
processo volitivo, é o instante que demarca o começo da ação, no qual os
móveis e os motivos vencidos dão lugar aos vencedores; é a fase de pre-
paração (pré – para a ação);
IV) Execução: etapa final do processo volitivo, envolve o conjunto de
atos psicomotores simples e complexos decorrentes da decisão, coloca-
dos em funcionamento.
O ato de vontade pautado por essas 4 (quatro) etapas é denominado de
ação voluntária. O oposto a ação voluntária são os atos impulsivos, uma espécie
de curto circuito do ato voluntário, neles as três primeiras fases são abrupta-
mente abolidas; os atos impulsivos diferem-se dos atos compulsivos, conforme
se pode observar no quadro abaixo:
Leitura Recomendada
Básica:
DALGALARRONDO, Paulo. A afetividade e suas alterações. In: DAL-
GALARRONDO, Paulo. Psicopatologia e semiologia dos transtornos
mentais 2 ed. Porto Alegre: Artmed, 2000. p. 155-173.
Filmes: Mr. Jones; Sideways, entre umas e outras; As faces de Helen; O
lado bom da vida, entre outros.
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Atos Impulsivos x Atos Compulsivos
 Abole as 3 primeiras fases do
ato voluntário em função da inten-
sidade do desejo ou dos temores
 São egossintônicos, não se
tenta evitá-los ou adiá-los
 Geralmente são associados a
impulsos patológicos de natureza
inconsciente ou à incapacidade de
tolerância a frustração
 Ocorre tentativa de adiá-lo, de
refrear o ato
 São egodistônicos, experenci-
ados como indesejáveis e estra-
nhos ao indivíduo;
 Há sensação de alívio ao se
realizar o ato
 São associados a ideias
obsessivas
Alguns impulsos e compulsões patológicas
Dalgalarrondo (2008) lista uma série impulsos e compulsões patológicas,
entre elas, destacam-se:
a) Automutilação: impulso ou compulsão seguido de comportamento de
autolesão voluntária; tricotilomania, impulso ou compulsão de arrancar
os fios de cabelo, é também uma forma de automutilação;
b) Frangofilia: impulso ou compulsão patológica de destruir os objetos
que circundam o indivíduo;
c) Piromania: impulso de atear fogo a objetos, prédios e lugares;
d) Impulso ou ato suicida: deve-se sempre investigar em pacientes de-
primidos e cronicamente ansiosos que se apresentam desesperançados
ou desmoralizados. Trata-se um critério que pode estar presente no diag-
nóstico de episódio depressivo (F32) ou transtorno afetivo bipolar (F31),
entre outros diagnósticos em que o humor esteja alterado;
e) Bulimia: (fome de boi) compulsão ou impulso irresistível de ingerir ra-
pidamente grande quantidade de alimento; após a ingestão há o senti-
mento de culpa, medo de engordar e consequente indução de vômito ou
uso de laxantes. Trata-se de um diagnóstico específico (F50.2) perten-
cente aos transtornos alimentares;
f) Dipsomania: impulso ou compulsão periódica de ingerir grandes quan-
tidades de álcool até ficar inconsciente;
g) Cleptomania: impulso ou compulsão de roubar, precedido geralmente
de intensa ansiedade e apreensão que apenas se alivia quando o indiví-
duo realiza o roubo. O valor do objeto não é o fator mais importante, mas
sim a ansiedade gerada pela possibilidade de se praticar o ato;
h) Jogo patológico: é a compulsão por jogos de azar, fazer apostas, es-
pecular com dinheiro, apesar de prejuízos financeiros e sociais percebi-
dos pelo sujeito. Em sua última versão (5ª), o DSM inclui este transtorno
no mesmo capítulo das dependências de substâncias psicoativas;
i) Compulsão por comprar: o indivíduo sente necessidade premente de
comprar objetos sem observar a utilidade, sem ter necessidade ou até
mesmo poder utilizar tais objetos;
j) Impulsos ou compulsões da esfera Sexual: são diversos os atos im-
pulsivos ou compulsivos relacionados a esta esfera, eles serão melhor
explorados no último bimestre em transtornos de preferência sexual ou
parafilias (F65) no capítulo de transtornos relacionados ao gênero e
ao comportamento sexual. Entre eles se destacam: fetichismo, exibici-
onismo, voyeurismo, froterismo, pedofilia, pederastia, gerontofilia, ninfo-
mania, satiríase, zoofilia, necrofilia e coprofilia. Além destes, Dalgalarron-
do (2008) ainda cita outras formas de impulso e compulsão, como por
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exemplo: compulsão à masturbação, utilização de roupas íntimas do sexo
oposto, introdução de objetos na vagina e no ânus.
Alterações da Vontade
a) Hipobulia/Abulia: é a diminuição ou até abolição da atividade volitiva,
nesta alteração o indivíduo não tem vontade para nada, sente-se desanimado,
sem “pique”. Geralmente está associada a apatia e anedonia, são típicas em
quadros depressivos;
b) Negativismo: oposição às solicitações do meio, nesta alteração, o in-
divíduo se nega a colaborar, opondo-se ao contato interpessoal. A sitiofobia, re-
cusa em se alimentar e o mutismo, uma alteração da linguagem são exemplos de
negativismo. Estas alterações geralmente são observadas em quadros de esqui-
zofrenia (catatônica) e quadros depressivos graves;
c) Obediência automática: é o oposto do negativismo, nela, perde-se a
autonomia e a capacidade de conduzir seus atos volitivos, também é mais facil-
mente observada em quadros psicóticos graves e, principalmente, na esquizofre-
nia catatônica (F20.2);
d) Fenômenos em eco (ecopraxia, ecolalia, ecomimia e ecografia):
neste tipo de alteração, o indivíduo repete de forma automática o entrevistador ou
a pessoa do meio, perdendo, portanto a autonomia sobre os seus movimentos.
Alterações da Psicomotricidade
Psicomotricidade são as alterações finais do ato volitivo, ligadas portan-
to ao prejuízo ou disfuncionalidade das expressões finais do comportamento mo-
tor, entre elas, pode-se destacar:
a) Agitação psicomotora: é a aceleração e exaltação de toda a ativida-
de motora do indivíduo, é uma das alterações mais comuns entre as alterações
da psicomotricidade e está ligada a um taquipsiquismo (aceleração) geral. Ge-
ralmente está associada aos quadros maníacos, episódios esquizofrênicos agu-
dos, quadros paranoides e em síndromes demenciais e orgânicas;
b) Lentificação psicomotora: ao contrário da anterior, reflete a lentifica-
ção de toda a atividade psíquica (bradpsiquismo), toda a atividade voluntária tor-
na-se lenta, difícil, “pesada”;
c) Estupor: é a perda de toda a atividade espontânea que atinge o indi-
víduo globalmente em um estado de consciência aparentemente preservado e de
capacidade sensório motora para reagir ao ambiente. Nestes quadros, o indivíduo
geralmente fica restrito ao leito e pode chegar a defecar e a urinar no local, não
se alimenta e se lá deixado sem cuidados, fatalmente irá falecer. O estupor pode
ser dividido em três tipos: I) estupor melancólico, observado em quadros de-
pressivos, geralmente é hipotônico, ou seja, a musculatura do paciente se mostra
relaxada, flácida; II) estupor histriônico, está relacionado a fatores psicogênicos
compreensíveis, trata-se de uma reação emocional e fisionômica de perplexida-
de, que paralisa o sujeito e III) estupor catatônico, neste o enfermo permanece
imóvel, não reage aos estímulos mais intensos nem manifesta movimentos
de defesa, é mais comum a manifestação hipertônica (músculos enrijecidos);
d) Estereotipias motoras: são repetições automáticas e uniformes de
determinado ato motor complexo, indicando marcante perda do controle voluntá-
rio. O indivíduo repete o mesmo gesto com as mãos dezenas ou centenas de
vezes em um mesmo dia. O maneirismo é um tipo de estereotipia motora carac-
terizada por movimentos bizarros repetitivos, complexos e esdrúxulos;
e) Tiques: são atos coordenados, repetitivos, breves e intermitentes, em
geral envolvendo um grupo de músculos. Os tiques acentuam-se muito com a
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ansiedade; a maioria é reflexo condicionado que surgiu associado a determina-
dos estímulos emocionais ou físicos. São alterações mais comumente observa-
das em crianças ansiosas e podem ocorrer em pessoas sem qualquer alteração
mental. Quando envolve a função da linguagem são denominados tiques verbais;
f) Conversão: são sintomas físicos de origem psicogênica (podendo ha-
ver paralisias, anestesias, parestesia, cegueira). Ocorre em situações estressan-
tes, de ameaça ou conflito intrapsíquico ou interpessoal significativo para o indiví-
duo, geralmente ocorre em personalidades histéricas. Na CID-10, estas altera-
ções podem aparecer em quadros de Transtornos motores dissociativos
(F44.4),de Anestesia e perda sensorial dissociativas (F44.6) e em Convul-
sões dissociativas (F44.5), diagnósticos que serão estudados no capítulo de
Transtornos de Sintomas Somáticos no último bimestre;
g) Apragmatismo ou hipopragmatismo: é a dificuldade ou incapacida-
de de realizar condutas volitivas e psicomotoras minimamente complexas como
cuidados higiênicos ou outras tarefas produtivas básicas em seu meio. Nesta
alteração, não há incapacidade neurológica para a realização, diferente, portanto
da apraxia, na qual a incapacidade decorre de lesões neuronais corticais.
10 - A Linguagem e suas Alterações
A linguagem é o principal instrumento de comunicação dos seres huma-
nos e é fundamental na elaboração e na expressão do pensamento. Possui di-
versas funções, entre elas destacam-se: a) a função comunicativa, que garante a
socialização do indivíduo; b) a função de suporte do pensamento, ou seja, auxilia
a função pensamento; c) a função de expressar emoções, a linguagem é, portan-
to um instrumento de expressão das vivências internas e subjetivas e d) possui
uma função ligada à dimensão artística e lúdica, como se pode observar através
da poesia, literatura e música, entre outras.
As alterações desta função podem ser divididas em dois tipos: I) altera-
ções secundárias a uma lesão neuronal identificável; II) Disfemias e Disfo-
nias e III) alterações da linguagem associadas a transtornos psiquiátricos
primários, estas últimas, geralmente associadas às alterações de outras funções
psíquicas e em diagnósticos psiquiátricos mais complexos.
Alterações secundárias a uma lesão neuronal identificável
a) Afasia: é a perda da linguagem falada e escrita, por incapacidade de
compreender e utilizar os símbolos verbais. Refere-se à perda de habilidade lin-
guística que foi previamente adquirida no desenvolvimento cognitivo, deve-se,
portanto à lesão neuronal no SNC. Existem 3 (três) tipos de afasia: I) Afasia de
expressão ou de Broca, nesta, apesar do órgão fonador se manter preservado,
o indivíduo não consegue falar ou fala com dificuldades. A compreensão da lin-
guagem está relativamente preservada; II) Afasia de compreensão ou de Wer-
nicke, nesta o indivíduo continua podendo falar, mas sua fala é muito defeituosa
e às vezes incompreensível, ao contrário da anterior, o paciente não consegue
Leitura Recomendada
Básica:
DALGALARRONDO, Paulo. A vontade, a psicomotricidade e suas alte-
rações. In: DALGALARRONDO, Paulo. Psicopatologia e semiologia
dos transtornos mentais 2 ed. Porto Alegre: Artmed, 2000. p. 174-192.
Filme: O líder da classe; Freud além da alma; O solista, entre outros.
29
compreender a linguagem (falada e escrita) e III) Afasia Global, um tipo grave de
afasia, que envolve lesões amplas;
b) Parafasias: são formas mais discretas de déficits de linguagem, nas
quais o indivíduo deforma determinadas palavras (ocorre no início das síndromes
demenciais), o sujeito passa, por exemplo a designar cadeira de “cameila”, livro
de “ibro”, entre outras;
c) Agrafia: é a perda, por lesão orgânica, da linguagem escrita, sem que
haja qualquer déficit motor ou perda cognitiva global, enquanto Alexia: é a perda,
de origem neurológica, da capacidade previamente adquirida para a leitura;
d) Disartria: é a incapacidade de articular corretamente as palavras, de-
vido a alterações neuronais referentes ao aparelho fonador. A fala é pastosa,
aparentemente “embriagada”, de difícil compreensão;
Disfonias e Disfemias
Disfonia e Disfemia são alterações da linguagem, da fala produzida pela
mudança na sonoridade das palavras. As primeiras têm origem orgânica, mas
diferentes das anteriores, não se devem a lesões neuronais, já as disfemias, pos-
suem etiologia psicológica, entre elas destacam-se:
a) Afonia (disfonia): o indivíduo não consegue emitir qualquer som ou
palavra, esta alteração é causada por uma disfunção do aparelho fonador ou um
defeito na respiração, é, portanto de causa orgânica;
b) Afemia (disfemia): é como a afonia, mas diferente dela, está relacio-
nada a conflitos e fatores psicogênicos, geralmente associado a estados emocio-
nais intensos;
c) Gagueira (disfemia): trata-se da dificuldade ou da impossibilidade de
pronunciar certas sílabas no começo ou ao longo de uma frase, com repetição ou
intercalação de fonemas, ou apenas trepidação na elocução. Pode ocorrer tanto
devido a defeitos mecânicos da fonação (excessiva rapidez de emissão da voz,
uso de tons inadequados, respiração viciosa) como devido a fatores emocio-
nais, tais como timidez, ansiedade, entre outros;
d) Dislalia: é uma alteração da linguagem falada que resulta da deforma-
ção, da omissão ou da substituição dos fonemas, podendo ser: orgânicas, resul-
tando de defeitos na língua, dos lábios, da abóbada palatina ou de qualquer outro
componente do aparelho fonador, ou funcionais, nestas não se observam altera-
ções orgânicas do aparelho fonador, sendo a sua origem geralmente psicogênica,
gerada por conflitos interpessoais ou por imitação.
Alterações da linguagem associadas a transtornos psiquiátricos
a) Logorréia, taquifasia e loquacidade: ocorre produção aumentada
(logorréia) e acelerada (taquifasia) da linguagem verbal, um fluxo incessante de
palavras e frases, podendo haver perda da lógica do discurso. Na loquacidade o
aumento não sofre qualquer prejuízo da lógica do discurso, diferente da logorréia;
b) Bradifasia: é uma alteração da linguagem oposta à taquifasia, nela o
paciente fala muito vagarosamente, as palavras seguem-se umas às outras de
forma lenta e difícil;
c) Mutismo: ausência de resposta verbal oral por parte do paciente, em-
bora ele pudesse fazê-lo. Os fatores etiológicos podem ser de natureza neurobio-
lógica, psicótica ou psicogênica. É uma forma de negativismo verbal, de se opor à
solicitações do ambiente;
d) Ecolalia: é a repetição da última ou das últimas palavras que o entre-
vistador, ou alguém do ambiente, falou ou dirigiu ao paciente, uma forma de fe-
nômeno em eco, visto na função vontade;
30
e) Palialia: é a repetição automática e estereotipada pelo paciente, da úl-
tima ou das últimas palavras que ele mesmo emitiu em seu discurso, enquanto
que a Logoclonia é repetição automática e voluntária das últimas sílabas que
pronunciou. Ambas ocorrem principalmente em quadros demenciais;
f) Tiques Verbais ou fonéticos: são produções de fonemas ou palavras
de forma recorrente, imprópria e irresistível, geralmente envolvem sons guturais,
abruptos e espasmódicos. Uma forma um pouco mais rara é a coprolalia – que
envolve a emissão de palavras obscenas, vulgares ou relativas a excrementos,
esta última pode ser observada em alguns pacientes que possuem a síndrome de
Giles De La Tourrete;
g) Verbigeração: é a repetição, de forma monótona e sem sentido co-
municativo aparente, de palavras, sílabas ou trechos de frases, diferente da eco-
lalia, envolvem frases e tom é mais monótono;
h) Mussitação: - é a produção repetitiva de uma voz muito baixa, mur-
murada, em tom monocórdico, sem significado comunicativo. O paciente fala
“para si”, apenas movendo discretamente os lábios.
Funções Psíquicas Compostas
São funções que, diferente das anteriores, resultam de uma somatória de
atividades e capacidades mentais, entre elas destacam-se: a) Consciência do
Eu; b) Personalidade (será estudada junto com os transtornos de personalidade)
e c) Inteligência (não será estudada nesta disciplina).
11- A Consciência do eu e suas alterações
Está relacionada à origem e o desenvolvimento do eu, ou seja, relaciona-
das ao processo de diferenciação entre Eu e o não-EU. De acordo com a abor-
dagem psicanalítica, a criança forma gradativamente o seu eu através: a) do con-
tato contínuo com a realidade e a consequente submissão à suas vicissitudes; b)
do investimento amoroso e narcísico dos pais sobre ela; c) da projeção dos dese-
jos inconscientes dos pais sobre ela e a sua consequente assimilação destes
desejos e d) da identificação da criança com os pais, estes são tomados como
modelo e são introjetados. A consciência do Eu surge do sentimento de oposi-
ção entre o Eu e o mundo, pressupõe, portanto a tomada de consciência do pró-
prio corpo, do “Eu físico” – esquema de imagem corporal. Jaspers destacou
quatro características principais desta função psíquica, entre elas: 1) Consciência
de atividade do Eu; 2) Consciência de unidade do Eu; 3) Consciência da identi-
dade do Eu no tempo e 4) Consciência da oposição do Eu em relação ao mundo.
A Consciência de atividade do Eu é a consciência íntima de que, em
todas as atividades psíquicas que ocorrem, é o próprio Eu que as realiza e a pre-
sencia, ela se constitui através do processo evolutivo de personalização, fenô-
meno no qual se percebe em todas as atividades psíquicas um tom especial de
“meu”, de “pessoal”, daquilo que é feito e vivenciado por mim mesmo. A desper-
Leitura Recomendada
Básica:
DALGALARRONDO, Paulo. A linguagem e suas alterações. In: DALGA-
LARRONDO, Paulo. Psicopatologia e semiologia dos transtornos
mentais 2 ed. Porto Alegre: Artmed, 2000. p. 232-244.
Filme: O líder da classe; O discurso do Rei, entre outros.
31
sonalização, portanto seria uma alteração patológica deste processo, envolve o
sentimento de perda ou de transformação do Eu, uma vivência de estranhamen-
to e infamiliaridade consigo mesmo. Nesta forma de alteração, há uma sensa-
ção intensa de estranhamento do indivíduo com o seu próprio corpo, denominada
assim de despersonalização corporal. Pode também, haver perda de relação
de familiaridade com o mundo comum, nesta forma de alteração, pessoas e luga-
res parecem estranhos, as coisas, tudo parece estranho, a denominação correta
para este fenômeno é: desrealização.
Outras duas formas de alteração da consciência de atividade do Eu são:
a) Alteração da consciência da existência que consiste na suspensão da sen-
sação normal do próprio Eu, corporal e psíquico; é a condição na qual o homem
existindo já não pode mais sentir a sua existência, por exemplo: “Sou apenas
uma máquina, um autômato / sinto-me como um nada, um morto” e b) Alteração
da consciência de execução, nessa condição, o paciente ao pensar ou desejar
alguma coisa, sente, porém que de fato foi outro que pensou ou desejou tais
pensamentos ou desejos e os impôs de certa maneira. Os pensamentos po-
dem ser vivenciados como feitos e impostos por alguém ou algo externo. O rou-
bo de pensamento e o delírio ou vivência de influência se enquadram aqui.
A Consciência de unidade do Eu é uma consciência de que o Eu é sen-
tido como algo uno e indivisível, ainda que haja ambivalência de sentimentos ou
conflitos internos. Na alteração desse tipo de consciência, o indivíduo se sente
radicalmente dividido, sente-se anjo e demônio ao mesmo tempo, ou homem e
mulher simultaneamente. Difere da dissociação psíquica porque nesta, o indiví-
duo não alterna entre duas possibilidades, ele é as duas possibilidades distintas
ao mesmo tempo. A dissociação psíquica também conhecida como estados
segundos envolve, por sua vez, a alternância de estados da consciência em que
o sujeito assume duas ou mais personalidades distintas. Os manuais denominam
este transtorno como: Transtorno Dissociativo de Identidade (DSM V) e Trans-
torno de Personalidade Múltipla (F44.81).
Já na Consciência de identidade do Eu no tempo, alguns pacientes,
quando possuem esta função alterada, relatam que atualmente em comparação à
sua vida anterior (em especial antes do início da psicose) já não são a mesma
pessoa: “Ao descrever a minha história, tenho consciência de que apenas uma
parte do meu Eu atual vivenciou tudo isso que aconteceu no passado”. Por fim,
existe a Consciência da oposição do eu em relação ao mundo, que é a cons-
ciência da clara oposição do Eu ao mundo externo (separação entre o Eu subjeti-
vo e o espaço externo). Na alteração deste tipo de consciência, o indivíduo sente
que o seu eu se expande para o mundo exterior e não mais se diferencia deste.
Isto leva os enfermos a buscarem identificações em objetos e coisas do
mundo inanimado – ele pode “sentir”, situar objetos externos dentro dele. Nesta
alteração, não existe barreira entre o eu e o mundo externo, há certa permeabili-
dade, o que se denomina transitivismo, segundo Paim (1993, p. 212):
“(..) Trata-se da impossibilidade de estabelecer a distinção en-
tre aquilo que é próprio do indivíduo e aquilo que pertence ao
meio exterior. É a permeabilidade e por fim, o apagamento do
limite entre os dois domínios.
É possível observar este tipo de alteração da consciência do eu em alte-
rações tais como: eco do pensamento, publicação do pensamento, sonoriza-
ção do pensamento. Pode ser observado também em fenômenos culturais co-
mo: o êxtase religioso, a meditação profunda e no fenômeno da possessão. A
possessão patológica é uma alteração da consciência caracterizada pelo fato
de o indivíduo se sentir possuído por entidades sobrenaturais, geralmente espíri-
tos e demônios. A possessão pode também ser uma forma de manifestação de
alteração da consciência de atividade do Eu. Uma forma comum de transitivismo
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  • 1. 1 U N I V E R S I D A D E D E A R A R A Q U A R A P S I C O P A T O L O G I A Curso de Graduação em Psicologia Prof. Fábio de Carvalho Mastroianni
  • 2. 2 PARTE I - Conceitos Básicos 1 - Psicopatologia e Semiologia dos Transtornos Mentais 3 PARTE II - As Funções Psíquicas e suas Alterações 1 - A Consciência e suas alterações 7 2 - A Atenção e suas alterações 9 3 - A Orientação e suas alterações 10 4 - A Sensopercepção e suas alterações 11 5 - A Memória e suas alterações 13 6 - O Pensamento e suas alterações 17 7 - O Juízo e suas alterações 19 8 - A Afetividade e suas alterações 22 9 - A Vontade, a Psicomotricidade e suas alterações 25 10 - A Linguagem e suas Alterações 28 11- A Consciência do eu e suas alterações 30 PARTE III – As Grandes Síndromes Psiquiátricas 1 - Esquizofrenia e outros transtornos psicóticos 35 2 - Transtornos do Humor (Afetivos) 45 3 - Transtornos Orgânicos 55 4 - Transtornos de Ansiedade 53 5 - Transtornos relacionados ao uso de substâncias 75 6 - Transtornos relacionados à alimentação 81 7 - Transtornos não-orgânicos do Sono 88 8 - Transtornos relacionados ao gênero e ao comportamento sexual 96 9 - Transtornos de Personalidade 107 10 - Transtornos de Sintomas Somáticos 114 Referências 125
  • 3. 3 PARTE I - Conceitos Básicos 1 - Psicopatologia e Semiologia dos Transtornos Mentais Semiologia em saúde é o estudo dos sinais e sintomas das doenças, que permite ao profissional ordenar os fenômenos observados, formular diagnósticos e empreender terapêuticas. Semiologia = ciência dos signos; seu elemento nu- clear é o signo. Signo = é um tipo de sinal, qualquer estímulo emitido pelo objeto estudado, p.ex.: Coriza = sinal/signo de resfriado, gripe, entre outros; Esqueci- mentos, falhas de raciocínio, senilidade = sinal/signo de demência; Ouvir vozes = sinal/signo de alucinação. Em psicopatologia, sinais são os comportamentos objetivos, verificáveis pela observação direta do paciente (objeto do estudo), des- te modo, pode-se separá-los em: Signos - sinais comportamentais objetivos e Sintomas - vivências subjetivas relatadas, comunicadas pelo paciente, ou então: (sintomas objetivos) = aquilo que é observado pelo examinador e (sintomas sub- jetivos) = aquilo que é percebido apenas pelo paciente, relatado por ele. A Semiotécnica é o processo específico (procedimento) de observação e coleta de sinais e sintomas e sua correspondente interpretação, enquanto que as Síndromes podem ser definidas como: conjunto, agrupamentos relativamente constantes e estáveis de determinados sinais e sintomas – descrição momentâ- nea ≠ doença específica. De modo geral, define-se Psicopatologia como o con- junto de conhecimentos referentes ao adoecimento mental do ser humano, é a ciência que trata da natureza essencial do transtorno mental. A psicopatologia tem parte de suas raízes na tradição médica e outra na tradição humanística (filosofia, artes, psicanálise, psicologia), contudo é uma ci- ência autônoma, não é um prolongamento da Neurologia nem da Psicologia. É uma ciência básica que serve de auxilio a outras práticas, psiquiatria por exem- plo. Sendo ciência, é diferente de dogma, pois não julga moralmente o objeto e, por ser ciência, possui seus limites, pois não se pode compreender ou explicar tudo o que existe em um homem por meio de conceitos psicopatológicos. A psi- copatologia é tida, portanto, como: uma das abordagens possíveis de se compre- ender o homem mentalmente doente, mas não a única e exclusiva. Os sintomas possuem dois aspectos básicos: a forma, que é a estrutura básica, semelhante a todos os indivíduos, por exemplo: delírio, ansiedade; e o conteúdo, que é aquilo que preenche essa estrutura (pessoal), por exemplo: conteúdo de culpa, perseguição, medo de elevadores ou de sangue entre outros. Os conteúdos estão ligados à história de vida do paciente, sua cultura e persona- lidade. Neste sentindo, juntando os dois aspectos pode-se observar fenômenos ou sintomas tais como: delírio de ciúmes, de perseguição, etc. Transtorno Mental x Normalidade O conceito de normalidade em psicopatologia impõe a análise do contex- to sociocultural. Existem diversos critérios de normalidade e anormalidade em psicopatologia, dependendo para a adoção destes a opção filosófica, ideológica e pragmática de cada profissional. A seguir listar-se-á diversos critérios (insuficien- tes) utilizados ao longo dos tempos para se definir o que é ou não, ser normal. O critério de ausência de doença é um deles, porém, o próprio critério já se mostra contraindicado, uma vez que se trata de uma definição negativa, onde “ser nor- mal é não ser....”. O critério ideal também é bastante subjetivo e além de ser utópico, depende do que determinada cultura define como padrões de idealiza- ção. Não obstante, este critério pode gerar graves exclusões, segregando àque- les que não conseguem atingir estes ideais aspirados e almejados.
  • 4. 4 Outro critério que já foi bastante utilizado e em algumas condições ainda é usado é o critério estatístico, onde àqueles que apresentam determinadas características em maior frequência são considerados “dentro da faixa da norma- lidade” e as minorias, que apresentam determinadas características com menor frequência, estariam fora desta faixa e, portanto, considerados anormais e por conseguinte, excluídos. Outra definição ou critério utópico seria o de bem-estar, uma vez que um completo bem-estar em diversas áreas, com ausência de confli- tos também parece distante, além de oferecer margens à subjetividade. Com relação à subjetividade que estes critérios podem gerar, é interessante observar a definição de dois conceitos chave em psicopatologia. Em saúde mental, este tema é bastante complexo e muito já se foi discu- tido, uma vez que a existência de diagnósticos, de certo modo, sempre favoreceu e favorecerá exclusões. No entanto, é possível encontrar manuais específicos que sugerem alguns critérios sintomáticos para determinados tipos de transtorno mental, como por exemplo, a CID (Classificação Internacional de Doenças) e o DSM (Manual diagnóstico de Saúde Mental). Em psicopatologia, é muito impor- tante, e útil, considerar também como o indivíduo portador de um transtorno men- tal se relaciona com seu(s) sintoma(s). Verifica-se que a percepção que o indivíduo, supostamente portador de um transtorno mental, possui a respeito de sua condição é muito variável, sendo possível que ele possa estar sofrendo e provocando sofrimento a outros indiví- duos, sem se quer perceber esta disfuncionalidade. Um exemplo bastante prático é não muito difícil de imaginarmos é um sujeito dependente de álcool que já de- senvolveu problemas de saúde e envolvimento com situações de risco para e si para outros e não pondera que este uso esteja lhe sendo disfuncional ou está lhe trazendo prejuízos. Sob estas condições, um importante denominador, é avaliar como o sujeito se encontra ou se relaciona com o seu sintoma. Quando os sintomas apresentados pelo paciente estão em sintonia e co- adunam com a imagem e com a representação que o indivíduo tem sobre si mesmo, utilizamos a expressão egossintônico, ou seja, neste caso o indivíduo considera que seus impulsos, expressões e atitudes correspondem com a per- cepção que ele tem de si e, portanto, ele não se perturba com estes aspectos. Seu oposto, ou seja, quando os sintomas, expressões, impulsos ou comporta- mentos contrariam e perturbam o indivíduo, o qual sente que algo em si não cor- responde à sua imagem pessoal, utilizamos a expressão egodistônico. Voltando então ao exemplo acima – onde o sujeito é dependente de ál- cool e já desenvolveu problemas de saúde e envolvimento com situações de risco para e si para outros e não pondera que este uso esteja lhe sendo disfuncional ou está lhe trazendo prejuízos – pode-se considerar que este indivíduo está egos- sintônico em relação aos sintomas da dependência de álcool. Outro indivíduo com sintomas idênticos ou este mesmo indivíduo em um momento distinto de sua vida ou do tratamento, pode vir a apresentar crítica em relação à sua condição e passar a considerar a necessidade de modificar estas atitudes, pois agora ele já não mais considera que estas expressões e comportamentos (sintomas) condi- zem com a imagem ou representação que ele possui sobre si, neste caso pode- se dizer que o sujeito está egodistônico em relação ao seu transtorno. Mesmo os referidos manuais, como se poderá ver durante todo o curso, não devem ser vistos como sentenças ou considerações definitivas sobre os transtornos mentais. Prova disso é que eles precisam passar por revisões perió- dicas, a CID, por exemplo, está na sua 10ª edição e uma nova edição deverá ser em breve apresentada. Já o DSM, passou pela última revisão em 2013, sendo lançado no Brasil (versão traduzida) no ano de 2014 a 5ª edição do manual. De modo geral, para se diferenciar um sintoma entre normal ou “anormal”, deve-se ponderar três critérios básicos, não tendo sido fácil, segundo Durand e Barlow, (2011), chegar a esta definição:
  • 5. 5  Envolve uma disfunção psicológica (alteração emocional, comportamental e/ou cognitiva)  Causa desconforto, angústia e acarreta prejuízos sociais e ocupacionais  Se apresenta fora do contexto sociocultural do indivíduo O Diagnóstico em Psicopatologia Em termos éticos e práticos, qual é o valor ou a importância de um diag- nóstico psicopatológico? Ele é sem valor, serve apenas para “rotular” as pessoas consideradas “diferentes”, “excêntricas” ou ele auxilia a prática, a compreensão e à definição de estratégias terapêuticas? O que é psicodiagnóstico? Psicodiag- nóstico são construtos/ideias que servem para conhecer o objeto, no caso, o paciente. Deve-se diferenciá-lo da realidade do paciente, pois por mais completo que seja, nenhum instrumento ou conjunto de instrumentos são suficientes para apreender a realidade de um indivíduo. Além disso, nenhum diagnóstico clínico é capaz de definir um ser humano em sua essência, correndo-se o risco do diag- nóstico se transformar em uma forma de rotulá-lo. O psicodiagnóstico se baseia nos dados clínicos, composto por sinais e sintomas avaliados no momento da entrevista. Constitui-se de dois aspectos es- senciais: a) os dados clínicos momentâneos (exame psíquico) e b) os dados clínicos evolutivos (anamnese, história pregressa do transtorno). Neste sentido, deve ser pluridimensional, considerando o maior número possível de fatores e aspectos associados. A antiga versão do DSM (DSM-IV e DSM-IV R) utilizava o diagnóstico pluridimensional baseado num sistema multiaxial composto de 5 par- tes: o dados de saúde mental (1); nível de inteligência e disfuncionalidade da personalidade (2); os dados de saúde clínica (3); fatores psicossociais associa- dos (4) e nível de funcionalidade psicossocial (5), conforme quadro abaixo: Eixo 1 Diagnóstico do Transtorno Mental Eixo 2 Diagnóstico de personalidade e do nível de inteligência Eixo 3 Diagnóstico de transtornos somáticos associados Eixo 4 Problemas psicossociais e eventos da vida desencadeantes ou associados Eixo 5 Avaliação Global do Nível de funcionamento Psicossocial (AGF) Exemplo clínico: Eixo 1 – Síndrome de dependência de álcool Eixo 2 – Personalidade histriônica Eixo 3 – Cirrose hepática alcoólica Eixo 4 – estressores psicossociais – desemprego contí- nuo, dependência financeira, abandono familiar Eixo 5 – Funcionamento adaptativo atual avaliado em 25, grave dependência dos serviços clínico e social Na versão atual (DSM-5) o sistema multiaxial foi abandonado, de qual- quer forma, fatores psicossociais e contextuais importantes continuam sendo feitos em anotações separadas. A escala AGF ou GAF (eixo 5 ) foi excluída devi- do à ausência de clareza conceitual e psicometria questionável na prática cotidia- na (subjetividade envolvida). A nova edição buscou uma harmonização com a CID-11 (próxima), pois a existência de duas classificações distintas dificulta a coleta e o uso de estatísticas nacionais de saúde, complicando também as tenta- tivas de replicar resultados científicos entre países. A maioria das diferenças pro-
  • 6. 6 eminentes entre as classificações do DSM e da CID não reflete, necessariamen- te, diferenças científica reais, mas representa subprodutos históricos de proces- sos de comitês independentes. A Avaliação em Psicopatologia A entrevista e a observação são os principais instrumentos de conheci- mento. A entrevista permite a avaliação de 2 (dois) importantes aspectos: a) o aspecto evolutivo, composto com o histórico dos sintomas e sinais, antecedentes pessoais, familiares e do meio social, podendo eles serem também coletados através de uma anamnese; b) os aspectos momentâneos ou atuais, que se refere ao exame do estado mental atual, ou seja, o exame psíquico das funções men- tais. No entanto, uma avaliação psicopatológica não limita somente a estes ins- trumentos, muitos outros compõem este tipo de avaliação, entre eles: a avalia- ção física, que pode ser feita tanto pelo psiquiatra, quanto pelo clínico geral; a avaliação neurológica, que visa identificar topograficamente uma possível lesão ou disfunção no sistema nervoso central e/ou periférico; o psicodiagnóstico complementar que pode ser realizado através de testes de personalidade, scree- ning e inventários entre outros e; os exames complementares que podem ser exames laboratoriais, de neuroimagem, de SPECT, entre outros. A entrevista com o paciente configura-se em uma habilidade que reside no “como” perguntar, no “quando” falar e no “evitar” falas ou comportamentos que possam inibir a observação e análise do indivíduo avaliado. Deve-se privilegiar uma relação empática, pois dependendo da situação o profissional vai falar muito ou pouco, daí a importância de entrar em “sintonia” com o paciente, sabendo-se se colocar no lugar dele, sem se confundir ou assumir papéis que não estejam relacionados à função de entrevistador/avaliador. De modo geral, deve-se evitar: posturas rígidas, estereotipadas; atitude neutra ou fria excessivas; reações exa- geradamente emotivas ou que favoreçam falsas intimidades; comentários valora- tivos ou julgamentos morais; pena ou compaixão; hostilidade; fala prolixa ou de- masiadamente complexa, devendo-se também saber interromper de forma res- peitosa o paciente quando o discurso se mostra improdutivo para a avaliação; anotações, observando-se se estas incomodam o paciente. O primeiro contato deve produzir no paciente uma sensação de confiança e alívio do sofrimento, deve-se facilitar a fala do paciente, deixando-o “desabafar” (catarse). É importante garantir sigilo e colaboração mútua, evitando-se pausas e silêncios prolongados. Informações de parentes e terceiros podem ajudar a com- preender melhor o quadro; assim como outros profissionais que já tiveram conta- to com o paciente. Por fim, é válido também distinguir se os sinais ou sintomas se configuram em dissimulação ou simulação. A primeira é o ato de negar ou es- conder voluntariamente a presença de sinais e sintomas psicopatológicos, já a segunda é a tentativa de criar, apresentar, como o faria um ator, voluntariamente um sintoma, sinal ou vivência que de fato não o tem. As Funções Psíquicas O estudo das funções psíquicas, embora realizado de forma isolada, é apenas uma forma didática e útil para um estudo aprofundado e detalhado. Desta forma, a separação das funções deve ser considerada apenas em termos práti- cos e não como modo de se compreender um indivíduo em sua totalidade. Deve- se considerar que não existem funções psíquicas isoladas, é a pessoa inteira que adoece e não uma função. São consideradas as funções psíquicas: a) Consci- ência; b) Atenção; c) Orientação; d) Memória; e) Sensopercepção; f) Pensa- mento; g) Juízo; h) Vontade e psicomotricidade; i) Afetividade; j) Linguagem e k) as funções compostas: consciência e valoração do eu; personalidade e a inteligência.
  • 7. 7 PARTE II - As Funções Psíquicas e suas Alterações 1 - A Consciência e suas alterações Consciência significa com conhecimento / com ciência. Do ponto de vista neuropsicológico, a consciência é o estado de estar desperto, acordado, vigil, lúcido. Do ponto de vista psicológico, a consciência é: a dimensão subjetiva da atividade psíquica do sujeito que se volta para a realidade. É a capacidade do indivíduo de entrar em contato com a realidade, perceber e conhecer seus obje- tos. Dentro desse processo, destacam-se duas formas de orientação da consci- ência: a consciência do eu: conhecimento que temos de existirmos como indivi- dualidade distinta das demais coisas do mundo e a consciência dos objetos: conhecimento dos objetos que ocupam o campo da consciência. A consciência não constitui algo imóvel, estático, mas sim em constante movimento, que ao se voltar para a realidade demarca um campo: campo da consciência: Alterações normais da consciência – processos fisiológicos Complementar ao estado de “plena consciência”, ou seja, o estado vigil, existe o sono que juntos formam o ciclo sono-vigília. O sono é um estado de consciência que pode ser dividido em 5 (cinco) estágios: a) Sono REM (movimen- to rápido dos olhos) ou sono paradoxal ocupa de 20-25% do sono total, nele ocor- re a maior parte dos sonhos em forma de histórias; b) Sono não-REM (movimento não-rápido dos olhos) que pode ser divido em 4 estágios: estágio 1 - representa uma transição da vigília para o sono e ocupa cerca de 5% do tempo gasto dor- mindo, em adultos saudáveis; estágio 2 - caracterizado por formatos de ondas de EEG específicos (fusos de sono e complexos K), ocupa cerca de 50% do tempo de sono; estágios 3 e 4 - também conhecidos coletivamente como sono de ondas lentas, onde se encontram os níveis mais profundos de sono, eles ocupam cerca de 10-20% do tempo de sono. O sono REM ocorre ciclicamente durante a noite, alternando-se com sono NREM a cada 80-100 minutos, aproximadamente. Leituras Recomendadas Básica: DALGALARRONDO, Paulo. Aspectos Gerais da Psicopatologia. In: DALGALARRONDO, Paulo. Psicopatologia e semiologia dos trans- tornos mentais 2 ed. Porto Alegre: Artmed, 2000. p. 23-34. DALGALARRONDO, Paulo. Avaliação do paciente e funções psíquicas alteradas. In: DALGALARRONDO, Paulo. Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais 2 ed. Porto Alegre: Artmed, 2000. p. 61-84. CS Sistema psíquico Realidade ICS
  • 8. 8 Alterações “anormais” da consciência – processos psicopatológicos As alterações podem ocorrer de forma quantitativa, ou seja, há um rebai- xamento do nível de consciência do estado vigil (consciência) ao estado de não- consciência. Entre as alterações quantitativas encontram-se: a) Obnubilação da Consciência: há uma turvação da consciência, um rebaixamento de leve a moderado do nível de consciência. Há dificuldade de integrar as informações oriundas do ambiente, certa confusão; ocorre diminuição do grau de clareza do sensório, com lentidão da compreensão e também, dificul- dade de concentração; b) Sopor: é um estado marcante de turvação da consciência, o paciente pode ser apenas despertado por estímulo energético, sobretudo de natureza dolorosa. Há um rebaixamento de moderado a grave do nível de consciência. Nesta alteração, o paciente apresenta-se evidentemente sonolento, com reações de defesa, mas sem ação espontânea. c) Coma: é o grau mais profundo de rebaixamento da consciência, não é possível qualquer atividade voluntária consciente, há ausência de qualquer indí- cio de atividade consciente. A escala de coma de Glasgow é um dos inventários mais conhecidos e utilizados para se medir a gravidade do coma entre: muito grave; grave; moderado e leve. O rebaixamento do nível de consciência pode ser observado em quadros tais como o Delirium 1 (enquadram-se aqui as alterações tais como o estado onírico como a amência ou confusão mental). As alterações podem ocorrer também de forma qualitativa, contudo, há quase sempre um rebaixamento do nível de consciência nestas alterações, ainda que mínimo; entre elas destacam-se: 1 Trata-se de uma síndrome etiologicamente não específica caracterizada por perturbações simultâ- neas de consciência e atenção, percepção, pensamento, memória, comportamento psicomotor, emo- ção e ciclo sono-vigília. Será melhor abordada em Transtornos orgânicos (CID) ou Transtornos Neurocognitivos (DSM - 4º bimestre). a) Estados Crepusculares: ocorre estreitamento transitório da consciên- cia, com a conservação da atividade motora mais ou menos organizada. O paci- ente pode executar uma série de atos coordenados e com certa finalidade, embo- ra inconscientes, como por exemplo: andar sem destino, enfrentar situações complexas como o sistema de transportes de uma grande cidade, fazer longas viagens. Estas alterações surgem e desaparecem de forma abrupta e tem uma duração variável, de poucas horas a algumas semanas, acompanhado de amné- sia em relação às vivências. Em alguns casos podem ocorrer atos explosivos, violência e descontrole emocional. Alguns autores utilizam o termo “estado se- gundo” quando a alteração é ocasionada por fatores emocionais e estados cre- pusculares quando as causas são orgânicas; b) Dissociação da Consciência: há uma fragmentação ou divisão no campo da consciência, ocorrendo perda da unidade psíquica comum do ser hu- mano; ocorre em situações de grande ansiedade, como forma de lidar ou de se defender da ansiedade (uma forma de se desligar da realidade). As crises nor- malmente duram de minutos a horas e ocorrem com certa frequência nos qua- dros de histeria. Sua manifestação mais frequente é o sonambulismo, uma forma de dissociação a consciência; c) Transe: dissociação da consciência que se assemelha a um sonhar acordado, mas dele difere pela presença motora automática e estereotipada acompanhada de suspensão parcial dos movimentos voluntários. Ocorrem ge- ralmente em contextos religioso-culturais, porém, não se deve confundir o transe religioso com o transe histérico, este último, patológico; d) Estado hipnótico: é um estado de consciência reduzida e estreitada e de atenção concentrada, que pode ser induzido por outra pessoa (hipnotizador). É semelhante ao transe onde fenômenos podem ser induzidos, causando altera- ções no indivíduo hipnotizado. É uma técnica refinada de concentração da aten-
  • 9. 9 ção e de alteração induzida da consciência, por isso considerada anormal, po- rém, pode ser utilizada de maneira terapêutica. 2 - A Atenção e suas alterações A atenção é a direção da consciência, o estado de concentração da ativi- dade mental sobre determinado objeto: A atenção pode ser de dois tipos: voluntária, que exprime concentração ativa e intencional sobre um objeto ou espontânea, atenção suscitada pelo inte- resse momentâneo, incidental que o objeto desperta, ou seja, involuntária. Com relação à direção, a atenção pode ser externa, quando projetada para fora do mundo subjetivo do sujeito, ou interna, quando se volta para os processos men- tais, introspectiva, reflexiva. Além disso, a atenção possui amplitude, que pode ser focal, quando se mantém concentrada sobre um determinado campo ou dis- persa , quando não se concentra em um determinado campo, espalhando-se. Com relação às propriedades da atenção, existe a tenacidade que é a capacidade de fixar a atenção sobre determinada área ou objeto e a vigilância, capacidade que permite o indivíduo mudar o seu foco de um objeto para outro. Neste sentido, baseado nestas propriedades, se pode dividir a atenção em: a) atenção sustentada, capacidade de manter a atenção sobre determinado objeto e b) atenção seletiva, capacidade de selecionar estímulos e objetos específicos. A atenção flutuante, apontada por Freud não está relacionada a estas proprie- dades, trata-se de uma técnica utilizada na clínica psicanalítica que consiste em deixar fluir livremente a atividade mental, consciente e inconsciente, suspenden- do-se ao máximo as motivações, desejos e memórias. Alterações da atenção a) Hipoprosexia: há uma perda básica da capacidade de concentração e da atenção em todos os seus aspectos, com fadigabilidade aumentada, dificul- tando a percepção e a compreensão dos estímulos ambientais; b) Hiperprosexia: é um estado de atenção exacerbada, há aumento quantitativo da atenção, uma superatividade da atenção espontânea; c) Distração: não se trata de um déficit de atenção, mas sim a uma su- perconcentração sobre determinados conteúdos e inibição dos demais, diferente Leitura Recomendada Básica: DALGALARRONDO, Paulo. A consciência e suas alterações. In: DAL- GALARRONDO, Paulo. Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais 2 ed. Porto Alegre: Artmed, 2000. p. 88-101. CS Objeto ICS
  • 10. 10 da distraibilidade, pois nela há aumento () da tenacidade e diminuição () da vigilância, enquanto que na ... d) Distraibilidade: há dificuldade ou incapacidade de se fixar ou se man- ter em qualquer coisa que implique esforço produtivo, a atenção é muito facilmen- te desviada, ocorrendo diminuição () da tenacidade e aumento () da vigilância. 3 - A Orientação e suas alterações A consciência é a 1ª (primeira) função psíquica a ser avaliada e a orien- tação é a melhor forma de avaliá-la. Trata-se da capacidade do indivíduo de se situar quanto a si mesmo e ao ambiente. Obviamente, a orientação não é uma função autônoma e depende de outras funções, principalmente a memória e a sensopercepção. Denomina-se autopsíquica, a orientação em relação a si pró- prio, enquanto que a capacidade de se orientar em relação ao mundo, ou seja, quanto ao tempo e ao espaço, denomina-se alopsíquica. O processo de desori- entação ocorre primeiramente em relação ao tempo, apenas com o agravamento da desorientação é que esta se dá em relação ao espaço e por último em relação a si mesmo, seguindo a seguinte ordem: Tempo  Espaço  Si mesmo. Alterações da orientação a) Desorientação por redução do nível de consciência: também co- nhecida como desorientação toporosa ou confusa, é aquela em que o indivíduo está desorientado por turvação da consciência, perdendo a capacidade de inte- grar os estímulos ambientais; b) Desorientação por déficit de memória: também conhecida como de- sorientação amnéstica, é quando o indivíduo perde a capacidade de fixar as in- formações, perdendo a noção do fluir do tempo e do deslocamento do espaço; c) Desorientação Demencial: ocorre não apenas pela perda da memória de fixação, mas pela perda e desorganização global das funções cognitivas, ocor- re, portanto em quadros demenciais; d) Desorientação Oligofrênica: ocorre em indivíduos com graves défi- cits intelectuais, por dificuldade em compreender o ambiente, de reconhecer e interpretar as normas sociais (calendário, horas, datas); e) Desorientação Apática ou abúlica: ocorrem devido a uma marcante alteração do humor e da volição, em indivíduos gravemente deprimidos, a falta de interesse e motivação de investir energia no mundo e se ater aos estímulos am- bientais os tornam, assim, desorientados; f) Desorientação Delirante: ocorre em indivíduos que estão imersos em um profundo estado delirante, é comum a dupla orientação, na qual a orientação delirante (falsa) coexiste com a correta (real); g) Desorientação Histérica: ocorre em quadros histéricos graves, ge- ralmente acompanhados de alterações da identidade pessoal; h) Desorientação por desagregação: ocorre em pacientes psicóticos, geralmente portadores de esquizofrenia em estado crônico. Leitura Recomendada Básica: DALGALARRONDO, Paulo. A atenção e suas alterações. In: DALGA- LARRONDO, Paulo. Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais 2 ed. Porto Alegre: Artmed, 2000. p. 102-108.
  • 11. 11 4 - A Sensopercepção e suas alterações A sensopercepção é uma função importante na relação do indivíduo com o mundo interno e externo (ambiente), didaticamente pode-se dividi-la em: a) sensação – fenômeno gerado por estímulos físicos (luz, som, calor, pressão), químicos (substâncias com sabor ou odor) ou biológicos variados, originados fora ou dentro do organismo, que produzem alterações nos órgãos receptores, esti- mulando-os e b) percepção – processo neuropsicológico de transformação de estímulos puramente sensoriais em fenômenos perceptivos conscientes; é a to- mada de conhecimento sensorial de objetos ou de fatos exteriores mais ou menos complexos. A sensação é um fenômeno passivo, já a percepção é ativa. A percepção é a construção de um percepto pelo sistema nervoso e pela mente do sujeito que dá significado a uma experiência a partir da síntese dos estímulos sensoriais, confrontados com experiências passadas registradas na memória associadas ao contexto sociocultural em que o indivíduo se insere. A percepção, portanto não é o resultado passivo do conjunto de estímulos sensori- ais, mas sim recriações da mente de quem as percebe. Para melhor compreen- der estes processo, é importante diferenciar imagem de representação. Imagem e Representação O elemento básico da sensopercepção é a imagem perceptiva real ou imagem apenas; a imagem se caracteriza por: nitidez, corporeidade, estabilida- de, extrojeção, ininfluenciabilidade voluntária e completude, enquanto que a re- presentação (imagem representativa ou mnêmica) é a re-apresentação da ima- gem na consciência, sem a presença real, externa do objeto, se caracteriza por: pouca nitidez, pouca corporeidade, instabilidade, introjeção, e incompletude. Quando a evocação da representação é feita de forma bastante precisa e muito semelhante à percepção real, denominamos de imagem eidética (eidetismo). Denominamos de pareidolias o fenômeno de perceber imagens visuais voluntariamente a partir de estímulos imprecisos, como por exemplo: ver objetos formados pelas nuvens. A imaginação, portanto seria uma atividade psíquica voluntária que consiste na evocação de imagens mnêmicas (percebidas no pas- sado) ou na criação de novas imagens (imagem criada), neste sentido, a fantasia é um produto minimamente organizado da imaginação. Alterações da sensopercepção Pode-se dividir as alterações da sensopercepção em quantitativas e qua- litativas, com relação às primeiras têm-se: a) Hiperestesia: é a condição na qual as percepções se encontram anormalmente aumentadas em sua intensidade ou duração, ocorre principalmen- te em intoxicações por LSD ou após ingestão de maconha, cocaína, entre outras substâncias psicodislépticas (alucinógenas, perturbadoras ou psicoticomiméti- cas); já a hiperpatia é o aumento de uma sensação desagradável, como a sen- sação de uma queimação dolorosa provocada por um leve estímulo da pele; Leitura Recomendada Básica: DALGALARRONDO, Paulo. A sensopercepção e suas alterações. In: DALGALARRONDO, Paulo. Psicopatologia e semiologia dos trans- tornos mentais 2 ed. Porto Alegre: Artmed, 2000. p. 119-136.
  • 12. 12 b) Hipoestesia: é a condição na qual as percepções se encontram anormalmente diminuídas em sua intensidade ou duração; ocorrem principalmen- te em indivíduos depressivos que podem perceber o mundo circundante como mais escuro, sem brilho, com cores pálidas, coisas sem sabores ou sem odores; c) Anestesias táteis e analgesias: as anestesias táteis implicam na per- da da sensação tátil em determinada área da pele; já a analgesia se refere à per- da das sensações dolorosas de áreas da pele e partes do corpo. São denomina- das de parestesias sensações táteis desagradáveis, embora não sentidas como dor, descritas como “formigamentos, adormecimentos, picadas, agulhadas ou queimação”. A Parestesia de Berger é a mais conhecida. Com relação às qualitativas têm-se: a) Ilusão: é a percepção deformada de um objeto real e presente; sem- pre há um objeto externo real, mas a percepção é adulterada por fatores diversos. Basicamente ocorrem nas seguintes condições: estado de re- baixamento do nível de consciência; estado de fadiga grave ou inatenção mar- cante e em alguns estados afetivos devido a sua intensidade, nestas situações, elas são denominadas de ilusões catatímicas. As ilusões mais comuns são as visuais e as auditivas; b) Alucinação: é a percepção clara e definida de um objeto, sem que es- te esteja presente, sem o estímulo sensorial respectivo. São mais comuns em pessoas com transtornos mentais graves, mas podem ocorrer em pessoas que não, necessariamente, os apresente. As alucinações se dividem em tipos, de acordo com o órgão do sentido relacionado. As auditivas são as mais comuns nos transtornos mentais, pode-se dividi-las em simples, nelas são ouvidos ape- nas ruídos primários (cliques, burburinhos, zumbidos) e complexas, onde as mais comuns são as audioverbais, na qual o indivíduo escuta vozes sem qualquer estímulo real (presente). Geralmente as vozes insultam ou ameaçam o sujeito. Outra possibilidade de alucinação auditiva, relacionada também com alte- rações da consciência do eu, é a Sonorização do pensamento, que é uma vi- vência sensorial de ouvir o próprio pensamento. Pode-se dividi-las em: a) eco do pensamento – o paciente reconhece claramente que está ouvindo os próprios pensamentos; b) sonorização de pensamentos como vivência alucinatório- delirante – o paciente ouve pensamentos que foram introduzidos em sua cabeça por alguém estranho, sendo agora ouvidos por ele, trata-se de uma vivência de influência e c) publicação do pensamento – paciente tem a nítida sensação de que as pessoas ouvem o que ela pensa no exato momento em que está pensan- do, como se não houvesse barreiras entre o interno (eu) e o externo (mundo). As alucinações visuais também se dividem em simples, também deno- minadas de fotopsias, onde o indivíduo vê cores, bolas e pontos brilhantes ou complexas, estas incluem figuras de pessoas, partes do corpo, entidades, objetos inanimados, animais entre outros; podem incluir a visão de uma cena completa, denominadas de alucinações cenográficas. Estas podem aparecer com perso- nagens minúsculos entre objetos reais, denominadas de alucinações liliputia- nas. Sempre que as alucinações ocorrerem em pessoas idosas, estado físico geral ruim, em intoxicações/abstinência de álcool ou drogas deve-se aventar a possibilidade de causa orgânica. Nas alucinações táteis, o paciente sente espetadas, insetos ou peque- nos animais correndo sobre sua pele, são frequentes alucinações táteis sentidas nos genitais. As alucinações olfativas e gustativas geralmente são raras, quando surgem são acompanhadas de forte conteúdo emocional, podendo estar relacionadas a interpretações delirantes, por exemplo: “sinto cheiro de veneno de rato na comida, pois estão tentando me envenenar” ou “sinto gosto de ácido na comida, pois estão tentando me matar”. Outros tipos de alucinações, também relacionadas aos sentidos, são as alucinações cenestésicas e cinestésicas. Nas primeiras ocorrem percepções incomuns e claramente anormais em diferen-
  • 13. 13 tes partes do corpo, por exemplo: sentir o cérebro diminuir, o fígado despedaçar, uma víbora dentro do abdômen. Na segunda (cinestésicas), ocorrem percepções alteradas de movimento do corpo, como por exemplo: sentir o corpo afundando, o braço se elevando, entre outras. Outro tipo de alucinação são as alucinações funcionais (em função de), diferentes da ilusão em que apenas há a deformação de um objeto real e presen- te, nestas o objeto real e presente (estímulo real) apenas desencadeiam a aluci- nação, como por exemplo: o paciente começa a ouvir vozes assim que o chuveiro ou a torneira da pia são abertos. Existem ainda as alucinações denominadas de combinadas (sinestesias), estas são experiências alucinatórias com várias modalidades sensoriais (visão, tato, audição...), por exemplo: o paciente vê uma pessoa que fala com ele e que o toca, se relaciona. Alucinações menos comuns são as alucinações extracampinas, estas são alucinações experimentadas fora do campo sensoperceptivo usuais, por exemplo: o paciente vê um objeto atrás de suas costas ou atrás de uma parede. Também rara é a alucinação autoscópica, nestas o indivíduo vê a si mesmo, fora do próprio corpo contemplando a si mesmo (fenômeno do duplo). Duas formas de alucinações que podem ocorrer em indivíduos “normais” ou sem ne- cessariamente serem portadores de um transtorno mental são as alucinações hipnagógicas e hipnopômpicas. As primeiras se manifestam no momento em que o indivíduo está adormecendo, enquanto que as hipnopômpicas ocorrem na fase em que o indivíduo está despertando. c) Alucinose: é o fenômeno pelo qual o indivíduo percebe tal alucinação como estranha à sua pessoa, são acompanhadas de críticas pelo sujeito, reco- nhecendo seu caráter patológico. Diferente da alucinação, nela falta a crença nessa alucinação, ela é egodistônica, enquanto que a alucinação é egossintônica. d) Pseudo-alucinação: embora se pareça com a alucinação, dela se di- fere por não apresentar aspectos vivos e corpóreos de uma imagem perceptiva real, por exemplo: “parece uma voz .... é como se fosse uma imagem ....”. Dife- rente da alucinação falta a crença nessa alucinação, é também, egodistônica, enquanto a alucinação é egossintônica. 5 - A Memória e suas alterações A memória é a capacidade de registrar, manter e evocar os fatos já ocor- ridos, relaciona-se intimamente com a consciência, atenção e o interesse afetivo. É uma atividade altamente diferenciada do sistema nervoso, que permite ao indi- víduo registrar, conservar e evocar a qualquer momento os dados aprendidos de uma experiência. A memória é composta de 3 (três) fases ou elementos básicos: a) fase de percepção, registro e fixação; b) fase de retenção e conservação; e c) fase de reprodução e evocação. Para a formação das unidades de memória a região do hipocampo (sistema límbico) é fundamental. O processo de memorização está relacionado a diversos fatores psicoló- gicos. Dividindo-se de acordo com cada fase citada acima, podem-se destacar os Leitura Recomendada Básica: DALGALARRONDO, Paulo. A sensopercepção e suas alterações. In: DALGALARRONDO, Paulo. Psicopatologia e semiologia dos trans- tornos mentais 2 ed. Porto Alegre: Artmed, 2000. p. 119-136. Filmes: Ray; O pescador de ilusões; Mente Brilhante, entre outros.
  • 14. 14 seguintes fatores. Na fase de fixação, contribuem os seguintes aspectos: do nível de consciência e do estado geral do organismo; da capacidade de manu- tenção da atenção (tenacidade); da sensopercepção preservada; do interesse e colorido emocional relacionado ao conteúdo (afetividade); do empenho e interes- se do indivíduo em aprender (vontade); do conhecimento anterior e da capacida- de de compreensão do conteúdo; da disposição temporal das repetições; dos canais sensoperceptivos envolvidos (multicanais auxiliam na fixação). Na fase de conservação, contribui para a memorização, a repetição e a associação com outros elementos, enquanto que na fase de evocação, o esque- cimento pode estar relacionado a fatores fisiológicos, devido ao desinteresse ou desuso da informação e, por fatores psicológicos, ocasionado por repres- são, as informações ficam estocadas no sistema pré-consciente; ou por recalque, as informações ficam estocados no sistema inconsciente, segundo as contribui- ções da Psicanálise. Além disso, a memorização é feita através de um processo, este processo de memorização se divide em 3 fases: a) memória imediata ou de curtíssimo prazo: capacidade de reter o material imediatamente após ser percebido. Depende de fatores como a concen- tração, a fadigabilidade e de certo treino – sua capacidade é limitada; b) memória recente ou de curto prazo: capacidade de reter a informa- ção por um período curto de tempo, de poucos minutos até meia ou uma hora – sua capacidade também é limitada; c) memória remota ou de longo prazo: é a capacidade de evocação de informações e acontecimentos ocorridos no passado, meses ou anos – sua capa- cidade é bem mais ampla que as anteriores. Em caso de esquecimentos ou perda de memória, a regressão mnêmica costuma seguir uma lei, conhecida como Lei de Ribot:: “a perda dos conteúdos mnêmicos tende a ocorrer na ordem e no sentido inverso em que foram adquiri- dos”. Do mais recente  para o mais antigo; do mais complexo  para o mais simples; dos mais estranhos  para os mais familiares e dos mais neutros  para os mais afetivos. Tipos de memória A) Memória Explícita ou Declarativa: nela há um processo consciente e voluntário, por exemplo: evocar fatos ocorridos ou conhecimentos adquiridos. Neste sentido, pode-se dividi-la em: a) memória episódica – recordação consci- ente de fatos reais, por exemplo, “Ontem almocei com o meu amigo em um res- taurante chinês” e b) memória semântica – recordação dos significados, inclui o conhecimento dos objetos, por exemplo: Ontem = dia anterior a hoje; Amigo = pessoa que gostamos e que confidenciamos intimidade; Restaurante chinês = local especializado na culinária chinesa. B) Memória Implícita ou Não-declarativa: é uma memória automática ou reflexa, não depende de fatores conscientes e voluntários; manifesta-se em ações motoras e em atividades que não podem ser expressas por palavras, por exemplo: caminhar, andar de bicicleta, datilografar, tocar um instrumento. C) Memória de trabalho (operante ou executiva): refere-se a um con- junto amplo de habilidades cognitivas que permite que informações novas e anti- gas sejam mantidas ativas a fim de serem manipuladas. É utilizada no exercício de tarefas específicas, como pro exemplo: seguir a orientação de um endereço, memorizar o número de um telefone e depois discar. Alterações patológicas da memória As alterações da memória podem ser divididas em quantitativas e qualita- tivas. Com relação às primeiras têm-se:
  • 15. 15 a) Hipermnésia: mais do que uma alteração, é a aceleração do processo de evocação, deve-se diferenciá-la de hipertrofia da memória. Esta alteração ocorre em episódios de visão panorâmica da vida, denominada de ecmnésia, outro tipo de alteração da memória, mas que é qualitativa; b) Hipomnésia ou amnésias: é a perda da capacidade de fixar, manter ou evocar antigos conteúdos mnêmicos. As amnésias podem ter dois tipos de origem: a) amnésia psicogênica: há perdas de elementos mnêmicos que tem um valor psicológico específico (valor simbólico, afetivo), tal conteúdo pode ser recu- perado por um estado hipnótico por exemplo; b) amnésia orgânica: há perdas de elementos mnêmicos relacionados a acidentes e doenças, de maneira geral se- gue a Lei de Ribot. Já em relação aos tipos, as amnésias se dividem em: I) am- nésia anterógrada: o indivíduo não consegue mais fixar elementos mnêmicos a partir o momento em que ocorreu o dano/trauma (psicológico ou orgânico); II) amnésia retrógrada: o indivíduo perde a memória para fatos ocorridos antes da- no/trauma e III) amnésia retroanterógrada: há déficits para o que ocorreu antes e depois do dano/trauma, conforme a ilustração acima. Já nas alterações qualitativas, há uma deformação do processo de evo- cação, entre elas, destacam-se: a) Ilusões mnêmicas: há um acréscimo de elementos falsos a um nú- cleo verdadeiro de memória a lembrança adquire um caráter fictício; b) Alucinações mnêmicas: são verdadeiras criações imaginativas, o conteúdo não corresponde a nenhum acontecimento de fato ocorrido. As alucina- ções mnêmicas, junto às ilusões mnêmicas constituem o material básico para a formação dos delírios (alteração dos juízos – capítulo 7); c) Fabulações: as fabulações ou confabulações são invenções, produtos da imaginação utilizados para cobrir vazios de memória. Não há intenção de mentir ou de enganar, tanto é que elas podem ser induzidas, direcionadas pelo examinador, diferentes, portanto, das anteriores, onde o indivíduo está “conven- cido” de sua existência; d) Criptomnésia: é o falseamento da memória, onde determinados con- teúdos surgem como fatos novos. O indivíduo vivencia e conta histórias fortemen- te conhecidas como se fossem suas. Trata-se de um processo que pode ocorrer em alguns episódios de plágio; e) Ecmnésia: é a revivescência intensa, abreviada e panorâmica de uma recordação, o indivíduo revive uma lembrança de forma intensa e condensada, como por exemplo no fenômeno da visão panorâmica da vida; f) Lembrança obsessiva: é o surgimento espontâneo de imagens mnê- micas passadas, que não podem ser repelidas conscientemente. Ocorre nitida- mente em pacientes com transtorno obsessivo compulsivo. Transtornos do Reconhecimento Reconhecimento é a capacidade de identificar o conteúdo mnêmico como lembrança e diferenciá-la da imaginação e de representações atuais. Algumas alterações do reconhecimento podem ocorrer em estado de fadiga e não são, Dano/Trauma retrógrada anterógrada retroanterógrada
  • 16. 16 necessariamente, patológicas, como por exemplo, o fenômeno do já visto (Dé- jàvu), no qual o indivíduo tem a nítida impressão de que está vendo, ouvindo, pensando ou vivenciando no momento, algo que já foi experimentado no passado e o fenômeno do jamais visto, onde o indivíduo apesar de já ter passado por determinada experiência, tem a nítida sensação de que nunca a viu, ouviu, pen- sou ou viveu. De qualquer forma, tais alterações podem estar associadas a al- guns transtornos mentais. Os transtornos do reconhecimento dividem-se em dois grandes grupos: I) as Agnosias, de origem essencialmente cerebral e II) os transtornos do reconhecimento associados aos transtornos mentais, sem base orgânica definida. a) Agnosias: são déficits do reconhecimento de estímulos sensoriais, ob- jetos e fenômenos. Não podem ser explicados por déficits sensoriais, transtornos da linguagem ou perdas cognitivas globais. De acordo com os sentidos, as princi- pais formas de agnosia são: I) Agnosias táteis - ocorre uma incapacidade de reconhecer as formas do objeto colocado nas mãos (astereognosia) ou há capa- cidade de reconhecer as formas, mas incapacidade de reconhecimento global de tal objeto. Na primeira não há reconhecimento das formas, na segunda o paciente consegue descrever como o objeto é, mas não sabe qual objeto é apresentado; II) Agnosias visuais - incapacidade de reconhecer os objetos visualmente, o paciente os vê, descreve como são, mas não sabe o que são e, III) Agnosias auditivas: incapacidade de reconhecer sons - não linguísticos (agnosia auditiva seletiva) ou sons linguísticos (agnosia verbal). b) Transtornos do reconhecimento associados aos transtornos men- tais: estas síndromes podem ser consideradas tanto como transtornos do reco- nhecimento como quadros delirantes ou transtornos da consciência do eu, entre eles se destacam: I) Falso desconhecimento - o paciente não reconhece pes- soas familiares ou muito próximas, dizendo jamais tê-los visto anteriormente; II) Falso reconhecimento - também conhecida como síndrome de Frégoli, onde o indivíduo identifica falsamente uma pessoa estranha como se fosse alguém de seu círculo pessoal; III) Síndrome de Capgras - o paciente diz que a pessoa que o visitou dizendo ser seu familiar é na verdade um sósia dessa pessoa, uma falsa cópia e IV) Síndrome do duplo subjetivo - o paciente acredita que outra pessoa transformou-se fisicamente a ponto de tornar-se idêntica a ela própria. Leitura Recomendada Básica: DALGALARRONDO, Paulo. A memória e suas alterações. In: DALGA- LARRONDO, Paulo. Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais 2 ed. Porto Alegre: Artmed, 2000. p. 137-154. Filmes: Amnésia; Visões de um crime; Como se fosse a primeira vez; Procurando Nemo, entre outros.
  • 17. 17 6 - O Pensamento e suas alterações O pensamento tem como função selecionar e orientar os dados do co- nhecimento, tendo como objetivo alcançar uma integração significativa; é um tipo de comportamento encoberto, mas que pode ser expresso e, portanto, observado através da linguagem. O pensamento se constitui através de elementos sensori- ais, que oferecem substrato para o processo de pensar: imagens perceptivas e as representações. Os elementos que constituem o pensamento são: o conceito, o juízo e o raciocínio. Os conceitos se formam a partir das representações, porém, não apre- sentam elementos de sensorialidade, não sendo possível contemplá-los, nem imaginá-los. Trata-se de um elemento cognitivo e intelectivo, não é possível ouvi- lo ou senti-lo; é o elemento estrutural básico e nele se exprimem apenas os ca- racteres essenciais dos objetos e dos fenômenos. Para extraí-lo, é necessário eliminar os caracteres de sensorialidade, devendo-se também ocorrer generaliza- ção, ou seja, ele deve ser válido para todos os objetos. Por exemplo, “tente des- crever qual é a função, o significado e como é um determinado objeto, sem re- presentá-lo, apenas explicar através da linguagem verbal, sem apontar”. O juízo é o processo que conduz ao estabelecimento de relações signifi- cativas entre os conceitos básicos, é, portanto a relação entre dois conceitos, por exemplo: Conceito (1) = cadeira; Conceito (2) = utilidade; Juízo = a cadeira é útil. Linguisticamente, conceitos se expressam por palavras e juízos por frases ou proposições. Outros exemplos podem ser encontrados em: Conceito (1) = mãe; Conceito (2) = bebê; Juízo (1) = a mãe cuida do bebê ou neste: Conceito (3) = cuidar de; Conceito (2) = bebê; Juízo (2) = os cuidados favorecem o desenvolvi- mento do bebê. Já o raciocínio, é o processo que conduz ao estabelecimento de relações significativas entre os conceitos e entre juízos. Resumidamente, pode-se afirmar que conceitos formam juízos, juízos conduzem a formação de novos juízos que formam o raciocínio. Por exemplo nessa sequência: Conceito (1) = mãe; Conceito (2) = bebê Juízo (1) = a mãe cuida do bebê; Conceito (3) = cuidar de; Conceito (2) = bebê; Juízo (2) = os cui- dados favorecem o desenvolvimento do bebê. A relação significativa que se extrai destes juízos formados por conceito é o raciocínio = Os cuidados maternos favo- recem o desenvolvimento do bebê. Alterações dos Elementos do Pensar Em relação aos conceitos dois tipos de alteração são possíveis, estas são mais facilmente observadas em paciente psicóticos, são elas: a) Desintegra- ção dos conceitos: quando os conceitos perdem seu significado original, ou seja, a ideia de determinado objeto e a palavra que normalmente a designa pas- sam a não mais coincidir, por exemplo: Ateu = a teu comando = comandado de Deus, invertendo-se, portanto o significado original e b) Condensação dos con- ceitos: ocorre quando dois ou mais conceitos são fundidos em uma só ideia, formação de neologismos por exemplo. Em relação aos juízos a sua alteração é denominada de: c) Delírio: devido a sua importância no estudo das psicopatolo- gias será posteriormente estudada de forma detalhada (capítulo 7). Em relação ao raciocínio / pensamento diversas formas de alteração podem ser observadas, entre elas: a) Pensamento mágico: alteração que fere frontalmente os princípios da lógica formal e da realidade; nela seguem-se os desígnios dos desejos, das fan- tasias, adequando a realidade ao pensamento, ou seja, faz-se uma associação puramente subjetiva de fatos objetivos;
  • 18. 18 b) Pensamento dereístico: uma forma de pensamento mágico que se opõe marcadamente ao pensamento realista. O pensamento obedece a lógica e a realidade naquilo em que interessa ao sujeito, distorcendo a realidade para adaptá-la aos seus anseios – a mitomania é um bom exemplo; c) Pensamento concreto (concretismo): neste tipo de alteração não ocorre a distinção entre a dimensão abstrata, simbólica e a dimensão concreta imediata dos fatos. Não se consegue utilizar metáforas, ou seja, leva-se ao pé da letra sem entender o que essa metáfora significa. Por exemplo, “tirar o cavalo da chuva é entendido como uma necessidade de se retirar o animal da chuva, ao invés do que a expressão culturalmente significa”; d) Pensamento inibido: ocorre a inibição do raciocínio, com diminuição da velocidade, tornando o pensamento lento e pouco produtivo; e) Pensamento vago: a concatenação de conceitos e juízos em raciocí- nio é feita de forma imprecisa, ocorrendo falta de clareza e precisão do raciocínio; f) Pensamento prolixo: discurso que dá longas voltas ao redor do tema, com dificuldade em obter uma construção direta, clara e acabada, falta a capaci- dade de síntese. Nunca se chega ao ponto central, roda-se em cima do mesmo tema, eventualmente, conclui-se o raciocínio; g) Pensamento deficitário (oligofrênico): é um pensamento de estrutu- ra pobre e rudimentar, os conceitos são escassos e utilizados de forma mais con- creta do que abstrata; h) Pensamento confusional: nesta alteração, devido à turvação da consciência, apresenta-se um pensamento incoerente, que impede o indivíduo de apreender de forma clara e precisa os estímulos ambientais e processar o seu raciocínio, relacionado, portanto ao rebaixamento da função consciência; i) Pensamento desagregado: pensamento radicalmente incoerente, os conceitos e os juízos não se articulam, ocorre mistura aleatória de palavras sem sentido, uma espécie de “salada de palavras” que nas alterações da linguagem são denominadas de jargonofasia, esquizofasia, observada, portanto em paci- entes psicóticos crônicos; j) Pensamento obsessivo: nele predominam ideias ou representações que, apesar de absurdas ou repulsivas, se impõem à consciência do indivíduo de modo persistente e incontrolável, observada em quadros de Transtorno obsessivo compulsivo (TOC). O Processo do pensar No processo do pensar distinguem-se três aspectos: o curso, a forma e o conteúdo. O curso é o modo como o pensamento flui, a sua velocidade e o seu ritmo ao longo do tempo, já a forma é a estrutura básica, sua “arquitetura”, preenchida pelos mais diversos conteúdos, ou seja, é o modo como o pensamen- to se “mostra se apresenta, seu formato”, enquanto que o conteúdo é aquilo que dá substância ao pensamento, os seus temas predominantes, o assunto em si. Cada um destes processos pode apresentar alterações que recebem denomina- ções específicas. Algumas são semelhantes às alterações dos elementos do raciocínio, estudas anteriormente, porém recebem nomenclaturas distintas por se tratar de alterações também do processo, não se restringindo somente aos ele- mentos. Com relação às alterações do curso, destacam-se: a) Aceleração do pensamento (Taquipsiquismo): o pensamento flui de forma muito acelerada, uma ideia se sucedendo à outra rapidamente, podendo dificultar a compreensão do raciocínio;
  • 19. 19 b) Lentificação do pensamento (Bradpsiquismo): o pensamento pro- gride lentamente de forma dificultosa; há certa latência entre as perguntas e as respostas que o paciente apresenta; c) Bloqueio ou interceptação do pensamento: nesta alteração, ao rela- tar algo, o paciente de forma brusca e repentina interrompe seu pensamento e consequentemente sua fala, como se estivesse paralisado; d) Roubo do pensamento: frequentemente associado ao bloqueio do pensamento, porém, neste tipo de alteração o paciente tem a nítida sensação de que seu pensamento foi roubado de sua mente por uma força ou ente estranho, ou objeto (antena, máquina). Trata-se de uma vivência de influência, uma forma de alteração da consciência do eu, assim como envolve uma alteração do juízo, constituindo-se também em um delírio. Ambas as funções serão posteriormente estudadas (capítulos 7 e 11). Já em relação às alterações da forma, destacam-se: a) Fuga de ideias: é uma alteração secundária à aceleração do pensa- mento, onde as ideias se seguem de forma extremamente rápida perturbando as associações lógicas; b) Dissociação do pensamento: os pensamentos passam a não seguir uma sequência lógica e bem organizada, neste sentido, os juízos não se articu- lam de forma coerente uns com os outros; há uma desorganização do pensamento que dificulta a compreensão; c) Afrouxamento das associações – Descarrilamento do pensamento e Desagregação do pensamento: em ordem crescente de gravidade constitu- em-se em perdas dos enlaces associativos e da coerência do pensamento; o sujeito vai se perdendo em sua forma de pensar até chegar a uma desagregação. Estas alterações são observadas principalmente em pacientes psicóticos crônicos e em quadros demenciais. Com relação ao conteúdo do pensamento, não se utiliza em psicopatolo- gia a denominação alteração de conteúdo, mas existem determinados temas que, geralmente preenchem os sintomas psicopatológicos e são mais comumente observados, entre eles destacam-se os conteúdos: persecutórios; depreciativos; religiosos; sexuais; de poder, riqueza, prestígio ou grandeza; de ruína ou culpa e conteúdos hipocondríacos, entre outros. 7 - O Juízo e suas alterações O juízo é um elemento do pensamento e ajuizar quer dizer julgar, portan- to todo juízo implica em um julgamento. Os juízos podem ser falseados por inú- meras formas, sendo ou não patológicos; entre os não-patológicos destacam-se os erros simples e entre os patológicos destacam-se as ideias prevalentes e os delírios. O erro simples se origina da ignorância, do julgar apressado e com base em premissas falsas, por exemplo: pensar que o sol gira em torno da terra, se me cair um dente, um conhecido meu irá morrer. Os erros são passíveis de serem corrigidos pela experiência, pelas provas e pelos dados que a realidade Leitura Recomendada Básica: DALGALARRONDO, Paulo. O pensamento e suas alterações. In: DAL- GALARRONDO, Paulo. Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais 2 ed. Porto Alegre: Artmed, 2000. p. 193-205.
  • 20. 20 oferece, além disso, são psicologicamente compreensíveis podendo ocorrer devi- do à ignorância ou por situações afetivas intensas. Outras formas de ajuizar, não necessariamente patológicas, são: a) os preconceitos, juízos a priori, baseados em falsas premissas e que geralmente visam atender os interesses de determinados grupos sociais em relação a um grupo, por exemplo: racismo, classismo, sexismo e b) as crenças culturais e su- perstições, juízos compartilhados por determinado grupo cultural (religioso, políti- co, étnico). As superstições geralmente são motivadas por fatores afetivos (dese- jos, temores), como por exemplo: não comer determinados alimentos em algu- mas religiões; não passar em baixo de escadas, guardar um trevo de quatro fo- lhas, pé de coelho etc... Já em relação às alterações patológicas destacam-se: a) Ideias prevalentes ou sobrevaloradas: são alterações do ajuizar que, por conta da importância afetiva (catatimia), adquirem predominância enor- me sobre os demais pensamentos, conservando-se obstinadamente na mente do indivíduo. Distinguem-se das ideias obsessivas, pois são egossintônica, ou sejá, aceitas pelo indivíduo, o qual se identifica com elas. Em uma escala de muito insight até pouco insight pode-se encontrar a seguinte sequência: Ideias obses- sivas (muito insight)  ideias prevalentes  delírios (pouco insight). Exemplos de ideias prevalentes são: uma mãe que se preocupa excessivamente com um filho quando este sai, acreditando que ele sempre está em perigo; um amante inseguro que não pára de pensar se sua amada realmente o ama, buscando em cada detalhe provas contra esse amor. As ideias prevalentes possuem algumas características importantes: a) são sustentadas com grande convicção, porém menos que no delírio; b) são compreensíveis a partir das experiências passadas de um indivíduo e de sua personalidade; c) causam sofrimento ou disfunção no sujeito e naqueles com quem ele convive; d) podem eventualmente progredir para um delírio verdadeiro; e) o paciente não busca ajuda por conta destas ideias e f) assemelham-se a con- vicções religiosas ou políticas apaixonadas. b) O Delírio: as ideias delirantes ou delírio são juízos patologicamente falsos – é um erro do ajuizar que tem origem no transtorno mental. Não é a falsi- dade do conteúdo da crença que caracteriza o delírio, mas sobretudo a justificati- va para a crença e o tipo de evidência que lhe assegura que as coisas são assim. Neste sentido, os delírios possuem 4 (quatro) características importantes que devem ser levadas em conta em seu diagnóstico: Contudo, os delírios podem ocorrer em mais de uma pessoa, são os de- nominados: delírios compartilhados ou loucura a dois (folie à deux). Isso pode ocorrer através do contato entre um sujeito realmente psicótico ou com transtorno delirante que, ao interagir intimamente com uma pessoa influenciável ou com personalidade dependente, acaba por gerar o delírio nesta ou nestas pessoas mais frágeis ou sugestionáveis. Com relação à estrutura os delírios podem ser divididos em primário ou secundário (ideias deliróides):
  • 21. 21 Delírio primário (ideias delirantes) x Delírio secundário (ideias deliróides) É psicologicamente incompreensível, impenetrável Deriva de condições psicologica- mente compreensíveis Origina-se de uma alteração primária do pensamento Estão ligados a alterações de outras funções A temática delirante está relacionada a um tipo de alteração do humor, denominado humor delirante, uma espécie de período pré-delirante, ou fase de construção do delírio, onde ele não se expressa, mas se encontra latente. Nesse período o paciente experimenta aflição e ansiedade intensas, como se algo terrí- vel fosse acontecer, mas ele não sabe muito bem o que é. O humor delirante cessa quando o sujeito configura o delírio, ou seja, o delírio surge como uma revelação inexplicável do que está acontecendo. Embora para o observador externo possa parecer estranho, para o deli- rante, as conclusões ou juízos, lhes faz “todo o sentido”, por exemplo: “Ah! Agora eu sei, entendi tudo, aquelas pessoas estão querendo me matar, estão fazendo um complô contra mim”. Muitas vezes o indivíduo se “acalma”, pois acaba a am- bivalência entre dúvida x certeza ou entre ansiedade x delírio. Deve-se pensar no delírio como uma construção, um processo de tentativa de reorganização do funcionamento mental; um esforço para lidar com a desorganização que a doen- ça de fundo lhe traz. c) Percepção Delirante: neste tipo de alteração, o delírio surge a partir de uma percepção normal, que imediatamente recebe significação delirante. Por exemplo: “um sujeito entra em um recinto com pessoas vestidas com trajes de cor preta (uma percepção real) e imediatamente entende que aquilo significa que estão tramando contra a sua pessoa”. A percepção delirante é vivenciada como uma revelação, uma descoberta abrupta que o leva a entender tudo o que se passa, como se a ansiedade e desorganização que se vive, passasse a ter um sentido, o objeto ou a situação (real) apenas desencadeou o delírio. Alguns tipos de Delírios a) De perseguição (persecutório): o sujeito acredita que é vítima de um complô e está sendo perseguido por pessoas conhecidas ou desconhecidas, este é o tema mais frequente dos delírios; b) De referência (autorreferência): o sujeito apresenta a tendência do- minante a experimentar fatos cotidianos, fortuitos como referentes à sua pessoa – ser alvo frequente e constante de referências depreciativas, caluniosas; este tipo de delírio geralmente ocorre associado à perseguição; c) De influência ou controle: o sujeito vivencia intensamente o fato de estar sendo controlado, comandado ou influenciado por pessoa ou entidade ex- terna; algo/alguém controla seus sentimentos, suas funções corporais, nele tam- bém contém um conteúdo persecutório, além disso, implica, necessariamente uma alteração da função consciência do eu (capítulo 11); d) De grandeza, poder: o sujeito acredita ser extremamente especial, dotado de capacidades e poderes, ter um destino espetacular; pensa que pode tudo, tem poderes e conhecimentos superiores ou especiais. Geralmente se ob- serva estas formas de delírio em alterações do humor (afetividade), em quadros denominados maníacos. Nestes casos, portanto são ideias deliróides e não delí- rios, pois a alteração do juízo é secundária à alteração da afetividade, ou seja, se o humor estiver estável, o delírio tende a desaparecer; e) Místico ou religioso: o sujeito afirma ser ou receber mensagens de que é o novo messias, um Deus, um Jesus, um santo poderoso ou até mesmo
  • 22. 22 um demônio; não se deve confundir este tipo de delírio com fanatismo religioso ou a fé religiosa, dada as condições socioculturais; f) De ciúmes, de infidelidade: o sujeito percebe-se traído pelo cônjuge de forma vil e cruel, que o outro tem centenas de amantes; normalmente o indiví- duo é extremamente dependente do ser amado. Nestes casos, é difícil diferenciar quando é delírio e quando é ideia prevalente; g) Erótico ou Erotomania: nestes casos, o sujeito afirma que uma pes- soa de destaque social ou de grande importância para o paciente está totalmente apaixonada por ele; h) De conteúdo depressivo: estão intimamente relacionados a estados depressivos, podem-se destacar os: De ruína no qual o sujeito vive um repleto de desgraças, acredita que está condenado à miséria, o futuro lhe reserva a ele e a sua família apenas sofrimentos e fracassos, pode chegar a acreditar que está morto ou que todos estão mortos; De culpa e de auto-acusação - o sujeito afir- ma sem base real, ser culpado por tudo de ruim que acontece no mundo e na vida das pessoas que o cercam, de ser pessoa indigna, pecaminosa e que deve ser punida e, de Negação de órgãos, nestes casos, o indivíduo relata que o seu corpo está destruído ou morto. Diagnóstico Diferencial As ideias delirantes, diferente das ideias prevalentes, são marcadas por convicção extraordinária; certeza subjetiva praticamente absoluta; impossibi- lidade de modificação da ideia pela experiência e possuem caráter associal, ou seja, não compartilhado pelo grupo cultural do sujeito. Nas ideias obsessivas, diferente das ideias delirantes, o sujeito sofre com elas, tem crítica em relação a seu caráter absurdo, ou seja, são egodistônicas, enquanto que nas ideias deliran- tes falta, de modo geral, a crítica ao caráter absurdo, são egossintônicas. 8 - A Afetividade e suas alterações A vida afetiva é a dimensão psíquica que dá cor, brilho e calor a todas as vivências humana; sem a afetividade a vida mental se torna vazia, sem sabor. Define-se afeto como a qualidade e o tônus emocional que acompanha uma ideia ou uma representação, neste sentido, afetividade é um termo genérico que com- preende várias modalidades de vivências afetivas, como por exemplo: o humor, as emoções e os sentimentos. Humor ou estado de ânimo é a disposição afe- tiva de fundo que penetra toda a experiência psíquica, a lente afetiva que dá às vivências do sujeito, a cada momento, uma cor particular. Esse estado amplia ou reduz o impacto das experiências reais e, muitas vezes, modifica o seu sentido e a sua natureza. O humor é vivido corporalmente e se relaciona com as funções vegetativas, é somático e psicológico. Exemplos de humor são: humor irritado, humor depressivo, humor maníaco ou elevado, entre outros. As Emoções, por sua vez são reações afetivas agudas, momentâneas, desencadeadas por estímulos significativos; é um estado afetivo intenso de curta duração, originado como reação do indivíduo a certas excitações internas ou Leitura Recomendada Básica: DALGALARRONDO, Paulo. O juízo e suas alterações. In: DALGALAR- RONDO, Paulo. Psicopatologia e semiologia dos transtornos men- tais 2 ed. Porto Alegre: Artmed, 2000. p. 206-231. Filmes: Teoria da Conspiração; K-Pax, o caminho da luz; Spider, desa- fie a sua mente; Mente Brilhante; Dom Casmurro, entre outros.
  • 23. 23 externas, conscientes ou não. É um movimento emergente, uma tempestade anímica que desconcerta, comove e perturba o instável equilíbrio existencial, assim como o humor é uma experiência somática e psíquica. Exemplos de emo- ções podem ser: a alegria, a raiva, o susto, entre outras. Já os Sentimentos são estados e configurações afetivas estáveis, são mais atenuados que às emoções em sua intensidade e menos reativos a estímulos passageiros. Geralmente estão relacionados a representações, valores e conteúdos intelectuais; é um estado “mais mental” do que somático – são as ideias que representam os afetos, mas energizadas por esses afetos, como por exemplo: tristeza, tesão, amor, culpa. A Paixão, por fim, é um estado afetivo extremamente intenso, que domina a ativi- dade psíquica como um todo, nela o indivíduo dirige a atenção e o interesse em uma só direção, inibindo os demais interesses. A afetividade pode influenciar as demais funções, seja através do humor, das emoções, sentimentos ou paixões. Denomina-se Catatimia, quando as ou- tras funções psíquicas são alteradas devido à ação da afetividade, a ilusão cata- tímica é um exemplo de alteração da função sensopercepção devido à ação da afetividade. Conforme foi estudado anteriormente, a fixação de um conteúdo na memória pode ocorrer de forma mais fácil, quando ocorre uma associação afetiva no armazenamento desta informação. A lembrança obsessiva, por exemplo, ge- ralmente está ligada a uma questão afetiva, esta influência da função afetividade sobre a memória e o pensamento, são exemplos de catatimia. A vida afetiva ocorre sempre num contexto de relações do Eu com o mundo e com as pessoas; à capacidade do indivíduo ser influenciado afetiva- mente por estímulos externos denomina-se sintonização afetiva, enquanto que a capacidade do indivíduo em transmitir, irradiar ou contaminar os outros com o seu estado afetivo, permitindo que os demais entrem em sintonia com ele, deno- mina-se irradiação afetiva. Já a impossibilidade ou dificuldade tanto de sintoni- zação quanto de irradiação afetiva denomina-se rigidez afetiva, nestas o indiví- duo não produz reações afetivas nos outros nem reage diante de uma situação afetiva específica. Sentimentos e/ou emoções relacionadas à esfera afetiva que merecem atenção e diferenciação são: a ansiedade, a angústia e o medo. A Ansiedade é um estado desconfortável, de apreensão negativa em relação ao futuro, uma inquietação interna desagradável, enquanto que a Angústia assemelha-se a ansiedade, mas tem conotação mais corporal e mais relacionada ao passado; a angústia se relaciona à sensação de aperto no peito e na garganta, de compres- são, sufocamento. Já o Medo, diferente da angústia e da ansiedade, o se volta a objetos mais ou menos precisos, o medo, quase sempre é medo de algo. Alterações Patológicas da Afetividade Com relação às alterações do humor, o gráfico abaixo ilustra as princi- pais alterações possíveis, segundo os principais manuais: a) Distimia: é o termo utilizado por Dalgalarrondo (2008), que designa a alteração básica do humor, tanto no sentido da exaltação quanto da inibição, Humor normal Humor hipomaníaco Humor distímico Humor depressivo Humor maníaco / euforia
  • 24. 24 deste modo o autor utiliza nomenclaturas tais como: distimia hipotímica e distimia hipertímica. No gráfico acima, foram ilustradas as nomenclaturas que os princi- pais manuais (CID e DSM) utilizam para diferenciar os tipos de alteração de hu- mor, neste sentido, na prática, não se utiliza os termos sugeridos por Dalgalar- rondo (2008), devendo-se privilegiar a nomenclatura dos manuais; b) Disforia: é a distimia (alteração qualquer de humor) quando acompa- nhada de uma tonalidade afetiva desagradável, mal-humorada – fortemente acompanhada pela irritação, amargura ou agressividade. A irritabilidade patoló- gica, é uma expressão da disforia, trata-se de uma hiper-reatividade desagradá- vel, hostil e agressiva exagerada; c) Puerilidade: alteração do humor que não se encontra localizada no gráfico acima, pois ela se caracteriza muito mais pelo aspecto infantil, regredido, nele o sujeito ri ou chora por motivos banais, sua vida afetiva é superficial, sem afetos profundos, do que uma elevação ou diminuição do humor. Com relação às alterações das emoções e dos sentimentos, têm-se: a) Apatia: é a diminuição da excitabilidade emotiva e afetiva; o paciente não pode sentir alegria, tristeza, raiva nem nada. Nesta alteração, o indivíduo sabe a importância afetiva que determinada experiência deveria ter, mas não consegue sentir nada (afetos); b) Anedonia: é um fenômeno muito próximo da apatia e pode ocorrer de forma simultânea; significa a perda da capacidade de sentir prazer; c) Hipomodulação do afeto: é a incapacidade do indivíduo de modular a resposta afetiva de acordo com a situação existencial, indica, portanto rigidez na sua relação com o mundo e com as pessoas; d) Inadequação do afeto ou paratimia: trata-se de uma reação comple- tamente incongruente às situações existenciais, é uma contradição profunda en- tre a esfera ideativa e a afetiva. É mais comum, observar nos casos clínicos a expressão “humor congruente” ou “humor incongruente”. A definição é a mesma para este tipo de alteração, mas Dalgalarrondo prefere classificar esta alteração, ou seja, a contradição entre a esfera ideativa e a afetiva como uma alteração das emoções e dos sentimentos; na prática, porém, é mais comum associar este contraste com a expressão humor; e) Embotamento afetivo e devastação afetiva: perda profunda de todo tipo de vivência afetiva; ao contrário da apatia, que basicamente é subjetiva, o embotamento é observável por meio da postura e da atitude do paciente. A apatia e a anedonia são mais comuns em pacientes depressivos, enquanto que o embotamento se observa em pacientes psicóticos; f) Labilidade afetiva e incontinência afetiva: são estados nos quais ocorrem mudanças súbitas e imotivadas de humor, sentimentos ou emoções. Neste tipo de alteração o sujeito não consegue conter de forma alguma suas reações afetivas; geralmente elas são bastante desproporcionais e exageradas, sendo mais facilmente observadas em personalidades histéricas; g) Fobias: são medos desproporcionais e incompatíveis com as possibi- lidades de perigo real oferecidas por desencadeantes chamados situações fobí- genas. Embora existam diversas formas de fobia, duas delas, devido à frequên- cia merecem maior atenção e definição: I) a agorafobia, medo de espaços am- plos e de aglomerações como estádios, cinemas, congestionamentos, supermer- cados; locais ou situações onde possa ser difícil escapar ou onde o auxílio possa não estar disponível e II) a fobia social, o medo de contato com interações soci- ais, principalmente pessoas pouco familiares e em situações onde se possa sentir estar sendo examinado, avaliado ou criticado; h) Pânico: é uma situação de intenso medo e de pavor relacionado, ge- ralmente, ao perigo imaginário de morte iminente, descontrole ou
  • 25. 25 desintegração. Manifesta-se através de ataques e crises agudas de extrema an- siedade, medo de morte, de perder o controle e de acentuada descarga autonô- mica. Por fim, existem alguns sentimentos que embora considerados normais, em determinadas ocasiões e em certo grau podem ter implicações patológicas, entre eles destacam-se o ciúme e inveja. 9 - A Vontade, a Psicomotricidade e suas alterações A Vontade é uma dimensão complexa da vida mental, relacionada inti- mamente com as esferas instintivas, afetiva e intelectiva. Já o Instinto é o modo relativamente organizado e complexo de resposta comportamental de uma dada espécie para melhor sobreviver em seu ambiente natural, como por exemplo: as reações e os comportamentos associados à fome e outros instintos de sobrevi- vência. O Desejo, por sua vez é um querer, um anseio, um apetite de natureza consciente ou não, que busca sempre satisfação, é diferente de Necessidade, pois estas são fixas e inatas, independem da cultura e da história individual, não são móveis como os desejos – que dependem da cultura e da história individual. O Ato volitivo ou ato de vontade é traduzido pelas expressões típicas do “eu quero” ou “eu não quero”; como é influenciado pela razão e pelos afetos, distinguem-se em motivos (razões intelectuais) e móveis (influências afetivas). Além disso, o ato evolutivo é realizado através de um Processo Volitivo, que pode ser em 4 fases distintas: I) Intenção ou propósito: nesta fase se esboçam as tendências básicas do indivíduo, suas inclinações e interesses (impulsos, desejos e temores inconscientes exercem influência decisiva sobre o ato volitivo) muitos de- les podem ser imperceptíveis para o indivíduo; II) Deliberação: nesta fase ocorre uma ponderação consciente, o indiví- duo faz uma análise básica do que seria positivo ou negativo, favorável ou desfavorável; III) Decisão propriamente dita: esta fase é o momento culminante do processo volitivo, é o instante que demarca o começo da ação, no qual os móveis e os motivos vencidos dão lugar aos vencedores; é a fase de pre- paração (pré – para a ação); IV) Execução: etapa final do processo volitivo, envolve o conjunto de atos psicomotores simples e complexos decorrentes da decisão, coloca- dos em funcionamento. O ato de vontade pautado por essas 4 (quatro) etapas é denominado de ação voluntária. O oposto a ação voluntária são os atos impulsivos, uma espécie de curto circuito do ato voluntário, neles as três primeiras fases são abrupta- mente abolidas; os atos impulsivos diferem-se dos atos compulsivos, conforme se pode observar no quadro abaixo: Leitura Recomendada Básica: DALGALARRONDO, Paulo. A afetividade e suas alterações. In: DAL- GALARRONDO, Paulo. Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais 2 ed. Porto Alegre: Artmed, 2000. p. 155-173. Filmes: Mr. Jones; Sideways, entre umas e outras; As faces de Helen; O lado bom da vida, entre outros.
  • 26. 26 Atos Impulsivos x Atos Compulsivos  Abole as 3 primeiras fases do ato voluntário em função da inten- sidade do desejo ou dos temores  São egossintônicos, não se tenta evitá-los ou adiá-los  Geralmente são associados a impulsos patológicos de natureza inconsciente ou à incapacidade de tolerância a frustração  Ocorre tentativa de adiá-lo, de refrear o ato  São egodistônicos, experenci- ados como indesejáveis e estra- nhos ao indivíduo;  Há sensação de alívio ao se realizar o ato  São associados a ideias obsessivas Alguns impulsos e compulsões patológicas Dalgalarrondo (2008) lista uma série impulsos e compulsões patológicas, entre elas, destacam-se: a) Automutilação: impulso ou compulsão seguido de comportamento de autolesão voluntária; tricotilomania, impulso ou compulsão de arrancar os fios de cabelo, é também uma forma de automutilação; b) Frangofilia: impulso ou compulsão patológica de destruir os objetos que circundam o indivíduo; c) Piromania: impulso de atear fogo a objetos, prédios e lugares; d) Impulso ou ato suicida: deve-se sempre investigar em pacientes de- primidos e cronicamente ansiosos que se apresentam desesperançados ou desmoralizados. Trata-se um critério que pode estar presente no diag- nóstico de episódio depressivo (F32) ou transtorno afetivo bipolar (F31), entre outros diagnósticos em que o humor esteja alterado; e) Bulimia: (fome de boi) compulsão ou impulso irresistível de ingerir ra- pidamente grande quantidade de alimento; após a ingestão há o senti- mento de culpa, medo de engordar e consequente indução de vômito ou uso de laxantes. Trata-se de um diagnóstico específico (F50.2) perten- cente aos transtornos alimentares; f) Dipsomania: impulso ou compulsão periódica de ingerir grandes quan- tidades de álcool até ficar inconsciente; g) Cleptomania: impulso ou compulsão de roubar, precedido geralmente de intensa ansiedade e apreensão que apenas se alivia quando o indiví- duo realiza o roubo. O valor do objeto não é o fator mais importante, mas sim a ansiedade gerada pela possibilidade de se praticar o ato; h) Jogo patológico: é a compulsão por jogos de azar, fazer apostas, es- pecular com dinheiro, apesar de prejuízos financeiros e sociais percebi- dos pelo sujeito. Em sua última versão (5ª), o DSM inclui este transtorno no mesmo capítulo das dependências de substâncias psicoativas; i) Compulsão por comprar: o indivíduo sente necessidade premente de comprar objetos sem observar a utilidade, sem ter necessidade ou até mesmo poder utilizar tais objetos; j) Impulsos ou compulsões da esfera Sexual: são diversos os atos im- pulsivos ou compulsivos relacionados a esta esfera, eles serão melhor explorados no último bimestre em transtornos de preferência sexual ou parafilias (F65) no capítulo de transtornos relacionados ao gênero e ao comportamento sexual. Entre eles se destacam: fetichismo, exibici- onismo, voyeurismo, froterismo, pedofilia, pederastia, gerontofilia, ninfo- mania, satiríase, zoofilia, necrofilia e coprofilia. Além destes, Dalgalarron- do (2008) ainda cita outras formas de impulso e compulsão, como por
  • 27. 27 exemplo: compulsão à masturbação, utilização de roupas íntimas do sexo oposto, introdução de objetos na vagina e no ânus. Alterações da Vontade a) Hipobulia/Abulia: é a diminuição ou até abolição da atividade volitiva, nesta alteração o indivíduo não tem vontade para nada, sente-se desanimado, sem “pique”. Geralmente está associada a apatia e anedonia, são típicas em quadros depressivos; b) Negativismo: oposição às solicitações do meio, nesta alteração, o in- divíduo se nega a colaborar, opondo-se ao contato interpessoal. A sitiofobia, re- cusa em se alimentar e o mutismo, uma alteração da linguagem são exemplos de negativismo. Estas alterações geralmente são observadas em quadros de esqui- zofrenia (catatônica) e quadros depressivos graves; c) Obediência automática: é o oposto do negativismo, nela, perde-se a autonomia e a capacidade de conduzir seus atos volitivos, também é mais facil- mente observada em quadros psicóticos graves e, principalmente, na esquizofre- nia catatônica (F20.2); d) Fenômenos em eco (ecopraxia, ecolalia, ecomimia e ecografia): neste tipo de alteração, o indivíduo repete de forma automática o entrevistador ou a pessoa do meio, perdendo, portanto a autonomia sobre os seus movimentos. Alterações da Psicomotricidade Psicomotricidade são as alterações finais do ato volitivo, ligadas portan- to ao prejuízo ou disfuncionalidade das expressões finais do comportamento mo- tor, entre elas, pode-se destacar: a) Agitação psicomotora: é a aceleração e exaltação de toda a ativida- de motora do indivíduo, é uma das alterações mais comuns entre as alterações da psicomotricidade e está ligada a um taquipsiquismo (aceleração) geral. Ge- ralmente está associada aos quadros maníacos, episódios esquizofrênicos agu- dos, quadros paranoides e em síndromes demenciais e orgânicas; b) Lentificação psicomotora: ao contrário da anterior, reflete a lentifica- ção de toda a atividade psíquica (bradpsiquismo), toda a atividade voluntária tor- na-se lenta, difícil, “pesada”; c) Estupor: é a perda de toda a atividade espontânea que atinge o indi- víduo globalmente em um estado de consciência aparentemente preservado e de capacidade sensório motora para reagir ao ambiente. Nestes quadros, o indivíduo geralmente fica restrito ao leito e pode chegar a defecar e a urinar no local, não se alimenta e se lá deixado sem cuidados, fatalmente irá falecer. O estupor pode ser dividido em três tipos: I) estupor melancólico, observado em quadros de- pressivos, geralmente é hipotônico, ou seja, a musculatura do paciente se mostra relaxada, flácida; II) estupor histriônico, está relacionado a fatores psicogênicos compreensíveis, trata-se de uma reação emocional e fisionômica de perplexida- de, que paralisa o sujeito e III) estupor catatônico, neste o enfermo permanece imóvel, não reage aos estímulos mais intensos nem manifesta movimentos de defesa, é mais comum a manifestação hipertônica (músculos enrijecidos); d) Estereotipias motoras: são repetições automáticas e uniformes de determinado ato motor complexo, indicando marcante perda do controle voluntá- rio. O indivíduo repete o mesmo gesto com as mãos dezenas ou centenas de vezes em um mesmo dia. O maneirismo é um tipo de estereotipia motora carac- terizada por movimentos bizarros repetitivos, complexos e esdrúxulos; e) Tiques: são atos coordenados, repetitivos, breves e intermitentes, em geral envolvendo um grupo de músculos. Os tiques acentuam-se muito com a
  • 28. 28 ansiedade; a maioria é reflexo condicionado que surgiu associado a determina- dos estímulos emocionais ou físicos. São alterações mais comumente observa- das em crianças ansiosas e podem ocorrer em pessoas sem qualquer alteração mental. Quando envolve a função da linguagem são denominados tiques verbais; f) Conversão: são sintomas físicos de origem psicogênica (podendo ha- ver paralisias, anestesias, parestesia, cegueira). Ocorre em situações estressan- tes, de ameaça ou conflito intrapsíquico ou interpessoal significativo para o indiví- duo, geralmente ocorre em personalidades histéricas. Na CID-10, estas altera- ções podem aparecer em quadros de Transtornos motores dissociativos (F44.4),de Anestesia e perda sensorial dissociativas (F44.6) e em Convul- sões dissociativas (F44.5), diagnósticos que serão estudados no capítulo de Transtornos de Sintomas Somáticos no último bimestre; g) Apragmatismo ou hipopragmatismo: é a dificuldade ou incapacida- de de realizar condutas volitivas e psicomotoras minimamente complexas como cuidados higiênicos ou outras tarefas produtivas básicas em seu meio. Nesta alteração, não há incapacidade neurológica para a realização, diferente, portanto da apraxia, na qual a incapacidade decorre de lesões neuronais corticais. 10 - A Linguagem e suas Alterações A linguagem é o principal instrumento de comunicação dos seres huma- nos e é fundamental na elaboração e na expressão do pensamento. Possui di- versas funções, entre elas destacam-se: a) a função comunicativa, que garante a socialização do indivíduo; b) a função de suporte do pensamento, ou seja, auxilia a função pensamento; c) a função de expressar emoções, a linguagem é, portan- to um instrumento de expressão das vivências internas e subjetivas e d) possui uma função ligada à dimensão artística e lúdica, como se pode observar através da poesia, literatura e música, entre outras. As alterações desta função podem ser divididas em dois tipos: I) altera- ções secundárias a uma lesão neuronal identificável; II) Disfemias e Disfo- nias e III) alterações da linguagem associadas a transtornos psiquiátricos primários, estas últimas, geralmente associadas às alterações de outras funções psíquicas e em diagnósticos psiquiátricos mais complexos. Alterações secundárias a uma lesão neuronal identificável a) Afasia: é a perda da linguagem falada e escrita, por incapacidade de compreender e utilizar os símbolos verbais. Refere-se à perda de habilidade lin- guística que foi previamente adquirida no desenvolvimento cognitivo, deve-se, portanto à lesão neuronal no SNC. Existem 3 (três) tipos de afasia: I) Afasia de expressão ou de Broca, nesta, apesar do órgão fonador se manter preservado, o indivíduo não consegue falar ou fala com dificuldades. A compreensão da lin- guagem está relativamente preservada; II) Afasia de compreensão ou de Wer- nicke, nesta o indivíduo continua podendo falar, mas sua fala é muito defeituosa e às vezes incompreensível, ao contrário da anterior, o paciente não consegue Leitura Recomendada Básica: DALGALARRONDO, Paulo. A vontade, a psicomotricidade e suas alte- rações. In: DALGALARRONDO, Paulo. Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais 2 ed. Porto Alegre: Artmed, 2000. p. 174-192. Filme: O líder da classe; Freud além da alma; O solista, entre outros.
  • 29. 29 compreender a linguagem (falada e escrita) e III) Afasia Global, um tipo grave de afasia, que envolve lesões amplas; b) Parafasias: são formas mais discretas de déficits de linguagem, nas quais o indivíduo deforma determinadas palavras (ocorre no início das síndromes demenciais), o sujeito passa, por exemplo a designar cadeira de “cameila”, livro de “ibro”, entre outras; c) Agrafia: é a perda, por lesão orgânica, da linguagem escrita, sem que haja qualquer déficit motor ou perda cognitiva global, enquanto Alexia: é a perda, de origem neurológica, da capacidade previamente adquirida para a leitura; d) Disartria: é a incapacidade de articular corretamente as palavras, de- vido a alterações neuronais referentes ao aparelho fonador. A fala é pastosa, aparentemente “embriagada”, de difícil compreensão; Disfonias e Disfemias Disfonia e Disfemia são alterações da linguagem, da fala produzida pela mudança na sonoridade das palavras. As primeiras têm origem orgânica, mas diferentes das anteriores, não se devem a lesões neuronais, já as disfemias, pos- suem etiologia psicológica, entre elas destacam-se: a) Afonia (disfonia): o indivíduo não consegue emitir qualquer som ou palavra, esta alteração é causada por uma disfunção do aparelho fonador ou um defeito na respiração, é, portanto de causa orgânica; b) Afemia (disfemia): é como a afonia, mas diferente dela, está relacio- nada a conflitos e fatores psicogênicos, geralmente associado a estados emocio- nais intensos; c) Gagueira (disfemia): trata-se da dificuldade ou da impossibilidade de pronunciar certas sílabas no começo ou ao longo de uma frase, com repetição ou intercalação de fonemas, ou apenas trepidação na elocução. Pode ocorrer tanto devido a defeitos mecânicos da fonação (excessiva rapidez de emissão da voz, uso de tons inadequados, respiração viciosa) como devido a fatores emocio- nais, tais como timidez, ansiedade, entre outros; d) Dislalia: é uma alteração da linguagem falada que resulta da deforma- ção, da omissão ou da substituição dos fonemas, podendo ser: orgânicas, resul- tando de defeitos na língua, dos lábios, da abóbada palatina ou de qualquer outro componente do aparelho fonador, ou funcionais, nestas não se observam altera- ções orgânicas do aparelho fonador, sendo a sua origem geralmente psicogênica, gerada por conflitos interpessoais ou por imitação. Alterações da linguagem associadas a transtornos psiquiátricos a) Logorréia, taquifasia e loquacidade: ocorre produção aumentada (logorréia) e acelerada (taquifasia) da linguagem verbal, um fluxo incessante de palavras e frases, podendo haver perda da lógica do discurso. Na loquacidade o aumento não sofre qualquer prejuízo da lógica do discurso, diferente da logorréia; b) Bradifasia: é uma alteração da linguagem oposta à taquifasia, nela o paciente fala muito vagarosamente, as palavras seguem-se umas às outras de forma lenta e difícil; c) Mutismo: ausência de resposta verbal oral por parte do paciente, em- bora ele pudesse fazê-lo. Os fatores etiológicos podem ser de natureza neurobio- lógica, psicótica ou psicogênica. É uma forma de negativismo verbal, de se opor à solicitações do ambiente; d) Ecolalia: é a repetição da última ou das últimas palavras que o entre- vistador, ou alguém do ambiente, falou ou dirigiu ao paciente, uma forma de fe- nômeno em eco, visto na função vontade;
  • 30. 30 e) Palialia: é a repetição automática e estereotipada pelo paciente, da úl- tima ou das últimas palavras que ele mesmo emitiu em seu discurso, enquanto que a Logoclonia é repetição automática e voluntária das últimas sílabas que pronunciou. Ambas ocorrem principalmente em quadros demenciais; f) Tiques Verbais ou fonéticos: são produções de fonemas ou palavras de forma recorrente, imprópria e irresistível, geralmente envolvem sons guturais, abruptos e espasmódicos. Uma forma um pouco mais rara é a coprolalia – que envolve a emissão de palavras obscenas, vulgares ou relativas a excrementos, esta última pode ser observada em alguns pacientes que possuem a síndrome de Giles De La Tourrete; g) Verbigeração: é a repetição, de forma monótona e sem sentido co- municativo aparente, de palavras, sílabas ou trechos de frases, diferente da eco- lalia, envolvem frases e tom é mais monótono; h) Mussitação: - é a produção repetitiva de uma voz muito baixa, mur- murada, em tom monocórdico, sem significado comunicativo. O paciente fala “para si”, apenas movendo discretamente os lábios. Funções Psíquicas Compostas São funções que, diferente das anteriores, resultam de uma somatória de atividades e capacidades mentais, entre elas destacam-se: a) Consciência do Eu; b) Personalidade (será estudada junto com os transtornos de personalidade) e c) Inteligência (não será estudada nesta disciplina). 11- A Consciência do eu e suas alterações Está relacionada à origem e o desenvolvimento do eu, ou seja, relaciona- das ao processo de diferenciação entre Eu e o não-EU. De acordo com a abor- dagem psicanalítica, a criança forma gradativamente o seu eu através: a) do con- tato contínuo com a realidade e a consequente submissão à suas vicissitudes; b) do investimento amoroso e narcísico dos pais sobre ela; c) da projeção dos dese- jos inconscientes dos pais sobre ela e a sua consequente assimilação destes desejos e d) da identificação da criança com os pais, estes são tomados como modelo e são introjetados. A consciência do Eu surge do sentimento de oposi- ção entre o Eu e o mundo, pressupõe, portanto a tomada de consciência do pró- prio corpo, do “Eu físico” – esquema de imagem corporal. Jaspers destacou quatro características principais desta função psíquica, entre elas: 1) Consciência de atividade do Eu; 2) Consciência de unidade do Eu; 3) Consciência da identi- dade do Eu no tempo e 4) Consciência da oposição do Eu em relação ao mundo. A Consciência de atividade do Eu é a consciência íntima de que, em todas as atividades psíquicas que ocorrem, é o próprio Eu que as realiza e a pre- sencia, ela se constitui através do processo evolutivo de personalização, fenô- meno no qual se percebe em todas as atividades psíquicas um tom especial de “meu”, de “pessoal”, daquilo que é feito e vivenciado por mim mesmo. A desper- Leitura Recomendada Básica: DALGALARRONDO, Paulo. A linguagem e suas alterações. In: DALGA- LARRONDO, Paulo. Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais 2 ed. Porto Alegre: Artmed, 2000. p. 232-244. Filme: O líder da classe; O discurso do Rei, entre outros.
  • 31. 31 sonalização, portanto seria uma alteração patológica deste processo, envolve o sentimento de perda ou de transformação do Eu, uma vivência de estranhamen- to e infamiliaridade consigo mesmo. Nesta forma de alteração, há uma sensa- ção intensa de estranhamento do indivíduo com o seu próprio corpo, denominada assim de despersonalização corporal. Pode também, haver perda de relação de familiaridade com o mundo comum, nesta forma de alteração, pessoas e luga- res parecem estranhos, as coisas, tudo parece estranho, a denominação correta para este fenômeno é: desrealização. Outras duas formas de alteração da consciência de atividade do Eu são: a) Alteração da consciência da existência que consiste na suspensão da sen- sação normal do próprio Eu, corporal e psíquico; é a condição na qual o homem existindo já não pode mais sentir a sua existência, por exemplo: “Sou apenas uma máquina, um autômato / sinto-me como um nada, um morto” e b) Alteração da consciência de execução, nessa condição, o paciente ao pensar ou desejar alguma coisa, sente, porém que de fato foi outro que pensou ou desejou tais pensamentos ou desejos e os impôs de certa maneira. Os pensamentos po- dem ser vivenciados como feitos e impostos por alguém ou algo externo. O rou- bo de pensamento e o delírio ou vivência de influência se enquadram aqui. A Consciência de unidade do Eu é uma consciência de que o Eu é sen- tido como algo uno e indivisível, ainda que haja ambivalência de sentimentos ou conflitos internos. Na alteração desse tipo de consciência, o indivíduo se sente radicalmente dividido, sente-se anjo e demônio ao mesmo tempo, ou homem e mulher simultaneamente. Difere da dissociação psíquica porque nesta, o indiví- duo não alterna entre duas possibilidades, ele é as duas possibilidades distintas ao mesmo tempo. A dissociação psíquica também conhecida como estados segundos envolve, por sua vez, a alternância de estados da consciência em que o sujeito assume duas ou mais personalidades distintas. Os manuais denominam este transtorno como: Transtorno Dissociativo de Identidade (DSM V) e Trans- torno de Personalidade Múltipla (F44.81). Já na Consciência de identidade do Eu no tempo, alguns pacientes, quando possuem esta função alterada, relatam que atualmente em comparação à sua vida anterior (em especial antes do início da psicose) já não são a mesma pessoa: “Ao descrever a minha história, tenho consciência de que apenas uma parte do meu Eu atual vivenciou tudo isso que aconteceu no passado”. Por fim, existe a Consciência da oposição do eu em relação ao mundo, que é a cons- ciência da clara oposição do Eu ao mundo externo (separação entre o Eu subjeti- vo e o espaço externo). Na alteração deste tipo de consciência, o indivíduo sente que o seu eu se expande para o mundo exterior e não mais se diferencia deste. Isto leva os enfermos a buscarem identificações em objetos e coisas do mundo inanimado – ele pode “sentir”, situar objetos externos dentro dele. Nesta alteração, não existe barreira entre o eu e o mundo externo, há certa permeabili- dade, o que se denomina transitivismo, segundo Paim (1993, p. 212): “(..) Trata-se da impossibilidade de estabelecer a distinção en- tre aquilo que é próprio do indivíduo e aquilo que pertence ao meio exterior. É a permeabilidade e por fim, o apagamento do limite entre os dois domínios. É possível observar este tipo de alteração da consciência do eu em alte- rações tais como: eco do pensamento, publicação do pensamento, sonoriza- ção do pensamento. Pode ser observado também em fenômenos culturais co- mo: o êxtase religioso, a meditação profunda e no fenômeno da possessão. A possessão patológica é uma alteração da consciência caracterizada pelo fato de o indivíduo se sentir possuído por entidades sobrenaturais, geralmente espíri- tos e demônios. A possessão pode também ser uma forma de manifestação de alteração da consciência de atividade do Eu. Uma forma comum de transitivismo