SlideShare uma empresa Scribd logo
Poemas Traduzidos
Fernando Pessoa
Fonte: http://www.secrel.com.br/jpoesia/fpesso.html


Poemas:
   •   O Corvo
   •   Annabel Lee
   •   Hino a Pã


O Corvo
(de Edgar Allan Poe)

1
Numa meia-noite agreste, quando eu lia, lento e triste,
Vagos, curiosos tomos de ciências ancestrais,
E já quase adormecia, ouvi o que parecia
O som de algúem que batia levemente a meus umbrais.
"Uma visita", eu me disse, "está batendo a meus umbrais.
   É só isto, e nada mais."

2
Ah, que bem disso me lembro! Era no frio dezembro,
E o fogo, morrendo negro, urdia sombras desiguais.
Como eu qu'ria a madrugada, toda a noite aos livros dada
P'ra esquecer (em vão!) a amada, hoje entre hostes celestiais -
Essa cujo nome sabem as hostes celestiais,
   Mas sem nome aqui jamais!

3
Como, a tremer frio e frouxo, cada reposteiro roxo
Me incutia, urdia estranhos terrores nunca antes tais!
Mas, a mim mesmo infundido força, eu ia repetindo,
"É uma visita pedindo entrada aqui em meus umbrais;
Uma visita tardia pede entrada em meus umbrais.
  É só isto, e nada mais".

4
E, mais forte num instante, já nem tardo ou hesitante,
"Senhor", eu disse, "ou senhora, decerto me desculpais;
Mas eu ia adormecendo, quando viestes batendo,
Tão levemente batendo, batendo por meus umbrais,
Que mal ouvi..." E abri largos, franqueando-os, meus umbrais.
   Noite, noite e nada mais.
5
A treva enorme fitando, fiquei perdido receando,
Dúbio e tais sonhos sonhando que os ninguém sonhou iguais.
Mas a noite era infinita, a paz profunda e maldita,
E a única palavra dita foi um nome cheio de ais -
Eu o disse, o nome dela, e o eco disse aos meus ais.
   Isso só e nada mais.

6
Para dentro estão volvendo, toda a alma em mim ardendo,
Não tardou que ouvisse novo som batendo mais e mais.
"Por certo", disse eu, "aquela bulha é na minha janela.
Vamos ver o que está nela, e o que são estes sinais."
Meu coração se distraía pesquisando estes sinais.
  "É o vento, e nada mais."

7
Abri então a vidraça, e eis que, com muita negaça,
Entrou grave e nobre um corvo dos bons tempos ancestrais.
Não fez nenhum cumprimento, não parou nem um momento,
Mas com ar solene e lento pousou sobre os meus umbrais,
Num alvo busto de Atena que há por sobre meus umbrais,
  Foi, pousou, e nada mais.

8
E esta ave estranha e escura fez sorrir minha amargura
Com o solene decoro de seus ares rituais.
"Tens o aspecto tosquiado", disse eu, "mas de nobre e ousado,
Ó velho corvo emigrado lá das trevas infernais!
Dize-me qual o teu nome lá nas trevas infernais."
   Disse o corvo, "Nunca mais".

9
Pasmei de ouvir este raro pássaro falar tão claro,
Inda que pouco sentido tivessem palavras tais.
Mas deve ser concedido que ninguém terá havido
Que uma ave tenha tido pousada nos meus umbrais,
Ave ou bicho sobre o busto que há por sobre seus umbrais,
   Com o nome "Nunca mais".

10
Mas o corvo, sobre o busto, nada mais dissera, augusto,
Que essa frase, qual se nela a alma lhe ficasse em ais.
Nem mais voz nem movimento fez, e eu, em meu pensamento
Perdido, murmurei lento, "Amigo, sonhos - mortais
Todos - todos já se foram. Amanhão também te vais".
   Disse o corvo, "Nunca mais".
11
A alma súbito movida por frase tão bem cabida,
"Por certo", disse eu, "são estas vozes usuais,
Aprendeu-as de algum dono, que a desgraça e o abandono
Seguiram até que o entono da alma se quebrou em ais,
E o bordão de desesp'rança de seu canto cheio de ais
   Era este "Nunca mais".

12
Mas, fazendo inda a ave escura sorrir a minha amargura,
Sentei-me defronte dela, do alvo busto e meus umbrais;
E, enterrado na cadeira, pensei de muita maneira
Que qu'ria esta ave agoureia dos maus tempos ancestrais,
Esta ave negra e agoureira dos maus tempos ancestrais,
   Com aquele "Nunca mais".

13
Comigo isto discorrendo, mas nem sílaba dizendo
À ave que na minha alma cravava os olhos fatais,
Isto e mais ia cismando, a cabeça reclinando
No veludo onde a luz punha vagas sobras desiguais,
Naquele veludo onde ela, entre as sobras desiguais,
   Reclinar-se-á nunca mais!

14
Fez-se então o ar mais denso, como cheio dum incenso
Que anjos dessem, cujos leves passos soam musicais.
"Maldito!", a mim disse, "deu-te Deus, por anjos concedeu-te
O esquecimento; valeu-te. Toma-o, esquece, com teus ais,
O nome da que não esqueces, e que faz esses teus ais!"
   Disse o corvo, "Nunca mais".

15
"Profeta", disse eu, "profeta - ou demônio ou ave preta!
Fosse diabo ou tempestade quem te trouxe a meus umbrais,
A este luto e este degredo, a esta noite e este segredo,
A esta casa de ância e medo, dize a esta alma a quem atrais
Se há um bálsamo longínquo para esta alma a quem atrais!
   Disse o corvo, "Nunca mais".

16
"Profeta", disse eu, "profeta - ou demônio ou ave preta!
Pelo Deus ante quem ambos somos fracos e mortais.
Dize a esta alma entristecida se no Édem de outra vida
Verá essa hoje perdida entre hostes celestiais,
Essa cujo nome sabem as hostes celestiais!"
   Disse o corvo, "Nunca mais".
17
"Que esse grito nos aparte, ave ou diabo!", eu disse. "Parte!
Torna á noite e à tempestade! Torna às trevas infernais!
Não deixes pena que ateste a mentira que disseste!
Minha solidão me reste! Tira-te de meus umbrais!
Tira o vulto de meu peito e a sombra de meus umbrais!"
   Disse o corvo, "Nunca mais".

18
E o corvo, na noite infinda, está ainda, está ainda
No alvo busto de Atena que há por sobre os meus umbrais.
Seu olhar tem a medonha cor de um demônio que sonha,
E a luz lança-lhe a tristonha sombra no chão há mais e mais,
   Libertar-se-á... nunca mais!


Annabel Lee
(de Edgar Allan Poe)

Foi há muitos e muitos anos já,
Num reino de ao pé do mar.
Como sabeis todos, vivia lá
Aquela que eu soube amar;
E vivia sem outro pensamento
Que amar-me e eu a adorar.

Eu era criança e ela era criança,
Neste reino ao pé do mar;
Mas o nosso amor era mais que amor --
O meu e o dela a amar;
Um amor que os anjos do céu vieram
a ambos nós invejar.

E foi esta a razão por que, há muitos anos,
Neste reino ao pé do mar,
Um vento saiu duma nuvem, gelando
A linda que eu soube amar;
E o seu parente fidalgo veio
De longe a me a tirar,
Para a fechar num sepulcro
Neste reino ao pé do mar.

E os anjos, menos felizes no céu,
Ainda a nos invejar...
Sim, foi essa a razão (como sabem todos,
Neste reino ao pé do mar)
Que o vento saiu da nuvem de noite
Gelando e matando a que eu soube amar.
Mas o nosso amor era mais que o amor
De muitos mais velhos a amar,
De muitos de mais meditar,
E nem os anjos do céu lá em cima,
Nem demônios debaixo do mar
Poderão separar a minha alma da alma
Da linda que eu soube amar.

Porque os luares tristonhos só me trazem sonhos
Da linda que eu soube amar;
E as estrelas nos ares só me lembram olhares
Da linda que eu soube amar;
E assim 'stou deitado toda a noite ao lado
Do meu anjo, meu anjo, meu sonho e meu fado,
No sepulcro ao pé do mar,
Ao pé do murmúrio do mar.


Hino a Pã
Vibra do cio subtil da luz,
Meu homem e afã
Vem turbulento da noite a flux
De Pã! Iô Pã!
Iô Pã! Iô Pã! Do mar de além
Vem da Sicília e da Arcádia vem!
Vem como Baco, com fauno e fera
E ninfa e sátiro à tua beira,
Num asno lácteo, do mar sem fim,
A mim, a mim!
Vem com Apolo, nupcial na brisa
(Pegureira e pitonisa),
Vem com Artêmis, leve e estranha,
E a coxa branca, Deus lindo, banha
Ao luar do bosque, em marmóreo monte,
Manhã malhada da àmbrea fonte!
Mergulha o roxo da prece ardente
No ádito rubro, no laço quente,
A alma que aterra em olhos de azul
O ver errar teu capricho exul
No bosque enredo, nos nás que espalma
A árvore viva que é espírito e alma
E corpo e mente - do mar sem fim
(Iô Pã! Iô Pã!),
Diabo ou deus, vem a mim, a mim!
Meu homem e afã!
Vem com trombeta estridente e fina
Pela colina!
Vem com tambor a rufar à beira
Da primavera!
Com frautas e avenas vem sem conto!
Não estou eu pronto?
Eu, que espero e me estorço e luto
Com ar sem ramos onde não nutro
Meu corpo, lasso do abraço em vão,
Áspide aguda, forte leão -
Vem, está fazia
Minha carne, fria
Do cio sozinho da demonia.
À espada corta o que ata e dói,
Ó Tudo-Cria, Tudo-Destrói!
Dá-me o sinal do Olho Aberto,
E da coxa áspera o toque erecto,
Ó Pã! Iô Pã!
Iô Pã! Iô Pã Pã! Pã Pã! Pã.,
Sou homem e afã:
Faze o teu querer sem vontade vã,
Deus grande! Meu Pã!
Iô Pã! Iô Pã! Despertei na dobra
Do aperto da cobra.
A águia rasga com garra e fauce;
Os deuses vão-se;
As feras vêm. Iô Pã! A matado,
Vou no corno levado
Do Unicornado.
Sou Pã! Iô Pã! Iô Pã Pã! Pã!
Sou teu, teu homem e teu afã,
Cabra das tuas, ouro, deus, clara
Carne em teu osso, flor na tua vara.
Com patas de aço os rochedos roço
De solstício severo a equinócio.
E raivo, e rasgo, e roussando fremo,
Sempiterno, mundo sem termo,
Homem, homúnculo, ménade, afã,
Na força de Pã.
Iô Pã! Iô Pã Pã! Pã!

O "Hino a Pã" é uma tradução do Hymn to Pan, do prefácio do livro "Magick in Theory and
Practice", de Aleister Crowley. Esta tradução foi publicada em outubro de 1931 em "Presença",de
Pessoa.
(*) Mestre Therion é um dos nomes mágicos de Aleister Crowley.

Mais conteúdo relacionado

Mais procurados

Via sacra 2
Via sacra 2Via sacra 2
Via sacra 2
Michele Castro
 
Barroco 1 ano
Barroco 1 anoBarroco 1 ano
Barroco 1 ano
Marilene dos Santos
 
O Barroco
O BarrocoO Barroco
O Barroco
Khatlen Lohanne
 
Quinhentismo i
Quinhentismo iQuinhentismo i
Quinhentismo i
Nádia França
 
Carta de pero vaz de caminha
Carta de pero vaz de caminhaCarta de pero vaz de caminha
Carta de pero vaz de caminha
gil junior
 
Barroco- 1º ano.pptx
Barroco- 1º ano.pptxBarroco- 1º ano.pptx
Barroco- 1º ano.pptx
Taynara Vieira
 
Período Barroco (1).pdf
Período Barroco (1).pdfPeríodo Barroco (1).pdf
Período Barroco (1).pdf
MarcianoLeonardo
 
Terceira fase do Modernismo no Brasil
Terceira fase do Modernismo no BrasilTerceira fase do Modernismo no Brasil
Terceira fase do Modernismo no Brasil
eeadolpho
 
04 - Músicas para trabalhar figuras de linguagem
04 - Músicas para trabalhar figuras de linguagem04 - Músicas para trabalhar figuras de linguagem
04 - Músicas para trabalhar figuras de linguagem
NAPNE
 
Vulpea şi cocorul
Vulpea şi cocorulVulpea şi cocorul
Vulpea şi cocorul
130970
 
Tempus fugit
Tempus fugitTempus fugit
Modernismo 3
Modernismo 3Modernismo 3
Modernismo 3
Walace Cestari
 
Parnasianismo - Tudo em geral
Parnasianismo - Tudo em geralParnasianismo - Tudo em geral
Parnasianismo - Tudo em geral
Bruno Felipe
 
Barroco
BarrocoBarroco
Simbolismo
SimbolismoSimbolismo
Simbolismo
Wericles Sobrenome
 
Letra e Cifras dos cânticos das Santas Missões
Letra e Cifras dos cânticos das Santas MissõesLetra e Cifras dos cânticos das Santas Missões
Letra e Cifras dos cânticos das Santas Missões
Bernadetecebs .
 
Figuras de linguagem para aula 1 ano
Figuras de linguagem para aula 1 anoFiguras de linguagem para aula 1 ano
Figuras de linguagem para aula 1 ano
mfmpafatima
 
Antônio gonçalves dias power point para apresentar
Antônio gonçalves dias power point para apresentarAntônio gonçalves dias power point para apresentar
Antônio gonçalves dias power point para apresentar
Mari Abreu
 
Simbolismo e Baudelaire
Simbolismo e BaudelaireSimbolismo e Baudelaire
Simbolismo e Baudelaire
Don Veneziani
 
Esclarecimento sobre as mil ave marias
Esclarecimento sobre as mil ave mariasEsclarecimento sobre as mil ave marias
Esclarecimento sobre as mil ave marias
Eleutere Soares
 

Mais procurados (20)

Via sacra 2
Via sacra 2Via sacra 2
Via sacra 2
 
Barroco 1 ano
Barroco 1 anoBarroco 1 ano
Barroco 1 ano
 
O Barroco
O BarrocoO Barroco
O Barroco
 
Quinhentismo i
Quinhentismo iQuinhentismo i
Quinhentismo i
 
Carta de pero vaz de caminha
Carta de pero vaz de caminhaCarta de pero vaz de caminha
Carta de pero vaz de caminha
 
Barroco- 1º ano.pptx
Barroco- 1º ano.pptxBarroco- 1º ano.pptx
Barroco- 1º ano.pptx
 
Período Barroco (1).pdf
Período Barroco (1).pdfPeríodo Barroco (1).pdf
Período Barroco (1).pdf
 
Terceira fase do Modernismo no Brasil
Terceira fase do Modernismo no BrasilTerceira fase do Modernismo no Brasil
Terceira fase do Modernismo no Brasil
 
04 - Músicas para trabalhar figuras de linguagem
04 - Músicas para trabalhar figuras de linguagem04 - Músicas para trabalhar figuras de linguagem
04 - Músicas para trabalhar figuras de linguagem
 
Vulpea şi cocorul
Vulpea şi cocorulVulpea şi cocorul
Vulpea şi cocorul
 
Tempus fugit
Tempus fugitTempus fugit
Tempus fugit
 
Modernismo 3
Modernismo 3Modernismo 3
Modernismo 3
 
Parnasianismo - Tudo em geral
Parnasianismo - Tudo em geralParnasianismo - Tudo em geral
Parnasianismo - Tudo em geral
 
Barroco
BarrocoBarroco
Barroco
 
Simbolismo
SimbolismoSimbolismo
Simbolismo
 
Letra e Cifras dos cânticos das Santas Missões
Letra e Cifras dos cânticos das Santas MissõesLetra e Cifras dos cânticos das Santas Missões
Letra e Cifras dos cânticos das Santas Missões
 
Figuras de linguagem para aula 1 ano
Figuras de linguagem para aula 1 anoFiguras de linguagem para aula 1 ano
Figuras de linguagem para aula 1 ano
 
Antônio gonçalves dias power point para apresentar
Antônio gonçalves dias power point para apresentarAntônio gonçalves dias power point para apresentar
Antônio gonçalves dias power point para apresentar
 
Simbolismo e Baudelaire
Simbolismo e BaudelaireSimbolismo e Baudelaire
Simbolismo e Baudelaire
 
Esclarecimento sobre as mil ave marias
Esclarecimento sobre as mil ave mariasEsclarecimento sobre as mil ave marias
Esclarecimento sobre as mil ave marias
 

Semelhante a Poemas traduzidos fernando pessoa

O corvo POE, Edgar Allan
O corvo POE, Edgar AllanO corvo POE, Edgar Allan
O corvo POE, Edgar Allan
SUICIDE GALLERY
 
Poema o Corvo
Poema o CorvoPoema o Corvo
Poema o Corvo
Maria Oliveira
 
10. O Corvo autor Edgar Allan Poe.pdflllllllllllllllllllllllllll
10. O Corvo autor Edgar Allan Poe.pdflllllllllllllllllllllllllll10. O Corvo autor Edgar Allan Poe.pdflllllllllllllllllllllllllll
10. O Corvo autor Edgar Allan Poe.pdflllllllllllllllllllllllllll
CarolineFrancielle
 
O Corvo / The Raven
O Corvo / The RavenO Corvo / The Raven
O Corvo / The Raven
Antonio Minharro
 
Ocidentais
OcidentaisOcidentais
Mestres Da Poesia
Mestres Da PoesiaMestres Da Poesia
Mestres Da Poesia
Luzia Gabriele
 
Mestres da Poesia
Mestres da PoesiaMestres da Poesia
Mestres da Poesia
Chuck Gary
 
Poetas A N
Poetas  A NPoetas  A N
Poetas A N
guest2ffb44
 
Poetas A N
Poetas  A NPoetas  A N
Poetas A N
Juvenal Lucas
 
Poetas A N
Poetas  A NPoetas  A N
Poetas A N
Juvenal Lucas
 
Poetas A N
Poetas  A NPoetas  A N
Poetas A N
Juvenal Lucas
 
Poetas
PoetasPoetas
Poetas
iracemap
 
Poetas A N
Poetas  A NPoetas  A N
Poetas A N
Juvenal Lucas
 
Poetas A N
Poetas  A NPoetas  A N
Poetas A N
Juvenal Lucas
 
Poetas A N
Poetas  A NPoetas  A N
Poetas A N
Juvenal Lucas
 
Poetas A N
Poetas  A NPoetas  A N
Poetas A N
Juvenal Lucas
 
Poetas An
Poetas AnPoetas An
Poetas An
Juvenal Lucas
 
Poetas A N
Poetas  A NPoetas  A N
Poetas A N
Juvenal Lucas
 
Poetas A N
Poetas  A NPoetas  A N
Poetas A N
Juvenal Lucas
 
Poetas A N
Poetas  A NPoetas  A N
Poetas A N
guest2ffb44
 

Semelhante a Poemas traduzidos fernando pessoa (20)

O corvo POE, Edgar Allan
O corvo POE, Edgar AllanO corvo POE, Edgar Allan
O corvo POE, Edgar Allan
 
Poema o Corvo
Poema o CorvoPoema o Corvo
Poema o Corvo
 
10. O Corvo autor Edgar Allan Poe.pdflllllllllllllllllllllllllll
10. O Corvo autor Edgar Allan Poe.pdflllllllllllllllllllllllllll10. O Corvo autor Edgar Allan Poe.pdflllllllllllllllllllllllllll
10. O Corvo autor Edgar Allan Poe.pdflllllllllllllllllllllllllll
 
O Corvo / The Raven
O Corvo / The RavenO Corvo / The Raven
O Corvo / The Raven
 
Ocidentais
OcidentaisOcidentais
Ocidentais
 
Mestres Da Poesia
Mestres Da PoesiaMestres Da Poesia
Mestres Da Poesia
 
Mestres da Poesia
Mestres da PoesiaMestres da Poesia
Mestres da Poesia
 
Poetas A N
Poetas  A NPoetas  A N
Poetas A N
 
Poetas A N
Poetas  A NPoetas  A N
Poetas A N
 
Poetas A N
Poetas  A NPoetas  A N
Poetas A N
 
Poetas A N
Poetas  A NPoetas  A N
Poetas A N
 
Poetas
PoetasPoetas
Poetas
 
Poetas A N
Poetas  A NPoetas  A N
Poetas A N
 
Poetas A N
Poetas  A NPoetas  A N
Poetas A N
 
Poetas A N
Poetas  A NPoetas  A N
Poetas A N
 
Poetas A N
Poetas  A NPoetas  A N
Poetas A N
 
Poetas An
Poetas AnPoetas An
Poetas An
 
Poetas A N
Poetas  A NPoetas  A N
Poetas A N
 
Poetas A N
Poetas  A NPoetas  A N
Poetas A N
 
Poetas A N
Poetas  A NPoetas  A N
Poetas A N
 

Poemas traduzidos fernando pessoa

  • 1. Poemas Traduzidos Fernando Pessoa Fonte: http://www.secrel.com.br/jpoesia/fpesso.html Poemas: • O Corvo • Annabel Lee • Hino a Pã O Corvo (de Edgar Allan Poe) 1 Numa meia-noite agreste, quando eu lia, lento e triste, Vagos, curiosos tomos de ciências ancestrais, E já quase adormecia, ouvi o que parecia O som de algúem que batia levemente a meus umbrais. "Uma visita", eu me disse, "está batendo a meus umbrais. É só isto, e nada mais." 2 Ah, que bem disso me lembro! Era no frio dezembro, E o fogo, morrendo negro, urdia sombras desiguais. Como eu qu'ria a madrugada, toda a noite aos livros dada P'ra esquecer (em vão!) a amada, hoje entre hostes celestiais - Essa cujo nome sabem as hostes celestiais, Mas sem nome aqui jamais! 3 Como, a tremer frio e frouxo, cada reposteiro roxo Me incutia, urdia estranhos terrores nunca antes tais! Mas, a mim mesmo infundido força, eu ia repetindo, "É uma visita pedindo entrada aqui em meus umbrais; Uma visita tardia pede entrada em meus umbrais. É só isto, e nada mais". 4 E, mais forte num instante, já nem tardo ou hesitante, "Senhor", eu disse, "ou senhora, decerto me desculpais; Mas eu ia adormecendo, quando viestes batendo, Tão levemente batendo, batendo por meus umbrais, Que mal ouvi..." E abri largos, franqueando-os, meus umbrais. Noite, noite e nada mais.
  • 2. 5 A treva enorme fitando, fiquei perdido receando, Dúbio e tais sonhos sonhando que os ninguém sonhou iguais. Mas a noite era infinita, a paz profunda e maldita, E a única palavra dita foi um nome cheio de ais - Eu o disse, o nome dela, e o eco disse aos meus ais. Isso só e nada mais. 6 Para dentro estão volvendo, toda a alma em mim ardendo, Não tardou que ouvisse novo som batendo mais e mais. "Por certo", disse eu, "aquela bulha é na minha janela. Vamos ver o que está nela, e o que são estes sinais." Meu coração se distraía pesquisando estes sinais. "É o vento, e nada mais." 7 Abri então a vidraça, e eis que, com muita negaça, Entrou grave e nobre um corvo dos bons tempos ancestrais. Não fez nenhum cumprimento, não parou nem um momento, Mas com ar solene e lento pousou sobre os meus umbrais, Num alvo busto de Atena que há por sobre meus umbrais, Foi, pousou, e nada mais. 8 E esta ave estranha e escura fez sorrir minha amargura Com o solene decoro de seus ares rituais. "Tens o aspecto tosquiado", disse eu, "mas de nobre e ousado, Ó velho corvo emigrado lá das trevas infernais! Dize-me qual o teu nome lá nas trevas infernais." Disse o corvo, "Nunca mais". 9 Pasmei de ouvir este raro pássaro falar tão claro, Inda que pouco sentido tivessem palavras tais. Mas deve ser concedido que ninguém terá havido Que uma ave tenha tido pousada nos meus umbrais, Ave ou bicho sobre o busto que há por sobre seus umbrais, Com o nome "Nunca mais". 10 Mas o corvo, sobre o busto, nada mais dissera, augusto, Que essa frase, qual se nela a alma lhe ficasse em ais. Nem mais voz nem movimento fez, e eu, em meu pensamento Perdido, murmurei lento, "Amigo, sonhos - mortais Todos - todos já se foram. Amanhão também te vais". Disse o corvo, "Nunca mais".
  • 3. 11 A alma súbito movida por frase tão bem cabida, "Por certo", disse eu, "são estas vozes usuais, Aprendeu-as de algum dono, que a desgraça e o abandono Seguiram até que o entono da alma se quebrou em ais, E o bordão de desesp'rança de seu canto cheio de ais Era este "Nunca mais". 12 Mas, fazendo inda a ave escura sorrir a minha amargura, Sentei-me defronte dela, do alvo busto e meus umbrais; E, enterrado na cadeira, pensei de muita maneira Que qu'ria esta ave agoureia dos maus tempos ancestrais, Esta ave negra e agoureira dos maus tempos ancestrais, Com aquele "Nunca mais". 13 Comigo isto discorrendo, mas nem sílaba dizendo À ave que na minha alma cravava os olhos fatais, Isto e mais ia cismando, a cabeça reclinando No veludo onde a luz punha vagas sobras desiguais, Naquele veludo onde ela, entre as sobras desiguais, Reclinar-se-á nunca mais! 14 Fez-se então o ar mais denso, como cheio dum incenso Que anjos dessem, cujos leves passos soam musicais. "Maldito!", a mim disse, "deu-te Deus, por anjos concedeu-te O esquecimento; valeu-te. Toma-o, esquece, com teus ais, O nome da que não esqueces, e que faz esses teus ais!" Disse o corvo, "Nunca mais". 15 "Profeta", disse eu, "profeta - ou demônio ou ave preta! Fosse diabo ou tempestade quem te trouxe a meus umbrais, A este luto e este degredo, a esta noite e este segredo, A esta casa de ância e medo, dize a esta alma a quem atrais Se há um bálsamo longínquo para esta alma a quem atrais! Disse o corvo, "Nunca mais". 16 "Profeta", disse eu, "profeta - ou demônio ou ave preta! Pelo Deus ante quem ambos somos fracos e mortais. Dize a esta alma entristecida se no Édem de outra vida Verá essa hoje perdida entre hostes celestiais, Essa cujo nome sabem as hostes celestiais!" Disse o corvo, "Nunca mais".
  • 4. 17 "Que esse grito nos aparte, ave ou diabo!", eu disse. "Parte! Torna á noite e à tempestade! Torna às trevas infernais! Não deixes pena que ateste a mentira que disseste! Minha solidão me reste! Tira-te de meus umbrais! Tira o vulto de meu peito e a sombra de meus umbrais!" Disse o corvo, "Nunca mais". 18 E o corvo, na noite infinda, está ainda, está ainda No alvo busto de Atena que há por sobre os meus umbrais. Seu olhar tem a medonha cor de um demônio que sonha, E a luz lança-lhe a tristonha sombra no chão há mais e mais, Libertar-se-á... nunca mais! Annabel Lee (de Edgar Allan Poe) Foi há muitos e muitos anos já, Num reino de ao pé do mar. Como sabeis todos, vivia lá Aquela que eu soube amar; E vivia sem outro pensamento Que amar-me e eu a adorar. Eu era criança e ela era criança, Neste reino ao pé do mar; Mas o nosso amor era mais que amor -- O meu e o dela a amar; Um amor que os anjos do céu vieram a ambos nós invejar. E foi esta a razão por que, há muitos anos, Neste reino ao pé do mar, Um vento saiu duma nuvem, gelando A linda que eu soube amar; E o seu parente fidalgo veio De longe a me a tirar, Para a fechar num sepulcro Neste reino ao pé do mar. E os anjos, menos felizes no céu, Ainda a nos invejar... Sim, foi essa a razão (como sabem todos, Neste reino ao pé do mar) Que o vento saiu da nuvem de noite Gelando e matando a que eu soube amar.
  • 5. Mas o nosso amor era mais que o amor De muitos mais velhos a amar, De muitos de mais meditar, E nem os anjos do céu lá em cima, Nem demônios debaixo do mar Poderão separar a minha alma da alma Da linda que eu soube amar. Porque os luares tristonhos só me trazem sonhos Da linda que eu soube amar; E as estrelas nos ares só me lembram olhares Da linda que eu soube amar; E assim 'stou deitado toda a noite ao lado Do meu anjo, meu anjo, meu sonho e meu fado, No sepulcro ao pé do mar, Ao pé do murmúrio do mar. Hino a Pã Vibra do cio subtil da luz, Meu homem e afã Vem turbulento da noite a flux De Pã! Iô Pã! Iô Pã! Iô Pã! Do mar de além Vem da Sicília e da Arcádia vem! Vem como Baco, com fauno e fera E ninfa e sátiro à tua beira, Num asno lácteo, do mar sem fim, A mim, a mim! Vem com Apolo, nupcial na brisa (Pegureira e pitonisa), Vem com Artêmis, leve e estranha, E a coxa branca, Deus lindo, banha Ao luar do bosque, em marmóreo monte, Manhã malhada da àmbrea fonte! Mergulha o roxo da prece ardente No ádito rubro, no laço quente, A alma que aterra em olhos de azul O ver errar teu capricho exul No bosque enredo, nos nás que espalma A árvore viva que é espírito e alma E corpo e mente - do mar sem fim (Iô Pã! Iô Pã!), Diabo ou deus, vem a mim, a mim! Meu homem e afã! Vem com trombeta estridente e fina Pela colina! Vem com tambor a rufar à beira Da primavera! Com frautas e avenas vem sem conto! Não estou eu pronto?
  • 6. Eu, que espero e me estorço e luto Com ar sem ramos onde não nutro Meu corpo, lasso do abraço em vão, Áspide aguda, forte leão - Vem, está fazia Minha carne, fria Do cio sozinho da demonia. À espada corta o que ata e dói, Ó Tudo-Cria, Tudo-Destrói! Dá-me o sinal do Olho Aberto, E da coxa áspera o toque erecto, Ó Pã! Iô Pã! Iô Pã! Iô Pã Pã! Pã Pã! Pã., Sou homem e afã: Faze o teu querer sem vontade vã, Deus grande! Meu Pã! Iô Pã! Iô Pã! Despertei na dobra Do aperto da cobra. A águia rasga com garra e fauce; Os deuses vão-se; As feras vêm. Iô Pã! A matado, Vou no corno levado Do Unicornado. Sou Pã! Iô Pã! Iô Pã Pã! Pã! Sou teu, teu homem e teu afã, Cabra das tuas, ouro, deus, clara Carne em teu osso, flor na tua vara. Com patas de aço os rochedos roço De solstício severo a equinócio. E raivo, e rasgo, e roussando fremo, Sempiterno, mundo sem termo, Homem, homúnculo, ménade, afã, Na força de Pã. Iô Pã! Iô Pã Pã! Pã! O "Hino a Pã" é uma tradução do Hymn to Pan, do prefácio do livro "Magick in Theory and Practice", de Aleister Crowley. Esta tradução foi publicada em outubro de 1931 em "Presença",de Pessoa. (*) Mestre Therion é um dos nomes mágicos de Aleister Crowley.