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História da formação docente no Brasil




      HISTÓRIA DA FORMAÇÃO
        DOCENTE NO BRASIL




    VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005
                                                                           1
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História da formação docente no Brasil




                                           SUMÁRIO




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História da formação docente no Brasil



                   A BRINCADEIRA COMO ATIVIDADE
                      PRINCIPAL PARA A CRIANÇA

            LIMA, José Milton. Faculdade de Ciências e Tecnologia – FCT/UNESP


                INTRODUÇÃO


              Constata-se um crescimento significativo do número de estudos, cursos, pesquisas
e publicações que abordam a atividade lúdica e suas possibilidades como recurso pedagógico.
Por outro lado, verifica-se também que, no interior das instituições educacionais, são lentos os
avanços na incorporação da brincadeira como um valioso meio de aprendizagem e desenvolvimento.
A brincadeira tem sido utilizada, simplesmente, como um momento de relaxamento, descanso e
desgaste de energia excedente das crianças. Utilizar a brincadeira como recurso pedagógico,
segundo Lima (2003b), exige do educador fundamentação teórico-prática, clareza de princípios e
de finalidades. Avanços na superação da dicotomia entre o brincar e o aprender podem ocorrer,
quando o professor se apropriar de subsídios teóricos que consigam convencê-lo e sensibilizá-lo
sobre a importância dessa atividade para a aprendizagem e para o desenvolvimento da criança.


                A BRINCADEIRA COMO ATIVIDADE PRINCIPAL NA EDUCAÇÃO INFANTIL


                Estudos que pretendem discutir o emprego da brincadeira como recurso pedagógico
devem primeiro se posicionar sobre o papel e a função da Educação Infantil, no contexto histórico
atual. Apoiado em Leontiev (1978), ressalto que, na sociedade contemporânea, a Educação Infantil
cumpre um papel essencial no processo de formação das gerações mais novas. A espécie humana,
diferentemente de outras espécies, não fixa biologicamente as aquisições sociais historicamente
construídas, nem consegue transmiti-las por herança genética; depende da mediação que se dá,
principalmente, na transmissão pela geração mais antiga da produção cultural alcançada à geração
mais nova. O homem não nasce com suas capacidades humanas, mas as adquire no interior das
práticas sociais, em estreita relação e comunicação com as outras pessoas (processo interpsíquico)
e que permitem a internalização da produção cultural e social para o plano individual (processo
intrapsíquico). As interferências adequadas, significativas e diversificadas produzem a
aprendizagem, ampliam os conhecimentos e desenvolvem capacidades, que possibilitam à criança
a tomada de consciência de si, dos outros e do mundo.
              Elkonin (1987) aponta alguns pressupostos que precisam ser considerados, no
processo de educação da criança; inicialmente, o processo educacional deve se balizar pela busca
da coincidência da periodização pedagógica com a periodização do desenvolvimento psíquico;
precisa ainda considerar as características gerais do período de desenvolvimento; levar em conta




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as particularidades individuais de desenvolvimento e as condições de vida e educação, nas quais
a criança está inserida; por fim, explorar a atividade principal de cada um dos períodos de
desenvolvimento. A soma desses fatores propiciará o máximo de emprego das potencialidades da
criança, na promoção do seu desenvolvimento completo e multilateral.
               O processo de desenvolvimento infantil caracteriza-se pelo aparecimento de estágios,
com uma certa seqüência, e neles várias atividades influenciam o desenvolvimento da criança.
Dentre as atividades, um tipo específico, em especial, se sobressai e é denominado pela Teoria
Histórico-Cultural, como “atividade principal”.
               Leontiev (VYGOTSKY et al., 1988, p.64-65) define a atividade principal como um
tipo de atividade que se destaca, entre outras, num determinado estágio, por exercer uma maior
influência no desenvolvimento psicológico e na formação da personalidade da criança. Três atributos
básicos caracterizam a atividade principal: primeiro, esse tipo de atividade é responsável pelas
principais mudanças psicológicas na personalidade infantil; segundo, as influências da atividade
principal reorganizam e dão aos processos psíquicos um outro formato; e, por último, a atividade
principal de um período serve de base para o surgimento de um outro tipo de atividade, dominante
no período seguinte.
              Os fatores que determinam o surgimento da atividade principal nos diferentes estágios
são as condições concretas de vida da criança, que alteram o lugar que ela ocupa no sistema de
relações sociais e provocam novas expectativas no adulto. De acordo com Elkonin (1987) e Venguer
(1986), no período do nascimento aos sete anos, a vida e as condições de existência da criança
sofrem mudanças bruscas e três tipos de atividade principal aparecem e precisam ser
adequadamente exploradas pelos educadores. A primeira atividade principal surge no período de
lactância, etapa que se estende do nascimento até o primeiro ano de vida, e se caracteriza pela
relação emocional estabelecida entre o adulto e a criança. A garantia de existência da criança, por
intermédio da relação afetiva e emocional, do contato físico, da alimentação, dos cuidados higiênicos,
da comunicação, das brincadeiras, do apoio e das condições dadas pelo adulto, torna-se a base
para o desenvolvimento dos equipamentos sensoriais. Esse processo é resultante da maturação e
determinado pela influência social. O adulto exerce um papel central, ao criar as condições
necessárias, muitas vezes até de forma não consciente, para que a criança possa desenvolver e
aperfeiçoar a apreensão, a direção psíquica dos movimentos e a percepção visual.
               Por volta de um ano de idade, a relação entre criança e adulto é substancialmente
alterada. A estreita interação estabelecida, no período de lactância, despertou novas necessidades
na criança. O mundo dos objetos, que ela conheceu a partir do processo de comunicação com o
adulto, atraiu a sua atenção e promoveu o surgimento de um novo tipo de atividade principal. O
novo tipo de atividade principal que surge determina importantes alterações psicológicas na criança.
Ao atuar com os objetos, a criança não se isola, mas, sob a influência do adulto, conhece, observa,
imita, experimenta e manipula os objetos. Segundo Elkonin (1998, p.221), num primeiro momento,
a criança internaliza os esquemas gerais de manipulação, depois amplia a sua compreensão
sobre a designação dos objetos no contexto social e aprimora as suas operações, que no início são
soltas, à forma física do objeto e às condições de execução.



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             A relação que a criança estabelece com os objetos não se restringe à exploração e
à experimentação, mas criam as condições e as premissas para o surgimento da brincadeira.
Considerando as suas condições de vida, a criança evolui, progressivamente, no domínio e na
realização de ações com os objetos. No decorrer desse processo, aparecem dois tipos de
transferência dos objetos. Em alguns casos, afirma Elkonin (1998, 223-225), a criança transfere a
ação aprendida com objetos para outras situações diferentes. Como exemplo, o autor destaca: “a
criança aprendeu a pentear com um pente a própria cabeça, e passa em seguida a pentear a
boneca, o cavalo de papelão, o urso de pelúcia (...)”. Em outros casos, faz a mesma ação, porém
substitui o pente por um outro objeto qualquer, uma régua ou um pedaço de pau. A menina pega
um palito de fósforo sobre a mesa e o utiliza para pentear o cabelo da sua boneca. Verifica-se que,
no primeiro tipo de substituição, ocorreu a generalização da ação, no segundo, houve a separação
do objeto do esquema de ação. Para a criança, inicialmente, o que interessa é substituir um objeto
pelo outro; não se preocupa se existe qualquer semelhança com o objeto autêntico: cor, tamanho,
forma, textura. Tais atividades são denominadas de atividades lúdicas iniciais e representam atos
que a criança observa no mundo adulto: pentear, dar comida, lavar, dirigir, costurar, construir,
entre outros.
               A evolução dessas atividades lúdicas iniciais vai acontecer por volta dos dois anos
e meio a três anos, e o que vai determiná-la é o surgimento dos primeiros indícios de papéis. A
criança vai percebendo a semelhança da sua atividade com a do adulto e começa a exercer papéis
sugeridos por este e por outros personagens que assimila. No fim da infância inicial, por volta dos
três anos, a relação com os objetos deixa de ser a atividade principal e dá origem às brincadeiras
de faz de conta ou de papéis. Nesse novo tipo de atividade, a lógica das atividades não está presa
aos objetos, mas reflete a lógica das ações reais das pessoas.
              Elkonin (1998, p.403-406) destaca que não é a ampliação dos círculos de objetos
com os quais a criança atua que vai determinar o aparecimento da brincadeira, mas sim o mundo
“novo” que a criança descobre, no início do período pré-escolar. Antes, esse mundo humano
estava escondido atrás do mundo objetivo; o homem estava encoberto pelos objetos. Nessa nova
etapa, a criança enxerga o adulto e toma suas atividades, funções e relações como modelos. Os
objetos, que antes determinavam as ações das crianças, agora passam a ser um meio para que
ela represente o mundo adulto.
              A sensação de vivenciar papéis é carregada de emoção e faz com que a criança se
converta alegremente em adulto, assuma o seu papel e busque uma identificação com este. Pode-
se constatar que esse tipo de brincadeira, destaca Elkonin, não opera com a esfera das necessidades
do mundo infantil, mas com a crescente consciência que a criança adquire do lugar limitado que
ocupa, no sistema de relações dos adultos. Tais fatores operam um impacto emocional, criam a
necessidade e motivam a criança a adentrar na vida dos adultos, apreender as suas funções
sociais e os sentidos da atividade humana. Outras atividades, com certeza, colaboram para o
aparecimento dessas necessidades, afirma Elkonin (1998, p.406), mas nenhuma se equipara à
brincadeira, pela forte carga emotiva que desperta na criança, ao levá-la a tomar consciência das
funções e do significado da vida adulta.




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                 O espaço da brincadeira só é possível em função de um processo novo que surge
na criança, a imaginação. Ela é uma forma especificamente humana de atividade consciente,
inexistente nos períodos anteriores da criança e nos animais. Esclarece Leontiev (1988, p.127)
que não é a situação imaginária que determina a ação da criança, na brincadeira, mas pelo
contrário “são as condições da ação que a tornam necessária e dão origem a ela”. Venguer (1986,
p.133) afirma que é na atividade lúdica que se evidencia de forma mais clara a função simbólica
da consciência. A criança realiza uma ação e pressupõe outra, utiliza um objeto e leva em conta
outro, isto é, realiza uma ação com caráter simbólico.
                 A brincadeira, realizada no mundo imaginário, é um tipo de ação livre, não produtiva,
pois a criança pode escolher objetos e utilizar diferentes modos de operação. O alvo, segundo
Leontiev (1988, p.123), não está preso ao resultado, mas, sim, ao processo, ao conteúdo da
própria atividade. Quando o objetivo dessa atividade se modifica e o resultado se torna o alvo
principal, essa atividade deixa de ser brincadeira.
            A brincadeira, conforme foi destacado, é uma forma de expressão e apropriação do
mundo das relações, das atividades e dos papéis dos adultos. A criança, por intermédio das
atividades lúdicas, atua, mesmo que simbolicamente, nas diferentes esferas humanas, reelaborando
sentimentos, conhecimentos, significados e atitudes. Quando brinca, enfatiza Vygotsky (1991), a
criança parece mais madura do que é, na realidade, pois se infiltra, mesmo que simbolicamente,
no mundo adulto que cada vez mais se abre para ela e lida com os mais diversos temas. A
brincadeira é fonte privilegiada de desenvolvimento proximal e colabora para que a criança assimile
e estruture novas aprendizagens, avançando no seu estágio de desenvolvimento.


                 A BRINCADEIRA COMO FONTE DE DESENVOLVIMENTO PROXIMAL


                 Vygotsky (1991, p.97) define zona de desenvolvimento proximal (ZDP), relacionando
a distância entre o patamar de “desenvolvimento real”, que se caracteriza pela capacidade de o
sujeito agir, resolver problemas de forma independente, sem nenhum apoio ou orientação, e o
nível de “desenvolvimento potencial”, assinalado pela necessidade do sujeito de ajuda e colaboração
de um adulto e ou de um companheiro mais experiente, que podem orientá-lo na realização ou na
solução de problemas.
              A aprendizagem se situa precisamente nesta zona, e corresponde ao que, em
princípio, a criança é capaz de fazer ou conhecer unicamente com a orientação de seus semelhantes
(crianças e adultos). Logo que se estabiliza a aprendizagem, a criança adquire independência e
torna-se capaz de fazer ou conhecer por si só, atinge novamente o estágio de desenvolvimento
real, abrindo margens para interferências e influências mais complexas. As atividades lúdicas,
segundo Vygotsky, são fontes de desenvolvimento proximal, pois, a criança, quando brinca,
demonstra e assume um comportamento mais desenvolvido do que aquele que tem na vida real.
As atividades lúdicas oportunizam situações de atuação coletiva, possibilitam imitações de
comportamentos mais avançado de um semelhante, exercício de funções e papéis para os quais
ela ainda não está apta, o conhecimento e o contato com objetos reais e com aqueles criados para



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atender aos seus desejos de experimentação. (VYGOTSKY, 1991, p.97). O professor pode
desenvolver, por meio da brincadeira, conhecimentos, habilidades, funções e comportamentos
que estão latentes ou em estado de formação na criança.
             Venguer (1986, p.142) afirma que a brincadeira é uma influência constante no
desenvolvimento das diversas faculdades humanas da criança, entre outras, o pensamento, a
imaginação, a atenção, a concentração, a memória, a socialização, a linguagem, a personalidade,
o domínio da vontade, a motricidade, preparando a criança para atividades lúdicas mais complexas
e para as obrigações sociais.
               No que se refere ao desenvolvimento do pensamento, o autor destaca que as criações
e as ações, nas situações lúdicas, fazem com que a criança aprenda a agir substituindo os objetos
e significados e relacionando-os com as exigências da proposta lúdica. O objeto substituto se
converte em apoio para o pensamento e, a partir das ações realizadas com ele, a criança aprende
a pensar acerca do objeto real. Gradualmente, as ações lúdicas apoiadas nos objetos vão se
abreviando e a criança aprende a pensar e atuar com esses, no plano intelectual. Desse modo, a
brincadeira contribui, em grande medida, para que a criança evolua ao pensamento no plano da
representação. A criança, nos jogos infantis, aprende a substituir os objetos e as ações, assumindo
diferentes papéis que servem de base para o desenvolvimento da imaginação. No decorrer do seu
desenvolvimento, a criança compreende, no pensamento, os objetos e as ações que realiza com
eles e, a partir dessa competência, reelabora na sua imaginação novas situações.
                De acordo com Venguer (1986, p.141-142), a atividade lúdica exerce grande
influência na formação dos processos psíquicos voluntários, pois a criança necessita desenvolver,
ao brincar, a concentração, a atenção e a memória voluntária. As situações de brincadeira exigem
uma maior concentração e o autor afirma, fundamentado em experimentos, que a criança chega a
utilizar a memória, de forma mais eficaz, nessas situações, do que nas condições de experiência
em laboratório. O objetivo na atividade lúdica é consciente e as exigências de concentração e
memorização apresentam-se na brincadeira de maneira precoce e mais fácil para a criança.
Situações experimentais demonstram que, quando uma criança participa da atividade lúdica, não
prestando a devida atenção e não recordando as condições propostas e definidas, as outras crianças
perdem o interesse em brincar com ela. As necessidades de comunicação e de estímulo emocional
motivam a criança a se manter concentrada e promover memorizações orientadas a um fim
determinado.
              As experiências coletivas nas interações lúdicas estão, especialmente, determinadas
sobre a base de uma propriedade particular de pensamento, que leva a criança a desdobrar-se
para se colocar no ponto de vista do outro, buscar consenso, fazer acordos, atuar de forma oposta
e complementar, antecipar condutas futuras e, a partir dessas exigências, estruturar o próprio
comportamento e considerar o outro nas suas ações. A brincadeira exerce, de acordo com Venguer
(1986, p.143), uma grande influência no desenvolvimento da personalidade, pois, ao praticá-la, a
criança passa a conhecer as condutas, os papéis sociais e as interações dos adultos, e esse
conhecimento serve de modelo, de referencial para a sua própria conduta, promovendo as qualidades
indispensáveis para o estabelecimento das interações atuais e futuras com seus semelhantes.




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               As brincadeiras, segundo Venguer (1986, p.134-135), retratam a variada realidade
que cerca as crianças. Os argumentos vivenciados e os conteúdos da atividade lúdica são retirados
das diversas atividades humanas, entre outras, de trabalho, de lazer, das relações interpessoais,
dos objetos e dos fatos relevantes da época em que vivem. Quanto mais a criança amplia os
conhecimentos da realidade com a qual se defronta, mais ricos e variados são os argumentos e os
conteúdos usados nas brincadeiras. O desenvolvimento do argumento e do conteúdo das atividades
lúdicas reflete a maneira pela qual a criança vai penetrando, cada vez mais profundamente, na
vida dos adultos que a rodeiam.
             A brincadeira também contribui de maneira significativa para o desenvolvimento da
linguagem, pois requer da criança um determinado nível de desenvolvimento de comunicação
verbal. Nas situações lúdicas, as crianças são instigadas a expressar suas vontades e suas intenções,
de forma compreensível. As necessidades de comunicação e de se fazer compreender impulsionam
o exercício, o aperfeiçoamento e o desenvolvimento coerente da linguagem. Quanto mais a criança
se desenvolve, nesse aspecto, mais possibilidades têm de estender e enriquecer os temas e os
conteúdos das suas brincadeiras.
             As mudanças quantitativas e qualitativas da motricidade infantil não ocorrem de
forma isolada, mas também estão inseridas nesse contexto mais amplo de educação e são
determinadas pelas tarefas propostas e pelos motivos que impulsionam a criança a agir, no contexto
social e histórico no qual está inserida. O objetivo principal do desenvolvimento e da educação do
movimento, na perspectiva de Zaporózhets (1987, p.71-73), é a diversificação, ampliação e o
controle consciente de diferentes capacidades motoras, subordinando-as à vontade do sujeito e
transformando-as em meios para responder às exigências do contexto sociocultural. Na brincadeira
do período pré-escolar, acontece, em grande medida, o desenvolvimento da motricidade da criança.
Os motivos presentes nesse tipo de atividade criam na criança estímulos intensos que a impulsionam
a realizar determinados movimentos, gerando condições e situações que deixam um marco pecu-
liar em todo o aspecto motor do pré-escolar. A influência da brincadeira contribui, principalmente,
na estruturação do aspecto geral do movimento e na forma expressiva de sua realização. Zaporózhetz
(1987, p. 82) enxerga a atividade lúdica como um valioso recurso que permite a exercitação e a
estruturação das novas conquistas motoras, possibilitando, posteriormente, a sua utilização pela
criança na solução de atividades práticas, com desenvoltura e sem maiores problemas.
               Uma outra importante tarefa a ser assumida na educação das crianças, na idade
pré-escolar, é a preparação para o estudo sistemático e para o trabalho produtivo. Essas atividades,
em suas formas desenvolvidas, segundo Venguer (1986, p.143), deveriam estar fora do marco
pré-escolar. A preparação da criança ocorre, fundamentalmente, através da brincadeira e dos tipos
de atividades produtivas (atividades artísticas e de construção). Nas atividades lúdicas, aparecem
as primeiras formas de concordância, de planejamento, distribuição das ações e os hábitos de
ações conjuntas. Nas atividades produtivas, por sua vez, as crianças aprendem a buscar um
resultado produtivo e pré-fixado; além disso, controlam, comparam e avaliam o seu trabalho.
Pesquisas realizadas, afirma o autor, demonstraram que, quando crianças pré-escolares se
propunham realizar as mesmas tarefas em forma de trabalho e de brincadeira, eram estas últimas




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que mais se pareciam com o verdadeiro trabalho. O importante não era que as crianças alcançassem
grandes resultados, nas ações laborais infantis, mas sim que as identificassem precisamente
como laborais, aspecto que contribui para o desenvolvimento psíquico geral e as prepara para a
vida adulta futura.
               No período pré-escolar, a realidade que cerca a criança se abre cada vez mais para
ela, ampliando seus horizontes e conhecimentos. As condições concretas histórico-sociais imprimem
necessidades e motivos novos e fazem com que a brincadeira, que exerceu um papel decisivo no
desenvolvimento infantil e preparou a criança para novas exigências sociais, ceda o seu lugar a um
outro tipo de atividade principal: as obrigações sociais.
                O surgimento da nova atividade principal, caracterizada pelas obrigações sociais,
tem como causa principal a entrada da criança na escola, dando origem a uma série de modificações
na sua vida. O lugar que a criança ocupa no mundo adulto é modificado e alterado, em razão da
ampliação do seu sistema de relações sociais; suas obrigações não se restringem apenas aos pais
e professores, mas são obrigações mais amplas, de caráter social. A forma de a criança ser tratada
também é alterada e novos deveres são impostos e cobrados. Essas mudanças dão origem a
novos motivos e necessidades, ampliando a capacidade da criança de se relacionar e de se apropriar
da realidade. Cabe destacar que a mudança na atividade principal não elimina a importância da
atividade lúdica, no desenvolvimento da criança, pois a entrada no período escolar coincide com a
evolução na maneira de a criança jogar. A brincadeira, atividade principal no período pré-escolar,
caracterizada pelo predomínio da imaginação sobre a regra, no final do período pré-escolar evolui
para o predomínio da regra sobre a imaginação, transformando-se em jogo de regras.
            O jogo de regras, pelas suas características de atividade social, que exige atuação
complementar entre os participantes e regras explícitas, é bem mais complexo, requerendo da
criança as capacidades desenvolvidas no período pré-escolar e, ao mesmo tempo, transformando-
se num espaço fértil para a aprendizagem e desenvolvimento de outras capacidades, fundamentais
nesse estágio de desenvolvimento infantil. No espaço do jogo, a criança tem oportunidade de
desenvolver capacidades e atitudes essenciais para responder às novas expectativas e exigências
sociais, entre outras, a capacidade de comunicação e organização, o domínio da vontade, a
participação em trabalhos coletivos, a persistência na superação de obstáculos, a autonomia e
independência, movimentos mais complexos, a obediência e a consciência da possibilidade de
mudança de acordos estabelecidos. A brincadeira evolui para o jogo de regras, porém não tira o
nível de importância desse tipo de atividade no desenvolvimento da criança e também não altera
a principal característica das atividades lúdicas, que é a predominância do processo sobre o produto.


                CONSIDERAÇÕES FINAIS


                Segundo Lima (2003a), a brincadeira na Educação Infantil, em grande parte, é
concebida numa perspectiva biológica, natural. As crianças são levadas para espaços, entre outros,
tanques de areia, quiosques, brinquedotecas, árvores, quadras, parques infantis e ficam “soltas”




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para brincar. O professor cuida das crianças, nesses espaços, sem, todavia, comprometer-se com
as atividades que estão sendo realizadas. Não está atento ou preocupado em compreender os
argumentos, os conteúdos das atividades, nem em propor sugestões, intervir ou usar esse espaço
de maneira diversificada e complementar às outras atividades pedagógicas. O brincar, nesse
contexto, é concebido como “recreação”, lugar para a criança gastar a energia excedente, ou
ainda, um meio para tapar os “buracos” que surgem, no processo de organização da rotina escolar.
               Instituições infantis também têm cometido equívocos, ao tentar implementar as
atividades lúdicas, no contexto educacional. Algumas utilizam-se da brincadeira como um atrativo,
um chamariz. No início dos anos letivos, as crianças usufruem de um tempo maior para brincar,
em um período de adaptação; depois, essas atividades são secundarizadas e o investimento, na
formação da criança, volta-se quase que exclusivamente para as competências lingüísticas e
lógico-matemáticas. Outras, no entanto, têm utilizado a brincadeira como um engodo, uma atração
para prender a atenção das crianças nos conteúdos escolares. A brincadeira e o jogo são
transformados em recurso para as aprendizagens de conteúdos de outras áreas. O professor
define os meios, os conteúdos e os objetivos da atividade e a criança executa, apresentando para
o professor o resultado. A atividade que tem como característica o produto predominando sobre o
processo não se configura como jogo ou brincadeira. Nas atividades lúdicas, o processo deve
predominar sobre o produto, a criança está livre para escolher os meios, os objetivos e os materiais
necessários para brincar. Tal ressalva, porém, não impede a utilização de brincadeiras, dentro da
sala de aula; objetiva apenas alertar o educador, destacando que, tanto dentro da sala de aula,
como nos espaços externos, as características essenciais das atividades lúdicas devem ser
garantidas.
                 No espaço lúdico, de forma imaginativa, espontânea e criativa, as crianças estabilizam
aquilo que já sabem e reelaboram conhecimentos, sentimentos, valores. A escola também contribui
nesse processo, ao valorizar as atividades lúdicas e ao promover, junto às crianças, aprendizagens
significativas nas diferentes áreas, entre outras: a Literatura Infantil, a Arte, a História, a Geografia,
a Matemática, a Leitura e a Escrita.
               Por outro lado, a criança, quando brinca ou joga, desenvolve conhecimentos,
habilidades, atitudes e competências, destaque para o pensamento, a imaginação, a vontade, a
memória, a concentração, a atenção, a linguagem, a comunicação, os valores, a orientação espaço-
temporal, a auto-estima, a motricidade, que a preparam para o estudo e para o mundo do trabalho.
              Posso afirmar, tomando como referência os autores da Teoria Histórico-Cultural,como
Vygotsky, Venguer, Leontiev e Elkonin, que a secundarização da brincadeira, na Educação Infantil,
concebida por esses autores como atividade principal, reduz as condições e as oportunidades de
aprendizagem e de desenvolvimento da criança. Não procurar compreender o que a criança traz
para o mundo lúdico e o quanto esse espaço é rico para o desenvolvimento multilateral do educando
é uma atitude que não se pode conceber mais, nas instituições educacionais e na prática educativa
dos professores da Educação Infantil, considerando os prejuízos que tal opção pode provocar, na
formação e no desenvolvimento da criança.




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História da formação docente no Brasil


                REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

ELKONIN, D.B. Sobre el problema de la periodización del desarrollo psíquico en la infancia. In: La
Psicología evolutiva y Pedagogía en la URSS. Moscou: Editorial Progresso, 1987. p. 104-124.

______. Psicologia do jogo. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

LEONTIEV, A. O desenvolvimento do psiquismo. Lisboa: Livros Horizonte, 1978.

LIMA, J.M. O jogar e o aprender no contexto educacional: uma falsa dicotomia. 2003. Tese
(Doutorado em Educação) – Faculdade de Filosofia e Ciências – UNESP de Marília, 2003a.

LIMA, J. M. A importância do jogo e da brincadeira para o desenvolvimento das múltiplas inteligências
da criança. In: Atuação de Professores: propostas para ação reflexiva no ensino fundamental – 1ª
ed. Araraquara: JM Editora, 2003b.

VENGUER, L. Temas de Psicología Pre-escolar. Havana: Pueblo y Educación, 1986.

VYGOTSKY, L.S. A formação social da mente. 4.ed. São Paulo: Martins Fontes, 1991.

VYGOTSKY, L.S.; LURIA, A. R.; LEONTIEV, A. N. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem.
4.ed. São Paulo: Ícone: EDUSP, 1988.

ZAPORÓZETS, A. Estudio psicológico del desarrollo de la motricidad en el niño preescolar. La
Psicología Evolutiva Y Pedagógica En La URSS. Antología. URSS: Editora Progreso, 1987, p.71-
82.




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      A FORMAÇÃO DOCENTE NO CONTEXTO DA
    LEGISLAÇÃO EDUCACIONAL BRASILEIRA ATUAL

                         BRANDÃO, Carlos da Fonseca (UNESP - Assis)


               Em 23 de dezembro de 2005, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(Lei nº 9.394/96 - LDB) irá completar 9 anos de vigência. Ao completar quase uma década de
existência, nos sentimos estimulados a realizar uma discussão sobre a questão da formação
docente em seu contexto.
              Entendemos que ao realizar uma discussão sofre a formação docente no contexto
da LDB, a principal lei que rege a educação brasileira, explicitando as possíveis conseqüências e
sua aplicação na realidade educacional brasileira, elucidando suas coerências e/ou incoerências,
frente às necessidades educacionais brasileiras, assim como, analisando as perspectivas que
essa lei ainda suscita, estaremos dando a nossa contribuição à transformação da realidade
educacional do país.
            As discussões sobre a elaboração de uma nova Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional para o Brasil duraram aproximadamente oito anos. Não é a primeira vez na
história da educação brasileira que a elaboração da chamada “constituição do ensino” demora
tanto tempo. A primeira Lei de Diretrizes e Bases, pela qual a educação brasileira foi regida até
dezembro de 1996, teve sua versão inicial enviada ao Congresso Nacional em 1948, somente
sendo promulgada treze anos depois, em 1961, pelo então presidente João Goulart (Lei nº 4.024/
61).
             Com o golpe militar perpetrado em 1964, a Lei nº 4.024/61 foi sendo,
progressivamente, modificada. Os governos militares pós-64, colocaram para o país novas leis
educacionais. As principais foram: a Reforma Universitária (Lei nº 5.540/68), a Reforma do Ensino
de 1º e 2º graus (Lei nº 5.692/71) e a Lei nº 7.044/82, que determinava o fim da obrigatoriedade do
ensino profissionalizante no 2º grau, introduzido pela Lei nº 5.692/71, reconhecendo assim,
oficialmente, o fracasso da política educacional empreendida pelo regime ditatorial militar.
               A posse, em 15 de março de 1985, de um governo civil, não só encerra a ditadura
militar, como permite, dois anos depois, a convocação de um Congresso Nacional Constituinte,
que escreverá uma nova Constituição brasileira, a qual veio a ser promulgada em 5 de outubro de
1988. Como ocorre com tantos outros temas, a existência de uma nova Constituição brasileira
permitiu o prosseguimento das discussões sobre os temas educacionais, com vistas à elaboração
de uma nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
              No mês de dezembro daquele mesmo ano (1988), o deputado Otávio Elísio (PSBD-
MG) foi encarregado de apresentar à Câmara dos Deputados uma primeira proposta do projeto de
lei para a nova LDB, o qual recebeu o número 1.158-A/88. Ao deputado Jorge Hage (PSDB-MG),




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relator da Comissão de Educação, Cultura e Desporto da Câmara dos Deputados, coube a
apresentação de um substitutivo àquela proposta. As discussões sobre a proposta original e o
substitutivo prolongaram-se até 1990, quando terminou aquele mandato legislativo (1987-1990).
                No mandato legislativo seguinte (1991-1994), o caminhar das discussões, envolvendo
grande parte dos setores sociais organizados, ligados à educação, da sociedade civil (instituições
científicas e acadêmicas, instituições estudantis, movimentos sociais, sindicatos de professores,
de trabalhadores em educação, de donos de escolas, entidades de classe, etc.), conduziu, de
maneira relativamente consensual, ao projeto substitutivo do deputado Jorge Hage, o qual,
incorporou, de 1988 até 1993, dezenas de outros projetos e emendas.
              Tendo sua aprovação final, em sessão plenária da Câmara dos Deputados, ocorrida
em 13 de maio de 1993, o passo seguinte foi encaminhar o projeto aprovado para o Senado
Federal. A aprovação final desse projeto (que era o substitutivo proposto pelo deputado Jorge
Hage) não se deu sem grandes percalços. Entre maio de 1992 e fevereiro de 1993, o então
senador Darcy Ribeiro (PDT-RJ), por exemplo, apoiado pelas forças políticas majoritárias que
apoiavam o então governo Fernando Collor de Melo, tentou uma manobra regimental no Senado
Federal, que possibilitaria que uma nova proposta de LDB, de sua autoria, fosse primeiramente
analisada, desprezando o processo de discussão havido até então.
              Fracassada essa e outras tentativas de interrupção das discussões do projeto de
LDB aprovado pela Câmara dos Deputados, coube ao então senador Cid Sabóia de Carvalho,
relatar esse projeto junto à Comissão de Constituição e Justiça do Senado, o que o fez de maneira
coerente com as discussões até então empreendidas pelos deputados e pelos representantes da
sociedade civil ligados à questão educacional.
            Porém, até o final daquele mandato legislativo (1990-1994), o projeto de LDB oriundo
da Câmara dos Deputados, não logrou aprovação. Assim, em 1995, começou um novo mandato
legislativo (1995-1998). Quase ao meio do ano de 1995, o Ministério da Educação envia um novo
projeto de LDB, assinado, formalmente, pelo senador Darcy Ribeiro. Tal projeto substitutivo,
desfigurava o projeto original, debatido há vários anos por todos os setores interessados na educação
brasileira, e aprovado pela Câmara dos Deputados.
             Coagidos pela forte pressão exercida pelo governo, que detinha o apoio declarado
de mais de 60 entre os 81 senadores (e queria ver o seu projeto aprovado, ao invés do projeto
aprovado pela Câmara dos Deputados), e constrangidos pelo fato do senador Darcy Ribeiro se
encontrar, naquele momento, gravemente doente (vindo a falecer poucos meses mais tarde), os
senadores resolveram discutir as duas propostas ao mesmo tempo, contrariando o próprio regimento
interno do Senado Federal.
              O mal-estar e o constrangimento causados pelas atitudes do governo (forte pressão
sobre os senadores) e do senador Darcy Ribeiro (subscrição de um projeto do governo, apesar de
ser um senador da bancada de oposição), fizeram com que o mencionado senador apresentasse
sucessivas versões de “seu” projeto, nas quais procurava incorporar, cada vez mais, emendas que
diminuíssem as resistências provocadas pela utilização dessa manobra regimental, por meio desse




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contorcionismo político explícito.
             Além das contundentes críticas sobre a forma irregular de como o projeto de LDB
do governo ingressou na pauta de discussões do Senado Federal, os defensores do projeto de
LDB aprovado pela Câmara dos Deputados, que teve como um dos seus mais árduos defensores
o professor Florestan Fernandes, sempre coerente com suas posições históricas em defesa da
educação pública, universal e gratuita, argumentaram, por sua vez, que o projeto do governo
possuía caráter genérico, centralizador e privatista.
              Como era de se esperar, dada a sua folgada maioria parlamentar no Senado Fed-
eral, alguns meses mais tarde, o governo conseguiu arquivar a proposta de LDB vinda da Câmara
dos Deputados. Assim, no mês de janeiro de 1996, o governo conseguiu aprovar o seu projeto de
LDB nessa casa legislativa, com poucas alterações significativas.
             O próximo passo foi o retorno de tal projeto à Câmara dos Deputados, onde foi
relatado pelo então deputado José Jorge (PFL-PE), sendo votado e aprovado em 17 de dezembro
de 1996, com pequenas alterações que não afetaram o espírito geral do projeto anteriormente
provado pelo Senado Federal.
              Como a Câmara dos Deputados não alterou significativamente o projeto vindo do
Senado Federal, o mesmo foi sancionado sem vetos, pelo então Presidente da República, Fernando
Henrique Cardoso, transformando-o na Lei nº 9.394/96, em 20 de dezembro de 1996, publicado
no Diário Oficial da União em 23 de dezembro de 1996, quando efetivamente passou a vigorar.
                 Especificamente, a questão da formação docente é explicitada pela LDB em seu
capítulo 6, intitulado DOS PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO, composto pelos artigos 61 a 67.
              O Art. 61 da LDB menciona, em seu caput, que os profissionais da EDUCAÇÃO no
Brasil devem ser formados de forma adequada, tanto para o atendimento dos “diferentes níveis e
modalidades de ensino” como para considerar as diversas “características de cada fase do
desenvolvimento do educando”. Seus 02 (dois) incisos explicitam os fundamentos dessa formação,
quais sejam, a “associação entre teorias e práticas, inclusive mediante a capacitação em serviço”
(inciso I) e o “aproveitamento da formação e experiências anteriores em instituições de ensino e
outras atividades” (inciso II).
               Vemos, como pontos principais nesses fundamentos, a valorização das “experiências
anteriores” dos docentes, nas suas diversas atividades, e as possibilidades de “capacitação em
serviço”, idéias pouco valorizadas na legislação educacional anterior. O outro aspecto também
importante, a “associação entre teorias e práticas”, sem dúvida é uma condição sine qua non na
formação de profissionais para quaisquer áreas, em especial para a Educação, pois espera-se que
essas atividades sejam indissociáveis.
              Já o Art. 62 da LDB tem gerado muita polêmica. Apesar de ser claro ao explicitar
que, para o “exercício do magistério na educação infantil e nas quatro primeiras séries do ensino
fundamental” exige-se a “formação mínima (...) oferecida em nível médio, na modalidade Normal”,
sua interpretação tem sido muito confusa. Ou seja, qualquer docente já atuante na educação
infantil e/ou nas séries iniciais do ensino fundamental não precisa vir a freqüentar, obrigatoriamente,
qualquer curso de nível superior, a não ser por vontade própria. Entendemos que qualquer




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interpretação diferente desta, por exemplo a de que a LDB exige que todos os professores sejam
obrigados a concluir um curso superior, num determinado prazo, é uma interpretação no mínimo
equivocada.
                Acontece que, segundo o Parágrafo 4º do Art. 87 dessa mesma LDB (TÍTULO IX -
DAS DISPOSIÇÕES TRANSITÓRIAS), “Até o fim da Década da Educação somente serão
admitidos professores habilitados em nível superior ou formados por treinamento em serviço”,
redação essa que tem sido interpretada, de forma capciosa ou não, para fazer crer que os
profissionais já atuantes na educação infantil e nas séries iniciais do ensino fundamental teriam
que ter formação de nível superior, causando a confusão que mencionamos anteriormente. Porém,
independentemente do conteúdo desse parágrafo, que analisaremos no momento oportuno, cabe
lembrar que as disposições constantes da parte do texto legal denominada Disposições Transitórias,
portanto não definitivas, não se sobrepõem aos conteúdos que constam do corpo do mesmo texto
legal (nesse caso, o Art. 62 dessa LDB), a não ser se esses conteúdos tivessem sido revogados
por meio de uma outra Lei Federal, o que não aconteceu.
               É sempre lícito e louvável defender uma melhoria na qualidade e no nível de formação
profissional dos docentes de todas as escolas brasileiras. O que não se pode fazer é, na falta de
melhores argumentos, inclusive pedagógicos, creditar à LDB, disposições que ela não expressa.
             Apenas citada no Art. 62, a figura dos “institutos superiores de educação” é explicitada
nesse Art. 63 da LDB, como um novo tipo de instituição de ensino responsável pela formação dos
profissionais da EDUCAÇÃO no Brasil, fato esse que também tem causado bastante polêmica.
Tais “institutos superiores de educação” deverão oferecer: “cursos formadores de profissionais
para a educação básica, inclusive o curso normal superior, destinado à formação de docentes para
a educação infantil e para as primeiras séries do ensino fundamental” (inciso I), “programas de
formação pedagógica para portadores de diplomas de educação superior que queiram se dedicar
à educação básica” (inciso II) e “programas de educação continuada para os profissionais de
educação dos diversos níveis” (inciso III).
             Não consideramos que as possibilidades expressas pelos incisos II e III, sobretudo
as desse último, sejam muito problemáticas, apesar do fato de que as mesmas poderiam ser
atribuições dos cursos de graduação em Pedagogia já existentes, e ressalvada a eventual ocorrência
de “programas de formação pedagógica para portadores de diplomas de educação superior”
qualitativamente insuficientes, aqueles do tipo que, no jargão da área, são pejorativamente chamados
de “banho pedagógico”, no caso das possibilidades colocadas pelo inciso II. Mas, consideramos
muito problemática a função atribuída aos “institutos superiores de educação” pelo inciso I desse
Art. 63.
                Entendemos que o objeto de estudo e os conteúdos a serem ministrados por um
“curso normal superior”, previsto pelo inciso I, já fazem parte da modalidade Normal, oferecida em
nível médio, ou já fazem parte dos cursos de graduação em Pedagogia, portanto, não existe uma
terceira opção, porque não foram descobertos novos conteúdos em EDUCAÇÃO que não possam
ser ministrados por esses cursos já existentes, assim como também ainda não foi descoberto um
novo objeto de estudo que justificasse, do ponto de vista epistemológico, a criação desse “curso




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normal superior”.
              Assim, se o “curso normal superior” formar “profissionais para a educação básica” e
os cursos de graduação em Pedagogia formarem apenas especialistas em EDUCAÇÃO, a
conseqüência mais imediata será o fechamento gradual da modalidade Normal oferecida em nível
médio por inanição, ou seja, por falta de “demanda”. Outra conseqüência possível, em termos de
futura atuação profissional, é que, na prática, tanto os egressos do “cursos normal superior”, quanto
os egressos dos cursos de graduação em Pedagogia, serão professores na educação básica. Para
se chegar a esse resultado, como diz o ditado popular, “não seria preciso, novamente, inventar a
roda”.
                 A presença do “curso normal superior” na LDB é mais um exemplo da forma como
foi elaborada essa lei, qual seja, dentro de gabinetes (no caso, do Ministério da Educação, cumprindo
as orientações emanadas do Banco Mundial para os países em desenvolvimento), por alguns
“especialistas”, sem discussão com a sociedade civil, representada, nesse caso, por entidades de
profissionais da área da EDUCAÇÃO (dirigentes, docentes e funcionários técnico-administrativos).
               Já o Art. 64 da LDB é tão explícito quanto o Art. 62, já analisado. Nesse Art. 64, fica
claro que a exigência de curso de graduação em Pedagogia, ou de cursos de pós-graduação em
EDUCAÇÃO, refere-se, única e exclusivamente, à “formação de profissionais de educação para
administração, planejamento, inspeção, supervisão e orientação educacional para a educação
básica”, os chamados “especialistas”.
               Não se pode confundir essa exigência específica, na formação dos chamados
“especialistas”, com a exigência ilegal de que todos os docentes que atuam, por vontade própria,
e que queiram continuar atuando, apenas no “exercício do magistério na educação infantil e nas
quatro primeiras séries do ensino fundamental”, e que para tanto possuem a “formação mínima”
necessária, “oferecida em nível médio, na modalidade Normal”, sejam obrigados a fazer qualquer
tipo de curso superior, sob o argumento inverídico de que a LDB “manda” que assim seja.
               O Art. 65 da LDB, por sua vez, ao instituir um mínimo de 300 (trezentas) horas para
a prática de ensino, fez com que, na grade curricular de todos os cursos de licenciatura, o contato
dos alunos desses cursos com a realidade dos ensinos fundamental e médio fosse antecipado, no
mínimo, em um ano. Por exemplo, o aluno que, anteriormente, iniciava a prática de ensino no
último ano de seu curso de licenciatura, passou a iniciar essa prática de ensino no penúltimo ano
de seu curso de licenciatura.
              Se, por um lado, essa antecipação pode ser vista como positiva, no sentido de que,
ao iniciarem, mais cedo, o convívio com a realidade educacional, os alunos podem aprender
melhor sobre as relações entre teorias e práticas pedagógicas, e terão mais tempo para discutir
todos os aspectos que envolvem a prática de ensino; por outro lado, esse aluno, necessariamente,
no momento inicial dessa prática de ensino, possuirá menos conhecimentos (conteúdos teóricos)
pedagógicos, já que cursou, até esse momento, um número menor de disciplinas.
              O Art. 66, assim como seu Parágrafo único, não apresentam, no nosso entendimento,
maiores problemas. Acreditamos que o único reparo a fazer, seria trocar a palavra “prioritariamente”
pela palavra “obrigatoriamente”, o que resultaria, a curtíssimo prazo e com absoluta certeza, numa




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significativa elevação da qualidade do ensino, especialmente em inúmeras instituições privadas
de ensino superior. Mas é oportuno lembrar, novamente, a utilização de “dois pesos e duas medidas”,
pois durante a tramitação do projeto original de LDB na Câmara dos Deputados, no início dos anos
90, esse projeto foi acusado de “detalhista”, por conter dispositivos muito mais importantes do que
este, por exemplo, os que determinavam o número de alunos por salas de aula.
              As disposições delineadas nos 06 (seis) incisos que compõem o Art. 67 da LDB, se
cumpridas integralmente, poderão significar uma efetiva “valorização dos profissionais da educação”.
Para que se tenha uma idéia de sua importância, se os sistemas de ensino (no caso, públicos)
cumprirem esses incisos, por exemplo, impede-se a indicação política (inciso I) e garante-se o
aperfeiçoamento continuado (incisos II, IV e V) dos profissionais em educação. Afora isso, é preciso
reconhecer que todos esses incisos contemplam lutas históricas dos setores sociais organizados
na área da EDUCAÇÃO. O problema é o elevado grau de subjetividade com que são interpretadas
algumas dessas disposições, por exemplo, o “piso salarial profissional” (inciso III) e as “condições
adequadas de trabalho” (inciso VI).
             A ausência de maior explicitação de como seria composto esse “piso salarial
profissional” ou as incomensuráveis interpretações do que significam tais “condições adequadas
de trabalho”, fazem com que esses incisos tenham poucos efeitos práticos na valorização dos
profissionais em EDUCAÇÃO. Isso cria sérios obstáculos na hora de responsabilizar o Poder
Público pela ausência de um “piso salarial profissional” e pela falta de “condições adequadas de
trabalho”, na medida em que tais expressões têm sido interpretadas de forma extremamente
subjetiva, pois cada pessoa pode interpretá-las de maneira diferenciada. Não por outro motivo, o
projeto original de LDB (que tramitou na Câmara dos Deputados, no início dos anos 90) previa, por
exemplo, “piso salarial nacionalmente unificado”.
              Cabe reafirmar que, no nosso entendimento, o Art. 67, incluindo seu Parágrafo
único, apresenta medidas objetivas e corretas, por esse motivo já havíamos mencionado antes
que, se cumpridas integralmente, as disposições contidas nesse Art. 67 da LDB poderão significar
uma efetiva “valorização dos profissionais da educação”. Do ponto de vista formal, para além das
considerações já feitas, um reparo seria muito importante, explicitar claramente que o Art. 67 é
extensivo ao ensino privado, evitando qualquer dúvida, sincera ou oportunista.
              Por fim, gostaríamos de analisar o $ 4º do Art. 87 da LDB, que, como já dissemos
anteriormente, tem causado muita polêmica, talvez por interpretações equivocadas. Segundo esse
parágrafo, até “o fim da Década da Educação”, portanto até o fim de 2007 (visto que essa “Década
da Educação” teve início em dezembro de 1997, um ano após a publicação dessa LDB, como
determina o caput desse Art. 87), “somente serão admitidos professores habilitados em nível
superior ou formados por treinamento em serviço”.
              As interpretações equivocadas a que nos referimos anteriormente dizem respeito à
crença de que, até o final de 2007, indiscriminadamente, todos os professores sem curso superior,
obrigatoriamente teriam que cursá-los, caso contrário correriam o risco de não poder lecionar na
educação infantil (creches e pré-escolas) e nos quatro primeiros anos do ensino fundamental. O
primeiro equívoco refere-se aos docentes já admitidos, que não podem ser demitidos por esse




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motivo, pois têm direitos adquiridos. O segundo equívoco diz respeito ao fato de que, até o final de
2001, só não poderão lecionar nos citados nível educacional e séries, se as instituições – públicas
ou privadas – só admitirem docentes com formação em nível superior, por qualquer outro motivo
que não seja por exigência legal. Um possível terceiro equívoco refere-se ao fato de eventualmente
concordar-se com a afirmação de que o “treinamento em serviço” possa “formar alguém”, que
talvez possa “adestrar pessoas”.
                 Para todos os efeitos, do ponto de vista legal, no caso dos docentes na educação
infantil e nas quatro primeiras séries do ensino fundamental, a formação mínima exigida é a “oferecida
em nível médio, na modalidade Normal”, como dispõe o Art. 62 (TÍTULO VI – DOS
PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO) dessa LDB. Seria juridicamente incoerente que o disposto
em um parágrafo de um artigo do TÍTULO IX (DAS DISPOSIÇÕES TRANSITÓRIAS) se
sobrepusesse ao disposto em um artigo de um TÍTULO específico, no caso, o TÍTULO VI (DOS
PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO) dessa própria LDB.
          Assim, para os professores da educação infantil e dos quatro primeiros anos do
ensino fundamental não se aplica o disposto nesse $ 4º do Art. 87 da LDB, o que poderia nos levar
a concluir que esse artigo é inócuo, pois para lecionar nos quatro anos finais do ensino fundamen-
tal e nos demais outros níveis educacionais há muito exige-se formação em cursos de nível supe-
rior. Mas cabe aqui uma advertência, pois apesar de toda a polêmica já causada, esse $ 4º do Art.
87 da LDB apresenta uma característica bastante interessante, que é a de apontar horizontes,
nesse caso, a de prognosticar que a formação de professores para o exercício do magistério em
todos os níveis e modalidades educacionais deva ocorrer nos cursos de nível superior, aliás, essa
é uma reivindicação já histórica dos setores sociais organizados na área da EDUCAÇÃO.
               Por outro lado, questionamos: o que ocorrerá após dezembro de 2007, quando este
$ 4º do Art. 87 perder a sua validade? Afora o fato de termos ou não “professores habilitados em
nível superior”, sem dúvida continuará prevalecendo o Art. 62 da LDB, a não ser que este seja
revogado ou que os conteúdos expressos no $ 4º do Art. 87 sejam reintroduzidos pelos legisladores,
por meio de algum dispositivo legal.
             Acreditamos que todos os professores que ainda não tiveram a oportunidade de
freqüentar um curso superior, assim que lhes forem dadas as condições necessárias, o farão.
Porém, como já discutimos antes, as interpretações equivocadas do $ 4º do Art. 87 têm causado
alguns constrangimentos que consideramos, no mínimo, ilegais. Por exemplo, ameaçar com
demissão os professores de educação infantil e das quatro primeiras séries do ensino fundamen-
tal, alegando que a formação em nível superior se trata de uma determinação imposta pela LDB.
Outro exemplo, não menos preocupante, é valer-se dessa mesma alegação para introduzir pretensos
“cursos de formação de professores”, modulares, aligeirados e à distância, como já mencionamos
anteriormente.
                  Concluindo, entendemos que a nova LDB até valoriza a questão da formação
docente no conjunto de suas determinações, porém, o projeto anterior era muito melhor. De qualquer
maneira, temos que trabalhar à luz da legislação vigente. Pois então, que façamos isso valorizando
sempre a formação adequada, não aligeirada, do profissional docente.




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História da formação docente no Brasil


                REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRANDÃO, C. F. LDB passo a passo: Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº
9.394/96), comentada e interpretada, artigo por artigo. São Paulo: Avercamp, 2003.

BRASIL, Constituição da República Federativa do. Brasília: Senado Federal, 1988.

______. República Federativa do. Presidência da República, Casa Civil, Subchefia para Assuntos
Jurídicos. Lei nº 9.394/96.




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              CURSO NORMAL: A FORMAÇÃO TOTAL

                             MUZZETI, Luci Regina (FCL/UNESP/CAr)


                 Esse estudo se baseia em dados de uma pesquisa de doutorado sobre a formação
oferecida pela Escola Normal de São Carlos, apresentada por mim à Universidade Federal de São
Carlos, Estado de São Paulo, em 1997. O estudo procura recuperar, entre outras coisas, a história
da formação docente no Brasil, no caso, recuperar a história da formação docente em São Carlos
baseando-se na categoria trabalho como princípio educativo e sua influência na sociedade da
época.
                 A contribuição desse estudo para a História da Educação no Brasil e mais
precisamente para a História da Formação docente no Brasil deve-se ao fato que o Curso Normal
era hegemônico nesse período e a Escola Normal era a instituição mas importante dessa época.
Analisá-los e compreendê-los equivale ao esforço de compreender a formação docente nesse
momento histórico. Além disso, procurei também ter contribuído para a discussão da complexa
vinculação entre educação e trabalho.
              A relação entre educação e trabalho é um tema que suscita estudos, discussões e
reflexões em todos estudiosos e pesquisadores interessados e voltados à educação. Os estudos
realizados pelo interesse por esse tema mostram que a categoria de reflexão trabalho, historicamente
influiu fortemente na configuração do processo de ensino-aprendizagem e nos contornos específicos
das unidades sociais de ensino. Portanto, esse trabalho representa um esforço intelectual de
compreender as relações contraditórias, muitas vezes quase imperceptíveis entre educação e
trabalho, sendo a categoria de mediação trabalho o fundamento desse esforço reflexivo.
              A pesquisa vai de 1911 até 1940. Esse período foi escolhido pois 1911 é o ano que
a Escola foi fundada tendo atingido nos anos seguintes o seu apogeu cultural e social; em
contrapartida, finda-se nos anos 40, pelo menos no âmbito da legislação, esse anos marcam o
declínio do prestígio social e cultural do Curso Normal, tendendo esse a ocupar um espaço de
preparação didático-pedagógica.
              Realizei a pesquisa utilizando os estudos de Bourdieu e colaboradores, a legislação
vigente, bem como documentos, livros, jornais, revistas da época. Para identificar o habitus que
queria produzir-se nas alunas entrevistei normalistas desse período.
               Para identificar cada normalista adotei nomes fictícios, seguidos da profissão do
chefe da família e da mãe, caso ela trabalhasse. Foram entrevistadas dez normalistas formadas
pelo antigo Curso Normal de São Carlos.
              A Formação no Curso Normal: a excelência em distinção
            O maior acontecimento no campo educacional que transformou a cidade de São
Carlos em um centro irradiador de cultura foi a criação da Escola Normal Secundária, com seu
distintivo Curso Normal para as mulheres de “boas famílias” da região.




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              Como se sabe, as Escolas Normais eram instituições típicas da Primeira República,
pois a meta dos Republicanos era transformar a massa amorfa da população, que era composta
por mestiços, ex-escravos, imigrantes, em um povo ordeiro e organizado, em cidadãos, e para
isso eles contavam com o ensino primário. Daí a preocupação com as Escolas Normais e com os
Grupos Escolares (Nosella; Buffa, 1996).
             Nessa época, o Governo Estadual estava empenhado em melhorar a situação do
ensino, criando escolas complementares que dotariam os municípios de um número razoável de
professores.
              Surgiu daí o empenho das autoridades políticas são-carlenses, apoiadas
principalmente pelos fazendeiros, pleiteando a instalação de uma Escola Complementar na cidade.
             A criação da Escola Normal em São Carlos não foi uma tarefa simples, mas
representou um grande e ambicioso esforço político.
              O Doutor Carlos Botelho, que representava a liderança política são-carlense e era
Secretário da Agricultura e Obras Públicas, antecipando-se à promulgação da Lei da criação da
Escola, determinou, em 1908, a construção do prédio onde se instalaria a Escola que mais tarde
receberia o nome de Escola Complementar “Conde do Pinhal”. Nesse momento o Governo do
Estado já pensava na remodelação das Escolas Complementares que, realmente, pelo Decreto
2025 de março de 1911 foram transformadas em Escolas Normais Primárias. Por essa razão e
por desavenças políticas o Governo Estadual achou que não seria oportuna, naquele momento, a
criação de uma Escola Complementar na cidade.
             Durante muitos meses o prédio permaneceu desocupado. Portanto, estava São
Carlos com um prédio ocioso, enquanto novas mudanças aconteciam na política.
             Assumiram a liderança política municipal local os Salles que recorreram ao Dr.
Pádua Salles, líder político em São Paulo, que vindo a São Carlos, prometeu não mais uma
simples Escola Complementar como almejavam os Botelhos, mas uma Escola Profissional nos
moldes daquela construída em Buenos Aires.
             Foi providenciada a vinda a São Carlos do ex-Inspetor Geral do Ensino, o Professor
João Lourenço Rodrigues, com a importante tarefa de examinar as instalações e verificar a
possibilidade de serem aproveitadas para a criação da Escola Profissional. O Professor João
Lourenço Rodrigues não foi favorável à instalação da Escola Profissional, alegando que o prédio
não era adequado e exigia reformas que não seriam realizadas pelo Governo.
                 O fato, na verdade, era que a criação da Escola Profissional não atendia aos anseios
da elite política local constituída principalmente pelos fazendeiros de café e profissionais liberais
ligados aos interesses da monocultura cafeeira. Soma-se a isso que as instalações da Escola
Profissional também não atendiam às necessidades das manufaturas criadas pela iniciativa
particular de imigrantes europeus saídos da lavoura (Neves, 1991, p.4).
                Diante disso, o Professor João Lourenço Rodrigues sugeriu a instalação de uma
das três Escolas Normais já criadas pela Lei no 88 de 8 de setembro de 1892 (apenas uma tinha
sido instalada em Itapetininga), em detrimento da instalação da Escola Profissional. Assim, o
Professor João Lourenço Rodrigues recorreu ao influente jornalista Manoel de Mattos Azevedo




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para que ele encabeçasse um abaixo-assinado. O abaixo-assinado com cerca de trezentas
assinaturas foi encaminhado ao Governo aproveitando a época eleitoral. Assim, pelo Decreto Lei
no 1998 de 4 de fevereiro de 1911, de conformidade com a Lei Orçamentária no 1245 de 30 de
dezembro de 1910, foi fundada a Escola Normal Secundária de São Carlos (Pirolla, 1988).
             A Escola Normal provisoriamente foi instalada no prédio da rua José Bonifácio
onde deveria funcionar a Escola Complementar. Esse prédio foi julgado inadequado para o seu
funcionamento. As autoridades políticas almejavam a construção de um prédio adequado e digno
de sua importância, para onde ela deveria ser transferida. Assim, em 18 de setembro de 1913, foi
lançada, solenemente, a pedra fundamental do monumental e majestoso edifício, inaugurado
solenemente em 18 de novembro de 1916.
             O prédio da Escola Normal foi projetado pelo arquiteto alemão Rosencrantz, a
construção coube ao engenheiro Doutor Raul Porto e ao mestre de obras Senhor Torello Dinucci.
             O prédio é de estilo eclético, com elementos neoclássicos e de art-nouveau. É
importante ressaltar que nessa época a construção de escolas, fóruns, etc. deveria seguir um
projeto padrão instituído pelo Governo (Nosella; Buffa, 1996).
             O majestoso edifício da Escola Normal localizado na Avenida São Carlos é dividido
em dois pavimentos: no térreo estão o hall, a diretoria, a secretaria, a biblioteca, o anfiteatro e as
salas de aulas que no início eram repartidas em duas alas, a feminina e a masculina. O acesso ao
térreo se faz através de uma imponente escadaria em granito, com 6 metros de largura. No porão
estão os laboratórios, as salas especiais para educação física, trabalhos manuais e pintura. Há
também duas escadarias menores que eram utilizadas separadamente por moças e rapazes na
saída e entrada da escola. O corpo central do edifício constituído pela escadaria, hall, anfiteatro,
diretoria, secretaria, biblioteca e sala dos professores era proibido aos alunos a não ser em ocasiões
especiais como festividades ou com anuência dos professores. Desse corpo central saem duas
alas simétricas, com duas entradas, naquela época autônomas, uma para as alunas, e outra para
os alunos. À porta de cada ala havia um inspetor ou inspetora que deveriam verificar o
comportamento e o uniforme dos alunos na entrada para as aulas (Nosella; Buffa, 1996).
              É interessante notar que algumas das normalistas formadas nos anos 40 afirmam
que ainda nesses anos os rapazes entravam e saíam por uma porta e as meninas por outra. Além
disso algumas delas afirmam também que os rapazes não permaneciam com elas no mesmo
local na hora do intervalo das aulas.
             O acabamento do prédio da Escola Normal foi feito com material importado, como:
piso de cerâmica francesa, lustres de cristal de Bacarat, mármore italiano, mobiliário inglês e
austríaco (Nosella; Buffa, 1996).
              As salas de aula do lado direito de quem entra pela porta principal tinham pias
decoradas, as salas especiais e os laboratórios continham inúmeros aparelhos de procedência
européia, e a biblioteca era dotada de coleções de livros franceses e nacionais.
             Era uma Escola construída pela elite cafeeira, pelos fazendeiros e, sem dúvida
nenhuma, era o edifício mais importante e majestoso da cidade.




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                No início o corpo docente da Escola Normal era dividido em lentes e professores:
denominavam-se lentes os catedráticos de Ciências, Letras e Línguas, eram cargos vitalícios
nomeados mediante concursos públicos. Por sua vez denominavam-se apenas professores os
que ministravam matérias auxiliares como Desenho, Música, Ginástica e Trabalhos Manuais,
num regime de contrato. Os primeiros, ou seja, os catedráticos, formavam a “Congregação da
Escola - estrutura e nomenclatura próprias de uma faculdade” (Nosella; Buffa, 1996, p.50).
               Era considerada uma faculdade, devido ao seu grande prestígio e estrutura, era
tida como a precursora das Faculdades de Filosofia. Era muito comum a presença de médicos,
advogados e engenheiros no corpo docente da Escola, fato que contribuía muito para aumentar o
seu prestígio e tornar o Curso cada vez mais distintivo.
               Transformou a cidade de São Carlos num dos principais centros educacionais do
Estado, atraindo estudantes de toda a redondeza e formando a elite intelectual principalmente
feminina da cidade.
             A clientela inicial da Escola Normal era formada majoritariamente por mulheres.
Essas mulheres, em geral, pertenciam a grupos socialmente privilegiados, eram filhas de grandes
fazendeiros e de grandes comerciantes.
              Não há dúvida de que a Escola Normal era a instituição educacional mais importante
e prestigiada da cidade. Sua função era formar as moças provindas de meios privilegiados. Assim,
era a excelência escolar de São Carlos e de todo o interior do Estado, pois, como já dito, não só
recebia uma clientela provinda de meios privilegiados como também oferecia uma formação
diferenciada, um ensino rigoroso que privilegiava os conteúdos que visavam a dar à sua clientela
uma cultura geral, distintiva. Conseqüentemente as avaliações realizadas ao longo do Curso eram
exigentes e rigorosas.
               Com a queda da bolsa de Nova York por volta de 1929, deu-se a crise da burguesia
agrária, dos fazendeiros de café e, conseqüentemente, começou a haver um deslocamento da
população da zona rural para a cidade, acelerando, desse modo, o processo de urbanização.
             A partir dos anos 30, acentuou-se o processo de urbanização e houve uma expansão
respeitável da indústria. Tais acontecimentos causaram modificações na sociedade brasileira
mudando sua feição e, é claro, causando modificações na Escola Normal, modificações essas
expressas no Decreto no 5884 de 21 de abril de 1933 que instituía o Código de Educação do
Estado de São Paulo. Nesse Código de 1933 o Curso Normal passava a se denominar Curso de
Formação Profissional para Professores, passando a ocupar um lugar secundário tanto no âmbito
da legislação como também no âmbito científico, pois acentuava na formação dada pelo Curso
Normal a preparação didático-pedagógica (Nosella; Buffa, 1996, p.15).
             A partir dos anos 40, acentuou-se o processo de industrialização na cidade de são
Carlos, provocando a mudança acentuada da população rural para a cidade, causando,
conseqüentemente, um enorme crescimento da população urbana. No âmbito escolar tal
crescimento causou o aumento do número de escolas, expansão das matrículas no ensino médio
e primário, etc.




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             Em 1946, com as Leis Orgânicas do Ensino, surgidas no ministério Capanema,
deu-se uma centralização no ensino e com a Lei Orgânica do Ensino Primário e Normal passou a
existir uma legislação Federal instituindo diretrizes para todo o País, cabendo aos Estados o
direito de adaptar as determinações às diferenças e necessidades regionais e administrar o ensino,
respeitando o espírito da lei. É também em 1946, através dessa Lei, entre outras coisas, que se
deu a regularização do Curso Normal no Brasil. É ainda nesse ano também e por essa Lei que a
Escola Normal de são Carlos foi transformada em Instituto de Educação.
             Outro fato importante foi, que as mudanças realizadas nos anos 40 na Escola
Normal, principalmente com a Lei Orgânica de 1946, coincidiram com o final do regime ditatorial
em 1945 e com o início do processo de democratização do país (Almeida, 1991, p.170).
             As Escolas Normais do Estado passaram, em 1947, com o Decreto no 17 698 que
aprovou a consolidação das Leis do Ensino, a ministrar um curso de Formação Profissional do
Professor que teria a duração de dois anos. Além disso deveria haver um curso Pré-Normal,
criado pelo Decreto-Lei no 14 002 de 25 de março de 1944, para substituir o 5o ano do ginásio.
Esse Curso Pré-Normal, criado, por sua vez, para servir de ligação com o Curso Normal, era
constituído por disciplinas de cultura geral, extinguindo-se em 1956 (Almeida, 1991, p.164).
              É importante sublinhar que nos anos 40 o Curso Normal da cidade de São Carlos
continuou a ser freqüentado majoritariamente por mulheres, pois foi realizado um levantamento
da relação do número total de concluintes pelo Curso Normal e o número de concluintes
correspondente a cada um dos gêneros, o que pode ser observado no quadro que segue:




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                O levantamento revelou que, de 1940 a 1949 formaram-se, nesse Curso, quinhentas
pessoas, entre as quais havia setenta e nove homens e quatrocentas e vinte e uma mulheres. Não
há dúvida, assim, de que o Curso Normal era freqüentado predominantemente por mulheres.
Essas mulheres por sua vez, pelo menos até os anos 40, eram, na sua maioria, provindas de
meios privilegiados como se poderia ilustrar com vários depoimentos. Aqui nos limitamos a citar
depoimentos de duas normalistas.

                   “As alunas da minha roda são a Geraldina Fernandes, Edna
                   Covenhoto, Lélia que hoje é a minha cunhada, Lúcia Helena Wernek
                   que hoje também é a minha cunhada, Leda Bauer, Wanda Bauer,
                   Beatriz Helena Ferreira, Rosa Maria Ferreira, Leonette Zambel, Cida
                   Zambel. E tinha também muitas alunas de fora, de Descalvado, de
                   Brotas, Tamoio, moças das fazendas (filhas de fazendeiros) que
                   vinham estudar, porque o Instituto era o centro da educação de todo
                   o interior do Estado. Eram pessoas de muito boas famílias, faziam
                   parte de um grupo social elevado, todas elas freqüentavam o São
                   Carlos Clube que era um clube fechado” (Virgínia, filha de
                   empresário).
                   “Elas (alunas) eram de famílias tradicionais de classe média-alta,
                   hoje houve uma democratização no ensino, naquele tempo não tinha.
                   Estudava na Escola Normal a Norma Schiavone, Neli Pozzi, Maria
                   Alice Vaz, eu, Neuza Massei, Maria Tereza Camargo, tinha filhas de
                   professores, a Maria Tereza Camargo era sobrinha do Senhor Aristeu
                   que era o bibliotecário que era professor, a Maria Silvia que veio de
                   fora. Todas pertenciam a grupos sócio-econômicos elevados,
                   nivelados, de boas famílias, porque naquele tempo ser professor era
                   um valor que hoje não é...” (Elvira, filha de fazendeiro).


                Ao menos até os anos 40, o Curso Normal oferecia um ensino rigoroso, com
avaliações rigorosas, exigentes e os conteúdos privilegiados no Curso visavam a dotar essas
mulheres de uma educação erudita. O Curso também, ao menos até essa época (anos 40), era
um Curso muito prestigiado, fato que pode ser ilustrado por mais esses depoimentos:

                   “(O Curso) era muito, muito prestigiado e concorrido. As pessoas
                   que se formavam na Escola Normal tinham um grande prestígio
                   aqui e em outros lugares” (Otília, filha de advogado).

                   “(O Curso) era demais de prestigiado e concorrido. A Escola Normal
                   era a primeira do interior do Estado de São Paulo, uma beleza de
                   Escola. Aliás, eu acho bonita até hoje” (Helena, filha de dentista).


              Constatei também que essas normalistas acreditavam que as atividades culturais
oferecidas pelo Curso Normal contribuíram para sua formação e que essas atividades culturais
oferecidas pela Escola eram um complemento, uma continuação da educação familiar.

                   “Eu acredito que sim, que essas atividades contribuíram para minha
                   formação, a sociedade era outra. Então, além das coisas da Escola
                   existiam muitas reuniões de família, todas as famílias proporcionavam
                   reuniões, encontros de ir tocar..., de aprender violão, eu também
                   cheguei a aprender um pouco de violão. A sociedade girava em torno
                   de reuniões mais do que hoje em dia, eu acredito que hoje não
                   tenha. E a Escola era um complemento, fazia parte daquilo e você ia
                   seguindo normalmente” (Helena, filha de dentista).




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                 Através do depoimento da filha do dentista pude observar que o Curso Normal
cultivava em suas alunas a linguagem escrita e privilegiava os escritores clássicos da Língua
Portuguesa visando a desenvolver, ampliar o capital cultural das alunas. Observei também, através
do depoimento da filha do advogado, que todos os professores do Curso Normal cultivavam a
linguagem escrita correta nas normalistas:

                    “Em Português, nós tínhamos duas partes: uma parte era de um
                    ponto de gramática como, por exemplo, a função do que, e nós
                    tínhamos o ponto sobre o que. Aí a gente tinha que dizer tudo sobre
                    o que; a outra era escrita que de maneira geral, ele (professor) dava
                    um tema para você dissertar” (Helena, filha de dentista).

                    “Em Pedagogia, em Prática de Ensino principalmente, a professora
                    corrigia tudo, a parte oral e a parte escrita, não podia ter erros de
                    Português e todos os professores corrigiam o português, o português
                    era corrigido em todas as matérias. Já estava implícito isso e todos
                    eles eram exigentes” (Otília, filha de advogado).


                 Observei ainda que os comportamentos, as disposições cultivadas no Curso Normal
em suas alunas eram aquelas já valorizadas no interior de suas famílias (polidez, obediência,
pouca ousadia, etc.), ou seja, fazia parte do habitus familiar delas e visavam criar nas mulheres
identidades consideradas adequadas para elas na época.

                    “Hoje em dia vocês perguntam isso (como as alunas do Curso Nor-
                    mal deveriam se portar, se vestir), porque hoje é diferente. Naquele
                    tempo, a gente já tinha um certo hábito, não tinha nada de
                    extravagante, quer dizer, que não é como hoje em dia que você
                    anda com uma saia aqui ou ali. Naquele tempo, isso era padronizado,
                    todo mundo se vestia direito, normal, não tinha muita exibição, nada
                    disso” (Helena, filha de dentista).

                    “As normas eram rígidas, as portas ficavam abertas, ninguém tinha
                    o direito de se levantar das carteiras e sair pela porta para ir ao
                    banheiro, alguma necessidade assim a pessoa pedia autorização.
                    Mas, todo mundo procurava não pedir porque tinha intervalo. De 50
                    em 50 minutos tinha um intervalo de 10 minutos. Ninguém tinha o
                    direito de se levantar, de ir falar com a colega da outra carteira, de
                    virar para trás, nada disso. A disciplina era mais ou menos rígida. Se
                    a gente falasse com uma pessoa e o professor visse...” (Otília, filha
                    de advogado).

                    “Ah! Não se falava alto durante uma aula a menos que o professor
                    chamasse e pedisse para que falasse, ninguém dava palpite extra,
                    nada disso. Eles eram respeitados. Hoje em dia eu acho que os
                    alunos levantam e saem no meio da aula, eu desconfio. E fumam!
                    Então, era bem diferente” (Helena, filha de dentista).

                    “Eles (professores) exigiam o comportamento, a pessoa tinha que
                    se comportar, prestasse atenção ou não, tinha que se comportar, e
                    se a gente não estivesse se comportando ele (professor) fazia uma
                    pergunta” (Otília, filha de advogado).


                 A pesquisa revelou ainda, que o Curso Normal vivia e reproduzia um habitus cultural
marcado por uma profunda ruptura com o trabalho, não apenas com o trabalho produtivo braçal,




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História da formação docente no Brasil



mas até mesmo com o próprio trabalho intelectual correspondente à profissão para o qual
formalmente preparava, ou seja, o Curso Normal, ao menos até os anos 40, enquanto tendência,
a despeito de preparar a professora primária, dissimuladamente, valorizava mais a cultura geral e
tradicional como ornamento das mulheres das elites, uma vez que, essas mulheres após a
conclusão do Curso Normal, a maioria delas casou-se e não exerceu a profissão de professora
primária.
                O depoimento da filha do dentista, ilustra tal questão:

                   ... “a moça na sociedade naquele tempo, porque eu me formei em
                   1949, sua função era se casar, não era comum uma moça continuar
                   os estudos ou trabalhar. Pois, quando ela terminava o Curso Normal
                   já estava namorando, ia se casar, poucas que saíram e foram estudar.
                   Todas seguiam professoras ou não seguiam, não faziam outro curso,
                   paravam. Então, quer dizer, que o Curso Normal na cidade do inte-
                   rior era o máximo que tinha. Tanto que eram poucas as cidades do
                   interior que tinham uma Escola Normal. E quando uma moça vinha
                   completar os estudos era com o Curso Normal. E quando uma moça
                   concluía o Curso Normal, já estava namorando firme, ia se casar e a
                   maioria não trabalhava nem antes e muito menos depois do
                   casamento, era sempre assim...” (Isadora, filha de dentista).


               Como se viu, o estudo revelou, entre outras coisas, que o Curso Normal privilegiava
a cultura geral, dirigida principalmente às mulheres das classes privilegiadas em detrimento da
formação do professor(a) ou do seu engajamento no magistério. Esse Curso possuía também
uma profunda ruptura com o trabalho e com o trabalho intelectual, pois com o “álibi” da formação
de professores, dissimuladamente, valorizava a cultura geral, como ornamento, principalmente,
das mulheres das camadas privilegiadas. Portanto, o Curso Normal particularmente na Primeira
República secundarizou o objetivo proclamado pelo Estado: formação de professores e priorizou a
produção e reprodução de uma cultura geral dirigida às camadas privilegiadas.
              Por fim, pode-se afirmar que, ao menos até os anos 40, a Escola Normal de São
Carlos continuou sendo um importante centro irradiador de cultura de todo o Estado e sua função
era formar, educar as moças oriundas principalmente das classes médias e dos meios privilegiados,
dotando-as de um habitus, ou seja, dotando-as de um sistema de disposição altamente distintivo,
distinguido-as das demais moças de outras frações de classe.


                REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALMANACH ALBUM DE SÃO CARLOS, 1916-1917, São Carlos, Tipografia Artística.

ALMANACH ANNUÁRIO DE SÃO CARLOS. Org. José Ferraz de Camargo, São Carlos, 1928.

ALMEIDA, J.S. Formação de professores do 1o grau: a prática de ensino em questão. São Carlos:
UFSCar, 1991. Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade
Federal de São Carlos, 1991.

BOURDIEU, P. La noblesse d’Etat: grandes écoles et l’espirit de corpus. Paris: Miniut, 1989.




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                                                                                          27
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História da formação docente no Brasil


FREITAG, B. Escola, Estado e sociedade. 4.ed. São Paulo: Moraes, 1980.

MUZZETI, L.R. Trajetórias escolares de professoras primárias formadas em São Carlos nos anos
40. São Carlos: UFSCar, 1992. Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós-Graduação em
Educação, Universidade Federal de São Carlos, 1992.

MUZZETI, L.R. Trajetória social, dote escolar e mercado matrimonial: um estudo de normalistas
formadas em São Carlos nos anos 40, São Carlos: UFSCar (Tese de Doutorado) – Programa de
Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal de São Carlos, 1997.

NEVES, A.P. das. São Carlos: da escolinha de primeiras letras às universidades de prestígio
internacional. São Carlos: Ed. Guia da Cidade, Páginas Amarelas, 1991.

NOSELLA, P; BUFFA, E. Schola Mater: a antiga Escola Normal de São Carlos. São Carlos: Ed.
da UFSCar, 1996.

PIROLLA, M.C.G. Memórias do Instituto: 1911-1976. São Carlos: Camargo Artes Gráficas, 1988.
TANURI, L.M. O Ensino Normal no Estado de São Paulo: 1890-1930. São Paulo: Faculdade de
Educação/USP, 1979. (Série Estudos e Documentos, 16).

TRUZZI, O.M.S. Café e indústria: São Carlos 1850-1950. São Carlos: Arquivo de História
Contemporânea UFSCar, 1986.




        28               VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005
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História da formação docente no Brasil


        EDUCAÇÃO MATEMÁTICA: (RE)VISITANDO A
         HISTÓRIA MATEMÁTICA MODERNA E SUA
          INFLUÊNCIA NA FORMAÇÃO DOCENTE

            CAMPOS, Dráuzio Costa Pires de; LUCCHESI, Martha Abrahão Saad
                          (Universidade Católica de Santos)


                                                                      O homem não é o centro estático do
                                                                   mundo como ele se julgou durante muito
                                                                   tempo; mas eixo e flecha da Evolução –
                                                                                 o que é muito mais belo.

                                                                                   Pierre Teilhard Chardin



                INTRODUÇÃO


                Esta pesquisa foi realizada no Mestrado em Educação da Universidade Católica de
Santos, por meio de sua linha de pesquisa “Formação do Educador: dimensão político-pedagógica”,
no Grupo de Pesquisa “III MILÊNIO – Políticas Públicas de Formação do Educador: Universidade,
Conhecimento e Pesquisa”.
            Parte-se do pressuposto de que o professor de Matemática deve ser o protagonista,
pois centra em si o desenvolvimento dos conteúdos e tem desenvolvido uma determinada prática
em suas aulas que colabora em muito para o distanciamento dos alunos, diminuindo o interesse
pelo estudo e pela produção nessa área.

                   “O que é Matemática e forma de ensiná-la, são elementos que irão
                   compor o conhecimento em movimento chamado de Educação
                   Matemática, bom exemplo do que é um conceito movimento...Isto
                   é, a Educação Matemática tem respondido às questões: O que
                   ensinar? Por que ensinar? Como ensinar? Na medida em que têm
                   ficado mais claros os processos de aprendizagem, as razões sociais
                   do que se aprende e o quanto o aprendido pode gerar novos
                   conhecimentos sobre as leis gerais da natureza (quantificando,
                   geometrizando, logicando etc.).” (Moura, 2004)


              A reflexão de Moura (2004) indica a forte mudança que está acontecendo e que
poderá trazer um grande impulso para a melhora das relações entre o professor, o aluno e o
conhecimento matemático que transversaliza, na verdade, todo o conhecimento humano.
             Ao se desenvolver a atenção para o como se estabelece o aprendizado, do que ele
depende, e que a intencionalidade determina, em muito, as nossas subordinações em atender a
determinados objetivos, estaremos nos aproximando da observação a respeito das razões sociais
que estabelecemos em nossa prática pedagógica. Portanto, quem se preocupa com o ensino-
aprendizagem não poderá mais ficar alheio à importância da construção do conhecimento




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História da formação docente no Brasil



matemático junto com o desenvolvimento e percepção dos processos de aprendizagem e do
mundo social, cultural, espaço no qual fazemos nossa intervenção.
              Reforçamos essa observação buscando apoio nas idéias apresentadas por (Moura,
2004): “Ao ensinar Matemática, fazemô-lo (ou deveríamos fazê-lo) com um objetivo determinado.
Isto exige a intencionalidade por parte do educador”.
             Em seu desenvolvimento, o professor de Matemática sofre a influência dos Cursos
de Engenharias, dos Cursos preparatórios para os Militares e do Positivismo, fatores que o
distanciam, até hoje, do cotidiano e das expectativas do aluno. Ao se estabelecer tal situação, o
professor imbuído da importância do conhecimento a ser apresentado, o faz de maneira a reproduzi-
lo fielmente, sem nenhuma possível interferência ou transversalidade com o cotidiano.
                Precisamos estar atentos e conhecer como se desenvolveram e foram se
consolidando a Matemática e as Ciências no Brasil. Tal processo não se estabeleceu separado do
que acontecia e acontece no mundo. As relações políticas e econômicas, principalmente,
determinam como os países irão se relacionar; assim, a política educacional atende também a
essa necessidade.
               Os professores têm à sua frente, se conscientes, uma possível participação no
auxílio da construção da cidadania; dessa forma, não se pode exercer a docência somente com
uma visão conteúdista.
             Entendemos que toda a consistência da Matemática, além de resolver problemas
específicos, deve atender ao desenvolvimento de cada um, alunos e professores.
               Ao apresentar a Matemática como um componente da História, mostrar-se-á que
ela foi construída em razão das necessidades humanas, muitas vezes da empiria e, outras, por
sua aplicação na ciência e na tecnologia, para atender e melhorar o nível de vida e o conforto
humano.
                 Portanto, contextualizar hoje, buscando suas origens e os porquês de ser assim,
somente colaborará para o seu desenvolvimento, aceitação e adesão de novos estudantes a essa
importante ciência.
                Para iluminar as relações autoritárias existentes entre professores e alunos na
disciplina, (re)visita-se a História da Matemática no Brasil, apontando o crescimento de situações
políticas e econômicas que definem essas relações.
               Objetivos
            O objetivo geral se colocou de forma imperiosa: a priori, é necessário compreender
o fenômeno a ser estudado, ou seja, entender como e o porquê da ocorrência do fenômeno,
independentemente de tentar “categorizar” alguns comportamentos. Para tanto, foi necessário
buscar na história os fundamentos da questão.
               A partir dessa compreensão, e embasado em observações cotidianas há muito
realizadas, o próximo objetivo foi verificar que possíveis reflexões – enunciadas pelos sujeitos da
pesquisa – caberiam para auxiliar na construção de uma prática para o professor, que transformasse
essa relação em situações respeitosamente solidárias.




        30               VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005
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História da formação docente no Brasil


                METODOLOGIA


               Este estudo faz uso de quatro tipos de documentos: 1) textos da área de Matemática
para definição do conceito das Ciências e da Matemática; 2) estudos da Sociedade Brasileira de
Educação Matemática; 3) entrevistas com professores de Matemática; e 4) textos da História da
Matemática, com propostas, intenções – claras e ocultas – para a continuidade do processo
militar que lhe deu origem.
                O investigador que trabalha com pesquisa qualitativa faz questão de verificar as
diferentes perspectivas, e de maneira adequada, para que possa perceber realmente o significado
do processo sobre o qual e no qual está estudando. Há necessidade de questionar, continuamente,
os participantes do processo de investigação, na verdade, os sujeitos da pesquisa na qual o
investigador tem parte atuante.

                   “A pesquisa tem dimensão social. O pesquisador realiza um mergulho
                   na corrente da vida em sociedade, com suas competições, interesses
                   e ambições, ao lado da busca do conhecimento científico. (...) A
                   visão de mundo, os pontos de partida, os fundamentos para
                   compreensão do mundo, enfim, os pressupostos que orientam os
                   pensamentos do pesquisador norteiam os rumos e a abordagem da
                   pesquisa”. (Lucchesi, 1999, p. 35-37)


                É esclarecedora essa postura enunciada por Lucchesi (1999), que fundamenta
também a opção pela pesquisa qualitativa, pois, ao se apoiar no mundo em que se desenvolvem
os motivos da pesquisa, evidencia a importância da postura interdisciplinar.
              O que se apresenta nesta pesquisa é o resultado de observações, reflexões e
interlocuções, em que se busca abordar a enunciação do poder na relação que o professor de
Matemática mantém em sala de aula.
              Após uma visita à História da Matemática no Brasil, seguida de uma interlocução
com teorias referentes ao tema, passou-se à interlocução com os sujeitos da pesquisa – os
professores –, realizada mediante entrevistas, sempre buscando colher elementos que permitissem
a análise das práticas no cotidiano escolar.
             Alguns professores foram selecionados e cinco deles aderiram à proposta da
pesquisa. Duas professoras trabalham com o Ensino Fundamental, outra professora trabalha com
o Ensino Médio e Superior, e dois professores trabalham com o Ensino Médio e Superior. Para
este trabalho, selecionou-se parte da entrevista com uma professora, como amostra representativa
da influência da História da Matemática na relação ensino/aprendizagem.


                (RE)VISITANDO A HISTÓRIA DA MATEMÁTICA

                   A Academia Real Militar, criada em 4 de dezembro de 1810, na
                   cidade do Rio de Janeiro, foi a primeira instituição onde se
                   estabeleceu um curso no qual se atendessem as Ciências e a




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História da formação docente no Brasil
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História da formação docente no Brasil

  • 1. História da formação docente no Brasil HISTÓRIA DA FORMAÇÃO DOCENTE NO BRASIL VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 1 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO
  • 2. História da formação docente no Brasil SUMÁRIO 2 VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO
  • 3. História da formação docente no Brasil A BRINCADEIRA COMO ATIVIDADE PRINCIPAL PARA A CRIANÇA LIMA, José Milton. Faculdade de Ciências e Tecnologia – FCT/UNESP INTRODUÇÃO Constata-se um crescimento significativo do número de estudos, cursos, pesquisas e publicações que abordam a atividade lúdica e suas possibilidades como recurso pedagógico. Por outro lado, verifica-se também que, no interior das instituições educacionais, são lentos os avanços na incorporação da brincadeira como um valioso meio de aprendizagem e desenvolvimento. A brincadeira tem sido utilizada, simplesmente, como um momento de relaxamento, descanso e desgaste de energia excedente das crianças. Utilizar a brincadeira como recurso pedagógico, segundo Lima (2003b), exige do educador fundamentação teórico-prática, clareza de princípios e de finalidades. Avanços na superação da dicotomia entre o brincar e o aprender podem ocorrer, quando o professor se apropriar de subsídios teóricos que consigam convencê-lo e sensibilizá-lo sobre a importância dessa atividade para a aprendizagem e para o desenvolvimento da criança. A BRINCADEIRA COMO ATIVIDADE PRINCIPAL NA EDUCAÇÃO INFANTIL Estudos que pretendem discutir o emprego da brincadeira como recurso pedagógico devem primeiro se posicionar sobre o papel e a função da Educação Infantil, no contexto histórico atual. Apoiado em Leontiev (1978), ressalto que, na sociedade contemporânea, a Educação Infantil cumpre um papel essencial no processo de formação das gerações mais novas. A espécie humana, diferentemente de outras espécies, não fixa biologicamente as aquisições sociais historicamente construídas, nem consegue transmiti-las por herança genética; depende da mediação que se dá, principalmente, na transmissão pela geração mais antiga da produção cultural alcançada à geração mais nova. O homem não nasce com suas capacidades humanas, mas as adquire no interior das práticas sociais, em estreita relação e comunicação com as outras pessoas (processo interpsíquico) e que permitem a internalização da produção cultural e social para o plano individual (processo intrapsíquico). As interferências adequadas, significativas e diversificadas produzem a aprendizagem, ampliam os conhecimentos e desenvolvem capacidades, que possibilitam à criança a tomada de consciência de si, dos outros e do mundo. Elkonin (1987) aponta alguns pressupostos que precisam ser considerados, no processo de educação da criança; inicialmente, o processo educacional deve se balizar pela busca da coincidência da periodização pedagógica com a periodização do desenvolvimento psíquico; precisa ainda considerar as características gerais do período de desenvolvimento; levar em conta VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 3 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO
  • 4. História da formação docente no Brasil as particularidades individuais de desenvolvimento e as condições de vida e educação, nas quais a criança está inserida; por fim, explorar a atividade principal de cada um dos períodos de desenvolvimento. A soma desses fatores propiciará o máximo de emprego das potencialidades da criança, na promoção do seu desenvolvimento completo e multilateral. O processo de desenvolvimento infantil caracteriza-se pelo aparecimento de estágios, com uma certa seqüência, e neles várias atividades influenciam o desenvolvimento da criança. Dentre as atividades, um tipo específico, em especial, se sobressai e é denominado pela Teoria Histórico-Cultural, como “atividade principal”. Leontiev (VYGOTSKY et al., 1988, p.64-65) define a atividade principal como um tipo de atividade que se destaca, entre outras, num determinado estágio, por exercer uma maior influência no desenvolvimento psicológico e na formação da personalidade da criança. Três atributos básicos caracterizam a atividade principal: primeiro, esse tipo de atividade é responsável pelas principais mudanças psicológicas na personalidade infantil; segundo, as influências da atividade principal reorganizam e dão aos processos psíquicos um outro formato; e, por último, a atividade principal de um período serve de base para o surgimento de um outro tipo de atividade, dominante no período seguinte. Os fatores que determinam o surgimento da atividade principal nos diferentes estágios são as condições concretas de vida da criança, que alteram o lugar que ela ocupa no sistema de relações sociais e provocam novas expectativas no adulto. De acordo com Elkonin (1987) e Venguer (1986), no período do nascimento aos sete anos, a vida e as condições de existência da criança sofrem mudanças bruscas e três tipos de atividade principal aparecem e precisam ser adequadamente exploradas pelos educadores. A primeira atividade principal surge no período de lactância, etapa que se estende do nascimento até o primeiro ano de vida, e se caracteriza pela relação emocional estabelecida entre o adulto e a criança. A garantia de existência da criança, por intermédio da relação afetiva e emocional, do contato físico, da alimentação, dos cuidados higiênicos, da comunicação, das brincadeiras, do apoio e das condições dadas pelo adulto, torna-se a base para o desenvolvimento dos equipamentos sensoriais. Esse processo é resultante da maturação e determinado pela influência social. O adulto exerce um papel central, ao criar as condições necessárias, muitas vezes até de forma não consciente, para que a criança possa desenvolver e aperfeiçoar a apreensão, a direção psíquica dos movimentos e a percepção visual. Por volta de um ano de idade, a relação entre criança e adulto é substancialmente alterada. A estreita interação estabelecida, no período de lactância, despertou novas necessidades na criança. O mundo dos objetos, que ela conheceu a partir do processo de comunicação com o adulto, atraiu a sua atenção e promoveu o surgimento de um novo tipo de atividade principal. O novo tipo de atividade principal que surge determina importantes alterações psicológicas na criança. Ao atuar com os objetos, a criança não se isola, mas, sob a influência do adulto, conhece, observa, imita, experimenta e manipula os objetos. Segundo Elkonin (1998, p.221), num primeiro momento, a criança internaliza os esquemas gerais de manipulação, depois amplia a sua compreensão sobre a designação dos objetos no contexto social e aprimora as suas operações, que no início são soltas, à forma física do objeto e às condições de execução. 4 VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO
  • 5. História da formação docente no Brasil A relação que a criança estabelece com os objetos não se restringe à exploração e à experimentação, mas criam as condições e as premissas para o surgimento da brincadeira. Considerando as suas condições de vida, a criança evolui, progressivamente, no domínio e na realização de ações com os objetos. No decorrer desse processo, aparecem dois tipos de transferência dos objetos. Em alguns casos, afirma Elkonin (1998, 223-225), a criança transfere a ação aprendida com objetos para outras situações diferentes. Como exemplo, o autor destaca: “a criança aprendeu a pentear com um pente a própria cabeça, e passa em seguida a pentear a boneca, o cavalo de papelão, o urso de pelúcia (...)”. Em outros casos, faz a mesma ação, porém substitui o pente por um outro objeto qualquer, uma régua ou um pedaço de pau. A menina pega um palito de fósforo sobre a mesa e o utiliza para pentear o cabelo da sua boneca. Verifica-se que, no primeiro tipo de substituição, ocorreu a generalização da ação, no segundo, houve a separação do objeto do esquema de ação. Para a criança, inicialmente, o que interessa é substituir um objeto pelo outro; não se preocupa se existe qualquer semelhança com o objeto autêntico: cor, tamanho, forma, textura. Tais atividades são denominadas de atividades lúdicas iniciais e representam atos que a criança observa no mundo adulto: pentear, dar comida, lavar, dirigir, costurar, construir, entre outros. A evolução dessas atividades lúdicas iniciais vai acontecer por volta dos dois anos e meio a três anos, e o que vai determiná-la é o surgimento dos primeiros indícios de papéis. A criança vai percebendo a semelhança da sua atividade com a do adulto e começa a exercer papéis sugeridos por este e por outros personagens que assimila. No fim da infância inicial, por volta dos três anos, a relação com os objetos deixa de ser a atividade principal e dá origem às brincadeiras de faz de conta ou de papéis. Nesse novo tipo de atividade, a lógica das atividades não está presa aos objetos, mas reflete a lógica das ações reais das pessoas. Elkonin (1998, p.403-406) destaca que não é a ampliação dos círculos de objetos com os quais a criança atua que vai determinar o aparecimento da brincadeira, mas sim o mundo “novo” que a criança descobre, no início do período pré-escolar. Antes, esse mundo humano estava escondido atrás do mundo objetivo; o homem estava encoberto pelos objetos. Nessa nova etapa, a criança enxerga o adulto e toma suas atividades, funções e relações como modelos. Os objetos, que antes determinavam as ações das crianças, agora passam a ser um meio para que ela represente o mundo adulto. A sensação de vivenciar papéis é carregada de emoção e faz com que a criança se converta alegremente em adulto, assuma o seu papel e busque uma identificação com este. Pode- se constatar que esse tipo de brincadeira, destaca Elkonin, não opera com a esfera das necessidades do mundo infantil, mas com a crescente consciência que a criança adquire do lugar limitado que ocupa, no sistema de relações dos adultos. Tais fatores operam um impacto emocional, criam a necessidade e motivam a criança a adentrar na vida dos adultos, apreender as suas funções sociais e os sentidos da atividade humana. Outras atividades, com certeza, colaboram para o aparecimento dessas necessidades, afirma Elkonin (1998, p.406), mas nenhuma se equipara à brincadeira, pela forte carga emotiva que desperta na criança, ao levá-la a tomar consciência das funções e do significado da vida adulta. VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 5 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO
  • 6. História da formação docente no Brasil O espaço da brincadeira só é possível em função de um processo novo que surge na criança, a imaginação. Ela é uma forma especificamente humana de atividade consciente, inexistente nos períodos anteriores da criança e nos animais. Esclarece Leontiev (1988, p.127) que não é a situação imaginária que determina a ação da criança, na brincadeira, mas pelo contrário “são as condições da ação que a tornam necessária e dão origem a ela”. Venguer (1986, p.133) afirma que é na atividade lúdica que se evidencia de forma mais clara a função simbólica da consciência. A criança realiza uma ação e pressupõe outra, utiliza um objeto e leva em conta outro, isto é, realiza uma ação com caráter simbólico. A brincadeira, realizada no mundo imaginário, é um tipo de ação livre, não produtiva, pois a criança pode escolher objetos e utilizar diferentes modos de operação. O alvo, segundo Leontiev (1988, p.123), não está preso ao resultado, mas, sim, ao processo, ao conteúdo da própria atividade. Quando o objetivo dessa atividade se modifica e o resultado se torna o alvo principal, essa atividade deixa de ser brincadeira. A brincadeira, conforme foi destacado, é uma forma de expressão e apropriação do mundo das relações, das atividades e dos papéis dos adultos. A criança, por intermédio das atividades lúdicas, atua, mesmo que simbolicamente, nas diferentes esferas humanas, reelaborando sentimentos, conhecimentos, significados e atitudes. Quando brinca, enfatiza Vygotsky (1991), a criança parece mais madura do que é, na realidade, pois se infiltra, mesmo que simbolicamente, no mundo adulto que cada vez mais se abre para ela e lida com os mais diversos temas. A brincadeira é fonte privilegiada de desenvolvimento proximal e colabora para que a criança assimile e estruture novas aprendizagens, avançando no seu estágio de desenvolvimento. A BRINCADEIRA COMO FONTE DE DESENVOLVIMENTO PROXIMAL Vygotsky (1991, p.97) define zona de desenvolvimento proximal (ZDP), relacionando a distância entre o patamar de “desenvolvimento real”, que se caracteriza pela capacidade de o sujeito agir, resolver problemas de forma independente, sem nenhum apoio ou orientação, e o nível de “desenvolvimento potencial”, assinalado pela necessidade do sujeito de ajuda e colaboração de um adulto e ou de um companheiro mais experiente, que podem orientá-lo na realização ou na solução de problemas. A aprendizagem se situa precisamente nesta zona, e corresponde ao que, em princípio, a criança é capaz de fazer ou conhecer unicamente com a orientação de seus semelhantes (crianças e adultos). Logo que se estabiliza a aprendizagem, a criança adquire independência e torna-se capaz de fazer ou conhecer por si só, atinge novamente o estágio de desenvolvimento real, abrindo margens para interferências e influências mais complexas. As atividades lúdicas, segundo Vygotsky, são fontes de desenvolvimento proximal, pois, a criança, quando brinca, demonstra e assume um comportamento mais desenvolvido do que aquele que tem na vida real. As atividades lúdicas oportunizam situações de atuação coletiva, possibilitam imitações de comportamentos mais avançado de um semelhante, exercício de funções e papéis para os quais ela ainda não está apta, o conhecimento e o contato com objetos reais e com aqueles criados para 6 VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO
  • 7. História da formação docente no Brasil atender aos seus desejos de experimentação. (VYGOTSKY, 1991, p.97). O professor pode desenvolver, por meio da brincadeira, conhecimentos, habilidades, funções e comportamentos que estão latentes ou em estado de formação na criança. Venguer (1986, p.142) afirma que a brincadeira é uma influência constante no desenvolvimento das diversas faculdades humanas da criança, entre outras, o pensamento, a imaginação, a atenção, a concentração, a memória, a socialização, a linguagem, a personalidade, o domínio da vontade, a motricidade, preparando a criança para atividades lúdicas mais complexas e para as obrigações sociais. No que se refere ao desenvolvimento do pensamento, o autor destaca que as criações e as ações, nas situações lúdicas, fazem com que a criança aprenda a agir substituindo os objetos e significados e relacionando-os com as exigências da proposta lúdica. O objeto substituto se converte em apoio para o pensamento e, a partir das ações realizadas com ele, a criança aprende a pensar acerca do objeto real. Gradualmente, as ações lúdicas apoiadas nos objetos vão se abreviando e a criança aprende a pensar e atuar com esses, no plano intelectual. Desse modo, a brincadeira contribui, em grande medida, para que a criança evolua ao pensamento no plano da representação. A criança, nos jogos infantis, aprende a substituir os objetos e as ações, assumindo diferentes papéis que servem de base para o desenvolvimento da imaginação. No decorrer do seu desenvolvimento, a criança compreende, no pensamento, os objetos e as ações que realiza com eles e, a partir dessa competência, reelabora na sua imaginação novas situações. De acordo com Venguer (1986, p.141-142), a atividade lúdica exerce grande influência na formação dos processos psíquicos voluntários, pois a criança necessita desenvolver, ao brincar, a concentração, a atenção e a memória voluntária. As situações de brincadeira exigem uma maior concentração e o autor afirma, fundamentado em experimentos, que a criança chega a utilizar a memória, de forma mais eficaz, nessas situações, do que nas condições de experiência em laboratório. O objetivo na atividade lúdica é consciente e as exigências de concentração e memorização apresentam-se na brincadeira de maneira precoce e mais fácil para a criança. Situações experimentais demonstram que, quando uma criança participa da atividade lúdica, não prestando a devida atenção e não recordando as condições propostas e definidas, as outras crianças perdem o interesse em brincar com ela. As necessidades de comunicação e de estímulo emocional motivam a criança a se manter concentrada e promover memorizações orientadas a um fim determinado. As experiências coletivas nas interações lúdicas estão, especialmente, determinadas sobre a base de uma propriedade particular de pensamento, que leva a criança a desdobrar-se para se colocar no ponto de vista do outro, buscar consenso, fazer acordos, atuar de forma oposta e complementar, antecipar condutas futuras e, a partir dessas exigências, estruturar o próprio comportamento e considerar o outro nas suas ações. A brincadeira exerce, de acordo com Venguer (1986, p.143), uma grande influência no desenvolvimento da personalidade, pois, ao praticá-la, a criança passa a conhecer as condutas, os papéis sociais e as interações dos adultos, e esse conhecimento serve de modelo, de referencial para a sua própria conduta, promovendo as qualidades indispensáveis para o estabelecimento das interações atuais e futuras com seus semelhantes. VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 7 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO
  • 8. História da formação docente no Brasil As brincadeiras, segundo Venguer (1986, p.134-135), retratam a variada realidade que cerca as crianças. Os argumentos vivenciados e os conteúdos da atividade lúdica são retirados das diversas atividades humanas, entre outras, de trabalho, de lazer, das relações interpessoais, dos objetos e dos fatos relevantes da época em que vivem. Quanto mais a criança amplia os conhecimentos da realidade com a qual se defronta, mais ricos e variados são os argumentos e os conteúdos usados nas brincadeiras. O desenvolvimento do argumento e do conteúdo das atividades lúdicas reflete a maneira pela qual a criança vai penetrando, cada vez mais profundamente, na vida dos adultos que a rodeiam. A brincadeira também contribui de maneira significativa para o desenvolvimento da linguagem, pois requer da criança um determinado nível de desenvolvimento de comunicação verbal. Nas situações lúdicas, as crianças são instigadas a expressar suas vontades e suas intenções, de forma compreensível. As necessidades de comunicação e de se fazer compreender impulsionam o exercício, o aperfeiçoamento e o desenvolvimento coerente da linguagem. Quanto mais a criança se desenvolve, nesse aspecto, mais possibilidades têm de estender e enriquecer os temas e os conteúdos das suas brincadeiras. As mudanças quantitativas e qualitativas da motricidade infantil não ocorrem de forma isolada, mas também estão inseridas nesse contexto mais amplo de educação e são determinadas pelas tarefas propostas e pelos motivos que impulsionam a criança a agir, no contexto social e histórico no qual está inserida. O objetivo principal do desenvolvimento e da educação do movimento, na perspectiva de Zaporózhets (1987, p.71-73), é a diversificação, ampliação e o controle consciente de diferentes capacidades motoras, subordinando-as à vontade do sujeito e transformando-as em meios para responder às exigências do contexto sociocultural. Na brincadeira do período pré-escolar, acontece, em grande medida, o desenvolvimento da motricidade da criança. Os motivos presentes nesse tipo de atividade criam na criança estímulos intensos que a impulsionam a realizar determinados movimentos, gerando condições e situações que deixam um marco pecu- liar em todo o aspecto motor do pré-escolar. A influência da brincadeira contribui, principalmente, na estruturação do aspecto geral do movimento e na forma expressiva de sua realização. Zaporózhetz (1987, p. 82) enxerga a atividade lúdica como um valioso recurso que permite a exercitação e a estruturação das novas conquistas motoras, possibilitando, posteriormente, a sua utilização pela criança na solução de atividades práticas, com desenvoltura e sem maiores problemas. Uma outra importante tarefa a ser assumida na educação das crianças, na idade pré-escolar, é a preparação para o estudo sistemático e para o trabalho produtivo. Essas atividades, em suas formas desenvolvidas, segundo Venguer (1986, p.143), deveriam estar fora do marco pré-escolar. A preparação da criança ocorre, fundamentalmente, através da brincadeira e dos tipos de atividades produtivas (atividades artísticas e de construção). Nas atividades lúdicas, aparecem as primeiras formas de concordância, de planejamento, distribuição das ações e os hábitos de ações conjuntas. Nas atividades produtivas, por sua vez, as crianças aprendem a buscar um resultado produtivo e pré-fixado; além disso, controlam, comparam e avaliam o seu trabalho. Pesquisas realizadas, afirma o autor, demonstraram que, quando crianças pré-escolares se propunham realizar as mesmas tarefas em forma de trabalho e de brincadeira, eram estas últimas 8 VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO
  • 9. História da formação docente no Brasil que mais se pareciam com o verdadeiro trabalho. O importante não era que as crianças alcançassem grandes resultados, nas ações laborais infantis, mas sim que as identificassem precisamente como laborais, aspecto que contribui para o desenvolvimento psíquico geral e as prepara para a vida adulta futura. No período pré-escolar, a realidade que cerca a criança se abre cada vez mais para ela, ampliando seus horizontes e conhecimentos. As condições concretas histórico-sociais imprimem necessidades e motivos novos e fazem com que a brincadeira, que exerceu um papel decisivo no desenvolvimento infantil e preparou a criança para novas exigências sociais, ceda o seu lugar a um outro tipo de atividade principal: as obrigações sociais. O surgimento da nova atividade principal, caracterizada pelas obrigações sociais, tem como causa principal a entrada da criança na escola, dando origem a uma série de modificações na sua vida. O lugar que a criança ocupa no mundo adulto é modificado e alterado, em razão da ampliação do seu sistema de relações sociais; suas obrigações não se restringem apenas aos pais e professores, mas são obrigações mais amplas, de caráter social. A forma de a criança ser tratada também é alterada e novos deveres são impostos e cobrados. Essas mudanças dão origem a novos motivos e necessidades, ampliando a capacidade da criança de se relacionar e de se apropriar da realidade. Cabe destacar que a mudança na atividade principal não elimina a importância da atividade lúdica, no desenvolvimento da criança, pois a entrada no período escolar coincide com a evolução na maneira de a criança jogar. A brincadeira, atividade principal no período pré-escolar, caracterizada pelo predomínio da imaginação sobre a regra, no final do período pré-escolar evolui para o predomínio da regra sobre a imaginação, transformando-se em jogo de regras. O jogo de regras, pelas suas características de atividade social, que exige atuação complementar entre os participantes e regras explícitas, é bem mais complexo, requerendo da criança as capacidades desenvolvidas no período pré-escolar e, ao mesmo tempo, transformando- se num espaço fértil para a aprendizagem e desenvolvimento de outras capacidades, fundamentais nesse estágio de desenvolvimento infantil. No espaço do jogo, a criança tem oportunidade de desenvolver capacidades e atitudes essenciais para responder às novas expectativas e exigências sociais, entre outras, a capacidade de comunicação e organização, o domínio da vontade, a participação em trabalhos coletivos, a persistência na superação de obstáculos, a autonomia e independência, movimentos mais complexos, a obediência e a consciência da possibilidade de mudança de acordos estabelecidos. A brincadeira evolui para o jogo de regras, porém não tira o nível de importância desse tipo de atividade no desenvolvimento da criança e também não altera a principal característica das atividades lúdicas, que é a predominância do processo sobre o produto. CONSIDERAÇÕES FINAIS Segundo Lima (2003a), a brincadeira na Educação Infantil, em grande parte, é concebida numa perspectiva biológica, natural. As crianças são levadas para espaços, entre outros, tanques de areia, quiosques, brinquedotecas, árvores, quadras, parques infantis e ficam “soltas” VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 9 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO
  • 10. História da formação docente no Brasil para brincar. O professor cuida das crianças, nesses espaços, sem, todavia, comprometer-se com as atividades que estão sendo realizadas. Não está atento ou preocupado em compreender os argumentos, os conteúdos das atividades, nem em propor sugestões, intervir ou usar esse espaço de maneira diversificada e complementar às outras atividades pedagógicas. O brincar, nesse contexto, é concebido como “recreação”, lugar para a criança gastar a energia excedente, ou ainda, um meio para tapar os “buracos” que surgem, no processo de organização da rotina escolar. Instituições infantis também têm cometido equívocos, ao tentar implementar as atividades lúdicas, no contexto educacional. Algumas utilizam-se da brincadeira como um atrativo, um chamariz. No início dos anos letivos, as crianças usufruem de um tempo maior para brincar, em um período de adaptação; depois, essas atividades são secundarizadas e o investimento, na formação da criança, volta-se quase que exclusivamente para as competências lingüísticas e lógico-matemáticas. Outras, no entanto, têm utilizado a brincadeira como um engodo, uma atração para prender a atenção das crianças nos conteúdos escolares. A brincadeira e o jogo são transformados em recurso para as aprendizagens de conteúdos de outras áreas. O professor define os meios, os conteúdos e os objetivos da atividade e a criança executa, apresentando para o professor o resultado. A atividade que tem como característica o produto predominando sobre o processo não se configura como jogo ou brincadeira. Nas atividades lúdicas, o processo deve predominar sobre o produto, a criança está livre para escolher os meios, os objetivos e os materiais necessários para brincar. Tal ressalva, porém, não impede a utilização de brincadeiras, dentro da sala de aula; objetiva apenas alertar o educador, destacando que, tanto dentro da sala de aula, como nos espaços externos, as características essenciais das atividades lúdicas devem ser garantidas. No espaço lúdico, de forma imaginativa, espontânea e criativa, as crianças estabilizam aquilo que já sabem e reelaboram conhecimentos, sentimentos, valores. A escola também contribui nesse processo, ao valorizar as atividades lúdicas e ao promover, junto às crianças, aprendizagens significativas nas diferentes áreas, entre outras: a Literatura Infantil, a Arte, a História, a Geografia, a Matemática, a Leitura e a Escrita. Por outro lado, a criança, quando brinca ou joga, desenvolve conhecimentos, habilidades, atitudes e competências, destaque para o pensamento, a imaginação, a vontade, a memória, a concentração, a atenção, a linguagem, a comunicação, os valores, a orientação espaço- temporal, a auto-estima, a motricidade, que a preparam para o estudo e para o mundo do trabalho. Posso afirmar, tomando como referência os autores da Teoria Histórico-Cultural,como Vygotsky, Venguer, Leontiev e Elkonin, que a secundarização da brincadeira, na Educação Infantil, concebida por esses autores como atividade principal, reduz as condições e as oportunidades de aprendizagem e de desenvolvimento da criança. Não procurar compreender o que a criança traz para o mundo lúdico e o quanto esse espaço é rico para o desenvolvimento multilateral do educando é uma atitude que não se pode conceber mais, nas instituições educacionais e na prática educativa dos professores da Educação Infantil, considerando os prejuízos que tal opção pode provocar, na formação e no desenvolvimento da criança. 10 VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO
  • 11. História da formação docente no Brasil REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS. ELKONIN, D.B. Sobre el problema de la periodización del desarrollo psíquico en la infancia. In: La Psicología evolutiva y Pedagogía en la URSS. Moscou: Editorial Progresso, 1987. p. 104-124. ______. Psicologia do jogo. São Paulo: Martins Fontes, 1998. LEONTIEV, A. O desenvolvimento do psiquismo. Lisboa: Livros Horizonte, 1978. LIMA, J.M. O jogar e o aprender no contexto educacional: uma falsa dicotomia. 2003. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Filosofia e Ciências – UNESP de Marília, 2003a. LIMA, J. M. A importância do jogo e da brincadeira para o desenvolvimento das múltiplas inteligências da criança. In: Atuação de Professores: propostas para ação reflexiva no ensino fundamental – 1ª ed. Araraquara: JM Editora, 2003b. VENGUER, L. Temas de Psicología Pre-escolar. Havana: Pueblo y Educación, 1986. VYGOTSKY, L.S. A formação social da mente. 4.ed. São Paulo: Martins Fontes, 1991. VYGOTSKY, L.S.; LURIA, A. R.; LEONTIEV, A. N. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. 4.ed. São Paulo: Ícone: EDUSP, 1988. ZAPORÓZETS, A. Estudio psicológico del desarrollo de la motricidad en el niño preescolar. La Psicología Evolutiva Y Pedagógica En La URSS. Antología. URSS: Editora Progreso, 1987, p.71- 82. VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 11 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO
  • 12. História da formação docente no Brasil A FORMAÇÃO DOCENTE NO CONTEXTO DA LEGISLAÇÃO EDUCACIONAL BRASILEIRA ATUAL BRANDÃO, Carlos da Fonseca (UNESP - Assis) Em 23 de dezembro de 2005, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/96 - LDB) irá completar 9 anos de vigência. Ao completar quase uma década de existência, nos sentimos estimulados a realizar uma discussão sobre a questão da formação docente em seu contexto. Entendemos que ao realizar uma discussão sofre a formação docente no contexto da LDB, a principal lei que rege a educação brasileira, explicitando as possíveis conseqüências e sua aplicação na realidade educacional brasileira, elucidando suas coerências e/ou incoerências, frente às necessidades educacionais brasileiras, assim como, analisando as perspectivas que essa lei ainda suscita, estaremos dando a nossa contribuição à transformação da realidade educacional do país. As discussões sobre a elaboração de uma nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional para o Brasil duraram aproximadamente oito anos. Não é a primeira vez na história da educação brasileira que a elaboração da chamada “constituição do ensino” demora tanto tempo. A primeira Lei de Diretrizes e Bases, pela qual a educação brasileira foi regida até dezembro de 1996, teve sua versão inicial enviada ao Congresso Nacional em 1948, somente sendo promulgada treze anos depois, em 1961, pelo então presidente João Goulart (Lei nº 4.024/ 61). Com o golpe militar perpetrado em 1964, a Lei nº 4.024/61 foi sendo, progressivamente, modificada. Os governos militares pós-64, colocaram para o país novas leis educacionais. As principais foram: a Reforma Universitária (Lei nº 5.540/68), a Reforma do Ensino de 1º e 2º graus (Lei nº 5.692/71) e a Lei nº 7.044/82, que determinava o fim da obrigatoriedade do ensino profissionalizante no 2º grau, introduzido pela Lei nº 5.692/71, reconhecendo assim, oficialmente, o fracasso da política educacional empreendida pelo regime ditatorial militar. A posse, em 15 de março de 1985, de um governo civil, não só encerra a ditadura militar, como permite, dois anos depois, a convocação de um Congresso Nacional Constituinte, que escreverá uma nova Constituição brasileira, a qual veio a ser promulgada em 5 de outubro de 1988. Como ocorre com tantos outros temas, a existência de uma nova Constituição brasileira permitiu o prosseguimento das discussões sobre os temas educacionais, com vistas à elaboração de uma nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. No mês de dezembro daquele mesmo ano (1988), o deputado Otávio Elísio (PSBD- MG) foi encarregado de apresentar à Câmara dos Deputados uma primeira proposta do projeto de lei para a nova LDB, o qual recebeu o número 1.158-A/88. Ao deputado Jorge Hage (PSDB-MG), 12 VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO
  • 13. História da formação docente no Brasil relator da Comissão de Educação, Cultura e Desporto da Câmara dos Deputados, coube a apresentação de um substitutivo àquela proposta. As discussões sobre a proposta original e o substitutivo prolongaram-se até 1990, quando terminou aquele mandato legislativo (1987-1990). No mandato legislativo seguinte (1991-1994), o caminhar das discussões, envolvendo grande parte dos setores sociais organizados, ligados à educação, da sociedade civil (instituições científicas e acadêmicas, instituições estudantis, movimentos sociais, sindicatos de professores, de trabalhadores em educação, de donos de escolas, entidades de classe, etc.), conduziu, de maneira relativamente consensual, ao projeto substitutivo do deputado Jorge Hage, o qual, incorporou, de 1988 até 1993, dezenas de outros projetos e emendas. Tendo sua aprovação final, em sessão plenária da Câmara dos Deputados, ocorrida em 13 de maio de 1993, o passo seguinte foi encaminhar o projeto aprovado para o Senado Federal. A aprovação final desse projeto (que era o substitutivo proposto pelo deputado Jorge Hage) não se deu sem grandes percalços. Entre maio de 1992 e fevereiro de 1993, o então senador Darcy Ribeiro (PDT-RJ), por exemplo, apoiado pelas forças políticas majoritárias que apoiavam o então governo Fernando Collor de Melo, tentou uma manobra regimental no Senado Federal, que possibilitaria que uma nova proposta de LDB, de sua autoria, fosse primeiramente analisada, desprezando o processo de discussão havido até então. Fracassada essa e outras tentativas de interrupção das discussões do projeto de LDB aprovado pela Câmara dos Deputados, coube ao então senador Cid Sabóia de Carvalho, relatar esse projeto junto à Comissão de Constituição e Justiça do Senado, o que o fez de maneira coerente com as discussões até então empreendidas pelos deputados e pelos representantes da sociedade civil ligados à questão educacional. Porém, até o final daquele mandato legislativo (1990-1994), o projeto de LDB oriundo da Câmara dos Deputados, não logrou aprovação. Assim, em 1995, começou um novo mandato legislativo (1995-1998). Quase ao meio do ano de 1995, o Ministério da Educação envia um novo projeto de LDB, assinado, formalmente, pelo senador Darcy Ribeiro. Tal projeto substitutivo, desfigurava o projeto original, debatido há vários anos por todos os setores interessados na educação brasileira, e aprovado pela Câmara dos Deputados. Coagidos pela forte pressão exercida pelo governo, que detinha o apoio declarado de mais de 60 entre os 81 senadores (e queria ver o seu projeto aprovado, ao invés do projeto aprovado pela Câmara dos Deputados), e constrangidos pelo fato do senador Darcy Ribeiro se encontrar, naquele momento, gravemente doente (vindo a falecer poucos meses mais tarde), os senadores resolveram discutir as duas propostas ao mesmo tempo, contrariando o próprio regimento interno do Senado Federal. O mal-estar e o constrangimento causados pelas atitudes do governo (forte pressão sobre os senadores) e do senador Darcy Ribeiro (subscrição de um projeto do governo, apesar de ser um senador da bancada de oposição), fizeram com que o mencionado senador apresentasse sucessivas versões de “seu” projeto, nas quais procurava incorporar, cada vez mais, emendas que diminuíssem as resistências provocadas pela utilização dessa manobra regimental, por meio desse VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 13 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO
  • 14. História da formação docente no Brasil contorcionismo político explícito. Além das contundentes críticas sobre a forma irregular de como o projeto de LDB do governo ingressou na pauta de discussões do Senado Federal, os defensores do projeto de LDB aprovado pela Câmara dos Deputados, que teve como um dos seus mais árduos defensores o professor Florestan Fernandes, sempre coerente com suas posições históricas em defesa da educação pública, universal e gratuita, argumentaram, por sua vez, que o projeto do governo possuía caráter genérico, centralizador e privatista. Como era de se esperar, dada a sua folgada maioria parlamentar no Senado Fed- eral, alguns meses mais tarde, o governo conseguiu arquivar a proposta de LDB vinda da Câmara dos Deputados. Assim, no mês de janeiro de 1996, o governo conseguiu aprovar o seu projeto de LDB nessa casa legislativa, com poucas alterações significativas. O próximo passo foi o retorno de tal projeto à Câmara dos Deputados, onde foi relatado pelo então deputado José Jorge (PFL-PE), sendo votado e aprovado em 17 de dezembro de 1996, com pequenas alterações que não afetaram o espírito geral do projeto anteriormente provado pelo Senado Federal. Como a Câmara dos Deputados não alterou significativamente o projeto vindo do Senado Federal, o mesmo foi sancionado sem vetos, pelo então Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, transformando-o na Lei nº 9.394/96, em 20 de dezembro de 1996, publicado no Diário Oficial da União em 23 de dezembro de 1996, quando efetivamente passou a vigorar. Especificamente, a questão da formação docente é explicitada pela LDB em seu capítulo 6, intitulado DOS PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO, composto pelos artigos 61 a 67. O Art. 61 da LDB menciona, em seu caput, que os profissionais da EDUCAÇÃO no Brasil devem ser formados de forma adequada, tanto para o atendimento dos “diferentes níveis e modalidades de ensino” como para considerar as diversas “características de cada fase do desenvolvimento do educando”. Seus 02 (dois) incisos explicitam os fundamentos dessa formação, quais sejam, a “associação entre teorias e práticas, inclusive mediante a capacitação em serviço” (inciso I) e o “aproveitamento da formação e experiências anteriores em instituições de ensino e outras atividades” (inciso II). Vemos, como pontos principais nesses fundamentos, a valorização das “experiências anteriores” dos docentes, nas suas diversas atividades, e as possibilidades de “capacitação em serviço”, idéias pouco valorizadas na legislação educacional anterior. O outro aspecto também importante, a “associação entre teorias e práticas”, sem dúvida é uma condição sine qua non na formação de profissionais para quaisquer áreas, em especial para a Educação, pois espera-se que essas atividades sejam indissociáveis. Já o Art. 62 da LDB tem gerado muita polêmica. Apesar de ser claro ao explicitar que, para o “exercício do magistério na educação infantil e nas quatro primeiras séries do ensino fundamental” exige-se a “formação mínima (...) oferecida em nível médio, na modalidade Normal”, sua interpretação tem sido muito confusa. Ou seja, qualquer docente já atuante na educação infantil e/ou nas séries iniciais do ensino fundamental não precisa vir a freqüentar, obrigatoriamente, qualquer curso de nível superior, a não ser por vontade própria. Entendemos que qualquer 14 VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO
  • 15. História da formação docente no Brasil interpretação diferente desta, por exemplo a de que a LDB exige que todos os professores sejam obrigados a concluir um curso superior, num determinado prazo, é uma interpretação no mínimo equivocada. Acontece que, segundo o Parágrafo 4º do Art. 87 dessa mesma LDB (TÍTULO IX - DAS DISPOSIÇÕES TRANSITÓRIAS), “Até o fim da Década da Educação somente serão admitidos professores habilitados em nível superior ou formados por treinamento em serviço”, redação essa que tem sido interpretada, de forma capciosa ou não, para fazer crer que os profissionais já atuantes na educação infantil e nas séries iniciais do ensino fundamental teriam que ter formação de nível superior, causando a confusão que mencionamos anteriormente. Porém, independentemente do conteúdo desse parágrafo, que analisaremos no momento oportuno, cabe lembrar que as disposições constantes da parte do texto legal denominada Disposições Transitórias, portanto não definitivas, não se sobrepõem aos conteúdos que constam do corpo do mesmo texto legal (nesse caso, o Art. 62 dessa LDB), a não ser se esses conteúdos tivessem sido revogados por meio de uma outra Lei Federal, o que não aconteceu. É sempre lícito e louvável defender uma melhoria na qualidade e no nível de formação profissional dos docentes de todas as escolas brasileiras. O que não se pode fazer é, na falta de melhores argumentos, inclusive pedagógicos, creditar à LDB, disposições que ela não expressa. Apenas citada no Art. 62, a figura dos “institutos superiores de educação” é explicitada nesse Art. 63 da LDB, como um novo tipo de instituição de ensino responsável pela formação dos profissionais da EDUCAÇÃO no Brasil, fato esse que também tem causado bastante polêmica. Tais “institutos superiores de educação” deverão oferecer: “cursos formadores de profissionais para a educação básica, inclusive o curso normal superior, destinado à formação de docentes para a educação infantil e para as primeiras séries do ensino fundamental” (inciso I), “programas de formação pedagógica para portadores de diplomas de educação superior que queiram se dedicar à educação básica” (inciso II) e “programas de educação continuada para os profissionais de educação dos diversos níveis” (inciso III). Não consideramos que as possibilidades expressas pelos incisos II e III, sobretudo as desse último, sejam muito problemáticas, apesar do fato de que as mesmas poderiam ser atribuições dos cursos de graduação em Pedagogia já existentes, e ressalvada a eventual ocorrência de “programas de formação pedagógica para portadores de diplomas de educação superior” qualitativamente insuficientes, aqueles do tipo que, no jargão da área, são pejorativamente chamados de “banho pedagógico”, no caso das possibilidades colocadas pelo inciso II. Mas, consideramos muito problemática a função atribuída aos “institutos superiores de educação” pelo inciso I desse Art. 63. Entendemos que o objeto de estudo e os conteúdos a serem ministrados por um “curso normal superior”, previsto pelo inciso I, já fazem parte da modalidade Normal, oferecida em nível médio, ou já fazem parte dos cursos de graduação em Pedagogia, portanto, não existe uma terceira opção, porque não foram descobertos novos conteúdos em EDUCAÇÃO que não possam ser ministrados por esses cursos já existentes, assim como também ainda não foi descoberto um novo objeto de estudo que justificasse, do ponto de vista epistemológico, a criação desse “curso VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 15 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO
  • 16. História da formação docente no Brasil normal superior”. Assim, se o “curso normal superior” formar “profissionais para a educação básica” e os cursos de graduação em Pedagogia formarem apenas especialistas em EDUCAÇÃO, a conseqüência mais imediata será o fechamento gradual da modalidade Normal oferecida em nível médio por inanição, ou seja, por falta de “demanda”. Outra conseqüência possível, em termos de futura atuação profissional, é que, na prática, tanto os egressos do “cursos normal superior”, quanto os egressos dos cursos de graduação em Pedagogia, serão professores na educação básica. Para se chegar a esse resultado, como diz o ditado popular, “não seria preciso, novamente, inventar a roda”. A presença do “curso normal superior” na LDB é mais um exemplo da forma como foi elaborada essa lei, qual seja, dentro de gabinetes (no caso, do Ministério da Educação, cumprindo as orientações emanadas do Banco Mundial para os países em desenvolvimento), por alguns “especialistas”, sem discussão com a sociedade civil, representada, nesse caso, por entidades de profissionais da área da EDUCAÇÃO (dirigentes, docentes e funcionários técnico-administrativos). Já o Art. 64 da LDB é tão explícito quanto o Art. 62, já analisado. Nesse Art. 64, fica claro que a exigência de curso de graduação em Pedagogia, ou de cursos de pós-graduação em EDUCAÇÃO, refere-se, única e exclusivamente, à “formação de profissionais de educação para administração, planejamento, inspeção, supervisão e orientação educacional para a educação básica”, os chamados “especialistas”. Não se pode confundir essa exigência específica, na formação dos chamados “especialistas”, com a exigência ilegal de que todos os docentes que atuam, por vontade própria, e que queiram continuar atuando, apenas no “exercício do magistério na educação infantil e nas quatro primeiras séries do ensino fundamental”, e que para tanto possuem a “formação mínima” necessária, “oferecida em nível médio, na modalidade Normal”, sejam obrigados a fazer qualquer tipo de curso superior, sob o argumento inverídico de que a LDB “manda” que assim seja. O Art. 65 da LDB, por sua vez, ao instituir um mínimo de 300 (trezentas) horas para a prática de ensino, fez com que, na grade curricular de todos os cursos de licenciatura, o contato dos alunos desses cursos com a realidade dos ensinos fundamental e médio fosse antecipado, no mínimo, em um ano. Por exemplo, o aluno que, anteriormente, iniciava a prática de ensino no último ano de seu curso de licenciatura, passou a iniciar essa prática de ensino no penúltimo ano de seu curso de licenciatura. Se, por um lado, essa antecipação pode ser vista como positiva, no sentido de que, ao iniciarem, mais cedo, o convívio com a realidade educacional, os alunos podem aprender melhor sobre as relações entre teorias e práticas pedagógicas, e terão mais tempo para discutir todos os aspectos que envolvem a prática de ensino; por outro lado, esse aluno, necessariamente, no momento inicial dessa prática de ensino, possuirá menos conhecimentos (conteúdos teóricos) pedagógicos, já que cursou, até esse momento, um número menor de disciplinas. O Art. 66, assim como seu Parágrafo único, não apresentam, no nosso entendimento, maiores problemas. Acreditamos que o único reparo a fazer, seria trocar a palavra “prioritariamente” pela palavra “obrigatoriamente”, o que resultaria, a curtíssimo prazo e com absoluta certeza, numa 16 VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO
  • 17. História da formação docente no Brasil significativa elevação da qualidade do ensino, especialmente em inúmeras instituições privadas de ensino superior. Mas é oportuno lembrar, novamente, a utilização de “dois pesos e duas medidas”, pois durante a tramitação do projeto original de LDB na Câmara dos Deputados, no início dos anos 90, esse projeto foi acusado de “detalhista”, por conter dispositivos muito mais importantes do que este, por exemplo, os que determinavam o número de alunos por salas de aula. As disposições delineadas nos 06 (seis) incisos que compõem o Art. 67 da LDB, se cumpridas integralmente, poderão significar uma efetiva “valorização dos profissionais da educação”. Para que se tenha uma idéia de sua importância, se os sistemas de ensino (no caso, públicos) cumprirem esses incisos, por exemplo, impede-se a indicação política (inciso I) e garante-se o aperfeiçoamento continuado (incisos II, IV e V) dos profissionais em educação. Afora isso, é preciso reconhecer que todos esses incisos contemplam lutas históricas dos setores sociais organizados na área da EDUCAÇÃO. O problema é o elevado grau de subjetividade com que são interpretadas algumas dessas disposições, por exemplo, o “piso salarial profissional” (inciso III) e as “condições adequadas de trabalho” (inciso VI). A ausência de maior explicitação de como seria composto esse “piso salarial profissional” ou as incomensuráveis interpretações do que significam tais “condições adequadas de trabalho”, fazem com que esses incisos tenham poucos efeitos práticos na valorização dos profissionais em EDUCAÇÃO. Isso cria sérios obstáculos na hora de responsabilizar o Poder Público pela ausência de um “piso salarial profissional” e pela falta de “condições adequadas de trabalho”, na medida em que tais expressões têm sido interpretadas de forma extremamente subjetiva, pois cada pessoa pode interpretá-las de maneira diferenciada. Não por outro motivo, o projeto original de LDB (que tramitou na Câmara dos Deputados, no início dos anos 90) previa, por exemplo, “piso salarial nacionalmente unificado”. Cabe reafirmar que, no nosso entendimento, o Art. 67, incluindo seu Parágrafo único, apresenta medidas objetivas e corretas, por esse motivo já havíamos mencionado antes que, se cumpridas integralmente, as disposições contidas nesse Art. 67 da LDB poderão significar uma efetiva “valorização dos profissionais da educação”. Do ponto de vista formal, para além das considerações já feitas, um reparo seria muito importante, explicitar claramente que o Art. 67 é extensivo ao ensino privado, evitando qualquer dúvida, sincera ou oportunista. Por fim, gostaríamos de analisar o $ 4º do Art. 87 da LDB, que, como já dissemos anteriormente, tem causado muita polêmica, talvez por interpretações equivocadas. Segundo esse parágrafo, até “o fim da Década da Educação”, portanto até o fim de 2007 (visto que essa “Década da Educação” teve início em dezembro de 1997, um ano após a publicação dessa LDB, como determina o caput desse Art. 87), “somente serão admitidos professores habilitados em nível superior ou formados por treinamento em serviço”. As interpretações equivocadas a que nos referimos anteriormente dizem respeito à crença de que, até o final de 2007, indiscriminadamente, todos os professores sem curso superior, obrigatoriamente teriam que cursá-los, caso contrário correriam o risco de não poder lecionar na educação infantil (creches e pré-escolas) e nos quatro primeiros anos do ensino fundamental. O primeiro equívoco refere-se aos docentes já admitidos, que não podem ser demitidos por esse VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 17 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO
  • 18. História da formação docente no Brasil motivo, pois têm direitos adquiridos. O segundo equívoco diz respeito ao fato de que, até o final de 2001, só não poderão lecionar nos citados nível educacional e séries, se as instituições – públicas ou privadas – só admitirem docentes com formação em nível superior, por qualquer outro motivo que não seja por exigência legal. Um possível terceiro equívoco refere-se ao fato de eventualmente concordar-se com a afirmação de que o “treinamento em serviço” possa “formar alguém”, que talvez possa “adestrar pessoas”. Para todos os efeitos, do ponto de vista legal, no caso dos docentes na educação infantil e nas quatro primeiras séries do ensino fundamental, a formação mínima exigida é a “oferecida em nível médio, na modalidade Normal”, como dispõe o Art. 62 (TÍTULO VI – DOS PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO) dessa LDB. Seria juridicamente incoerente que o disposto em um parágrafo de um artigo do TÍTULO IX (DAS DISPOSIÇÕES TRANSITÓRIAS) se sobrepusesse ao disposto em um artigo de um TÍTULO específico, no caso, o TÍTULO VI (DOS PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO) dessa própria LDB. Assim, para os professores da educação infantil e dos quatro primeiros anos do ensino fundamental não se aplica o disposto nesse $ 4º do Art. 87 da LDB, o que poderia nos levar a concluir que esse artigo é inócuo, pois para lecionar nos quatro anos finais do ensino fundamen- tal e nos demais outros níveis educacionais há muito exige-se formação em cursos de nível supe- rior. Mas cabe aqui uma advertência, pois apesar de toda a polêmica já causada, esse $ 4º do Art. 87 da LDB apresenta uma característica bastante interessante, que é a de apontar horizontes, nesse caso, a de prognosticar que a formação de professores para o exercício do magistério em todos os níveis e modalidades educacionais deva ocorrer nos cursos de nível superior, aliás, essa é uma reivindicação já histórica dos setores sociais organizados na área da EDUCAÇÃO. Por outro lado, questionamos: o que ocorrerá após dezembro de 2007, quando este $ 4º do Art. 87 perder a sua validade? Afora o fato de termos ou não “professores habilitados em nível superior”, sem dúvida continuará prevalecendo o Art. 62 da LDB, a não ser que este seja revogado ou que os conteúdos expressos no $ 4º do Art. 87 sejam reintroduzidos pelos legisladores, por meio de algum dispositivo legal. Acreditamos que todos os professores que ainda não tiveram a oportunidade de freqüentar um curso superior, assim que lhes forem dadas as condições necessárias, o farão. Porém, como já discutimos antes, as interpretações equivocadas do $ 4º do Art. 87 têm causado alguns constrangimentos que consideramos, no mínimo, ilegais. Por exemplo, ameaçar com demissão os professores de educação infantil e das quatro primeiras séries do ensino fundamen- tal, alegando que a formação em nível superior se trata de uma determinação imposta pela LDB. Outro exemplo, não menos preocupante, é valer-se dessa mesma alegação para introduzir pretensos “cursos de formação de professores”, modulares, aligeirados e à distância, como já mencionamos anteriormente. Concluindo, entendemos que a nova LDB até valoriza a questão da formação docente no conjunto de suas determinações, porém, o projeto anterior era muito melhor. De qualquer maneira, temos que trabalhar à luz da legislação vigente. Pois então, que façamos isso valorizando sempre a formação adequada, não aligeirada, do profissional docente. 18 VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO
  • 19. História da formação docente no Brasil REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRANDÃO, C. F. LDB passo a passo: Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/96), comentada e interpretada, artigo por artigo. São Paulo: Avercamp, 2003. BRASIL, Constituição da República Federativa do. Brasília: Senado Federal, 1988. ______. República Federativa do. Presidência da República, Casa Civil, Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei nº 9.394/96. VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 19 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO
  • 20. História da formação docente no Brasil CURSO NORMAL: A FORMAÇÃO TOTAL MUZZETI, Luci Regina (FCL/UNESP/CAr) Esse estudo se baseia em dados de uma pesquisa de doutorado sobre a formação oferecida pela Escola Normal de São Carlos, apresentada por mim à Universidade Federal de São Carlos, Estado de São Paulo, em 1997. O estudo procura recuperar, entre outras coisas, a história da formação docente no Brasil, no caso, recuperar a história da formação docente em São Carlos baseando-se na categoria trabalho como princípio educativo e sua influência na sociedade da época. A contribuição desse estudo para a História da Educação no Brasil e mais precisamente para a História da Formação docente no Brasil deve-se ao fato que o Curso Normal era hegemônico nesse período e a Escola Normal era a instituição mas importante dessa época. Analisá-los e compreendê-los equivale ao esforço de compreender a formação docente nesse momento histórico. Além disso, procurei também ter contribuído para a discussão da complexa vinculação entre educação e trabalho. A relação entre educação e trabalho é um tema que suscita estudos, discussões e reflexões em todos estudiosos e pesquisadores interessados e voltados à educação. Os estudos realizados pelo interesse por esse tema mostram que a categoria de reflexão trabalho, historicamente influiu fortemente na configuração do processo de ensino-aprendizagem e nos contornos específicos das unidades sociais de ensino. Portanto, esse trabalho representa um esforço intelectual de compreender as relações contraditórias, muitas vezes quase imperceptíveis entre educação e trabalho, sendo a categoria de mediação trabalho o fundamento desse esforço reflexivo. A pesquisa vai de 1911 até 1940. Esse período foi escolhido pois 1911 é o ano que a Escola foi fundada tendo atingido nos anos seguintes o seu apogeu cultural e social; em contrapartida, finda-se nos anos 40, pelo menos no âmbito da legislação, esse anos marcam o declínio do prestígio social e cultural do Curso Normal, tendendo esse a ocupar um espaço de preparação didático-pedagógica. Realizei a pesquisa utilizando os estudos de Bourdieu e colaboradores, a legislação vigente, bem como documentos, livros, jornais, revistas da época. Para identificar o habitus que queria produzir-se nas alunas entrevistei normalistas desse período. Para identificar cada normalista adotei nomes fictícios, seguidos da profissão do chefe da família e da mãe, caso ela trabalhasse. Foram entrevistadas dez normalistas formadas pelo antigo Curso Normal de São Carlos. A Formação no Curso Normal: a excelência em distinção O maior acontecimento no campo educacional que transformou a cidade de São Carlos em um centro irradiador de cultura foi a criação da Escola Normal Secundária, com seu distintivo Curso Normal para as mulheres de “boas famílias” da região. 20 VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO
  • 21. História da formação docente no Brasil Como se sabe, as Escolas Normais eram instituições típicas da Primeira República, pois a meta dos Republicanos era transformar a massa amorfa da população, que era composta por mestiços, ex-escravos, imigrantes, em um povo ordeiro e organizado, em cidadãos, e para isso eles contavam com o ensino primário. Daí a preocupação com as Escolas Normais e com os Grupos Escolares (Nosella; Buffa, 1996). Nessa época, o Governo Estadual estava empenhado em melhorar a situação do ensino, criando escolas complementares que dotariam os municípios de um número razoável de professores. Surgiu daí o empenho das autoridades políticas são-carlenses, apoiadas principalmente pelos fazendeiros, pleiteando a instalação de uma Escola Complementar na cidade. A criação da Escola Normal em São Carlos não foi uma tarefa simples, mas representou um grande e ambicioso esforço político. O Doutor Carlos Botelho, que representava a liderança política são-carlense e era Secretário da Agricultura e Obras Públicas, antecipando-se à promulgação da Lei da criação da Escola, determinou, em 1908, a construção do prédio onde se instalaria a Escola que mais tarde receberia o nome de Escola Complementar “Conde do Pinhal”. Nesse momento o Governo do Estado já pensava na remodelação das Escolas Complementares que, realmente, pelo Decreto 2025 de março de 1911 foram transformadas em Escolas Normais Primárias. Por essa razão e por desavenças políticas o Governo Estadual achou que não seria oportuna, naquele momento, a criação de uma Escola Complementar na cidade. Durante muitos meses o prédio permaneceu desocupado. Portanto, estava São Carlos com um prédio ocioso, enquanto novas mudanças aconteciam na política. Assumiram a liderança política municipal local os Salles que recorreram ao Dr. Pádua Salles, líder político em São Paulo, que vindo a São Carlos, prometeu não mais uma simples Escola Complementar como almejavam os Botelhos, mas uma Escola Profissional nos moldes daquela construída em Buenos Aires. Foi providenciada a vinda a São Carlos do ex-Inspetor Geral do Ensino, o Professor João Lourenço Rodrigues, com a importante tarefa de examinar as instalações e verificar a possibilidade de serem aproveitadas para a criação da Escola Profissional. O Professor João Lourenço Rodrigues não foi favorável à instalação da Escola Profissional, alegando que o prédio não era adequado e exigia reformas que não seriam realizadas pelo Governo. O fato, na verdade, era que a criação da Escola Profissional não atendia aos anseios da elite política local constituída principalmente pelos fazendeiros de café e profissionais liberais ligados aos interesses da monocultura cafeeira. Soma-se a isso que as instalações da Escola Profissional também não atendiam às necessidades das manufaturas criadas pela iniciativa particular de imigrantes europeus saídos da lavoura (Neves, 1991, p.4). Diante disso, o Professor João Lourenço Rodrigues sugeriu a instalação de uma das três Escolas Normais já criadas pela Lei no 88 de 8 de setembro de 1892 (apenas uma tinha sido instalada em Itapetininga), em detrimento da instalação da Escola Profissional. Assim, o Professor João Lourenço Rodrigues recorreu ao influente jornalista Manoel de Mattos Azevedo VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 21 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO
  • 22. História da formação docente no Brasil para que ele encabeçasse um abaixo-assinado. O abaixo-assinado com cerca de trezentas assinaturas foi encaminhado ao Governo aproveitando a época eleitoral. Assim, pelo Decreto Lei no 1998 de 4 de fevereiro de 1911, de conformidade com a Lei Orçamentária no 1245 de 30 de dezembro de 1910, foi fundada a Escola Normal Secundária de São Carlos (Pirolla, 1988). A Escola Normal provisoriamente foi instalada no prédio da rua José Bonifácio onde deveria funcionar a Escola Complementar. Esse prédio foi julgado inadequado para o seu funcionamento. As autoridades políticas almejavam a construção de um prédio adequado e digno de sua importância, para onde ela deveria ser transferida. Assim, em 18 de setembro de 1913, foi lançada, solenemente, a pedra fundamental do monumental e majestoso edifício, inaugurado solenemente em 18 de novembro de 1916. O prédio da Escola Normal foi projetado pelo arquiteto alemão Rosencrantz, a construção coube ao engenheiro Doutor Raul Porto e ao mestre de obras Senhor Torello Dinucci. O prédio é de estilo eclético, com elementos neoclássicos e de art-nouveau. É importante ressaltar que nessa época a construção de escolas, fóruns, etc. deveria seguir um projeto padrão instituído pelo Governo (Nosella; Buffa, 1996). O majestoso edifício da Escola Normal localizado na Avenida São Carlos é dividido em dois pavimentos: no térreo estão o hall, a diretoria, a secretaria, a biblioteca, o anfiteatro e as salas de aulas que no início eram repartidas em duas alas, a feminina e a masculina. O acesso ao térreo se faz através de uma imponente escadaria em granito, com 6 metros de largura. No porão estão os laboratórios, as salas especiais para educação física, trabalhos manuais e pintura. Há também duas escadarias menores que eram utilizadas separadamente por moças e rapazes na saída e entrada da escola. O corpo central do edifício constituído pela escadaria, hall, anfiteatro, diretoria, secretaria, biblioteca e sala dos professores era proibido aos alunos a não ser em ocasiões especiais como festividades ou com anuência dos professores. Desse corpo central saem duas alas simétricas, com duas entradas, naquela época autônomas, uma para as alunas, e outra para os alunos. À porta de cada ala havia um inspetor ou inspetora que deveriam verificar o comportamento e o uniforme dos alunos na entrada para as aulas (Nosella; Buffa, 1996). É interessante notar que algumas das normalistas formadas nos anos 40 afirmam que ainda nesses anos os rapazes entravam e saíam por uma porta e as meninas por outra. Além disso algumas delas afirmam também que os rapazes não permaneciam com elas no mesmo local na hora do intervalo das aulas. O acabamento do prédio da Escola Normal foi feito com material importado, como: piso de cerâmica francesa, lustres de cristal de Bacarat, mármore italiano, mobiliário inglês e austríaco (Nosella; Buffa, 1996). As salas de aula do lado direito de quem entra pela porta principal tinham pias decoradas, as salas especiais e os laboratórios continham inúmeros aparelhos de procedência européia, e a biblioteca era dotada de coleções de livros franceses e nacionais. Era uma Escola construída pela elite cafeeira, pelos fazendeiros e, sem dúvida nenhuma, era o edifício mais importante e majestoso da cidade. 22 VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO
  • 23. História da formação docente no Brasil No início o corpo docente da Escola Normal era dividido em lentes e professores: denominavam-se lentes os catedráticos de Ciências, Letras e Línguas, eram cargos vitalícios nomeados mediante concursos públicos. Por sua vez denominavam-se apenas professores os que ministravam matérias auxiliares como Desenho, Música, Ginástica e Trabalhos Manuais, num regime de contrato. Os primeiros, ou seja, os catedráticos, formavam a “Congregação da Escola - estrutura e nomenclatura próprias de uma faculdade” (Nosella; Buffa, 1996, p.50). Era considerada uma faculdade, devido ao seu grande prestígio e estrutura, era tida como a precursora das Faculdades de Filosofia. Era muito comum a presença de médicos, advogados e engenheiros no corpo docente da Escola, fato que contribuía muito para aumentar o seu prestígio e tornar o Curso cada vez mais distintivo. Transformou a cidade de São Carlos num dos principais centros educacionais do Estado, atraindo estudantes de toda a redondeza e formando a elite intelectual principalmente feminina da cidade. A clientela inicial da Escola Normal era formada majoritariamente por mulheres. Essas mulheres, em geral, pertenciam a grupos socialmente privilegiados, eram filhas de grandes fazendeiros e de grandes comerciantes. Não há dúvida de que a Escola Normal era a instituição educacional mais importante e prestigiada da cidade. Sua função era formar as moças provindas de meios privilegiados. Assim, era a excelência escolar de São Carlos e de todo o interior do Estado, pois, como já dito, não só recebia uma clientela provinda de meios privilegiados como também oferecia uma formação diferenciada, um ensino rigoroso que privilegiava os conteúdos que visavam a dar à sua clientela uma cultura geral, distintiva. Conseqüentemente as avaliações realizadas ao longo do Curso eram exigentes e rigorosas. Com a queda da bolsa de Nova York por volta de 1929, deu-se a crise da burguesia agrária, dos fazendeiros de café e, conseqüentemente, começou a haver um deslocamento da população da zona rural para a cidade, acelerando, desse modo, o processo de urbanização. A partir dos anos 30, acentuou-se o processo de urbanização e houve uma expansão respeitável da indústria. Tais acontecimentos causaram modificações na sociedade brasileira mudando sua feição e, é claro, causando modificações na Escola Normal, modificações essas expressas no Decreto no 5884 de 21 de abril de 1933 que instituía o Código de Educação do Estado de São Paulo. Nesse Código de 1933 o Curso Normal passava a se denominar Curso de Formação Profissional para Professores, passando a ocupar um lugar secundário tanto no âmbito da legislação como também no âmbito científico, pois acentuava na formação dada pelo Curso Normal a preparação didático-pedagógica (Nosella; Buffa, 1996, p.15). A partir dos anos 40, acentuou-se o processo de industrialização na cidade de são Carlos, provocando a mudança acentuada da população rural para a cidade, causando, conseqüentemente, um enorme crescimento da população urbana. No âmbito escolar tal crescimento causou o aumento do número de escolas, expansão das matrículas no ensino médio e primário, etc. VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 23 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO
  • 24. História da formação docente no Brasil Em 1946, com as Leis Orgânicas do Ensino, surgidas no ministério Capanema, deu-se uma centralização no ensino e com a Lei Orgânica do Ensino Primário e Normal passou a existir uma legislação Federal instituindo diretrizes para todo o País, cabendo aos Estados o direito de adaptar as determinações às diferenças e necessidades regionais e administrar o ensino, respeitando o espírito da lei. É também em 1946, através dessa Lei, entre outras coisas, que se deu a regularização do Curso Normal no Brasil. É ainda nesse ano também e por essa Lei que a Escola Normal de são Carlos foi transformada em Instituto de Educação. Outro fato importante foi, que as mudanças realizadas nos anos 40 na Escola Normal, principalmente com a Lei Orgânica de 1946, coincidiram com o final do regime ditatorial em 1945 e com o início do processo de democratização do país (Almeida, 1991, p.170). As Escolas Normais do Estado passaram, em 1947, com o Decreto no 17 698 que aprovou a consolidação das Leis do Ensino, a ministrar um curso de Formação Profissional do Professor que teria a duração de dois anos. Além disso deveria haver um curso Pré-Normal, criado pelo Decreto-Lei no 14 002 de 25 de março de 1944, para substituir o 5o ano do ginásio. Esse Curso Pré-Normal, criado, por sua vez, para servir de ligação com o Curso Normal, era constituído por disciplinas de cultura geral, extinguindo-se em 1956 (Almeida, 1991, p.164). É importante sublinhar que nos anos 40 o Curso Normal da cidade de São Carlos continuou a ser freqüentado majoritariamente por mulheres, pois foi realizado um levantamento da relação do número total de concluintes pelo Curso Normal e o número de concluintes correspondente a cada um dos gêneros, o que pode ser observado no quadro que segue: 24 VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO
  • 25. História da formação docente no Brasil O levantamento revelou que, de 1940 a 1949 formaram-se, nesse Curso, quinhentas pessoas, entre as quais havia setenta e nove homens e quatrocentas e vinte e uma mulheres. Não há dúvida, assim, de que o Curso Normal era freqüentado predominantemente por mulheres. Essas mulheres por sua vez, pelo menos até os anos 40, eram, na sua maioria, provindas de meios privilegiados como se poderia ilustrar com vários depoimentos. Aqui nos limitamos a citar depoimentos de duas normalistas. “As alunas da minha roda são a Geraldina Fernandes, Edna Covenhoto, Lélia que hoje é a minha cunhada, Lúcia Helena Wernek que hoje também é a minha cunhada, Leda Bauer, Wanda Bauer, Beatriz Helena Ferreira, Rosa Maria Ferreira, Leonette Zambel, Cida Zambel. E tinha também muitas alunas de fora, de Descalvado, de Brotas, Tamoio, moças das fazendas (filhas de fazendeiros) que vinham estudar, porque o Instituto era o centro da educação de todo o interior do Estado. Eram pessoas de muito boas famílias, faziam parte de um grupo social elevado, todas elas freqüentavam o São Carlos Clube que era um clube fechado” (Virgínia, filha de empresário). “Elas (alunas) eram de famílias tradicionais de classe média-alta, hoje houve uma democratização no ensino, naquele tempo não tinha. Estudava na Escola Normal a Norma Schiavone, Neli Pozzi, Maria Alice Vaz, eu, Neuza Massei, Maria Tereza Camargo, tinha filhas de professores, a Maria Tereza Camargo era sobrinha do Senhor Aristeu que era o bibliotecário que era professor, a Maria Silvia que veio de fora. Todas pertenciam a grupos sócio-econômicos elevados, nivelados, de boas famílias, porque naquele tempo ser professor era um valor que hoje não é...” (Elvira, filha de fazendeiro). Ao menos até os anos 40, o Curso Normal oferecia um ensino rigoroso, com avaliações rigorosas, exigentes e os conteúdos privilegiados no Curso visavam a dotar essas mulheres de uma educação erudita. O Curso também, ao menos até essa época (anos 40), era um Curso muito prestigiado, fato que pode ser ilustrado por mais esses depoimentos: “(O Curso) era muito, muito prestigiado e concorrido. As pessoas que se formavam na Escola Normal tinham um grande prestígio aqui e em outros lugares” (Otília, filha de advogado). “(O Curso) era demais de prestigiado e concorrido. A Escola Normal era a primeira do interior do Estado de São Paulo, uma beleza de Escola. Aliás, eu acho bonita até hoje” (Helena, filha de dentista). Constatei também que essas normalistas acreditavam que as atividades culturais oferecidas pelo Curso Normal contribuíram para sua formação e que essas atividades culturais oferecidas pela Escola eram um complemento, uma continuação da educação familiar. “Eu acredito que sim, que essas atividades contribuíram para minha formação, a sociedade era outra. Então, além das coisas da Escola existiam muitas reuniões de família, todas as famílias proporcionavam reuniões, encontros de ir tocar..., de aprender violão, eu também cheguei a aprender um pouco de violão. A sociedade girava em torno de reuniões mais do que hoje em dia, eu acredito que hoje não tenha. E a Escola era um complemento, fazia parte daquilo e você ia seguindo normalmente” (Helena, filha de dentista). VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 25 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO
  • 26. História da formação docente no Brasil Através do depoimento da filha do dentista pude observar que o Curso Normal cultivava em suas alunas a linguagem escrita e privilegiava os escritores clássicos da Língua Portuguesa visando a desenvolver, ampliar o capital cultural das alunas. Observei também, através do depoimento da filha do advogado, que todos os professores do Curso Normal cultivavam a linguagem escrita correta nas normalistas: “Em Português, nós tínhamos duas partes: uma parte era de um ponto de gramática como, por exemplo, a função do que, e nós tínhamos o ponto sobre o que. Aí a gente tinha que dizer tudo sobre o que; a outra era escrita que de maneira geral, ele (professor) dava um tema para você dissertar” (Helena, filha de dentista). “Em Pedagogia, em Prática de Ensino principalmente, a professora corrigia tudo, a parte oral e a parte escrita, não podia ter erros de Português e todos os professores corrigiam o português, o português era corrigido em todas as matérias. Já estava implícito isso e todos eles eram exigentes” (Otília, filha de advogado). Observei ainda que os comportamentos, as disposições cultivadas no Curso Normal em suas alunas eram aquelas já valorizadas no interior de suas famílias (polidez, obediência, pouca ousadia, etc.), ou seja, fazia parte do habitus familiar delas e visavam criar nas mulheres identidades consideradas adequadas para elas na época. “Hoje em dia vocês perguntam isso (como as alunas do Curso Nor- mal deveriam se portar, se vestir), porque hoje é diferente. Naquele tempo, a gente já tinha um certo hábito, não tinha nada de extravagante, quer dizer, que não é como hoje em dia que você anda com uma saia aqui ou ali. Naquele tempo, isso era padronizado, todo mundo se vestia direito, normal, não tinha muita exibição, nada disso” (Helena, filha de dentista). “As normas eram rígidas, as portas ficavam abertas, ninguém tinha o direito de se levantar das carteiras e sair pela porta para ir ao banheiro, alguma necessidade assim a pessoa pedia autorização. Mas, todo mundo procurava não pedir porque tinha intervalo. De 50 em 50 minutos tinha um intervalo de 10 minutos. Ninguém tinha o direito de se levantar, de ir falar com a colega da outra carteira, de virar para trás, nada disso. A disciplina era mais ou menos rígida. Se a gente falasse com uma pessoa e o professor visse...” (Otília, filha de advogado). “Ah! Não se falava alto durante uma aula a menos que o professor chamasse e pedisse para que falasse, ninguém dava palpite extra, nada disso. Eles eram respeitados. Hoje em dia eu acho que os alunos levantam e saem no meio da aula, eu desconfio. E fumam! Então, era bem diferente” (Helena, filha de dentista). “Eles (professores) exigiam o comportamento, a pessoa tinha que se comportar, prestasse atenção ou não, tinha que se comportar, e se a gente não estivesse se comportando ele (professor) fazia uma pergunta” (Otília, filha de advogado). A pesquisa revelou ainda, que o Curso Normal vivia e reproduzia um habitus cultural marcado por uma profunda ruptura com o trabalho, não apenas com o trabalho produtivo braçal, 26 VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO
  • 27. História da formação docente no Brasil mas até mesmo com o próprio trabalho intelectual correspondente à profissão para o qual formalmente preparava, ou seja, o Curso Normal, ao menos até os anos 40, enquanto tendência, a despeito de preparar a professora primária, dissimuladamente, valorizava mais a cultura geral e tradicional como ornamento das mulheres das elites, uma vez que, essas mulheres após a conclusão do Curso Normal, a maioria delas casou-se e não exerceu a profissão de professora primária. O depoimento da filha do dentista, ilustra tal questão: ... “a moça na sociedade naquele tempo, porque eu me formei em 1949, sua função era se casar, não era comum uma moça continuar os estudos ou trabalhar. Pois, quando ela terminava o Curso Normal já estava namorando, ia se casar, poucas que saíram e foram estudar. Todas seguiam professoras ou não seguiam, não faziam outro curso, paravam. Então, quer dizer, que o Curso Normal na cidade do inte- rior era o máximo que tinha. Tanto que eram poucas as cidades do interior que tinham uma Escola Normal. E quando uma moça vinha completar os estudos era com o Curso Normal. E quando uma moça concluía o Curso Normal, já estava namorando firme, ia se casar e a maioria não trabalhava nem antes e muito menos depois do casamento, era sempre assim...” (Isadora, filha de dentista). Como se viu, o estudo revelou, entre outras coisas, que o Curso Normal privilegiava a cultura geral, dirigida principalmente às mulheres das classes privilegiadas em detrimento da formação do professor(a) ou do seu engajamento no magistério. Esse Curso possuía também uma profunda ruptura com o trabalho e com o trabalho intelectual, pois com o “álibi” da formação de professores, dissimuladamente, valorizava a cultura geral, como ornamento, principalmente, das mulheres das camadas privilegiadas. Portanto, o Curso Normal particularmente na Primeira República secundarizou o objetivo proclamado pelo Estado: formação de professores e priorizou a produção e reprodução de uma cultura geral dirigida às camadas privilegiadas. Por fim, pode-se afirmar que, ao menos até os anos 40, a Escola Normal de São Carlos continuou sendo um importante centro irradiador de cultura de todo o Estado e sua função era formar, educar as moças oriundas principalmente das classes médias e dos meios privilegiados, dotando-as de um habitus, ou seja, dotando-as de um sistema de disposição altamente distintivo, distinguido-as das demais moças de outras frações de classe. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALMANACH ALBUM DE SÃO CARLOS, 1916-1917, São Carlos, Tipografia Artística. ALMANACH ANNUÁRIO DE SÃO CARLOS. Org. José Ferraz de Camargo, São Carlos, 1928. ALMEIDA, J.S. Formação de professores do 1o grau: a prática de ensino em questão. São Carlos: UFSCar, 1991. Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal de São Carlos, 1991. BOURDIEU, P. La noblesse d’Etat: grandes écoles et l’espirit de corpus. Paris: Miniut, 1989. VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 27 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO
  • 28. História da formação docente no Brasil FREITAG, B. Escola, Estado e sociedade. 4.ed. São Paulo: Moraes, 1980. MUZZETI, L.R. Trajetórias escolares de professoras primárias formadas em São Carlos nos anos 40. São Carlos: UFSCar, 1992. Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal de São Carlos, 1992. MUZZETI, L.R. Trajetória social, dote escolar e mercado matrimonial: um estudo de normalistas formadas em São Carlos nos anos 40, São Carlos: UFSCar (Tese de Doutorado) – Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal de São Carlos, 1997. NEVES, A.P. das. São Carlos: da escolinha de primeiras letras às universidades de prestígio internacional. São Carlos: Ed. Guia da Cidade, Páginas Amarelas, 1991. NOSELLA, P; BUFFA, E. Schola Mater: a antiga Escola Normal de São Carlos. São Carlos: Ed. da UFSCar, 1996. PIROLLA, M.C.G. Memórias do Instituto: 1911-1976. São Carlos: Camargo Artes Gráficas, 1988. TANURI, L.M. O Ensino Normal no Estado de São Paulo: 1890-1930. São Paulo: Faculdade de Educação/USP, 1979. (Série Estudos e Documentos, 16). TRUZZI, O.M.S. Café e indústria: São Carlos 1850-1950. São Carlos: Arquivo de História Contemporânea UFSCar, 1986. 28 VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO
  • 29. História da formação docente no Brasil EDUCAÇÃO MATEMÁTICA: (RE)VISITANDO A HISTÓRIA MATEMÁTICA MODERNA E SUA INFLUÊNCIA NA FORMAÇÃO DOCENTE CAMPOS, Dráuzio Costa Pires de; LUCCHESI, Martha Abrahão Saad (Universidade Católica de Santos) O homem não é o centro estático do mundo como ele se julgou durante muito tempo; mas eixo e flecha da Evolução – o que é muito mais belo. Pierre Teilhard Chardin INTRODUÇÃO Esta pesquisa foi realizada no Mestrado em Educação da Universidade Católica de Santos, por meio de sua linha de pesquisa “Formação do Educador: dimensão político-pedagógica”, no Grupo de Pesquisa “III MILÊNIO – Políticas Públicas de Formação do Educador: Universidade, Conhecimento e Pesquisa”. Parte-se do pressuposto de que o professor de Matemática deve ser o protagonista, pois centra em si o desenvolvimento dos conteúdos e tem desenvolvido uma determinada prática em suas aulas que colabora em muito para o distanciamento dos alunos, diminuindo o interesse pelo estudo e pela produção nessa área. “O que é Matemática e forma de ensiná-la, são elementos que irão compor o conhecimento em movimento chamado de Educação Matemática, bom exemplo do que é um conceito movimento...Isto é, a Educação Matemática tem respondido às questões: O que ensinar? Por que ensinar? Como ensinar? Na medida em que têm ficado mais claros os processos de aprendizagem, as razões sociais do que se aprende e o quanto o aprendido pode gerar novos conhecimentos sobre as leis gerais da natureza (quantificando, geometrizando, logicando etc.).” (Moura, 2004) A reflexão de Moura (2004) indica a forte mudança que está acontecendo e que poderá trazer um grande impulso para a melhora das relações entre o professor, o aluno e o conhecimento matemático que transversaliza, na verdade, todo o conhecimento humano. Ao se desenvolver a atenção para o como se estabelece o aprendizado, do que ele depende, e que a intencionalidade determina, em muito, as nossas subordinações em atender a determinados objetivos, estaremos nos aproximando da observação a respeito das razões sociais que estabelecemos em nossa prática pedagógica. Portanto, quem se preocupa com o ensino- aprendizagem não poderá mais ficar alheio à importância da construção do conhecimento VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 29 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO
  • 30. História da formação docente no Brasil matemático junto com o desenvolvimento e percepção dos processos de aprendizagem e do mundo social, cultural, espaço no qual fazemos nossa intervenção. Reforçamos essa observação buscando apoio nas idéias apresentadas por (Moura, 2004): “Ao ensinar Matemática, fazemô-lo (ou deveríamos fazê-lo) com um objetivo determinado. Isto exige a intencionalidade por parte do educador”. Em seu desenvolvimento, o professor de Matemática sofre a influência dos Cursos de Engenharias, dos Cursos preparatórios para os Militares e do Positivismo, fatores que o distanciam, até hoje, do cotidiano e das expectativas do aluno. Ao se estabelecer tal situação, o professor imbuído da importância do conhecimento a ser apresentado, o faz de maneira a reproduzi- lo fielmente, sem nenhuma possível interferência ou transversalidade com o cotidiano. Precisamos estar atentos e conhecer como se desenvolveram e foram se consolidando a Matemática e as Ciências no Brasil. Tal processo não se estabeleceu separado do que acontecia e acontece no mundo. As relações políticas e econômicas, principalmente, determinam como os países irão se relacionar; assim, a política educacional atende também a essa necessidade. Os professores têm à sua frente, se conscientes, uma possível participação no auxílio da construção da cidadania; dessa forma, não se pode exercer a docência somente com uma visão conteúdista. Entendemos que toda a consistência da Matemática, além de resolver problemas específicos, deve atender ao desenvolvimento de cada um, alunos e professores. Ao apresentar a Matemática como um componente da História, mostrar-se-á que ela foi construída em razão das necessidades humanas, muitas vezes da empiria e, outras, por sua aplicação na ciência e na tecnologia, para atender e melhorar o nível de vida e o conforto humano. Portanto, contextualizar hoje, buscando suas origens e os porquês de ser assim, somente colaborará para o seu desenvolvimento, aceitação e adesão de novos estudantes a essa importante ciência. Para iluminar as relações autoritárias existentes entre professores e alunos na disciplina, (re)visita-se a História da Matemática no Brasil, apontando o crescimento de situações políticas e econômicas que definem essas relações. Objetivos O objetivo geral se colocou de forma imperiosa: a priori, é necessário compreender o fenômeno a ser estudado, ou seja, entender como e o porquê da ocorrência do fenômeno, independentemente de tentar “categorizar” alguns comportamentos. Para tanto, foi necessário buscar na história os fundamentos da questão. A partir dessa compreensão, e embasado em observações cotidianas há muito realizadas, o próximo objetivo foi verificar que possíveis reflexões – enunciadas pelos sujeitos da pesquisa – caberiam para auxiliar na construção de uma prática para o professor, que transformasse essa relação em situações respeitosamente solidárias. 30 VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO
  • 31. História da formação docente no Brasil METODOLOGIA Este estudo faz uso de quatro tipos de documentos: 1) textos da área de Matemática para definição do conceito das Ciências e da Matemática; 2) estudos da Sociedade Brasileira de Educação Matemática; 3) entrevistas com professores de Matemática; e 4) textos da História da Matemática, com propostas, intenções – claras e ocultas – para a continuidade do processo militar que lhe deu origem. O investigador que trabalha com pesquisa qualitativa faz questão de verificar as diferentes perspectivas, e de maneira adequada, para que possa perceber realmente o significado do processo sobre o qual e no qual está estudando. Há necessidade de questionar, continuamente, os participantes do processo de investigação, na verdade, os sujeitos da pesquisa na qual o investigador tem parte atuante. “A pesquisa tem dimensão social. O pesquisador realiza um mergulho na corrente da vida em sociedade, com suas competições, interesses e ambições, ao lado da busca do conhecimento científico. (...) A visão de mundo, os pontos de partida, os fundamentos para compreensão do mundo, enfim, os pressupostos que orientam os pensamentos do pesquisador norteiam os rumos e a abordagem da pesquisa”. (Lucchesi, 1999, p. 35-37) É esclarecedora essa postura enunciada por Lucchesi (1999), que fundamenta também a opção pela pesquisa qualitativa, pois, ao se apoiar no mundo em que se desenvolvem os motivos da pesquisa, evidencia a importância da postura interdisciplinar. O que se apresenta nesta pesquisa é o resultado de observações, reflexões e interlocuções, em que se busca abordar a enunciação do poder na relação que o professor de Matemática mantém em sala de aula. Após uma visita à História da Matemática no Brasil, seguida de uma interlocução com teorias referentes ao tema, passou-se à interlocução com os sujeitos da pesquisa – os professores –, realizada mediante entrevistas, sempre buscando colher elementos que permitissem a análise das práticas no cotidiano escolar. Alguns professores foram selecionados e cinco deles aderiram à proposta da pesquisa. Duas professoras trabalham com o Ensino Fundamental, outra professora trabalha com o Ensino Médio e Superior, e dois professores trabalham com o Ensino Médio e Superior. Para este trabalho, selecionou-se parte da entrevista com uma professora, como amostra representativa da influência da História da Matemática na relação ensino/aprendizagem. (RE)VISITANDO A HISTÓRIA DA MATEMÁTICA A Academia Real Militar, criada em 4 de dezembro de 1810, na cidade do Rio de Janeiro, foi a primeira instituição onde se estabeleceu um curso no qual se atendessem as Ciências e a VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 31 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO