SlideShare uma empresa Scribd logo
1 de 2
Baixar para ler offline
Núcleo Básico – Módulo 3
Os tempos escolares



Os tempos escolares

      [...] O ensino escolar é um trabalho coletivo que acontece durante vários anos
e conta com diversos professores que se revezam para realizar uma ação educativa
sobre os alunos. Graças a essa longa duração (que ocupa, atualmente, uma parte
cada vez maior da vida humana, em torno de 15 anos de nossa vida), a maioria das
crianças acaba se socializando e assimilando, individualmente falando, as normas e
conhecimentos que estão na base da vida em sociedade.
      O tempo escolar é constituído, inicialmente, por um continuum objetivo,
mensurável, quantificável, administrável. Mas, em seguida, ele é repartido, planejado,
ritmado de acordo com avaliações, ciclos regulares, repetitivos. Essa estruturação
temporal da organização escolar é extremamente exigente para os professores, pois
ela puxa constantemente para a frente, obrigando-os a seguir esse ciclo coletivo e
abstrato que não depende nem da rapidez nem da lentidão do aprendizado dos
alunos. Essa temporalidade reproduz em grande escala o universo do mundo do
trabalho, cadenciado como um relógio; ela arranca as crianças da indolência e da
acronia das brincadeiras para mergulhá-las num mundo onde tudo é medido, contado
e calculado abstratamente: tal dia, a tal hora, elas deverão aprender tal coisa, numa
duração predeterminada e sobre o que serão avaliadas mais tarde, às vezes muito
depois. Esse tempo escolar, portanto, é o tempo “sério”, “importante” com
consequências graves para o futuro: os atrasos, as faltas, as ausências, os
descuidos se acumulam e passam a contar, constituindo fatores de fracasso ou de
sucesso, enfim, de diferenciação escolar e, mais tarde, social. O tempo escolar,
portanto, é potencialmente formador, porque impõe, para além dos conteúdos
transmitidos, normas independentes de variações individuais e aplicáveis a todos. O
tempo escolar é um tempo social e administrativo imposto aos indivíduos, é um
tempo forçado. É por isso que uma das tarefas fundamentais dos professores é
ocupar os alunos, não deixá-los por conta, sem nada para fazer, mas, ao contrário,
ocupá-los com atividades: não ter mais o que dizer ou fazer, quando ainda sobra
tempo à disposição, é um dos pavores básicos dos professores, e o temor que isso
gera é, geralmente, muito importante no início de sua carreira.
Maurice Tardif e Claude Lessard
Núcleo Básico – Módulo 3
Os tempos escolares


(“A escola como organização do trabalho docente”, in: TARDIF, M.; LESSARD, C. O
trabalho docente: elementos para uma teoria da docência como profissão de
interações humanas; tradução de João Batista Kreuch. 5. ed. Petrópolis, RJ: Vozes,
2009, p. 75-76.)

Mais conteúdo relacionado

Destaque

Destaque (16)

EIC CEPROMM Banner do blog parte escrita
EIC CEPROMM Banner do blog parte escritaEIC CEPROMM Banner do blog parte escrita
EIC CEPROMM Banner do blog parte escrita
 
Picos
PicosPicos
Picos
 
Planejamentoautonomia2010 e maula57_58
Planejamentoautonomia2010 e maula57_58Planejamentoautonomia2010 e maula57_58
Planejamentoautonomia2010 e maula57_58
 
Projecto%20clube%20 matemática[1]
Projecto%20clube%20 matemática[1]Projecto%20clube%20 matemática[1]
Projecto%20clube%20 matemática[1]
 
Súmula jogo 16 amanhece 0 x 4 fluminense
Súmula jogo 16 amanhece 0 x 4 fluminenseSúmula jogo 16 amanhece 0 x 4 fluminense
Súmula jogo 16 amanhece 0 x 4 fluminense
 
October test results 1
October test results 1October test results 1
October test results 1
 
Capa
CapaCapa
Capa
 
Examen
ExamenExamen
Examen
 
Slidesharelaia
SlidesharelaiaSlidesharelaia
Slidesharelaia
 
Como ser abogado
Como ser abogadoComo ser abogado
Como ser abogado
 
Redes
RedesRedes
Redes
 
00 vantagens
00   vantagens00   vantagens
00 vantagens
 
Dia das crianças 002
Dia das crianças 002Dia das crianças 002
Dia das crianças 002
 
Forum Cidadania Julho2009
Forum Cidadania Julho2009Forum Cidadania Julho2009
Forum Cidadania Julho2009
 
Educar para o Futuro
Educar para o FuturoEducar para o Futuro
Educar para o Futuro
 
Enem
EnemEnem
Enem
 

Semelhante a Nb m03t09 temposescolares

Organização do tempo e do espaço escolar
Organização do tempo e do espaço escolarOrganização do tempo e do espaço escolar
Organização do tempo e do espaço escolarThiago Cellin Duarte
 
MANIFESTO DA ESCOLA TRANSVERGENTE
MANIFESTO DA ESCOLA TRANSVERGENTEMANIFESTO DA ESCOLA TRANSVERGENTE
MANIFESTO DA ESCOLA TRANSVERGENTEJobenemar Carvalho
 
pROGRAMA DE rESSIGNIFICAÇÃO DA APRENDIZAGEM_IERP_JEQUIÉ
pROGRAMA DE rESSIGNIFICAÇÃO DA APRENDIZAGEM_IERP_JEQUIÉpROGRAMA DE rESSIGNIFICAÇÃO DA APRENDIZAGEM_IERP_JEQUIÉ
pROGRAMA DE rESSIGNIFICAÇÃO DA APRENDIZAGEM_IERP_JEQUIÉguest0b5fe1
 
EO - 8 Estudos_1ºBimestre - 6º ANOS.pdf
EO - 8 Estudos_1ºBimestre - 6º ANOS.pdfEO - 8 Estudos_1ºBimestre - 6º ANOS.pdf
EO - 8 Estudos_1ºBimestre - 6º ANOS.pdfNatalia384006
 
Relatório de Estágio de Prática Docente II - Séries Iniciais
Relatório de Estágio de Prática Docente II - Séries IniciaisRelatório de Estágio de Prática Docente II - Séries Iniciais
Relatório de Estágio de Prática Docente II - Séries Iniciaispedagogianh
 
Ciclo Seriacao e Avaliacao - Luiz Carlos de Freitas
 Ciclo Seriacao e Avaliacao - Luiz Carlos de Freitas   Ciclo Seriacao e Avaliacao - Luiz Carlos de Freitas
Ciclo Seriacao e Avaliacao - Luiz Carlos de Freitas Marcos Lira
 
Modelo artigo prática docente i 1- -1-
Modelo artigo prática docente i  1- -1-Modelo artigo prática docente i  1- -1-
Modelo artigo prática docente i 1- -1-pedagogianh
 
40868 texto do artigo-171561-1-10-20160419
40868 texto do artigo-171561-1-10-2016041940868 texto do artigo-171561-1-10-20160419
40868 texto do artigo-171561-1-10-20160419patyferrari2
 
Heterogeneidade nos anos iniciais
Heterogeneidade nos anos iniciaisHeterogeneidade nos anos iniciais
Heterogeneidade nos anos iniciaisRosinara Azeredo
 
Heterogeneidade nos anos iniciais
Heterogeneidade nos anos iniciaisHeterogeneidade nos anos iniciais
Heterogeneidade nos anos iniciaisrenatalguterres
 
Estágio em Educação Infantil
Estágio em Educação InfantilEstágio em Educação Infantil
Estágio em Educação InfantilRosinara Azeredo
 
Direito ao intervalo
Direito ao intervaloDireito ao intervalo
Direito ao intervaloMINEDU
 
O que se espera do professor universitário hoje
O que se espera do professor universitário hojeO que se espera do professor universitário hoje
O que se espera do professor universitário hojeAndré Boaratti
 

Semelhante a Nb m03t09 temposescolares (20)

Programa Ressignificacao Ierp
Programa Ressignificacao IerpPrograma Ressignificacao Ierp
Programa Ressignificacao Ierp
 
Curriculo_Heber_Sônia
Curriculo_Heber_SôniaCurriculo_Heber_Sônia
Curriculo_Heber_Sônia
 
Organização do tempo e do espaço escolar
Organização do tempo e do espaço escolarOrganização do tempo e do espaço escolar
Organização do tempo e do espaço escolar
 
MANIFESTO DA ESCOLA TRANSVERGENTE
MANIFESTO DA ESCOLA TRANSVERGENTEMANIFESTO DA ESCOLA TRANSVERGENTE
MANIFESTO DA ESCOLA TRANSVERGENTE
 
pROGRAMA DE rESSIGNIFICAÇÃO DA APRENDIZAGEM_IERP_JEQUIÉ
pROGRAMA DE rESSIGNIFICAÇÃO DA APRENDIZAGEM_IERP_JEQUIÉpROGRAMA DE rESSIGNIFICAÇÃO DA APRENDIZAGEM_IERP_JEQUIÉ
pROGRAMA DE rESSIGNIFICAÇÃO DA APRENDIZAGEM_IERP_JEQUIÉ
 
Artigo olivia CONEDU
Artigo olivia CONEDUArtigo olivia CONEDU
Artigo olivia CONEDU
 
EO - 8 Estudos_1ºBimestre - 6º ANOS.pdf
EO - 8 Estudos_1ºBimestre - 6º ANOS.pdfEO - 8 Estudos_1ºBimestre - 6º ANOS.pdf
EO - 8 Estudos_1ºBimestre - 6º ANOS.pdf
 
Relatório de Estágio de Prática Docente II - Séries Iniciais
Relatório de Estágio de Prática Docente II - Séries IniciaisRelatório de Estágio de Prática Docente II - Séries Iniciais
Relatório de Estágio de Prática Docente II - Séries Iniciais
 
Ciclo Seriacao e Avaliacao - Luiz Carlos de Freitas
 Ciclo Seriacao e Avaliacao - Luiz Carlos de Freitas   Ciclo Seriacao e Avaliacao - Luiz Carlos de Freitas
Ciclo Seriacao e Avaliacao - Luiz Carlos de Freitas
 
Modelo artigo prática docente i 1- -1-
Modelo artigo prática docente i  1- -1-Modelo artigo prática docente i  1- -1-
Modelo artigo prática docente i 1- -1-
 
40868 texto do artigo-171561-1-10-20160419
40868 texto do artigo-171561-1-10-2016041940868 texto do artigo-171561-1-10-20160419
40868 texto do artigo-171561-1-10-20160419
 
Portifólio milena
 Portifólio   milena Portifólio   milena
Portifólio milena
 
Heterogeneidade nos anos iniciais
Heterogeneidade nos anos iniciaisHeterogeneidade nos anos iniciais
Heterogeneidade nos anos iniciais
 
Heterogeneidade nos anos iniciais
Heterogeneidade nos anos iniciaisHeterogeneidade nos anos iniciais
Heterogeneidade nos anos iniciais
 
Estágio em Educação Infantil
Estágio em Educação InfantilEstágio em Educação Infantil
Estágio em Educação Infantil
 
Rotina do coordenador Pedagógico
Rotina do coordenador PedagógicoRotina do coordenador Pedagógico
Rotina do coordenador Pedagógico
 
Programa de Ressignificacao_IERP, Jequié-BA
Programa de Ressignificacao_IERP, Jequié-BAPrograma de Ressignificacao_IERP, Jequié-BA
Programa de Ressignificacao_IERP, Jequié-BA
 
Direito ao intervalo
Direito ao intervaloDireito ao intervalo
Direito ao intervalo
 
Livro Gema2
Livro Gema2Livro Gema2
Livro Gema2
 
O que se espera do professor universitário hoje
O que se espera do professor universitário hojeO que se espera do professor universitário hoje
O que se espera do professor universitário hoje
 

Mais de Andrea Cortelazzi

Mais de Andrea Cortelazzi (20)

Webpalestra avaliação multidisciplinar_dificuldades_de_aprendizagem
Webpalestra avaliação multidisciplinar_dificuldades_de_aprendizagemWebpalestra avaliação multidisciplinar_dificuldades_de_aprendizagem
Webpalestra avaliação multidisciplinar_dificuldades_de_aprendizagem
 
Conceitos estruturantes da genética
Conceitos estruturantes da genéticaConceitos estruturantes da genética
Conceitos estruturantes da genética
 
As bases da hereditariedade
As bases da hereditariedadeAs bases da hereditariedade
As bases da hereditariedade
 
Apoio 3
Apoio 3Apoio 3
Apoio 3
 
Crítica de arte
Crítica de arteCrítica de arte
Crítica de arte
 
Critica
CriticaCritica
Critica
 
Apostilapedagogica2012
Apostilapedagogica2012Apostilapedagogica2012
Apostilapedagogica2012
 
Apostilalegislacao2012
Apostilalegislacao2012Apostilalegislacao2012
Apostilalegislacao2012
 
Apostilapedagogica
ApostilapedagogicaApostilapedagogica
Apostilapedagogica
 
Conselho final
Conselho finalConselho final
Conselho final
 
Pre conselho
Pre conselhoPre conselho
Pre conselho
 
Palestras
PalestrasPalestras
Palestras
 
Semana de prevenção atividades dos alunos
Semana de prevenção   atividades dos alunosSemana de prevenção   atividades dos alunos
Semana de prevenção atividades dos alunos
 
Semana de prevenção palestras 6ª serie
Semana de prevenção   palestras 6ª serieSemana de prevenção   palestras 6ª serie
Semana de prevenção palestras 6ª serie
 
Semana de prevenção em para cii
Semana de prevenção em para ciiSemana de prevenção em para cii
Semana de prevenção em para cii
 
Semana de prevenção palestras 5ª series
Semana de prevenção   palestras 5ª seriesSemana de prevenção   palestras 5ª series
Semana de prevenção palestras 5ª series
 
Confraternização
ConfraternizaçãoConfraternização
Confraternização
 
Ação do dia das crianças
Ação do dia das criançasAção do dia das crianças
Ação do dia das crianças
 
VISITA A OSESP - 2º SEMESTRE
VISITA A OSESP - 2º SEMESTREVISITA A OSESP - 2º SEMESTRE
VISITA A OSESP - 2º SEMESTRE
 
Joaquim gonçalves
Joaquim gonçalvesJoaquim gonçalves
Joaquim gonçalves
 

Nb m03t09 temposescolares

  • 1. Núcleo Básico – Módulo 3 Os tempos escolares Os tempos escolares [...] O ensino escolar é um trabalho coletivo que acontece durante vários anos e conta com diversos professores que se revezam para realizar uma ação educativa sobre os alunos. Graças a essa longa duração (que ocupa, atualmente, uma parte cada vez maior da vida humana, em torno de 15 anos de nossa vida), a maioria das crianças acaba se socializando e assimilando, individualmente falando, as normas e conhecimentos que estão na base da vida em sociedade. O tempo escolar é constituído, inicialmente, por um continuum objetivo, mensurável, quantificável, administrável. Mas, em seguida, ele é repartido, planejado, ritmado de acordo com avaliações, ciclos regulares, repetitivos. Essa estruturação temporal da organização escolar é extremamente exigente para os professores, pois ela puxa constantemente para a frente, obrigando-os a seguir esse ciclo coletivo e abstrato que não depende nem da rapidez nem da lentidão do aprendizado dos alunos. Essa temporalidade reproduz em grande escala o universo do mundo do trabalho, cadenciado como um relógio; ela arranca as crianças da indolência e da acronia das brincadeiras para mergulhá-las num mundo onde tudo é medido, contado e calculado abstratamente: tal dia, a tal hora, elas deverão aprender tal coisa, numa duração predeterminada e sobre o que serão avaliadas mais tarde, às vezes muito depois. Esse tempo escolar, portanto, é o tempo “sério”, “importante” com consequências graves para o futuro: os atrasos, as faltas, as ausências, os descuidos se acumulam e passam a contar, constituindo fatores de fracasso ou de sucesso, enfim, de diferenciação escolar e, mais tarde, social. O tempo escolar, portanto, é potencialmente formador, porque impõe, para além dos conteúdos transmitidos, normas independentes de variações individuais e aplicáveis a todos. O tempo escolar é um tempo social e administrativo imposto aos indivíduos, é um tempo forçado. É por isso que uma das tarefas fundamentais dos professores é ocupar os alunos, não deixá-los por conta, sem nada para fazer, mas, ao contrário, ocupá-los com atividades: não ter mais o que dizer ou fazer, quando ainda sobra tempo à disposição, é um dos pavores básicos dos professores, e o temor que isso gera é, geralmente, muito importante no início de sua carreira. Maurice Tardif e Claude Lessard
  • 2. Núcleo Básico – Módulo 3 Os tempos escolares (“A escola como organização do trabalho docente”, in: TARDIF, M.; LESSARD, C. O trabalho docente: elementos para uma teoria da docência como profissão de interações humanas; tradução de João Batista Kreuch. 5. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009, p. 75-76.)