1. ESPECTROMETRIA
Pesquisa de massa de proteínas
O papel-chave da espectrometria de massa na era pós-genômica
Ricardo Bastos Cunha química de proteínas tem las eletricamente, e o analisador de
Prof. Dr., Núcleo de Proteômica,
Centro Brasileiro de Serviços e Pesquisas passado por um novo pe- massa — o espectrômetro de massa
em Proteínas; Divisão de Química Analítica ríodo de grandes avanços propriamente dito — que separa os
Instituto de Química
tecnológicos e científicos. íons resultantes de acordo com a mas-
Universidade de Brasília
Brasília/DF Com a conclusão do sa. Atualmente, duas técnicas de
rbcunha@unb.br seqüenciamento dos genomas de ionização (Figura 1), que se
Mariana de Souza Castro vários organismos, inclusive o da es- complementam e se sobrepõem, do-
Profa. Dra., Núcleo de Proteômica, pécie humana, a pesquisa envolven- minam a análise de proteínas: a
Centro Brasileiro de Serviços e
Pesquisas em Proteínas do proteínas ganhou novo fôlego e dessorção a laser e a eletropulveri-
Universidade de Brasília entramos em uma nova fase conheci- zação.
Brasília/DF
mscastro@unb.br
da como pós-genômica, em virtude
da sua estreita relação com os dados Dessorção a laser
Wagner Fontes
Prof. Dr., Núcleo de Proteômica,
produzidos pelas pesquisas
Centro Brasileiro de Serviços e genômicas. Essa fase tem-se caracte- A palavra dessorção (desorption,
Pesquisas em Proteínas rizado pelo domínio de um novo
Universidade de Brasília em inglês) refere-se ao fenômeno de
Brasília/DF método analítico empregado no estu- retirada de substâncias adsorvidas ou
wagnerf@unb.br do de proteínas: a espectrometria de absorvidas por outras. No caso da
massa, simbolizada por MS — do nome espectrometria de massa, a proteína
em inglês mass spectrometry. — ou a mistura protéica ou peptídica
— em estudo é misturada a uma
Princípios da matriz ácida e irradiada com um feixe
espectrometria de massa de laser, cuja energia causa a
dessorção da molécula. A matriz ácida
A espectrometria de massa é um transfere prótons para as moléculas
método de determinação precisa de de proteína, fazendo que fiquem
massas molares. Há várias décadas, ionizadas positivamente. A dessorção
esse método vem-se consolidando das moléculas de matriz e de proteína
como ferramenta insubstituível para faz que elas passem para o estado
a determinação de estruturas quími- gasoso. Estar na forma ionizada e no
cas, principalmente de compostos estado gasoso é condição para que
orgânicos pequenos e voláteis. Du- uma molécula possa ser analisada por
rante a década de 1980, foram desen- espectrometria de massa. A principal
volvidos novos mecanismos de técnica empregada na análise de pro-
ionização em espectrômetros de mas- teínas baseada no fenômeno da
sa para moléculas grandes e polares dessorção a laser é conhecida como
como peptídios e proteínas, até en- MALDI — sigla em inglês para matrix-
tão impossíveis de serem analisados assisted laser desorption ionization.
por essa técnica, o que permitiu que
vários problemas bioquímicos pudes- Eletropulverização
sem ser resolvidos.
Um espectrômetro de massa é Na ionização por eletropulveri-
formado basicamente de duas partes: zação, a proteína é dissolvida em uma
o sistema de ionização das moléculas, solução acidificada a qual é pulveriza-
responsável por vaporizá-las e carregá- da em uma agulha metálica — ou um
40 Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento ano IX - nº 36 - janeiro/junho 2006
2. Figura 1 - Técnicas de ionização e tipos de analisadores de massa: A) eletropulverização (ESI), mostrando a agulha de
pulverização, os filtros iniciais que impedem a progressão de partículas não-ionizadas e o início de um sistema de quadripolos;
B) quadripolos em um sistema de triplo quadripolo, esquematizando partículas conduzidas ao detector à esquerda; C) dessorção
a laser (MALDI) ilustrando um pulso de laser incidindo sobre a amostra aplicada na placa retangular e gerando partículas
ionizadas. À esquerda das partículas são mostrados filtros eletrônicos que impedem a passagem de partículas não-ionizadas
para o analisador TOF; D, E e F) analisador tipo TOF no modo refletor (reflectron), apresentando todo o tubo de vácuo com
os íons no início da trajetória (D), a mudança de trajetória no refletor (E) e a chegada ao detector após o refletor – acima, no
tubo estreito (F)
capilar de vidro revestido de metal las ionizadas e aceleradas são lançadas te um forte campo eletromagnético.
— submetida a intenso campo elétri- em um tubo sob vácuo e sem campo Diferentemente do quadripolo, nes-
co, o que causa sua ionização. Uma elétrico para medida do seu tempo se sistema os íons não são perdidos
corrente de gás inerte flui no sentido de vôo até um detector. Esse tempo em sua trajetória rumo ao detector.
contrário ao da pulverização, o que de vôo é proporcional à massa molar Ao contrário, eles são aprisionados
causa sua dessolvatação. A proteína, da molécula. Este analisador é usual- no compartimento onde existe cam-
já ionizada e no estado gasoso, é mente associado à dessorção a laser; po eletromagnético e liberados um a
atraída para dentro do espectrômetro mas pode também ser utilizado com um. Esse analisador associa-se tanto
de massa, onde é analisada. O termo eletropulverização; à eletropulverização quanto à
ESI — sigla em inglês para • quadripolo, que utiliza a con- dessorção a laser.
electrospray ionization — é dução de moléculas ionizadas entre
comumente empregado para desig- quatro cilindros metálicos conectados APLICAÇÕES
nar tal técnica. a fontes de radiofreqüência para fa-
zer que determinados grupos de íons A espectrometria de massa é
Analisadores de massa cheguem ao detector. Esse analisador uma técnica capaz de determinar
geralmente é usado com massas molares de forma muito pre-
Os principais analisadores de eletropulverização, mas pode estar cisa em experimentos rápidos (pou-
massa (Figura1) que acompanham associado também à dessorção a laser. cos minutos). Essas informações pos-
os sistemas de ionização descritos • aprisionamento de íons — sibilitam a resolução de diversos pro-
são: abrevia-se como IT, sigla em inglês blemas em química de proteínas, tais
• tempo de vôo — abrevia-se para ion trap — em que as molécu- como: checagem da correção de uma
como TOF, sigla em inglês para time- las também são conduzidas para den- seqüência de aminoácidos, identifi-
of-flight — sistema em que molécu- tro de um compartimento onde exis- cação de proteínas, determinação da
Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento ano IX - nº 36 - janeiro/junho 2006 41
3. 1285.4
496.4 todo consideravelmente mais
y sensível e, devido a sua gran-
4
de precisão, bem mais fide-
SIETDVSFDK
Intensidade, cps
3000
digno que outros méto-
dos existentes, como a
2000 cromatografia líquida — HPLC,
y 2
y sigla em inglês para
262.2 5 y6 y8 b
y 595.2
710.2
9 high performance liquid
b 3 994.4
1000 y 2
409.4 B6 940.4 chromatography — e a
1 200.8 y
7 b8 b
10
y
10
b1
147.0
b3 b4
628.4 b7 811.2
886.8 1122.4 1140.8 eletroforese.
739.0
88.1 331.0 431.2 879.6
Identificação de
300 600 900 1200 isoformas protéicas
m/z,
, amu
Figura 2 - Seqüenciamento por espectrometria de massa (CID-MS/MS). O espectro de Isoformas protéicas são
MS/MS é rico em informações de seqüência. A diferença de massa entre os diversos picos pode proteínas que têm a mesma
auxiliar na dedução da seqüência do peptídio, uma vez que as ligações preferencialmente função, mas são codificadas
clivadas pelo processo CID são as peptídicas. Espera-se obter, em um espectro de MS/MS, picos por genes distintos e apre-
correspondentes às fragmentações da cadeia peptídica em diferentes posições, determinando
as séries A, B, C, X, Y e Z, cujas massas auxiliam na dedução da seqüência do peptídio. Na
sentam pequenas diferenças
figura, foram ilustradas as séries B e Y, correspondentes aos fragmentos provenientes da em sua seqüência. Por exem-
fragmentação apenas das ligações peptídicas plo, o fator de transformação
beta (TGF-B) existe em três
fidelidade e homogeneidade de pro- ção, na eletroforese em gel, técnica versões ou isoformas (TGF-B1, TGF-
teínas recombinantes, identificação ainda muito utilizada para separação B2, e TGF-B3), cada uma delas é
de complexos protéicos não- de misturas protéicas e medidas de capaz de disparar uma cascata de
covalentes, detecção de doenças massas molares de proteínas, conse- sinalização que começa no
genéticas, identificação de modifica- guem-se erros de no mínimo 5 %. A citoplasma e termina no núcleo da
ções químicas em proteínas, deter- precisão dos espectrômetros de célula. Essas isoformas são bastante
minação de glicosilações — adição massa é tanta que é possível distin- difíceis de separar pelos métodos
de açúcares à molécula de proteína guir duas moléculas de 10.000 u usuais utilizados na purificação de
— e fosforilações — adição de que diferem entre si pela presença proteínas. Sua presença pode ser
fosfatos à molécula de proteína —, de apenas 1 carbono-13 ( 13C) na demonstrada por meio da
seqüenciamento de proteínas e molécula — o carbono-12 (12C) é o espectrometria de massa, desde que
peptídios etc. As possibilidades de isótopo mais abundante na natureza. suas massas molares sejam distintas.
aplicação da espectrometria de mas- A espectrometria de massa é, por- A ocorrência de um pico único
sa não se esgotam aqui. Existem tanto, entre todas as técnicas exis- cromatográfico que produza dois
vários outros usos dessa nova tentes, a que possibilita a determina- picos distintos e próximos em um
tecnologia relacionados à ção mais precisa da massa molar de espectro de massa sugere a presen-
biotecnologia e a áreas correlatas. proteínas e peptídios. ça de isoformas protéicas, que pode
Aplicações que envolvem análise de ser confirmada por meio de técnicas
carboidratos, lipídios e ácidos Checagem da pureza de de identificação de proteínas (ver
nucléicos estão se tornando rotina proteínas e peptídios adiante).
também. A seguir são relacionadas
algumas aplicações da O estado de pureza de proteí- Confirmação da seqüência
espectrometria de massa em quími- nas e de peptídios é um aspecto completa de aminoácidos
ca de proteínas. extremamente importante em quí-
mica de proteínas. A checagem des- Se a massa molar calculada a
Determinação precisa da sa pureza pode ser feita utilizando- partir de uma seqüência de
massa molar de proteínas se a espectrometria de massa. De aminoácidos de uma proteína ou
maneira geral, a existência de um peptídio, determinada experimen-
A espectrometria de massa é pico único em espectros de MALDI talmente, for igual àquela determi-
uma das técnicas analíticas mais pre- ou no espectro reconstruído de ESI nada por espectrometria de massa,
cisas existentes. Consegue-se facil- indica a presença de apenas uma pode-se concluir que a seqüência
mente 5 ou 6 algarismos significati- forma molecular. A presença de dois em questão está correta. Cabe res-
vos nas medidas de massa molar, ou mais picos demonstra a existên- saltar que a existência de aminoácidos
com erros que podem chegar a ape- cia de isoformas ou de contaminantes. isobáricos, ou seja, aminoácidos que
nas 0,001 % em equipamentos de A checagem de pureza por possuem a mesma massa molar ou
alta resolução. A título de compara- espectrometria de massa é um mé- massas molares muito próximas —
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4. cuja diferença é inferior ao erro da glicídicas. rização com triplo quadripolo ou com
medida —, deixa certa dúvida a res- A fosforilação de uma proteína é um quadripolo e um analisador TOF
peito da seqüência correta. Porém, a uma das mais importantes modifica- (Q-TOF), equipamentos do tipo apri-
comparação com seqüências simila- ções pós-traducionais com efeito di- sionamento de íons (ion trap) e
res ou mesmo com a seqüência do reto na atividade celular. A maioria equipamentos com ionização do tipo
gene pode minimizar essas dúvidas. dos processos metabólicos em uma MALDI com dois analisadores TOF
célula eucariótica são regulados em (MALDI-TOF-TOF).
Confirmação da correção da certos pontos pela fosforilação de Nesse tipo de análise, uma amos-
expressão de proteínas uma ou mais proteínas-chave. A tra de peptídio puro ou mesmo uma
recombinantes regulação da transcrição genética, a mistura de peptídios obtidos por di-
progressão do ciclo celular, a prolife- gestão enzimática é injetada no
A tecnologia de DNA ração, a divisão e a diferenciação espectrômetro de massa. No caso
recombinante é hoje muito utilizada celular, a dinâmica citoesquelética e mais complexo de mistura de
na indústria da biotecnologia. Trata- a estocagem e recuperação de ener- peptídios, um peptídio de interesse
se de uma série de procedimentos gia são todos processos dependen- é selecionado no 1º filtro de massa,
usados para juntar-se (recombinar) tes de fosforilação. A identificação introduzido e acelerado em uma câ-
segmentos de DNA com determina- de sítios específicos de fosforilação é mara de colisão, onde existe uma
do objetivo biotecnológico. A corre- uma etapa importante em direção corrente gasosa de um gás inerte,
ção da expressão de proteínas ao entendimento das vias de sinali- como nitrogênio ultrapuro. As coli-
recombinantes pode ser avaliada por zação intracelulares. Cada vez mais sões entre as moléculas do íon
meio da determinação exata de suas esse trabalho tem sido conduzido peptídico e do gás inerte provocam
massas molares utilizando-se por meio da espectrometria de mas- a fragmentação da cadeia
espectrometria de massa. Essa técni- sa. polipeptídica. Esse fenômeno é cha-
ca pode ser utilizada no controle de Os aminoácidos que são normal- mado de dissociação induzida por
qualidade da fidelidade da expres- mente fosforilados são a serina, a colisão — CID, sigla em inglês para
são gênica e pureza do material ob- treonina e a tirosina, embora collision induced dissociation. As
tido, uma aplicação particularmente fosforilações em resíduos de histidina ligações mais lábeis são justamente
útil para a indústria da biotecnologia. e ácido aspártico também sejam des- as ligações peptídicas, seguidas pe-
critas. Se a seqüência completa de las demais ligações da cadeia princi-
Determinação de modificações aminoácidos da proteína fosforilada pal. Assim, um espectro dessa frag-
pós-traducionais for conhecida, os sítios de fosforilação mentação é rico em informações de
podem ser determinados simples- seqüência (Figura 2). Existe uma
A maioria das proteínas, após mente analisando-se a mistura nomenclatura para descrever os di-
ser sintetizada — ou seja, traduzida peptídica obtida de um digesto versos fragmentos peptídicos passí-
—, sofre modificações pós- enzimático por espectrometria de veis de serem obtidos por CID-MS/
traducionais. Uma das maneiras mais massa. Os peptídios com massa de MS (Figura 3), que auxilia na inter-
comuns em que uma proteína é 98 u — resultante da adição de pretação dos espectros de MS/MS.
modificada é pelo processo de H3 PO4 — acima do esperado pela As vantagens do seqüencia-
glicosilação, no qual oligossacarídeos seqüência estão fosforilados. mento por MS/MS em relação aos
são ligados a sítios específicos da métodos químicos incluem a grande
cadeia polipeptídica. Mais de 60 % Seqüenciamento de proteínas rapidez — um experimento de MS/
das proteínas naturais são glicosiladas. por MS/MS MS pode ser feito em menos de 5
Açúcares ligados à estrutura de pro- min, o mesmo trabalho em um
teínas podem auxiliar no Trabalhos de seqüenciamento seqüenciador automático pode de-
enovelamento correto da proteína, por espectrometria de massa são morar até dois dias —, o baixíssimo
servir de epitopos de reconhecimen- conduzidos normalmente em equi- custo — enquanto o seqüenciamento
to de anticorpos, servir como uma pamentos conjugados, ou seja, que químico utiliza diversos reagentes
capa de proteção contra a ação de possuem pelo menos dois de alto custo, a técnica de MS/MS
proteases ou exercer um papel na analisadores de massa. Tais equipa- gasta praticamente somente nitro-
localização e na orientação de prote- mentos associam dois analisadores gênio — e a grande sensibilidade —
ínas da membrana celular, apenas de massa em série e, por isso, a seqüenciamento químico na ordem
para citar alguns exemplos. A técnica é conhecida como MS/MS — de picomol; MS/MS na ordem de
espectrometria de massa tem sido por alusão à espectrometria de mas- femtomol. As desvantagens são a
extensivamente utilizada para de- sa (MS, sigla em inglês para mass difícil interpretação dos espectros —
terminação do conteúdo de spectrometry) seguida de outra os resultados não costumam ser tão
carboidratos em glicoproteínas, para espectrometria de massa. Equipa- claros como no seqüenciamento quí-
localização de sítios de glicosilação e mentos típicos de MS/MS incluem mico — e a grande dificuldade para
até para determinação de estruturas espectrômetros de eletropulve- se distinguir os aminoácidos isobáricos
Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento ano IX - nº 36 - janeiro/junho 2006 43
5. Figura 3 - Nomenclatura para descrever os diversos fragmentos peptídicos obtidos por CID. A figura mostra um tetrapeptídio
que pode ser clivado em 9 posições principais, podendo gerar 18 fragmentos diferentes, dependendo de que lado fica a carga
positiva, uma vez que somente o fragmento carregado é detectado por espectrometria de massa. Quando, na fragmentação
da cadeia polipeptídica, a carga positiva permanece no lado N-terminal da molécula, os íons são nomeados An, Bn e Cn,
dependendo se a quebra aconteceu nas ligações CH–CO, CO–NH ou NH–CH da cadeia principal, respectivamente, em que
n é o número de cadeias laterais existentes no fragmento. De forma análoga, se a carga positiva permanecer na porção C-
terminal da molécula os íons produzidos são designados por Xn, Yn e Zn
leucina e isoleucina. Aminoácidos que decaimento pós-fonte — post- Seqüenciamento escada
possuem massas molares muito pró- source decay (PSD )
ximas, tais como glutamina e lisina, Uma estratégia alternativa de
fenilalanina e sulfóxido de metionina, Na espectrometria de massa seqüenciamento é o chamado
bem como alguns aminoácidos e com ionização por dessorção a laser seqüenciamento escada (ladder
dipeptídios, ou mesmo dois e análise por tempo de vôo (MALDI- sequencing), que consiste na forma-
dipeptídios, podem ser distinguidos TOF), uma fração grande de íons do ção de uma família de polipeptídios
em espectrômetros de massa mais analito sofre deterioração durante o parcialmente fragmentados, cada um
precisos. vôo — post-source decay (PSD) — diferindo do próximo pela perda de
Atualmente, existem programas dentro do espectrômetro de massa, um aminoácido. Esses peptídios-es-
que selecionam automaticamente os após o desligamento da fonte de cada podem ser gerados por meio
peptídios de interesse para fragmen- laser. Dessa forma, o espectro obti- de métodos enzimáticos, como o
tação, técnica chamada de CID de- do de peptídios de tamanho médio uso de carboxipeptidases, ou quími-
pendente de dados (data-dependent (até 2.800 u) é rico em informações cos, como ácido clorídrico (HCl) di-
CID), ou mesmo que permitem que de seqüência, apesar de o padrão de luído, ácido pentafluoropropiônico,
todos os peptídios que entram no clivagem ser diferente daquele obti- ácido heptafluorobutírico ou mesmo
espectrômetro de massa sejam frag- do por dissociação induzida por coli- a degradação de Edman, que utiliza
mentados ao mesmo tempo, méto- são. O mecanismo de ativação pare- a reação seletiva N-terminal com
do conhecido como multiplexação. ce ser determinado por eventos de isotiocianato de fenila. A segunda
Esses programas tornam o colisão entre os íons e as moléculas etapa consiste na determinação pre-
seqüenciamento por MS/MS com- neutras, no campo de aceleração. cisa das massas dos vários
pletamente automatizável. Essa técnica de seqüenciamento fi- polipeptídios degradados, por meio
cou conhecida como PSD e só pode da espectrometria de massa. Essa
Seqüenciamento de proteínas ser usada em equipamentos do tipo mistura de peptídios pode ser anali-
por espectrometria de massa MALDI. sada em conjunto, em uma única
usando o fenômeno do etapa, não necessitando ser separa-
44 Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento ano IX - nº 36 - janeiro/junho 2006
6. envelopes de carga, o que dificulta
muito a interpretação dos resulta-
dos.
Identificação de proteínas
A identificação de proteínas é
um procedimento de capital impor-
tância na abordagem proteômica. Um
dos procedimentos utilizados para
identificar proteínas em bancos de
seqüências sem a necessidade de
seqüenciar a proteína em estudo é a
chamada “impressão digital do mapa
peptídico” ( peptide mass
fingerprint). Nesse método, é feita
uma digestão enzimática ou química
da proteína, in vitro , seguida de uma
análise espectrométrica dos
peptídios obtidos. As massas mola-
res desses fragmentos peptídicos são
então comparadas com massas de
peptídios provenientes de digestões
teóricas, in silico, de proteínas de-
positadas em bancos de seqüências.
A identificação é probabilística e a
porcentagem de cobertura dos
peptídios da amostra com relação à
proteína pareada é um dos principais
parâmetros de identificação (Figura 4).
Geralmente, o equipamento de
escolha nesse caso é o MALDI-TOF.
O método da impressão digital do
mapa peptídico é praticamente infa-
lível — e particularmente útil — na
Figura 4 - Esquema geral para identificação de proteínas por espectrometria identificação de proteínas de espé-
de massa. A partir de proteínas separadas por 2D-PAGE (eletr oforese cies com genomas pequenos e com-
bidimensional) selecionam-se as manchas eletroforéticas de interesse e realizam- pletamente seqüenciados. Entretan-
se a clivagem enzimática de tais proteínas (1). O digesto é submetido à análise to, o índice de insucesso na identifi-
por MALDI-TOF (2) para caracterização das massas dos peptídeos (4) e eventual cação aumenta à medida que se
fragmentação de algum peptídeo por PSD (5) ou análise por TOF-TOF para aumenta o número de registros con-
obtenção de fragmentos de seqüência (sequence tags). Outra alíquota do digesto frontados no banco de dados utiliza-
pode ser submetida à cromatografia em fase reversa associada à espectrometria do na busca. Para proteínas isoladas
de massa por ESI (3), obtendo-se espectros com envelopes de cargas para de espécies cujo genoma não está
peptídeos maiores (6), que podem ter a sua massa calculada por algoritmos de seqüenciado, é necessário usar ban-
reconstrução (8), ou para peptídeos menores (7), que podem ser fragmentados cos de dados ampliados (sem restri-
por CID e ter sua seqüência determinada (9). ção taxonômica). Nesse caso, é im-
perativo utilizar fragmentos de se-
da previamente. Os aminoácidos em dos que utilizam espectrometria de qüência (sequence tags) para uma
seqüência são identificados levando- massa incluem a maior facilidade na identificação mais confiável, geral-
se em conta a diferença de massa interpretação dos espectros e a ex- mente obtidos em equipamentos do
entre os sucessivos picos. As vanta- tensão da seqüência, normalmente tipo MALDI-TOF-TOF.
gens do seqüenciamento escada so- bastante superior no seqüenciamento
bre os métodos químicos usuais são escada. Essa técnica fornece melho- Mapeamento de interações
a rapidez — porque economiza uma res resultados em equipamentos do moleculares
corrida cromatográfica em cada ciclo tipo MALDI, devendo-se evitar
— e o baixo custo por ciclo. As utilizá-la em equipamentos do tipo A palavra proteoma está nor-
vantagens em relação a outros méto- ESI, pois este produz uma família de malmente associada ao conjunto de
Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento ano IX - nº 36 - janeiro/junho 2006 45
7. proteínas expressas por um deter- podem então ser determinados por Proteômica Nacional, que associa la-
minado tipo de célula em um deter- SELDI-TOF. boratórios em todo o País que traba-
minado momento. Entretanto, esse Um método alternativo para de- lham com a abordagem proteômica,
conceito fornece apenas uma visão terminar interações protéicas é cha- demandará de forma sistemática e
estática do processo biológico. De mado espectrometria de massa de crescente a utilização de
fato, as proteínas exercem suas fun- bioafinidade e consiste na análise espectrômetros de massa, cada vez
ções como resultado de interações direta do complexo em um mais precisos e versáteis. O parque
altamente dinâmicas com outras pro- espectrômetro de massa. Essa técni- instalado de equipamentos no Brasil
teínas. A célula pode ser vista como ca parece estar ganhando espaço e já não pode ser considerado peque-
uma série de “máquinas moleculares” se tornando uma ferramenta-padrão no. Porém, o número de pesquisado-
interagindo umas com as outras. Es- na determinação de interações pro- res que utilizam, em algum momen-
sas máquinas moleculares são, na teína-proteína. Estudos recentes su- to de sua pesquisa, a espectrometria
verdade, formadas por grandes com- gerem uma estratégia geral para a de massa de proteínas cresce de
plexos de proteínas. A modulação análise em larga escala de interações forma exponencial e, portanto, a
espacial e temporal dessas interações proteína-proteína usando a aborda- oferta de equipamentos deve acom-
é o que efetivamente define as fun- gem de co-precipitação/ panhar essa demanda. De acordo
ções celulares, em termos espectrometria de massa. Uma “eti- com o estabelecido para a Rede
moleculares. O número total de queta” de afinidade é expressa liga- Proteômica Nacional, laboratórios
genes humanos não difere substan- da diretamente a uma proteína-alvo. centrais, que já possuem equipa-
cialmente do verme nematódeo As proteínas-alvo são sistematica- mentos, pessoal treinado, programas
Caenorhabditis elegans, o que suge- mente depositadas, juntamente com de manutenção e experiência na
re que a complexidade fenotípica outras proteínas participantes do área, fornecerão a infra-estrutura
pode ser atribuída parcialmente à complexo protéico, em uma coluna básica de equipamentos para os la-
combinação contextual dos produ- de afinidade. O complexo é desfeito boratórios-satélite, de forma que to-
tos genéticos e suas interações. A e as proteínas participantes do com- dos possam se beneficiar dos recur-
espectrometria de massa está sendo plexo são separadas por eletroforese sos existentes com o mínimo de
agora utilizada como uma ferramen- em poliacrilamida — sodium dodecyl desperdícios de insumos para o País.
ta para explorar a dinâmica das sulfate polyacrylamide gel
interações entre proteínas. electrophoresis (SDS-PAGE) — de BIBLIOGRAFIA
Um método direto para estudar uma dimensão. As proteínas são en- RECOMENDADA
a interação proteína-proteína consis- tão extraídas do gel, digeridas com
te na observação direta do comple- tripsina e identificadas por impres- Westermeier, R. & Naven, T. (2002)
xo protéico por microscopia de força são digital do mapa peptídico Proteomics in Practice: A
atômica e na determinação da cons- (peptide mass fingerprint). A orga- Laboratory Manual of Proteome
tante de afinidade. Um método nização funcional do proteoma de Analysis, Ed. Wiley-VCH Verlag,
espectrométrico que vem ganhando uma levedura foi caracterizada usan- Germany.
prestígio nos últimos tempos é o do tal método e 232 complexos
chamado SELDI (sigla em inglês para multiprotéicos foram determinados, Wilkins, M.R., Williams, K.L., Appel,
surface-enhanced laser desorption sugerindo novos papéis celulares R.D. & Hochstrasser, D.F. (1997)
ionization). Nele, a placa de MALDI para 344 proteínas. Proteome Research: New
é quimicamente modificada de for- Frontiers in Functional
ma a permitir a ligação de uma “mo- CONCLUSÕES Genomics, Ed. Springer-Verlag,
lécula isca”, que agrupa em torno de Germany.
si as proteínas que por ela têm afini- Enfim torna-se cada vez mais
dade, imobilizando-as também na evidente a importância da Simpson, R. J. (2003) Proteins
placa. As proteínas não-ligantes são espectrometria de massa em pes- and Proteomics, a Laboratory
retiradas por lavagem da placa. A quisas envolvendo proteínas. No Manual , Ed.Cold Spring Harbor
placa é então montada na fonte Brasil, apesar da existência de pou- Laboratory Press, New York, USA.
ionizadora de MALDI e as proteínas cos pesquisadores que dominam a
que interagiram com a “molécula técnica, vários projetos encontram- Siuzdak, G. (1996) Mass
isca” são analisadas por SELDI-TOF. se em desenvolvimento, permitindo Spectrometry for Biotechnology,
Essa técnica tem sido sugerida para um aprofundamento significativo em Ed. Academic Press, San Diego,
mapear epitopos de anticorpos, imo- questões de interesse regionais e USA.
bilizando-se o antígeno na placa de nacionais, como doença de Chagas,
SELDI usando o anticorpo como utilização de enzimas em processos Sousa, M.V., Torres, F.A.G., Ricart,
“isca”. A proteína-alvo é então industriais, peptídios biologicamen- C.A.O., Fontes, W. & Silva, M.A.S.
digerida e os peptídios que não es- te ativos, reprodução animal, pragas (2001) Gestão da Vida? Genoma
tão ligados ao anticorpo são lavados. de lavouras, imunologia do trauma e Pós-Genoma, Ed. Ao Livro Téc-
Os peptídios que formam o epitopo etc. A recém instalada Rede nico, Rio de Janeiro, Brasil.
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