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ISílN 978-85 98271 -70-~
J!IJ
IJlllllllll~lll,Ilillllll
Em estudos clássicos do pensamento social
brasileiro, autores como Horestan Fernandes e
Francisco de Oliveira mostram que a
conjugação instrumental entre o arcaico e o
moderno é marca fundamental da nossa forma
específica de sociedade, já que é a partir dessa
conjugação c1ue a burguesia garante os
excedentes econômicos e de poder com os
quais mantém e amplia seus privilégios. Por
isso, nos países capitalistas dependentes, como
o Brasil, a desigualdade não é um dado
transitório, mas um elemento estruturante da
vida social, política e econômica, influindo nas
formulações de direitos sociais e na produção
das políticas públicas que, cm tese, deveriam
garantir o exercício dos direitos sociais.
Tendo por base essas formulações, facola ptíblica
e pobreza no llrasil, de Evclinc Algebailc, analisa
os vínculos históricos entre a expansão escolar
pública e a gestão da pobreza, no contexto
brasileiro, mostrando como a lenta
universalização do acesso à escola elementar
para os pobres foi acompanhada de formas ele
expansão da esfera escolar que resultaram numa
"ampliação para menos". O baixo investimento
na educação pública, a reiterada precariedade
das instalações escolares e das condições de
trabalho docente e o uso instrumental da escola
para a realização de tarefas que deveriam estar a
cargo de outras políticas sociais, como as de
saúde, cultura e assistência, desviaram o
trabalho escolar de sua cspecilkidade e
esvaziaram a escolarização como direito social
ao conhecimento e à cultura.
Escola pública .
e pobreza no Brasil
Esta obra foi composta em Perpetua, fonte criada
em 192 5 por Eric Gil!.
, Impressa cm papel offset 7sglm2 pelaVozes para a
Lamparina Editora cm setembro de 2009.
T
Apoiado cm rigorosa pesquisa no campo da
educação, o livro traça um quadro amplo das
relações históricas entre política educacional e
política social, analisando as múltiplas feições
que essa relação adquire ao longo do tempo,
cm especial no contexto das mudanças
econômicas, políticas e societárias cm curso
desde a década de 1970. A partir desse
quadro, caracteriza a reforma educacional
empreendida pelo nível federal de governo,
nos anos 1990, analisando seus efeitos na
reconfiguração da oferta escolar por parte de
estados e municípios, hem como seus nexos
com o ajuste do Estado ocorrido nesse
pedodo, particularmente no caso da utilização
do setor educacional para a implementação
dos programas sociais focais de nova geração.
Eveline Alaebaile é doutora cm Educação
pela Universidade Federal Fluminense (UFF)
e professora de Políticas Públicas c Educação
da Faculdade de Formação de Professores da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(FFP/Uerj).
Escola ptíbliü1 e pobreza no Brasil:
a ampliação pdm menos
En::linL· Algebaile
':0 Lamparina editora
Preparação
Daniel Seidl
Rerisc.lo
Angelo Lessa
Projero aréifico, diagramação e capa
Aman<la Meirinho
O texto deste liHo foi adaptado ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, assinado em t 990,
que cmneçou a 'igorar e1n 1º ele janeiro de 2009.
Proibida a repmdução, total ou parcial, por gualguer meio ou processo, seja reprográfko, fotográ-
fico, gráfico, microf11magem etc. Estas proibições aplicam-se também às características gráficas e/
ou editoriais. A ,·iolação dos direitos autorais é punível como crime (Código Penal, art. 184 e§~;
Lei 6.895/80), com busca, apreensão e indenizações diversas (Lei 9.610/98 - Lei dos Direitos
Autorais-arts. 122, 123 1 124e 126).
Catalogação na fonte cio Sindicato Nacional dos Editores de Livros
Algcbaile, Eveline
Escola pública e pobreza no Brasil: a ampliação para menos / Eveline Algebaile - Rio de Janeiro:
Lamparina, Faperj, 2009. 2.000 exemplares.
Inclui bibliografia
ISBN 978-85-98271-70-5
1. Educação e estado - Brasil. 2. Escolas públicas - Brasil. 3. Política e educação. 4. Pob1·eza -
Brasil. 1. Título.
Lamparina editora
CDD: J79.81
CDU: J7.014.5(81)
Rua Joaquim Silva, 98, 2° andar, sala 201, Lapa
Cep 20241-11 O Rio de Janeiro RJ Brasil
Tel./fax: (21) 2232-1768 lamparina@lamparina.com.br
Escola pública
e pobreza no Brasil
A ampliação para menos
Eveline Algebaile
tf}JFAPERJ lamparina
Para Faid e Thereza, meu chão,
e para Floriano e Marina,
meu luga::- no mundo.
Sumário
Siglas p. 7
Índice de tabelas, gré:ficos equadros p. 9
Apresentação p. r 3
VictorVincentValia
Prefácio p. r 7
Gaudêncio Frigotto
Introdução p. 2)
J.A escola brasileira: primeiras aproximações p. 3)
r . As duas filas p. 3)
2. Sobre as possibilidades de falar numa "escola brasileira" p. 38
2. r . Forma hist6rica e sistema p. 47
3. O sentido das mudanças p. ) 3
3. r . Os encantamentos da modernização p. ) )
3. 2. A crise da escola p. 68
3. 3. Reforma e correção p. 76
4. Elos perdidos p. 88
2.A expansão da '?farta educacional p. 9 r
r . Aoferta educacional p. 9 r
2. Os mínimos em educação p. 94
2. r . A educação mínima no Brasil p. 96
2. 2. O tempo de escolarização p. r r4
3. Entre a expansão e o encurtamento p. r r 6
4. Que escola para quem? p. r 2 2
4. r. Épreciso construir escolas p. r 24
4. 2. Uma capacidade inesgotável de produzir desigualdades p. r 3 r
4. 2. r. As "soluções de emergência" 1 p. r 3)
) .Épreciso construir escolas? p. r 4 r
3. Orobustecimento da escola p. 145
r. Os"deslirnites" da expansão p. r 41"
2. Polltica social e expansão escolar p. r 50
3. As utilizações <la escola: entre o pioneirismo e a conciliação p. r 59
3. r. A saúde escolar p. 170
3. 2. As "aberturas" da escola p. r 80
3. 3. As "instituições escolares" p. r 89
4. A escola corno "excedente de poder" e os "problemas da fé" p. r 98
5. A expansão escolar como robustecimento p. 2 r r
4. Onora ciclo de e.~pansão p. 2 2 r
r •A escola pública àbrasileira p. 2 2 r
2. A"pragmática <las portas": política social e pobreza na década de 1990 p. 2 26
2. r . O contexto mundial das mudanças p. 2 29
2. 2. Novas forças sociais e pobreza no Brasil cios anos l980 e l990 p. 235
2. 3. A retração dos direitos nos anos r 990 p. 246
2 + Os sentidos da focalização p. 2 58
3. As mudanças na política educacional p. 2 63
3. 1. A reforma em linhas gerais p. 268
3. r . r . A"reforma curricular" p. 272
3. 1. 2. A"reforma financeira" p. 2 76
3. 2. Novos impulsos à"expansão da oferta" p. 2 80
3. 3. "Pequenas" manipulações cio tempo p. 2 89
3.4. "Pequenas" manipulações do espaço p. 296
3. 5. Escolas invisíveis p. 3o3
4. Velhas novas utilizações <la escola p. 309
4. r. Os programas de renda mínima e a escola p. 3lo
4. 2. O Bolsa Escola Federal e a migração de tarefas p. 3 l4
4. 3. O cadastramento dos pobres p. 32o
5. Uma escola pobre para os pobres p. 324
Considerações.finais: A escola pública como "Estado dos pobres" no Brasil p. 32 7
Referências p. 337
Siglas
ABE
ADCT
BIEN
BPC
CA
CBPE
CEF
CF
ClAC
CIEP
EC
EJA
FMI
FNDE
FUNDEF
·113GE
INEP
IPEA
Associação Brasileira de Educação
Ato das Disposições Constitucionais Transitórias
Rede Europeia de Renda Básica
Benefício de prestação continuada
Classe de Alfabetização
Centro Brasileiro de Estudos Pedagógicos
Caixa Econômica Federal
Constituição Federal
Centros Integrados de Atendimento à Criança
Centro Integrado de Educação Pública
Emenda Constitucional
Educação de jovens e adultos
Fundo Monetário Internacional
Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação
Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental
e de Valorização do Magistério
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio
Teixeira
Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas
IPTu Imposto Predial e Territorial Urbano
LDB Lei de Diretrizes e Bases
LOAS Lei Orgânica de Assistência Social
7
Escola pública e pobreza no Brasil
MEC
MOBRAL
MST
OIT
ONG
PCNS
PDDE
PDT
PETI
PFL
PGRM
PMDB
PMDE
PNAD
PNE
PRODASEC
PRONASEC
PSDB
PT
RBEP
RMV
SAEB
SEE
SEES
SME
sus
UERJ
USAID
8
Ministério da Educação
Movimento Brasileiro de Alfabetização
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
Organização Internacional do Trabalho
Organização não governamental
Parâmetros Curriculares Nacionais
Programa Dinheiro Direto na Escola
Partido Democrático Trabalhista
Programa de Erradicação do Trabalho Infantil
Partido da Frente Liberal
Programa de Garantia de Renda Mínima
Partido do Movimento Democrático Brasileiro
Programa de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino
Pesquisa Nacional de Amostra Domiciliar
Plano Nacional de Educação
Programa Nacional de Ações Sócio-Educativas e Culturais para as
Populações Carentes Urbanas
Programa Nacional de Ações Sócio-Educativas e Culturais para o
Meio Rural
Partido da Social Democracia Brasileira
Partido dos Trabalhadores
Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos
Renda Mensal Vitalícia
Sistema de Avaliação da Educação Básica
Secretaria Estadual de Educação
Serviço de Estatística da Educação e Saude
Secretaria Municipal de Educação
Sistema Único de Saude
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
United States Agency for lnternational Development
1
Indice de tabelas, gráficos e quadros
Tabelas
Tabela l
P· l 17
Pessoas de lo anos ou mais de idade, variação percentual e
percentual acumulado, por grupos de anos de estudo - Brasil -
1991/2000
Tabela 2 Distribuição das pessoas com lo anos ou mais de idade com
p. ! 37-8 rendimento e variação percentual por classe de rendimento nominal
mensal - Brasil - 1980/2000
Tabela 3
P· 2 39
Tabela 4
p. 28 1
Tabelai;
P· ~84
Tabela 6
p. 23 i;
Distribuição do rendimento nominal, segundo as classes de
percentual das pessoas de lO anos ou mais de idade, em ordem
crescente de rendimento - 1960/ 2000
Matrículas no ensino fundamental regular por dependência
administrativa, segundo o ano inicial das três ultimas gestões do
governo federal- Brasil/Regiões - 199i;I 2003
Matrículas no ensino fundamental regular no Brasil e variação
percentual, por série, segundo o ano inicial das três ultimas gestões
do governo federal- Brasil- 199i;/2003
Número de turmas no ensino fundamental regular e variação
percentual por série - Brasil - 1997I 2003
9
Escola pública e pobreza no Brasil
Gráficos
Gráfico l
p. 116
Gráfico 2
P· 236
Gráfico 3
P· 240
Gráfico 4
P· 242
Gráfico i;
P· 283
Gráfico 6
p. 286
Gráfico 7
p. 286
Gráfico 8
P· 287
Gráfico 9
P· 287
Gráfico 10
p. 287
10
Pessoas de lo anos ou mais de idade, variação percentual por
grupos de anos de estudo - Brasil - l991/2000
Distribuição das pessoas de lo anos ou mais de idade, com
rendimento, por classe de rendimento - Brasil - Salários
mínimos - l 980/ 2000
Distribuição do rendimento, segundo as classes de percentual das
pessoas de 1 o anos ou mais de idade com rendimento - Brasil
- 1981/2000 (%)
Frequência à escola, por grupo de idade e classes de rendimento
familiar per capita (salário mínimo) - Brasil- 2000
Proporção de matrículas no ensino fundamental por dependência
administrativa - Brasil - 199i; I 2003 (%)
Matrícula no ensino fundamental regular por série - Brasil -
199i;/2003 (%)
Turmas no ensino fundamental regular por série - Brasil-
1997/2003 (%)
Matrículas por série nas Regiões Nordeste e Sudeste
- 199i; (%)
Matrículas por série nas Regiões Nordeste e Sudeste
- 1999 (%)
Matrículas por série nas Regiões Nordeste e Sudeste
- 2003 (%)
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Quadros
Quadro l
p. 122
Quadro 2
P· 306-7
Índice de tabelas, 9rij1cos e quadros
Taxas de atendimento, escolarização bruta e escolarização líquida
relativas ao ensino fundamental e à faixa etária de 7 a 14 anos -
Brasil- 1980/2000 (%)
Estabelecimentos públicos de ensino fundamental - Brasil -
2003
1 1
Apresentação 1 Victor Vincent Valla
Quando EvelineAlgebaile me sondou sobre a possibilidade de orientá-la em
seu doutorado em Educação, na Universidade Federal Fluminense (UFF),
pedi algum tempo para avaliar as consequências de uma eventual resposta
positiva sobre os compromissos profissionais que eu já havia assumido e
sobre o programa de estudos que eu havia traçado.
Pelas nossas experiências anteriores de trabalho e de militância política,
sabíamos que aquela poderia ser uma boa oportunidade de desenvolvermos
um trabalho conjunto de maior fôlego, algo já tentado em outras ocasiões,
mas não concretizado devido às dificuldades de conciliação de nossas ro-
tinas em instituições distintas. Porém, as exigências referentes à atuação
docente na pós-graduação tornavam-se cada vez mais rigorosas, indicando
a necessidade de atenção às responsabilidades implicadas em cada novo
compromisso.
Minhas atividades de pesquisa, docência e orientação na Pós-Graduação
em Saúde Pública, na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), estavam concen-
tradas na área de Educação e Saúde, com a atenção cada vez mais direcionada
para as relações entre as práticas de religiosidade popular e o enfrentamento
das questões de saúde por parte da população pobre, diante das omissões e da
falta de resolutividade das ações do Estado. Na Pós-Graduação em Educação
da UFF, eu orientava estudos na mesma área, mas minha participação, até
então, limitava-se ao mestrado. Ingressar como orientador no doutorado
I 3
Escola pública e pobreza no Brasil
da UFF podia representar a abertura de uma nova frente de trabalho, e eu
receava que isso, naquele momento, provocasse minha dispersão em relação
ao plano de estudo e trabalho com o qual eu estava comprometido.
Nas conversas posteriores que tivemos, no entanto, foi ficando claro
para mim que, de diversos modos, eu já fazia parte daquele projeto. Ao
menos do ponto de vista do trabalho de pesquisa, não se tratava de uma nova
frente, mas da possibilidade de retomada, continuidade e aprofundamento
de questões que havia muito tempo me ocupavam e que continuavam pre-
sentes em minhas pesquisas mais recentes, sobretudo as questões relativas
ao caráter assumido pelos serviços públicos num país onde a pobreza não
é um problema em vias de superação.
Assim, o convite de orientação foi aceito, e logo tratamos de agregar
o projeto de Eveline a um planejamento de trabalho mais amplo que, nos
anos seguintes, uniu nossas pesquisas e as de outros colegas, especialmen-
te Eduardo Stotz, Roseli Oliveira e Maria Beatriz Guimarães, agregando
também novos pesquisadores em torno da questão da pobreza no Brasil e
das formas históricas de resposta do Estado e da sociedade civil diante do
problema.
O trabalho produziu Ótimos frutos, como a formação de um grupo de
estudos e a organização de cursos sobre o tema da pobreza, na UFF e na
Fiocruz; a elaboração do livro Para compreender a pobreza no Brasil, em 2oo5,
coorganizado por mim, por Eduardo Stotz e por Eveline; e, como não podia
deixar de ser, a tese de doutorado de Eveline, por mim orientada e, agora,
apresentada a um público mais amplo.
Trata-se de um estudo cuidadoso sobre o caráter assumido pela escola
pública elementar num país onde a superação da pobreza jamais compôs
efetivamente a pauta política nacional. A partir da investigação das práticas
históricas de utilização instrumental da escola pública para a realização de
ações que deveriam caber a outras políticas setoriais sociais, como saúde
e assistência, o estudo traz uma análise original da escola pública funda-
mental, no Brasil, predominantemente "a escola dos pobres". Possibilita
uma melhor avaliação das funções estratégicas assumidas pela expansão
escolar no processo histórico de formação do Estado brasileiro, bem como
14
Apresentação
no contexto atual, de seu reajuste estrutural. Nesse sentido, empreende,
igualmente, rico exame ela história da constituição e da contenção do acesso
dos pobres aos direitos sociais no País, evidenciando a desigualdade como
marca estrutural de nossa organização social, econômica e política.
Na defesa da tese que deu origem a este livro, a banca examinadora,
composta pelos professores Gaudêncio Frigotto, Nicholas Davies,Ana Clara
Torres Ribeiro e Roberto Leher, foi unânime em recomendar sua publica-
ção na íntegra. Enfatizaram-se a originalidade da abordagem, a densidade
teórica, o empenho na recuperação do pensamento social brasileiro como
referência analítica e a relevante pesquisa empírica, entre outras qualida-
des que garantiam sua contribuição para o debate da questão educacional
brasileira, em particular, e das formas de participação da expansão escolar
no processo de formação social e estatal brasileira.
A circulação atual deste trabalho no meio acadêmico e nos espaços de
debate vinculados às lutas por direitos confirma essa qualidade. Evidencia
sua importância como texto de referência não apenas na pós-graduação,
mas também na formação inicial e continuada de profissionais do campo da
educação e dos demais setores da política social, cada vez mais confrontados
com os desafios de superação da pobreza que atinge a maioria dos usuários
dos serviços básicos nos quais esses profissionais atuam.
.~
11
"
Prefácio 1 Gaudêncio Fri9otto
Um dos equívocos mais frequentes e recorrentes nas análises da educação
no Brasil, em todos os seus níveis e modalidades, tem sido o de tratá-la
em si mesma, e não como constituída e constituinte de um projeto dentro
de i.:ma sociedade cindida em classes, frações de classes e grupos sociais
desiguais e com marcas históricas específicas.
Esse equívoco se explicita tanto nas visões iluministas quanto nas econo-
micistas e reprodutivistas. No primeiro caso, a educação é concebida como
o elemento libertador da ignorância e constitutivo da promoção, por si, de
soci~dades mais democráticas e com maior igualdade social. No segundo,
sob os auspícios do economicismo, a educação é propalada como capital
humano e produtora de competências, uma espécie de galinha dos ovos de
ouro, capaz de nos tirar do atraso, situando-nos entre os países desenvolvi-
dos, e de facultar mobilidade social. Por fim, nas visões reprodutivistas a
educação se reduz a uma força unidimensional do capital.
Por certo, a educação tem mediações com todas as dimensões acima,
porém a natureza dessas mediações se define pelas relações de poder exis-
tentes no plano estrutural e conjuntural da sociedade.Vale dizer, a educação
básk:a, a educação superior e a educação profissional definem-se no embate
hegemônico e contra-hegemônico que se dá em todas as esferas da socieda-
de e, por isso, não podem ser tomadas como "fatores" isolados, mas como
partes de uma totalidade histórica complexa e contraditória.
17
Escola pública e pobreza no Brasil
Reitera-se, ao longo de nossa história, uma postura ultraconservadora
em relação às lutas dos movimentos populares e sociais pelo direito social
e subjetivo à educação básica que atenda a seus interesses. Os aparelhos de
hegemonia da burguesia industrial, de serviços e do latifúndio, mediante
seus institutos e partidos políticos de classe e a grande imprensa, que é
dominantemente de sua propriedade, insistem na tese de que o Brasil está
sendo dividido perigosamente e confrontado num conflito de classes. O
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), por ser o mais
bem organizado em suas lutas e ter clareza ideológica de seus interesses,
tem sido sistematicamente acusado e perseguido. A revista Veja, mas não
só ela, tem se esmerado nessa tarefa, passando a ideia de que o que ela faz
é imune de ideologia e de vínculo de classe - uma postura que revela, ao
mesmo tempo, miopia e ignorância. Mesmo que se trate de uma burguesia
desprovida de conhecimento da literatura clássica sobre nossa formação
histórica, a desigualdade de classes é vista, a olho nu, na magnitude das
favelas, no contraste entre latifúndio e 20 milhões de sem-terra, na popu-
lação carcerária (pobre, jovem e negra) e numa das maiores desigualdades
de distribuição de renda do mundo, entre outros aspectos.
Para entender a natureza de nossa dívida com a educação básica, em s.uas
dimensões quantitativa e qualitativa, e nas relações entre essas dimensões,
impõe-se ter disposição para perceber o tipo de estrutura social que foi se
conformando a partir de um país-colônia e escravocrata durante séculos e
a hegemonia, na década de 1990, sob os auspícios da doutrina neoliberal,
de um projeto de capitalismo associado e dependente.
Os clássicos do pensamento social, político e econômico brasileiro
permitem-nos apreender as forças que disputaram os projetos societários
e entender o que nos trouxe até aqui e suas determinações. Permitem-nos
entender, por um lado, por que o projeto da classe burguesa brasileira não
necessita da universalização da escola básica e reproduz, por diferentes me-
canismos, a escola dual e uma educação profissional e tecnológica restrita
(que adestra as mãos e aguça os olhos) para formar o "cidadão produtivo",
submisso e adaptado às necessidades do capital e do mercado. Por outro
18
Prefácio
lado, permitem também entender por que combatem aqueles que postulam
uma escola unitária, universal, gratuita, laica e politécnica.
Com efeito, com ênfases diferentes, vários autores contemporâneos
traçam os (des)caminhos que nos conduziram até o presente. Caio Prado
Jr. (1966) destaca três problemas que convivem e se reforçam em nossa
formação social desigual, impedindo mudanças estruturais. O primeiro é
o mimetismo que se explicita pela cópia das teorias dos países dos centros
hegemônicos na análise de nossa realidade histórica, estratégia que se reitera
atualmente pela subserviência às teorias e políticas dos organismos interna-
cionais e de seus intelectuais e técnicos, já que os protagonistas dos projetos
econômicos e das propostas de reformas educacionais surgidas a partir da
década de 1990 formaram-se em universidades estrangeiras, ícones do
pensamento desses organismos, e/ou trabalharam nos mesmos. O segundo
é o crescente endividamento externo e interno, também vinculado a uma
postura de subserviência. O terceiro constitui-se pela abismal assimetria
entre o poder do capital e o do trabalho.
Dois autores contemporâneos, de modo mais incisivo, permitem-nos
apreender a especificidade do tipo de sociedade capitalista em que nos
constituímos e quais nossas (im)possibilidades e desafios. Contrariando não
só o pensamento conservador, mas também grande parte do pensamento
da esquerda brasileira, Florestan Fernandes (197 ~, 1 98 1) e Francisco de
Oliveira (2oo3) rechaçam a tese dual que atribui os impasses de nosso desen-
volvimento à existência de um país cindido entre, de um lado, o tradicional,
o atrasado, o ·subdesenvolvido, e, do outro, o moderno e desenvolvido,
sendo as características primeiras impeditivas do avanço das segundas.
Ao contrário, esses autores mostram a relação dialética entre o arcaico,
o atrasado, o tradicional, o subdesenvolvido, e o moderno e o desenvolvido
na especificidade ou particularidade de nossa formação social capitalista. O
que se reitera para Fernandes, no plano estrutural, é que as crises entre as
frações da classe dominante acabam sendo superadas mediante processos de
rearticulação do poder da classe burguesa, numa estratégia de conciliação
de interesses entre o denominado arcaico e o moderno. Trata-se, para o
autor, de um processo que reitera, ao longo de nossa história, a "moderni-
19
Escola pública e pobreza no Brasil
zação do arcaico", e não a ruptura de estruturas de profunda desigualdade
econômica, social, cultural e educacional.
Na mesma direção de Fernandes e embasado numa análise que siste-
matiza há mais de quarenta anos, Francisco de Oliveira (ib.) evidencia ser
justamente a imbricação do atraso, do tradicional e do arcaico com o mo-
derno e desenvolvido que potencializa nossa forma específica de sociedade
capitalista dependente e de nossa inserção subalterna na divisão internacional
do trabalho. Mais incisivamente, os setores denominados atrasados, impro-
dutivos e informais constituem condição essencial para a modernização do
núcleo integrado ao capitalismo orgânico mundial.
Dito de outra forma, os setores modernos e integrados da economia ca-
pitalista (interna e externa) alimentam-se e crescem apoiados e em simbiose
com os setores atrasados. Assim, a persistência da economia de sobrevivência
nas cidades, envolvendo a ampliação ou o inchaço do setor terciário ou da
"altíssima informalidade", com alta exploração de mão de obra de baixo
custo, foi funcional à elevada acumulação capitalista, ao patrimonialismo e
à concentração de propriedade e de renda.
Quase quarenta anos depois de publicar A economia brasileira: crítica àrazão
dualista, Oliveira atualiza sua análise com o adendo de um novo capítulo,
cujo título é: Oornitorrinco (2003). Para o autor, a imagem do ornitorrinco
faz a síntese emblemática das mediações do tecido estrutural de nosso sub-
desenvolvimento e a associação subordinada aos centros hegemônicos do
capitalismo e dos impasses a que fomos sendo conduzidos no presente.
A metáfora do ornitorrinco nos traz, então, uma particularidade es-
trutural de nossa formação econômica, social, política e cultural, que nos
transforma num monstrengo em que a "exceção" se constitui em regra,
como forma de manter o privilégio de minorias. As relações de poder e
classe construídas no Brasil, observa Oliveira, permitiram apenas parcial
e precariamente a vigência do modo de regulação fordista, no plano tanto
tecnológico quanto social. Da mesma forma, a atual mudança científico-
-técnica de natureza digital-molecular, que imprime grande velocidade à
competição e à obsolescência dos conhecimentos, torna ainda mais inútil
nossa tradição de dependência e cópia.
20
Prefácio
O monstrengo configura o presente de forma emblemática por uma
sociedade que se mantém entre as dez de maior PIB do mundo, na qual
um dos setores que mais contribuem para a meta de superávit primário de
mais de 5º/o em novembro de 2005, garantia para os bancos credores, é o
do agronegócio e, ao mesmo tempo, está um século atrasada na efetivação
da reforma agrária e convive com 4 milhões de famílias, aproximadamente
20 milhões de pessoas, nos acampamentos dos sem-terra.
A transição inconclusa da década de 1980 e a adesão subordinada ao
Consenso deWashington a partir do governo Collor, mas realizada, sobre-
tudo, nos oito anos do governo Fernando Henrique Cardoso, aprofundaram
o fosso de uma sociedade que se ergueu pela desigualdade e se alimenta dela.
Define-se, na "era Cardoso", o embate de forças que atravessaram o século
XX e que se explicitam na metáfora do pêndulo, usada por Otávio Ianni
( 197 1): as forças que se alinhavam na perspectiva de uma sociedade capi-
talista associada e dependente aos centros hegemônicos do capital-mundo
e as que postulavam um desenvolvimento nacional autônomo.
Essa breve contextualização acarreta a seguinte questão: que projeto
de educação escolar básica apresenta-se como necessário para uma socie-
dade que moderniza o arcaico e na qual o atraso de determinados setores,
a hipertrofia do trabalho informal e a precarização do trabalho formal, o
analfabetismo, entre outros elementos, não são obstáculos ao tipo de de-
senvolvimento que se ergueu pela desigualdade e dela se alimenta?
Escola pública epobreza no Brasil:a ampliação para menos, de EvelineAlgebai-
le, resulta de utn trabalho de pesquisa rigoroso e denso que nos traz de forma
inequívoca a resposta a essa questão. Analisando dados das últimas décadas
do século XX no campo educacional, tendo como base a compreensão de
que a educação escolar é constituída e constituinte das relações sociais, o
livro evidencia os mecanismos mediante os quais se produz uma escola pú-
blica que se expande, mas para menos - uma escola que amplia e universaliza
o acesso ao ensino fundamental, mas que se esvazia de sua especificidade
e como direito social ao conhecimento e à cultura. A escola pública dos
pobres se robustece e se expande, mas principalmente por se tornar um posto
avançado para a realização de numerosas ações - resolução de problemas
2 I
Escola pública e pobreza no Brasil
das crianças que não se alimentam em casa, posto de vacinação, antídoto da
violência da sociedade... - que, a rigor, são problemas da sociedade.
Fica claro na análise que esta realidade não resulta de um ato impostor,
mas é uma construção social do projeto societário da burguesia brasileira,
em que a expansão e o robustecimento para menos expressam-se na política
educacional com particularidades em conjunturas específicas, mas de forma
contínua. No projeto de capitalismo dependente de desenvolvimento desi-
gual e combinado, a burguesia brasileira constrói uma sociedade que con-
centra, de maneira exponencial, a riqueza, e amplia, expande a miséria.
Este livro corrobora e aprofunda análises que mostram que, definitivamen-
te, a educação escolar básica (fundamental e média), pública, laica, universal,
unitária e tecnológica, que desenvolva as bases científicas para o domínio e
a transformação racional da natureza, a consciência dos direitos políticos,
sociais, culturais e a capacidade de organização para atingi-los, nunca se
impôs como necessidade, e sim como algo a conter para a classe dominante
brasileira. Mais que isso, para a maioria dos trabalhadores nunca houve de
fato a necessidade de uma escolaridade e formação técnico-profissional que
os preparasse para o trabalho complexo e os dotasse, como classe detentora
do capital, de condições de concorrer com o capitalismo central. O que se
tem reiterado é o que denunciou Anísio Teixeira na década de r 9.ÇO: a exis-
tência de uma retórica de valores proclamados, mas não reais, de valorização
da educação escolar. Ou, como aponta Dermeval Saviani na análise do atual
Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) sobre a cultura protelatória
de cinco para dez e de dez para vinte anos no enfrentamento daquilo que é
um direito de todos: a educação básica.
Eveline Algebaile expõe como falsas e cínicas as análises de empresários,
imprensa, políticos e pesquisadores que culpam a escola e os trabalhadores da
educação e os próprios alunos das classes populares pelo desemprego, pela
violência e pelo atraso. Os reclamos atuais desses empresários e suas organi-
zações de classe, pesquisadores, intelectuais e políticos do apa9ão educacional,
para designar que o sistema educacional não está formando quadros suficien-
tes, exemplifica a cantilena reiterada de tempos em tempos no Brasil.
22
Prefácio
O que Eveline nos diz é que tais análises ocultam a opção da classe
dominante brasileira por sua inserção consentida e subordinada ao grande
capital e nosso papel subalterno na divisão i~ternacional do trabalh~, com
a hipertrofia da formação para o trabalho simples. Ocultam, tambem, as
relações de classe no plano mundial e interno. Ou seja, a sociedade que se
produz na desigualdade, quando impeli~a a univers~l~zar a educa:ão ~ásica,
0
faz de forma desigual e dual. Assim e que as poht1cas educac1ona1s, sob
0
ideário neoliberal da década de r 990, o avanço quantitativo no ensino
fundamental e a mudança discursiva aparentemente progressista no ensino
médio e na "educação profissional e tecnológica", aprofundam a segmenta-
ção, 0 dualismo, e perpetuam uma relação débil entre ambos.
A universalização do ensino fundamental efetiva-se numa profunda
desigualdade intra e inter-regiões e na relação entre cidade e campo. A
diferenciação e a dualidade aqui se dão pelo não acesso efetivo e demo-
crático ao conhecimento. A escola pública dos pobres e/ou dos filhos dos
trabalhadores é esvaziada de sua função específica e, por isso, se expande, se
robustece e "cresce para menos"-uma escola da qual se exigem múltiplas
funções, mas que se descura de sua função precípua de garantir o direito
de uma educação básica de qualidade. Expande-se e alarga-se para menos
mediante políticas que retiram do magistério aquilo que o define como
tal_ profissionais que organizam, produzem e socializam conhecimentos
_e 0 delega a organizações não governamentais (ONGs), ou a institutos
privados. Há, no Brasil, uma profusão dessas organizações que não só ven-
dem pastiches; mas anulam a própria profissão docente.
O livro de Eveline Algebaile é uma contribuição singular para o pensa-
mento educacional no método de conhecer a realidade social e educacional
~m sua íntima relação e no conteúdo ético-político. Faz jus ao que afirma
Florestan Fernandes em relação ao papel do intelectual na sociedade. O
intelectual não cria 0 mundo no qual vive. Ele jájaz muito quando conse9ue ajudar
a compreendê-lo e explicá-lo, como ponto de partida para sua alteração real.
É, por isso, um livro de leitura imprescindível para educadores de todos
os níveis de ensino, pesquisadores e estudantes de ciências sociais e humanas
e líderes de movimentos sociais, sindicais e políticos do campo de esquerda,
23
Escola pública e pobreza no Brasil
que têm a obrigação ético-politica de distinguir as mudanças na socieclade e
na escola que mudam para manter a ordem estabelecida, injusta, mutiladora
e criminosa de nossa ordem social, daquelas mudanças que concorrem para
alterá-la radicalmente.
Rio de Janeiro, 21 de abril de 2009, Dia de Tiradentes.
Referências
FERNANDES, Florestan. Capitalismo dependente e classes sociais na América Latina. Rio
de Janeiro: Zahar Editores, 1975.
___.A revolução burguesa no Brasil: um ensaio de interpretação sociol6gica. 3. ed.
Rio de Janeiro: Zahar Editores, 198 1. Biblioteca de Ciências Sociais.
IANNI, Otávio. Estado e planejamento econômico no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 197 1 .
OLIVEIRA, Francisco de. Crítica da razão dualista! O ornitorrinco. São Paulo: Boi-
tempo, 2003.
PRADO JR., Caio. A revolução brasileira. São Paulo: Brasiliense, 1966.
1
1
~
Introdução
As coisas me ampliaram para menos.
Manoel de Barros
No dia 8 de maio de 2oo 2, a divulgação de um relatório do Instituto Brasi-
leiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2002 ), sobre os indicadores sociais
do Censo Demográfico de 2000, foi matéria de destaque de diversos tele-
jornais, tendo em vista os dados que, em relação aos dez anos preceden-
tes, apontavam a persistência ou o agravamento de inúmeros problemas
relacionados à pobreza. Em meio aos debates suscitados pela divulgação
do relatório, o então presidente da República, Fernando Henrique Car-
doso, entrevistado por emissoras e questionado a respeito dos dados e das
análises não favoráveis ao governo federal, deu a seguinte resposta: "Não
vamos ser pessimistas nem otimistas. Vamos ser realistas: nós diminuímos
a pobreza no Brasil. E ponto! [...] Nós ampliamos o acesso à escola e o
acesso à comida na escola".
Essa vinculação tão direta entre redução da pobreza e acesso à escola
expunha um aspecto que penso ser central na configuração da escola pública
elementar no Brasil. A utilização dessa escola como uma espécie de posto
de realização de ações assistenciais, de caráter compensatório, englobando
programas governamentais e ações "voluntárias", tornara-se uma marca
forte da segunda gestão de Fernando Henrique, mas não era uma forma
de utilização de todo estranha. A história da educação e minha própria ex-
Escola pública e pobreza no Brasil
periência com a escola pública, como aluna, professora e, mais tarde, por
meio de outras formas de atuação, forneciam muitos exemplos de ações
- a saúde escolar, as instituições periescolares, as ações socioeducativas da
segunda metade do regime militar - cujas familiaridades com os "novos"
programas não pareciam acidentais. Havia vários indícios de continuidades
entre "velhas" e "novas" ações, praticamente confirmando a inscrição das
mudanças recentes da escola num pr Jcesso de longa duração, deformação
da escola pública elementar brasileira.
Mais um bom tempo de pesquisas, estudos, consultas e ajustes, e essas
questões ganhariam a forma deste livro, que, enfim, apresento ao debate.
Nele, proponho uma interpretação da escola pública brasileira com foco nas
implicações entre escola pública elementar, Estado e pobreza, advertindo
que não é (ao menos não pretende ser) um trabalho sobre a escola e a pobre-
za como "acontecimentos" específicos que se relacionariam pontualmente,
um supostamente agindo sobre o outro. Num país como o Brasil, onde a
pobreza, não sendo residual nem transitória, é tratada permanentemente
como se o fosse, e onde o nível de ensino mais elementar atravessa todo um
século sem jamais completar sua saga de universalização, é válido pensar
que escola pública e pobreza sefazem, a ponto de suas histórias resultarem,
em boa parte, de um profundo e mútuo atravessamento.
Fica apresentada, então, desde já, a tese afirmada ao longo deste livro: a
escola pública elementar, no Brasil, tendo em vista asjunções de mediação que passa
a cumprir para o Estado, em suas relações com os contin9entes populacionais pobres,
tornou-se uma espécie de posto avançado, que permite, a esse Estado, certas condições
de controle populacional e territorial,Jormas variadas de ne9ociação do poder em
diferentes escalas e certa "economia de presença"em outros âmbitos da vida social.
Essa condição de posto avançado do Estado é compreendida, aqui, como
expressão de um fenômeno de expansão escolar de complexa configuração,
no qual a lenta expansão da eferta no nível mais elementar do ensino aparece
implicada com o "robustecimento" da escola, ou seja, com uma expansão da
eifera escolar que, no entanto, implica perdas incalculáveis em termos do
direito à educação e de outros direitos sociais. Essa expansão da eifera escolar
decorre da permanente migração de "tarefas" para a escola, permitindo
26
l
Introdução
conter a expansão do Estado em outros setores de ação, constituindo-se,
assim, como uma forma de expansão à qual correspondem encurtamentos na
esfera pública em pelo menos dois sentidos, relativos às reduções operadas
na política social e nas dimensões e condições formativas da escola.
Quanto às "tarefas" que migram para a escola, convém ainda esclarecer
que não se trata necessariamente de ações concretas plenamente realizadas.
Em geral, são arremedos de ação, cujos efeitos principais são o deslocamen-
to do ensino de sua posição central na escola e a dissimulação da ausência
e das omissões do Estado, de maneira a parecer que problemas sociais,
econômicos e de saúde, entre outros, decorrem da "carência educacional
e cultural do povo".
Meu objeto, neste livro, é a formação dessa escola, nessa chave analítica.
Entendo que, ao longo dessa formação, certas características relativas a suas
formas e funções mostraram-se oportunas a projetos de sentidos diversos,
sendo, portanto, mantidas, e persistiram até o ponto de se tornarem parte
da estrutura de uma escola pública à brasileira.
A ideia de uma escola à brasileira é inspirada na discussão de LuizWer-
neckVianna ( r 997) sobre a forma particular pela qual ocorreria, no Brasil,
0 tipo de mudança categorizado por Gramsci como "revolução passiva".
A formulação sobre a revolução passiva à brasileira assenta na constatação
de que a revolução burguesa autocrática, no Brasil, teria se realizado num
processo de longa duração, no qual orientações políticas, em princípio,
distintas e vistas comumente como portadoras de ideais até contrapostos
teriam realizado uma complexa fusão.
Minha compreensão da formação da escola pública brasileira, além de
a~entuar a referência à longa duração, também assenta na ideia de que a
configuração atual dessa escola não resulta de um projeto único e intencio-
nalmente dirigido a um fim claramente traçado, mas da complexa fusão,
em alguns pontos essenciais, de projetos em princípio distintos e mesmo
antagônicos. Daí a tomada de empréstimo da expressão "à brasileira".
Há pontos importantes a destacar, aqui, a respeito das compreensões
implicadas nessa formulação. De um lado, é necessário afirmar que a escola
que chega aos pobres não é o resultado direto de um projeto intencional-
27
Escola pública e pobreza no Brasil
mente traçado com esse fim. As formas históricas assumidas pelas institui-
ções sociais são irredutíveis aos projetos a elas dirigidos. Elas são sempre
expressão do encontro e do choque entre múltiplos projetos e ações, que
nem sempre se dirigem à sua organização, mas que ainda assim participam
da sua produção. Essa não subordinação absoluta das instituições aos projetos
é o que abre a possibilidade de disputa de seus sentidos. Daí a necessidade
de afirmar essa perspectiva na investigação e na análise da escola.
Por outro lado, a escola que chega aos pobres também não pode ser
compreendida "em negativo", como mero resultado do malogro de proje-
tos. Ela deriva, em boa medida, de certa funcionalidade que adquire para o
Estado brasileiro em formação. O "insucesso"de projetos, a insuficiência de
investimentos, o descompasso entre quantidade e qualidade, entre outros
aspectos, não são causas da não realização, no Brasil, de uma escola pública
próxima à que se formou nos países de capitalismo avançado, mas expressões
do lugar secundário que as funções educativas ocupam na formação da es-
cola pública brasileira, tendo em vista o papel que ela passa gradualmente
a assumir na gestão da pobreza.
Não há aqui, portanto, a defesa de que a forma da escola decorreria
da pura contingência da história ou da "força do destino". Ao contrário,
quer-se afirmá-la e entendê-la como expressão de relações mais amplas,
que penetram e excedem os projetos formais que são apresentados como
seus produtores.
A especificidade da escola brasileira não pode ser dissociada de um
conjunto de relações políticas, econômicas e sociais implicadas na formação
societária brasileira e num processo de formação incompreensível do Esta-
do, se não se leva em conta o modo de inserção do Brasil numa formação
econômico-social de largo espectro, capitalista. Afinal, como Florestan
Fernandes já mostrou em análises feitas na década de 1970, trata-se de
um Estado fortemente orientado por projetos de inserção econômica e
cultural mundial que renovam e aprofundam continuamente uma condição
capitalista dependente, sustentadora de uma elite que, para atualizar seu
poder, precisa garantir, de forma regular, uma integração parcial - por
vezes absolutamente residual - de imensas parcelas sociais.
28
Introdução
Essa "integração" está sendo realizada, em boa parte, e talvez princi-
palmente, via escola pública, para uma parcela da população que jamais
participará de qualquer inserção mais ampla. Daí a atenção obrigatória às
relações sociais que atuam na produção da escola e, consequentemente, à
sua apreensão não apenas na organização sistêmica própria do setor edu-
cacional, mas também na política social e, ainda, numa esfera mais ampla
de relações a partir das quais são engendrados usos e utilizações da escola
que acabam se tornando elementos ativos (Gramsci, 20oob) em sua for-
mação histórica.
A apreensão da formação da escola sob essa perspectiva implicou ên-
fase em suas inserções tanto em âmbitos bem mais vastos que a "política
educacional" quanto em processos de mais longa duração, exigindo es-
colhas, bastante difíceis, de processos, eventos e fenômenos a partir dos
quais fosse possível rastrear essas inserções e seus "efeitos" para a forma-
ção da escola. O foco na questão da pobreza orientou essas escolhas, e o
resultado é uma interpretação da escola pública elementar brasileira com
base nas tentativas de sua utilização em sentidos que excedem o âmbito
"educativo escolar".
A tentativa de apreender a inscrição de processos recentes em processos
de longa duração impediu a adoção de periodizações precisas. No entan-
to, ao longo do acompanhamento de processos variados, caracterizados
por andamentos e marcos temporais convergentes sob certos aspectos e
dissonantes sob outros, destacaram-se momentos de referência que, sem
engessar a análise em fronteiras temporais rígidas, permitiram contextua-
lizar os processos e situá-los uns em relação aos outros. Os períodos que
~orrespondem, respectivamente, à permanência prolongada de Getúlio
Vargas na Presidência da República (1930-45), ao regime militar (1964-85)
e às duas gestões de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) tornaram-
-se os pontos de referência, especialmente porque a maior duração dessas
gestões permitiu a consolidação de linhas de ação e projetos cujo sentido de
conjunto ajuda a rastrear nexos entre as mudanças econômicas no Estado
e na escola.
Escola pública e pobreza no Brasil
A esse respeito, é importante reconhecer que tenho certa consciência
dos riscos (fico com a ilusão de que se a consciência fosse completa eu não
os correria... ) compreendidos numa interpretação debruçada sobre tal
extensão de tempo e, em seu interior, sobre três momentos de tão com-
plexa definição. Como ré confessa, porém, limito-me a argumentar, em
minha defesa, que não busquei, por esse meio, apresentar uma erudição que
certamente não tenho. Percorrer processos tão amplos e complexos, que
en~olvem domínios tão variados, foi um duro exercício de aprendizagem.
Dai que numerosas passagens deste livro decorrem, exatamente, de minha
tentativa de entendimento, e não de minha capacidade de explicação.
De toda forma, admito que não sou portadora de nenhuma santidade;
é também importante assinalar que, apesar de meus limites nesses percur-
sos, não me furtei a certo sentimento de insurgência, ao entrar, ainda que
com limites, em áreas "não autorizadas". São imprudências que me causam
medo, mas que assumo com alegria, especialmente porque foram 0 meio
de que eu dispunha para entender melhor um problema de tão complexa
definição e tão central, de meu ponto de vista, no debate político e social
brasileiro.
Quanto à referência a uma escala nacional, busquei resolvê-la por dois
principais meios. De um lado, a análise está centrada nas políticas de alcance
nacional e na legislação federal, assim como em dados estatísticos referentes
à mesma escala. De outro, o rastreamento de significados mais profundos dos
fenômenos e fatos selecionados nessas fontes amplas foi tentado por meio
de outras fontes, como relatos orais, matérias jornalísticas e documentos
d~ instituições locais, a partir das quais tive acesso a casos que, a rigor,
nao podem ser generalizados, mas representam a variedade de formas de
manifestação de um mesmo fenômeno ou de fenômenos próximos.
Concorreram para o acesso a essas fontes duas práticas irredutíveis
ao trabalho de pesquisa: minha atuação como professora e como mem-
bro representante da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj)
no Conselho de Acompanhamento e Controle Social do Programa Bolsa
Escola Federal, no município de São Gonçalo. Diversos aspectos tratados
neste livro, como os casos dos "anexos escolares" e dos "turnos da fome",
1
r:
Introdução
só se tornaram visíveis por meio dos relatos de alunos e alunas - muitos
dos quais já são professores e, ainda, trazem a rica e dolorida vivência de
pais de alunos de escolas públicas - durante as aulas de estrutura efuncio-
namento do ensino, políticas públicas e educação e prática pedagógica, disciplinas
lecionadas por mim na Faculdade de Formação de Professores da Uerj, em
São Gonçalo (RJ), no período de elaboração da tese que deu origem a este
livro. A atuação no conselho, por sua vez, não só me propiciou a vivência
direta de situações impressionantes que brotam das novas tarefas da escola
na gestão da pobreza, como me forneceu pistas a partir das quais foi possível
rastrear informações institucionais relativas a outros municípios. A essas
duas experiências e às pessoas nelas envolvidas devo, talvez, a parte mais
importante das informações que vieram a dar vida e sentido aos dados "sem
dor"- como disse uma vez Mário Quintana a respeito da matemática e das
informações quantitativas - extraídos de documentos governamentais e
estatísticos. Algumas informações, inclusive, me permitiram importantes
reorientações na pesquisa desses documentos. Essas informações e sua
discussão ganharam, no texto, a disposição que passo a expor.
No capítulo inicial, "A escola brasileira: primeiras aproximações", em-
preendo uma discussão geral do problema, apresentando as referências
teóricas que me permitem delinear marcos conceituais e metodológicos,
bem como o percurso investigativo e analítico. Não se trata, porém, de
um "capítulo teórico". Primeiro, porque se desdobra, desde o primeiro
momento, do quadro geral mais recente das mudanças no campo escolar
relacionadas à"reforma educacional" no governo Fernando Henrique Car-
doso, ponto de partida e chegada de toda a investigação. Segundo, porque
não esgota nem antecipa por completo as referências e construções· con-
ceituais e analíticas que, a rigor, continuam a se desenvolver ao longo dos
demais capítulos. Nesse capítulo, debatendo as tensões e irredutibilidades
entre escola e educação escolar, levanto aspectos indicativos de que a reforma
educacional realizada ao longo do governo Fernando Henrique Cardoso
filia-se a antigos ideários de modernização que, por meio de discursos e
ações aparentemente centrados na eficiência e na produtividade da escola,
3 1
Escola pública e pobreza no Brasil
dissimulam sua utilização instrumental para outros fins, aprofundando sua
desqualificação para as funções educativas.
No segundo capítulo, "A expansão da oferta educacional", apresento
alguns dos principais traços do sistema educacional brasileiro, com foco no
nível de ensino mais elementar (hoje, ofundamental, com duração mínima
de nove anos obrigatória a partir de 20 r o), na expansão dos marcos que
definem a "educação mínima" e sua oferta pública e na expansão de seu
alcance populacional. A discussão é inicialmente referida aos marcos esta-
belecidos na legislação federal, em termos de direitos e responsabilidades
relativos à escolarização, e aos dados gerais de expansão da oferta, no que diz
respeito à cobertura populacional. São dados, porém, complementados por
análises sobre o tipo de escola que chega à maioria da população brasileira,
particularmente os grandes contingentes populacionais pobres.
No terceiro capítulo,"O robustecimento da escola", o tema da expansão
é retomado, sob a Ótica da configuração da esfera escolar além dos aspectos
referentes ao processo educativo, em sentido restrito, expresso principal-
mente, mas não exclusivamente, nas atividades de ensino. São discutidas,
numa perspectiva histórica, utilizações da escola exemplares do esgarça-
mento progressivo da esfera escolar além do ensino e em seu detrirnento.
Abordo, portanto, a política social brasileira, sua significativa subordinação
à política econômica e sua participação na configuração da escola como uma
espécie de posto avançado, que permite às forças políticas dominantes um
canal privilegiado de negociação e recomposição do poder.
No quarto e último capítulo, "O novo ciclo de expansão", examino o
quadro amplo de mudanças mundiais, a partir da década de 1970, e suas
implicações nas mudanças na educação, na década de r 990. Retomo adis-
cussão da reforma educacional empreendida no governo Fernando Henrique
Cardoso, apresentando algumas de suas principais medidas, bem como
alguns de seus desdobramentos e derivas, com o objetivo de analisar os
sentidos da expansão escolar então realizada, tendo em vista sua subordinação
e suas instrumentalidades ao ajuste estrutural do Estado e à reorientação
da política social.
32
Introdução
Nas considerações finais, agrego os aspectos que permitem perceber o
funcionamento da escola pública fundamental como uma espécie de "Estado
dos pobres". Discuto, nesse sentido, o quanto a"ampliação" da esfera escolar
acaba sendo um meio de operar, conforme uma dinâmica de "revolução
passiva", um encurtamento da esfera pública no campo educacional e no
da política social.
Todo o meu esforço foi para desvendar o que chamo de "segundo eixo"
de p::-odução da escola, formado a partir da migração de tarefas que têm
por fim realizar alguma gestão da pobreza. O objetivo, nesse caso, não foi
tratar esse eixo como parte legítima da escola, mas reconhecê-lo como sua
parte orgânica e deixá-lo mais exposto a outros olhares que, atentos aos
efeitos que ele opera, devido a essa condição orgânica, proponham, com
mais clareza, os caminhos para sua superação. Se, em diversos aspectos,
não foi possível avançar, a não ser levantando indícios que dessem algum
suporte à argumentação, penso, no entanto, que os passos dados já con-
tribuem para o debate e as lutas, que haverão de se tornar mais densas,
alargando os espaços de disputa pela democratização da escola e abrindo
novos caminhos para que o Brasil possa ser pensado e vivido plenamente
pelos mais profundos estratos da sociedade.
33
r. A escola brasileira: primeiras aproximações
r. As duas filas
De longe era possível perceber a escola onde seriam entregues os cartões.
Mesmo que não se pudesse ainda ver o prédio, era tão grande a fila que
serpenteava a partir de certo ponto da rua, e tão grande o burburinho de
homens, mulheres e crianças, e mais os carros passando devagar diante
daquela movimentação, que seria impossível não deduzir que se tratava da
fila para o recebimento dos cartões do Programa Bolsa Escola Federal.
Era final de 2001. Após a primeira etapa do cadastramento de famílias,
mais uma prefeitura "inaugurava" o programa com um grande evento, a
exemplo do que ocorria em outros municípios brasileiros. Daí aquele mun-
daréu de gente, que não só inundava a rua como apinhava cada pedacinho da
escola. Do portão da frente, controlado por policiais, passando pelo primeiro
pátio, entrando pelo saguão, atravessando o pátio dos fundos, tudo era fila.
Até que se chegava à quadra de esportes, onde pais e crianças, filtrados por
U:ma fresta de portão, encontravam mais dez filas paralelas que se dirigiam
para dez mesinhas escolares, espécies de balcões de atendimento em que um
funcionário checava o cadastro familiar e entregava o cartão. Ali, as pessoas
enfileiradas esperavam pacientemente, formando uma plateia involuntária
para políticos que discursavam, sob as luzes de fotógrafos e operadores de
vídeo, no pedaço de quadra que sobrava por trás das mesinhas. Isso durava
até que cada família, de posse do cartão, alforriada do suplício, seguisse para
Escola pública e pobreza no Brasil
o fundinho da quadra, retirasse o dinheiro num dos caixas eletrônicos da
Caixa Econômica Federal (CEF), instalados especialmente para a ocasião,
e alcançasse a dignidade de uma saída discreta pelo portão dos fundos.
Aquela sequência de filas agitadas, arabescos que se movimentavam em
todas as direções, fez-me lembrar imagens cuja semelhança de forma induzia
a pensar numa também semelhança de significação: imagens da movimen-
tação de formigas na busca e na guarda de alimento, das fileiras de homens
enlameados nas minas de serra Pelada e de outras filas no entorno e no
interior de escolas, em tempos distantes e recentes, com pais acampados
às vezes ao longo de noites, na tentativa de vaga para os filhos.
Essa última imagem, porém, parecia não pertencer ao mesmo conjunto,
sinalizando que a forma similar podia apenas iludir quanto à semelhança
de conteúdos. O que diferenciava esses dois tipos de fila e o que essa dife-
renciação enunciava a respeito da escola?
Quando esse fato ocorreu, há tempos a "questão da escola brasileira" já
tomava toda a minha atenção. A cena das filas não era um ponto de partida,
de instigação do tema, mas uma espécie de síntese viva, em movimento, de
uma problemática que eu vinha perseguindo e que se mostrava rebelde a
certas simplificações. Eu juntava peças, desembaraçava fios e, de repente,
era como se as coisas se encaixassem e tomassem a forma de um drama
humano que, encenado no cotidiano daquele lugar, contava uma realidade
representativa do que acontecia Brasil afora.
Eram mesmo filas de sentidos diversos. As filas por vaga,filas por escola,
por mais que retratassem a situação precária que ainda marca o acesso à
educação escolar no Brasil, faziam pensar num estado de coisas no qual a
empreitada da vida dirige-se, em alguma medida, para algo além da sobre-
vivência -previsão. As outras filas, as do Bolsa Escola, pareciam ser apenas
filas na escola, falando de vidas definidas pelas urgências do presente. Seu
sentido forte era, inconfundivelmente, a provisão. 1
1 A respeito da relação entre previsão e provisão na organização da vida das classes
populares, remeto aValia (2000).
I. A escola brasileira
Seria possível pensar esse segundo sentido, de provisão, como um sentido
estrangeiro à escola, algo transitório e, portanto, não influente em sua forma-
ção. Eu estaria, assim, compatível com boa parte do debate sobre os problemas
contemporâneos da escola, que centra a atenção no processo educativo e nas
funções formativas, analisando os mecanismos das políticas educacionais, as
formas de organização dos sistemas de ensino, o funcionamento dos esta-
belecimentos escolares ou o preparo docente, entre outros assuntos, com o
objetivo de discutir as formas e condições de realização desse processo e dessas
funções. Estudar a escola estudando a educação que ali se faz ou não.
Mas já não era possível, para mim, pensar a escola brasileira fora da
tensão entre os dois movimentos que se enunciavam naqueles dois tipos
de fila: a projeção - a vida adiante pensada desde já - e a imersão no
presente, não pela incapacidade de pensar a vida adiante, mas porque as
urgências, quando se repetem sempre, ensinam a não esperar novidades do
futuro. Seria preciso, para estudar a escola, estudar o que se faz nela, por
meio dela, na relação com ela, seja isso educação ou não.
Uma pequena descoberta impulsionou-me ainda mais nesse caminho.
Em seu livro As metamoifoses da questão social, Castel ( r 9 99, p. 6 9) mostra
que o termo "matrícula", que data do século VI, designava, originalmente,
a lista nominal dos pobres que seriam mantidos pela igreja local. Pensei
no tanto de coisa que aconteceu até que "matrícula" viesse a designar, ge-
nericamente, a inscrição formalizada em tipos diversos de instituição. E
até que viesse a representar, para quem atua no campo educacional, mais
que o estabelecimento de um vínculo formal entre a instituição escolar e o
usuário de seus serviços, o ingresso num conjunto de relações e processos
_que apontam para diversos desdobramentos da vida: relações de classe e
de amizade, relações com novas organizações do tempo e do espaço, com o
conhecimento e o trabalho, com o Estado e outras instituições. O processo
de inscrição no Bolsa Escola parecia, então, ressuscitar aquele significado
original, a matrícula como inscrição formal num programa de assistência,
como marca de uma dependência e uma sujeição. O fato de que a instituição
responsável por isso seja, então, a escola informa mais sobre a formação de
seus sentidos e funções do que poderia parecer à primeira vista.
37
Escola pública e pobreza no Brasil
Defender que esse sentido de imersão no presente não é estrangeiro
nem transitório na escola brasileira -que ele a constitui, dando-lhe estru-
tura, forma e funções particulares, esgarçando a escola para funções outras
que não a educação e a formação em seus significados "clássicos", de um
modo que até seus sentidos educativos e formativos veerri.-se modificados
- confirmava-se como caminho possível e necessário de abordagem da
"questão escolar". Isso exigia, no entanto, rastrear nexos entre os elemen-
tos que são comumente tratados como "próprios da escola" e aqueles que
tendem a ser apresentados como "não escolares".
2. Sobre as possibilidades de falar numa "escola brasileira"
Preliminarmente, seria necessário explorar ao máximo os sentidos do ter-
mo "escola". Este, em seu significado mais comum, no âmbito educacional,
designa instituições ou estabelecimentos caracterizados pela centralidade das
funções educacionais. Pode, no entanto, também fazer referência a um modelo
pedagógico (Escola Nova, EscolaAtiva), um modelo institucional ou um sis-
tema de ensino definido conforme um gênero de organização (escola pública
ou privada, escola mista ou especial). Pode, ainda, a partir de um máximo
de especificidade histórica, designar a forma histórica particular assumida
pelas instituições escolares em determinado território (escola francesa, escola
americana), o que abrange desde a forma jurídica do sistema escolar até os
delineamentos pedagógicos produzidos no contexto de sua formação.
Trata-se, como é possível perceber, de objetos diferentes. E de tal modo
que, no plano da investigação, a cada delineamento do objeto "escola",
tendem a corresponder certas possibilidades de reconhecimento dos su-
jeitos, ações e processos atuantes na produção do que se considera "esfera
escolar", bem como certas variações de ênfase na abordagem de cada um
desses elementos, o que representa, em alguma medida, também variações
no reconhecimento dos movimentos que modulam essa produção.
Apesar dessa diferença, há sempre urna tendência a aproximar ao má-
ximo esses objetos, tratando-os corno variações de escala de algo que, na
1. A escola brasileira
verdade, pertenceria a urna "mesma família", tendo em vista a centralidade
das funções educacionais, em sentido estrito, na sua definição. Isso se torna
um problema quando se suspeita que o sentido de conjunto que permite
falar em "escola brasileira" é definido por aspectos mais amplos que os
circunscritos nessas funções educacionais.
Para avançar nessa definição, no entanto, é necessário reconhecer, ini-
cialmente, que a escola, em perspectiva ampla, é urna "instituição social
especializada" à qual cabe realizar uma forma determinada de educação.
Uma instituição especializada pode ser definida, genericamente, como aquela
à qual cabem certas funções específicas, cuja realização sistemática exige
um conjunto de condições permanentes, relativas à sua organização e aos
recursos e meios utilizados. Essa definição pode ser atribuída àescola, tendo
em vista tratar-se de urna instituição social cuja constituição histórica está
inevitavelmente implicada na especialização da função de "educar as novas
gerações".
No entanto, se a educação pode ser entendida como processo e corno
prática social que assume diferentes formas e se realiza conforme diferen-
tes condições em diferentes tempos e lugares (e a educação escolar pode ser
entendida como urna dessas formas, caracterizada por forte organização e
sistematicidade, além de intensa difusão, especialmente no mundo moder-
no), a definição da escola como instituição social requer o reconhecimento
de que ela é também constituída por elementos não necessariamente orien-
tados para a função de educar e para o processo educativo nela realizado.
Ressalto, com isso, que o entendimento da escola corno instituição social,
em seus sentidos mais profundos, requer explorar o caráter histórico de
~uas "especializações", o que implica evidenciar a multiplicidade de relações
que concorrem para sua produção.
Trata-se, em princípio, de relações inscritas em processos de longa dura-
ção, bastante difusos no tempo e no espaço, corno os referidos por Barroso
( 1995) e Canário (1999), implicados no surgimento da relação entre mestre
e aluno corno forma inédita de relação social; na sua gradativa autonomização
em relação a outras relações sociais; na passagem de uma relação dual, entre
mestre e aluno, para uma relação entre o mestre e a classe; e, ainda, nas ne-
39
Escola pública e pobreza no Brasil
cessidades de adaptar os modos de gerir o espaço, o tempo, os agrupamentos
dos alunos e os saberes disciplinares, em decorrência dessa passagem do ensino
individual para o ensino coletivo simultâneo. Mas se trata também de relações
inscritas em outras formas de uso e utilização2
da instituição escolar, que par-
ticipam de diversos modos de sua consolidação, expansão e mudança.
Tenho em vista discutir, aqui, que os processos implicados na organi-
zação sistemática das tarefas atribuídas à escola, na produção de um corpo
de normas jurídicas reguladoras de suas formas de execução, na designação
de demarcações espaciais e temporais próprias para sua realização e de
um corpo funcional autorizado e preparado para tal não são processos que
simplesmente viabilizam uma função dada desde a origem das instituições
possíveis de ser chamadas de "escolares". São processos nos quais as "fun-
ções escolares" podem ser criadas, modificadas e moduladas conforme novas
finalidades, ou ainda coadunadas com outras funções não necessariamente
2 Os termos "utilização"e "uso", ao longo deste livro, referenciam, especialmente, as dife-
renciações estabelecidas por Lefebvre a respeito de dois sentidos orientadores das relações
sociais: propriedade e apropriação. O sentido de propriedade expressa-se pelo predomínio
de uma perspectiva racional, mais precisamente, uma razão instrumental. Está, segundo
Seabra ( 1996, p. 72-3), relacionado à "dominação pela técnica, pelos instrumentos, pela
lógica", e a"procedimentos práticos e teóricos de medir, quantificar, comparar, igualar", por
meio dos quais são prescritas as atividades humanas. Nas relações de propriedade, busca-se
sobrepor às coisas, a suas relações, a seu funcionamento e a seus usos, prescrições calculadas
conforme interesses específicos; por isso, é a esse tipo de relação que vinculo a noção de
"utilização", que, de meu ponto de vista, permite ressaltar as tentativas de manejo e domínio
instrumental das práticas, das relações, das instituições. Já as relações de apropriação, que
incluem "o afetivo, o imaginário, o sonho, o corpo, o prazer", relacionam-se aos usos que,
implicando modos de ser e inserindo-se nos costumes, carregam "resíduos irredutíveis ao
domínio da lógica, da razão" (ib., p. 71), acarretando, pois, a possibilidade de resistências
e insurreições. Énesse sentido que emprego o termo "uso", buscando ressaltar as relações
em que não predominam as tentativas de propriedade, mas as de apropriações não dirigidas
ao estabelecimento de normas e prescrições, não dirigidas, portanto, ao cerceamento de
outras formas de uso. Penso que é essa ideia de "uso", desenvolvida por Lefebvre, a que mais
se aproxima da noção de "utilização" empregada por Hoggart em sua bela discussão sobre
As utilizações da cultura, na qual também encontrei importantes referências para pensar o
que, aqui, chamo de "uso", ainda que não me reporte mais sistematicamente a esse autor
neste livro. O fato de um mesmo termo designar conceitos diferentes, nesses dois autores,
exigiu esse esclarecimento.
40
1. A escola brasileira
inscritas na esfera educativa escolar. Trata-se, portanto, de finalidades e
funções que não resultam pura e simplesmente das determinações contidas
em projetos orientados para ordenar a escola, mas que, muitas vezes, deri-
vam do choque
3
entre essas tentativas de ordenação e os usos, utilizações
e expectativas que, em alguma medida, constituem o "caos" que se busca
ordenar por meio de medidas reguladoras (Lefebvre, r 98o).
Com isso, enfatizo que a acentuação de uma função específica, abstrata-
mente definida, ou mesmo a acentuação do grau de sistematicidade que a
função educativa adquire na escola, em contraste com a educação realizada
pela família e outras instâncias da vida social, bem como sua imposição sobre
essas "formas básicas de educação" (Petitat, 1994, p. 194-200), pode não
ajudar na definição da escola quando se constata que, às ações propriamente
educativas da instituição escolar, agregam-se outras, relacionadas ao seu
modo de presença na vida social, particularmente às suas funções em relação
ao sistema produtivo (Frigotto, 200 r a) e à sua posição na estrutura estatal.
Ações que, mesmo apresentando implicações educativas, são irredutíveis
ao processo educativo escolar, em sentido estrito, e mesmo à função de
educar, em sentido amplo.
A materialidade da escola como equipamento de uso coletivo ecomo
lugar de encontro, a cotidianidade de seu uso, sua vinculação implícita ou
explícita a outras instituições, entre outros aspectos, fazem da escola uma
instituição social saturada de significações e dimensões que extrapolam
certos limites de sua "especialização" convencional. A análise da formação
histórica da escola deve considerar isso, sob pena de não apreender a mo-
dulação de seus sentidos mesmo no plano educacional.
3 A referência de fundo, aqui, é a formulação a respeito do processo histórico, de suas
contingências e irredutibilidades às intencionalidades dos indivíduos e dos projetos, tal
como contida na passagem dos Grundrisse, de Marx, lembrada por Gruppi (2000, p. 1 H):
"Portanto, embora a totalidade desse movimento apareça como processo social, e embora
os momentos singulares do mesmo tenham sua origem na vontade consciente e nos ob-
jetivos particulares dos indivíduos, a totalidade do processo aparece como um contexto
objetivo que surge espontaneamente. Tal movimento se produz certamente a partir do
choque recíproco dos indivíduos conscientes, mas nem se encontra na consciência deles,
nem eles o subsumem a si enquanto totalidade".
Escola pública e pobreza no Brasil
A tendência a tratar como equivalentes o"escolar"e o"educativo"dificulta
a apreensão e a análise nessa perspectiva. Pode, de um lado, representar sérias
reduções conceituais e analíticas, na medida em que implique reconhecer
como constitutivo da escola apenas o que puder ser reconhecido claramente
como educativo ou, em sentido mais restrito, pedagógico, deixando de fora
o que não se encaixar nessas categorias. Mas pode também, inversamente,
representar um alargamento indiscriminado do significado de "educativo" e
de "pedagógico", na medida em que a todo e qualquer elemento observado
na investigação da escola seja atribuído um sentido educativo que, apesar de
ser apenas secundário ou, muitas vezes, fortuito e remoto, é deslocado para o
centro da análise, contribuindo pouco para sua explicação. Daí a importância
de esclarecer o que se entende, aqui, por esses termos.
Penso que, na análise da escola, esses dois termos apresentam abran-
gências e características razoavelmente distintas, equivalendo a diferentes
planos de investigação e análise. O plano educativo comporta, por certo, as
ações mais direta e sistematicamente dirigidas para o processo de ensino
e aprendizagem, em sentido estrito, previsto programaticamente e, por-
tanto, referido ao planejamento e ao controle das ações constituídas como
meios específicos para sua consecução. Envolve, porém, outros conjuntos
de ações e práticas orientadas para fins diversos, não necessariamente para
o processo sistemático de ensino e, no entanto, portadoras de intenções e
potencialidades para produzir certos"efeitos" educacionais. Exemplo disso
são as medidas disciplinares de caráter geral que, em princípio, podem
ter apenas o objetivo de ordenação e controle das práticas e das relações
escolares com vistas ao funcionamento rotineiro da instituição, mas que,
subsidiariamente, repercutem na formação de hábitos e formas de conduta,
na incorporação de códigos morais e hierarquias relativas à cultura ou à
autoridade institucional.
Já o plano escolar4
parece-me ainda mais amplo, contendo o educativo
como elemento forte de sua estrutura, mas abrangendo outros elementos
4 Ahierarquia aqui proposta não é válida, certamente, para a analise de qualquer objeto.
Na analise de práticas sociais diversas, por exemplo, parece-me claro que o plano mais
amplo é o educacional, já que se refere a processos, práticas e ações que se põem além ~
! 1. A escola brasileira
irredutíveis a esse plano, ainda que repercutam forte ou remotamente
em termos educativos. Estão implicadas, nesse caso, variações históricas
importantes a respeito de diferentes usos e utilizações do aparato insti-
tucional escolar para finalidades não inscritas nos conjuntos de meios e
fins pertinentes ao plano educativo. A instalação de postos de atendimen-
to médico dentro do estabelecimento escolar, ou a utilização do aparato
institucional escolar para a implantação de um programa assistencial, por
exemplo, ilustra bem esse caso, especialmente quando tal utilização se es-
tende a ponto de atingir a estrutura da escola, inserindo-se nela de forma
orgânica e, portanto, influindo no conjunto de seus sentidos e em todo o
seu modo de operar.
Apreender essa multiplicidade de sentidos - impalpável numa definição
genérica de escola - implica considerar especificidades só reveladas por
meio de aproximações de uma gama de processos atuantes em sua formação.
Daí a necessidade de situá-la histórica e geograficamente. Mas as definições
construídas sobre recortes de tempo e espaço excessivamente amplos podem
também representar limites que devem ser observados.
Éo que ocorre com a categorização "escola ocidental moderna", usada
na historiografia educacional para fazer referência às formas históricas de
escola que tiveram curso, no mundo ocidental, com a formação do Estado
moderno, a Revolução Industrial e a urbanização, fenômenos em relação
aos quais se encontra fortemente vinculado o surgimento dos sistemas de
ensino dos Estados nacionais. Trata-se de uma categorização que só ajuda na
definição da escola se não resvalar para a atribuição de uma suposta homo-
geneidade de forma, estrutura e função a conjuntos de instituições escolares
extremamente variados, porque formados em circunstâncias econômicas,
·culturais e societárias particulares. Na verdade, a validade de uma categoria
de tal grau de generalidade só é assegurada, a meu ver, se atuar como uma
referência de fundo que, ao ajudar, de um lado, a assinalar traços comuns
~e englobam a ação educativa escolar. Na análise da escola, no entanto, especialmente da
brasileira, a proposição do plano escolar como plano analítico mais amplo permite abarcar
aspectos fundamentais que ficariam de fora se todo o percurso analítico fosse referido ao
plano educacional.
43
Escola pública e pobreza no Brasil
devidos a processos históricos amplos e fortemente disseminados, possibilite,
de outro, acentuar, por contraste, particularidades devidas a processos mais
específicos. Por "específicos", aqui, não faço referência a processos suposta-
mente determinados apenas por acontecimentos próprios de um lugar, mas
ao modo particular como, numa escala mais precisa - de uma cidade, uma
região, um país-, são conjugados ou entram em tensão ações, forças sociais
e acontecimentos locais e de outras escalas.
Dito de outra forma, a referência a uma "escola ocidental moderna"
deve, no mínimo, suscitar um movimento analítico de mão dupla, por meio
do qual seja possível, por um lado, reconhecer nas instituições escolares de
diferentes países ocidentais, particularmente sob o modo de produção ca-
pitalista, elementos mais disseminados que permitem perceber, em meio às
variações devidas à história de cada lugar, traços comuns que lhes dão algum
sentido de conjunto, quando comparadas a instituições escolares inscritas
em outros modos de produção e outras formações societárias. Por outro
lado, o ponto de chegada desse movimento não pode ser o desenho de um
"modelo" que, projetado sobre escalas de tempo e espaço menos amplas,
impeça a apreensão de importantes particularidades na configuração de
formas históricas que a escola adquire em face de percursos econômicos,
culturais e societários peculiares, como no caso de um país ou uma região.
No contexto ocidental moderno, mesmo aquelas características mais disse-
minadas das instituições escolares delineiam-se conforme esses percursos,
constituindo particularidades que não são simples variações superficiais de
um mesmo modelo, nem simples elementos acessórios a uma estrutura
sem variações. São particularidades que designam produções de sentido
diverso, e é isso que deve interessar à análise.
A importância analítica tanto desses traços mais difundidos quanto
dessas particularidades, que aproximam e distanciam conjuntos diversos de
instituições escolares, de modo algum se restringe à compreensão da"escola
em si". Ao contrário, desdobra-se na própria realidade social em que ela é
produzida, de tal modo que a análise da escola pode constituir uma forma
de entrada na compreensão dessa realidade, possibilitando rastrear as forças
mais atuantes, os processos mais disseminados, os valores mais enraizados
44
1. A escola brasileira
em cada escala de tempo e espaço. O estudo dos aspectos particulares,
inclusive, pode auxiliar na apreensão de movimentos na estrutura mais
ampla, na medida em que estes sejam expressão de formas de resistência
às forças, aos processos e aos valores mais disseminados. Tais resistências
podem manifestar-se como oposição a um modo instituído - ao menos
sempre que assumirem a forma de um enfrentamento direto, um confronto
- ou como afirmação de outro modo de agir ou operar (Heckert, 2004),
por meio, por exemplo, da instauração de um uso transformador ou da
atribuição de um sentido novo (Ribeiro, 2000) a um mecanismo produzido
para cumprir uma função instrumental em uma lógica dominante.5
A acentuação das particularidades, de todo modo, remeterá para o
reconhecimento de formas históricas de escola cujo sentido de conjunto
não é dado simplesmente por uma coerência formal interna do grupo de
instituições sob estudo, por sua aparente unicidade de forma ou pela com-
plementação funcional entre seus diversos elementos. Decerto, concorrem,
para esse sentido de conjunto, reiterações, regularidades e complementa-
ridades, mas não apenas no sentido das coesões. A apreensão da persistên-
cia e da reiteração (inclusive por meio de atualizações) de contradições,
res:stências e tensões pode falar mais a respeito do sentido de conjunto de
um grupo de instituições do que o detalhamento de suas conformidades. A
atenção nas tensões e contradições ajuda a lembrar que um conjunto não é
necessariamente um agrupamento estável numa estrutura estável. Inclusive,
a condição de persistência de alguns de seus traços pode ser exatamente a
instabilidade, de maneira que seu aparente desaparecimento ou atenuação,
seu esquecimento temporário, é o que permite seu "reaparecimento", for-
talecido, em outra conjuntura (Gramsci, 2002). Por isso, a apreensão de
um sentido de conjunto requer obrigatoriamente que seus possíveis traços
constitutivos sejam rastreados na história, não apenas porque se modificam
5 A menção às resistências, aqui, comporta duas acepções igualmente importantes: con-
trapcsição ou afirmação de uma perspectiva de ação diferente das perspectivas instituídas. A
respeito da resistência como afirmação de um modo diverso de agir ou de valores diversos
dos instituídos, ver Ana ClaraTorres Ribeiro (2000, p. 13-24) e Ana Heckert (2004).
45
Escola pública e pobreza no Brasil
ao longo do tempo, mas porque alguns só se revelam como tais quando
vistos em movimento.
Além disso, por fim, será necessário considerar que tal sentido não
se constitui apenas a partir de elementos "internos" à própria escola ou a
um campo escolar. Contam aqui também, fortemente, os elementos que
só se desenham nas relações entre a escola e outras instituições, campos ou
mesmo práticas sociais. Isso significa dizer (e retorno ao início desta dis-
cussão) que não se reconhece uma instituição especializada apenas por sua
estrutura organizacional "interna", mas obrigatoriamente por sua situação
numa estrutura mais ampla, na qual mesmo as instituições "especializadas"
acabam por se definir por um conjunto de funções nem sempre percep-
tíveis de imediato e que, por vezes, se conflitam, só sendo apreensíveis se
for considerada a forma histórica que tal instituição adquire em face das
relações implicadas em seus usos e utilizações, nas disputas de projetos que
aí se enunciam, nos "ajustes" de funções mediante sua posição num sistema
mais abrangente de instituições, entre outras. Sendo formada nas relações
implicadas nos projetos que para ela se dirigem, em seus usos e utilizações
e, ainda, nas relações com outras instituições, só pelo desvendamento dessas
relações pode-se compreender uma instituição especializada, inclusive no
caráter de sua "especialização".
É nesse contexto de problematizações que se pode reconhecer uma
"escola brasileira" sem, com isso, postular uma unicidade de forma. Seu
sentido de conjunto, nesse caso, não é definido simplesmente por sua con-
dição jurídico-institucional - relativa ao fato de situar-se em território
brasileiro e de constituir-se conforme as normas legais do país-, mas,
principalmente, pela especificidade de traços comuns, complementaridades
e contradições que demarcam tanto sua estrutura organizacional interna
quanto sua situação e sua forma de presença no contexto da vida social do
país e, portanto, num conjunto de relações mais amplas. São traços que
permitem agregar, sem homogeneizar, instituições escolares diversas e
aspectos diversos que participam de sua constituição, reconhecendo entre
eles conexões dotadas de especificidade histórica.
1. A escola brasileira
2. I. FORMA HISTÓRICA E SISTEMA
É importante, neste ponto, assinalar diferenças entre a formulação aqui
apresentada e conceitos bastante usados no campo educacional, para evi-
tar que eles sejam tomados como similares. Um desses conceitos é o de
"forma escolar"; ao contrário da noção de "forma histórica da escola",
aqui explorada com o intuito de acentuar as diferenciações que derivam
do caráter histórico de sua formação como instituição social especializada,
comumente designa uma forma de realização da educação, indissociável
da emergência do ensino coletivo simultâneo e de sua gradual imposição
(sem substituir por completo) sobre outras formas educativas, como as que
ocorrem por meio das relações familiares ou em outras instâncias da vida
social (Petitat, 1994). Seus traços mais facilmente identificáveis na forma
organizacional peculiar que o processo educativo adquire - envolvendo
o ordenamento da relação entre professor e alunos, dos procedimentos de
ensino e aprendizagem, do tempo e do espaço, bem como a organização
seletiva do conhecimento acumulado, entre outros aspectos - remetem
a mudanças societárias importantes, como a constituição de um universo
separado para a infância (Vincent, Lahire eThin, 2oo r), a intensificação da
organização racional do tempo mediante sua extensão para processos forma-
tivos socialmente abrangentes, a emergência de uma instância de socialização
sobreposta a outras instâncias formativas menos abrangentes. No entanto,
mesmo essas mudanças tendem a ser consideradas em seus aspectos mais
generalizáveis, confirmando a tendência de utilização da expressão "forma
escolar" para designar uma categoria genérica, um9ênero de relação educativa
cujas características centrais podem ser observadas numa variedade muito
grande de formas históricas de realização de tais relações.
Note-se, ainda, certa autonomia do termo em relaç.ão ao conceito de
"instituição escolar". Certamente, a emergência de uma "forma escolar"
é indissociável do surgimento de instituições educativas especializadas, às
quais cabe realizar um tipo particular de formação. No entanto, tão logo
essa forma de relação educativa constitui-se como um gênero próprio,
torna-se "utilizável" na consecução de processos educativos não neces-
47
Escola pública e pobreza no Brasil
sariamente realizados por tais instituições. Em contrapartida, é possível,
também, postular que a definição de instituição escolar, se não chega a
independer da definição de forma escolar, ao menos não é redutivel a ela.
Todos esses aspectos diferenciam essa formulação, em pontos essenciais,
da que se busca elaborar aqui por meio da discussão da formação histórica
da escola brasileira.
Outro conceito em relação ao qual é necessário estabelecer diferencia-
ções é o de "sistema de ensino" (ou, ainda, sistema escolar ou educacional),
que tentei evitar sempre que o objetivo era fazer referência ao sentido de
conjunto de um grupo de instituições escolares, histórica e geograficamen-
te situadas. Os motivos disso, no entanto, foram diferentes do primeiro
caso. No campo educacional, o termo "sistema" está fortemente vinculado
à forma jurídico-institucional que define, a partir do âmbito estatal, as
regras pertinentes à realização da educação escolar. Falar em "sistema de
ensino" ou"sistema escolar", no campo educacional, remete diretamente às
normas que regem o ensino regular - dispondo a respeito das condições
de sua realização em termos de ordenamento interno (sequenciamento,
hierarquizações e variações dos níveis e modalidades de ensino)-, à or-
ganização e ao funcionamento dos estabelecimentos escolares, às regras de
acesso, aos requisitos relativos à função docente e demais funções especiali-
zadas, entre outros aspectos. Como a referência à escola, neste livro, busca
exatamente considerar aspectos que estão além do processo educativo e
de sua normatização oficial, o uso do termo "sistema", na designação da
escola, mostrou-se desde o início problemático, já que poderia induzir a
um entendimento diverso do pretendido.
Seria temerário, contudo, desprezar as possibilidades conceituais e ana-
líticas contidas tanto na noção de sistema de ensino quanto na noção socio-
lógica, mais ampla, de sistema. No caso do "sistema de ensino", é preciso
ter em conta que a ordem jurídica, certamente, tem importância elevada
na determinação e na compreensão de aspectos relevantes da formação da
escola. Mas essa relevância não se deve apenas ao fato de essa ordem atuar
sobre a formação da escola, no sentido de sua conformidade a certos parâ-
metros.Deve-se, também, ao fato de que uma ordem jurídica é expressão
1. A escola brasileira
de práticas sociais e relações de forças que antecedem e atravessam seu
estabelecimento formal.
Há sempre o risco, todavia, de que o estudo da escola, como estudo do
sistema de ensino, valorize apenas os aspectos das práticas sociais que, em
algum momento, assumiram uma forma jurídica, deixando em segundo
plano os demais aspectos. No entanto, o fato de que certos elementos conti-
dos nas práticas não tenham tomado a forma de uma disposição jurídica não
representa que eles sejam irrelevantes na formação da escola. Ao contrário,
há numerosos traços relevantes do ponto de vista da formação histórica
de uma instituição que podem ser irrelevantes do ponto de vista de sua
definição jurídica,6
o que remete à necessidade de o estudo da organização
sistémica da escola não se restringir ao plano jurídico-institucional.
Numa perspectiva sociológica ampla, um sistema será sempre mais que
os elementos contidos em sua normatização oficial. Um sistema social,
tenha ele caráter geral ou específico, referente a uma unidade da vida social
(uma instituição, por exemplo), é constituído por elementos que atuam no
ordenamento de ações, processos e relações sem que, para isso, tenham sido
objeto de alguma regulação formal. É nesse sentido, inclusive, que Gramsci
propõe a ampliação do conceito de "direito", de modo a incluir
aquelas atividades que hoje são compreendidas na fórmula"indiferente jurídico"
e que são de domínio da sociedade civil, que atua sem"sanções"ou"obrigações"
taxativas, mas que nem por isso deixa de exercer uma pressão coletiva e de
obter resultados objetivos de elaboração nos costumes, nos modos de pensar
e de atuar, na moralidade etc. (2ooob, p. 23-4).
6 Sigo, a respeito, um princípio enunciado por Weber ( 200 r, p. 2 )O). Ele alerta para o
fato de que, ainda que a ordem juddica tenha importância elevada na determinação e na
compreensão de fatos relevantes sob outro ponto de vista (econômico, por exemplo), e
ainda que ela represente, de alguma maneira, um ponto de chegada das práticas sociais,
de modo algum deve ser tratada corno se fosse idêntica a outra ordem ou ao âmbito mais
amplo da vida social em que essa ordem se inscreve.
49
Escola público e pobreza no Brasil
Tendo-se isso como referência, mesmo numa análise circunscrita ao âmbi-
to estatal será possível reconhecer que parte da organização sistêmica de uma
instituição social não resulta de suas regulações oficiais, mas de atividades,
práticas e utilizações que, apesar de não previstas nas normas legais, têm a
força de uma lei. A menção à organização sistêmica de qualquer âmbito da
vida social não deve ater-se aos elementos que compõem sua organização
oficial, mas envolver os demais elementos e conexões que concorrem para
sua forma predominante de realização, orientada para determinados fins.
Épreciso, ainda, atentar para o fato de que a totalidade sob investigação
será sempre algo mais amplo que sua organização sistêmica. Ganha sentido,
aqui, o alerta de Lefebvre ( 1980) a respeito da utilização indiscriminada
do conceito de sistema e dos riscos de sua redução a uma forma modelar,
indutora da busca de regularidades e coerências estáticas que, enfatizadas,
tendem a destacar cristalizações em que se trata de flagrar movimentos. Na
perspectiva que reduz tudo àorganização sistêmica, a ênfase pode recair com
tal intensidade sobre as coesões que é apagado o movimento contraditório
no qual numerosas diferenças são produzidas, de modo que, da diferença,
só aparece o que foi capturado e incorporado à organização sistêmica como
elemento subordinado e instrumental. o mesmo se pode dizer das comple-
mentaridades, que em geral aparecem como dadas, apagando-se as tensões
que precedem os planejamentos, os ajustes, as regulações e os regulamentos.
As tensões, assim, só aparecem corno disfunções a serem superadas.
Há o risco, portanto, de apagamento ou atenuação do movimento his-
tórico que forma e modifica a própria organização sistêmica. Esta, em sua
versão modelar, tendo em vista o grau de coerência que lhe é atribuído,
torna-se fortemente irnpositiva. Projetada sobre o processo histórico, pode
fazer pensar o sistema como ''bem constituído desde a sua formação, com
todos os seus órgãos" (ib., p. 235), quando, na verdade, sob a Ótica da vida
social, "nunca existe um sistema acabado, mas esforço no sentido da siste-
matização - no sentido da coerência e da coesão - a partir das relações
de produção e das suas contradições" (ih., p. 2 35, grifos do autor). São esfor-
ços dirigidos à tentativa de "extrair urna coesão do caos das contradições,
apoiando-se nos mecanismos reguladores" (ih., p. 2 3_s--6), remetendo, pois,
i;o
1. A escola brasileira
ao estabelecimento de ordenações que implicam a seleção e a normatização
de sequenciamentos, segmentações, conexões, hierarquias. Por meio deles,
busca-se regular ações, induzir processos, reconhecer ou invalidar direitos e
deveres, e, com isso, controlar e reduzir conflitos, atenuar suas consequên-
cias, como forma de garantir a "governabilidade" dos processos.
Tudo isso serve de alerta a respeito dos caminhos a serem tomados na
investigação e análise da forma assumida pela escola em determinado país,
região, cidade. Em primeiro lugar, para não reduzi-la à sua organização
sistêmica. Em segundo, para ser possível considerar sua própria organi-
zação sistêmica como inscrita numa problemática societária, econômica
e política, o que pressupõe entendê-la como inacabada e aberta, sujeita
a contradições, muitas vezes resultantes dos próprios mecanismos origi-
nalmente criados com a finalidade de ajustar e regular o sistema, mas que
apresentam desdobramentos não previstos, capazes, inclusive, de levar o
sistema a urna situação de crise e explosão. Senão, como explicar a escola
em seu movimento histórico (e portanto sempre inacabado) de formação e
mudanças, se a busca das coesões vier a abafar os choques, as contradições,
as tensões que provocam parte fundamental de seus movimentos? Corno
apreender os "pontos comuns" que se formam não apenas no sentido da
conformidade a um Único fim, mas também no da agregação de resistências
e da produção de novas finalidades que concorrem com outras já instituídas?
Como, por fim, entender as complementaridades, além de seus sentidos
instrumentais, como resultado de aproximações históricas atravessadas por
múltiplos proces~os e saturadas de múltiplas significações?
A tentativa de pensar as formas históricas assumidas pela escola, a partir
dessas questões, parece exigir urna recusa de sua identificação direta com
·os "sistemas de ensino", mas, ao mesmo tempo, o reconhecimento de que,
para a produção histórica dessas formas, concorrem, entre outros impulsos,
aqueles implicados nos esforços dirigidos à sua sistematização. Diferente-
mente da ênfase no "sistema" como modelo acabado, a consideração dos
"esforços de sistematização" pode melhor permitir, quando necessário,
deslocar o foco da análise para o que está além do regulamento e é irredu-
tível a ele, o que só é explicável se for levado em conta o que resulta não
Escola pública e pobreza no Brasil
apenas da vontade e dos objetivos dos indivíduos e grupos, mas, como já
dito, do choque entre eles.
Mesmo que o estudo da escola se debruce sobre os esforços de sistemati-
zação, e não, por exemplo, sobre seus usos, ainda assim os usos, em alguma
medida, serão visíveis, pois os esforços de sistematização, como tentativas
de domínio que são, sempre indiciam algo sobre a realidade que se quer
ver domada. Um estudo da escola, nessa perspectiva, não será nunca um
estudo pura e simplesmente das ações "do Estado", mas das forças que mais
intensamente participam na conformação dessas ações e de outras forças
que, deliberadamente ou não, afirmam ou indiciam ações em outras dire-
ções, pondo-se em franca contraposição ou apenas em posição de tensão e,
em alguns casos, apontando tentativas de sistematização de sentido diverso
daquele proposto nas ações estatais.
A delimitação de diferenças entre as formas históricas da escola, sua or-
ganização sistêmica ampla e os sistemas formais de ensino, que, no mínimo,
são diferenças de abrangência, é feita, aqui, com o intuito de explicitar que
a investigação do nível mais amplo implica considerar os outros dois níveis
em sua composição. A opção pelo termo "forma histórica de escola" parte
do entendimento de que ele comporta a organização sistêmica assumida pela
escola, que é dinâmica, mas se abre a aspectos não necessariamente contidos
nessa organização, que podem apontar, inclusive, para os movimentos que se
formam no sentido de modificações não instrumentais ao sistema vigente.
Não quero, com estas observações, invalidar orientações analíticas que
permitem outras formas de "entrada" na problemática contemporânea
da escola. Nem pretendo desqualificar recortes feitos com o intuito de
permitir a investigação mais detalhada de um aspecto ou processo atuante
num fenômeno mais amplo. Apenas busco explicitar o rumo tomado neste
trabalho e o fato de que ele resulta de uma tentativa de construção (feita
de inúmeras apropriações) de caminhos que me pareceram garantir me-
lhor a aproximação analítica de uma forma histórica de escola dotada de
especificidades e contradições. São caminhos oportunos frente ao interesse
de entendimento não só dos impasses e desafios da escola "em si", mas da
própria formação societária e política brasileira que com essa escola está
1. A escola brasileira
implicada, tendo em vista, como já apontado, que o estudo da escola no
Brasil pode representar a interpretação de processos e fenômenos que têm
papel nuclear na própria organização social e política brasileira.
3. O sentido das mudanças
Feitas essas observações, é preciso reconhecer que a investigação da escola
brasileira conforme o movimento apontado, por diversas vezes, a mim
mesma pareceu perigosa. Havia o risco de estar procurando chifres em
cabeça de cavalo.
A política educacional da década de r990, especialmente a partir da
primeira gestão do presidente Fernando Henrique Cardoso, do Partido da
Social Democracia Brasileira (PSDB), iniciada em r 99 5, entranhara for-
temente o debate sobre a escola brasileira nos problemas da eficiência do
ensino e de sua baixa produtividade. A situação do ensino não era mesmo
de se negligenciar. Transcorridos mais de vinte anos do início da última
grande reforma educacional de abrangência nacional, conduzida pela lei
5 .69 2 / r97 r, o que se destacava no panorama da escolarização nacional era
a persistência de antigos problemas relativos ao ingresso, àpermanência e à
formação escolar. Ficando apenas nas informações relativas ao rendimento
escolar, pelos dados do Censo Escolar de r994, realizado pelo Ministé-
rio da Educação (MEC), dos 31.910.974 alunos matriculados no ensino
fundamental, apenas 67, 2% haviam sido aprovados, r 6, r 2% haviam sido
reprovados e os demais r 6,67% formavam um conjunto provavelmente
composto por matrículas duplicadas ou transferências, mas também, e
principalmente, por alunos evadidos, muitas vezes por terem como certa
a reprovação. Na primeira série desse nível de ensino; o índice era ainda
pior: apenas 57,49°/o tinham obtido aprovação.
Somando-se a isso a maior visibilidade de problemas como a violência,
a indisciplina e a depredação do espaço escolar - fenômenos comumente
associados, entre outros aspectos, ao recrudescimento da pobreza, ao qua-
dro de degradação da vida urbana e à deterioração dos serviços públicos
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  • 2. Em estudos clássicos do pensamento social brasileiro, autores como Horestan Fernandes e Francisco de Oliveira mostram que a conjugação instrumental entre o arcaico e o moderno é marca fundamental da nossa forma específica de sociedade, já que é a partir dessa conjugação c1ue a burguesia garante os excedentes econômicos e de poder com os quais mantém e amplia seus privilégios. Por isso, nos países capitalistas dependentes, como o Brasil, a desigualdade não é um dado transitório, mas um elemento estruturante da vida social, política e econômica, influindo nas formulações de direitos sociais e na produção das políticas públicas que, cm tese, deveriam garantir o exercício dos direitos sociais. Tendo por base essas formulações, facola ptíblica e pobreza no llrasil, de Evclinc Algebailc, analisa os vínculos históricos entre a expansão escolar pública e a gestão da pobreza, no contexto brasileiro, mostrando como a lenta universalização do acesso à escola elementar para os pobres foi acompanhada de formas ele expansão da esfera escolar que resultaram numa "ampliação para menos". O baixo investimento na educação pública, a reiterada precariedade das instalações escolares e das condições de trabalho docente e o uso instrumental da escola para a realização de tarefas que deveriam estar a cargo de outras políticas sociais, como as de saúde, cultura e assistência, desviaram o trabalho escolar de sua cspecilkidade e esvaziaram a escolarização como direito social ao conhecimento e à cultura. Escola pública . e pobreza no Brasil
  • 3. Esta obra foi composta em Perpetua, fonte criada em 192 5 por Eric Gil!. , Impressa cm papel offset 7sglm2 pelaVozes para a Lamparina Editora cm setembro de 2009. T Apoiado cm rigorosa pesquisa no campo da educação, o livro traça um quadro amplo das relações históricas entre política educacional e política social, analisando as múltiplas feições que essa relação adquire ao longo do tempo, cm especial no contexto das mudanças econômicas, políticas e societárias cm curso desde a década de 1970. A partir desse quadro, caracteriza a reforma educacional empreendida pelo nível federal de governo, nos anos 1990, analisando seus efeitos na reconfiguração da oferta escolar por parte de estados e municípios, hem como seus nexos com o ajuste do Estado ocorrido nesse pedodo, particularmente no caso da utilização do setor educacional para a implementação dos programas sociais focais de nova geração. Eveline Alaebaile é doutora cm Educação pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e professora de Políticas Públicas c Educação da Faculdade de Formação de Professores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (FFP/Uerj).
  • 4. Escola ptíbliü1 e pobreza no Brasil: a ampliação pdm menos En::linL· Algebaile ':0 Lamparina editora Preparação Daniel Seidl Rerisc.lo Angelo Lessa Projero aréifico, diagramação e capa Aman<la Meirinho O texto deste liHo foi adaptado ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, assinado em t 990, que cmneçou a 'igorar e1n 1º ele janeiro de 2009. Proibida a repmdução, total ou parcial, por gualguer meio ou processo, seja reprográfko, fotográ- fico, gráfico, microf11magem etc. Estas proibições aplicam-se também às características gráficas e/ ou editoriais. A ,·iolação dos direitos autorais é punível como crime (Código Penal, art. 184 e§~; Lei 6.895/80), com busca, apreensão e indenizações diversas (Lei 9.610/98 - Lei dos Direitos Autorais-arts. 122, 123 1 124e 126). Catalogação na fonte cio Sindicato Nacional dos Editores de Livros Algcbaile, Eveline Escola pública e pobreza no Brasil: a ampliação para menos / Eveline Algebaile - Rio de Janeiro: Lamparina, Faperj, 2009. 2.000 exemplares. Inclui bibliografia ISBN 978-85-98271-70-5 1. Educação e estado - Brasil. 2. Escolas públicas - Brasil. 3. Política e educação. 4. Pob1·eza - Brasil. 1. Título. Lamparina editora CDD: J79.81 CDU: J7.014.5(81) Rua Joaquim Silva, 98, 2° andar, sala 201, Lapa Cep 20241-11 O Rio de Janeiro RJ Brasil Tel./fax: (21) 2232-1768 lamparina@lamparina.com.br Escola pública e pobreza no Brasil A ampliação para menos Eveline Algebaile tf}JFAPERJ lamparina
  • 5. Para Faid e Thereza, meu chão, e para Floriano e Marina, meu luga::- no mundo. Sumário Siglas p. 7 Índice de tabelas, gré:ficos equadros p. 9 Apresentação p. r 3 VictorVincentValia Prefácio p. r 7 Gaudêncio Frigotto Introdução p. 2) J.A escola brasileira: primeiras aproximações p. 3) r . As duas filas p. 3) 2. Sobre as possibilidades de falar numa "escola brasileira" p. 38 2. r . Forma hist6rica e sistema p. 47 3. O sentido das mudanças p. ) 3 3. r . Os encantamentos da modernização p. ) ) 3. 2. A crise da escola p. 68 3. 3. Reforma e correção p. 76 4. Elos perdidos p. 88 2.A expansão da '?farta educacional p. 9 r r . Aoferta educacional p. 9 r 2. Os mínimos em educação p. 94 2. r . A educação mínima no Brasil p. 96 2. 2. O tempo de escolarização p. r r4 3. Entre a expansão e o encurtamento p. r r 6 4. Que escola para quem? p. r 2 2 4. r. Épreciso construir escolas p. r 24 4. 2. Uma capacidade inesgotável de produzir desigualdades p. r 3 r 4. 2. r. As "soluções de emergência" 1 p. r 3) ) .Épreciso construir escolas? p. r 4 r
  • 6. 3. Orobustecimento da escola p. 145 r. Os"deslirnites" da expansão p. r 41" 2. Polltica social e expansão escolar p. r 50 3. As utilizações <la escola: entre o pioneirismo e a conciliação p. r 59 3. r. A saúde escolar p. 170 3. 2. As "aberturas" da escola p. r 80 3. 3. As "instituições escolares" p. r 89 4. A escola corno "excedente de poder" e os "problemas da fé" p. r 98 5. A expansão escolar como robustecimento p. 2 r r 4. Onora ciclo de e.~pansão p. 2 2 r r •A escola pública àbrasileira p. 2 2 r 2. A"pragmática <las portas": política social e pobreza na década de 1990 p. 2 26 2. r . O contexto mundial das mudanças p. 2 29 2. 2. Novas forças sociais e pobreza no Brasil cios anos l980 e l990 p. 235 2. 3. A retração dos direitos nos anos r 990 p. 246 2 + Os sentidos da focalização p. 2 58 3. As mudanças na política educacional p. 2 63 3. 1. A reforma em linhas gerais p. 268 3. r . r . A"reforma curricular" p. 272 3. 1. 2. A"reforma financeira" p. 2 76 3. 2. Novos impulsos à"expansão da oferta" p. 2 80 3. 3. "Pequenas" manipulações cio tempo p. 2 89 3.4. "Pequenas" manipulações do espaço p. 296 3. 5. Escolas invisíveis p. 3o3 4. Velhas novas utilizações <la escola p. 309 4. r. Os programas de renda mínima e a escola p. 3lo 4. 2. O Bolsa Escola Federal e a migração de tarefas p. 3 l4 4. 3. O cadastramento dos pobres p. 32o 5. Uma escola pobre para os pobres p. 324 Considerações.finais: A escola pública como "Estado dos pobres" no Brasil p. 32 7 Referências p. 337 Siglas ABE ADCT BIEN BPC CA CBPE CEF CF ClAC CIEP EC EJA FMI FNDE FUNDEF ·113GE INEP IPEA Associação Brasileira de Educação Ato das Disposições Constitucionais Transitórias Rede Europeia de Renda Básica Benefício de prestação continuada Classe de Alfabetização Centro Brasileiro de Estudos Pedagógicos Caixa Econômica Federal Constituição Federal Centros Integrados de Atendimento à Criança Centro Integrado de Educação Pública Emenda Constitucional Educação de jovens e adultos Fundo Monetário Internacional Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas IPTu Imposto Predial e Territorial Urbano LDB Lei de Diretrizes e Bases LOAS Lei Orgânica de Assistência Social 7
  • 7. Escola pública e pobreza no Brasil MEC MOBRAL MST OIT ONG PCNS PDDE PDT PETI PFL PGRM PMDB PMDE PNAD PNE PRODASEC PRONASEC PSDB PT RBEP RMV SAEB SEE SEES SME sus UERJ USAID 8 Ministério da Educação Movimento Brasileiro de Alfabetização Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra Organização Internacional do Trabalho Organização não governamental Parâmetros Curriculares Nacionais Programa Dinheiro Direto na Escola Partido Democrático Trabalhista Programa de Erradicação do Trabalho Infantil Partido da Frente Liberal Programa de Garantia de Renda Mínima Partido do Movimento Democrático Brasileiro Programa de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Pesquisa Nacional de Amostra Domiciliar Plano Nacional de Educação Programa Nacional de Ações Sócio-Educativas e Culturais para as Populações Carentes Urbanas Programa Nacional de Ações Sócio-Educativas e Culturais para o Meio Rural Partido da Social Democracia Brasileira Partido dos Trabalhadores Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos Renda Mensal Vitalícia Sistema de Avaliação da Educação Básica Secretaria Estadual de Educação Serviço de Estatística da Educação e Saude Secretaria Municipal de Educação Sistema Único de Saude Universidade do Estado do Rio de Janeiro United States Agency for lnternational Development 1 Indice de tabelas, gráficos e quadros Tabelas Tabela l P· l 17 Pessoas de lo anos ou mais de idade, variação percentual e percentual acumulado, por grupos de anos de estudo - Brasil - 1991/2000 Tabela 2 Distribuição das pessoas com lo anos ou mais de idade com p. ! 37-8 rendimento e variação percentual por classe de rendimento nominal mensal - Brasil - 1980/2000 Tabela 3 P· 2 39 Tabela 4 p. 28 1 Tabelai; P· ~84 Tabela 6 p. 23 i; Distribuição do rendimento nominal, segundo as classes de percentual das pessoas de lO anos ou mais de idade, em ordem crescente de rendimento - 1960/ 2000 Matrículas no ensino fundamental regular por dependência administrativa, segundo o ano inicial das três ultimas gestões do governo federal- Brasil/Regiões - 199i;I 2003 Matrículas no ensino fundamental regular no Brasil e variação percentual, por série, segundo o ano inicial das três ultimas gestões do governo federal- Brasil- 199i;/2003 Número de turmas no ensino fundamental regular e variação percentual por série - Brasil - 1997I 2003 9
  • 8. Escola pública e pobreza no Brasil Gráficos Gráfico l p. 116 Gráfico 2 P· 236 Gráfico 3 P· 240 Gráfico 4 P· 242 Gráfico i; P· 283 Gráfico 6 p. 286 Gráfico 7 p. 286 Gráfico 8 P· 287 Gráfico 9 P· 287 Gráfico 10 p. 287 10 Pessoas de lo anos ou mais de idade, variação percentual por grupos de anos de estudo - Brasil - l991/2000 Distribuição das pessoas de lo anos ou mais de idade, com rendimento, por classe de rendimento - Brasil - Salários mínimos - l 980/ 2000 Distribuição do rendimento, segundo as classes de percentual das pessoas de 1 o anos ou mais de idade com rendimento - Brasil - 1981/2000 (%) Frequência à escola, por grupo de idade e classes de rendimento familiar per capita (salário mínimo) - Brasil- 2000 Proporção de matrículas no ensino fundamental por dependência administrativa - Brasil - 199i; I 2003 (%) Matrícula no ensino fundamental regular por série - Brasil - 199i;/2003 (%) Turmas no ensino fundamental regular por série - Brasil- 1997/2003 (%) Matrículas por série nas Regiões Nordeste e Sudeste - 199i; (%) Matrículas por série nas Regiões Nordeste e Sudeste - 1999 (%) Matrículas por série nas Regiões Nordeste e Sudeste - 2003 (%) ., ",í <: w ., •. ·:~! ~1 -~ 1.1 :(J~ n iTh ~~ ~~~ ·~1 t~~ l~t ~1 f~ ~~ t~ ~Ê Quadros Quadro l p. 122 Quadro 2 P· 306-7 Índice de tabelas, 9rij1cos e quadros Taxas de atendimento, escolarização bruta e escolarização líquida relativas ao ensino fundamental e à faixa etária de 7 a 14 anos - Brasil- 1980/2000 (%) Estabelecimentos públicos de ensino fundamental - Brasil - 2003 1 1
  • 9. Apresentação 1 Victor Vincent Valla Quando EvelineAlgebaile me sondou sobre a possibilidade de orientá-la em seu doutorado em Educação, na Universidade Federal Fluminense (UFF), pedi algum tempo para avaliar as consequências de uma eventual resposta positiva sobre os compromissos profissionais que eu já havia assumido e sobre o programa de estudos que eu havia traçado. Pelas nossas experiências anteriores de trabalho e de militância política, sabíamos que aquela poderia ser uma boa oportunidade de desenvolvermos um trabalho conjunto de maior fôlego, algo já tentado em outras ocasiões, mas não concretizado devido às dificuldades de conciliação de nossas ro- tinas em instituições distintas. Porém, as exigências referentes à atuação docente na pós-graduação tornavam-se cada vez mais rigorosas, indicando a necessidade de atenção às responsabilidades implicadas em cada novo compromisso. Minhas atividades de pesquisa, docência e orientação na Pós-Graduação em Saúde Pública, na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), estavam concen- tradas na área de Educação e Saúde, com a atenção cada vez mais direcionada para as relações entre as práticas de religiosidade popular e o enfrentamento das questões de saúde por parte da população pobre, diante das omissões e da falta de resolutividade das ações do Estado. Na Pós-Graduação em Educação da UFF, eu orientava estudos na mesma área, mas minha participação, até então, limitava-se ao mestrado. Ingressar como orientador no doutorado I 3
  • 10. Escola pública e pobreza no Brasil da UFF podia representar a abertura de uma nova frente de trabalho, e eu receava que isso, naquele momento, provocasse minha dispersão em relação ao plano de estudo e trabalho com o qual eu estava comprometido. Nas conversas posteriores que tivemos, no entanto, foi ficando claro para mim que, de diversos modos, eu já fazia parte daquele projeto. Ao menos do ponto de vista do trabalho de pesquisa, não se tratava de uma nova frente, mas da possibilidade de retomada, continuidade e aprofundamento de questões que havia muito tempo me ocupavam e que continuavam pre- sentes em minhas pesquisas mais recentes, sobretudo as questões relativas ao caráter assumido pelos serviços públicos num país onde a pobreza não é um problema em vias de superação. Assim, o convite de orientação foi aceito, e logo tratamos de agregar o projeto de Eveline a um planejamento de trabalho mais amplo que, nos anos seguintes, uniu nossas pesquisas e as de outros colegas, especialmen- te Eduardo Stotz, Roseli Oliveira e Maria Beatriz Guimarães, agregando também novos pesquisadores em torno da questão da pobreza no Brasil e das formas históricas de resposta do Estado e da sociedade civil diante do problema. O trabalho produziu Ótimos frutos, como a formação de um grupo de estudos e a organização de cursos sobre o tema da pobreza, na UFF e na Fiocruz; a elaboração do livro Para compreender a pobreza no Brasil, em 2oo5, coorganizado por mim, por Eduardo Stotz e por Eveline; e, como não podia deixar de ser, a tese de doutorado de Eveline, por mim orientada e, agora, apresentada a um público mais amplo. Trata-se de um estudo cuidadoso sobre o caráter assumido pela escola pública elementar num país onde a superação da pobreza jamais compôs efetivamente a pauta política nacional. A partir da investigação das práticas históricas de utilização instrumental da escola pública para a realização de ações que deveriam caber a outras políticas setoriais sociais, como saúde e assistência, o estudo traz uma análise original da escola pública funda- mental, no Brasil, predominantemente "a escola dos pobres". Possibilita uma melhor avaliação das funções estratégicas assumidas pela expansão escolar no processo histórico de formação do Estado brasileiro, bem como 14 Apresentação no contexto atual, de seu reajuste estrutural. Nesse sentido, empreende, igualmente, rico exame ela história da constituição e da contenção do acesso dos pobres aos direitos sociais no País, evidenciando a desigualdade como marca estrutural de nossa organização social, econômica e política. Na defesa da tese que deu origem a este livro, a banca examinadora, composta pelos professores Gaudêncio Frigotto, Nicholas Davies,Ana Clara Torres Ribeiro e Roberto Leher, foi unânime em recomendar sua publica- ção na íntegra. Enfatizaram-se a originalidade da abordagem, a densidade teórica, o empenho na recuperação do pensamento social brasileiro como referência analítica e a relevante pesquisa empírica, entre outras qualida- des que garantiam sua contribuição para o debate da questão educacional brasileira, em particular, e das formas de participação da expansão escolar no processo de formação social e estatal brasileira. A circulação atual deste trabalho no meio acadêmico e nos espaços de debate vinculados às lutas por direitos confirma essa qualidade. Evidencia sua importância como texto de referência não apenas na pós-graduação, mas também na formação inicial e continuada de profissionais do campo da educação e dos demais setores da política social, cada vez mais confrontados com os desafios de superação da pobreza que atinge a maioria dos usuários dos serviços básicos nos quais esses profissionais atuam.
  • 11. .~ 11 " Prefácio 1 Gaudêncio Fri9otto Um dos equívocos mais frequentes e recorrentes nas análises da educação no Brasil, em todos os seus níveis e modalidades, tem sido o de tratá-la em si mesma, e não como constituída e constituinte de um projeto dentro de i.:ma sociedade cindida em classes, frações de classes e grupos sociais desiguais e com marcas históricas específicas. Esse equívoco se explicita tanto nas visões iluministas quanto nas econo- micistas e reprodutivistas. No primeiro caso, a educação é concebida como o elemento libertador da ignorância e constitutivo da promoção, por si, de soci~dades mais democráticas e com maior igualdade social. No segundo, sob os auspícios do economicismo, a educação é propalada como capital humano e produtora de competências, uma espécie de galinha dos ovos de ouro, capaz de nos tirar do atraso, situando-nos entre os países desenvolvi- dos, e de facultar mobilidade social. Por fim, nas visões reprodutivistas a educação se reduz a uma força unidimensional do capital. Por certo, a educação tem mediações com todas as dimensões acima, porém a natureza dessas mediações se define pelas relações de poder exis- tentes no plano estrutural e conjuntural da sociedade.Vale dizer, a educação básk:a, a educação superior e a educação profissional definem-se no embate hegemônico e contra-hegemônico que se dá em todas as esferas da socieda- de e, por isso, não podem ser tomadas como "fatores" isolados, mas como partes de uma totalidade histórica complexa e contraditória. 17
  • 12. Escola pública e pobreza no Brasil Reitera-se, ao longo de nossa história, uma postura ultraconservadora em relação às lutas dos movimentos populares e sociais pelo direito social e subjetivo à educação básica que atenda a seus interesses. Os aparelhos de hegemonia da burguesia industrial, de serviços e do latifúndio, mediante seus institutos e partidos políticos de classe e a grande imprensa, que é dominantemente de sua propriedade, insistem na tese de que o Brasil está sendo dividido perigosamente e confrontado num conflito de classes. O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), por ser o mais bem organizado em suas lutas e ter clareza ideológica de seus interesses, tem sido sistematicamente acusado e perseguido. A revista Veja, mas não só ela, tem se esmerado nessa tarefa, passando a ideia de que o que ela faz é imune de ideologia e de vínculo de classe - uma postura que revela, ao mesmo tempo, miopia e ignorância. Mesmo que se trate de uma burguesia desprovida de conhecimento da literatura clássica sobre nossa formação histórica, a desigualdade de classes é vista, a olho nu, na magnitude das favelas, no contraste entre latifúndio e 20 milhões de sem-terra, na popu- lação carcerária (pobre, jovem e negra) e numa das maiores desigualdades de distribuição de renda do mundo, entre outros aspectos. Para entender a natureza de nossa dívida com a educação básica, em s.uas dimensões quantitativa e qualitativa, e nas relações entre essas dimensões, impõe-se ter disposição para perceber o tipo de estrutura social que foi se conformando a partir de um país-colônia e escravocrata durante séculos e a hegemonia, na década de 1990, sob os auspícios da doutrina neoliberal, de um projeto de capitalismo associado e dependente. Os clássicos do pensamento social, político e econômico brasileiro permitem-nos apreender as forças que disputaram os projetos societários e entender o que nos trouxe até aqui e suas determinações. Permitem-nos entender, por um lado, por que o projeto da classe burguesa brasileira não necessita da universalização da escola básica e reproduz, por diferentes me- canismos, a escola dual e uma educação profissional e tecnológica restrita (que adestra as mãos e aguça os olhos) para formar o "cidadão produtivo", submisso e adaptado às necessidades do capital e do mercado. Por outro 18 Prefácio lado, permitem também entender por que combatem aqueles que postulam uma escola unitária, universal, gratuita, laica e politécnica. Com efeito, com ênfases diferentes, vários autores contemporâneos traçam os (des)caminhos que nos conduziram até o presente. Caio Prado Jr. (1966) destaca três problemas que convivem e se reforçam em nossa formação social desigual, impedindo mudanças estruturais. O primeiro é o mimetismo que se explicita pela cópia das teorias dos países dos centros hegemônicos na análise de nossa realidade histórica, estratégia que se reitera atualmente pela subserviência às teorias e políticas dos organismos interna- cionais e de seus intelectuais e técnicos, já que os protagonistas dos projetos econômicos e das propostas de reformas educacionais surgidas a partir da década de 1990 formaram-se em universidades estrangeiras, ícones do pensamento desses organismos, e/ou trabalharam nos mesmos. O segundo é o crescente endividamento externo e interno, também vinculado a uma postura de subserviência. O terceiro constitui-se pela abismal assimetria entre o poder do capital e o do trabalho. Dois autores contemporâneos, de modo mais incisivo, permitem-nos apreender a especificidade do tipo de sociedade capitalista em que nos constituímos e quais nossas (im)possibilidades e desafios. Contrariando não só o pensamento conservador, mas também grande parte do pensamento da esquerda brasileira, Florestan Fernandes (197 ~, 1 98 1) e Francisco de Oliveira (2oo3) rechaçam a tese dual que atribui os impasses de nosso desen- volvimento à existência de um país cindido entre, de um lado, o tradicional, o atrasado, o ·subdesenvolvido, e, do outro, o moderno e desenvolvido, sendo as características primeiras impeditivas do avanço das segundas. Ao contrário, esses autores mostram a relação dialética entre o arcaico, o atrasado, o tradicional, o subdesenvolvido, e o moderno e o desenvolvido na especificidade ou particularidade de nossa formação social capitalista. O que se reitera para Fernandes, no plano estrutural, é que as crises entre as frações da classe dominante acabam sendo superadas mediante processos de rearticulação do poder da classe burguesa, numa estratégia de conciliação de interesses entre o denominado arcaico e o moderno. Trata-se, para o autor, de um processo que reitera, ao longo de nossa história, a "moderni- 19
  • 13. Escola pública e pobreza no Brasil zação do arcaico", e não a ruptura de estruturas de profunda desigualdade econômica, social, cultural e educacional. Na mesma direção de Fernandes e embasado numa análise que siste- matiza há mais de quarenta anos, Francisco de Oliveira (ib.) evidencia ser justamente a imbricação do atraso, do tradicional e do arcaico com o mo- derno e desenvolvido que potencializa nossa forma específica de sociedade capitalista dependente e de nossa inserção subalterna na divisão internacional do trabalho. Mais incisivamente, os setores denominados atrasados, impro- dutivos e informais constituem condição essencial para a modernização do núcleo integrado ao capitalismo orgânico mundial. Dito de outra forma, os setores modernos e integrados da economia ca- pitalista (interna e externa) alimentam-se e crescem apoiados e em simbiose com os setores atrasados. Assim, a persistência da economia de sobrevivência nas cidades, envolvendo a ampliação ou o inchaço do setor terciário ou da "altíssima informalidade", com alta exploração de mão de obra de baixo custo, foi funcional à elevada acumulação capitalista, ao patrimonialismo e à concentração de propriedade e de renda. Quase quarenta anos depois de publicar A economia brasileira: crítica àrazão dualista, Oliveira atualiza sua análise com o adendo de um novo capítulo, cujo título é: Oornitorrinco (2003). Para o autor, a imagem do ornitorrinco faz a síntese emblemática das mediações do tecido estrutural de nosso sub- desenvolvimento e a associação subordinada aos centros hegemônicos do capitalismo e dos impasses a que fomos sendo conduzidos no presente. A metáfora do ornitorrinco nos traz, então, uma particularidade es- trutural de nossa formação econômica, social, política e cultural, que nos transforma num monstrengo em que a "exceção" se constitui em regra, como forma de manter o privilégio de minorias. As relações de poder e classe construídas no Brasil, observa Oliveira, permitiram apenas parcial e precariamente a vigência do modo de regulação fordista, no plano tanto tecnológico quanto social. Da mesma forma, a atual mudança científico- -técnica de natureza digital-molecular, que imprime grande velocidade à competição e à obsolescência dos conhecimentos, torna ainda mais inútil nossa tradição de dependência e cópia. 20 Prefácio O monstrengo configura o presente de forma emblemática por uma sociedade que se mantém entre as dez de maior PIB do mundo, na qual um dos setores que mais contribuem para a meta de superávit primário de mais de 5º/o em novembro de 2005, garantia para os bancos credores, é o do agronegócio e, ao mesmo tempo, está um século atrasada na efetivação da reforma agrária e convive com 4 milhões de famílias, aproximadamente 20 milhões de pessoas, nos acampamentos dos sem-terra. A transição inconclusa da década de 1980 e a adesão subordinada ao Consenso deWashington a partir do governo Collor, mas realizada, sobre- tudo, nos oito anos do governo Fernando Henrique Cardoso, aprofundaram o fosso de uma sociedade que se ergueu pela desigualdade e se alimenta dela. Define-se, na "era Cardoso", o embate de forças que atravessaram o século XX e que se explicitam na metáfora do pêndulo, usada por Otávio Ianni ( 197 1): as forças que se alinhavam na perspectiva de uma sociedade capi- talista associada e dependente aos centros hegemônicos do capital-mundo e as que postulavam um desenvolvimento nacional autônomo. Essa breve contextualização acarreta a seguinte questão: que projeto de educação escolar básica apresenta-se como necessário para uma socie- dade que moderniza o arcaico e na qual o atraso de determinados setores, a hipertrofia do trabalho informal e a precarização do trabalho formal, o analfabetismo, entre outros elementos, não são obstáculos ao tipo de de- senvolvimento que se ergueu pela desigualdade e dela se alimenta? Escola pública epobreza no Brasil:a ampliação para menos, de EvelineAlgebai- le, resulta de utn trabalho de pesquisa rigoroso e denso que nos traz de forma inequívoca a resposta a essa questão. Analisando dados das últimas décadas do século XX no campo educacional, tendo como base a compreensão de que a educação escolar é constituída e constituinte das relações sociais, o livro evidencia os mecanismos mediante os quais se produz uma escola pú- blica que se expande, mas para menos - uma escola que amplia e universaliza o acesso ao ensino fundamental, mas que se esvazia de sua especificidade e como direito social ao conhecimento e à cultura. A escola pública dos pobres se robustece e se expande, mas principalmente por se tornar um posto avançado para a realização de numerosas ações - resolução de problemas 2 I
  • 14. Escola pública e pobreza no Brasil das crianças que não se alimentam em casa, posto de vacinação, antídoto da violência da sociedade... - que, a rigor, são problemas da sociedade. Fica claro na análise que esta realidade não resulta de um ato impostor, mas é uma construção social do projeto societário da burguesia brasileira, em que a expansão e o robustecimento para menos expressam-se na política educacional com particularidades em conjunturas específicas, mas de forma contínua. No projeto de capitalismo dependente de desenvolvimento desi- gual e combinado, a burguesia brasileira constrói uma sociedade que con- centra, de maneira exponencial, a riqueza, e amplia, expande a miséria. Este livro corrobora e aprofunda análises que mostram que, definitivamen- te, a educação escolar básica (fundamental e média), pública, laica, universal, unitária e tecnológica, que desenvolva as bases científicas para o domínio e a transformação racional da natureza, a consciência dos direitos políticos, sociais, culturais e a capacidade de organização para atingi-los, nunca se impôs como necessidade, e sim como algo a conter para a classe dominante brasileira. Mais que isso, para a maioria dos trabalhadores nunca houve de fato a necessidade de uma escolaridade e formação técnico-profissional que os preparasse para o trabalho complexo e os dotasse, como classe detentora do capital, de condições de concorrer com o capitalismo central. O que se tem reiterado é o que denunciou Anísio Teixeira na década de r 9.ÇO: a exis- tência de uma retórica de valores proclamados, mas não reais, de valorização da educação escolar. Ou, como aponta Dermeval Saviani na análise do atual Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) sobre a cultura protelatória de cinco para dez e de dez para vinte anos no enfrentamento daquilo que é um direito de todos: a educação básica. Eveline Algebaile expõe como falsas e cínicas as análises de empresários, imprensa, políticos e pesquisadores que culpam a escola e os trabalhadores da educação e os próprios alunos das classes populares pelo desemprego, pela violência e pelo atraso. Os reclamos atuais desses empresários e suas organi- zações de classe, pesquisadores, intelectuais e políticos do apa9ão educacional, para designar que o sistema educacional não está formando quadros suficien- tes, exemplifica a cantilena reiterada de tempos em tempos no Brasil. 22 Prefácio O que Eveline nos diz é que tais análises ocultam a opção da classe dominante brasileira por sua inserção consentida e subordinada ao grande capital e nosso papel subalterno na divisão i~ternacional do trabalh~, com a hipertrofia da formação para o trabalho simples. Ocultam, tambem, as relações de classe no plano mundial e interno. Ou seja, a sociedade que se produz na desigualdade, quando impeli~a a univers~l~zar a educa:ão ~ásica, 0 faz de forma desigual e dual. Assim e que as poht1cas educac1ona1s, sob 0 ideário neoliberal da década de r 990, o avanço quantitativo no ensino fundamental e a mudança discursiva aparentemente progressista no ensino médio e na "educação profissional e tecnológica", aprofundam a segmenta- ção, 0 dualismo, e perpetuam uma relação débil entre ambos. A universalização do ensino fundamental efetiva-se numa profunda desigualdade intra e inter-regiões e na relação entre cidade e campo. A diferenciação e a dualidade aqui se dão pelo não acesso efetivo e demo- crático ao conhecimento. A escola pública dos pobres e/ou dos filhos dos trabalhadores é esvaziada de sua função específica e, por isso, se expande, se robustece e "cresce para menos"-uma escola da qual se exigem múltiplas funções, mas que se descura de sua função precípua de garantir o direito de uma educação básica de qualidade. Expande-se e alarga-se para menos mediante políticas que retiram do magistério aquilo que o define como tal_ profissionais que organizam, produzem e socializam conhecimentos _e 0 delega a organizações não governamentais (ONGs), ou a institutos privados. Há, no Brasil, uma profusão dessas organizações que não só ven- dem pastiches; mas anulam a própria profissão docente. O livro de Eveline Algebaile é uma contribuição singular para o pensa- mento educacional no método de conhecer a realidade social e educacional ~m sua íntima relação e no conteúdo ético-político. Faz jus ao que afirma Florestan Fernandes em relação ao papel do intelectual na sociedade. O intelectual não cria 0 mundo no qual vive. Ele jájaz muito quando conse9ue ajudar a compreendê-lo e explicá-lo, como ponto de partida para sua alteração real. É, por isso, um livro de leitura imprescindível para educadores de todos os níveis de ensino, pesquisadores e estudantes de ciências sociais e humanas e líderes de movimentos sociais, sindicais e políticos do campo de esquerda, 23
  • 15. Escola pública e pobreza no Brasil que têm a obrigação ético-politica de distinguir as mudanças na socieclade e na escola que mudam para manter a ordem estabelecida, injusta, mutiladora e criminosa de nossa ordem social, daquelas mudanças que concorrem para alterá-la radicalmente. Rio de Janeiro, 21 de abril de 2009, Dia de Tiradentes. Referências FERNANDES, Florestan. Capitalismo dependente e classes sociais na América Latina. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1975. ___.A revolução burguesa no Brasil: um ensaio de interpretação sociol6gica. 3. ed. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 198 1. Biblioteca de Ciências Sociais. IANNI, Otávio. Estado e planejamento econômico no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 197 1 . OLIVEIRA, Francisco de. Crítica da razão dualista! O ornitorrinco. São Paulo: Boi- tempo, 2003. PRADO JR., Caio. A revolução brasileira. São Paulo: Brasiliense, 1966. 1 1 ~ Introdução As coisas me ampliaram para menos. Manoel de Barros No dia 8 de maio de 2oo 2, a divulgação de um relatório do Instituto Brasi- leiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2002 ), sobre os indicadores sociais do Censo Demográfico de 2000, foi matéria de destaque de diversos tele- jornais, tendo em vista os dados que, em relação aos dez anos preceden- tes, apontavam a persistência ou o agravamento de inúmeros problemas relacionados à pobreza. Em meio aos debates suscitados pela divulgação do relatório, o então presidente da República, Fernando Henrique Car- doso, entrevistado por emissoras e questionado a respeito dos dados e das análises não favoráveis ao governo federal, deu a seguinte resposta: "Não vamos ser pessimistas nem otimistas. Vamos ser realistas: nós diminuímos a pobreza no Brasil. E ponto! [...] Nós ampliamos o acesso à escola e o acesso à comida na escola". Essa vinculação tão direta entre redução da pobreza e acesso à escola expunha um aspecto que penso ser central na configuração da escola pública elementar no Brasil. A utilização dessa escola como uma espécie de posto de realização de ações assistenciais, de caráter compensatório, englobando programas governamentais e ações "voluntárias", tornara-se uma marca forte da segunda gestão de Fernando Henrique, mas não era uma forma de utilização de todo estranha. A história da educação e minha própria ex-
  • 16. Escola pública e pobreza no Brasil periência com a escola pública, como aluna, professora e, mais tarde, por meio de outras formas de atuação, forneciam muitos exemplos de ações - a saúde escolar, as instituições periescolares, as ações socioeducativas da segunda metade do regime militar - cujas familiaridades com os "novos" programas não pareciam acidentais. Havia vários indícios de continuidades entre "velhas" e "novas" ações, praticamente confirmando a inscrição das mudanças recentes da escola num pr Jcesso de longa duração, deformação da escola pública elementar brasileira. Mais um bom tempo de pesquisas, estudos, consultas e ajustes, e essas questões ganhariam a forma deste livro, que, enfim, apresento ao debate. Nele, proponho uma interpretação da escola pública brasileira com foco nas implicações entre escola pública elementar, Estado e pobreza, advertindo que não é (ao menos não pretende ser) um trabalho sobre a escola e a pobre- za como "acontecimentos" específicos que se relacionariam pontualmente, um supostamente agindo sobre o outro. Num país como o Brasil, onde a pobreza, não sendo residual nem transitória, é tratada permanentemente como se o fosse, e onde o nível de ensino mais elementar atravessa todo um século sem jamais completar sua saga de universalização, é válido pensar que escola pública e pobreza sefazem, a ponto de suas histórias resultarem, em boa parte, de um profundo e mútuo atravessamento. Fica apresentada, então, desde já, a tese afirmada ao longo deste livro: a escola pública elementar, no Brasil, tendo em vista asjunções de mediação que passa a cumprir para o Estado, em suas relações com os contin9entes populacionais pobres, tornou-se uma espécie de posto avançado, que permite, a esse Estado, certas condições de controle populacional e territorial,Jormas variadas de ne9ociação do poder em diferentes escalas e certa "economia de presença"em outros âmbitos da vida social. Essa condição de posto avançado do Estado é compreendida, aqui, como expressão de um fenômeno de expansão escolar de complexa configuração, no qual a lenta expansão da eferta no nível mais elementar do ensino aparece implicada com o "robustecimento" da escola, ou seja, com uma expansão da eifera escolar que, no entanto, implica perdas incalculáveis em termos do direito à educação e de outros direitos sociais. Essa expansão da eifera escolar decorre da permanente migração de "tarefas" para a escola, permitindo 26 l Introdução conter a expansão do Estado em outros setores de ação, constituindo-se, assim, como uma forma de expansão à qual correspondem encurtamentos na esfera pública em pelo menos dois sentidos, relativos às reduções operadas na política social e nas dimensões e condições formativas da escola. Quanto às "tarefas" que migram para a escola, convém ainda esclarecer que não se trata necessariamente de ações concretas plenamente realizadas. Em geral, são arremedos de ação, cujos efeitos principais são o deslocamen- to do ensino de sua posição central na escola e a dissimulação da ausência e das omissões do Estado, de maneira a parecer que problemas sociais, econômicos e de saúde, entre outros, decorrem da "carência educacional e cultural do povo". Meu objeto, neste livro, é a formação dessa escola, nessa chave analítica. Entendo que, ao longo dessa formação, certas características relativas a suas formas e funções mostraram-se oportunas a projetos de sentidos diversos, sendo, portanto, mantidas, e persistiram até o ponto de se tornarem parte da estrutura de uma escola pública à brasileira. A ideia de uma escola à brasileira é inspirada na discussão de LuizWer- neckVianna ( r 997) sobre a forma particular pela qual ocorreria, no Brasil, 0 tipo de mudança categorizado por Gramsci como "revolução passiva". A formulação sobre a revolução passiva à brasileira assenta na constatação de que a revolução burguesa autocrática, no Brasil, teria se realizado num processo de longa duração, no qual orientações políticas, em princípio, distintas e vistas comumente como portadoras de ideais até contrapostos teriam realizado uma complexa fusão. Minha compreensão da formação da escola pública brasileira, além de a~entuar a referência à longa duração, também assenta na ideia de que a configuração atual dessa escola não resulta de um projeto único e intencio- nalmente dirigido a um fim claramente traçado, mas da complexa fusão, em alguns pontos essenciais, de projetos em princípio distintos e mesmo antagônicos. Daí a tomada de empréstimo da expressão "à brasileira". Há pontos importantes a destacar, aqui, a respeito das compreensões implicadas nessa formulação. De um lado, é necessário afirmar que a escola que chega aos pobres não é o resultado direto de um projeto intencional- 27
  • 17. Escola pública e pobreza no Brasil mente traçado com esse fim. As formas históricas assumidas pelas institui- ções sociais são irredutíveis aos projetos a elas dirigidos. Elas são sempre expressão do encontro e do choque entre múltiplos projetos e ações, que nem sempre se dirigem à sua organização, mas que ainda assim participam da sua produção. Essa não subordinação absoluta das instituições aos projetos é o que abre a possibilidade de disputa de seus sentidos. Daí a necessidade de afirmar essa perspectiva na investigação e na análise da escola. Por outro lado, a escola que chega aos pobres também não pode ser compreendida "em negativo", como mero resultado do malogro de proje- tos. Ela deriva, em boa medida, de certa funcionalidade que adquire para o Estado brasileiro em formação. O "insucesso"de projetos, a insuficiência de investimentos, o descompasso entre quantidade e qualidade, entre outros aspectos, não são causas da não realização, no Brasil, de uma escola pública próxima à que se formou nos países de capitalismo avançado, mas expressões do lugar secundário que as funções educativas ocupam na formação da es- cola pública brasileira, tendo em vista o papel que ela passa gradualmente a assumir na gestão da pobreza. Não há aqui, portanto, a defesa de que a forma da escola decorreria da pura contingência da história ou da "força do destino". Ao contrário, quer-se afirmá-la e entendê-la como expressão de relações mais amplas, que penetram e excedem os projetos formais que são apresentados como seus produtores. A especificidade da escola brasileira não pode ser dissociada de um conjunto de relações políticas, econômicas e sociais implicadas na formação societária brasileira e num processo de formação incompreensível do Esta- do, se não se leva em conta o modo de inserção do Brasil numa formação econômico-social de largo espectro, capitalista. Afinal, como Florestan Fernandes já mostrou em análises feitas na década de 1970, trata-se de um Estado fortemente orientado por projetos de inserção econômica e cultural mundial que renovam e aprofundam continuamente uma condição capitalista dependente, sustentadora de uma elite que, para atualizar seu poder, precisa garantir, de forma regular, uma integração parcial - por vezes absolutamente residual - de imensas parcelas sociais. 28 Introdução Essa "integração" está sendo realizada, em boa parte, e talvez princi- palmente, via escola pública, para uma parcela da população que jamais participará de qualquer inserção mais ampla. Daí a atenção obrigatória às relações sociais que atuam na produção da escola e, consequentemente, à sua apreensão não apenas na organização sistêmica própria do setor edu- cacional, mas também na política social e, ainda, numa esfera mais ampla de relações a partir das quais são engendrados usos e utilizações da escola que acabam se tornando elementos ativos (Gramsci, 20oob) em sua for- mação histórica. A apreensão da formação da escola sob essa perspectiva implicou ên- fase em suas inserções tanto em âmbitos bem mais vastos que a "política educacional" quanto em processos de mais longa duração, exigindo es- colhas, bastante difíceis, de processos, eventos e fenômenos a partir dos quais fosse possível rastrear essas inserções e seus "efeitos" para a forma- ção da escola. O foco na questão da pobreza orientou essas escolhas, e o resultado é uma interpretação da escola pública elementar brasileira com base nas tentativas de sua utilização em sentidos que excedem o âmbito "educativo escolar". A tentativa de apreender a inscrição de processos recentes em processos de longa duração impediu a adoção de periodizações precisas. No entan- to, ao longo do acompanhamento de processos variados, caracterizados por andamentos e marcos temporais convergentes sob certos aspectos e dissonantes sob outros, destacaram-se momentos de referência que, sem engessar a análise em fronteiras temporais rígidas, permitiram contextua- lizar os processos e situá-los uns em relação aos outros. Os períodos que ~orrespondem, respectivamente, à permanência prolongada de Getúlio Vargas na Presidência da República (1930-45), ao regime militar (1964-85) e às duas gestões de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) tornaram- -se os pontos de referência, especialmente porque a maior duração dessas gestões permitiu a consolidação de linhas de ação e projetos cujo sentido de conjunto ajuda a rastrear nexos entre as mudanças econômicas no Estado e na escola.
  • 18. Escola pública e pobreza no Brasil A esse respeito, é importante reconhecer que tenho certa consciência dos riscos (fico com a ilusão de que se a consciência fosse completa eu não os correria... ) compreendidos numa interpretação debruçada sobre tal extensão de tempo e, em seu interior, sobre três momentos de tão com- plexa definição. Como ré confessa, porém, limito-me a argumentar, em minha defesa, que não busquei, por esse meio, apresentar uma erudição que certamente não tenho. Percorrer processos tão amplos e complexos, que en~olvem domínios tão variados, foi um duro exercício de aprendizagem. Dai que numerosas passagens deste livro decorrem, exatamente, de minha tentativa de entendimento, e não de minha capacidade de explicação. De toda forma, admito que não sou portadora de nenhuma santidade; é também importante assinalar que, apesar de meus limites nesses percur- sos, não me furtei a certo sentimento de insurgência, ao entrar, ainda que com limites, em áreas "não autorizadas". São imprudências que me causam medo, mas que assumo com alegria, especialmente porque foram 0 meio de que eu dispunha para entender melhor um problema de tão complexa definição e tão central, de meu ponto de vista, no debate político e social brasileiro. Quanto à referência a uma escala nacional, busquei resolvê-la por dois principais meios. De um lado, a análise está centrada nas políticas de alcance nacional e na legislação federal, assim como em dados estatísticos referentes à mesma escala. De outro, o rastreamento de significados mais profundos dos fenômenos e fatos selecionados nessas fontes amplas foi tentado por meio de outras fontes, como relatos orais, matérias jornalísticas e documentos d~ instituições locais, a partir das quais tive acesso a casos que, a rigor, nao podem ser generalizados, mas representam a variedade de formas de manifestação de um mesmo fenômeno ou de fenômenos próximos. Concorreram para o acesso a essas fontes duas práticas irredutíveis ao trabalho de pesquisa: minha atuação como professora e como mem- bro representante da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) no Conselho de Acompanhamento e Controle Social do Programa Bolsa Escola Federal, no município de São Gonçalo. Diversos aspectos tratados neste livro, como os casos dos "anexos escolares" e dos "turnos da fome", 1 r: Introdução só se tornaram visíveis por meio dos relatos de alunos e alunas - muitos dos quais já são professores e, ainda, trazem a rica e dolorida vivência de pais de alunos de escolas públicas - durante as aulas de estrutura efuncio- namento do ensino, políticas públicas e educação e prática pedagógica, disciplinas lecionadas por mim na Faculdade de Formação de Professores da Uerj, em São Gonçalo (RJ), no período de elaboração da tese que deu origem a este livro. A atuação no conselho, por sua vez, não só me propiciou a vivência direta de situações impressionantes que brotam das novas tarefas da escola na gestão da pobreza, como me forneceu pistas a partir das quais foi possível rastrear informações institucionais relativas a outros municípios. A essas duas experiências e às pessoas nelas envolvidas devo, talvez, a parte mais importante das informações que vieram a dar vida e sentido aos dados "sem dor"- como disse uma vez Mário Quintana a respeito da matemática e das informações quantitativas - extraídos de documentos governamentais e estatísticos. Algumas informações, inclusive, me permitiram importantes reorientações na pesquisa desses documentos. Essas informações e sua discussão ganharam, no texto, a disposição que passo a expor. No capítulo inicial, "A escola brasileira: primeiras aproximações", em- preendo uma discussão geral do problema, apresentando as referências teóricas que me permitem delinear marcos conceituais e metodológicos, bem como o percurso investigativo e analítico. Não se trata, porém, de um "capítulo teórico". Primeiro, porque se desdobra, desde o primeiro momento, do quadro geral mais recente das mudanças no campo escolar relacionadas à"reforma educacional" no governo Fernando Henrique Car- doso, ponto de partida e chegada de toda a investigação. Segundo, porque não esgota nem antecipa por completo as referências e construções· con- ceituais e analíticas que, a rigor, continuam a se desenvolver ao longo dos demais capítulos. Nesse capítulo, debatendo as tensões e irredutibilidades entre escola e educação escolar, levanto aspectos indicativos de que a reforma educacional realizada ao longo do governo Fernando Henrique Cardoso filia-se a antigos ideários de modernização que, por meio de discursos e ações aparentemente centrados na eficiência e na produtividade da escola, 3 1
  • 19. Escola pública e pobreza no Brasil dissimulam sua utilização instrumental para outros fins, aprofundando sua desqualificação para as funções educativas. No segundo capítulo, "A expansão da oferta educacional", apresento alguns dos principais traços do sistema educacional brasileiro, com foco no nível de ensino mais elementar (hoje, ofundamental, com duração mínima de nove anos obrigatória a partir de 20 r o), na expansão dos marcos que definem a "educação mínima" e sua oferta pública e na expansão de seu alcance populacional. A discussão é inicialmente referida aos marcos esta- belecidos na legislação federal, em termos de direitos e responsabilidades relativos à escolarização, e aos dados gerais de expansão da oferta, no que diz respeito à cobertura populacional. São dados, porém, complementados por análises sobre o tipo de escola que chega à maioria da população brasileira, particularmente os grandes contingentes populacionais pobres. No terceiro capítulo,"O robustecimento da escola", o tema da expansão é retomado, sob a Ótica da configuração da esfera escolar além dos aspectos referentes ao processo educativo, em sentido restrito, expresso principal- mente, mas não exclusivamente, nas atividades de ensino. São discutidas, numa perspectiva histórica, utilizações da escola exemplares do esgarça- mento progressivo da esfera escolar além do ensino e em seu detrirnento. Abordo, portanto, a política social brasileira, sua significativa subordinação à política econômica e sua participação na configuração da escola como uma espécie de posto avançado, que permite às forças políticas dominantes um canal privilegiado de negociação e recomposição do poder. No quarto e último capítulo, "O novo ciclo de expansão", examino o quadro amplo de mudanças mundiais, a partir da década de 1970, e suas implicações nas mudanças na educação, na década de r 990. Retomo adis- cussão da reforma educacional empreendida no governo Fernando Henrique Cardoso, apresentando algumas de suas principais medidas, bem como alguns de seus desdobramentos e derivas, com o objetivo de analisar os sentidos da expansão escolar então realizada, tendo em vista sua subordinação e suas instrumentalidades ao ajuste estrutural do Estado e à reorientação da política social. 32 Introdução Nas considerações finais, agrego os aspectos que permitem perceber o funcionamento da escola pública fundamental como uma espécie de "Estado dos pobres". Discuto, nesse sentido, o quanto a"ampliação" da esfera escolar acaba sendo um meio de operar, conforme uma dinâmica de "revolução passiva", um encurtamento da esfera pública no campo educacional e no da política social. Todo o meu esforço foi para desvendar o que chamo de "segundo eixo" de p::-odução da escola, formado a partir da migração de tarefas que têm por fim realizar alguma gestão da pobreza. O objetivo, nesse caso, não foi tratar esse eixo como parte legítima da escola, mas reconhecê-lo como sua parte orgânica e deixá-lo mais exposto a outros olhares que, atentos aos efeitos que ele opera, devido a essa condição orgânica, proponham, com mais clareza, os caminhos para sua superação. Se, em diversos aspectos, não foi possível avançar, a não ser levantando indícios que dessem algum suporte à argumentação, penso, no entanto, que os passos dados já con- tribuem para o debate e as lutas, que haverão de se tornar mais densas, alargando os espaços de disputa pela democratização da escola e abrindo novos caminhos para que o Brasil possa ser pensado e vivido plenamente pelos mais profundos estratos da sociedade. 33
  • 20. r. A escola brasileira: primeiras aproximações r. As duas filas De longe era possível perceber a escola onde seriam entregues os cartões. Mesmo que não se pudesse ainda ver o prédio, era tão grande a fila que serpenteava a partir de certo ponto da rua, e tão grande o burburinho de homens, mulheres e crianças, e mais os carros passando devagar diante daquela movimentação, que seria impossível não deduzir que se tratava da fila para o recebimento dos cartões do Programa Bolsa Escola Federal. Era final de 2001. Após a primeira etapa do cadastramento de famílias, mais uma prefeitura "inaugurava" o programa com um grande evento, a exemplo do que ocorria em outros municípios brasileiros. Daí aquele mun- daréu de gente, que não só inundava a rua como apinhava cada pedacinho da escola. Do portão da frente, controlado por policiais, passando pelo primeiro pátio, entrando pelo saguão, atravessando o pátio dos fundos, tudo era fila. Até que se chegava à quadra de esportes, onde pais e crianças, filtrados por U:ma fresta de portão, encontravam mais dez filas paralelas que se dirigiam para dez mesinhas escolares, espécies de balcões de atendimento em que um funcionário checava o cadastro familiar e entregava o cartão. Ali, as pessoas enfileiradas esperavam pacientemente, formando uma plateia involuntária para políticos que discursavam, sob as luzes de fotógrafos e operadores de vídeo, no pedaço de quadra que sobrava por trás das mesinhas. Isso durava até que cada família, de posse do cartão, alforriada do suplício, seguisse para
  • 21. Escola pública e pobreza no Brasil o fundinho da quadra, retirasse o dinheiro num dos caixas eletrônicos da Caixa Econômica Federal (CEF), instalados especialmente para a ocasião, e alcançasse a dignidade de uma saída discreta pelo portão dos fundos. Aquela sequência de filas agitadas, arabescos que se movimentavam em todas as direções, fez-me lembrar imagens cuja semelhança de forma induzia a pensar numa também semelhança de significação: imagens da movimen- tação de formigas na busca e na guarda de alimento, das fileiras de homens enlameados nas minas de serra Pelada e de outras filas no entorno e no interior de escolas, em tempos distantes e recentes, com pais acampados às vezes ao longo de noites, na tentativa de vaga para os filhos. Essa última imagem, porém, parecia não pertencer ao mesmo conjunto, sinalizando que a forma similar podia apenas iludir quanto à semelhança de conteúdos. O que diferenciava esses dois tipos de fila e o que essa dife- renciação enunciava a respeito da escola? Quando esse fato ocorreu, há tempos a "questão da escola brasileira" já tomava toda a minha atenção. A cena das filas não era um ponto de partida, de instigação do tema, mas uma espécie de síntese viva, em movimento, de uma problemática que eu vinha perseguindo e que se mostrava rebelde a certas simplificações. Eu juntava peças, desembaraçava fios e, de repente, era como se as coisas se encaixassem e tomassem a forma de um drama humano que, encenado no cotidiano daquele lugar, contava uma realidade representativa do que acontecia Brasil afora. Eram mesmo filas de sentidos diversos. As filas por vaga,filas por escola, por mais que retratassem a situação precária que ainda marca o acesso à educação escolar no Brasil, faziam pensar num estado de coisas no qual a empreitada da vida dirige-se, em alguma medida, para algo além da sobre- vivência -previsão. As outras filas, as do Bolsa Escola, pareciam ser apenas filas na escola, falando de vidas definidas pelas urgências do presente. Seu sentido forte era, inconfundivelmente, a provisão. 1 1 A respeito da relação entre previsão e provisão na organização da vida das classes populares, remeto aValia (2000). I. A escola brasileira Seria possível pensar esse segundo sentido, de provisão, como um sentido estrangeiro à escola, algo transitório e, portanto, não influente em sua forma- ção. Eu estaria, assim, compatível com boa parte do debate sobre os problemas contemporâneos da escola, que centra a atenção no processo educativo e nas funções formativas, analisando os mecanismos das políticas educacionais, as formas de organização dos sistemas de ensino, o funcionamento dos esta- belecimentos escolares ou o preparo docente, entre outros assuntos, com o objetivo de discutir as formas e condições de realização desse processo e dessas funções. Estudar a escola estudando a educação que ali se faz ou não. Mas já não era possível, para mim, pensar a escola brasileira fora da tensão entre os dois movimentos que se enunciavam naqueles dois tipos de fila: a projeção - a vida adiante pensada desde já - e a imersão no presente, não pela incapacidade de pensar a vida adiante, mas porque as urgências, quando se repetem sempre, ensinam a não esperar novidades do futuro. Seria preciso, para estudar a escola, estudar o que se faz nela, por meio dela, na relação com ela, seja isso educação ou não. Uma pequena descoberta impulsionou-me ainda mais nesse caminho. Em seu livro As metamoifoses da questão social, Castel ( r 9 99, p. 6 9) mostra que o termo "matrícula", que data do século VI, designava, originalmente, a lista nominal dos pobres que seriam mantidos pela igreja local. Pensei no tanto de coisa que aconteceu até que "matrícula" viesse a designar, ge- nericamente, a inscrição formalizada em tipos diversos de instituição. E até que viesse a representar, para quem atua no campo educacional, mais que o estabelecimento de um vínculo formal entre a instituição escolar e o usuário de seus serviços, o ingresso num conjunto de relações e processos _que apontam para diversos desdobramentos da vida: relações de classe e de amizade, relações com novas organizações do tempo e do espaço, com o conhecimento e o trabalho, com o Estado e outras instituições. O processo de inscrição no Bolsa Escola parecia, então, ressuscitar aquele significado original, a matrícula como inscrição formal num programa de assistência, como marca de uma dependência e uma sujeição. O fato de que a instituição responsável por isso seja, então, a escola informa mais sobre a formação de seus sentidos e funções do que poderia parecer à primeira vista. 37
  • 22. Escola pública e pobreza no Brasil Defender que esse sentido de imersão no presente não é estrangeiro nem transitório na escola brasileira -que ele a constitui, dando-lhe estru- tura, forma e funções particulares, esgarçando a escola para funções outras que não a educação e a formação em seus significados "clássicos", de um modo que até seus sentidos educativos e formativos veerri.-se modificados - confirmava-se como caminho possível e necessário de abordagem da "questão escolar". Isso exigia, no entanto, rastrear nexos entre os elemen- tos que são comumente tratados como "próprios da escola" e aqueles que tendem a ser apresentados como "não escolares". 2. Sobre as possibilidades de falar numa "escola brasileira" Preliminarmente, seria necessário explorar ao máximo os sentidos do ter- mo "escola". Este, em seu significado mais comum, no âmbito educacional, designa instituições ou estabelecimentos caracterizados pela centralidade das funções educacionais. Pode, no entanto, também fazer referência a um modelo pedagógico (Escola Nova, EscolaAtiva), um modelo institucional ou um sis- tema de ensino definido conforme um gênero de organização (escola pública ou privada, escola mista ou especial). Pode, ainda, a partir de um máximo de especificidade histórica, designar a forma histórica particular assumida pelas instituições escolares em determinado território (escola francesa, escola americana), o que abrange desde a forma jurídica do sistema escolar até os delineamentos pedagógicos produzidos no contexto de sua formação. Trata-se, como é possível perceber, de objetos diferentes. E de tal modo que, no plano da investigação, a cada delineamento do objeto "escola", tendem a corresponder certas possibilidades de reconhecimento dos su- jeitos, ações e processos atuantes na produção do que se considera "esfera escolar", bem como certas variações de ênfase na abordagem de cada um desses elementos, o que representa, em alguma medida, também variações no reconhecimento dos movimentos que modulam essa produção. Apesar dessa diferença, há sempre urna tendência a aproximar ao má- ximo esses objetos, tratando-os corno variações de escala de algo que, na 1. A escola brasileira verdade, pertenceria a urna "mesma família", tendo em vista a centralidade das funções educacionais, em sentido estrito, na sua definição. Isso se torna um problema quando se suspeita que o sentido de conjunto que permite falar em "escola brasileira" é definido por aspectos mais amplos que os circunscritos nessas funções educacionais. Para avançar nessa definição, no entanto, é necessário reconhecer, ini- cialmente, que a escola, em perspectiva ampla, é urna "instituição social especializada" à qual cabe realizar uma forma determinada de educação. Uma instituição especializada pode ser definida, genericamente, como aquela à qual cabem certas funções específicas, cuja realização sistemática exige um conjunto de condições permanentes, relativas à sua organização e aos recursos e meios utilizados. Essa definição pode ser atribuída àescola, tendo em vista tratar-se de urna instituição social cuja constituição histórica está inevitavelmente implicada na especialização da função de "educar as novas gerações". No entanto, se a educação pode ser entendida como processo e corno prática social que assume diferentes formas e se realiza conforme diferen- tes condições em diferentes tempos e lugares (e a educação escolar pode ser entendida como urna dessas formas, caracterizada por forte organização e sistematicidade, além de intensa difusão, especialmente no mundo moder- no), a definição da escola como instituição social requer o reconhecimento de que ela é também constituída por elementos não necessariamente orien- tados para a função de educar e para o processo educativo nela realizado. Ressalto, com isso, que o entendimento da escola corno instituição social, em seus sentidos mais profundos, requer explorar o caráter histórico de ~uas "especializações", o que implica evidenciar a multiplicidade de relações que concorrem para sua produção. Trata-se, em princípio, de relações inscritas em processos de longa dura- ção, bastante difusos no tempo e no espaço, corno os referidos por Barroso ( 1995) e Canário (1999), implicados no surgimento da relação entre mestre e aluno corno forma inédita de relação social; na sua gradativa autonomização em relação a outras relações sociais; na passagem de uma relação dual, entre mestre e aluno, para uma relação entre o mestre e a classe; e, ainda, nas ne- 39
  • 23. Escola pública e pobreza no Brasil cessidades de adaptar os modos de gerir o espaço, o tempo, os agrupamentos dos alunos e os saberes disciplinares, em decorrência dessa passagem do ensino individual para o ensino coletivo simultâneo. Mas se trata também de relações inscritas em outras formas de uso e utilização2 da instituição escolar, que par- ticipam de diversos modos de sua consolidação, expansão e mudança. Tenho em vista discutir, aqui, que os processos implicados na organi- zação sistemática das tarefas atribuídas à escola, na produção de um corpo de normas jurídicas reguladoras de suas formas de execução, na designação de demarcações espaciais e temporais próprias para sua realização e de um corpo funcional autorizado e preparado para tal não são processos que simplesmente viabilizam uma função dada desde a origem das instituições possíveis de ser chamadas de "escolares". São processos nos quais as "fun- ções escolares" podem ser criadas, modificadas e moduladas conforme novas finalidades, ou ainda coadunadas com outras funções não necessariamente 2 Os termos "utilização"e "uso", ao longo deste livro, referenciam, especialmente, as dife- renciações estabelecidas por Lefebvre a respeito de dois sentidos orientadores das relações sociais: propriedade e apropriação. O sentido de propriedade expressa-se pelo predomínio de uma perspectiva racional, mais precisamente, uma razão instrumental. Está, segundo Seabra ( 1996, p. 72-3), relacionado à "dominação pela técnica, pelos instrumentos, pela lógica", e a"procedimentos práticos e teóricos de medir, quantificar, comparar, igualar", por meio dos quais são prescritas as atividades humanas. Nas relações de propriedade, busca-se sobrepor às coisas, a suas relações, a seu funcionamento e a seus usos, prescrições calculadas conforme interesses específicos; por isso, é a esse tipo de relação que vinculo a noção de "utilização", que, de meu ponto de vista, permite ressaltar as tentativas de manejo e domínio instrumental das práticas, das relações, das instituições. Já as relações de apropriação, que incluem "o afetivo, o imaginário, o sonho, o corpo, o prazer", relacionam-se aos usos que, implicando modos de ser e inserindo-se nos costumes, carregam "resíduos irredutíveis ao domínio da lógica, da razão" (ib., p. 71), acarretando, pois, a possibilidade de resistências e insurreições. Énesse sentido que emprego o termo "uso", buscando ressaltar as relações em que não predominam as tentativas de propriedade, mas as de apropriações não dirigidas ao estabelecimento de normas e prescrições, não dirigidas, portanto, ao cerceamento de outras formas de uso. Penso que é essa ideia de "uso", desenvolvida por Lefebvre, a que mais se aproxima da noção de "utilização" empregada por Hoggart em sua bela discussão sobre As utilizações da cultura, na qual também encontrei importantes referências para pensar o que, aqui, chamo de "uso", ainda que não me reporte mais sistematicamente a esse autor neste livro. O fato de um mesmo termo designar conceitos diferentes, nesses dois autores, exigiu esse esclarecimento. 40 1. A escola brasileira inscritas na esfera educativa escolar. Trata-se, portanto, de finalidades e funções que não resultam pura e simplesmente das determinações contidas em projetos orientados para ordenar a escola, mas que, muitas vezes, deri- vam do choque 3 entre essas tentativas de ordenação e os usos, utilizações e expectativas que, em alguma medida, constituem o "caos" que se busca ordenar por meio de medidas reguladoras (Lefebvre, r 98o). Com isso, enfatizo que a acentuação de uma função específica, abstrata- mente definida, ou mesmo a acentuação do grau de sistematicidade que a função educativa adquire na escola, em contraste com a educação realizada pela família e outras instâncias da vida social, bem como sua imposição sobre essas "formas básicas de educação" (Petitat, 1994, p. 194-200), pode não ajudar na definição da escola quando se constata que, às ações propriamente educativas da instituição escolar, agregam-se outras, relacionadas ao seu modo de presença na vida social, particularmente às suas funções em relação ao sistema produtivo (Frigotto, 200 r a) e à sua posição na estrutura estatal. Ações que, mesmo apresentando implicações educativas, são irredutíveis ao processo educativo escolar, em sentido estrito, e mesmo à função de educar, em sentido amplo. A materialidade da escola como equipamento de uso coletivo ecomo lugar de encontro, a cotidianidade de seu uso, sua vinculação implícita ou explícita a outras instituições, entre outros aspectos, fazem da escola uma instituição social saturada de significações e dimensões que extrapolam certos limites de sua "especialização" convencional. A análise da formação histórica da escola deve considerar isso, sob pena de não apreender a mo- dulação de seus sentidos mesmo no plano educacional. 3 A referência de fundo, aqui, é a formulação a respeito do processo histórico, de suas contingências e irredutibilidades às intencionalidades dos indivíduos e dos projetos, tal como contida na passagem dos Grundrisse, de Marx, lembrada por Gruppi (2000, p. 1 H): "Portanto, embora a totalidade desse movimento apareça como processo social, e embora os momentos singulares do mesmo tenham sua origem na vontade consciente e nos ob- jetivos particulares dos indivíduos, a totalidade do processo aparece como um contexto objetivo que surge espontaneamente. Tal movimento se produz certamente a partir do choque recíproco dos indivíduos conscientes, mas nem se encontra na consciência deles, nem eles o subsumem a si enquanto totalidade".
  • 24. Escola pública e pobreza no Brasil A tendência a tratar como equivalentes o"escolar"e o"educativo"dificulta a apreensão e a análise nessa perspectiva. Pode, de um lado, representar sérias reduções conceituais e analíticas, na medida em que implique reconhecer como constitutivo da escola apenas o que puder ser reconhecido claramente como educativo ou, em sentido mais restrito, pedagógico, deixando de fora o que não se encaixar nessas categorias. Mas pode também, inversamente, representar um alargamento indiscriminado do significado de "educativo" e de "pedagógico", na medida em que a todo e qualquer elemento observado na investigação da escola seja atribuído um sentido educativo que, apesar de ser apenas secundário ou, muitas vezes, fortuito e remoto, é deslocado para o centro da análise, contribuindo pouco para sua explicação. Daí a importância de esclarecer o que se entende, aqui, por esses termos. Penso que, na análise da escola, esses dois termos apresentam abran- gências e características razoavelmente distintas, equivalendo a diferentes planos de investigação e análise. O plano educativo comporta, por certo, as ações mais direta e sistematicamente dirigidas para o processo de ensino e aprendizagem, em sentido estrito, previsto programaticamente e, por- tanto, referido ao planejamento e ao controle das ações constituídas como meios específicos para sua consecução. Envolve, porém, outros conjuntos de ações e práticas orientadas para fins diversos, não necessariamente para o processo sistemático de ensino e, no entanto, portadoras de intenções e potencialidades para produzir certos"efeitos" educacionais. Exemplo disso são as medidas disciplinares de caráter geral que, em princípio, podem ter apenas o objetivo de ordenação e controle das práticas e das relações escolares com vistas ao funcionamento rotineiro da instituição, mas que, subsidiariamente, repercutem na formação de hábitos e formas de conduta, na incorporação de códigos morais e hierarquias relativas à cultura ou à autoridade institucional. Já o plano escolar4 parece-me ainda mais amplo, contendo o educativo como elemento forte de sua estrutura, mas abrangendo outros elementos 4 Ahierarquia aqui proposta não é válida, certamente, para a analise de qualquer objeto. Na analise de práticas sociais diversas, por exemplo, parece-me claro que o plano mais amplo é o educacional, já que se refere a processos, práticas e ações que se põem além ~ ! 1. A escola brasileira irredutíveis a esse plano, ainda que repercutam forte ou remotamente em termos educativos. Estão implicadas, nesse caso, variações históricas importantes a respeito de diferentes usos e utilizações do aparato insti- tucional escolar para finalidades não inscritas nos conjuntos de meios e fins pertinentes ao plano educativo. A instalação de postos de atendimen- to médico dentro do estabelecimento escolar, ou a utilização do aparato institucional escolar para a implantação de um programa assistencial, por exemplo, ilustra bem esse caso, especialmente quando tal utilização se es- tende a ponto de atingir a estrutura da escola, inserindo-se nela de forma orgânica e, portanto, influindo no conjunto de seus sentidos e em todo o seu modo de operar. Apreender essa multiplicidade de sentidos - impalpável numa definição genérica de escola - implica considerar especificidades só reveladas por meio de aproximações de uma gama de processos atuantes em sua formação. Daí a necessidade de situá-la histórica e geograficamente. Mas as definições construídas sobre recortes de tempo e espaço excessivamente amplos podem também representar limites que devem ser observados. Éo que ocorre com a categorização "escola ocidental moderna", usada na historiografia educacional para fazer referência às formas históricas de escola que tiveram curso, no mundo ocidental, com a formação do Estado moderno, a Revolução Industrial e a urbanização, fenômenos em relação aos quais se encontra fortemente vinculado o surgimento dos sistemas de ensino dos Estados nacionais. Trata-se de uma categorização que só ajuda na definição da escola se não resvalar para a atribuição de uma suposta homo- geneidade de forma, estrutura e função a conjuntos de instituições escolares extremamente variados, porque formados em circunstâncias econômicas, ·culturais e societárias particulares. Na verdade, a validade de uma categoria de tal grau de generalidade só é assegurada, a meu ver, se atuar como uma referência de fundo que, ao ajudar, de um lado, a assinalar traços comuns ~e englobam a ação educativa escolar. Na análise da escola, no entanto, especialmente da brasileira, a proposição do plano escolar como plano analítico mais amplo permite abarcar aspectos fundamentais que ficariam de fora se todo o percurso analítico fosse referido ao plano educacional. 43
  • 25. Escola pública e pobreza no Brasil devidos a processos históricos amplos e fortemente disseminados, possibilite, de outro, acentuar, por contraste, particularidades devidas a processos mais específicos. Por "específicos", aqui, não faço referência a processos suposta- mente determinados apenas por acontecimentos próprios de um lugar, mas ao modo particular como, numa escala mais precisa - de uma cidade, uma região, um país-, são conjugados ou entram em tensão ações, forças sociais e acontecimentos locais e de outras escalas. Dito de outra forma, a referência a uma "escola ocidental moderna" deve, no mínimo, suscitar um movimento analítico de mão dupla, por meio do qual seja possível, por um lado, reconhecer nas instituições escolares de diferentes países ocidentais, particularmente sob o modo de produção ca- pitalista, elementos mais disseminados que permitem perceber, em meio às variações devidas à história de cada lugar, traços comuns que lhes dão algum sentido de conjunto, quando comparadas a instituições escolares inscritas em outros modos de produção e outras formações societárias. Por outro lado, o ponto de chegada desse movimento não pode ser o desenho de um "modelo" que, projetado sobre escalas de tempo e espaço menos amplas, impeça a apreensão de importantes particularidades na configuração de formas históricas que a escola adquire em face de percursos econômicos, culturais e societários peculiares, como no caso de um país ou uma região. No contexto ocidental moderno, mesmo aquelas características mais disse- minadas das instituições escolares delineiam-se conforme esses percursos, constituindo particularidades que não são simples variações superficiais de um mesmo modelo, nem simples elementos acessórios a uma estrutura sem variações. São particularidades que designam produções de sentido diverso, e é isso que deve interessar à análise. A importância analítica tanto desses traços mais difundidos quanto dessas particularidades, que aproximam e distanciam conjuntos diversos de instituições escolares, de modo algum se restringe à compreensão da"escola em si". Ao contrário, desdobra-se na própria realidade social em que ela é produzida, de tal modo que a análise da escola pode constituir uma forma de entrada na compreensão dessa realidade, possibilitando rastrear as forças mais atuantes, os processos mais disseminados, os valores mais enraizados 44 1. A escola brasileira em cada escala de tempo e espaço. O estudo dos aspectos particulares, inclusive, pode auxiliar na apreensão de movimentos na estrutura mais ampla, na medida em que estes sejam expressão de formas de resistência às forças, aos processos e aos valores mais disseminados. Tais resistências podem manifestar-se como oposição a um modo instituído - ao menos sempre que assumirem a forma de um enfrentamento direto, um confronto - ou como afirmação de outro modo de agir ou operar (Heckert, 2004), por meio, por exemplo, da instauração de um uso transformador ou da atribuição de um sentido novo (Ribeiro, 2000) a um mecanismo produzido para cumprir uma função instrumental em uma lógica dominante.5 A acentuação das particularidades, de todo modo, remeterá para o reconhecimento de formas históricas de escola cujo sentido de conjunto não é dado simplesmente por uma coerência formal interna do grupo de instituições sob estudo, por sua aparente unicidade de forma ou pela com- plementação funcional entre seus diversos elementos. Decerto, concorrem, para esse sentido de conjunto, reiterações, regularidades e complementa- ridades, mas não apenas no sentido das coesões. A apreensão da persistên- cia e da reiteração (inclusive por meio de atualizações) de contradições, res:stências e tensões pode falar mais a respeito do sentido de conjunto de um grupo de instituições do que o detalhamento de suas conformidades. A atenção nas tensões e contradições ajuda a lembrar que um conjunto não é necessariamente um agrupamento estável numa estrutura estável. Inclusive, a condição de persistência de alguns de seus traços pode ser exatamente a instabilidade, de maneira que seu aparente desaparecimento ou atenuação, seu esquecimento temporário, é o que permite seu "reaparecimento", for- talecido, em outra conjuntura (Gramsci, 2002). Por isso, a apreensão de um sentido de conjunto requer obrigatoriamente que seus possíveis traços constitutivos sejam rastreados na história, não apenas porque se modificam 5 A menção às resistências, aqui, comporta duas acepções igualmente importantes: con- trapcsição ou afirmação de uma perspectiva de ação diferente das perspectivas instituídas. A respeito da resistência como afirmação de um modo diverso de agir ou de valores diversos dos instituídos, ver Ana ClaraTorres Ribeiro (2000, p. 13-24) e Ana Heckert (2004). 45
  • 26. Escola pública e pobreza no Brasil ao longo do tempo, mas porque alguns só se revelam como tais quando vistos em movimento. Além disso, por fim, será necessário considerar que tal sentido não se constitui apenas a partir de elementos "internos" à própria escola ou a um campo escolar. Contam aqui também, fortemente, os elementos que só se desenham nas relações entre a escola e outras instituições, campos ou mesmo práticas sociais. Isso significa dizer (e retorno ao início desta dis- cussão) que não se reconhece uma instituição especializada apenas por sua estrutura organizacional "interna", mas obrigatoriamente por sua situação numa estrutura mais ampla, na qual mesmo as instituições "especializadas" acabam por se definir por um conjunto de funções nem sempre percep- tíveis de imediato e que, por vezes, se conflitam, só sendo apreensíveis se for considerada a forma histórica que tal instituição adquire em face das relações implicadas em seus usos e utilizações, nas disputas de projetos que aí se enunciam, nos "ajustes" de funções mediante sua posição num sistema mais abrangente de instituições, entre outras. Sendo formada nas relações implicadas nos projetos que para ela se dirigem, em seus usos e utilizações e, ainda, nas relações com outras instituições, só pelo desvendamento dessas relações pode-se compreender uma instituição especializada, inclusive no caráter de sua "especialização". É nesse contexto de problematizações que se pode reconhecer uma "escola brasileira" sem, com isso, postular uma unicidade de forma. Seu sentido de conjunto, nesse caso, não é definido simplesmente por sua con- dição jurídico-institucional - relativa ao fato de situar-se em território brasileiro e de constituir-se conforme as normas legais do país-, mas, principalmente, pela especificidade de traços comuns, complementaridades e contradições que demarcam tanto sua estrutura organizacional interna quanto sua situação e sua forma de presença no contexto da vida social do país e, portanto, num conjunto de relações mais amplas. São traços que permitem agregar, sem homogeneizar, instituições escolares diversas e aspectos diversos que participam de sua constituição, reconhecendo entre eles conexões dotadas de especificidade histórica. 1. A escola brasileira 2. I. FORMA HISTÓRICA E SISTEMA É importante, neste ponto, assinalar diferenças entre a formulação aqui apresentada e conceitos bastante usados no campo educacional, para evi- tar que eles sejam tomados como similares. Um desses conceitos é o de "forma escolar"; ao contrário da noção de "forma histórica da escola", aqui explorada com o intuito de acentuar as diferenciações que derivam do caráter histórico de sua formação como instituição social especializada, comumente designa uma forma de realização da educação, indissociável da emergência do ensino coletivo simultâneo e de sua gradual imposição (sem substituir por completo) sobre outras formas educativas, como as que ocorrem por meio das relações familiares ou em outras instâncias da vida social (Petitat, 1994). Seus traços mais facilmente identificáveis na forma organizacional peculiar que o processo educativo adquire - envolvendo o ordenamento da relação entre professor e alunos, dos procedimentos de ensino e aprendizagem, do tempo e do espaço, bem como a organização seletiva do conhecimento acumulado, entre outros aspectos - remetem a mudanças societárias importantes, como a constituição de um universo separado para a infância (Vincent, Lahire eThin, 2oo r), a intensificação da organização racional do tempo mediante sua extensão para processos forma- tivos socialmente abrangentes, a emergência de uma instância de socialização sobreposta a outras instâncias formativas menos abrangentes. No entanto, mesmo essas mudanças tendem a ser consideradas em seus aspectos mais generalizáveis, confirmando a tendência de utilização da expressão "forma escolar" para designar uma categoria genérica, um9ênero de relação educativa cujas características centrais podem ser observadas numa variedade muito grande de formas históricas de realização de tais relações. Note-se, ainda, certa autonomia do termo em relaç.ão ao conceito de "instituição escolar". Certamente, a emergência de uma "forma escolar" é indissociável do surgimento de instituições educativas especializadas, às quais cabe realizar um tipo particular de formação. No entanto, tão logo essa forma de relação educativa constitui-se como um gênero próprio, torna-se "utilizável" na consecução de processos educativos não neces- 47
  • 27. Escola pública e pobreza no Brasil sariamente realizados por tais instituições. Em contrapartida, é possível, também, postular que a definição de instituição escolar, se não chega a independer da definição de forma escolar, ao menos não é redutivel a ela. Todos esses aspectos diferenciam essa formulação, em pontos essenciais, da que se busca elaborar aqui por meio da discussão da formação histórica da escola brasileira. Outro conceito em relação ao qual é necessário estabelecer diferencia- ções é o de "sistema de ensino" (ou, ainda, sistema escolar ou educacional), que tentei evitar sempre que o objetivo era fazer referência ao sentido de conjunto de um grupo de instituições escolares, histórica e geograficamen- te situadas. Os motivos disso, no entanto, foram diferentes do primeiro caso. No campo educacional, o termo "sistema" está fortemente vinculado à forma jurídico-institucional que define, a partir do âmbito estatal, as regras pertinentes à realização da educação escolar. Falar em "sistema de ensino" ou"sistema escolar", no campo educacional, remete diretamente às normas que regem o ensino regular - dispondo a respeito das condições de sua realização em termos de ordenamento interno (sequenciamento, hierarquizações e variações dos níveis e modalidades de ensino)-, à or- ganização e ao funcionamento dos estabelecimentos escolares, às regras de acesso, aos requisitos relativos à função docente e demais funções especiali- zadas, entre outros aspectos. Como a referência à escola, neste livro, busca exatamente considerar aspectos que estão além do processo educativo e de sua normatização oficial, o uso do termo "sistema", na designação da escola, mostrou-se desde o início problemático, já que poderia induzir a um entendimento diverso do pretendido. Seria temerário, contudo, desprezar as possibilidades conceituais e ana- líticas contidas tanto na noção de sistema de ensino quanto na noção socio- lógica, mais ampla, de sistema. No caso do "sistema de ensino", é preciso ter em conta que a ordem jurídica, certamente, tem importância elevada na determinação e na compreensão de aspectos relevantes da formação da escola. Mas essa relevância não se deve apenas ao fato de essa ordem atuar sobre a formação da escola, no sentido de sua conformidade a certos parâ- metros.Deve-se, também, ao fato de que uma ordem jurídica é expressão 1. A escola brasileira de práticas sociais e relações de forças que antecedem e atravessam seu estabelecimento formal. Há sempre o risco, todavia, de que o estudo da escola, como estudo do sistema de ensino, valorize apenas os aspectos das práticas sociais que, em algum momento, assumiram uma forma jurídica, deixando em segundo plano os demais aspectos. No entanto, o fato de que certos elementos conti- dos nas práticas não tenham tomado a forma de uma disposição jurídica não representa que eles sejam irrelevantes na formação da escola. Ao contrário, há numerosos traços relevantes do ponto de vista da formação histórica de uma instituição que podem ser irrelevantes do ponto de vista de sua definição jurídica,6 o que remete à necessidade de o estudo da organização sistémica da escola não se restringir ao plano jurídico-institucional. Numa perspectiva sociológica ampla, um sistema será sempre mais que os elementos contidos em sua normatização oficial. Um sistema social, tenha ele caráter geral ou específico, referente a uma unidade da vida social (uma instituição, por exemplo), é constituído por elementos que atuam no ordenamento de ações, processos e relações sem que, para isso, tenham sido objeto de alguma regulação formal. É nesse sentido, inclusive, que Gramsci propõe a ampliação do conceito de "direito", de modo a incluir aquelas atividades que hoje são compreendidas na fórmula"indiferente jurídico" e que são de domínio da sociedade civil, que atua sem"sanções"ou"obrigações" taxativas, mas que nem por isso deixa de exercer uma pressão coletiva e de obter resultados objetivos de elaboração nos costumes, nos modos de pensar e de atuar, na moralidade etc. (2ooob, p. 23-4). 6 Sigo, a respeito, um princípio enunciado por Weber ( 200 r, p. 2 )O). Ele alerta para o fato de que, ainda que a ordem juddica tenha importância elevada na determinação e na compreensão de fatos relevantes sob outro ponto de vista (econômico, por exemplo), e ainda que ela represente, de alguma maneira, um ponto de chegada das práticas sociais, de modo algum deve ser tratada corno se fosse idêntica a outra ordem ou ao âmbito mais amplo da vida social em que essa ordem se inscreve. 49
  • 28. Escola público e pobreza no Brasil Tendo-se isso como referência, mesmo numa análise circunscrita ao âmbi- to estatal será possível reconhecer que parte da organização sistêmica de uma instituição social não resulta de suas regulações oficiais, mas de atividades, práticas e utilizações que, apesar de não previstas nas normas legais, têm a força de uma lei. A menção à organização sistêmica de qualquer âmbito da vida social não deve ater-se aos elementos que compõem sua organização oficial, mas envolver os demais elementos e conexões que concorrem para sua forma predominante de realização, orientada para determinados fins. Épreciso, ainda, atentar para o fato de que a totalidade sob investigação será sempre algo mais amplo que sua organização sistêmica. Ganha sentido, aqui, o alerta de Lefebvre ( 1980) a respeito da utilização indiscriminada do conceito de sistema e dos riscos de sua redução a uma forma modelar, indutora da busca de regularidades e coerências estáticas que, enfatizadas, tendem a destacar cristalizações em que se trata de flagrar movimentos. Na perspectiva que reduz tudo àorganização sistêmica, a ênfase pode recair com tal intensidade sobre as coesões que é apagado o movimento contraditório no qual numerosas diferenças são produzidas, de modo que, da diferença, só aparece o que foi capturado e incorporado à organização sistêmica como elemento subordinado e instrumental. o mesmo se pode dizer das comple- mentaridades, que em geral aparecem como dadas, apagando-se as tensões que precedem os planejamentos, os ajustes, as regulações e os regulamentos. As tensões, assim, só aparecem corno disfunções a serem superadas. Há o risco, portanto, de apagamento ou atenuação do movimento his- tórico que forma e modifica a própria organização sistêmica. Esta, em sua versão modelar, tendo em vista o grau de coerência que lhe é atribuído, torna-se fortemente irnpositiva. Projetada sobre o processo histórico, pode fazer pensar o sistema como ''bem constituído desde a sua formação, com todos os seus órgãos" (ib., p. 235), quando, na verdade, sob a Ótica da vida social, "nunca existe um sistema acabado, mas esforço no sentido da siste- matização - no sentido da coerência e da coesão - a partir das relações de produção e das suas contradições" (ih., p. 2 35, grifos do autor). São esfor- ços dirigidos à tentativa de "extrair urna coesão do caos das contradições, apoiando-se nos mecanismos reguladores" (ih., p. 2 3_s--6), remetendo, pois, i;o 1. A escola brasileira ao estabelecimento de ordenações que implicam a seleção e a normatização de sequenciamentos, segmentações, conexões, hierarquias. Por meio deles, busca-se regular ações, induzir processos, reconhecer ou invalidar direitos e deveres, e, com isso, controlar e reduzir conflitos, atenuar suas consequên- cias, como forma de garantir a "governabilidade" dos processos. Tudo isso serve de alerta a respeito dos caminhos a serem tomados na investigação e análise da forma assumida pela escola em determinado país, região, cidade. Em primeiro lugar, para não reduzi-la à sua organização sistêmica. Em segundo, para ser possível considerar sua própria organi- zação sistêmica como inscrita numa problemática societária, econômica e política, o que pressupõe entendê-la como inacabada e aberta, sujeita a contradições, muitas vezes resultantes dos próprios mecanismos origi- nalmente criados com a finalidade de ajustar e regular o sistema, mas que apresentam desdobramentos não previstos, capazes, inclusive, de levar o sistema a urna situação de crise e explosão. Senão, como explicar a escola em seu movimento histórico (e portanto sempre inacabado) de formação e mudanças, se a busca das coesões vier a abafar os choques, as contradições, as tensões que provocam parte fundamental de seus movimentos? Corno apreender os "pontos comuns" que se formam não apenas no sentido da conformidade a um Único fim, mas também no da agregação de resistências e da produção de novas finalidades que concorrem com outras já instituídas? Como, por fim, entender as complementaridades, além de seus sentidos instrumentais, como resultado de aproximações históricas atravessadas por múltiplos proces~os e saturadas de múltiplas significações? A tentativa de pensar as formas históricas assumidas pela escola, a partir dessas questões, parece exigir urna recusa de sua identificação direta com ·os "sistemas de ensino", mas, ao mesmo tempo, o reconhecimento de que, para a produção histórica dessas formas, concorrem, entre outros impulsos, aqueles implicados nos esforços dirigidos à sua sistematização. Diferente- mente da ênfase no "sistema" como modelo acabado, a consideração dos "esforços de sistematização" pode melhor permitir, quando necessário, deslocar o foco da análise para o que está além do regulamento e é irredu- tível a ele, o que só é explicável se for levado em conta o que resulta não
  • 29. Escola pública e pobreza no Brasil apenas da vontade e dos objetivos dos indivíduos e grupos, mas, como já dito, do choque entre eles. Mesmo que o estudo da escola se debruce sobre os esforços de sistemati- zação, e não, por exemplo, sobre seus usos, ainda assim os usos, em alguma medida, serão visíveis, pois os esforços de sistematização, como tentativas de domínio que são, sempre indiciam algo sobre a realidade que se quer ver domada. Um estudo da escola, nessa perspectiva, não será nunca um estudo pura e simplesmente das ações "do Estado", mas das forças que mais intensamente participam na conformação dessas ações e de outras forças que, deliberadamente ou não, afirmam ou indiciam ações em outras dire- ções, pondo-se em franca contraposição ou apenas em posição de tensão e, em alguns casos, apontando tentativas de sistematização de sentido diverso daquele proposto nas ações estatais. A delimitação de diferenças entre as formas históricas da escola, sua or- ganização sistêmica ampla e os sistemas formais de ensino, que, no mínimo, são diferenças de abrangência, é feita, aqui, com o intuito de explicitar que a investigação do nível mais amplo implica considerar os outros dois níveis em sua composição. A opção pelo termo "forma histórica de escola" parte do entendimento de que ele comporta a organização sistêmica assumida pela escola, que é dinâmica, mas se abre a aspectos não necessariamente contidos nessa organização, que podem apontar, inclusive, para os movimentos que se formam no sentido de modificações não instrumentais ao sistema vigente. Não quero, com estas observações, invalidar orientações analíticas que permitem outras formas de "entrada" na problemática contemporânea da escola. Nem pretendo desqualificar recortes feitos com o intuito de permitir a investigação mais detalhada de um aspecto ou processo atuante num fenômeno mais amplo. Apenas busco explicitar o rumo tomado neste trabalho e o fato de que ele resulta de uma tentativa de construção (feita de inúmeras apropriações) de caminhos que me pareceram garantir me- lhor a aproximação analítica de uma forma histórica de escola dotada de especificidades e contradições. São caminhos oportunos frente ao interesse de entendimento não só dos impasses e desafios da escola "em si", mas da própria formação societária e política brasileira que com essa escola está 1. A escola brasileira implicada, tendo em vista, como já apontado, que o estudo da escola no Brasil pode representar a interpretação de processos e fenômenos que têm papel nuclear na própria organização social e política brasileira. 3. O sentido das mudanças Feitas essas observações, é preciso reconhecer que a investigação da escola brasileira conforme o movimento apontado, por diversas vezes, a mim mesma pareceu perigosa. Havia o risco de estar procurando chifres em cabeça de cavalo. A política educacional da década de r990, especialmente a partir da primeira gestão do presidente Fernando Henrique Cardoso, do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), iniciada em r 99 5, entranhara for- temente o debate sobre a escola brasileira nos problemas da eficiência do ensino e de sua baixa produtividade. A situação do ensino não era mesmo de se negligenciar. Transcorridos mais de vinte anos do início da última grande reforma educacional de abrangência nacional, conduzida pela lei 5 .69 2 / r97 r, o que se destacava no panorama da escolarização nacional era a persistência de antigos problemas relativos ao ingresso, àpermanência e à formação escolar. Ficando apenas nas informações relativas ao rendimento escolar, pelos dados do Censo Escolar de r994, realizado pelo Ministé- rio da Educação (MEC), dos 31.910.974 alunos matriculados no ensino fundamental, apenas 67, 2% haviam sido aprovados, r 6, r 2% haviam sido reprovados e os demais r 6,67% formavam um conjunto provavelmente composto por matrículas duplicadas ou transferências, mas também, e principalmente, por alunos evadidos, muitas vezes por terem como certa a reprovação. Na primeira série desse nível de ensino; o índice era ainda pior: apenas 57,49°/o tinham obtido aprovação. Somando-se a isso a maior visibilidade de problemas como a violência, a indisciplina e a depredação do espaço escolar - fenômenos comumente associados, entre outros aspectos, ao recrudescimento da pobreza, ao qua- dro de degradação da vida urbana e à deterioração dos serviços públicos 53