1. Genesis 1:26
Alguém Encontra a Doutrina da Trindade no primeiro capítulo da Bíblia? Para quem Deus estava
falando quando disse: "Façamos o homem à nossa imagem?”
Por Tovia Singer
Tradução: Renato Santos Grun
A doutrina da Trindade não tem maior inimigo que as Escrituras Hebraicas. É com a força deste
oráculo sagrado que o judeu tem preservado o conceito deu Unidade, Unicidade e Singularidade
do Deus Criador, que é o único digno de adoração. Missionários cristãos realizam uma tarefa
difícil e profana quando vasculham as Escrituras judaicas em busca de textos que possam ser
interpretados como consistentes com a doutrina da Trindade.
Nenhum profeta permaneceu em silêncio sobre o monoteísmo exigido pelo Deus de Israel. O
povo judeu, consequentemente, a quem foram dadas as declarações sublimes sobre a natureza do
Todo-Poderoso, não sabia nada sobre uma trindade de pessoas na Divindade.
Por causa dos profetas terem retransmitido sua mensagem divina sobre a natureza de Deus
atemporalmente, transparentemente e de forma inequívoca, muito poucos versos do Tanach
poderiam ser utilizados pela Igreja a fim de corroborar com os ensinamentos sobre a doutrina da
Trindade. Compreensivelmente, no entanto, os defensores cristãos desfilam os poucos versos que
eles insistem apoiar a noção de que há uma pluralidade na divindade.
Um dos versos mais populares usados pelos missionários cristãos como texto-prova em apoio a
doutrina da Trindade é Gênesis 1:26. Este versículo aparece com freqüência na literatura
missionária, apesar do fato deste argumento ter sido respondido inúmeras vezes ao longo dos
séculos e numerosos estudiosos cristãos já o haverem abandonado. Vamos examinar a criação do
homem, tal como descrito na Torá:
E Deus disse: "Façamos homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança, e que
domine sobre o peixe do mar, sobre a ave dos céus, sobre o animal e em toda a terra, e
sobre todo réptil que se arrasta na terra!”.
(Genesis 1:26)
Com conhecimento limitado das Escrituras judaicas, missionários cristãos apresentam o
versículo como prova de que havia uma pluralidade na divindade participando na criação do
primeiro homem. Que outra explicação poderia explicar adequadamente o uso da Torah dos
pronomes plurais, como "façamos" e "nossa imagem/semelhança" neste versículo?
Este argumento é profundamente falho, e consequentemente, um grande número de teólogos
trinitários há muito rejeitam a noção de que Gênesis 1:26 implica em uma pluralidade de pessoas
na Divindade. Em vez disso, os estudiosos cristãos concordam esmagadoramente que o pronome
plural neste versículo é uma referência aos anjos ministradores de Deus que foram criados
anteriormente, e Deus fala majestosamente no plural consultando Sua corte celestial. Vamos ler
os comentários proeminentes de estudiosos trinitários da Bíblia sobre este assunto.
Por exemplo, o autor cristão Gordon J. Wenham, escritor de um comentário em dois volumes
amplamente respeitado no livro de Gênesis, escreve sobre esse versículo:
2. Cristãos têm tradicionalmente visto [Gênesis 1:26] como prognóstico [prenúncio] da
Trindade. Atualmente admite-se universalmente que isto não é o que o plural significou
para o autor.1
Se você tivesse assistido a qualquer uma das minhas palestras saberia que a Nova Versão
Internacional não é uma Bíblia que pode ser interpretada como sendo amigável ao judaísmo. No
entanto, a Bíblia de Estudo NVI também confirma em seu comentário sobre Gênesis 1:26.
Façamos... Nossa...: Deus fala como Criador-rei, anunciando a Sua obra-prima para os
membros de Sua corte celestial (vide 3:22; 11:7, Isaías 6:8; I Reis 22:19-23, Jó 15:08;
Jeremias 23: 18)2
Charles Caldwell Ryrie, professor altamente respeitado de Estudos Bíblicos na Faculdade de
Bíblia da Filadélfia e autor do famoso comentário bíblico, A Bíblia de Estudo Ryrie, escreve em
sua nota em Gênesis 1:26,
“Façamos...Nossa”: São plurais de majestade3
A bíblia de estudo Liberty Annotated Study Bible, um comentário bíblico publicado pela
fundamentalista Liberty University do reverendo Jerry Falwell, observa semelhantemente sobre
esse versículo:
O pronome plural "nossa" é provavelmente um plural majestático do ponto de vista da
gramática e da sintaxe hebraica4
.
O comentário exaustivo de 10 volumes de Keil & Delitzsch é considerado por muitos como a
mais influente exposição sobre o "Antigo Testamento" nos círculos evangélicos. No entanto, nos
comentários de Keil e Delitzsch sobre Gênesis 1:26, encontramos:
O plural "nossa (imagem/semelhança)" foi considerado pelos padres e teólogos antigos,
quase unanimimamente como indicativo da triunidade; comentaristas modernos, pelo
contrário, considerom-no como pluralis majestatis... Nenhuma outra explicação nos resta,
portanto, do que considerá-la como pluralis majestatis...5
A pergunta que imediatamente vem à mente é: o que obrigaria esses estudiosos conservadores -
todos os quais trinitários devotos - rejeitarem categoricamente a noção de que Gênesis 1:26 apóia
a doutrina da Trindade? Por que eles concluem que Deus está falando neste famoso versículo em
seu discurso majestoso às hostes angelicais do Céu? Por que os comentários dos escritores
cristãos conservadores acima são completamente consistentes com o antigo ensino judaico sobre
esse versículo?
A resposta emerge da Torá e seus Profetas. Se você pesquisar na Bíblia Hebraica irá descobrir
que quando a Divindade fala "nós" ou "nosso/a", Ele está se dirigindo a Seus anjos ministrantes.
Na verdade, apenas dois capítulos depois, Deus continua a usar o pronome "nós", quando fala
com os seus anjos. No final do terceiro capítulo do Gênesis Deus está relatando a seus anjos que
Adão e sua esposa comeram da Árvore do Conhecimento e que eles deveriam, portanto, ser
impedidos de comer da árvore da vida, pois se o homem tivesse acesso a Árvore da Vida ele "se
1
Gordon J. Wenham, Word Biblical Commentary on Genesis, Word Books, 1987, p. 27.
2
NIV Study Bible, Grand Rapids: Zondervan, 1985, p. 7
3
Charles Caldwell Ryrie, The Ryrie Study Bible (Dallas Theological Seminary), Chicago: Moody Press, 1978, p. 9.
4
Jerry Falwell (Executive Editor), Liberty Annotated Study Bible, Lynchburg: Liberty University, 1988, p. 8.
5
Keil & Delitzsch, Commentary on the Old Testament, Peabody: Hendric., 1989, Vol. I, p. 62.
3. tornaria como um de nós." O Criador então instrui seus anjos, conhecidos como querubins, a
ficarem na entrada Jardim com uma espada flamejante para impedir o homem de entrar no
jardim e comer da árvore da vida. Vamos examinar este texto:
E o Eterno Deus disse: "Eis que o homem se tornou como um de Nós, para conhecer o bem
e o mal. Agora, talvez ele estenda a sua mão e tome também da árvore da vida, coma e
viva para sempre." E o Eterno Deus enviou-o do jardim do Éden – de onde havia sido
tomado – para cultivar a terra, e expulsou o homem, e colocou – ao oriente do jardim do
Éden – os querubins com uma lâmina flamejante de espada que se volvia, para guardar o
caminho da árvore da vida.
(Genesis 3:22-24)
Este uso do plural majestático em Gênesis 3:22-24 foi o que contribuiu para a nota da Bíblia de
Estudo NVI em Gênesis 1:26 (acima). No final do seu comentário sobre esse versículo, a Bíblia
de Estudo NVI fornece um número de fontes bíblicas das Escrituras judaicas para apoiarem sua
posição de que:
"Deus fala como Criador-rei, anunciando a Sua obra-prima para os membros de Sua corte
celestial." Os versos citados são: Gênesis 3:22, 11:7, Isaías 6:8, I Reis 22:19-23, Jó 15:8 e
Jeremias 23:18. Estes versos transmitem ao leitor da Bíblia atento que a morada celestial
do Criador é preenchido com os anjos ministradores que atendem o Todo-Poderoso e para
quem ele se refere repetidamente ao usar o pronome plural "nós/nossa".6
Novamente, a admissão da Bíblia de Estudo NVI em seu comentário sobre Gênesis 1:26 é
particularmente significativo porque este trabalho é produto do comentário conservador e
trinitário da Bíblia. Seus autores não tiveram nenhum incentivo para apoiar a interpretação
judaica deste versículo. Suas anotações dependeram do contexto e exegese simples do versículo.
Terminarei esta resposta com uma nota final.
Pessoas de fora, muitas vezes me perguntam que força poderosa liga o povo judeu unidos na fé.
Isso não é tão estranho uma pergunta quando consideramos os conflitos internos que tem
perseguido o nosso povo em toda a nossa história. Tenha em mente, independentemente das
disputas turbulentas que aparecem entre nós, a unidade de Deus continua a ser o fio que une o
povo judeu na história e no testemunho. Os ensinamentos da Torá foram concebidos para definir
para sempre na consciência nacional do povo judeu a idéia de que Deus é um só. Assim, Ele é o
único Salvador digno de nossa devoção e adoração.
Sinceramente
Rabi Tovia Singer
6
Um verso semelhante descrevendo Deus como Ele conversa com os Seus anjos ministradores é encontrado no
início do sexto capítulo de Isaías, que diz:
“No ano do falecimento do rei Uziáhu, vi o Eterno sentado num trono elevado e resplandecente, e Seu manto
preenchia todo o Templo. Acima, (para atendê-lo,) se postavam serafins. Cada um tinha seis asas: com duas
encobriam sua face, com duas seus pés, e com as outras duas voavam. Ouvi a voz do Eterno, dizendo: A
quem enviarei, quem há de ir por nós? – e eu exclamei: 'Aqui estou. Envia a mim!'”
(Isaías 6:1-8)