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ENTREVISTA – ENSINO MÉDIO
1) Você é a favor e acha justo o sistema de cotas tanto sociais quanto raciais para
ingresso nas Universidades? Por quê?
Sou a favor e defendo-a de unhas e dentes. O preconceito está presente na
nossa sociedade. Sinto-o na minha pele desde que me entendo por gente e não é
diferente nos dias atuais. Ainda me perguntam se a dona da casa está.
Quero ser atendida por um médico negro, quero negros ocupando cargos de
destaque em grandes empresas privadas, enfim quero ver negros progredindo na
vida sem ser jogador de futebol ou cantor de pagode.
As pessoas possuem competências diferentes, muitas vinculadas ao seu
genoma. Não é possível extinguir as diferenças entre os indivíduos. O Estado deve
oferecer oportunidades iguais de acesso ao ensino, informação e cultura. A partir
disso vai à capacidade e o empenho de cada um.
Necessitamos de políticas de ações afirmativas, enquanto o negro for olhado
com indiferença. Sim, precisamos de cotas para o ingresso em universidades e em
cargos públicos. Não existem princípios de meritocracia em uma disputa desigual.
Meu pai em sua sabedoria sempre me falava,” Você é mulher, negra e
pobre, logo terá que fazer três vezes mais do que qualquer outra pessoa.” E assim
tem sido.
2) No caso das cotas raciais, você considera que elas são uma forma de reafirmação do
preconceito e da discriminação que existe contra os negros? Por quê?
Não, pois o preconceito, a discriminação, o travessar a rua quando se depara com
mais de um menino negro, a fala de que só precisamos ensinar as 4 operações básicas e
a medir, visto que serão pedreiros ou costureiras, já existe e impera em nossa sociedade.
O sistema de cotas não é para a tonalidade da pele e sua ligação com a
competência intelectual de quem a tem, mas sim para a cor social e todo preconceito e
discriminação que a envolve.
As cotas coloca em discussão essa maneira cruel de tratar os 51% da população
brasileira que vive em sua maioria a margem de uma sociedade que exclui, priva e tolhe.
2) Se existem as cotas sociais que atendem a todos os estudantes de baixa renda e
estudantes oriundos de escolas públicas, qual a necessidade de outra cota que, de
certo modo, distingue um grupo por raça e não por condição socioeconômica? Os
problemas e dificuldades enfrentados pelos negros não seriam os mesmos que os
enfrentados pelos pobres para ingresso nas Universidades?
Acredito que as cotas sociais e as cotas raciais devam caminhar juntas. Veja
bem, a Lei das Cotas Universitárias prevê que até 2016, as universidades
reservem 50% de suas vagas para que é oriundo do ensino público, ou seja, cota
social. Dessas, metade é oferecida a quem tem 1,5 salários mínimos de renda
familiar mensal (novamente cota social). É nos 25% restantes das vagas que
existirá cotas para negros, pardos ou índios. A porcentagem varia conforme a
quantidade dessas raças nos estados. As cotas sociais existem, mas uma não
exclui a outra, pois esperar que primeiro acabe a desigualdade social para só
assim iniciarmos a racial, é sustentar a escravidão por mais 100 anos.
Citando, William Douglas, juiz federal (RJ), mestre em Direito (UGF), especialista
em Políticas Públicas e Governo (EPPG/UFRJ):
“Por isso, em texto simples, quero deixar clara minha posição como homem,
cristão, cidadão, juiz, professor, “guru dos concursos” e qualquer outro adjetivo a
que me proponha: as cotas para negros devem ser mantidas e aperfeiçoadas”. E
meu melhor argumento para isso é o aquele que me convenceu a trocar de lado:
“passar um dia na cadeia”.
3) Você considera o sistema de cotas uma medida eficiente para se diminuir a
extrema desigualdade social existente no país? Por quê?
Não. Creio que seja um paliativo, pois as oportunidades até podem ser
iguais, mas o acesso não. Imagine que o responsável pelo RH de uma empresa é
branco e necessita optar entre dois candidatos, ciente que o negro cursou a
universidade com os sistemas de cotas, mora na periferia. Quem você acredita que
será escolhido? Sejamos sinceros?
5) Você acha que os alunos que ingressam nas Universidades através das cotas têm ou
terão maiores dificuldades que os demais para acompanhar o curso?
Você acha que há diferença considerável entre o nível intelectual e de preparação destes
em detrimento dos outros alunos?
Prever se determinado indivíduo vai ter dificuldade ou não, envolve muitas
variáveis e depende muito do empenho de cada um. Conheço pessoas que não entraram
pelo sistema de cotas na universidade e apresentam muita dificuldade.
Nesse caso deixo William Douglas, falar por mim:
“Ah, sim, “os negros vão atrapalhar a universidade, baixar seu nível”, conheço esse
argumento e ele sempre me preocupou, confesso. Mas os cotistas já mostraram que sua
média de notas é maior, e menor a média de faltas do que o de quem nunca precisou das
cotas. Curiosamente, negros ricos e não cotistas faltam mais às aulas do que negros
pobres que precisaram das cotas. A explicação é simples: apesar de tudo a menos por
tanto tempo, e talvez por isso, eles se agarram com tanta fé e garra ao pouco que lhe
dão, que suas notas são melhores do que a média de quem não teve tanta dificuldade
para pavimentar seu chão. Somos todos humanos, e todos frágeis e toscos: apenas
precisamos dar chance para todos.”
Acredito que em relação à preparação, ao ensino oferecido, os negros estão em
desvantagens, pois a escola pública vem decaindo muito seu padrão de qualidade.
6) Você tem conhecimento de alguém que ingressou pelo sistema de cotas e tenha
concluído o curso superior? Caso afirmativo, qual a sua avaliação sobre o desempenho
acadêmico desse(s) estudante(s)?
Conheço uma ex-aluna do CIEP em que trabalho. Nunca a tive como aluna. Ela estudou
nesse CIEP desde sua inauguração e cursou desde o 1º ano do Ensino Fundamental até
o 3º ano do Ensino Médio. Conheci a ano passado quando voltou para fazer estágio com
a professora de Educação Física. Lembro-me da Diretora Geral do CIEP dizendo com o
maior orgulho,” Cria do CIEP, essa menina é das minhas.”.
Seu desempenho como estagiária de Educação Física foi impecável pelo o que observei.
Tanto que foi convidada esse ano para trabalhar no inter-classe da semana do estudante.
7) Você acha que os alunos que ingressam nas Universidades através das cotas são
privilegiados em detrimento a outros alunos? Por quê?
Não vejo como privilégio. Dizer que somos todos iguais perante a lei, esse principio
de equidade, para mim não é justiça. Igualdade não significa justiça. O sistema de cota é
uma ação afirmativa, uma justiça compensatória.
Sou desrespeitada como cidadã cumpridora de todos os meus deveres todos os dias. O
Estado que deveria me proporcionar saúde, educação, segurança e cultura, não o faz.
Então como as cotas são privilégios?
Joaquim Barbosa, presidente do STF:
“Quem disser que sou contra as cotas e me usa de exemplo para dizer que não é
necessário, está redondamente enganado. Eu sou uma exceção, pois se não
precisássemos de cotas, eu não seria até hoje desde que existe o STF o único ministro
negro de toda sua história, o único que veio da pobreza e assumiu a presidência deste
tribunal. Teríamos 50% de negros neste quadro, pois nosso país tem a maioria da sua
população negra. Quem usa tal discurso é um hipócrita e racista que se esconde atrás de
poucos exemplos para tentar justificar o massacre da maioria. Sou a favor das cotas sim,
e para terminar esse assunto as cotas é uma LEI e LEI não se discute, Lei sem cumpre”.
O vídeo diz tudo o que gostaria de dizer. Vale a pena conferir:
https://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=1uC_a0lskfY
Há muito tempo atrás assisti a um filme na sessão da tarde, “Uma escola muito louca”.
Um jovem estudante branco passa para a renomada Universidade de Harvard, mas como
a faculdade é muito cara e seus pais decidem não pagar para que ele possa crescer dar
valor ao que possui. Ele tem a mirabolante ideia de se passar por um aluno negro para
conseguir uma bolsa e assim ele faz. Ele consegue a bolsa e tira a vaga de uma aluna por
quem se acaba apaixonando. É um filme água com açúcar. Mas tem uma cena já no final
do filme que não esqueço. O professor negro descobre tudo, passa um sermão e
pergunta: “Você aprendeu o que é ser negro?” E o aluno responde:” Não, porque a
qualquer hora eu poderia deixar de ser negro. Eu tinha essa opção. Você, não”.
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  • 1. ENTREVISTA – ENSINO MÉDIO 1) Você é a favor e acha justo o sistema de cotas tanto sociais quanto raciais para ingresso nas Universidades? Por quê? Sou a favor e defendo-a de unhas e dentes. O preconceito está presente na nossa sociedade. Sinto-o na minha pele desde que me entendo por gente e não é diferente nos dias atuais. Ainda me perguntam se a dona da casa está. Quero ser atendida por um médico negro, quero negros ocupando cargos de destaque em grandes empresas privadas, enfim quero ver negros progredindo na vida sem ser jogador de futebol ou cantor de pagode. As pessoas possuem competências diferentes, muitas vinculadas ao seu genoma. Não é possível extinguir as diferenças entre os indivíduos. O Estado deve oferecer oportunidades iguais de acesso ao ensino, informação e cultura. A partir disso vai à capacidade e o empenho de cada um. Necessitamos de políticas de ações afirmativas, enquanto o negro for olhado com indiferença. Sim, precisamos de cotas para o ingresso em universidades e em cargos públicos. Não existem princípios de meritocracia em uma disputa desigual. Meu pai em sua sabedoria sempre me falava,” Você é mulher, negra e pobre, logo terá que fazer três vezes mais do que qualquer outra pessoa.” E assim tem sido. 2) No caso das cotas raciais, você considera que elas são uma forma de reafirmação do preconceito e da discriminação que existe contra os negros? Por quê? Não, pois o preconceito, a discriminação, o travessar a rua quando se depara com mais de um menino negro, a fala de que só precisamos ensinar as 4 operações básicas e a medir, visto que serão pedreiros ou costureiras, já existe e impera em nossa sociedade. O sistema de cotas não é para a tonalidade da pele e sua ligação com a competência intelectual de quem a tem, mas sim para a cor social e todo preconceito e discriminação que a envolve. As cotas coloca em discussão essa maneira cruel de tratar os 51% da população brasileira que vive em sua maioria a margem de uma sociedade que exclui, priva e tolhe. 2) Se existem as cotas sociais que atendem a todos os estudantes de baixa renda e estudantes oriundos de escolas públicas, qual a necessidade de outra cota que, de certo modo, distingue um grupo por raça e não por condição socioeconômica? Os problemas e dificuldades enfrentados pelos negros não seriam os mesmos que os enfrentados pelos pobres para ingresso nas Universidades? Acredito que as cotas sociais e as cotas raciais devam caminhar juntas. Veja bem, a Lei das Cotas Universitárias prevê que até 2016, as universidades reservem 50% de suas vagas para que é oriundo do ensino público, ou seja, cota social. Dessas, metade é oferecida a quem tem 1,5 salários mínimos de renda familiar mensal (novamente cota social). É nos 25% restantes das vagas que existirá cotas para negros, pardos ou índios. A porcentagem varia conforme a quantidade dessas raças nos estados. As cotas sociais existem, mas uma não exclui a outra, pois esperar que primeiro acabe a desigualdade social para só assim iniciarmos a racial, é sustentar a escravidão por mais 100 anos.
  • 2. Citando, William Douglas, juiz federal (RJ), mestre em Direito (UGF), especialista em Políticas Públicas e Governo (EPPG/UFRJ): “Por isso, em texto simples, quero deixar clara minha posição como homem, cristão, cidadão, juiz, professor, “guru dos concursos” e qualquer outro adjetivo a que me proponha: as cotas para negros devem ser mantidas e aperfeiçoadas”. E meu melhor argumento para isso é o aquele que me convenceu a trocar de lado: “passar um dia na cadeia”. 3) Você considera o sistema de cotas uma medida eficiente para se diminuir a extrema desigualdade social existente no país? Por quê? Não. Creio que seja um paliativo, pois as oportunidades até podem ser iguais, mas o acesso não. Imagine que o responsável pelo RH de uma empresa é branco e necessita optar entre dois candidatos, ciente que o negro cursou a universidade com os sistemas de cotas, mora na periferia. Quem você acredita que será escolhido? Sejamos sinceros? 5) Você acha que os alunos que ingressam nas Universidades através das cotas têm ou terão maiores dificuldades que os demais para acompanhar o curso? Você acha que há diferença considerável entre o nível intelectual e de preparação destes em detrimento dos outros alunos? Prever se determinado indivíduo vai ter dificuldade ou não, envolve muitas variáveis e depende muito do empenho de cada um. Conheço pessoas que não entraram pelo sistema de cotas na universidade e apresentam muita dificuldade. Nesse caso deixo William Douglas, falar por mim: “Ah, sim, “os negros vão atrapalhar a universidade, baixar seu nível”, conheço esse argumento e ele sempre me preocupou, confesso. Mas os cotistas já mostraram que sua média de notas é maior, e menor a média de faltas do que o de quem nunca precisou das cotas. Curiosamente, negros ricos e não cotistas faltam mais às aulas do que negros pobres que precisaram das cotas. A explicação é simples: apesar de tudo a menos por tanto tempo, e talvez por isso, eles se agarram com tanta fé e garra ao pouco que lhe dão, que suas notas são melhores do que a média de quem não teve tanta dificuldade para pavimentar seu chão. Somos todos humanos, e todos frágeis e toscos: apenas precisamos dar chance para todos.” Acredito que em relação à preparação, ao ensino oferecido, os negros estão em desvantagens, pois a escola pública vem decaindo muito seu padrão de qualidade. 6) Você tem conhecimento de alguém que ingressou pelo sistema de cotas e tenha concluído o curso superior? Caso afirmativo, qual a sua avaliação sobre o desempenho acadêmico desse(s) estudante(s)? Conheço uma ex-aluna do CIEP em que trabalho. Nunca a tive como aluna. Ela estudou nesse CIEP desde sua inauguração e cursou desde o 1º ano do Ensino Fundamental até o 3º ano do Ensino Médio. Conheci a ano passado quando voltou para fazer estágio com a professora de Educação Física. Lembro-me da Diretora Geral do CIEP dizendo com o maior orgulho,” Cria do CIEP, essa menina é das minhas.”.
  • 3. Seu desempenho como estagiária de Educação Física foi impecável pelo o que observei. Tanto que foi convidada esse ano para trabalhar no inter-classe da semana do estudante. 7) Você acha que os alunos que ingressam nas Universidades através das cotas são privilegiados em detrimento a outros alunos? Por quê? Não vejo como privilégio. Dizer que somos todos iguais perante a lei, esse principio de equidade, para mim não é justiça. Igualdade não significa justiça. O sistema de cota é uma ação afirmativa, uma justiça compensatória. Sou desrespeitada como cidadã cumpridora de todos os meus deveres todos os dias. O Estado que deveria me proporcionar saúde, educação, segurança e cultura, não o faz. Então como as cotas são privilégios? Joaquim Barbosa, presidente do STF: “Quem disser que sou contra as cotas e me usa de exemplo para dizer que não é necessário, está redondamente enganado. Eu sou uma exceção, pois se não precisássemos de cotas, eu não seria até hoje desde que existe o STF o único ministro negro de toda sua história, o único que veio da pobreza e assumiu a presidência deste tribunal. Teríamos 50% de negros neste quadro, pois nosso país tem a maioria da sua população negra. Quem usa tal discurso é um hipócrita e racista que se esconde atrás de poucos exemplos para tentar justificar o massacre da maioria. Sou a favor das cotas sim, e para terminar esse assunto as cotas é uma LEI e LEI não se discute, Lei sem cumpre”. O vídeo diz tudo o que gostaria de dizer. Vale a pena conferir: https://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=1uC_a0lskfY Há muito tempo atrás assisti a um filme na sessão da tarde, “Uma escola muito louca”. Um jovem estudante branco passa para a renomada Universidade de Harvard, mas como a faculdade é muito cara e seus pais decidem não pagar para que ele possa crescer dar valor ao que possui. Ele tem a mirabolante ideia de se passar por um aluno negro para conseguir uma bolsa e assim ele faz. Ele consegue a bolsa e tira a vaga de uma aluna por quem se acaba apaixonando. É um filme água com açúcar. Mas tem uma cena já no final do filme que não esqueço. O professor negro descobre tudo, passa um sermão e pergunta: “Você aprendeu o que é ser negro?” E o aluno responde:” Não, porque a qualquer hora eu poderia deixar de ser negro. Eu tinha essa opção. Você, não”. Foi mais ou menos isso. O de azul você tira, ok?