2. A ficha de estrutura expositiva (I)
■ A ficha de estrutura expositiva busca fixar como as posições defendidas no
texto em questão são construídas e justificadas por meio de uma sequência de
operações lógico-conceituais.
■ Para que isso seja possível, é preciso reconstituir o movimento expositivo
que sustenta as posições apresentadas no texto.
■ Isso permite desfazer a aparência de arbitrariedade ou gratuidade de algumas
posições quando se lê de forma fragmentada, com ênfase naquilo que é
familiar ou que chama a atenção.
■ Trata-se de uma remissão “daquilo que o texto defende” à própria
articulação expositiva do texto.
3. A ficha de estrutura expositiva (II)
■ O esforço de compreensão da articulação expositiva supõe uma
suspensão metódica do julgamento acerca da verdade ou da
falsidade das teses à luz do conhecimento atual ou do senso
comum aceitável.
■ Isso é tanto mais importante quanto mais recuada no tempo
estiver a obra em questão.
■ A construção das fichas de estrutura expositiva visa assegurar o
respeito à complexidade inerente do texto, sem reduzi-lo a
grandes esquemas interpretativos.
4. Estratégias de reconhecimento da
estrutura argumentativa
■ A ficha de estrutura expositiva buscará reconstituir o movimento
argumentativo do texto, que é composto de diversas tarefas lógico-
conceituais progressivamente ordenadas. A ficha buscará capturar
quais são essas tarefas e sua concatenação.
■ Para tanto, é útil distinguir entre dois níveis de operatividade do
discurso:
■ Nível locutório: diz respeito ao proferimento linguístico significativo
acerca de algo.
■ Nível ilocutório: Diz respeito ao tipo de ação ou de tarefa cumprida
relativamente
5. O fichamento detalhado
■ Nas fichas expressas, o leitor se limita a distinguir e a nomear a grandes partes expositivas do
texto, podendo acrescentar um pequeno resumo do conteúdo correspondente.
■ A tarefa do fichamento detalhado é distinguir as tarefas ou operações argumentativas no
interior das partes expositivas.
■ Espera-se adquirir com essa técnica um entendimento rigoroso dos passos lógicos da
exposição em seu detalhe, algo que não é necessariamente capturado pela ficha expressa, que
se limita a dar um título geral para cada parte.
■ A exibição da estrutura detalhada das tarefas ou operações argumentativas pressupõe a
divisão da estrutura do texto em seus grandes blocos pela divisão dos parágrafos. Mas isso
não significa que se deva necessariamente escrever uma ficha expressa para então escrever a
ficha detalhada.
■ Se a leitora/o leitor decide de antemão propor um fichamento detalhado, então não precisa
passar pela ficha expressa, mas deve simplesmente incorporar a tarefa principal da análise
expressa (dividir as grandes partes do texto) na análise detalhada e escrever somente a ficha
detalhada da estrutura expositiva
6. Como construir a ficha detalhada de
análise estrutural?
■ A exibição das operações argumentativas ou tarefas ilocutórias internas às partes
expositivas por vezes demanda a releitura atenta de diversos trechos.
■ Sugere-se, então, que uma vez proposta uma divisão provisória das grandes
partes, analise-se cada parte buscando formular as suboperações ali vigentes.
■ A releitura dos trechos para o fichamento detalhado busca ser exaustiva, isto é, o
leitor deve ser capaz de incluir todas as frases do texto em alguma função
determinada.
■ Isso é importante porque uma das principais fontes de incompreensão de um
texto é a não entender qual é o papel que uma ou outra frase cumpre no todo do
parágrafo. Ao reunir as frases em blocos ou tarefas, o fichamento detalhado
permite isolar com clareza os trechos considerados difíceis.
7. Exemplo:
Texto Tarefas
ilocutórias
Há duas coisas igualmente notáveis no projeto cartesiano; de um lado, sua
ambição e grandiosidade e, de outro, a modéstia que Descartes emprega para
formulá-lo. O projeto não é nada menos que a reconstrução do saber, com tudo
o que isso implica de crítica e recusa da tradição cultural e dos procedimentos
filosóficos da Escolástica. A modéstia está na insistência com que Descartes o
coloca como um caso de desenvolvimento pessoal de reflexão sobre a ciência e
a metafísica que poderia eventualmente indicar a outros um certo caminho do
filosofar.
Certamente há alguma coisa de prudência nessa acentuação do caráter
estritamente pessoal da nova filosofia; Descartes não deseja que o alcance de
uma polêmica mais intensa perturbe o próprio processo de elaboração de sua
filosofia. Mas não deixa de ser curioso o fato de que o filósofo pretenda que um
projeto extremamente revolucionário do ponto de vista filosófico não cause em
torno de si um significativo abalo do ponto de vista cultural. Quando lemos, por
exemplo, o início do Discurso do método, não é sem alguma surpresa que
verificamos que, ali, a proclamação do alcance limitado do projeto cartesiano
está ao lado da enunciação implícita daquilo que o filósofo verdadeiramente
8. Exemplo: Silva, F.L. Descartes, a metafísica da
modernidade, São Paulo: Moderna, 2005. pp. 26-27
Texto Tarefas
ilocutórias
Há duas coisas igualmente notáveis no projeto cartesiano; de um lado, sua
ambição e grandiosidade e, de outro, a modéstia que Descartes emprega para
formulá-lo. O projeto não é nada menos que a reconstrução do saber, com tudo
o que isso implica de crítica e recusa da tradição cultural e dos procedimentos
filosóficos da Escolástica. A modéstia está na insistência com que Descartes o
coloca como um caso de desenvolvimento pessoal de reflexão sobre a ciência e
a metafísica que poderia eventualmente indicar a outros um certo caminho do
filosofar.
Certamente há alguma coisa de prudência nessa acentuação do caráter
estritamente pessoal da nova filosofia; Descartes não deseja que o alcance de
uma polêmica mais intensa perturbe o próprio processo de elaboração de sua
filosofia. Mas não deixa de ser curioso o fato de que o filósofo pretenda que um
projeto extremamente revolucionário do ponto de vista filosófico não cause em
torno de si um significativo abalo do ponto de vista cultural. Quando lemos, por
exemplo, o início do Discurso do método, não é sem alguma surpresa que
verificamos que, ali, a proclamação do alcance limitado do projeto cartesiano
está ao lado da enunciação implícita daquilo que o filósofo verdadeiramente
Constata uma
tensão entre dois
aspectos do projeto
cartesiano.
Descreve os dois
aspectos.
Avalia se essa
tensão decorre de
uma prudência
Contata que não se
pode atribui-la
somente à
prudência.
9. Texto Tarefas
ilocutórias
O Discurso do método contém, no seu início, duas afirmações que, se ligadas,
permitem-nos compreender o projeto cartesiano no âmbito do método. A primeira
é a frase famosa que abre o Discurso e que nos diz que o bom senso é a coisa mais
bem partilhada do mundo, pois cada qual pensa estar tão bem provido dele que,
mesmo aqueles que se mostram difíceis de contentar em outras coisas, não
desejam tê-lo maior do que já o têm. A segunda afirmação, que se segue ao
comentário dessa primeira no qual o bom senso é identificado, entre outras
coisas, como a capacidade de distinguir o verdadeiro do falso, é uma retificação
do que foi expresso no início. Informa-nos que não é suficiente ter o espírito bom,
o principal é aplicá-lo bem. Assim, desde as primeiras frases do Discurso do
método ficamos alertados de que a capacidade de distinguir o verdadeiro do falso,
a que chamamos bom senso, embora seja aquilo que os homens parecem possuir
em grau suficiente, necessita contudo estar vinculada a determinadas condições
de aplicação, para que o espírito exerça com êxito a sua função de descobrir o
verdadeiro. O bom senso, ainda que repartido em grau suficiente por todos os
homens, na exata medida em que todos são racionais, não garante por si só a
identificação da verdade. É necessário que a razão seja bem conduzida, e essa
condução se dá por meio de regras que permitem atingir a evidência. Por isso, é
primeiramente a título de uma experiência pessoal que Descartes falará dos frutos
do método e de como tais frutos são obtidos independentemente da erudição ou
de dons particulares de memória e argúcia. Descartes valoriza a tal ponto o
método que atribui a ele a capacidade de remediar em grande parte, senão
10. Texto Tarefas
ilocutórias
O Discurso do método contém, no seu início, duas afirmações que, se ligadas,
permitem-nos compreender o projeto cartesiano no âmbito do método. A primeira
é a frase famosa que abre o Discurso e que nos diz que o bom senso é a coisa mais
bem partilhada do mundo, pois cada qual pensa estar tão bem provido dele que,
mesmo aqueles que se mostram difíceis de contentar em outras coisas, não
desejam tê-lo maior do que já o têm. A segunda afirmação, que se segue ao
comentário dessa primeira no qual o bom senso é identificado, entre outras
coisas, como a capacidade de distinguir o verdadeiro do falso, é uma retificação
do que foi expresso no início. Informa-nos que não é suficiente ter o espírito bom,
o principal é aplicá-lo bem. Assim, desde as primeiras frases do Discurso do
método ficamos alertados de que a capacidade de distinguir o verdadeiro do falso,
a que chamamos bom senso, embora seja aquilo que os homens parecem possuir
em grau suficiente, necessita contudo estar vinculada a determinadas condições
de aplicação, para que o espírito exerça com êxito a sua função de descobrir o
verdadeiro. O bom senso, ainda que repartido em grau suficiente por todos os
homens, na exata medida em que todos são racionais, não garante por si só a
identificação da verdade. É necessário que a razão seja bem conduzida, e essa
condução se dá por meio de regras que permitem atingir a evidência. Por isso, é
primeiramente a título de uma experiência pessoal que Descartes falará dos frutos
do método e de como tais frutos são obtidos independentemente da erudição ou
de dons particulares de memória e argúcia. Descartes valoriza a tal ponto o
método que atribui a ele a capacidade de remediar em grande parte, senão
Descreve as
duas afirmações
que abrem o
D.M.
Esclarece a
relação entre o
bom senso e a
boa condução da
razão.
Destaca a
importância da
exposição do
método como
experiência
pessoal
11. Exemplo de ficha detalhada
■ §§1-2: Introdução: o autor apresenta e descreve uma tensão no interior do
projeto cartesiano.
– §1
a. Constata uma tensão entre dois aspectos do projeto cartesiano.
b. Descreve os dois aspectos.
– §2
a. Avalia se essa tensão decorre de uma prudência
b. Constata que não se pode atribui-la somente à prudência.
■ §3: Avalia como Descartes elabora o projeto de um método.
a. Descreve as duas afirmações que abrem o D.M.
b. Esclarece a relação entre o bom senso e a boa condução da razão.
c. Destaca a importância da exposição do método como experiência pessoal
■ §4-6: [...]
a. [...]
b. [...]
12. ■ Como se vê, o caráter detalhado da ficha se mostra na reconstrução das
operações internas a cada parte do texto. Em vez de um curto resumo, busca-se
nomear as diferentes funções ou operações de cada trecho, ligadas ao conteúdo
correspondente.
■ É importante enfatizar que, muitas vezes, a reconstrução do conteúdo exige que
se resuma ou mesmo que se interprete minimamente as frases correspondentes no
texto.
■ Uma das grandes utilidades da ficha é esquematizar a exposição do texto, isto é,
retomá-la em seus aspectos estruturais não óbvios, explicitando esses aspectos o
mais sucintamente possível. As fichas permitem ao leitor ganhar rapidamente a
noção de como o texto é montado.
■ Esse nível de fichamento já envolve, portanto, uma interpretação aprofundada do
texto lido. Fazer essa espécie de fichamento não é uma mera repetição daquilo
que o texto diz, mas sim uma reconstituição das operações lógicas envolvidas.
13. Vantagens da ficha detalhada:
■ Com a ficha detalhada, busca-se reinserir na estrutura lógica interna ao
texto as teses propostas no curso da exposição. Atenta-se, por
conseguinte, menos “àquilo que o autor diz ou defende” e mais aos
passos lógico-argumentativos que justificam suas afirmações. Evita-se,
dessa maneira, destacar arbitrariamente certas afirmações da estrutura
textual que busca torná-la aceitáveis.
■ Para desvelar a estrutura expositiva, deve-se refazer as operações vigentes
no texto. Entender o que o autor propõe leva, desde então, a aprender a
retomar as operações explicitadas, o que contribui para densificar
globalmente repertório cognitivo do leitor.