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Capital Aberto: Especialistas debatem
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São Paulo – Esther Flesch, sócia do Trench, Rossi & Watanabe e
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  • 1. Capital Aberto: Especialistas debatem propostas da CVM Texto publicado originalmente no site do AmCham Brasil em 15/08/2016 São Paulo – Esther Flesch, sócia do Trench, Rossi & Watanabe e especialista em compliance corporativo A mesma situação ocorre na formação de cartel em lici-tações, delito contra a ordem econômica penalizado pela Lei Antitruste (de número 12.529, editada em 2011) e agora também pela nova lei. Dematté conta que a CGU se antecipou e, em fevereiro, firmou um acordo com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) para evitar a duplicidade de punição. O maior problema, porém, está na convivência entre as leis anticorrupção e a de improbidade administrativa. Esta última, diferentemente da de licitações, pune,
  • 2. na esfera judicial, as empresas beneficiadas por atos lesivos de funcionários públicos contra a administração. Com isso, uma empresa pode ser processada e punida na Justiça, pela Lei 12.846, com penas que vão desde a perda de bens e valores obtidos de forma ilícita até sua dissolução, e ainda sofrer um processo judicial que culmine em sua responsabilização e punição pelo mesmo fato com base na Lei de Improbidade Administrativa. “A solução, neste caso, seria afastar a aplicação da Lei de Improbidade”, diz Dematté. Esther Flesch, sócia do Trench, Rossi & Watanabe e especialista em compliance corporativo. Para isso, entretanto, seria necessária uma mudança legislativa. Assim que surgirem as primeiras ocorrências de dupla sanção, “o Judiciário terá que se debruçar sobre o assunto”, afirma. O problema se torna ainda maior diante da chamada competência difusa da Lei Anticorrupção: o diploma permite que a União, os estados, os municípios e o Ministério Público iniciem processos para aplicar sanções. Isso aumenta significativamente as chances de uma companhia responder a ações distintas pelo mesmo delito, em varas judiciais diferentes que não conversam entre si — recebendo, assim, mais de uma penalidade. Numa circunstância como essa, as empresas certamente apelarão ao Judiciário na tentativa de anular uma das penas, em recursos que podem se alongar por anos. Não faremos como os americanos Outro ponto que não será resolvido via decreto é a ânsia das companhias de que os programas de compliance comprovadamente robustos anulem as sanções impostas. Nesse sentido, Shin Jae Kim, sócia do Tozzini Freire Advogados responsável pela área de compliance e investigação a legislação brasileira difere da americana Foreign CorruptPractices Act (FCPA). Recentemente, o Morgan Stanley escapou de ser punição por corrupção, por ter conseguido demonstrar que possuía mecanismos de conformidade eficazes, e que o ilícito praticado por um de seus funcionários foi ato isolado. No Brasil, o benefício será
  • 3. inexistente: “As estruturas de compliance não isentarão as empresas de sanções”, pondera Flávio Dematté. Ele garante, no entanto, que programas de integridade com viés de prevenção devem ser um dos critérios para cálculo das sanções. “Esse ponto está sendo bem tratadona regulamentação, e as propostas do meio empresarial têm sido levadas em conta”, garante. Rede de proteção A implementação de um programa de conformidade eficiente, todavia, não é uma tarefa trivial. É preciso uma estrutura eficaz para prevenir que deslizes ocorram. Afinal, como bem lembra Esther Flesch, do Trench, Rossi e Watanabe Advogados, “sempre vai ter alguém fazendo alguma besteira em algum lugar”.