Este trabalho analisa a legitimidade das Guardas Municipais para exercer o Poder de Polícia de Trânsito e a possibilidade de delegação deste poder a particulares. A pesquisa conclui que as Guardas Municipais não são legítimas para fiscalizar o trânsito, e que há ilegalidade na transmissão do poder do Estado a entes privados, principalmente na autuação. As entrevistas mostraram que as prefeituras tiveram êxito na municipalização somente quando contaram com Agentes de Trânsito concursados.
Auto regulação de transportes de passageiros por ônibus
Monografia - Poder de polícia de trânsito - Legitimidade e delegação
1. CENTRO UNIVERSITÁRIO DE LAVRAS
PODER DE POLÍCIA DE TRÂNSITO:
LEGITIMIDADE E DELEGAÇÃO
HELDER PAULO DE ANDRADE
LAVRAS-MG
2013
2. HELDER PAULO DE ANDRADE
PODER DE POLÍCIA DE TRÂNSITO:
LEGITIMIDADE E DELEGAÇÃO
Monografia
apresentada
ao
Centro Universitário de Lavras
como parte das exigências do
curso de graduação em Direito.
Orientadora
Prof.ª Danielle Bastos Correa Belchior
LAVRAS-MG
2013
29. Centro Universitário de Lavras - UNILAVRAS
Monografia intitulada “Poder de Polícia de Trânsito: Legitimidade e Delegação”,
de autoria do graduando Helder Paulo de Andrade, aprovada pela banca
examinadora constituída pelas seguintes professoras:
___________________________________
Prof.ª Danielle Bastos Correa Belchior – UNILAVRAS (orientadora)
___________________________________
Prof.ª Rosângela Moura Cortez – UNILAVRAS (convidada)
___________________________________
Prof.ª Patrícia Felizalle Guimarães – UNILAVRAS (presidente da banca)
Aprovada em 03 de abril de 2013.
30. DEDICO àqueles que sempre me atiram
pedras, pois tenho feito delas os degraus
do meu progresso.
31. AGRADECIMENTOS
A conclusão deste trabalho, bem como do Curso de Bacharelado em Direito, só está
sendo possível graças à colaboração de muitos, aos quais sou deveras grato.
Dentre outros, agradeço primeiramente a Deus, por permitir e facilitar a minha
progressão espiritual. À minha família, principalmente meus pais Maria do Carmo e
José Paulo, que há anos mudaram radicalmente seu estilo de vida para dar melhor
educação aos filhos. À Polícia Militar de Minas Gerais, à qual sirvo com orgulho e
que tem possibilitado a consecução de minhas pretensões. Ao Unilavras, na pessoa
da Professora Mestra Danielle Bastos Correa Belchior – minha orientadora – que
não mediu esforços para me apoiar durante as aulas e tampouco na produção desta
pesquisa. Por fim, agradeço especialmente à amiga e confidente Rosane Aparecida
Miranda – minha namorada – por dedicar-me atenção e carinho em todos os
momentos e por compreender a minha ausência nos últimos meses.
32. A nova orientação dada às pesquisas
jurídicas impõe ao jurista estudar o meio
social para verificar se a norma de Direito é
aplicável, as razões de seu aparecimento,
os motivos de sua eficácia ou ineficácia
(desuso). (Henriques; Medeiros, 2003, p. 34)
33. RESUMO
Buscou-se neste trabalho conceituar o Poder de Polícia da Administração Pública,
sua aplicação no trânsito e definir quais são as Autoridades que compõem o Sistema
Nacional de Trânsito, delimitando sua área de atuação e os cidadãos legitimados a
assumirem a função de agentes dessas autoridades. Através de pesquisa
bibliográfica objetivou-se analisar as correntes doutrinárias que tratam da legalidade
das Guardas Municipais se valerem do Poder de Polícia de Trânsito e a
possibilidade da delegação desse poder a particulares, entes de direito privado.
Analisando a legislação atinente ao assunto, bem como várias jurisprudências e
doutrinas, concluiu-se que o entendimento majoritário é de que as Guardas
Municipais não são legítimas a exercerem o Poder de Polícia de Trânsito, pois a
norma constitucional é clara ao expressar que os municípios poderão criá-las para a
proteção do seu patrimônio. Igualmente, chegou-se à conclusão de que a Carta
Magna não se manifesta sobre a delegação do Poder de Polícia a entes de direito
privado. Porém, norma infraconstitucional que trata das parcerias público-privadas
veda expressamente essa delegação. Assim, apesar da norma de trânsito permitir,
entendeu-se, comungando com a doutrina e a jurisprudência majoritárias, que há
ilegalidade na transmissão do poder-dever do Estado a particulares, principalmente
no que se refere à fiscalização e autuação de trânsito. Finalmente, através de
entrevista feita em cinco prefeituras que municipalizaram o trânsito, observou-se que
obtiveram êxito na municipalização somente as que têm Agentes Municipais de
Trânsito concursados, efetivos. As demais exercem a fiscalização do trânsito
mediante convênio com a Polícia Militar.
Palavras-chave: Poder de Polícia de Trânsito; Legitimidade das Guardas
Municipais; Delegação a Entes Privados; Municipalização do Trânsito.
34. LISTA DE SIGLAS
BHTrans – Empresa de Transportes e Trânsito de Belo Horizonte/MG
CET – Companhia de Engenharia de Tráfego
CETRAN – Conselho Estadual de Trânsito
CONTRAN – Conselho Nacional de Trânsito
CONTRANDIFE – Conselho de Trânsito do Distrito Federal
CR – Constituição da República Federativa do Brasil
CTB – Código de Trânsito Brasileiro
DENATRAN – Departamento Nacional de Trânsito
DETRAN – Departamento Estadual de Trânsito
GM – Guarda Municipal
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
JARI – Junta Administrativa de Recursos de Infração
PRF – Polícia Rodoviária Federal
RENAVAM – Registro Nacional de Veículos Automotores
S.A. – Sociedade Anônima
SNT – Sistema Nacional de Trânsito
STF – Superior Tribunal Federal
STJ – Superior Tribunal de Justiça
TJ – Tribunal de Justiça
TJMG – Tribunal de Justiça de Minas Gerais
TRF – Tribunal Regional Federal
35. SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 10
2 REVISÃO DE LITERATURA .................................................................................. 12
2.1 Administração Pública ......................................................................................... 12
2.1.1 Poderes da Administração Pública ................................................................... 13
2.1.1.1 Poder Disciplinar ........................................................................................... 14
2.1.1.2 Poder Discricionário ...................................................................................... 14
2.1.1.3 Poder Hierárquico ......................................................................................... 14
2.1.1.4 Poder Regulamentar ..................................................................................... 14
2.1.1.5 Poder Vinculado ............................................................................................ 15
2.2 Poder de Polícia .................................................................................................. 15
2.2.1 Origem do Poder de Polícia ............................................................................. 15
2.2.2 Conceito do Poder de Polícia ........................................................................... 17
2.2.3 Fundamento do Poder de Polícia ..................................................................... 20
2.2.4 Finalidade do Poder de Polícia......................................................................... 21
2.2.5 Objeto do Poder de Polícia............................................................................... 22
2.2.6 Restrições ao Poder de Polícia ........................................................................ 23
2.2.7 Princípio da Proporcionalidade no Poder de Polícia ........................................ 24
2.2.8 Qualidades do Poder de Polícia ....................................................................... 25
2.2.8.1 Vinculação e Discricionariedade do Poder de Polícia ................................... 25
2.2.8.1.1 Poder de Polícia Vinculado ........................................................................ 26
2.2.8.1.2 Poder de Polícia Discricionário ................................................................... 28
2.2.8.2 Autoexecutoriedade do Poder de Polícia ...................................................... 31
2.2.8.3 Coercibilidade do Poder de Polícia ............................................................... 32
2.2.8.4 Tipicidade do Poder de Polícia ...................................................................... 33
2.2.9 Sanções do Poder de Polícia ........................................................................... 33
2.3 Poder de Polícia de Trânsito ............................................................................... 35
2.3.1 História da Legislação de Trânsito Brasileira ................................................... 35
2.3.2 Estatísticas de Acidentes após o novo Código de Trânsito .............................. 40
2.3.3 O Sistema Nacional de Trânsito ....................................................................... 41
2.3.3.1 Integrantes do Sistema Nacional de Trânsito ................................................ 42
2.3.3.2.1 Competências na Esfera Federal ............................................................... 44
36. 2.3.3.2.2 Competências na Esfera Estadual ............................................................. 44
2.3.3.2.3 Competências na Esfera Municipal ............................................................ 45
2.3.3.3 A Municipalização do Trânsito ....................................................................... 46
2.3.3.4 Legitimados ao Poder de Polícia de Trânsito ................................................ 48
2.3.3.4.1 Legitimidade das Guardas Municipais ........................................................ 49
2.3.4 Delegação do Poder de Polícia de Trânsito ..................................................... 52
2.3.4.1 Julgados sobre Delegação do Poder de Polícia de Trânsito ......................... 56
2.3.5 A situação do Trânsito após a Municipalização ................................................ 58
3 CONSIDERAÇÕES GERAIS ................................................................................. 61
4 CONCLUSÃO......................................................................................................... 67
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................................... 69
37. 1 INTRODUÇÃO
No intuito de garantir os direitos individuais dos cidadãos e exigir o
cumprimento dos seus deveres, o Estado dispõe de ferramentas para fazer valer a
supremacia do interesse público sobre o privado. Através da sua Administração
Pública, o Estado fiscaliza os atos individuais dos seus administrados para que estes
não venham a prejudicar os interesses da sociedade como um todo.
O direito-dever que tem o Poder Público de intervir nas ações ou omissões
dos particulares em prol da coletividade é exercido através do seu Poder de Polícia.
Este poder possibilita a limitação do exercício dos direitos e garantias individuais do
cidadão diante da necessidade de tutelar um interesse maior, coletivo.
O Poder de Polícia da Administração Pública está presente nas mais
diversas ramificações sociais. Dentre elas, destaca-se o trânsito de pedestres e
veículos. O Estado exerce o seu Poder de Polícia de Trânsito através de seus
agentes, que devem ter legitimidade para a execução desse poder.
Busca-se nesta pesquisa, além de conceituar o Poder de Polícia da
Administração Pública e sua aplicação no trânsito, definir quais são as Autoridades
de Trânsito, suas circunscrições e os cidadãos legitimados a assumirem a função de
agentes dessas autoridades.
A atual legislação de trânsito brasileira trouxe a responsabilidade territorial
de cada ente da administração pública direta para com a fiscalização de trânsito.
Assim, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios devem promover a
fiscalização educativa, preventiva e repressiva de trânsito no âmbito de sua
circunscrição.
Especificamente no que se refere aos municípios, a legislação prevê a sua
responsabilidade a partir do momento em que municipalizam o trânsito.
Considerando que atualmente os valores das multas de trânsito são revertidos ao
ente público que as aplica, os municípios têm buscado a qualquer custo aumentar a
sua arrecadação através da intensificação da fiscalização e autuação de trânsito.
38. 11
Para a efetivação desta municipalização, além de cumprirem os requisitos
legais, as prefeituras têm que implantar uma fiscalização municipal de trânsito,
designando agentes com esta finalidade. Entretanto, há entendimentos no sentido
de que nem todos detém legitimidade para exercer o Poder de Polícia de Trânsito.
Exemplo disso encontra-se na grande polêmica que se instaurou quando
algumas prefeituras nomearam suas Guardas Municipais como Agentes de Trânsito,
dando-lhes o poder de controlar, fiscalizar e confeccionar autuações. Há ainda
aqueles municípios que optaram por delegar o seu Poder de Polícia de Trânsito a
particulares, geralmente sociedades de economia mista, como ocorreu na capital
mineira.
Diante dessas polêmicas, o presente estudo tem como objetivo analisar,
através de pesquisa bibliográfica, as correntes doutrinárias que tratam da legalidade
das Guardas Municipais se valerem do Poder de Polícia de Trânsito para exercer a
fiscalização dos veículos em seus respectivos municípios.
Pretende-se também verificar o que disciplina o direito positivo pátrio sobre a
possibilidade da delegação do Poder de Polícia de Trânsito a particulares, entes de
direito privado, além de buscar a postura dos mais renomados doutrinadores e
analisar os julgados sobre o assunto.
Certo é que, para manter a harmonia entre condutores e pedestres e,
paralelamente angariar o respeito à legislação de trânsito, o Poder Público tem que
manter todo um aparato de fiscalização nas ruas. Esta fiscalização é o reflexo do
Poder de Polícia da Administração Pública direcionado ao trânsito. Mas, quem pode
exercer esse poder? A quem ele pode ser delegado? Esta pesquisa se justifica na
busca de respostas a estas questões.
39. 2 REVISÃO DE LITERATURA
Não é desconhecido o fato de que o Estado deve atuar à sombra do
princípio da supremacia do interesse público. Significa dizer que o interesse
particular há de curvar-se diante do interesse coletivo. É fácil imaginar que,
não fora assim, se implantaria o caos na sociedade (CARVALHO FILHO,
2009, p. 71).
2.1 Administração Pública
Pode-se definir Administração Pública, de acordo com Teixeira (2012), como
sendo o conjunto de entidades, órgãos e agentes que executam a função
administrativa do Estado, bem como a atividade administrativa propriamente dita.
Para Justen, citado por Teixeira (2012), a expressão Administração Pública
é aplicada para fazer referência ao conjunto de entes e organizações titulares da
função administrativa. Mas esta expressão pode ser empregada em dois sentidos:
um em sentido formal, também conhecido como subjetivo ou orgânico e outro em
sentido material, também chamado de objetivo ou operacional.
Sobre a Administração Pública em sentido formal Meirelles (2004, p. 64)
explica que “[...] é o conjunto de órgãos instituídos para consecução dos objetivos do
Governo”.
No mesmo sentido, Di Pietro (2010, p. 49) explica que “[...] designa os entes
que exercem a atividade administrativa; compreende pessoas jurídicas, órgãos e
agentes públicos incumbidos de exercer uma das funções em que se triparte a
atividade estatal: a função administrativa”.
Igualmente, Gasparini (2009, p. 44) entende que Administração Pública em
sentido formal “[...] indica um complexo de órgãos responsáveis por funções
administrativas”. Em seu sentido material, Meirelles (2004) afirma que a
40. 13
Administração Pública é o conjunto das funções necessárias aos serviços públicos
em geral.
Gasparini (2009) completa afirmando que a Administração Pública é um
complexo de atividades concretas e imediatas desempenhadas pelo Estado sob os
termos e condições da lei, visando o atendimento das necessidades coletivas dos
administrados.
Di Pietro (2010, p. 49), ensina: “[...] designa a natureza da atividade exercida
pelos referidos entes; nesse sentido, a Administração Pública é a própria função
administrativa que incumbe, predominantemente, ao Poder Executivo”.
2.1.1 Poderes da Administração Pública
Para que haja um bom atendimento aos administrados, faz-se necessário
que a Administração Pública seja dotada de poderes proporcionais aos seus
encargos, ensina Meirelles (2004).
Nessa esteira, Medauar (2009, p. 109) afirma que “para que a Administração
possa realizar o conjunto das atividades que lhe cabem, no cumprimento de seu
papel na vida coletiva, o ordenamento lhe confere poderes”.
Para Gasparini (2009) esses poderes administrativos são deveres-poderes e
vinculam a atuação do agente público proporcionalmente às normas previstas no
ordenamento jurídico, repudiando qualquer tipo de excesso da parte do Estado.
No Direito Administrativo, os poderes da Administração Pública podem ser
divididos em: poder disciplinar, poder discricionário, poder hierárquico, poder
regulamentar, poder vinculado e poder de polícia. Dentre estes, doravante este
estudo terá como foco o Poder de Polícia da Administração Pública. Entretanto, será
exposta uma breve definição de cada um dos demais poderes.
41. 14
2.1.1.1 Poder Disciplinar
O Poder Disciplinar é assim definido por Meirelles (2004, p. 122):
Poder disciplinar é a faculdade de punir internamente as infrações
funcionais dos servidores e demais pessoas sujeitas à disciplina dos órgãos
e serviços da Administração. É uma supremacia especial que o Estado
exerce sobre todos aqueles que se vinculam à Administração por relações
de qualquer natureza, subordinando-se às normas de funcionamento do
serviço ou do estabelecimento que passam a integrar definitiva ou
transitoriamente.
2.1.1.2 Poder Discricionário
Teixeira (2012, p. 15) citando Carlin, assegura:
Numa prerrogativa de valoração, a lei não é capaz de regular todas as
condutas de um agente administrativo. Por isso, ela lhe confere a
prerrogativa de avaliar a conveniência e a oportunidade dos atos
administrativos que ele vai praticar como administrador do interesse público.
2.1.1.3 Poder Hierárquico
A cerca do poder hierárquico Gasparini (2009, p. 52) alude:
A estrutura da Administração Pública, compreendida como a instituição dos
órgãos encarregados da execução de certas e determinadas atribuições,
faz-se com a observância do princípio da hierarquia, que é a relação de
subordinação existente entre os órgãos públicos com competência
administrativa e, por conseguinte, entre seus titulares, decorrente do
exercício da atribuição hierárquica, chamada por alguns de poder
hierárquico. [grifo do autor]
2.1.1.4 Poder Regulamentar
Di Pietro (2010, p. 90) elucida que o poder regulamentar:
42. 15
[...] insere-se, portanto, como uma das formas pelas quais se expressa a
função normativa do Poder Executivo. Pode ser definido como o que cabe
ao Chefe do Poder Executivo da União, dos Estados e dos Municípios, de
editar normas complementares à lei, para a sua fiel execução.
2.1.1.5 Poder Vinculado
Sobre o poder vinculado, Meirelles (2004, p. 115) afirma:
[...] que o agente público fica inteiramente preso ao enunciado da lei, em
todas as suas especificações. Nessa categoria de atos administrativos a
liberdade de ação do administrador é mínima, pois terá que se ater à
enumeração minuciosa do Direito Positivo para realizá-lo eficazmente.
Deixando de atender a qualquer dado expresso na lei, o ato é nulo, por
desvinculado de seu tipo-padrão.
2.2 Poder de Polícia
Di Pietro (2010, p. 211), afirma que “[...] a administração pública dispõe de
poderes que lhe asseguram posição de supremacia sobre o particular e sem os
quais ela não conseguiria atingir seus fins”.
Consoante Bacellar (2001, p. 11):
Em suma, as prerrogativas da Administração traduzem-se em poderes
especiais, os quais possibilitam a sua atuação, impondo limites aos
interesses do particular (poder de polícia). Como resultado, temos como
regular a possibilidade de um policial de trânsito aplicar uma multa, de o
Poder Público Municipal sancionar empresas poluidoras do meio-ambiente,
desapropriar bens para a reforma agrária, entre outras.
2.2.1 Origem do Poder de Polícia
Para entendermos o termo poder de polícia, faz-se necessário o estudo de
sua evolução histórica, a começar pelo desmembramento das palavras que o
43. 16
compõem. No que se refere às definições afetas ao tema deste estudo, o Dicionário
Online de Português [Internet] assim explica:
Poder: origina-se do latim potere. Significa direito de agir, de decidir, de
mandar; autoridade, governo de um país; mandato, procuração. É sinônimo
de autoridade, domínio, mando.
Polícia: origina-se do latim politia, procedente do grego politeia, que
originalmente se referia a organização política, sistema de governo.
Atualmente pode ser definida como o conjunto de regras impostas aos
membros de uma coletividade com o objetivo de garantir a ordem, a
tranquilidade e a segurança públicas. Seu sinônimo mais adequado é
fiscalização.
Carlin citado por Teixeira (2012, p. 17) completa essa definição ao dizer que
“no século XVIII, o termo polícia designava o conjunto das atividades estatais, e
denotava o conceito mais amplo de administração estatal”.
Assegura Teixeira (2012, p. 17) citando Faria, que “Esse entendimento
amplo sobre o conceito de polícia foi mais tarde refutado pelo movimento cultural
que culminou com a Revolução Francesa de 1789”.
Com a Revolução Francesa, Carlin citado por Teixeira (2012, p. 17)
acrescenta que:
[...] o conceito de polícia passou a se restringir, valorizando os direitos
individuais e as concepções de Estado de Direito. Polícia passou, então, a
designar parte das atividades de Administração, destinada a manter a
ordem. Seu caráter fundamental é a vigilância.
Com o Estado de Direito:
[...] inaugura-se nova fase em que já não se aceita a ideia de existirem leis a
que o próprio príncipe não se submeta. Um dos princípios básicos do
Estado de Direito é precisamente o da legalidade, em consonância com o
qual o próprio Estado se submete às leis por ele mesmo postas. (DI
PIETRO, 2010, p. 115)
44. 17
Teixeira (2012, p. 17) citando Carlin, ensina que “Surgiram, então, na
França, a polícia administrativa e a polícia repressiva ou auxiliar, em contraponto
com a judiciária, que preparava e impunha as ordens emanadas dos juízes”.
Di Pietro (2010, p. 116), consigna que “antes já de iniciar o século XX, os
autores começam a falar em uma polícia geral, relativa à segurança pública, e em
polícias especiais, que atuam nos mais variados setores da atividade dos
particulares”.
Por fim, Medauar (2009, p. 342), lembra que: “em 1915 Ruy Barbosa, num
parecer, utiliza a expressão poder de polícia. Aurelino Leal publica em 1918 o livro
Polícia e poder de polícia. A partir daí firma-se no direito pátrio o uso da locução”.
2.2.2 Conceito do Poder de Polícia
O professor Carvalho Filho (2009, p. 73) muito bem conceituou o Poder de
Polícia da Administração Pública:
[...] entendemos que se possa conceituar o poder de polícia como a
prerrogativa de direito público que, calcada na lei, autoriza a
Administração Pública a restringir o uso e o gozo da liberdade e da
propriedade em favor do interesse da coletividade. [grifo do autor]
Conforme ensina Cunha Júnior (2008), o poder de polícia tem origem na
segunda metade do século XVIII, quando os cidadãos conquistaram seus primeiros
direitos individuais, afastando assim, parte da opressão imposta pelo Estado.
Entretanto, fazia-se necessário um controle estatal para que não houvesse excesso
do cidadão ao exercer esses direitos, vindo a prejudicar a coletividade.
Atualmente, como afirma Gasparini (2009), os principais direitos individuais
do cidadão brasileiro estão expressos nas cláusulas pétreas da nossa Constituição
da República (1988), principalmente no seu artigo 5º, do qual se transcreve aqui os
principais incisos referentes à liberdade e ao uso, gozo e disposição da propriedade:
Artigo 5º: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no
45. 18
País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[...]
IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
[...]
XIII - é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas
as qualificações profissionais que a lei estabelecer;
[...]
XV - é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo
qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair
com seus bens;
[...]
XXII - é garantido o direito de propriedade;
[...]
Destaca ainda o professor Cunha Júnior (2008) que, desde aquela época, o
Estado está autorizado apenas a restringir o exercício dos direitos individuais, mas
jamais poderá extinguir ou anular esses direitos.
Entretanto, Gasparini (2009, p. 126) lembra que: “O exercício desses direitos
[...] não é ilimitado. Ao contrário, deve ser compatível com o bem-estar social ou com
o próprio interesse do Poder Público, não podendo, assim, constituir obstáculo à
realização dos objetivos do Estado ou da sociedade.”
Com base nisto, pode-se dizer que os direitos e garantias individuais
supracitados não são absolutos, mas sim relativos; pois, se o seu exercício
individual estiver colidindo com o ordenamento jurídico em vigor, o Estado poderá
intervir. Mas essa intervenção estatal não é discricionária, ela está vinculada aos
atos individuais nocivos aos demais membros da sociedade.
Meirelles citado por Cunha Júnior (2008, p. 80), afirma que “o poder de
polícia é uma faculdade de que dispõe o Estado de condicionar e restringir os bens,
as atividades e os direitos individuais, visando ajustá-los aos interesses da
coletividade”.
Apesar dos doutrinadores acima usarem a palavra “faculdade” para
conceituar o poder de polícia, destaca Cunha Júnior (2008) que ele não é uma
46. 19
faculdade da administração pública, mas sim um dever, um poder-dever, que o
Estado não pode renunciar ou transigir.
Carvalho Filho (2009, p. 71) ensina: “Quando o Poder Público interfere na
órbita do interesse privado para salvaguardar o interesse público, restringindo
direitos individuais, atua no exercício do poder de polícia”.
Quanto à amplitude dessa interferência da Administração Pública na vida do
administrado, os doutrinadores são unânimes em afirmar que: “As limitações, os
condicionamentos, as restrições incidem sobre a liberdade e a propriedade, não
sobre os respectivos direitos” (GASPARINI, 2009, p. 127); “O poder de polícia não
incide sobre o direito, mas sim sobre o seu exercício. Não limita o direito de
liberdade ou o direito de propriedade, mas a liberdade ou a propriedade” (CUNHA
JÚNIOR, 2008, p. 81). [grifo do autor]
O direito positivo brasileiro traz o conceito de poder de polícia no Código
Tributário Nacional, mais precisamente no seu artigo 78, in verbis:
Art. 78. Considera-se poder de polícia atividade da administração pública
que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a
prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público
concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da
produção e do mercado, ao exercício de atividades
econômicas
dependentes
Público,
de
concessão
ou
autorização
do
Poder
à
tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais
ou coletivos. [grifo meu]
Parágrafo único. Considera-se regular o exercício do poder de polícia
quando desempenhado pelo órgão competente nos limites da lei
aplicável, com observância do processo legal e, tratando-se de atividade
que a lei tenha como discricionária, sem abuso ou desvio de poder. [grifo
meu]
Através deste conceito, adotado pelo nosso ordenamento jurídico, observase, principalmente focando os termos em destaque, que o Estado só pode intervir na
individualidade do cidadão quando houver interesse coletivo. E, para se efetivar esta
intervenção, torna-se imprescindível a competência legal do órgão detentor do poder
de polícia e que este seja exercido nos limites da lei.
47. 20
Cretella, citado por Carvalho Filho (2009, p. 82), corrobora com esta
afirmativa quando diz que “[...] a faculdade repressiva não é, entretanto, ilimitada,
estando sujeita a limites jurídicos: direitos do cidadão, prerrogativas
individuais e liberdades públicas asseguradas na Constituição e nas leis.” [grifo
do autor]
2.2.3 Fundamento do Poder de Polícia
Como esclarece Gasparini (2009, p. 127):
O fundamento da atribuição de polícia administrativa está centrado num
vínculo geral, existente entre a Administração Pública e os administrados,
que autoriza o condicionamento do uso, gozo e disposição da propriedade e
do exercício da liberdade em benefício do interesse público ou social.
Alguns autores chamam-no de supremacia geral da Administração Pública
em relação aos administrados. [grifo do autor]
É desse entendimento Mello (2009, p. 826), que disse:
O poder, pois, que a Administração exerce ao desempenhar seus encargos
de polícia administrativa repousa nesta, assim chamada, ‘supremacia geral’,
que, no fundo, não é senão a própria supremacia das leis em geral,
concretizadas através de atos da Administração. [grifo do autor]
E ainda, nesse diapasão, tem-se o professor Meirelles (2004, p. 130-131),
afirmando que:
[...] seu fundamento está na supremacia geral que o Estado exerce em seu
território sobre todas as pessoas, bens e atividades, supremacia que se
revela nos mandamentos constitucionais e nas normas de ordem pública,
que a cada passo opõem condicionamentos e restrições aos direitos
individuais em favor da coletividade, incumbindo ao Poder Público o seu
policiamento administrativo.
Destarte, afirma Teixeira (2012, p. 20) que:
[...] o fundamento essencial do poder de polícia está calcado num acordo
concretizado entre a Administração Pública e Administrados, do qual a
48. 21
Administração tem o dever de realizar atos em defesa do bem público geral
para assim resguardar a ordem e convívio social.
2.2.4 Finalidade do Poder de Polícia
Afirma Teixeira (2012, p. 21) que “a finalidade de todo ato de polícia é
voltado ao interesse público. Assim, tem como finalidade a tutela ao interesse
público, utilizando-se da repressão para controle das condutas ilícitas”.
A respeito da finalidade do poder de polícia, Meirelles (2004, p. 132) explica:
A finalidade do poder de polícia [...] é a proteção ao interesse público no seu
sentido mais amplo. Nesse interesse superior da comunidade entram não
só os valores materiais como, também, o patrimônio moral e espiritual do
povo, expresso na tradição, nas instituições e nas aspirações nacionais da
maioria que sustenta o regime político adotado e consagrado na
Constituição e não ordem jurídica vigente.
Outrossim, Gasparini (2009, p. 129) leciona:
O uso, gozo e disposição da propriedade e o exercício da liberdade não
podem impedir a realização do interesse público nem o pleno alcance do
bem-estar social. Destina-se a polícia administrativa a prevenir o surgimento
(quando ainda não aconteceu) de atividades particulares nocivas aos
interesses sociais ou públicos ou a obstar (paralisar, impedir) seu
desenvolvimento. Estes os seus fins.
Para Medauar (2009, p. 346) o poder de polícia tem por finalidade “[...]
propiciar a convivência social mais harmoniosa possível, para evitar ou atenuar
conflitos no exercício dos direitos e atividades dos indivíduos entre si e ante o
interesse de toda a população”.
É desse entendimento Viegas (2012):
Vale trazer à baila a existência do princípio da supremacia do interesse
público, o qual informa todo o Direito Administrativo direcionando as
condutas dos agentes. Ocorre que, no âmbito das relações sociais, vão
surgir conflitos entre o interesse público e o interesse privado, de forma que,
49. 22
ocorrendo esse conflito, há de prevalecer o interesse público, isto é, aquele
que atende um maior número de pessoas.
Desse modo, Teixeira (2012) resume a finalidade do poder de polícia como
sendo o intuito da Administração Pública de resguardar o interesse público, ou seja,
da coletividade em detrimento do particular.
2.2.5 Objeto do Poder de Polícia
Por objeto do poder de polícia tem-se: “todo direito, bem ou atividade
individual que possa prejudicar a sociedade, havendo assim a necessidade de
controle pela Administração Pública”. (TEIXEIRA, 2012, p. 20)
No mesmo sentido, disse Meirelles (2004, p. 131):
O objeto do poder de policia administrativa é todo o bem, direito ou
atividade individual que possa afetar a coletividade ou pôr em risco a
segurança nacional, exigindo, por isso mesmo, regulamentação, controle e
contenção do Poder Público. [grifo do autor]
E ainda:
O objeto há de ser lícito, isto é, o resultado pretendido dever ser aceito pelo
ordenamento, porque pautado na lei; moral – conforme a [sic] princípios
éticos e todas as regras de conduta extraídas da disciplina geral da
Administração; possível – referente a algo realizável de fato e de direito.
(MEDAUAR, 2009, p. 140) [grifo do autor]
Gasparini (2009, p. 129) diz que “o objeto é [...] a liberdade e a propriedade
dos administrados, sem alcançar os respectivos direitos. Aquela, no que respeita ao
seu exercício; esta no que se relaciona com o uso, gozo e disposição”.
Portanto, para Teixeira (2012, p. 21) “a Administração Pública deve
continuamente cumprir com o objeto do poder de polícia, pois tem a obrigação para
com os administrados de manter o convívio social adequado entre ambos”.
50. 23
2.2.6 Restrições ao Poder de Polícia
A atribuição do poder de polícia está demarcada por dois limites:
[...] o primeiro se encontra no pleno desempenho da atribuição, isto é, no
amplo interesse de impor limitações ao exercício da liberdade e ao uso,
gozo e disposição da propriedade; o segundo reside na observância dos
direitos assegurados aos administrados pelo ordenamento positivo. É na
conciliação da necessidade de limitar ou restringir o desfrute da liberdade
individual e da propriedade particular com os direitos fundamentais,
reconhecidos a favor dos administrados, que se encontram os limites dessa
atribuição. (GASPARINI, 2009, p. 132)
Segundo Di Pietro (2010, p. 122): “como todo ato da Administração Pública,
o Poder de Polícia não poderia ser diferente, ainda que seja discricionário, se
confronta com restrições estabelecidas pelo ordenamento jurídico”.
Os limites do poder de polícia administrativa são demarcados pelo interesse
social em
conciliação com
os direitos fundamentais do indivíduo
assegurados na Constituição da República (art. 5º). Do absolutismo
individual evoluímos para o relativismo social. Os Estados Democráticos,
como o nosso, inspiram-se nos princípios de liberdade e nos ideais de
solidariedade humana. Daí o equilíbrio a ser procurado entre a fruição dos
direitos de cada um e os interesses da coletividade, em favor do bem
comum. (MEIRELLES, 2004, p. 133) [grifo do autor]
Termina Teixeira (2012, p. 22), mencionando Carlin: “Assim sendo, o
exercício do poder de polícia deve ter amparo legal, do qual derivam seus limites,
sobressaindo o direito ou interesse público em detrimento do individual”.
Para Gasparini (2009, p. 132): “Assim, mesmo que a pretexto do exercício
do poder de polícia, não se podem aniquilar os [...] direitos. Qualquer abuso é
passível de controle judicial”.
Viegas (2012) completa defendendo que “[...] seria totalmente incompatível o
interesse público sempre prevalecer sobre o interesse privado, uma vez que há
direitos individuais expressamente assegurados pela nossa Carta Magna e o
particular deve lutar pelos seus direitos”.
51. 24
2.2.7 Princípio da Proporcionalidade no Poder de Polícia
O Princípio da proporcionalidade deriva, de certo modo, do poder de
coerção de que dispõe a Administração ao praticar atos de polícia.
Realmente, não se pode conceber que a coerção seja utilizada
indevidamente pelos agentes administrativos, o que ocorreria, por exemplo,
se usada onde não houvesse necessidade. (CARVALHO FILHO, 2009, p.
87)
Desse modo, ressalva Mello citado por Teixeira (2012, p. 26), que:
[...] no caso da utilização de meios coativos, que, bem por isso, interferem
energicamente com a liberdade individual, é preciso que a Administração se
comporte com extrema cautela, nunca se servindo de meios enérgicos que
os necessários à obtenção do resultado pretendido pela lei, sob pena de
vício jurídico que acarretará responsabilidade da Administração. Importa
que haja proporcionalidade entre a medida adotada e a finalidade legal a
ser atingida. [grifo do autor]
E explana Di Pietro (2010, p. 122) que “[...] o poder de polícia não deve ir
além do necessário para a satisfação do interesse público que visa proteger; a sua
finalidade não é destruir os direitos individuais, mas, ao contrário, assegurar o seu
exercício”.
Nesse sentido, Teixeira (2012) ensina que são conferidas prerrogativas à
Administração Pública com o intuito exclusivo de atender aos interesses coletivos.
Se a conduta administrativa é desproporcional, a conclusão inevitável é a de
que um ou alguns indivíduos estão sendo prejudicados por excesso de
poder, revelando-se ausente o verdadeiro interesse coletivo a ser
perseguido e configurando-se, sem dúvida, ilegalidade que merece
correção. (CARVALHO FILHO, 2009, p. 87)
Meirelles (2004, p. 139) encerra dizendo que “sacrificar um direito ou uma
liberdade do indivíduo sem vantagem para a coletividade invalida o fundamento
social do ato de polícia, pela desproporcionalidade da medida”.
Assim, Viegas (2012) conclui afirmando que o princípio da supremacia do
interesse público deve ter uma aplicação limitada, bem como deve ser pautado no
princípio da razoabilidade e proporcionalidade, incumbindo ao administrador
52. 25
ponderar os interesses em jogo, uma vez que o particular deve ser reconhecido
como um ser social possuindo legítimas prerrogativas individuais.
2.2.8 Qualidades do Poder de Polícia
Teixeira (2012, p. 22) ensina que “o poder de polícia administrativo tem
atributos próprios e específicos ao exercício e à sua validade, tais como a
discricionariedade, a auto-executoriedade [sic], a coercibilidade e a tipicidade”.
2.2.8.1 Vinculação e Discricionariedade do Poder de Polícia
A Administração Pública possui certa discricionariedade quanto ao exercício
do poder de polícia, no entanto seus limites são expressos em lei e seu abuso é
considerado ilegal e torna o ato inválido, afirma Teixeira (2012).
A respeito desse atributo, Di Pietro (2010, p. 119) ensina:
Quanto à discricionariedade, embora esteja presente na maior parte das
medidas de polícia, nem sempre isso ocorre. Às vezes, a lei deixa certa
margem de liberdade de apreciação quanto a determinados elementos,
como o motivo ou o objeto, mesmo porque ao legislador não é dado prever
todas as hipóteses possíveis a exigir atuação de polícia. Assim, em grande
parte dos casos concretos, a Administração terá que decidir qual o melhor
momento de agir, qual o meio de ação mais adequado, qual a sanção
cabível diante das previstas da norma legal.
Igualmente:
A discricionariedade, como já vimos, traduz-se na livre escolha, pela
Administração, da oportunidade e conveniência de exercer o poder de
polícia, bem como de aplicar as sanções e empregar os meios conducentes
a atingir o fim colimado, que é a proteção de algum interesse público. Neste
particular, e desde que o ato de polícia administrativa se contenha nos
limites legais e a autoridade se mantenha na faixa de opção que lhe é
atribuída, a discricionariedade é legítima. (MEIRELLES, 2004, p. 134)
53. 26
E continua Meirelles (2004, p. 134) dizendo que “[...] o ato de polícia é, em
princípio, discricionário, mas passará a ser vinculado se a norma legal que o rege
estabelecer o modo e forma de sua realização”.
De acordo ainda com Teixeira (2012, p. 23), fazendo alusão a Maffini, “[...] a
concretização do poder de polícia será vinculada ou discricionária dependendo tãosomente [sic] da regra legal de atribuição de competência”.
Assim, no mesmo sentido:
A atividade de polícia ora é discricionária, a exemplo do que ocorre quando
a Administração Pública outorga a alguém autorização para portar arma de
fogo, ora é vinculada, nos moldes do que aconteceu quando a
Administração Pública licencia uma construção (alvará ou licença de
construção). (GASPARINI, 2009, p. 131)
Esclarece Teixeira (2012, p. 23): “Por conseguinte, ainda que esse atributo
do poder de polícia tenha previsão legal, a Administração Pública só poderá exercêlo quando atender a todas as exigências do ordenamento jurídico.”
2.2.8.1.1 Poder de Polícia Vinculado
Teixeira (2012, p. 46) afirma que “O Poder vinculado é aquele exercido pelo
agente público impondo-lhe o dever de praticar o ato, o qual tem previsão legal”; e
completa citando Medauar: “Há poder vinculado, também denominado competência
vinculada, quando a autoridade, ante determinada circunstância, é obrigada a tomar
decisão determinada, pois sua conduta é ditada previamente pela norma jurídica”.
Sobre os atos vinculados, Meirelles (2004, p. 115) explica:
Nessa categoria de atos administrativos a liberdade de ação do
administrador é mínima, pois terá que ater à enumeração minuciosa do
Direito Positivo para realizá-los eficazmente. Deixando de atender a
qualquer dado expresso na lei, o ato é nulo, por desvinculado de seu tipopadrão.
Há ainda o seguinte entendimento:
54. 27
A lei prescreve em princípio, se, quando e como deve a Administração
Pública agir ou decidir. A vontade da lei só estará satisfeita com esse
comportamento, já que não permite à Administração Pública qualquer outro.
Esses atos decorrem do exercício de uma atribuição vinculada ou, como
prefere boa parte dos autores, do desempenho do poder vinculado, em cuja
prática a Administração Pública não tem qualquer margem de liberdade.
(GASPARINI, 2009, p. 96) [grifo do autor]
Teixeira (2012, p. 47) salienta o entendimento do egrégio Tribunal de Justiça
do Rio Grande do Sul sobre o poder vinculado da Administração Pública:
APELAÇÃO
CÍVEL.
RESPONSABILIDADE
CIVIL.
AÇÃO
DE
INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. RENOVAÇÃO DE
CARTEIRA
NACIONAL
DE
HABILITAÇÃO.
REBAIXAMENTO
DA
CATEGORIA E PARA B. NÃO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS.
ATO ADMINISTRATIVO VINCULADO. LEGALIDADE. CONDUTA LÍCITA
DO AGENTE PÚBLICO. 1. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO.
O sistema jurídico brasileiro adota a responsabilidade patrimonial objetiva
do Estado e das prestadoras de serviço público sob a forma da Teoria do
Risco Administrativo. Tal assertiva encontra respaldo legal no art. 37, § 6º,
da CF. 2. AUSÊNCIA DE ATO ILÍCITO. 2.1 Em primeiro lugar, ao que se
verifica dos documentos acostados aos autos, não resta comprovado que o
réu agira de forma culposa ou que teria sido influenciado pelo diagnóstico
feito quando do deferimento do benefício previdenciário por invalidez para
alterar a categoria da CNH do autor. Pelo contrário, segundo os
documentos das fls. 38-39, o autor fora encaminhado pelo médico, ora réu,
à Junta Médica do DETRAN em 27/07/2001 (com amparo na Resolução nº.
80/98 do CONTRAN) e essa Junta Médica, mediante exame em
28/08/2001, concluiu que o autor não estaria mais apto a dirigir automóveis
correspondentes à categoria E, mas apenas, aqueles referentes à categoria
B, a teor do disposto no art. 143 do Código de Trânsito Brasileiro. 2.2 Ora,
nesse contexto, o que se verifica é que, dentro dos preceitos legais que
regem a matéria, ex vi dos artigos 147, § 2º e 159, § 11, ambos do Código
de Trânsito Brasileiro, a Administração Pública procedeu à aferição da
capacidade do autor para dirigir veículos em que a unidade tratora se
enquadre nas Categorias B, C ou D e cuja unidade acoplada, reboque,
semi-reboque [sic] ou articulada, tenha seis mil quilogramas ou mais de
peso bruto total, ou cuja lotação exceda a oito lugares, ou, ainda, seja
enquadrado na categoria trailer. Em outras palavras, a expedição da
Carteira Nacional de Habilitação, ainda que essa seja um direito conferido
aos cidadãos, sujeita-se ao cumprimento dos requisitos pelo administrado
55. 28
constituindo-se na modalidade de ato administrativo vinculado. De forma
que, se for desatendido algum dos requisitos, a própria eficácia do ato fica
comprometida, impondo a sua anulação pela Administração, ou pelo Poder
Judiciário (mediante provocação). 2.3 Por conseguinte, o órgão público agiu
dentro dos estritos limites da legalidade, seguindo orientação constante do
art. 147, § 2º, do CTB, dispositivo que prevê a realização de exame de
aptidão física e mental de cinco em cinco anos para a renovação da licença
para dirigir, não havendo, pois, qualquer ilegalidade no ato praticado
(rebaixamento da categoria E para B). APELAÇÃO DESPROVIDA.
(Apelação Cível Nº 70027224617, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça
do RS, Relator: Odone Sanguiné, Julgado em 25/03/2009) Disponível em:
www.tjrs.jus.br. Acesso em: 18/05/2012.
Di Pietro (2010, p. 212) conclui: “Nessa esteira, o poder da Administração é
vinculado, visto que a lei não confere escolha ao administrador, mas sim estabelece
através da lei, a forma que a Administração deve agir”.
No entanto, como advertem Alexandrino e Vicente mencionados por Teixeira
(2012, p. 47-48):
A expressão poder vinculado não é a mais apropriada, visto que quando se
realiza um ato vinculado ou se observa os elementos vinculados de um ato
discricionário, não se está exercendo uma prerrogativa, a administração
está cumprindo um dever.
Portanto, “[...] a atuação vinculada reflete uma imposição ao administrador,
obrigando-o a conduzir-se rigorosamente em conformidade com parâmetros legais”.
(CARVALHO FILHO, 2009, p. 49) [grifo do autor]
2.2.8.1.2 Poder de Polícia Discricionário
“A discricionariedade é a liberdade de atuação administrativa, no âmbito em
que a lei lhe atribua essa faculdade”, afirma Meirelles (2004, p. 116-117).
Nessa ótica, Carvalho Filho (2009, p. 47) esclarece:
A lei não é capaz de traçar rigidamente todas as condutas de um agente
administrativo. Ainda que procure definir alguns elementos que lhe
56. 29
restringem a atuação, o certo é que em várias situações a própria lei lhes
oferece possibilidade de valoração de conduta. Nesses casos, pode o
agente avaliar a conveniência e a oportunidade dos atos que vai praticar
na qualidade de administrador dos interesses coletivos. [grifo do autor]
Segundo Medauar citada por Teixeira (2012, p. 48), “o poder discricionário,
caracterizado essencialmente como escolha de uma entre várias soluções, é
conferido por normas legais e deve atender a parâmetros no seu exercício”.
Assim, ensina Gasparini (2009) que a discricionariedade ou atribuição
discricionária, como preferem alguns, pode ser determinada através da lei que
admite certa liberdade à Administração Pública para decidir sobre cada caso
concreto.
Nesse sentido, Teixeira (2012, p. 48) citando Carlin, consigna que:
Existe discricionariedade quando a lei deixa à Administração a possibilidade
de, no caso concreto, escolher entre duas ou mais alternativas, todas
válidas perante o Direito. E essa escolha se faz segundo critérios de
oportunidade, conveniência, justiça, equidade, razoabilidade, interesse
público, sintetizados no que se convencionou chamar de mérito do ato
administrativo.
Cabe ressaltar a posição do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, citado
por Teixeira (2012, p. 48-49):
DIREITO ADMINISTRATIVO - SISTEMA VIÁRIO URBANO – LIMITAÇÃO
AO TRÂNSITO DE VEÍCULOS PESADOS - PREJUÍZO A EMPRESA QUE
EXPLORA POSTO DE REVENDA DE COMBUSTÍVEL – DECISÃO
JUDICIAL QUE IMPÕE A SUSPENSÃO DAS OBRAS - AGRAVO DE
INSTRUMENTO – RECURSO PROVIDO 01. Em favor dos atos
administrativos milita presunção de legitimidade (Celso Antônio Bandeira de
Mello, Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Hely Lopes Meirelles); supõe-se que
'as decisões da administração são editadas com o pressuposto de que
estão conformes às normas legais e de que seu conteúdo é verdadeiro'
(Odete Medauar) (ACMS n. 2008.038594-0, Des. Newton Trisotto). 02. O
ato administrativo discricionário submete-se ao controle judicial, 'pois só a
Justiça poderá dizer da legalidade da invocada discricionariedade e dos
limites de opção do agente administrativo. O que o Judiciário não pode é, no
ato discricionário, substituir o discricionarismo do administrador pelo do juiz.
57. 30
Mas pode sempre proclamar as nulidades e coibir os abusos da
Administração' (Hely Lopes Meirelles) (ACMS n. 2006.039019-6, Des.
Newton Trisotto). (Agravo de Instrumento n. 2011.005138-6, Primeira
Câmara de Direito Público, Juiz Prolator: Jeferson Osvaldo Vieira Julgado
em: 08/09/2011). Disponível em: www.tjsc.jus.br. Acesso: 18/05/2012.
Carvalho Filho (2009, p. 48) salienta:
Ocorre que algumas vezes o agente, a pretexto de agir discricionariamente,
se conduz fora dos limites da lei ou em direta ofensa a esta. Aqui comete
arbitrariedade, conduta ilegítima e suscetível de controle de legalidade.
Neste
ponto
se
situa
a
linha
diferencial
entre
ambas,
não
há
discricionariedade contra legem. [grifo do autor]
Assim, Di Pietro (2010, p. 212) dispõe que: “[...] a discricionariedade implica
liberdade de atuação nos limites traçados pela lei; se a Administração ultrapassa
esses limites, a sua decisão passa a ser arbitrária, ou seja, contrária à lei”.
Alexandrino e Paulo, mencionados por Teixeira (2012, p. 49) consignam:
A doutrina e a jurisprudência atuais enfatizam a necessidade de existirem
instrumentos de controle do poder discricionário da administração, que
permitam o adequado delineamento de seus legítimos limites, evitando o
indevido uso da discricionariedade administrativa, como manto protetor de
atos que, embora praticados sob o fundamento da discricionariedade,
revistam insidiosa arbitrariedade. A ideia central é possibilitar um controle
judicial mais efetivo dos atos discricionários praticados pela administração
pública.
Desse modo, “o poder administrativo concedido a autoridade pública tem
limites certos e forma legal de utilização. Não é carta branca para arbítrios,
perseguições ou favoritismos governamentais”, completa Teixeira (2012, p. 49) ao
aludir Granjeiro.
Corroborando com o entendimento acima, Medauar citada por Teixeira
(2012, p. 49-50), disse que “a discricionariedade constitui uma espécie de liberdade,
porém não uma liberdade absoluta, e sim sujeita a vínculo de natureza peculiar”. E
continua, explicando o porquê da discricionariedade conferida à Administração
Pública:
58. 31
Uma das explicações centra-se no seguinte: o Poder Executivo tem a
função de direção política e administrativa, aí incluído o poder regulamentar;
tais funções não poderiam ser desempenhadas corretamente se tudo fosse
predeterminado, de modo absoluto, pela lei; o Estado contemporâneo, muito
complexo, com amplas funções, não pode atuar sem flexibilidade; torna-se
fundamental deixar margem de maleabilidade à Administração em época de
rápidas mudanças; grandes metrópoles, convivência de massa, problemas
sociais, grandes tragédias exigem, por vezes, rapidez de atuação e certa
margem de escolha; a discricionariedade atende, portanto, a necessidade
institucional.
Meirelles (2004, p. 103) ratifica que “é esse poder que empresta a
autoridade ao agente público quando recebe da lei competência decisória e força
para impor suas decisões aos administrados”.
Desse modo, “O certo, então, é dizer que tal atribuição [poder de polícia] se
efetiva por atos administrativos expedidos através do exercício de uma competência
às vezes vinculada, às vezes discricionária.” (GASPARINI, 2009, p. 131)
2.2.8.2 Autoexecutoriedade do Poder de Polícia
Nas palavras de Maffini citadas por Teixeira (2012, p. 24): “[...] o poder de
polícia é concretizável independentemente de qualquer participação (autorização,
permissão, deferimento etc.) do Poder Judiciário ou de qualquer outro órgão estatal
que não seja a própria Administração Pública.
Nesse diapasão, Teixeira (2012, p. 24) menciona Carlin ao referir-se à
autoexecutoriedade como sendo:
[...] o poder que a Administração tem de executar suas decisões sem
consentimento prévio, lançando mão de meios próprios para executar o ato,
considerando-se a proporcionalidade, o que significa a exigência de uma
relação de limites entre o direito individual e o prejuízo a ser evitado.
Corroborando com o assunto:
A Administração Pública pode promover, por seus próprios meios, humanos
e materiais, a submissão do administrado às determinações editadas, para
59. 32
vê-lo conformado à legislação a que deve obediência, sem necessidade de
recorrer a qualquer outro poder. (GASPARINI, 2009, p. 134)
Meirelles (2004, p. 135) esclarece: “Destarte, para garantir a proteção dos
administrados, a Administração pode efetuar diretamente os atos de seu poder de
polícia sem necessitar da autorização de outro poder”.
2.2.8.3 Coercibilidade do Poder de Polícia
Para Mello (2009, p. 836), “a utilização de meios coativos por parte da
Administração Pública, conforme o indicado, é uma necessidade imposta em nome
da defesa dos interesses públicos”.
Conforme ensina Meirelles (2004, p. 136):
A coercibilidade, isto é, a imposição coativa das medidas adotadas pela
Administração, constitui também atributo do poder de polícia. Realmente,
todo ato de polícia é imperativo (obrigatório para seu destinatário),
admitindo até o emprego da força pública para seu cumprimento, quando
resistido pelo administrado.
Nesse sentido, Maffini citado por Teixeira (2012, p. 25) explica:
Além disso, se os policiados opuserem indevida resistência à atuação de
polícia administrativa, poderá a Administração Pública valer-se de força
pública, para a efetivação das medidas cabíveis, desde que sejam tais
mecanismos de força pública legalmente previstos e proporcionais à
resistência que buscam ultrapassar. Não se admite, por certo, qualquer
manifestação de violência gratuita, mesmo que em nome do interesse
público inerente ao poder de polícia.
Diante disso, conclui Teixeira (2012) que o atributo da coercibilidade do
poder de polícia é indispensável para a Administração pública, já que esta pode e
deve atuar com autoridade protegendo o interesse público em detrimento do
particular.
60. 33
2.2.8.4 Tipicidade do Poder de Polícia
Reconhece Di Pietro (2010, p. 201) que tipicidade “é o atributo pelo qual o
ato administrativo deve corresponder a figuras definidas previamente pela lei como
aptas a produzir determinados resultados”.
No mesmo sentido, “Moraes elucida que se trata de atributo [...]
absolutamente necessário em um Estado de Direito, uma vez que se refuta a
possibilidade de a Administração Pública praticar atos administrativos inominados,
em desrespeito ao princípio da legalidade, e, consequentemente, obrigar os
administrados a cumpri-los, em função dos atributos da imperatividade e
executoriedade”. (TEIXEIRA, 2012, p. 25)
Teixeira (2012, p. 25) afirma ainda que:
Alexandrino e Paulo mencionam que Di Pietro aponta duas consequências
decorrentes de atributo:
a) representa uma garantia para o administrado, pois impede que a
Administração pratique ato unilateral e coercitivo, sem prévia previsão;
b) afasta a possibilidade de ser praticado ato totalmente discricionário, pois
a lei, ao prever o ato, já define os limites em que a discricionariedade
poderá ser exercida.
Mazza aludido por Teixeira (2012, p. 25), conclui: “Trata-se, portanto, de
uma derivação do princípio da legalidade, impedindo a Administração Pública de
praticar atos atípicos ou inominados”.
2.2.9 Sanções do Poder de Polícia
De acordo com Oliveira citado por Carvalho Filho (2009, p. 88): “Sanção
administrativa é o ato punitivo que o ordenamento jurídico prevê como resultado de
uma
infração
administrativa,
suscetível
de
ser
aplicado
por
órgãos
da
Administração”.
Afirma Justen citado por Teixeira (2012, p. 26) que a “a sanção
administrativa pode ser considerada como manifestação do poder de polícia”.
61. 34
Carvalho Filho (2009, p. 88) ensina que “as sanções espelham a atividade
repressiva decorrente do poder de polícia. Estão elas difundidas nas diversas leis
que disciplinam atividades sujeitas a esse poder”.
As sanções do poder de polícia, como elemento de coação e intimidação,
principiam, geralmente, com a multa e se escalonam em penalidades mais
graves como a interdição de atividade, o fechamento de estabelecimento, a
demolição de construção, o embargo administrativo de obra, a destruição de
objetos, a inutilização de gêneros, a proibição de fabricação ou comércio em
determinadas zonas e tudo o mais que houver de ser impedido em defesa
da moral, da saúde, e da segurança pública, bem como da segurança
nacional, desde que estabelecido em lei ou regulamento. (MEIRELLES,
2004, p. 137-138) [grifo meu]
Outrossim, assevera Medauar (2009, p. 349):
As medidas resultantes do poder de polícia exigem observância por parte
dos sujeitos a que impõe restrições em seus direitos: tais medidas podem
implicar obrigações de fazer ou de se abster. O descumprimento de tais
prescrições enseja, para o agente, a possibilidade de impor sanções.
Cabe salientar que, “[...] se o ato sancionatório de polícia não tiver
propiciado ao infrator a oportunidade de rechaçar a acusação e de produzir as
provas necessárias às suas alegações, estará contaminado de vício de legalidade,
devendo ser corrigido na via administrativa ou judicial”. (CARVALHO FILHO, 2009,
p. 89)
Especialmente no que se refere à multa de Trânsito, Carvalho Filho (2009)
menciona uma decisão do Superior Tribunal de Justiça, que afirmou ser
indispensável ao devido processo administrativo a notificação da autuação e da
aplicação da sanção decorrentes da infração cometida pelo condutor do veículo,
proporcionando a este o direito ao contraditório e, consequentemente, à ampla
defesa. No entanto, salienta-se que, se o motorista for pego em flagrante no
cometimento da infração, torna-se desnecessária a notificação da autuação,
podendo ele promover sua defesa desde o momento do flagrante.
62. 35
2.3 Poder de Polícia de Trânsito
Depois da definição do Poder de Polícia, tratar-se-á agora especificamente
do Poder de Polícia de Trânsito. Assim, é importante que se esclareça de pronto o
que é Trânsito. O artigo 1º do Código de Trânsito Brasileiro (CTB) define:
Art. 1º [...]
§ 1º Considera-se trânsito a utilização das vias por pessoas, veículos e
animais, isolados ou em grupos, conduzidos ou não, para fins de circulação,
parada, estacionamento e operação de carga ou descarga.
§ 2º O trânsito, em condições seguras, é um direito de todos e dever dos
órgãos e entidades componentes do Sistema Nacional de Trânsito, a estes
cabendo, no âmbito das respectivas competências, adotar as medidas
destinadas a assegurar esse direito. (BRASIL, 1997)
Teixeira (2012, p. 32) afirma que “[...] o poder de polícia de trânsito tem por
objetivo disciplinar, controlar e fiscalizar o trânsito dos veículos em geral, coibindo a
ocorrência de infrações de trânsito, ora de forma preventiva ora de forma
repressiva”.
2.3.1 História da Legislação de Trânsito Brasileira
No Blog Ponto de Ônibus [Internet], Ádamo Bazani postou um interessante
estudo histórico, realizado por José Ricardo Rocha Cintra Lima, do Instituto Trânsito
Brasil. Diante de sua importância histórica, transcreve-se o estudo na íntegra:
Nesse estudo é possível verificar que o primeiro registro de lei no Brasil
sobre o trânsito de veículos automotores foi de 1910 e exigia menor
velocidade dos veículos para evitar os acidentes. Em 1871, chegou à Bahia
um dos primeiros protótipos de carros que se automovia. O carro era
movido a vapor e tracionava um reboque para passageiros.
O primeiro carro a combustão no Brasil foi trazido da França pelo inventor
do avião, Santos Dumont, em 1891. Apaixonado por mecânica, Santos
Dumont se admirou com os carros modernos para a época. Depois de
pesquisar, em 1890 comprou um Pegeout e trouxe no ano seguinte para o
Brasil, a fim de estudá-lo, além de passear e se destacar. Logo depois, o
63. 36
irmão de Alberto Santos Dumont, Henrique, levaria um carro para São
Paulo. Ele foi considerado o primeiro dono de um automóvel na cidade que
possui a maior frota de carros e ônibus do Brasil.
De acordo com documentos oficiais, em 1901, ele pediu isenções tributárias
a seu veículo:
“…o [sic] suplicante sendo o primeiro introdutor desse sistema de veículo na
cidade, o fez com sacrifício de seus interesses e mais para dotar a nossa
cidade com esse exemplar de veículo “automobile”; porquanto após
qualquer
excursão, por
mais
curtas
que sejam, são necessários
dispendiosos reparos no veículo devido à má adaptação de nosso
calçamento pelo qual são prejudicados sempre os pneus das rodas. Além
disso o suplicante apenas tem feito raras excursões, a título de experiência,
e ainda não conseguiu utilizar de seu carro “automobile” para uso normal,
assim como um outro proprietário de um “automobile” que existe aqui
também não o conseguiu”.
É interessante destacar, pelo texto da petição que o primeiro dono do
primeiro carro de São Paulo, Henrique Santos Dumont, já reclamava das
más condições viárias.
Acredita-se, com base em documentos oficiais, que o segundo dono de
carro em São Paulo foi Conde Álvares Penteado. Aos poucos e no ritmo da
época, a frota de veículos automotores começou a crescer, mas não houve
uma substituição imediata dos carros puxados por animais. Houve uma
convivência nem sempre harmoniosa. As velocidades diferentes entre os
dois tipos de carros já era problema e causava acidentes, por isso uma lei
nacional de 27 de outubro de 1910, que já determinava controle de
velocidade por parte dos motoristas, até então chamados de motorneiros.
Numa lei de trânsito brasileiro, a primeira vez que os ônibus foram citados
data de 1927, quando a União determinava a criação de um Fundo para a
manutenção das estradas de rodagem. Todos os veículos, inclusive autoomnibus [sic] que vinham de outros países, além de pagarem os impostos
de importação tinham a partir desta lei de pagar um adicional para este
Fundo.
Acompanhe esta cronologia interessante extraída do estudo de José
Ricardo Rocha Cintra Lima:
64. 37
27 DE OUTUBRO DE 1910:
O Decreto 8.324 aprovou o serviço subvencionado de transportes por
automóveis. Os condutores, chamados de motorneiros, eram obrigados a
diminuir a marcha ou parar todas as vezes que o automóvel pudesse causar
um acidente.
11 DE JANEIRO DE 1922:
O Decreto Legislativo 4.460 proibia a circulação de carros de boi nas
estradas de rodagem. Também limitou a carga máxima dos veículos e
tornou oficial a expressão popular “matar burros”.
No Artigo 6º estimulava a construção de mata-burros. Para evitar a invasão
de animais na pista, proibindo outras soluções que pudessem diminuir a
velocidade dos automóveis ou causar acidentes:
Art. 6º “No leito das estradas não poderão ser estabelecidas porteiras,
tranqueiras ou qualquer fecho de igual natureza e fim; nos logares [sic] em
que isso for necessário, construir-se-hão [sic] mata-burros que impeçam a
passagem dos animaes [sic] e não embaracem o tráfego de automóveis.”
05 DE JANEIRO DE 1927 – A Primeira Citação Em Lei Federal Sobre
Ônibus:
O Decreto 5.141 criou o Fundo especial para a “construção e conservação
de estradas de rodagem federaes [sic], constituído por um adicional aos
impostos de importação para consumo a que estão sujeitos gazolina [sic],
automóveis, auto-omnibus [sic], auto-caminhões [sic], de ar, chassis para
automóveis, pneumáticos, câmaras de ar, rodas massiças, motocycletas
[sic], bycicletas [sic], sude-car e acessórios para automóveis. 60 reis por
quilograma de gazolina [sic].”
Logo quando apareceu numa lei, o ônibus já foi taxado para manter obras
de responsabilidade governamental, mas seria uma contrapartida pois tais
obras seriam para oferecer condições de tráfego aos veículos.
24 DE JULHO DE 1928:
O decreto 18.323 se baseia em normas internacionais para circulação de
veículos no território brasileiro assim como sinalização. As forças públicas
de segurança, seja da União, estados ou municípios, passaram pelo
65. 38
regulamento a ser as legítimas agentes fiscalizadoras de trânsito, de acordo
com o domínio da estrada.
Também estabelecia que nenhum veículo poderia trafegar sem o
pagamento de licença aos municípios exigindo placas. Estipulou um sistema
de sanções. Quem autenticasse as infrações e levasse ao conhecimento
das autoridades receberia metade do valor da multa, uma espécie já de
incentivo ou cota para estimular os policiais a fazerem esta função até então
extra de força pública.
28 DE JANEIRO DE 1941:
Surgia o primeiro Código Nacional de Trânsito pelo Decreto Lei 2.994.
25 DE SETEMBRO DE 1941:
O Decreto-Lei 3.651 revogava o Código Nacional de Trânsito atribuindo aos
estados a regulamentação do trânsito, desde que respeitassem leis
nacionais sobre o tema.
21 DE SETEMBRO DE 1966:
Pela Lei 5.108, surgiu o Código Nacional de Trânsito com 131 artigos, mas
os estados poderiam adotar normas específicas de acordo com as
características locais.
Foi criado nesta data também o RENAVAN [sic] – Registro Nacional de
Veículos Automotores.
23 DE FEVEREIRO DE 1967:
Antes de entrar em vigor, o Código Nacional de Trânsito sofreu alterações
com a extinção dos Conselhos Municipais de Trânsito, criação do
Departamento de Trânsito, e o CONTRAN – Conselho Nacional de Trânsito
passou a ter a competência de relacionar os equipamentos obrigatórios dos
veículos.
Devido ao alto número de contestações às multas, foi criada a entidade da
JARI – Junta Administrativa de Recursos de Infração.
16 DE JANEIRO DE 1968: Outra Lei Federal Que Fala De Ônibus
Foi aprovado pelo Decreto 62.127 o Regulamento do Código Nacional de
Trânsito, de 264 artigos e 08 anexos. O Regulamento aumentou as
66. 39
atribuições do CONTRAN e conferiu à União o poder para conceder,
autorizar ou permitir a exploração de serviço de transporte coletivo para as
linhas interestaduais e internacionais.
Aos Estados, a incumbência de fixar os transportes coletivos dentro o
território e aos municípios foram delegadas as obrigações de colocar
taxímetros nos carros de aluguel. Os municípios também eram responsáveis
por conceder, autorizar ou permitir a exploração do serviço de transporte
coletivo para linhas municipais.
28 DE JUNHO DE 1968:
Nova redação para o Regulamento do Código Nacional de Trânsito
definindo de forma mais detalhada as funções dos estados e municípios.
Cabia ainda aos municípios conceder, autorizar ou permitir exploração do
serviço de transporte coletivo para as linhas municipais.
Nessa nova redação, foi criada a possibilidade de os municípios criarem
órgãos para gerenciarem o trânsito de acordo com a sua capacidade
técnica e necessidade pela demanda. Exemplos: foram a CET – Companhia
de Engenharia de Tráfego – de São Paulo e a Superintendência de
Engenharia de Tráfego do Município de Salvador.
21 DE MARÇO DE 1973:
Pela Portaria Ministerial nº 345 – B foi nomeada uma comissão para rever o
Código Nacional em vigor naquela época, mas a reformulação não foi
profunda.
ANO DE 1993:
Depois de várias discussões foi apresentado Projeto de Lei para a
instituição do Código de Trânsito Brasileiro. Polêmicas e contradições
marcaram a elaboração do projeto de lei que tramitava entre Câmara e
Senado. Algumas discussões eram técnicas, outras meramente políticas e
procuravam preservar o motorista, principalmente o de classe média
formador de opinião que, por mais que tivesse restrições e aumento de
obrigações, não poderia ser contrariado a ponto de criar rejeição política.
23 DE SETEMBRO DE 1997:
Depois de tantos embates, finalmente a presidência da República
sancionava o Código de Trânsito Brasileiro (CTB), após vários vetos. Neste
67. 40
código, a crítica é que houve uma “municipalização” extrema do trânsito
com maiores atribuições e ônus aos órgãos locais. A crítica se baseou no
fato de o Governo Federal ter transferido várias funções e até se
esquivando de algumas questões, principalmente de regulamentos que
eram nacionais, jogando a responsabilidade para as cidades. [grifo meu]
A justificativa é que elas têm mais condições de gerenciar o trânsito, mesmo
em questões nacionais, por estarem mais próximas das realidades locais,
aplicando as leis gerais de trânsito respeitando as peculiaridades regionais.
Mesmo com todas as pressões da sociedade, principalmente da classe
formadora de opinião que usa o carro de passeio, as multas e proibições
foram ampliadas.
2.3.2 Estatísticas de Acidentes após o novo Código de Trânsito
Ainda no Blog Ponto de Ônibus [Internet], Ádamo Bazani cita um detalhado
estudo, de 10 anos, chamado Caderno Complementar Mapa da Violência do
Instituto Sangari, que identificou que nos três primeiros anos do Código de Trânsito
Brasileiro os acidentes caíram, assim como o número de mortos. Mas depois a
fiscalização e a população relaxaram e os acidentes com mortos começaram a
crescer novamente a partir do ano 2000.
Os acidentes envolvendo caminhões, de acordo com o estudo, triplicaram e
envolvendo ciclistas quadruplicaram. O número de mortes nos carros de passeio
dobrava no período. O destaque preocupante foi em relação a mortes de pessoas
que pilotam ou são passageiras de motos. Entre 1998 e 2008, o número de mortos
usando motocicleta subiu 754%. O número, ainda segundo o levantamento, não se
deu apenas por causa da explosão do mercado de motos, mas pela forma de
condução, irresponsável em muitos casos, dos motociclistas.
Em 2008, foram 87,6 mortes para 100 mil motos. Esse número é 170%
maior que a média entre frota e mortes envolvendo carros de passeio, que é de 32,5
mortos para 100 mil carros. Em 1998, essa diferença entre as médias de carros e
motos era menor, mas as motocicletas já lideravam. Naquele ano foram registradas
67,8 mortes a cada 100 mil motos, uma proporção 75% superior em relação à média
entre frota de carros de passeio e pessoas que perderam a vida em acidentes. O
68. 41
fato é que, proporcionalmente, o trânsito brasileiro mata mais que muitas guerras e
epidemias.
Como se observa, há tempos que obras e leis tentam dar conta da demanda
de veículos em circulação no Brasil e procuram incansavelmente reduzir o número
de acidentes de trânsito. Porém, a cada dia essa busca torna-se mais árdua diante
do aumento do número de veículos nas ruas e da imprudência dos seus motoristas.
2.3.3 O Sistema Nacional de Trânsito
O Código de Trânsito Brasileiro (CTB) conceitua o Sistema Nacional de
Trânsito (SNT) e define seus objetivos básicos:
Art. 5º O Sistema Nacional de Trânsito é o conjunto de órgãos e entidades
da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios que tem por
finalidade o exercício das atividades de planejamento, administração,
normatização, pesquisa, registro e licenciamento de veículos, formação,
habilitação e reciclagem de condutores, educação, engenharia, operação do
sistema viário, policiamento, fiscalização, julgamento de infrações e de
recursos e aplicação de penalidades.
Art. 6º São objetivos básicos do Sistema Nacional de Trânsito:
I - estabelecer diretrizes da Política Nacional de Trânsito, com vistas à
segurança, à fluidez, ao conforto, à defesa ambiental e à educação para o
trânsito, e fiscalizar seu cumprimento;
II - fixar, mediante normas e procedimentos, a padronização de critérios
técnicos, financeiros e administrativos para a execução das atividades de
trânsito;
III - estabelecer a sistemática de fluxos permanentes de informações entre
os seus diversos órgãos e entidades, a fim de facilitar o processo decisório
e a integração do Sistema. (BRASIL, 1997)
69. 42
2.3.3.1 Integrantes do Sistema Nacional de Trânsito
O artigo 7º do CTB traz expresso o rol de integrantes do Sistema Nacional
de Trânsito, a saber:
Art. 7º Compõem o Sistema Nacional de Trânsito os seguintes órgãos e
entidades:
I - o Conselho Nacional de Trânsito - CONTRAN, coordenador do Sistema e
órgão máximo normativo e consultivo; [grifo meu]
II - os Conselhos Estaduais de Trânsito - CETRAN e o Conselho de Trânsito
do Distrito Federal - CONTRANDIFE, órgãos normativos, consultivos e
coordenadores;
III - os órgãos e entidades executivos de trânsito da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios;
IV - os órgãos e entidades executivos rodoviários da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios;
V - a Polícia Rodoviária Federal;
VI - as Polícias Militares dos Estados e do Distrito Federal; e
VII - as Juntas Administrativas de Recursos de Infrações – JARI. (BRASIL,
1997)
Esses componentes do SNT são considerados Autoridades de Trânsito nas
suas respectivas circunscrições, conforme dispõe o Anexo I (Conceitos e Definições)
do CTB: “AUTORIDADE DE TRÂNSITO - dirigente máximo de órgão ou entidade
executivo integrante do Sistema Nacional de Trânsito ou pessoa por ele
expressamente credenciada”.
2.3.3.2 Competências das Autoridades de Trânsito
Esclarece Favreto (2000, p. 155): “No exercício de sua competência
privativa, a União conferiu atribuições executivas e competências legislativas
complementares sobre política de educação, segurança e fiscalização de trânsito
aos demais entes federados [...]”.
No que se refere às competências gerais das autoridades de trânsito, o CTB
prevê o seguinte:
70. 43
Art. 21. Compete aos órgãos e entidades executivos rodoviários da União,
dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, no âmbito de sua
circunscrição:
I - cumprir e fazer cumprir a legislação e as normas de trânsito, no âmbito
de suas atribuições;
[...]
VI - executar a fiscalização de trânsito, autuar, aplicar as penalidades de
advertência, por escrito, e ainda as multas e medidas administrativas
cabíveis, notificando os infratores e arrecadando as multas que aplicar;
[...]
Art. 256. A autoridade de trânsito, na esfera das competências
estabelecidas neste Código e dentro de sua circunscrição, deverá aplicar,
às infrações nele previstas, as seguintes penalidades:
I - advertência por escrito;
II - multa;
III - suspensão do direito de dirigir;
IV - apreensão do veículo;
V - cassação da Carteira Nacional de Habilitação;
VI - cassação da Permissão para Dirigir;
VII - frequência obrigatória em curso de reciclagem. (BRASIL, 1997)
Através dos artigos 7º, 21 e 256 do CTB pode-se observar que as
autoridades de trânsito são várias e ocupam todos os níveis da Administração
Pública: União, Estados, Distrito Federal e Municípios; cada uma com sua
circunscrição.
O alcance desse objetivo maior - segurança, fluidez, conforto e defesa da
vida pela educação no trânsito - exige uma atuação permanente e
sistemática dos órgãos e entidades que compõem o Sistema Nacional de
Trânsito, visto que este novo ordenamento jurídico distribuiu as regras
de competência entre os três entes federados, exigindo, assim,
interpretação e aplicação integrada para se obter melhor efetividade.
(FAVRETO, 2000, p. 155) [grifo meu]
Nos tópicos seguintes serão abordadas as principais competências das
autoridades de trânsito de acordo com sua circunscrição.
71. 44
2.3.3.2.1 Competências na Esfera Federal
No nível federal, dentre outras, temos como autoridade de trânsito a Polícia
Rodoviária Federal (PRF), à qual o CTB impõe as seguintes competências:
Art. 20. Compete à Polícia Rodoviária Federal, no âmbito das rodovias e
estradas federais:
I - cumprir e fazer cumprir a legislação e as normas de trânsito, no âmbito
de suas atribuições;
II - realizar o patrulhamento ostensivo, executando operações relacionadas
com a segurança pública, com o objetivo de preservar a ordem,
incolumidade das pessoas, o patrimônio da União e o de terceiros;
III - aplicar e arrecadar as multas impostas por infrações de trânsito, as
medidas administrativas decorrentes e os valores provenientes de estada e
remoção de veículos, objetos, animais e escolta de veículos de cargas
superdimensionadas ou perigosas; (BRASIL, 1997)
[...]
2.3.3.2.2 Competências na Esfera Estadual
Na esfera estadual, temos diversos órgãos e entidades de trânsito, dentre
eles, as Polícias Militares, que podem atuar no trânsito mediante convênio com a
autoridade que detém a circunscrição sobre a via. Dispõe o CTB que:
Art. 22. Compete aos órgãos ou entidades executivos de trânsito dos
Estados e do Distrito Federal, no âmbito de sua circunscrição:
I - cumprir e fazer cumprir a legislação e as normas de trânsito, no âmbito
das respectivas atribuições;
[...]
IV - estabelecer, em conjunto com as Polícias Militares, as diretrizes para o
policiamento ostensivo de trânsito;
V - executar a fiscalização de trânsito, autuar e aplicar as medidas
administrativas cabíveis pelas infrações previstas neste Código, excetuadas
aquelas relacionadas nos incisos VI e VIII do art. 24, no exercício regular do
Poder de Polícia de Trânsito;
VI - aplicar as penalidades por infrações previstas neste Código, com
exceção daquelas relacionadas nos incisos VII e VIII do art. 24, notificando
os infratores e arrecadando as multas que aplicar;
72. 45
[...]
Art. 23. Compete às Polícias Militares dos Estados e do Distrito Federal:
[...]
III - executar a fiscalização de trânsito, quando e conforme convênio
firmado, como agente do órgão ou entidade executivos de trânsito ou
executivos rodoviários, concomitantemente com os demais agentes
credenciados; (BRASIL, 1997) [grifo meu]
[...]
2.3.3.2.3 Competências na Esfera Municipal
De igual modo, as prefeituras municipais podem criar seus órgãos de
gerenciamento municipalizar o trânsito local, conforme previsto no CTB:
Art. 24. Compete aos órgãos e entidades executivos de trânsito dos
Municípios, no âmbito de sua circunscrição:
I - cumprir e fazer cumprir a legislação e as normas de trânsito, no âmbito
de suas atribuições;
II - planejar, projetar, regulamentar e operar o trânsito de veículos, de
pedestres e de animais, e promover o desenvolvimento da circulação e da
segurança de ciclistas;
[...]
V - estabelecer, em conjunto com os órgãos de polícia ostensiva de trânsito,
as diretrizes para o policiamento ostensivo de trânsito;
VI - executar a fiscalização de trânsito, autuar e aplicar as medidas
administrativas cabíveis, por infrações de circulação, estacionamento
e parada previstas neste Código, no exercício regular do Poder de
Polícia de Trânsito; [grifo meu]
VII - aplicar as penalidades de advertência por escrito e multa, por infrações
de circulação, estacionamento e parada previstas neste Código, notificando
os infratores e arrecadando as multas que aplicar; [grifo meu]
[...]
X - implantar, manter e operar sistema de estacionamento rotativo pago nas
vias;
[...]
XVIII - conceder autorização para conduzir veículos de propulsão humana e
de tração animal;
[...]
73. 46
§ 2º Para exercer as competências estabelecidas neste artigo, os
Municípios deverão integrar-se ao Sistema Nacional de Trânsito,
conforme previsto no art. 333 deste Código. (BRASIL, 1997) [grifo meu]
2.3.3.3 A Municipalização do Trânsito
Dados apresentados pelo Departamento Nacional de Trânsito – DENATRAN
(2012) apontam que a frota brasileira em dezembro de 2012 chegou a 76.137.191
veículos automotores, e este número vem crescendo consideravelmente a cada dia.
Considerando que o censo demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística – IBGE (2010), divulgado em novembro de 2010, apontou uma população
brasileira formada por 190.732.694 pessoas; conclui-se que, em média, há 1 veículo
para cada 2,5 brasileiros.
Além disso, a legislação atual trouxe a possibilidade da municipalização do
trânsito e, conforme o inciso VII do artigo 24 do CTB, compete aos municípios “[...]
aplicar as penalidades [...] arrecadando as multas que aplicar”. [grifo meu]
Assim, diante desse expressivo número de veículos nas ruas e,
consequentemente, um considerável número de autuações, tornou-se vantajoso aos
municípios se integrarem ao Sistema Nacional de Trânsito, de acordo com o
parágrafo 2º do artigo 24 do CTB, promovendo o que se conhece por
“municipalização do trânsito”.
Quanto a isso, Favreto (2000, p. 155) reconhece:
Trata-se [...] de importante inovação no sistema, visto que até então a União
exercia sua competência constitucional normativa, remetendo a execução
das políticas de trânsito aos Estados-membros. O vigente Estatuto de
Trânsito inclui o ente municipal entre os órgãos integrantes do novo Sistema
Nacional de Trânsito. Assim, em relação às competências, o novo Código
procurou observar a repartição federativa constante da Carta Federal de
1988, que alçou os Municípios à categoria de ente político integrante da
Federação, ao lado dos Estados, Distrito Federal e União, consolidando sua
autonomia político-administrativa.
74. 47
As competências reservadas aos municípios pelo artigo 24 do CTB podem
ser resumidas em quatro grandes temas: planejamento do trânsito, regulamentação,
operação e fiscalização; tal é o ensinamento de Favreto (2000), que continua:
O planejamento nada mais é do que a competência para estabelecer a
política de trânsito no Município sobre o tráfego urbano, envolvendo a
circulação de veículos, pessoas e animais, com o objetivo de alcançar
fluidez do trânsito e segurança dos usuários, através da definição dos locais
de parada, estacionamento, operação de carga e descarga, etc. Enfim,
estabelecer a forma e o modo de circulação local. [grifo meu]
A regulamentação do trânsito é a decorrência do seu planejamento, que
importa a implantação da sinalização nas vias urbanas, envolvendo a
colocação das placas de sinais, pinturas das vias e demais orientações
físicas. Já operar o trânsito diz respeito ao controle de sua fluidez, através
de equipamentos eletrônicos, manuais e atuação do pessoal técnico. [grifo
meu]
Para completar, a grande novidade em relação aos Municípios é a
fiscalização do trânsito, tendo em vista que as demais já vinham sendo
executadas pelos entes locais. É a mais importante porque implica a
verificação in loco se as regras do Código estão sendo observadas pelos
condutores e usuários do sistema de trânsito. Desta atuação é que
verificamos
as
autuações,
aplicação
de
penalidades
e
medidas
administrativas, bem como a arrecadação das multas aplicadas. [grifo
meu]
Em que pese o ato da municipalização estar previsto no direito positivo, há
quem defenda que a competência para a fiscalização de trânsito continua sendo da
União e dos Estados, como afirma Silva (2004):
Portanto, o serviço de policiamento ostensivo de trânsito, ramo da polícia de
preservação de ordem pública, seja nas rodovias estaduais ou municipais
ou nas vias urbanas, excetuando-se a competência da União, que é
exercida pela Polícia Rodoviária Federal, cabe aos Estados-membros, pois
não é predominantemente local, dado destinar-se a coibir a violação da
ordem jurídica, a defender a incolumidade do Estado, das pessoas e do
patrimônio e a restaurar a normalidade de situações e comportamentos que
se opõem a esses valores. Assim, a competência municipal, quase que
delegada, é condicionada e supervisionada pela União, além
de
acompanhada e coordenada pelo Estado-membro. Esta foi a forma que
75. 48
ganhou a propalada municipalização do trânsito, uma panacéia [sic], cuja
inviabilidade sempre sustentamos e sustentaremos [...] [grifo meu]
2.3.3.4 Legitimados ao Poder de Polícia de Trânsito
Nota-se nos dispositivos retromencionados, que o CTB inovou ao ampliar o
rol de autoridades de trânsito, incluindo nele os municípios, por exemplo.
Conforme dispõe o parágrafo 2º do artigo 280 do CTB, para que haja
legalidade na autuação de trânsito, a fiscalização deve ser exercida pela própria
autoridade ou um agente devidamente autorizado pela autoridade com circunscrição
sobre a via: “Art. 280.[...] § 2º A infração deverá ser comprovada por declaração da
autoridade ou do agente da autoridade de trânsito [...]” (BRASIL, 1997). [grifo
meu]
O parágrafo 4º do mesmo artigo traz o rol dos legitimados à função de
agente da autoridade de trânsito:
“Art. 280.[...]
§ 4º O agente da autoridade de trânsito competente para lavrar o auto de
infração poderá ser servidor civil, estatutário ou celetista ou, ainda,
policial militar designado pela autoridade de trânsito com jurisdição sobre
a via no âmbito de sua competência.” (BRASIL, 1997) [grifo meu]
Adverte Teixeira (2012, p. 36) citando Rizzardo, que os policiais só poderão
atuar no trânsito mediante convênio com o órgão que detenha a sua circunscrição:
O Código de Trânsito Brasileiro, em seu artigo 280, § 4º, veio para alterar a
competência da lavratura do auto de infração, uma vez que só é permitida a
atividade dos policiais militares mediante convênio e ainda foi acrescentado
as expressões servidor civil, estatutário e celetista.
Silva (2004) comunga com a afirmação:
O Código de Trânsito Brasileiro, por outro lado, estabelece em seu artigo
280, § 4º, que o Agente da Autoridade de Trânsito, para que possa
efetivamente exercer uma função de natureza fiscalizadora no tocante às
atividades inseridas na área operacional do trânsito, deverá ser designado
76. 49
pela autoridade de trânsito com circunscrição sobre a via no âmbito de sua
competência e, assim sendo, independe da condição de ser o mesmo
Agente um servidor civil, estatutário ou celetista ou policial militar.
Krigger citado por Teixeira (2012, p. 36) completa: “O agente competente,
portanto, é aquele que além de ter a capacidade civil, possui ainda, a atinente
competência imposta por lei, tendo assim competência para o referido cargo a que
esteja designado”.
2.3.3.4.1 Legitimidade das Guardas Municipais
Com base no citado artigo 280 § 4º do CTB, muitas prefeituras têm criado
guardas municipais, outorgando-lhes o poder de polícia de trânsito. Contudo, o
parágrafo 8º (in verbis) do artigo 144 da Constituição Federal traz expressa a função
desse órgão municipal:
Art. 144. [...] § 8.º Os municípios poderão constituir guardas municipais
destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme
dispuser a lei. [...] (BRASIL, 1988). [grifo meu]
Muitos têm considerado inconstitucional esta incumbência da fiscalização de
trânsito às guardas municipais justamente porque o artigo supracitado limita a
atuação das guardas municipais somente à proteção e vigilância do patrimônio
público municipal. Os defensores desta inconstitucionalidade baseiam-se ainda na
premissa de que o agente público só pode fazer o que a lei autoriza, ou seja, o
dispositivo constitucional não veda expressamente a atuação das guardas
municipais na fiscalização de trânsito, mas também não a autoriza.
Camargo (2012) afirma que é relevante destacar que o próprio Supremo
Tribunal Federal, em setembro de 2011, reconheceu a existência de repercussão
nesse tema, quando do julgamento do Recurso Extraordinário nº 637.539/RJ, de
relatoria do Ministro Marco Aurélio, assim ementado:
PODER DE POLÍCIA – IMPOSIÇÃO DE MULTA DE TRÂNSITO – GUARDA
MUNICIPAL
–
REPERCUSSÃO
GERAL
CONFIGURADA.
Possui
repercussão geral a controvérsia acerca da possibilidade de aplicação de
77. 50
multa de trânsito por guarda municipal, tendo em vista o disposto no artigo
144, § 8º, da Constituição da República, cujo rol especifica as funções às
quais se destinam tais servidores públicos. (STF, Rep. Geral no RE
637.539/RJ, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 08/09/2011).
Infelizmente, continua Camargo (2012), após essa decisão, antes que o
mérito fosse apreciado, o então recorrente, Município do Rio de Janeiro, desistiu do
recurso, que foi homologado em 13 de outubro de 2011. Ficou, portanto, sem se
pronunciar nossa Suprema Corte, pairando, ainda, a grande controvérsia a respeito
das competências das guardas municipais, com decisões judiciais em ambos os
sentidos:
Do Departamento Nacional de Trânsito – DENATRAN:
Departamento
Nacional
de
Trânsito
–
Parecer
nº
247/2005/CGIJF/DENATRAN: a Guarda Municipal não tem competência
para atuar na fiscalização de trânsito incluindo o procedimento relativo à
aplicação de multas de trânsito, sob pena de nulidade das mesmas e,
igualmente, não possui legitimidade para firmar Convênio com órgãos de
trânsito para tal fim. (CAMARGO, 2012) [grifo do autor]
Do Conselho Estadual de Trânsito de São Paulo – CETRAN/SP:
Conselho Estadual de Trânsito – Deliberação 1, de 24-6-2005-CETRAN:
“Não têm competência os integrantes da Guarda Municipal para o exercício
da função de agente de trânsito, por força do princípio específico do art.
144, § 8º da Constituição Federal de 1988, devendo cessar sua atividade
nesse mister, sem prejuízo dos atos praticados anteriormente, em virtude do
entendimento então tolerado pelo Denatran. (CAMARGO, 2012) [grifo do
autor]
No mesmo sentido, o Poder Judiciário de São Paulo decidiu:
AÇÃO DECLARATÓRIA. MULTAS DE TRÂNSITO. AUTUAÇÃO POR
AGENTE
DA
GUARDA
CIVIL
MUNICIPAL.
DELEGAÇÃO
DAS
ATRIBUIÇÕES. Inadmissibilidade - Atribuição da Guarda Municipal prevista
no art. 144, § 8º da CF – Impossibilidade de exercício das funções de
agente de trânsito - O Colendo Órgão Especial já assentou que “a guarda
municipal é apenas um corpo de vigilantes adestrados e armados para a
proteção do patrimônio do Município, do seu quadro não podendo ser
extraído o efetivo de agentes fiscalizadores do trânsito da urbe, menos
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ainda sem concurso, por policial não ser e por conseguinte não poder
exercer típica atribuição de polícia” (ADIN 147.983-0/8-00) – DANOS
MORAIS - Inadmissibilidade - Ausência de comprovação dos elementos
dano, conduta lesiva e nexo de causalidade (art. 333 do CPC). Recursos
improvidos. Apelação nº 9000002-19.2008.8.26.0038, Comarca de Araras,
7ª Câmara de Direito Público, Relator Moacir Peres, julgado em 13 de
fevereiro de 2012.
Em sentido contrário, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo decidiu:
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO MULTA POR INFRAÇÃO À
LEGISLAÇÃO DE TRÂNSITO AUTO DE INFRAÇÃO LAVRATURA
COMPETÊNCIA GUARDA MUNICIPAL COMPETÊNCIA. 1. Os Municípios
são competentes para executar fiscalização do trânsito no âmbito de sua
circunscrição (artigos 8º e 24, caput, VI e VII, CTB). 2. O agente da
autoridade de trânsito competente para lavrar o auto de infração poderá ser
servidor civil, estatutário ou celetista ou, ainda, policial militar designado
pela autoridade de trânsito com jurisdição sobre a via no âmbito de sua
competência (art. 280, § 4º, CTB). Legalidade de auto de infração lavrado
por guarda municipal. Pretensão julgada improcedente. Sentença mantida.
Recurso desprovido. APELAÇÃO - Anulatória de multa de trânsito –
Sentença de procedência - Infração lavrada por Guarda Municipal Reconhecida a ilegalidade da autuação por falta de competência para
fiscalização
do
trânsito.
Descabimento.
Inexistência
de
impeditivo
constitucional ou legal - Sentença reformada - Recurso do Município provido
(Apelação cível nº 0136486-51.2007.8.26.0000, Rel. Des. Oswaldo Luiz
Palu, j. 27/10/10).
Silva (2004) destaca:
Com relação às atividades da Guarda Municipal: O saudoso Prof. Hely
Lopes Meirelles ministra que: compete a ela o policiamento administrativo
da cidade, especialmente dos parques e jardins, dos edifícios e museus,
onde a ação dos predadores do patrimônio público se mostra mais danosa.
Freitas citado por Favreto (2000, p. 155), entende:
Com efeito, esta operação hermenêutica que consiste em pretender atribuir
a melhor significação, dentre várias possíveis, aos princípios, às normas e
aos valores jurídicos, hierarquizando-os num todo aberto, fixando-lhes o
alcance - e superando antinomias, a partir da conformação teleológica,
tendo em vista solucionar os casos concretos, é reveladora do fato que o
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objeto da interpretação não é uma mera coisa coisa [sic] destacada do
intérprete, tampouco resultado cego de forças e de processos. Ao
interpretar o 'objetivamente' dado, o exegeta ordena sua sistematização e,
ao fazê-lo, transcende-o inevitalmente [sic], porquanto só na transcendência
o imanente jurídico experimenta sentido, na órbita da valoração.
Silva (2004) afirma que se trata de uma heresia jurídica o ato das prefeituras
designarem suas guardas municipais como agentes de trânsito a pretexto do
disposto no artigo 280 § 4º do CTB, alegando que houve a municipalização do seu
trânsito. E continua:
À autoridade de trânsito não é dado designar guarda municipal para
desempenhar a função de agente de trânsito, pois este não é policial
militar, e muito menos para lavrar auto de infração. O agente de trânsito
competente para lavrar auto de infração de trânsito só pode ser (numa
interpretação sistemática do disposto no § 4º, do art. 280, do CTB, frente à
Constituição Federal) servidor público concursado para cargo de agente
de trânsito; criado por lei, com atribuições específicas, com número certo e
estipêndio correspondente, ou um policial militar, designado pela
autoridade de trânsito municipal, se houver convênio com o Estado, mas
nunca guarda municipal, vez que este foi concursado e admitido para
exercer a função de patrulheiro, sob pena de usurpação de função. [...]
Caso contrário, chegar-se-ia ao absurdo de ser designado um médico, um
dentista, um engenheiro, um advogado, etc., para o cargo de agente de
trânsito, desde que servidores públicos. Sendo, desse modo, nula de pleno
direito a designação de Guarda Municipal para exercer a função de
agente de trânsito, bem como nulos os autos de infrações lavrados pelos
referidos guardas. Suas atribuições devem limitar-se à proteção dos bens,
serviços e instalações públicas e de cooperação com a segurança pública
(dever de todos) e, via de consequência, de orientação do trânsito e
proteção às pessoas e de seus bens, por ser uma das facetas do interesse
local, [...] pelo que à Guarda Municipal não é dado substituir a polícia
militar e muito menos o agente de trânsito. (SILVA, 2004) [grifo meu]
2.3.4 Delegação do Poder de Polícia de Trânsito
Agentes delegados são aqueles que exercem uma função pública ou
prestam serviços públicos em regime de colaboração com a Administração
visando
a
uma
contraprestação.
São
nomeados,
designados
ou
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contratados, outorgando-se-lhes uma delegação de função, ofício ou
serviço. (BACELLAR, 2001, p. 11)
E continua a ensinar:
Tais agentes colaboram com a Administração, exercendo funções públicas
das mais variadas, embora não prescindam de um vínculo jurídico com o
Ente Estatal. No entanto, o Estado apenas transfere o exercício de sua
competência, mas não a titularidade do serviço público, que continua sendo
público. (BACELLAR, 2001, p. 11)
Quanto à responsabilidade das pessoas jurídicas de direito privado
prestadoras de serviço público, faz-se necessário lembrar a lição de Cretella aludido
por Bacellar (2001, p. 11):
Regra geral, a atividade econômica é impulsionada pelo lucro, sendo este a
força motriz da iniciativa do particular. A não ser na hipótese, toda especial,
em que a atividade econômica se identifica com o serviço público (pois que
tais noções, na maioria dos casos, não são excludentes), caso em que a
sociedade de economia mista é Administração Indireta, nas demais formas
de exploração, quando a atividade econômica é puro e inequívoco serviço
privado objetivando lucro, a sociedade de economia mista é concorrente da
empresa privada.
A Lei nº 11.079 (2004), que trata da parceria entre entes públicos e privados,
veda expressamente a delegação do exercício do poder de polícia, considerando-o
exclusivo do Estado em qualquer circunstância:
[...]
o
Art. 4 Na contratação de parceria público-privada serão observadas as
seguintes diretrizes:
[...]
III – indelegabilidade das funções de regulação, jurisdicional, do exercício
do poder de polícia e de outras atividades exclusivas do Estado;
[...] (BRASIL, 2004) [grifo meu]
Apesar da normatização trazida por esse dispositivo infraconstitucional,
alguns doutrinadores acreditam na legalidade da fiscalização de trânsito ser exercida
por entes de direito privado, como defende Carvalho Filho (2009, p. 76) ao afirmar
que “inexiste qualquer vedação constitucional para que pessoas administrativas de