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1
UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE – UNIVALE
MESTRADO EM GESTÃO INTEGRADA DO TERRITÓRIO – GIT
Marcos Vinícius de Mattos Emerick
CIBERESPAÇO COMO TERRITÓRIO E A FUNÇÃO SOCIAL
DOS FLUXOS DE INFORMAÇÃO
Governador Valadares/MG
2021
1
Marcos Vinícius de Mattos Emerick
CIBERESPAÇO COMO TERRITÓRIO E A FUNÇÃO SOCIAL
DOS FLUXOS DE INFORMAÇÃO
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação Stricto
Sensu em Gestão Integrada do Território
da Universidade Vale do Rio Doce –
UNIVALE, como requisito para obtenção
do título de Mestre em Gestão Integrada
do Território.
Orientadora: Prof.ª Dra. Sueli Siqueira
Governador Valadares – MG
2021
2
E53c Emerick, Marcos Vinícius de Mattos
Ciberespaço como território e a função social dos fluxos de
informação / Marcos Vinícius de Mattos Emerick. – 2021.
185 f. ; il.
Orientação: Sueli Siqueira.
Dissertação (mestrado em Gestão Integrada do Território) –
UNIVALE – Universidade do Vale do Rio Doce, 2021.
1. Ciberespaço. 2. Liberdade de expressão. 2. Fake News.
3. Territorialização. I. Siqueira, Sueli. ll. Título.
CDD-342.81085
3
4
Ao direito à liberdade.
5
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus, criador da vida, que nunca me abandonou quando tudo
parecia não ter saída e se fez presente em todas as adversidades.
Desejo expressar minha profunda gratidão ao meu pai, à minha mãe e ao meu
irmão, pessoas que admiro, das quais me orgulho e são a base da minha vida.
Agradeço por sempre me apoiarem e me incentivarem nesta caminhada.
Desejo expressar minha gratidão aos amigos que me apoiaram, nas pessoas
de Lívia Santos Morais, José da Silva Júnior e Élita da Silva Souza, que nas
conversas descontraídas sempre procuravam me animar em tempos
esmorecedores.
Expresso minha gratidão à Prof.ª Dra. Sueli Siqueira, que me recebeu e me
orientou com grande conhecimento e perícia na produção da presente dissertação.
Sou grato pelos conselhos e pela atenção que me dedicou nesse difícil processo.
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES),
que proporcionou meios para a expansão e consolidação do conhecimento.
Ao Programa de Mestrado em Gestão Integrada do Território (GIT), agradeço a
todos os profissionais pela competência, dedicação e envolvimento.
À Universidade Vale do Rio Doce (UNIVALE), que desde a graduação tem me
guiado nos campos do conhecimento.
6
RESUMO
Qual é a função social dos fluxos de informação nas redes sociais e sua relação
entre liberdade de expressão e censura no Brasil? Essa é a questão norteadora
deste estudo, realizado por meio de uma abordagem interdisciplinar entre os campos
da Geografia, Globalização, Sociologia, Filosofia e Direito. O objetivo geral da
investigação é identificar a função social dos fluxos de informação do ciberespaço
como uma rede-território, na preservação da liberdade de expressão. O aporte
teórico utilizado foram as reflexões de Haesbaert, geógrafo cujas discussões
sustentam-se na configuração da Geografia Moderna; Émile Durkheim, sociólogo
funcionalista, cujas contribuições possibilitaram a identificação da função social da
rede; Jhon Stuart Mill e John Locke, filósofos que cooperaram com a formação da
concepção de liberdade para o Direito Ocidental. Utilizando-se a metodologia de
pesquisa bibliográfica exploratória, coletaram-se os dados por meio de aportes
teóricos, materiais jornalísticos, bibliografias e documentos, como leis e projetos de
lei, visando responder à questão central e atender aos objetivos deste estudo.
Realizou-se, também, uma pesquisa, por meio dos termos “liberdade de expressão”,
“fake News” e “notícia falsa”, na Plataforma Jusbrasil, por se tratar de uma
plataforma de comunicação que facilita a busca por conteúdo jurídico informativo e
fornece ferramentas que auxiliam e dinamizam o dia a dia dos operadores do Direito,
permitindo a realização de consultas públicas em processos judiciais de tribunais de
todo o País. Para isso, buscou-se reunir dados sobre o resultado de processos
judiciais envolvendo conteúdos disponibilizados na Internet, especialmente os
relacionados às fake News, notícias falsas e liberdade de expressão. Procurou-se
identificar os pedidos mais comuns e a quantidade de vezes que foram concedidos,
as principais características das partes envolvidas na demanda e os padrões
argumentativos empregados pelos tribunais no momento de decidir. A partir da
análise dos dados, foi possível concluir que muito além de uma ferramenta de troca
de mensagens, o ciberespaço, um território moderno, possui a função social de
descentralizar o poder da informação dos governos e dos oligopólios privados, além
de realizar a preservação das liberdades. O estudo contribui para fazer um alerta e
demostrar que o autoritarismo e os governos tirânicos não podem superar as
ferramentas dispostas no sistema democrático.
Palavras-chave: Território. Ciberespaço. Informação. Liberdade de expressão. Fake
News.
7
ABSTRACT
What is the social function of information flows in social networks and their
relationship between freedom of expression and censorship in Brazil? This is the
guiding question of this study, carried out through an interdisciplinary approach
between the fields of Geography, Globalization, Sociology, Philosophy and Law. The
general objective of the investigation is to identify the social function of information
flows in cyberspace as a network-territory, in the preservation of freedom of
expression. The theoretical contribution used were the reflections of Haesbaert,
geographer whose discussions are supported by the configuration of Modern
Geography; Émile Durkheim, functionalist sociologist whose contributions enabled
the identification of the social function of the network; John Stuart Mill and John
Locke, philosophers who cooperated with the formation of the conception of freedom
for Western Law. Using the methodology of exploratory bibliographic research, data
was collected through theoretical contributions, journalistic materials, bibliographies,
and documents such as laws and bills, in order to answer the central question and
meet the objectives of this study. A research was also carried out, through the terms
"freedom of expression", "fake news" and "notícias falsas", in the Jusbrasil Platform.
For this, we sought to gather data about the result of lawsuits involving content
available on the Internet, especially those related to fake news, false news and
freedom of expression. We sought to identify the most common requests and the
number of times they were granted, the main characteristics of the parties involved in
the lawsuit, and the argumentative patterns employed by the courts when deciding.
From the data analysis it was possible to conclude, that much more than a tool for
exchanging messages, cyberspace, a modern territory, has the social function of
decentralizing the power of information from governments and private oligopolies, in
addition to carrying out the preservation of liberties. The study contributes to make a
warning and to demonstrate that authoritarianism and tyrannical governments cannot
overcome the tools available in the democratic system.
Keywords: Territory. Cyberspace. Information. Freedom of expression. Fake News.
8
LISTA DE FIGURAS
Figura 1. Processo teórico-metodológico........................................................................19
Figura 2. Percurso teórico-metodológico ........................................................................24
Figura 3. ARPANET em dezembro de 1969. ..................................................................49
Figura 4. ARPANET em julho de 1977. ..........................................................................50
Figura 5. Mapa do mundo em 24 horas de uso médio de endereços IPv4. ....................53
Figura 6. Mapa dos cabos submarinos...........................................................................54
Figura 7. Mapa de evolução do backbone da rede acadêmica RNP no Brasil................71
Figura 8. Infraestrutura backbones de longa distância. ..................................................83
Figura 9. Concentração do PIB dos municípios..............................................................84
Figura 10. Censo demográfico 1940/2000......................................................................84
Figura 11. Sobreposição das figuras 6/7 (concentração do PIB) e 6/8 (Demografia). ....85
Figura 12. Os ciclos de vida tecnológica da indústria de comunicação móvel................86
Figura 13. Liberdade na internet (2009). ......................................................................158
Figura 14. Liberdade na internet (2019). ......................................................................158
9
LISTA DE TABELAS
Tabela 1. Tribunais de origem das decisões.............................................................20
10
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1. Quem mais se engajou em movimentar peças processuais relacionadas
às Fake News..........................................................................................................108
Gráfico 2. Quem mais figurou como alvo das peças processuais...........................108
Gráfico 3. Resultado das peças. .............................................................................109
Gráfico 4. Fundamentos mais utilizados por quem se engajou em movimentar uma
peça processual. .....................................................................................................157
11
LISTA DE SIGLAS
AI-5 - Ato Institucional nº 5
ARPA - Advanced Research Projects Agency
ARPANET - Advanced Research Projects Agency Network
BITNET - Because It’s Time Network
BNDE - Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico
CAPRE - Comissão de Coordenação das Atividades de Processamento Eletrônico
CBT - Código Brasileiro de Telecomunicações
CEPINNE - Centro Piloto de Serviços de Teleinformática para Aplicações em Ciência
e Tecnologia na Região Norte-Nordeste
CERN - Organisation Européenne pour la Recherche Nucléaire
CGI.BR - Comitê Gestor da Internet
CNPD - Congresso Nacional de Processamento de Dados
CNPq - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
CNT ou CONTEL - Conselho Nacional de Telecomunicações
CONIN - Conselho Nacional de Informática e Automação
CPDOC - Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil
CPF - Cadastro de Pessoa Física
CPI - Comissão Parlamentar de Inquérito
CPMI - Comissão Parlamentar Mista de Inquérito
CTI - Fundação Centro Tecnológico para Informática
EMBRATEL - Empresa Brasileira de Telecomunicações
FAPESP - Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo
FGV - Fundação Getúlio Vargas
IANA - Internet Assigned Numbers Authority
ICANN - Corporação da Internet para Atribuição de Nomes e Números
IPTO - Information Processing Techniques Office
ISP – Internet Service Provider
ITA - Instituto Tecnológico de Aeronáutica
LARC - Laboratório Nacional de Redes de Computadores
LNCC - Laboratório Nacional de Computação Científica
MIT - Massachussets Institute of Technology
NIC.BR - Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR
ONU - Organização das Nações Unidas
PL - Projeto de lei
PLANIN - Plano Nacional de Informática e Automação
PND, I PND, II PND - (*) Plano Nacional de Desenvolvimento
PUC-Rio - Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
REDPUC - Rede Acadêmica da PUC
RNP - Rede Nacional de Pesquisa
RNTD - Rede Nacional de Transmissão de Dados
RQN - Requerimento
SEI - Secretaria Especial de Informática
SUCESU-SP - Sociedade dos Profissionais e Usuários de TI do Estado de São
Paulo
TIC - Tecnologias da Informação e Comunicação
TRANSDATA - Serviço Digital de Transmissão de Dados Via Terrestre
WWW - World Wide Web
12
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO..........................................................................................................13
1.1 METODOLOGIA.....................................................................................................17
1.2 ANÁLISE DAS DECISÕES ...................................................................................21
CAPÍTULO 2 – ESPAÇO, TERRITÓRIO, TERRITORIALIDADE E CIBERESPA-
ÇO................................................................................................................................25
2.1 GEOGRAFIA E ESPAÇO......................................................................................25
2.2 TERRITÓRIO ........................................................................................................31
2.3 TERRITORIALIDADE............................................................................................42
2.4 ORIGEM DO CIBERESPAÇO E A EVOLUÇÃO DE SUA ESTRUTURA..............45
2.5 A EVOLUÇÃO DA REDE NO BRASIL ..................................................................54
CAPÍTULO 3 – AS BASES PARA A CONCEPÇÃO DO CIBERESPAÇO COMO UM
TERRITÓRIO...............................................................................................................73
3.1 ESPAÇO, CIBERESPAÇO E CIBERCULTURA ...................................................73
3.2 DIVISÃO DO CIBERESPAÇO – DOIS EM UM?...................................................79
3.2.1 Território estrutural da rede ............................................................................82
3.2.2 Territórios e territorialidades humanas da rede ............................................87
3.3 DOS CENTROS DE INTERESSES ÀS BOLHAS SOCIAIS .................................90
3.4 DAS BOLHAS SOCIAIS AO MUNDO DE VIDA....................................................91
3.5 ALGORITMO DE BOLHA, O ANTOLHOS DA SOCIEDADE ................................93
CAPÍTULO 4 – FAKE NEWS - DEFINIÇÕES E IMPLICAÇÕES................................97
4.1 CONCEITUANDO FAKE NEWS ...........................................................................97
4.2 INFORMAÇÃO, FAKE NEWS OU DESINFORMAÇÃO? ....................................100
4.3 COMBATE ÀS FAKE NEWS - O PRETEXTO PARA A APROXIMAÇÃO DE
UM MODELO DE CENSURA....................................................................................104
4.3.1 Liberdade de expressão e censura...............................................................109
CAPITULO 5 – FLUXOS DE INFORMAÇÃO E SUA FUNÇÃO SOCIAL EM UM
TERRITÓRIO DE REDE............................................................................................129
5.1 FUNÇÃO SOCIAL DOS FLUXOS DE INFORMAÇÃO........................................129
5.1.1 Generalidade do fluxo de informações digitais...........................................132
5.1.2 Exterioridade do fluxo de informações digitais...........................................134
5.1.3 Coercitividade dos fluxos de informações digitais.....................................137
5.2 FUNÇÃO SOCIAL E A CONCEPÇÃO DE DURKHEIM ......................................139
5.3 FLUXOS DE INFORMAÇÕES E SUA FUNÇÃO SOCIAL...................................142
5.4 DIREITO, FLUXOS DE INFORMAÇÕES E FUNÇÃO SOCIAL ..........................145
6 CONCLUSÃO.........................................................................................................163
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..........................................................................168
13
1 INTRODUÇÃO
A presente dissertação foi elaborada seguindo as normas e diretrizes
determinadas pelo Programa de Mestrado em Gestão Integrada do Território (GIT)
da Universidade Vale do Rio Doce, estabelecidas na Resolução nº1/2010 – PPGGIT.
A ideia de pesquisar o ciberespaço como um território, por meio do Programa
GIT, foi um processo orgânico. O que iniciou apenas como uma ideia disforme
tomou proporções e estruturas mais complexas, mediante o estudo dos aspectos
territoriais ministrados. Incialmente, a proposta de pesquisa estava vinculada à
temática eleitoral, uma vez que no ciberespaço as fake news se tornaram um grande
problema para o sistema democrático de vários países, ao supostamente induzirem
o eleitorado ao erro, por meio de notícias falsas. Contudo, com o passar do tempo,
ao estabelecer o ciberespaço como um território e com a análise desse fenômeno
pela Geografia de Haesbaert, pelo Funcionalismo de Durkheim e as reflexões acerca
da informação, da verdade e da política, de acordo com Floridi, Mill, Locke e Arendt,
foi possível perceber que, muito além das trocas de informação, o ciberespaço, mais
especificamente a internet em suas redes sociais, tornou-se um território de livre
manifestação e de descentralização do monopólio da informação dos
governos/oligopólios.
Usufruindo da liberdade de expressão, os usuários em rede ficavam
despercebidos até passarem a confrontar diretamente alguns centros de poder, na
figura de personalidades conhecidas do governo e da grande mídia. Diante desse
cenário, emergiram vários movimentos políticos interessados em suprimir/controlar a
liberdade de expressão dos usuários em rede e o fluxo de informação, sob o
pretexto de se combater as fake news. Mediante esse novo fenômeno, o foco do
estudo foi direcionado para responder à seguinte pergunta: qual é a função social
dos fluxos de informação nas redes sociais e a relação entre liberdade de expressão
e censura no Brasil? Para responder a essa questão, o presente estudo teve como
ponto de partida o estabelecimento de vários objetivos. O objetivo geral é identificar
a função social dos fluxos de informação no ciberespaço e entender a relação que
existe entre liberdade de expressão e censura. Como objetivos específicos
apontamos: descrever como se deu o processo de criação da internet e sua
expansão inicial nos EUA e no Brasil; conceituar ciberespaço na perspectiva teórica
de território de Haesbaert; analisar leis relacionadas às tentativas de regulação
14
estatal, sob a justificativa de combater as fake news; analisar qual é a função social
dos fluxos de informação no processo de consolidação da liberdade de expressão,
sob a perspectiva de John Stuart Mill, John Locke e outros filósofos.
Para se alcançar tais objetivos, utilizou-se a metodologia conhecida como
pesquisa bibliográfica exploratória. Trata-se da junção da pesquisa bibliográfica, que
é desenvolvida com base em material já elaborado e publicado (livros e artigos
científicos), com a pesquisa exploratória, que tem por objetivo “explorar” o problema
de pesquisa, quase sempre utilizado em temas/fenômenos recentes e/ou pouco
conhecidos, visando aprimorar e familiarizar com a temática. A metodologia será
aprofundada em um tópico específico desta dissertação. É possível afirmar que a
escolha da metodologia se deu pelo fato de a temática estar ligada à informação e
ciberespaço, e o território ser um fenômeno recente, com poucos dados, constituindo
um campo ainda nebuloso. Utilizou-se a metodologia bibliográfica exploratória como
meio de conhecer ainda mais o fenômeno, a fim de progredir na compreensão do
problema. Uma vez estabelecida a metodologia, por meio da delimitação do tema e
da realização de uma revisão bibliográfica1
, foi possível estabelecer cinco aportes
teóricos que seriam utilizados e entrecruzados para a construção de uma concepção
em que o ciberespaço fosse passível de ser analisado como um território. Por meio
de seus fluxos, considerados a partir do modelo Durkheimiano, identificou-se a
existência da função social.
Para responder à pergunta que norteou a presente dissertação, a pesquisa foi
dividida em cinco capítulos, além desta introdução. O segundo capítulo estabelece
as bases conceituais da Geografia, sem as quais seria impossível responder à
pergunta norteadora. Portanto, sem os conceitos de território, territorialidade e
ciberespaço, seria impossível conceber o ciberespaço como um território com
multiterritorialidades vívidas fluindo por suas estruturas. Devido ao fato de o objeto
central da dissertação envolver diferentes temáticas como Geografia, Sociologia,
Filosofia, Direito e Globalização, optou-se por introduzir o leitor aos conceitos-base
que seriam aprofundados no dercorrer da dissertação e da reflexão. Ainda no
primeiro capítulo, é realizada a abordagem do contexto histórico da origem e da
expansão da rede, que atualmente é o cerne de grandes incidentes diplomáticos nos
1
Na revisão sistemática bibliográfica foram analisados artigos produzidos em Língua Portuguesa, em
periódicos da CAPES, revisados por pares entre os anos de 2009 e 2019, utilizando-se como termos
de busca “ciberespaço” e “território”.
15
debates e fóruns internacionais da internet. Resumidamente, o primeiro capítulo
equivale à fundação de uma obra que passaria a ser construída, logo em seguida,
no capítulo segundo.
No capítulo terceiro, as concepções abordadas no capítulo primeiro de forma
individualizada, passam a se entrecruzar, ou seja, os conceitos passam a questionar
o “porquê” de o ciberespaço constituir um território com multiterritorialidades
passíveis de estudos. Nesse sentido, ao dialogar com alguns dos geógrafos, ao
expôr algumas das características da rede e ao estabelecer o ciberespaço como um
território, realiza-se a divisão do território em rede, a partir de sua estrutura e a partir
de sua territorialidade humana. Dessa forma, desenvolveu-se o diálogo da
territorialidade humana a partir da concepção de cibercultura, centros de interesses
e espaço de fluxos de Pierre Lévy, Castells e outros filósofos. Por fim, inicia-se uma
breve discussão sobre as consequências de se manipular os centros de interesse,
ou seja, os perigos de aproximar apenas aqueles que pensam de forma semelhante
e afastar aqueles que pensam de forma diferente.
No capítulo quarto aborda-se uma grande problemática presente nas redes de
informação da modernidade: as fake news. As fake news demostram ser um grande
problema em diversas democracias ao redor do mundo, forçando alguns governos a
realizarem a regulação específica para a questão. Contudo, ao se aprofundar nos
conceitos de Informação e desinformação, percebeu-se que o fenômeno das fake
news tornou-se elemento essencial para entender a função social dos fluxos de
informação, posto que sua proibição, por meio da regulação, implicaria, direta ou
indiretamente, na criação de um órgão hierárquico para decidir/estabelecer o que é
ou não verdade. Uma vez que o ciberespaço é o espaço que se legitima por meio da
comunicação e sua capilarização nas camadas mais distintas e vastas do globo
passou a ser um incômodo para centros de poder que detinham o monopólio da
informação, as fake news, um termo amplo e indefinido, surgiram como um pretexto
perfeito para regular o conteúdo que circula nas redes sociais. Por meio de medidas
arbitrárias/autoritárias semelhantes às de países ditatoriais, vislumbra-se controlar
toda e qualquer informação que passe pelos fluxos. As redes sociais estabelecem
relações em diferentes pontos do Globo, possuindo um papel central e oculto na
relação entre liberdade de expressão, censura e preservação da liberdade e é essa
função social a que se pretende investigar.
16
No quinto capítulo utiliza-se o modelo durkheimiano para definir os fluxos de
informação como um fato social, mediante a caracterização de sua generalidade,
coercitividade e exterioridade. A partir dessa caracterização, analisa-se a função
social dos fluxos de informação, diante de diversas dinâmicas e diálogos dos mais
variados autores no que diz respeito à regulação, além de se realizar uma breve
comparação entre os projetos de lei que estão em tramitação e as leis que já estão
em vigor em países em que a rede não é livre, de acordo com a organização
Freedom House. Nesse sentido, sendo o Direito, conforme Durkheim, um dos
melhores indicadores da forma de uma sociedade, posto que a sociedade só se
estende ao limite estabelecido pela lei, foi possível situar como a jurisdição brasileira
tem lidado com os fluxos de informação em rede. Torna-se perceptível, sobretudo
em relação aos movimentos dos centros de poder, a tentativa de supressão e
controle dos fluxos de informação, sob o pretexto de se estar combatendo o “terror
das fake news”, tornando a sociedade brasileira em rede mais próxima do modelo de
censura de países autoritários.
Por fim, os aportes teóricos explorados para desenvolver a presente
dissertação foram divididos em cinco categorias: aportes da Geografia, da
Globalização, da Sociologia, da Filosofia e aportes do Direito. No aporte da
Geografia recorreu-se aos geógrafos Haesbaert e Yves Lacoste para a temática da
dissertação – o ciberespaço como território. Yves Lacoste, da Geográfica Crítica, foi
pesquisado para distanciar o leitor de um conceito pré-concebido de território estatal
que está ligado ao modelo de Ratzel. No pós-guerra, introduziu-se o princípio da
inadmissibilidade da aquisição de território pela guerra ou força e novos meios de
guerra surgiram em diferentes dimensões, dentre elas a guerra tecnológica. É nesse
momento que se introduz Haesbaert, por meio de sua concepção de território-rede,
palco de diversas relações humanas modernas. Nesse sentido, foi possível
estabelecer o ciberespaço como um território passível de estudo da Geografia.
Já no aporte teórico relacionado à Globalização, abordou-se Pierre Lévy, por
meio de sua concepção de cibercultura e centros de interesses, elementos
essenciais para realizar a análise da multiterritorialidade em rede e as relações de
poder ali existentes. A pesquisa também se beneficiou das concepções de Castells
para demonstrar o quanto a tecnologia em rede dominou os instrumentos sociais
centrais da sociedade humana, como por exemplo, o trabalho. Castells é
indispensável para demonstrar como o trabalho e os meios de produção, agora
17
intimamente ligados aos instrumentos de comunicação, modificaram algumas
relações do ser humano/sociedade com o espaço, em que o sociólogo afirma
existirem os espaços de fluxos.
No aporte da Sociologia, lançou-se mão do sociólogo Durkheim, por meio de
seu modelo de análise dos fatos sociais, elemento central para se descobrir a função
social dos fluxos de informação. Recorreu-se, também, aos filósofos da liberdade,
Jhon Stuart Mill e John Locke, ambos essenciais para os debates acerca dos limites
da liberdade e da tolerância. Quanto aos aportes teóricos da Filosofia, citou-se
Luciano Floridi e Hannah Arendt, ambos basilares para as reflexões acerca da
informação, da desinformação e da verdade, que são elementos que se tornaram
grande fonte de poder dos oligopólios e governos.
Por fim, no aporte do Direito, uma vez que grande parcela dos autores
fundamentais tratados na Filosofia e na Sociologia são as fontes do Direito
Ocidental, utilizou-se, além de Jhon Stuart Mill e John Locke, as diversas leis e
documentos oficiais publicados/produzidos pelos agentes governamentais do Brasil,
além de abordar superficialmente as legislações Chinesa e Russa.
Este estudo foi realizado em apoio aos direitos fundamentais da liberdade e
pela proteção das liberdades das instituições. Destaca-se que o estudo dos diversos
aspectos do fenômeno contribuirá para as reflexões e para a construção de uma
melhor abordagem da problemática vivenciada na atual crise da informação.
1.1 METODOLOGIA
A metodologia utilizada foi a pesquisa bibliográfica exploratória, a fim de
realizar a análise de diversas concepções acerca do problema. Nesse sentido,
evoca-se Gil (2002, p. 44) para elucidar o que é uma pesquisa bibliográfica.
[...] a pesquisa bibliográfica é desenvolvida com base em material já
elaborado, constituído principalmente de livros e artigos científicos.
Embora em quase todos os estudos seja exigido algum tipo de
trabalho dessa natureza, há pesquisas desenvolvidas
exclusivamente a partir de fontes bibliográficas. Boa parte dos
estudos exploratórios pode ser definida como pesquisas
bibliográficas. As pesquisas sobre ideologias, bem como aquelas que
se propõem a uma análise das diversas posições acerca de um
problema, também costumam ser desenvolvidas quase
exclusivamente mediante fontes bibliográficas.
18
Na presente dissertação será possível observar grande quantidade de fontes
bibliográficas que foram utilizadas como aportes teóricos. Nesse sentido, por meio
da definição do tema e da realização de uma revisão bibliográfica, estabeleceu-se
cinco aportes teóricos, sendo eles:
1. Aportes da Geografia
2. Aportes da Globalização
3. Aportes da Sociologia
4. Aportes da Filosofia
5. Aportes do Direito
Com os aportes e o diálogo realizado por meio do entrecruzamento de suas
concepções, observou-se não só o ciberespaço como um território, como também se
identificou a função social dos fluxos de informação. Nesse passo, é possível
abordar os objetivos e concepções de uma pesquisa exploratória como metodologia.
Conforme Selltiz et al. (1967, p. 63),
Estas pesquisas têm como objetivo proporcionar maior familiaridade
com o problema, com vistas a tomá-lo mais explícito ou a constituir
hipóteses. Pode-se dizer que estas pesquisas têm como objetivo
principal o aprimoramento de idéias ou a descoberta de intuições.
Seu planejamento é portanto, bastante flexível, de modo que
possibilite a consideração dos mais variados aspectos relativos ao
fato estudado. Na maioria dos casos, essas pesquisas envolvem: (a)
levantamento bibliográfico; (b) entrevistas com pessoas que tiveram
experiências práticas com o problema pesquisado; e (c) análise de
exemplos que “estimulem a compreensão”.
Devido ao fato de a atual crise das fake news, presente nos fluxos de
informação, ser um fenômeno novo, a pesquisa exploratória foi escolhida como
método ideal para abordar a temática. Uma vez estabelecidos os aportes, passou-se
a explorar suas concepções, como estas se relacionam à temática e dialogam entre
si de forma harmoniosa diante do contexto inserido.
A partir do diálogo demonstrando o ciberespaço como um território e
estabelecendo os fluxos de informação como alvo de desejo dos centros de poder,
foi possível analisar os fluxos de informação, utilizando o modelo durkheimiano, por
meio das regras do método sociológico, da concepção de fato social e da
demonstração de como os fluxos de informação se caracterizam. Adquirindo o status
de um fato social, os fluxos de informação foram analisados de forma a identificar
quais são suas funções no corpo social. Com essa análise, tornou-se perceptível
19
que, além de trocar dados e mensagens, a rede possui a função social de
descentralizar o poder da informação dos governos e dos oligopólios empresariais e
realizar a preservação das liberdades. O organograma a seguir demonstra o
percurso teórico metodológico percorrido.
Figura 1. Processo teórico-metodológico.
Fonte: Elaboração Própria, Processo teórico metodológico. 10 de dez. de 2021.
Ademais, com o fim único de enriquecer a discussão a respeito das fake news
no judiciário, foram utilizados modelos quantitativos para observar a judicialização
das causas envolvendo fake news, notícias falsas e liberdade de expressão. Nesse
sentido, realizou-se uma pesquisa na Plataforma Jusbrasil para a identificação de
três grandes aspectos relacionados à judicialização das fake news, e para tanto,
visualizar os resultados em quatro gráficos presentes no decorrer da dissertação.
Buscou-se reunir dados sobre o resultado de processos judiciais envolvendo
conteúdos disponibilizados na Internet, especialmente em relação:
1 – à identificação dos pedidos mais comuns e à quantidade de vezes que
foram concedidos;
2 – às principais características das partes envolvidas na demanda;
3 – aos padrões argumentativos empregados pelos Tribunais, no momento de
decidir.
Com o intuito de captar a maior quantidade de dados possíveis, este estudo
pesquisou decisões judiciais, tanto em primeira quanto em segunda instância, tanto
na esfera cível quanto nas demais esferas existentes. Foram analisadas decisões de
primeira e segunda instâncias de todos os Tribunais de Justiça Estaduais, da Justiça
Federal e dos seguintes tribunais: Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de
Justiça, Tribunais Regionais Federais, Tribunal Regional do Trabalho, Tribunal
Superior do Trabalho, Tribunal Superior Eleitoral, Tribunal Regional Eleitoral,
Tribunal de Contas dos Estados, Tribunal de Contas da União, Turma Nacional de
Uniformização, Conselho Nacional de Justiça, Superior Tribunal Militar e Tribunal de
Justiça Militar.
20
Com o objetivo de abranger o máximo de decisões possíveis, foram
aproveitados dois blocos de termos de busca combinados entre si, sendo o primeiro
ligado à disseminação de notícias falsas, com os termos fake news e notícia falsa, e
o segundo ligado ao direito à liberdade de expressão, com o termo liberdade de
expressão. A combinação resultou em 240 jurisprudências catalogadas no período
de 1º de janeiro de 2015 a 25 de novembro de 2020. É necessário ressaltar que a
última atualização do banco de dados ocorreu em 21 de dezembro de 2020, sendo
importante observar a pontuação nessa data, uma vez que a morosidade de alguns
tribunais pode atrasar a publicação de algumas decisões ocorridas no período citado
acima.
As 240 decisões encontradas foram então analisadas individualmente, para
que aquelas que não diziam respeito ao objeto de pesquisa fossem descartadas.
Foram excluídas as decisões em que:
1 – não havia menção expressa e direta de pelo menos dois dos três termos
concomitantes em qualquer parte do conteúdo, seja como argumento do polo
ativo, seja como parte da fundamentação da decisão;
2 – não havia menção expressa do processo de origem disponibilizado on-
line, uma vez que teria que se especular a respeito do conteúdo que está
sendo julgado;
3 – o Tribunal apenas abordou questões processuais;
4 – se repetiram.
Do total de 240 decisões encontradas, 30 foram descartadas com base nos
itens 1, 2 e 3 acima, restando 210. Posteriormente, foram descartadas as decisões
que eram repetidas. Das 210 restantes, 22 foram excluídas em conformidade com o
item 4, restando 188 decisões para análise. As 188 decisões analisadas tiveram
origem nos Tribunais indicados na tabela 1, abaixo.
Tabela 1. Tribunais de origem das decisões.
TRIBUNAL DE ORIGEM
TRIBUNAL DE JUSTIÇA 76
TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL 70
TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL 26
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL 13
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL 1
TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO 1
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA 1
TOTAL 188
Fonte: Elaboração Própria. Tribunal de origem. 20 de jan. de 2021.
21
Destaca-se ainda que, em nove dessas 188 decisões, duas ou mais partes
recorreram na mesma ocasião, fato este que será considerado individualmente na
análise de cada recurso. Uma vez que se analisou o engajamento das partes, seus
fundamentos e seus resultados, essas nove decisões geraram 11 possibilidades a
mais de análise. Contudo, uma dessas possibilidades foi eliminada com base no
item 3 (Tribunal abordou questões processuais), restando apenas dez possiblidades
de análise.
Diante das categorias de análise, foi elaborada uma planilha única e geral
com os mais variados instrumentos e remédios jurídicos, como: apelações, agravos
de instrumentos, acórdãos, decisões monocráticas, agravos regimentais, embargos
de declaração, embargos infringentes, habeas corpus, ações diretas de
inconstitucionalidade, recursos inominados e outros tipos processuais.
1.2 ANÁLISE DAS DECISÕES
Todas as decisões foram classificadas de acordo com uma série de critérios
que permitisse a identificação do/a:
1 – Data da publicação
2 – Órgão julgador
3 – Polo ativo/passivo
4 – Fundamentação
5 – Resultado
Em relação aos atores envolvidos, estes podem ser classificados como: polo
ativo e polo passivo. Os polos, nessa metodologia, não têm a mesma base
conceitual jurídica. Polo ativo representa qualquer pessoa, seja ela física, jurídica,
pública ou política, que interpôs peça processual, seja essa peça a inicial, seja
recurso ou remédio processual. A escolha dessa metodologia se deu para a
realização de uma análise geral quantitativa, baseada na qualificação das partes.
Por meio dessa medida, é possível observar, por exemplo, se a classe política alça
maiores vantagens nas decisões judiciais, pela quantidade de vezes que suas
interposições procedem.
Os polos ativos das demandas foram classificados em sete categorias. Essas
categorias são cumulativas, ou seja, um processo pode apresentar todas essas
características:
22
1 – Pessoas Físicas
2 – Pessoas Jurídicas
2.1 – Pessoa Jurídica Pública
2.2 – Pessoa Jurídica Privada
2.3 – Ente Jurídico Despersonalizado
3 – Pessoa Pública
4 – Pessoa Política
5 – Jornalistas, site de notícias jornalísticas
6 – Provedor de busca (Google, Bing, Yahoo)
7 – Redes Sociais (Face, Google+, Twitter)
8 – Produtores de conteúdo off-line, como redes de televisão
Os polos passivos foram classificados em quatro categorias. Essas categorias
são cumulativas, ou seja, um processo pode apresentar todas estas características:
1 – Pessoa física
2 – Pessoa Jurídica
2.1 – Pessoa Jurídica Pública
2.2 – Pessoa Jurídica Privada
2.3 – Ente Jurídico Despersonalizado
2.4 – Autoridade Coatora
3 – Pessoa Política
4 – Pessoa Pública
5 – Jornalistas, site de notícias jornalísticas
6 – Administrador de Sistema Autônomo
7 – Redes Sociais (Face, Google+, Twitter)
8 – Provedor de Busca (Google, Bing, Yahoo)
9 – Produtores de Conteúdo off-line, como redes de televisão
10 – Produtores de softwares e jogos
Com relação aos fundamentos utilizados pela parte ativa da demanda, foram
identificadas as categorias abaixo relacionadas. Essas categorias são cumulativas,
ou seja, um processo pode apresentar todas estas características:
1 – Direito à honra
2 – Direito à imagem
3 – Violação da privacidade/intimidade
4 – Violação da liberdade de expressão/imprensa
23
5 – Propaganda/notícia irregular
6 – Exceção da verdade
Com relação aos resultados, foram identificadas as categorias mencionadas
abaixo. Essas categorias são cumulativas, ou seja, um processo pode apresentar
todas estas características:
1 – Indenização por dano moral
2 – Indenização por dano material
3 – Remoção de conteúdo
4 – Direito de resposta/retratação
5 – Suspensão de conteúdo
6 – A interposição não prosperou e foi encaminhada para prosseguimento
7 – A Interposição prosperou (completa ou parcialmente) e foi encaminhada
para prosseguimento
8 – Condenação em multa
O esquema abaixo ilustra o percurso teórico-metodológico seguido.
24
Figura 2. Percurso teórico-metodológico.
Fonte: Elaboração própria. Percurso teórico-metodológico. 20 de jan. de 2021.
25
CAPÍTULO 2 – ESPAÇO, TERRITÓRIO, TERRITORIALIDADE E CIBERESPAÇO
2.1 GEOGRAFIA E ESPAÇO
Para melhor introduzir as concepções que serão tratadas no decorrer da
presente dissertação e antes de adentrar propriamente à especificidade da temática,
há de se entender alguns dos aspectos da Geografia. Para isso, deve-se aprofundar
em um de seus principais objetos, o espaço.
Para os geógrafos, o espaço é uma concepção basal de estudo. Segundo
Santos (1996, p. 49), “o espaço, portanto, é parte da realidade, sendo esta a
portadora da totalidade”. Abstrai-se da afirmação que, para a Geografia o espaço é o
portador de todos os elementos de estudo e análise, ou seja, o espaço é o portador
dos territórios, das regiões, dos lugares e das paisagens. A partir dessa observação,
há de se destacar duas grandes divisões dentro da Geografia que oferecem
diferentes concepções para o objeto de estudo denominado “espaço”, sendo elas:
Geografia Física e Geografia Humana.
De acordo com Oliveira Latuf (2007, p. 205),
A distinção entre Geografia Física e Geografia Humana foi sendo
realizada sob diversas óticas. De um lado, os naturalistas e
geógrafos ditos “físicos” deram uma expressiva contribuição para
esta divisão, devido à necessidade de classificar, mapear, enquadrar,
compreender e modelar as relações ecológicas, biogeográficas,
hidro-climáticas e geomorfológicas por meio da observação e
compreensão da natureza e seus processos formadores. De outro
lado, evoluía uma Geografia voltada para a compreensão das formas
e processos da sociedade, pautada nas Ciências Humanas, como
por exemplo, a Economia, a Sociologia, a Antropologia, dentre
outras.
De fato, essa divisão dentro da Geografia tomou forma durante um longo
decurso histórico-temporal como, por exemplo, Heródoto (485 a.C. - 425 a.C.), que
em sua obra intitulada “Euterpe”, descrevia a Geografia Física e Humana do Egito.
Já Aristóteles (384 a.C. - 323 a.C.) demonstrou cientificamente que a Terra tinha
uma forma esférica. Durante o Renascimento (1400 a 1600 d.C.), vários
exploradores como Cristóvão Colombo, Vasco da Gama, Fernando Magalhães e
Jacques Cartier adicionaram contribuições importantes tanto para a Geografia
Humana quanto para a Geografia Física, por meio de seus diários de bordo, mapas
cartográficos e descrições dos mais variados e distintos pontos do Globo. Por meio
26
de várias escolas, como as Escolas Francesa, Alemã, Inglesa e Norte-Americana,
essa divisão dentro da Geografia se consolidou. Na presente dissertação, inicia-se a
análise do espaço a partir dessa divisão, a começar pela Geografia Física.
De acordo com Nascimento (2004, p. 167),
Entende-se por Geografia Física o estudo da organização
espacial dos geossistemas, de vez que essa organização se
expressa pela estrutura conferida pela distribuição e arranjo
espacial dos elementos que compõem o universo do sistema, os
quais são resultantes da dinâmica dos processos atuantes e das
relações entre os elementos.
Observa-se que, na Geografia Física, o espaço geográfico é o espaço
concreto ou físico presente na estrutura de elementos que compõem o sistema,
resultantes das dinâmicas estruturais do globo terrestre, ou seja, os elementos que
compõem o Globo, dentro da dinâmica ecológica, biogeográfica, hidroclimática e
geomorfológica. Apesar de a Geografia Física oferecer uma vasta quantidade de
informações sobre os elementos espaciais, sobretudo na modernidade, em que a
tecnologia facilita a captação de tais dados, é possível iniciar a análise da Geografia
Física a partir de Humboldt.
Para a maioria dos geógrafos, a construção da Geografia como uma ciência
técnica e metodológica emergiu das obras dos alemães Alexander Von Humboldt,
importante geólogo, botânico e naturalista, Karl Ritter, historiador e filósofo, e
Friedrich Ratzel, geógrafo e etnólogo.
Para Camargo e Reis Júnior (2007, p. 83),
[...] somente nos meados do século XIX, na Alemanha, com A. von
Humboldt, K. Ritter e F. Ratzel, que ela passou a ter status de
ciência, sendo, a partir dessa época, ensinada e praticada nas
universidades. Formou-se então uma corrente de pensamento no
seio da geografia que ficou conhecida como “escola alemã”, cuja
característica central era o fato de ser iminentemente determinista e
naturalista.
Humboldt (1845–1862), por meio de seu tratado de 1845 sobre a ciência da
natureza, intitulado “Kosmo”, que é um compilado de suas aulas ministradas na
Universidade de Berlim, instituiu de maneira sólida alguns dos aspectos da
Geografia Física. Na introdução de sua obra, é possível observar a abordagem da
Física pelo estudo dos processos físicos, e a abordagem da Geografia Física
27
presente na paisagem, por meio do estudo dos elementos da natureza. Humboldt
(1982), em sua obra, introduzia o conceito de paisagem, e a partir disso traçava um
paralelo por meio da conexão desses elementos da natureza com os processos
físicos.
Vejamos:
Após uma longa ausência do meu país natal, ao tentar desenvolver
os fenômenos físicos do Globo e a ação simultânea das forças que
permeiam as regiões do espaço, experimento uma dupla causa de
ansiedade. O assunto perante mim é tão inesgotável e tão variado,
que receio cair na superficialidade do enciclopedista ou cansar a
mente do meu leitor com aforismos que consistem em meras
generalidades revestidas de formas secas e dogmáticas. [...] ao
acatarmos o estudo dos fenômenos físicos, não apenas na sua
orientação para as necessidades materiais da vida, mas na sua
influência geral sobre o avanço intelectual da humanidade,
consideramos que o seu resultado mais nobre e mais importante é o
conhecimento da cadeia de ligação, pela qual todas as forças natais
estão ligadas entre si e se tornam mutuamente dependentes umas
das outras. É a percepção dessas relações que exalta os nossos
pontos de vista e enobrece os nossos prazeres2
(HUMBOLDT, 1864,
p. 1, tradução nossa).
Além disso, o geógrafo realizou várias viagens que contribuíram para
conceber algumas de suas principais ideias, utilizando seu método comparativo de
estudo científico das paisagens, que confrontava de forma sistêmica as diferenças e
similaridades de diversas paisagens.
Observa-se que, a princípio, o objeto de estudo da Geografia Física era
limitado apenas à paisagem e se estudava os elementos que a compunham.
Contudo, a partir da análise científica, a Geografia Física expandiu as possibilidades
de análise do espaço. Aprofundou seus processos e fenômenos físicos, biológicos e
químicos, sendo, portanto, uma forte corrente presente no estudo da ciência
geográfica. É possível observar que, atualmente, a Geografia Física dividiu-se em
alguns ramos de especialização como a Geomorfologia, Hidrologia, Glaciologia,
2
In attempting, after a long absence from my native country, to develope the physical phenomena of
the globe and the simultaneous action of the forces that my reader by aphorisms consisting of mere
generalities clothed in dry and dogmatical forms. (...) In considering the study of pervarde the regions
of space, I experience a twofold cause of anxiety. The subject before me is so inexhaustible and so
varied, that I fear either to fall into the superficiality of the encyclopeadist, or to weary the mind of
physical phenomena, not merely in its bearings on the material wants of life, but in its general
influence on the intelectual advancement of mankind, we find its noblest and most importante result to
be a knowledge of the chain of connection, by which all natual forces are linked together, and made
mutually dependente upon each other, and it is the perception of these relations that exalts our views
and ennobles our enjoyments.
28
Biogeografia, Climatologia, Pedologia, Paleogeografia, Orografia, Geografia
Litorânea e Geografia Astronômica (Idem).
Nesse momento, pode-se introduzir o conceito de espaço na Geografia
Humana, que em sua concepção originária procurava elucidar a organização
espacial, os padrões de distribuição espacial e as relações que conectam diferentes
pontos do espaço e sua relação com o homem. Para isso, é possível observar as
importantes contribuições de Karl Ritter e Ratzel que, em suas obras, propõem um
estudo mais direcionado à relação entre o homem e a superfície terrestre. Para
Ritter (1865), a compreensão da relação do homem com a superfície era um meio de
se aproximar de uma moral transcendente, uma vez que o homem só seria passível
de compreender a plena liberdade, por meio do conhecimento do espaço finito que o
cerca.
Assim, só ele pode compreender o pensamento sublime de sua
própria liberdade, a independência de sua própria vontade no reino
da natureza, e aprender a majestade de seu próprio espírito; pois o
conhecimento dessa liberdade, que é o mais nobre de todos os dons
de Deus para ele, é a chave mais direta para alcançar aquele lugar
no presente, e aquele destino no futuro, que Deus designou para o
homem. Aquele que não conhece o terreno não pode conhecer o
celestial; quem não conhece o finito não pode conhecer o infinito3
(RITTER, 1865, p. 19, tradução nossa).
Nesse sentido, a Geografia precisava entender a lógica dos comportamentos
dos agentes sociais para poder elucidar a localização das atividades humanas, os
fluxos das pessoas e sua relação com o espaço natural. Assim sendo, é possível
observar novamente Ritter abordar uma análise de como o espaço influi em um povo
ao mesmo passo em que o povo influi no espaço.
As regiões montanhosas tiveram, portanto, uma grande influência na
história e no desenvolvimento da humanidade, ainda maior do que os
planaltos mais monótonos, que em geral abrigam raças nômades e
dão pouco incentivo aos povos permanentemente assentados. Por
essa razão, o geógrafo não pode, como o geólogo, classificar
planícies altas e montanhas juntas; ele não pode tirar as mesmas
inferências do platô e da cordilheira; para o geógrafo, o planalto não
é um tipo inferior de montanha, mas os dois, em suas relações com o
3
Thus, alone can he compass the sublime thought of his own freedom, the independence of his own
will in the kingdom of Nature, and learn the majesty of his own spirit; for the knowledge of that
freedom, which is the most noble of all God's gifts to him, is the most direct key to the attainment of
that place in the present, and that destiny in the future, which God has appointed for man. He who
knows not the earthy, cannot know the heavenly; he who knows not the finite, cannot know the infinite.
29
homem e com a história, sugerem resultados inteiramente diferentes
e condicionam processos inteiramente diferentes4
(RITTER, 1865, p.
91, tradução nossa).
Observa-se que Ritter (1865), em sua comparação das paisagens
montanhosas em relação aos planaltos, afirma que o ambiente resulta em diferentes
tipos de sociedade, uma vez que, por exemplo, os planaltos dão pouco incentivo aos
assentamentos permanentes, induzindo o povo a ser nômade, diferentemente das
regiões de cadeias montanhosas, que possuem os elementos necessários e
favoráveis à permanência.
Já Friedrich Ratzel (1906) destacou-se por dar maior ênfase ao homem em
suas concepções geográficas. Nota-se grande ímpeto em analisar a Geografia sob a
ótica de sua formação antropológica, sobretudo em sua obra Über geographische
Bedingungen und ethnographische Folgen der Völkerwanderungen. Por meio da
tradução de Jörn Seemann (2012), é possível afirmar que Ratzel observava as
organizações dos homens. Vejamos:
Não podemos fugir de certas influências do nosso ambiente,
sobretudo daquelas que atuam sobre o nosso corpo; lembro-me
daquelas [influências] do clima e da alimentação. É sabido que o
espírito também está sobre a influência do caráter geral do cenário
que nos cerca. Mas, para outros, esse grau de influência que essas
[forças] exercem depende em grande medida da força de vontade
que se opõe a elas. Podemos nos defender dela, contanto que o
queiramos. Um rio grande que forma uma linha fronteiriça para um
povo indolente não representa uma barreira para um povo
determinado. [...]. Assim se mede as influências, que estamos
inclinados a atribuir às circunstâncias externas na história dos povos,
na sua totalidade pela força da vontade pertencente a esses povos.
Quanto mais forte e mais duro esse [povo], menores os impactos
daqueles [efeitos da natureza] (SEEMAN apud RATZEL, 2012, p.10).
Partindo dessa concepção, estudava-se o espaço a partir das organizações
resultantes da relação homem/natureza. De acordo com Sorre (2003, p. 139), “Em
boa parte, a Geografia Humana apresenta-se como uma ecologia do homem.
Examinemos cada um dos termos dessa relação”. Observa-se que o objeto de
4
Mountain regions have therefore had a great influence in history and in the development of humanity,
even greater than the more monotonous plateaus, which in general harbor nomadic races and give
little encouragement to permanently settled people. For this reason, the geographer cannot, like the
geologist, classify high table-lands and mountains together; he cannot draw the same inferences from
the plateau as from the mountain range; to the geographer the plateau is not a lower type of mountain,
but the two, in their relations to man and to history, suggest entirely different results and condition
entirely different processes.
30
estudo da Geografia Humana é, portanto, a totalidade das interações humanas e
seus desdobramentos, ou seja, o espaço de estudo na Geografia Humana se limita
aos próprios atos humanos em sua relação com o natural, uma vez que o
comportamento humano exerce tanta influência sobre o espaço quanto a própria
natureza.
Em meados da década de 1970, por meio de um movimento crítico originário
da Escola de Frankfurt, rompeu-se com a ideia de neutralidade científica para fazer
da Geografia Humana uma ciência apta a elaborar uma crítica radical à sociedade
capitalista, pelo estudo do espaço e das formas de apropriação da natureza. Por
meio da teoria crítica, iniciou-se um movimento que alterou a ótica da ciência
humana, sobretudo após a publicação da obra "A Geografia – isso serve, em
primeiro lugar, para fazer a guerra", de Yves Lacoste. De acordo com o geógrafo,
A geografia é, de início, um saber estratégico estreitamente ligado a
um conjunto de práticas políticas e militares e são tais práticas que
exigem o conjunto articulado de informações extremamente variadas,
heteróclitas à primeira vista, das quais não se pode compreender a
razão de ser e a importância, se não se enquadra no bem
fundamentado das abordagens do Saber pelo Saber. São tais
práticas estratégicas que fazem com que a geografia se torne
necessária, ao Chefe Supremo, àqueles que são os donos dos
aparelhos do Estado (LACOSTE, 1985, p. 23).
Nota-se que o conceito de espaço foi totalmente redefinido pela Geografia
Crítica, uma vez que é perceptível, por meio dos posicionamentos de Yves Lacoste,
que os estudos geográficos se voltaram para uma crítica social, sobretudo na
relação entre Estado, sociedade e espaço. Assim como a Cultura, a Política e a
Economia são instâncias da sociedade passíveis de serem estudadas por meio das
metodologias científicas dominantes em cada área, também seria possível acontecer
com o estudo do espaço como um produto social, uma vez que o mesmo reflete os
processos e conflitos sociais ao mesmo tempo em que influi neles.
Nesse sentido, o espaço geográfico expandiu seu objeto de estudo para além
da relação homem/natureza, abrangendo a relação homem/homem por meio do
espaço social resultante das relações das pessoas, das instituições e da paisagem
entre si. A partir dessa concepção, a Geografia passou a se engajar em estudos
políticos na defesa da diminuição das desigualdades regionais e a se envolver em
outras áreas de especialização como Economia, Direito, Ciências Médicas, etc.
31
Como ramos de especialização da Geografia Humana é possível observar a
Geografia Econômica, Geografia Cultural, Geografia do Trabalho, Geografia Social,
Geografia Histórica, Geografia Rural, Geografia Ambiental, Geografia Médica,
Geopolítica, Urbanismo e Ecologia Humana (idem.).
Destaca-se, nesse momento, que tanto o capítulo um quanto o capítulo dois
do presente estudo, firmarão as bases conceituais para conceber a ideia de
ciberespaço como um território, para que nos capítulos três e quatro se estabeleça
um diálogo acerca da função social dos fluxos de informação presentes no espaço
cibernético e as implicações que uma regulação poderia acarretar no
desenvolvimento do território. A partir da abordagem dos espaços, será possível
introduzir as concepções relacionadas a território e à territorialidade, elementos
essenciais para compreender como é a configuração espacial em rede.
2.2 TERRITÓRIO
Uma vez que o espaço é o objeto de estudo da Geografia e sendo esta a
portadora da realidade, é necessário observar a concepção de território, que
constitui um dos elementos presentes no espaço. A abordagem da concepção de
território, contudo, será feita tão somente no tocante à Geografia Humana, uma vez
que o objeto deste estudo, o ciberespaço, não é elemento puramente físico ou
predeterminado da natureza. Além disso, é necessário pontuar que, apesar de o
território possuir elementos materiais presentes no espaço geográfico, sua existência
depende diretamente de uma ação humana, fruto de um processo de interesses
sociais e políticos.
Não é difícil afirmar que o conceito de território diverge e se altera de acordo
com a dinâmica espaço/tempo, uma vez que as sociedades, as políticas, as
pesquisas e as jurisdições se modificam. Para o pesquisador Haesbaert, o conceito
de território apresenta uma face abrangente. Segundo o pesquisador,
Território tem sido uma expressão ambígua, que pode designar
desde um espaço social qualquer, como predomina no senso comum
e entre alguns geógrafos, até um espaço marcado e defendido por
determinadas espécies animais, seu espaço de sobrevivência, como
é definido pela etologia. Pode ter tanto um sentido totalmente
abstrato, como o “território da filosofia”, quanto muito concreto, o
“território dos Estados-nações.” (HAESBERT, 1997, p. 32).
32
Nesse sentido, é possível perceber que tal conceito é mutável e aplicável de
várias formas. Porém, para conduzir melhor a dissertação, diante da ambiguidade e
das várias possibilidades modernas de aplicação da concepção de território, a
análise desses conceitos iniciará a partir da etimologia da palavra. Le Berre (1992, p.
618) elucida o conceito de território da seguinte forma: “Originário do latim territorium
(por sua vez derivado de terra), o termo figurava nos tratados de agrimensura
significando ‘pedaço de terra apropriada’ e só se difundiu efetivamente na Geografia
no final dos anos 70”.
Nota-se que a concepção de território, em sua efetiva aparição em meados
dos anos 70, estava intimamente atrelada à apropriação de uma porção de terras
para fins de uso específico, sendo presumido um processo social e/ou político diante
de determinadas ações. Contudo, como dito anteriormente, tal concepção se
modificou no lapso temporal, sendo possível observar conceitos deveras
semelhantes no decorrer das épocas como, por exemplo, a palavra “província”, que
vem do latim pro, “à frente”, mais vincere, “vencer”, que em sua concepção romana
definia os territórios sob o domínio de um magistrado que controlava uma porção de
terra em nome do Império. Temos também, como exemplo, a palavra patriarcado,
que deriva das palavras gregas, patér, “pai”, mais arkhé, “poder”. Em seu período,
essa palavra determinava uma porção de terra governada pelo patriarca, o líder de
uma unidade que comandava a estruturação das ações administrativas, judiciárias e
religiosas a serem desempenhadas por todos que compartilhavam aquele espaço
sob a jurisdição do patriarca.
Nesse sentido, é sempre perceptível junto à figura do território, a presença de
uma relação de poder dos indivíduos sobre o espaço. Observa-se que a concepção
de território foi construída no decorrer das épocas, como um fruto da organização do
espaço, segundo os interesses e objetivos dos indivíduos que ali se localizavam.
Aprofundando-se ainda mais no conceito, é possível afirmar que o território é, por si
só, o receptáculo de uma entidade governamental formada e estruturada pelos
indivíduos que se apropriam e estruturam o espaço, a partir de um objetivo coletivo.
Diante da relação de poder existente na formação do território, pode-se presumir a
existência de um conjunto de leis e normas que regem o comportamento dos
indivíduos dentro dos limites da jurisdição.
Apesar de o termo território ser de difícil definição, sob a ótica do Direito
existe um consenso entre os juristas em dizer que o território é um dos três
33
principais elementos para a formação de um Estado. Nesse sentido, Bonavides
(2000, p. 122) consente da seguinte forma "a doutrina de mais peso se inclina para a
consideração do território como elemento essencial ao conceito de Estado". Tal
concepção do Direito também é compartilhada na Geopolítica. Ratzel (1990) sempre
ressaltava a importância do território como um dos elementos essenciais para a
formação de um Estado e afirmava que,
Mesmo que a ciência política tenha ignorado as relações de espaço
e a posição geográfica, uma teoria de Estado que fizesse abstração
do território não poderia jamais, contudo, ter qualquer fundamento
seguro. [...] sem território, não se poderia compreender o incremento
da potência e a solidez do Estado (RATZEL, 1990, p. 73-74).
Essa concepção possui uma origem no sistema de leis advindas do Império
Romano, onde a fixação dos limites de um território era condição fundamental para
exercer o domínio sobre determinado espaço e impor suas leis. Ratzel corrobora as
afirmações anteriores.
Como o Estado não é concebível sem território e sem fronteiras,
constituiu-se bastante rapidamente uma geografia política, e ainda
que nas ciências políticas em geral se tenha perdido de vista com
frequência a importância do fator espacial, da situação etc.,
considera-se, entretanto, como fora de dúvida que o Estado não
pode existir sem um solo. Abstraí-lo numa teoria do Estado é uma
tentativa vã que nunca pôde ter êxito senão de modo passageiro
(RATZEL, 1983, p. 93).
Percebe-se que o território é condição sine qua non5
para que a soberania de
um povo se torne legítima como um Estado, sendo este um dos principais motivos
de conflito em algumas regiões do mundo. Como exemplo de conflitos entre povos
envolvendo o mesmo espaço, no que tange à definição de um território, temos Israel
e Palestina, em que não há consenso pela demarcação dos territórios em um
mesmo espaço. Sendo assim, cada povo reivindica o mesmo espaço como um
território para exercer seus objetivos, impor suas leis, realizar suas atividades,
ampliar sua cultura, etc. O conflito entre os dois povos causa incidentes diplomáticos
sob a ótica internacional, no que diz respeito ao reconhecimento de um dos povos
como um Estado.
5
Sine qua non ou conditio sine qua non é uma expressão do latim que pode ser traduzida como “sem
a/o qual não pode ser”. Refere-se a um ato/elemento cuja condição é indispensável e essencial para
o ser/existência de algo.
34
A ideia do território como um receptáculo dos elementos componentes de um
Estado se intensificou com Ratzel, sobretudo ao cunhar o termo “Geografia Política”,
que atrelou a percepção de território intensamente à figura de um Estado que
domina e controla uma porção de terra. Nesse sentido, o “Lebensraum”, traduzindo
do alemão, “espaço vital”, surgiu como um conceito inovador e uma das principais
proposições de Ratzel. O espaço vital inaugurou algumas das concepções da
Geografia Política moderna, em que se disseminava a ideia de que deveria haver o
equilíbrio entre a demografia populacional e a disponibilidade de recursos espaciais.
Nota-se que a dinâmica territorial em Ratzel muito se assemelha à concepção
territorial adotada pelas doutrinas majoritárias relacionadas ao Direito, sobretudo, no
que tange aos elementos de formação do Estado. Ratzel agrega uma importância ao
território como fonte de poder Estatal como nunca antes visto.
No mais tardar, a ideia de espaço vital iria influenciar diretamente o Reich
alemão em sua expansão, uma vez que a concepção de espaço vital justificava a
invasão de povos “primitivos” como meio de satisfazer as necessidades de um povo
“superior”. Font e Rufi (2006, p. 59), em um breve comentário sobre o espaço vital,
afirmam que:
Renunciar à luta, renunciar ao espaço vital, significará a decadência
de um povo. Esta lógica é a que marcará a dinâmica territorial do
Estado, uma lógica de caráter hobbesiano em que o conflito fica
legitimado por um direito natural, o de dar segurança e satisfação às
necessidades da população. Com isto, Ratzel afasta-se da posição
determinista intransigente que pouco a pouco tinha adquirido.
Segundo ele, apenas as sociedades frágeis e primitivas sofrem de
submissão ao meio; as restantes movem-se na marca do
possibilismo, lutando pelo território de acordo com suas
necessidades e capacidades. De fato, toda a teoria do lebensraum é
expressão deste possibilismo.
Denota-se que a luta pelo território como fonte de poder expandiu as
dimensões de análise do espaço, uma vez que o estudo geográfico assumiu uma
forma mais política e governamental, sobretudo por meio do planejamento jurídico e
estratégico militar, cujo objetivo expansionista era almejado pelos Estados
Nacionalistas da época, posto que o território, por si só, era considerado uma fonte
de poder e controle sobre tudo que existia sobre e sob a porção do espaço. De
acordo com Queiroz e Bachiega (2020, p. 194),
35
Com Ratzel, inicia-se o estudo sistemático da dimensão geográfica
da política, que tem como corolário basilar a premissa de que a
expansão territorial de um povo é justificável se o espaço almejado
for capaz de prover os meios para a satisfação de suas
necessidades — portanto, a espacialidade ou a territorialidade do
Estado era o principal objeto de preocupações. Essa premissa
indicava a ideia do que seria o Estado e sua ligação com o território
como uma fonte de poder — e passou a ser utilizado por líderes
políticos como justificativa para aventuras expansionistas em busca
do equilíbrio entre as necessidades de uma dada população e a
disponibilidade de recursos que o meio oferece para supri-las.
O conceito de espaço vital influenciou totalmente o século XX e toda a sua
posteridade, uma vez que tal concepção inspirou, voluntária ou involuntariamente, os
moldes da Segunda Guerra Mundial. Nesse sentido, o aspecto regulador de um
território quanto à sua delimitação, por meio do Direito Internacional, tomou
proporções ainda maiores. Segundo Alves (1988, p. 14),
Foram os nacionais-socialistas alemães, tendo à sua frente a figura
carismática de Adolfo Hitler, que exaltaram, robusteceram e
projectaram, entre o início dos anos vinte e o término da Segunda
Guerra Mundial, em 1945, mas, fundamentalmente, entre os anos de
1933 e de 1942, o conceito de espaço nacional – o então designado
“espaço vital” (lebensraum), tornando-o por outro lado “maldito” pelos
estudiosos da Geopolítica e pelos que, mais ou menos directamente,
tiveram de arrostar com os efeitos decorrentes da tentativa da sua
execução.
Apesar de o século XX ter sido marcado pelas grandes guerras mundiais, são
inegáveis os avanços tecnológicos e jurídicos alçados durante o período, sobretudo
com relação à solidificação dos direitos do homem e a fortificação dos Estados como
entidades soberanas, por intermédio do Direito Internacional. Pode-se dizer que foi
Ratzel que deu duas definições distintas ao termo “território”. A primeira, o espaço
material delimitado sob alguma metodologia humana, e o segundo, o território sob o
aspecto jurídico governamental, em que a entidade Estado habita o receptáculo do
território. Como bem pontuado por Ratzel, um Estado só possui solidez por meio do
território, que é a base de toda uma sociedade soberana. A partir dessa concepção
mais sólida, é possível estabelecer uma jurisdição de leis, comportamentos, culturas,
etc. A figura do território como sendo a base de uma relação de poder estatal será
importante no decorrer da presente dissertação, sobretudo quando se analisar os
novos modelos de guerra, principalmente a tecnológica. Veremos que a informação
36
assumiu o “status” de um novo modelo de controle e uma nova dinâmica de poder,
por meio do controle do “espaço vital”, que na modernidade está intimamente ligado
às dinâmicas digitais.
Contudo, convém abordar como se deu o avanço da concepção de território e
sua delimitação no pós-guerra, período inclusive em que ocorreu o nascimento da
internet e solidificou o ciberespaço. Como dito anteriormente, a concepção de
território é mutável no decorrer do espaço/tempo. Sendo assim, foi possível perceber
como aconteceu a consolidação dos territórios até a guerra. Nesse sentido, após o
desfecho da Segunda Guerra Mundial, a dinâmica de expansão e conquista
territorial pelos Estados por meio da guerra ou força foi reduzida de maneira
estrondosa com a criação da Organização das Nações Unidas (ONU), uma
organização intergovernamental designada para promover a cooperação
internacional.
Originada da Liga das Nações, a Organização foi instituída em 24 de outubro
de 1945, após o término da Segunda Guerra Mundial, com o objetivo de se evitar
que outra guerra nas mesmas proporções ocorresse. A ONU e o Direito
Internacional surgiram como entidades que julgam os conflitos territoriais dos países,
valendo-se do princípio6
da “inadmissibilidade da aquisição de território pela guerra
ou força”. Sob as mesmas orientações da ONU, a Carta da Organização dos
Estados Americanos (OEA), que foi celebrada na IX Conferência Internacional
Americana, de 30 de abril de 1948, ocorrida em Bogotá, estabeleceu normas
específicas aos seus assinantes. No que se refere ao território, em seu artigo 21, o
tratado assim dispõe:
O território de um Estado é inviolável; não pode ser objeto de
ocupação militar, nem de outras medidas de força tomadas por outro
Estado, direta ou indiretamente, qualquer que seja o motivo, embora
de maneira temporária. Não se reconhecerão as aquisições
territoriais ou as vantagens especiais obtidas pela força ou por
qualquer outro meio de coação. (ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS
AMERICANOS - OEA, 1967, s. n).
Nota-se que no pós-guerra, a delimitação territorial dos Estados assume uma
forma totalmente política e sólida, em que o princípio da “inadmissibilidade da
6
No Direito, as definições mais amplas de um “princípio” o concebem como sendo o fundamento de
uma norma jurídica. São conhecidas como as “vigas” do Direito, que não estão definidas em nenhum
diploma legal, mas são verdades fundantes de um sistema de conhecimento já admitidos.
37
aquisição de território pela guerra ou força” rege totalmente as relações territoriais
das entidades estatais. A violação dos princípios estabelecidos pelos Estados
Membros da ONU e OEA, por exemplo, gera consequências aos interesses políticos
dos Estados, com sanções e embargos internacionais. As sansões, sejam
diplomáticas, econômicas, militares, desportivas ou contra indivíduos, tornaram as
guerras expansionistas onerosas aos cofres estatais, desestimulando os moldes de
expansão do século passado.
Diante de tal cenário, a estrutura dos territórios e das guerras mudou
completamente, principalmente no cenário da globalização, em que as delimitações
do espaço, apesar de existirem, se tornaram facilmente transponíveis pelos
indivíduos, favorecendo a integração dos povos e beneficiando ainda mais os novos
modelos de guerra, em que o comércio, a informação, a ciência e a cultura se
constituíram nos novos meios de controle territoriais.
Nesse sentido, observa-se como exemplo recente, a guerra comercial entre a
China e os EUA, que ocorreu em 2018, e vem apresentando consequências no
cenário global até o presente momento. A guerra comercial entre os países teve
início quando o presidente norte-americano, Donald Trump, com base na Lei de
Comércio de 1974, nas acusações de práticas comerciais desleais e roubo de
propriedade intelectual americana por parte dos chineses, anunciou em 22 de março
de 2018, uma lista de tarifas avaliadas em US$ 50 bilhões de dólares que seriam
impostas às importações provenientes da China. Em resposta às medidas
ordenadas pelo governo norte-americano, o governo chinês impôs tarifas em vários
produtos importados dos EUA, como a soja, que é uma das mais importantes
exportações estadunidenses. Conforme publicação realizada pelo Escritório do
Representante Comercial dos Estados Unidos (USTR),
Sob a liderança do presidente Trump, os Estados Unidos estão
empenhados em reequilibrar a relação comercial Estados Unidos-
China para alcançar um comércio mais justo e recíproco. Após anos
de diálogos Estados Unidos-China que produziram resultados
mínimos e compromissos que a China não honrou, os Estados
Unidos estão tomando medidas para confrontar a China por causa de
suas transferências forçadas de tecnologia, práticas de propriedade
intelectual e ciberintrusões de redes comerciais que distorcem o
mercado dos Estados Unidos.7
(USTR, 2018, s.n, tradução nossa).
7
Under President Trump’s leadership, the United States is committed to rebalancing the U.S.-China
trade relationship to achieve more fair and reciprocal trade. After years of U.S.-China dialogues that
produced minimal results and commitments that China did not honor, the United States is taking action
38
Também é possível observar uma guerra tecnológica e informacional entre os
dois países, com o objetivo de expandir seus poderes pelos mais variados territórios
modernos. Além dos territórios comerciais, observa-se a busca constante pelo
domínio dos territórios digitais, sendo notório o uso de dados de usuários para fins
políticos de controle de um determinado espaço. Conforme o U.S. Department of
Commerce,
Em resposta às Ordens Executivas do presidente Trump, assinadas
em 6 de agosto de 2020, o Departamento de Comércio (Comércio)
anunciou hoje as proibições de transações relacionadas a aplicativos
móveis (apps) WeChat e TikTok para salvaguardar a segurança
nacional dos Estados Unidos. O Partido Comunista Chinês (PCC)
demonstrou os meios e motivos para usar esses aplicativos para
ameaçar a segurança nacional, a política externa e a economia dos
EUA8
(U.S. DEPARTMENT OF COMMERCE, 2020, s.n, tradução
nossa).
É possível constatar, também, a guerra tecnológica e informacional entre a
China e a Índia, quando o governo Indiano, em 29 de Junho de 2020, proibiu
aproximadamente 59 aplicativos chineses em seu território, sob a justificativa de que
eles ofereciam risco à soberania e à segurança nacional, por meio da captação de
dados.
O Ministério de Tecnologia da Informação, invocando seu poder sob a
seção 69A da Lei de Tecnologia da Informação, leu as disposições
relevantes das Regras de Tecnologia da Informação (Procedimento e
Salvaguardas para Bloqueio do Acesso à Informação pelo Público) de
2009 e, em vista da natureza emergente das ameaças, decidiu bloquear
59 aplicativos (ver apêndice), uma vez que, em vista das informações
disponíveis, eles desenvolvem atividades prejudiciais à soberania e
integridade da Índia, defesa da Índia, segurança do Estado e ordem
pública 9
(PRESS INFORMATION BUREAU GOVERNMENT OF
INDIA, 2020, s.n, tradução nossa).
to confront China over its state-led, market-distorting forced technology transfers, intellectual property
practices, and cyber intrusions of U.S. commercial networks.
8
In response to President Trump’s Executive Orders signed August 6, 2020, the Department of
Commerce (Commerce) today announced prohibitions on transactions relating to mobile applications
(apps) WeChat and TikTok to safeguard the national security of the United States. The Chinese
Communist Party (CCP) has demonstrated the means and motives to use these apps to threaten the
national security, foreign policy, and the economy of the U.S.
9
The Ministry of Information Technology, invoking it’s power under section 69A of the Information
Technology Act read with the relevant provisions of the Information Technology (Procedure and
Safeguards for Blocking of Access of Information by Public) Rules 2009 and in view of the emergent
nature of threats has decided to block 59 apps ( see Appendix) since in view of information available
they are engaged in activities which is prejudicial to sovereignty and integrity of India, defence of India,
security of state and public order.
39
Além disso, em 02 de setembro de 2020, o governo indiano, após o aumento
das tensões na disputa territorial entre os dois países, bloqueou mais 118 aplicativos
sob a mesma justificativa.
Vejamos:
O Ministério de Eletrônica e Tecnologia da Informação do Governo
da Índia, invocando seu poder sob a seção 69A da Lei de Tecnologia
da Informação, lida com as disposições relevantes das Regras de
Tecnologia da Informação (Procedimento e Salvaguardas para
Bloqueio de Acesso à Informação pelo Público) de 2009 e, em vista
da natureza emergente das ameaças, decidiu bloquear 118
aplicativos móveis (ver apêndice), visto que as informações
disponíveis, eles estão envolvidos em atividades que são prejudiciais
à soberania e integridade da Índia, defesa da Índia, segurança do
Estado e ordem pública10
(MINISTRY OF ELECTRONICS & IT, 2020,
s.n, tradução nossa).
Diante da impossibilidade da realização de guerras, os novos campos de
batalha são os espaços da informação, do comércio, da cultura, e outros espaços
que cada vez mais se tornam legítimos na modernidade.
Nesse sentido, o governo chinês possui um modelo de controle dos fluxos de
informação em seu território quase que total. Parte de seu modelo é criticado pelos
líderes mundiais. Conforme exposto anteriormente, com relação aos aplicativos
chineses, as soberanias ao redor do Globo criticam, sobretudo, um dispositivo de lei
que obriga a cooperação de cidadãos e corporações com a Lei de Inteligência
Nacional Chinesa, sendo que as corporações dominam os aplicativos digitais.
Assim sendo, parte dos líderes mundiais temem a possibilidade de o artigo 7º
da Lei de Inteligência Nacional Chinesa e o artigo 77 da Lei de Segurança Nacional
Chinesa permitirem o uso dos dados de usuários, que deveriam ser sigilosos, em
prol do governo chinês. Vejamos os polêmicos artigos 7º e 77.
LEI DE INTELIGÊNCIA NACIONAL DA REPÚBLICA POPULAR DA
CHINA
Artigo 7º Qualquer organização e cidadão deve, de acordo com a lei,
apoiar, ajudar e cooperar com o trabalho de inteligência do Estado e
manter os segredos do trabalho de inteligência do Estado que
10
The Ministry of Electronics and Information Technology, Government of India invoking it’s power
under section 69A of the Information Technology Act read with the relevant provisions of the
Information Technology (Procedure and Safeguards for Blocking of Access of Information by Public)
Rules 2009 and in view of the emergent nature of threats has decided to block 118 mobile apps (see
Appendix) since in view of information available they are engaged in activities which is prejudicial to
sovereignty and integrity of India, defence of India, security of state and public order.
40
cheguem ao seu conhecimento.
O Estado deve dar proteção aos indivíduos e organizações que
apoiam, ajudam e cooperam com o trabalho de inteligência do
Estado (REDE DO CONGRESSO NACIONAL DO POVO DA CHINA,
2018, s.n).
LEI DE SEGURANÇA NACIONAL DA REPÚBLICA POPULAR DA
CHINA
Capítulo VI. Obrigações e direitos dos cidadãos e organizações
Artigo 77: Os cidadãos e as organizações devem cumprir as
seguintes obrigações para salvaguardar a segurança nacional.
(1) Cumprir as disposições relevantes da Constituição, leis e
regulamentos sobre segurança nacional.
(2) Comunicar em tempo útil pistas de atividades que ponham em
perigo a segurança nacional.
(3) Fornecer provas de atividades que ponham em perigo a
segurança nacional de que tenham conhecimento.
(4) Fornecer instalações ou outra assistência para o trabalho de
segurança nacional.
(5) Prestar o apoio e assistência necessários aos órgãos de
segurança do Estado, órgãos de segurança pública e órgãos
militares relevantes.
(6) Guardar segredos de Estado que cheguem ao seu conhecimento.
(7) Outras obrigações estipuladas por leis e regulamentos
administrativos.
Nenhum indivíduo ou organização pode agir contra a segurança do
Estado, ou prestar qualquer apoio financeiro ou assistência a
indivíduos ou organizações que ponham em perigo a segurança do
Estado (MINISTÉRIO DA DEFESA DA REPÚBLICA POPULAR DA
CHINA, 2016, s.n).
De acordo com Geoff Mulgan (2005, p. 205), “O governo sempre se
preocupou com a informação e a comunicação tanto quanto com o controle e a
coerção”. O dispositivo da lei em questão, acima disposto, é mais um exemplo de
como o cenário da expansão territorial mudou e como os Estados lidam com os
novos cenários e organizações espaciais, em que a informação se tornou símbolo de
poder, tal qual a expansão territorial era na Segunda Guerra Mundial. O dispositivo
em questão é um dos motivos de os Estados Unidos e a Índia terem banido vários
aplicativos chineses de seu território, posto que a possibilidade de o governo chinês
estar captando informações, direta ou indiretamente, é plenamente possível, visto
que todas as corporações devem colaborar com o serviço de inteligência nacional.
Tal captação resulta em informações privilegiadas sobre a expansão comercial,
tecnológica, cultural, etc. Percebe-se que os conflitos territoriais se expandiram para
outros patamares.
41
Diante do cenário pós-guerra, em que o princípio da inviolabilidade dos
territórios e o princípio da inadmissibilidade de expansão por meio de guerra ou força
se tornaram a norma regente dos conflitos internacionais, e a aplicação de sanções
tornaram a expansão por guerra deveras dispendiosa, o avanço das tecnologias da
informação possibilitou a realização de guerras em outras dimensões territoriais.
Dessa forma, é possível relembrar a ambiguidade do conceito de território
proposto por Haesbaert (1997), uma vez que, na modernidade, é possível afirmar a
existência de territórios “imateriais”, por meio dos elementos comerciais,
tecnológicos, culturais, etc. Nesse passo, é possível relembrar, também, Yves
Lacoste (1985), em sua proposição sobre a Geografia ser, a princípio, uma arma
eficiente para “fazer guerra”, e o estabelecimento de guerras entre os Estados
nesses territórios “imateriais” já ser uma realidade. Nesse sentido, Lacoste (1985)
pontua que, tanto a Geografia Física quanto a Humana, (por meio dos aspectos
econômicos, sociais, demográficos, políticos, e na modernidade, por meio dos
territórios digitais, comerciais e culturais), servem para o controle do Estado, sob a
organização dos homens e para a guerra.
A geografia, enquanto descrição metodológica dos espaços, tanto
sob os aspectos que se convencionou chamar "físicos", como sob
suas características econômicas, sociais, demográficas, políticas
(para nos referirmos a um certo corte do saber), deve absolutamente
ser recolocada, como prática e como poder, no quadro das funções
que exerce o aparelho de Estado, para o controle e a organização
dos homens que povoam seu território e para a guerra (LACOSTE,
1988, p. 23).
Nesse modelo moderno de território, percebe-se o interesse cada vez maior
dos Estados em expandir seu domínio comercial, cultural e tecnológico, sobretudo
no ciberespaço, que é a maior fonte de dados e informação das massas. A
ampliação das possibilidades de relação de controle do espaço pelos territórios e do
surgimento de novos horizontes de controle territorial alçou novos patamares no pós-
guerra e durante a guerra fria, com a criação da internet, quando a informação se
tornou uma das mais poderosas ferramentas de domínio territorial nas áreas
econômicas, tecnológicas e culturais.
Uma vez que se abordou a concepção de território e sua evolução recente,
em que não é mais admitida a expansão forçada por meio da guerra, é possível
estabelecer as bases conceituais que definirão o ciberespaço como um território,
42
onde, atualmente, estão presentes relações de poder marcadas pelos interesses
econômicos, políticos, ideológicos, culturais e outros. Este é, pois, o território sobre o
qual esta dissertação versará, o ciberespaço, a nova dimensão, “palco” das
modernas disputas pela expansão. Nesse sentido, é válido pontuar que esse “palco”
possui seus agentes, que interagem e constroem por meio da comunicação, a
cultura, a política e a economia, formando assim, uma territorialidade, elemento
essencial que passaremos a abordar.
2.3 TERRITORIALIDADE
Uma vez discorrido sobre o conceito de território, é possível introduzir a
concepção de territorialidade. Tal entendimento será fundamental no transcorrer da
presente dissertação, uma vez que será um dos principais objetos de estudo: a
territorialidade humana em rede. Inicia-se a abordagem mediante sua origem, que se
deu na Ornitologia, um ramo da zoologia dedicado ao estudo das aves.
Diferentemente de território, a territorialidade possui uma concepção mais
subjetiva. De acordo com Raffestin (1993, p. 159), o conceito foi definido em 1920
por um ornitólogo inglês chamado Henry E. Howard, como sendo "a conduta
característica adotada por um organismo para tomar posse de um território e
defendê-lo contra os membros de sua própria espécie"11
. Apesar de o termo ter sido
cunhado no ramo da zoologia, a territorialidade surgiu como uma concepção
aplicável para as mais variadas espécies, uma vez que era possível observar tal
comportamento em outros seres, pelo instinto biológico natural, inclusive nos
humanos.
De acordo com Brunet (1993, p. 481),
A territorialidade tem alguma coisa de animal (ou de vegetal, vide o
termo raízes) e o progresso da humanidade consistiu notadamente
em se despojar da territorialidade exacerbada ou a relacioná-la a um
campo na escala de todo o globo. Um pouco de territorialidade cria a
socialidade e a solidariedade, muita territorialidade as assassina.
Estudar os territórios é um bom modo de lutar contra o terrorismo do
territorialismo.
11
O texto original de Howard concebe a territorialidade ao tratar do comportamento da ave Lapwing.
Vejamos: O Lapwing, quando em seu território, mostra hostilidade para com outros machos de sua
própria espécie, mas quando em terreno neutro, trata-os com indiferença (HOWARD, 2010, p. 109).
43
Verifica-se que Brunet reconhece as origens instintivas e animalescas da
territorialidade, contudo, pontua que o equilíbrio constitui elemento essencial para a
prosperidade humana, uma vez que basta um pouco de territorialidade para que
surja o instinto de solidariedade e integração humana. Mas, quando a territorialidade
é supervalorizada, este pode ser o motivo de sua ruína, por meio da exclusão dos
diferentes de uma mesma espécie. Aplicando tal concepção da zoologia na
sociedade humana, a territorialidade pode ser definida como a forma por meio da
qual um grupo de pessoas, ou indivíduos, controla um determinado espaço/território.
Nesse passo, com o intuito de se aproximar mais dos geógrafos e aplicar tais
conceitos à sociedade humana, é possível introduzir a visão de Edward Soja a
respeito de territorialidade.
Fenômeno de comportamento associado à organização do espaço
em esferas de influência ou em territórios nitidamente diferenciados,
considerados distintos e exclusivos, ao menos parcialmente, por
seus ocupantes ou pelos que os definem (SOJA, 1993. p. 159).
Nota-se que a territorialidade, tanto para a Zoologia quanto para a Geografia
Humana, assume uma face diretamente ligada a uma ação humana localizada no
espaço e no tempo, com o intuito de tomar posse e desenvolver suas atividades e
funções. Não muito diferente da concepção de Soja, Raffestin (2011, p. 144) afirma
que territorialidade é
[...] um conjunto de relações que se originam num sistema
tridimensional sociedade-espaço-tempo em vias de atingir a maior
autonomia possível, compatível com os recursos do sistema. [...]
Essa territorialidade resume, de algum modo, a maneira pela qual as
sociedades satisfazem, num determinado momento, para um local,
uma carga demográfica e um conjunto de instrumentos também
determinados, suas necessidades em energia e em informação.
Para Raffestin (1993, p. 158), “a territorialidade reflete a
multidimensionalidade do ‘vivido’ territorial pelos membros de uma coletividade nas
sociedades em geral”, ou seja, o indivíduo “territorializa” um determinado local ao se
apropriar do espaço e desenvolver suas atividades, seus símbolos, suas condutas,
suas práticas e suas normas, por meio do convívio no espaço dentro de um sistema
de relações de poder. Nesse passo, é possível realizar a análise da territorialidade
em diferentes dimensões, sejam elas econômicas, culturais, políticas, sociais, dentre
44
outras. Segundo Saquet (2007, p. 57),
[...] as forças econômicas, políticas e culturais, reciprocamente
relacionadas e em unidade, efetivam o território, o processo social,
no e com o espaço geográfico, centrado e emanado na e da
territorialidade cotidiana dos indivíduos, em diferentes centralidades,
temporalidades e territorialidades. Os processos sociais e naturais, e
mesmo nosso pensamento, efetivam-se na e com a territorialidade
cotidiana. É aí, neste nível, que se dá o acontecer de nossa vida e é
nesta que se concretiza a territorialidade.
Observa-se a partir de Saquet, que as várias dimensões do espaço
influenciam diretamente o cotidiano e a formação de diferentes temporalidades e
territorialidades dos agentes que tomam posse de um espaço. A exemplo disso,
Saquet utiliza as dimensões políticas, econômicas e culturais, em que é possível
observar a formação de diferentes centralidades, a partir das mais variadas
dimensões.
Na dimensão digital, a territorialidade assume um papel ainda mais decisivo
na configuração da rede. Devido à sua característica muito semelhante a um espaço
urbano, em que é possível percorrer, comprar, conversar com pessoas/grupos de
pessoas, construir amizades e encontrar grupos de interesses, o ciberespaço possui
milhões de territorialidades compostas pelos mais variados tipos de usuários,
resultando na existência da multiterritorialidade. Segundo Haesbaert (2011, p. 343-
344),
Multiterritorialidade (ou multiterritorialização se, de forma mais
coerente, quisermos enfatizá-la enquanto ação ou processo) implica
assim a possibilidade de acessar ou conectar, num mesmo local e ao
mesmo tempo, diversos territórios, o que pode se dar tanto através
de uma ‘mobilidade concreta’, no sentido de um deslocamento físico,
quanto ‘virtual’, no sentido de acionar diferentes territorialidades
mesmo sem deslocamento físico, como nas novas experiências
espaço-temporais proporcionadas através do ciberespaço.
Dessa forma, pode-se afirmar que as territorialidades sobrepõem umas às
outras por intermédio dos indivíduos que as compõem, posto que tais indivíduos
pertencem aos mais variados grupos de interesses. Devido a essas configurações
mais flexíveis, pode-se observar, também, dentro da rede, o que Turra Neto (2013,
p. 01) chamou no espaço urbano de microterritorialidades.
45
O tema das microterritorialidades nas cidades remete a estratégias
de uso, apropriação e defesa de pequenas porções do espaço
urbano por parte de grupos sociais, como jovens, mulheres,
homossexuais, travestis, negros, entre tantas outras alteridades,
quase sempre invisibilizadas, seja pela sociedade em geral, seja
pelas políticas públicas e pela ciência, mas que, subterraneamente,
também produzem a cidade, tanto material quanto imaterialmente,
porque produzem espaços e formas culturais de convivências
específicas.
Diante de um território tão vasto e de várias territorialidades que se estruturam
e desestruturam em um processo constante de movimento da rede, verificam-se as
microterritorialidades, por intermédio do que Pierre Lévy (2010) chamou de centros
de interesses, em que usuários formam grupos de interesses em comum, dentro ou
fora de uma mesma territorialidade. Pesquisar as formações desses grupos de
interesses na rede, baseados na construção de suas territorialidades e
microterritorialidades, será essencial para entender o movimento em rede e para
esculpir formas mais sólidas de entendimento que servirão de base para o presente
estudo.
Tendo caracterizado e demostrado as concepções de espaço, de território e
de territorialidade, é pertinente destacar, a seguir, a origem e a evolução histórica do
ciberespaço sobre o qual se assenta o objeto central desta dissertação. Logo em
seguida, será desenvolvida a concepção de ciberespaço como um território e
analisada a territorialidade que se forma a partir dessa nova dimensão em que, de
acordo com Lévy (1994), está funcionando a humanidade atualmente.
2.4 ORIGEM DO CIBERESPAÇO E A EVOLUÇÃO DE SUA ESTRUTURA
Contextualizar a origem da rede e seu rápido crescimento é essencial para
entender como esse instrumento dominou vários dos aspectos da sociedade no
mundo contemporâneo. Para tanto, expõe-se resumidamente a origem da internet e
posteriormente se discutirá o impacto e as consequências dessa na sociedade.
De acordo com Castells (2019), as primeiras formulações para a criação de
uma rede destinada a comunicações entre pontos distintos foram pensadas no
Estados Unidos, em meados da década de 50, após o lançamento do primeiro
Sputnik. Uma das estratégias era desenvolver um conceito elaborado por Paul Baran
de um sistema de comunicação invulnerável a ataques nucleares.
46
De acordo com Oliveira (2011, s.n),
A história começou a mudar quando Leonard Kleinrock, professor da
Universidade da Califórnia de Los Angeles (Ucla), apresentou, em
maio de 1961, no MIT, uma tese de doutorado com uma teoria que
mais tarde seria chamada de comutação de pacotes, em que a
informação seria transformada em pequenos pacotes eletrônicos
antes de ser enviada para outro computador, o que caracteriza a
internet atual. Na mesma época, o engenheiro Paul Baran, da Rand
Corporation, uma organização criada no final da Segunda Guerra
Mundial para assessorar a Força Aérea norte-americana, também
demonstra viabilidade da comutação de pacotes eletrônicos digitais.
Objetivando a construção do almejado sistema de comunicação, o psicólogo e
cientista de computação estadunidense, Joseph Carl Robnett Licklider, se tornou um
dos principais impulsionadores da Advanced Research Projects Agency Network
(ARPANET), a primeira rede de conexão de computadores, sendo que muitas das
ideias para a formulação da internet expressadas por Joseph C. R. Licklider na
época são costumeiras nos dias atuais. De acordo com Gessi (2016, p. 2),
A origem da internet teve início em meados de agosto de 1962
quando J. C. R. Licklider pesquisador do MIT (Massachussets
Institute of Technology) fez os primeiros registros de interações
sociais nos quais essas interações poderiam ser realizadas através
de redes. Licklider previu que poderia ser construída uma rede de
computadores interconectados globalmente, pelos quais seria
possível a comunicação, acesso de dados e programas de qualquer
ponto dessa rede global.
Conforme Oliveira (2011), em outubro de 1962, a Advanced Research
Projects Agency (ARPA) contratou Licklider. O pesquisador ficou famoso pelos seus
memorandos, em que descrevia seus colegas como “membros da comunidade
intergaláctica de computadores”. Devido aos seus estudos e artigos, tornou-se o
primeiro chefe do Escritório de Técnicas de Processamento de Informações (Sigla
em ingês - IPTO), onde permaneceu até julho de 1964. Nesse passo, Licklider, Ivan
Sutherland, Robert William Taylor e Lawrence G. Roberts continham sob suas
responsabilidades, a construção do sistema que iria mudar os rumos da
humanidade.
Em uma entrevista a James Pelkey (1988, p. 5), Licklider, apesar de ter saído
da ARPA em julho de 1964, antes de se concretizar boa parte do que a ARPANET
viria a se tornar, afirmou que: “Saí do Escritório de Técnicas de Processamento de
Fake News e a função social dos fluxos de informações - Dissertação Mestrado GIT
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  • 1. 1 UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE – UNIVALE MESTRADO EM GESTÃO INTEGRADA DO TERRITÓRIO – GIT Marcos Vinícius de Mattos Emerick CIBERESPAÇO COMO TERRITÓRIO E A FUNÇÃO SOCIAL DOS FLUXOS DE INFORMAÇÃO Governador Valadares/MG 2021
  • 2. 1 Marcos Vinícius de Mattos Emerick CIBERESPAÇO COMO TERRITÓRIO E A FUNÇÃO SOCIAL DOS FLUXOS DE INFORMAÇÃO Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Gestão Integrada do Território da Universidade Vale do Rio Doce – UNIVALE, como requisito para obtenção do título de Mestre em Gestão Integrada do Território. Orientadora: Prof.ª Dra. Sueli Siqueira Governador Valadares – MG 2021
  • 3. 2 E53c Emerick, Marcos Vinícius de Mattos Ciberespaço como território e a função social dos fluxos de informação / Marcos Vinícius de Mattos Emerick. – 2021. 185 f. ; il. Orientação: Sueli Siqueira. Dissertação (mestrado em Gestão Integrada do Território) – UNIVALE – Universidade do Vale do Rio Doce, 2021. 1. Ciberespaço. 2. Liberdade de expressão. 2. Fake News. 3. Territorialização. I. Siqueira, Sueli. ll. Título. CDD-342.81085
  • 4. 3
  • 5. 4 Ao direito à liberdade.
  • 6. 5 AGRADECIMENTOS Agradeço a Deus, criador da vida, que nunca me abandonou quando tudo parecia não ter saída e se fez presente em todas as adversidades. Desejo expressar minha profunda gratidão ao meu pai, à minha mãe e ao meu irmão, pessoas que admiro, das quais me orgulho e são a base da minha vida. Agradeço por sempre me apoiarem e me incentivarem nesta caminhada. Desejo expressar minha gratidão aos amigos que me apoiaram, nas pessoas de Lívia Santos Morais, José da Silva Júnior e Élita da Silva Souza, que nas conversas descontraídas sempre procuravam me animar em tempos esmorecedores. Expresso minha gratidão à Prof.ª Dra. Sueli Siqueira, que me recebeu e me orientou com grande conhecimento e perícia na produção da presente dissertação. Sou grato pelos conselhos e pela atenção que me dedicou nesse difícil processo. À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), que proporcionou meios para a expansão e consolidação do conhecimento. Ao Programa de Mestrado em Gestão Integrada do Território (GIT), agradeço a todos os profissionais pela competência, dedicação e envolvimento. À Universidade Vale do Rio Doce (UNIVALE), que desde a graduação tem me guiado nos campos do conhecimento.
  • 7. 6 RESUMO Qual é a função social dos fluxos de informação nas redes sociais e sua relação entre liberdade de expressão e censura no Brasil? Essa é a questão norteadora deste estudo, realizado por meio de uma abordagem interdisciplinar entre os campos da Geografia, Globalização, Sociologia, Filosofia e Direito. O objetivo geral da investigação é identificar a função social dos fluxos de informação do ciberespaço como uma rede-território, na preservação da liberdade de expressão. O aporte teórico utilizado foram as reflexões de Haesbaert, geógrafo cujas discussões sustentam-se na configuração da Geografia Moderna; Émile Durkheim, sociólogo funcionalista, cujas contribuições possibilitaram a identificação da função social da rede; Jhon Stuart Mill e John Locke, filósofos que cooperaram com a formação da concepção de liberdade para o Direito Ocidental. Utilizando-se a metodologia de pesquisa bibliográfica exploratória, coletaram-se os dados por meio de aportes teóricos, materiais jornalísticos, bibliografias e documentos, como leis e projetos de lei, visando responder à questão central e atender aos objetivos deste estudo. Realizou-se, também, uma pesquisa, por meio dos termos “liberdade de expressão”, “fake News” e “notícia falsa”, na Plataforma Jusbrasil, por se tratar de uma plataforma de comunicação que facilita a busca por conteúdo jurídico informativo e fornece ferramentas que auxiliam e dinamizam o dia a dia dos operadores do Direito, permitindo a realização de consultas públicas em processos judiciais de tribunais de todo o País. Para isso, buscou-se reunir dados sobre o resultado de processos judiciais envolvendo conteúdos disponibilizados na Internet, especialmente os relacionados às fake News, notícias falsas e liberdade de expressão. Procurou-se identificar os pedidos mais comuns e a quantidade de vezes que foram concedidos, as principais características das partes envolvidas na demanda e os padrões argumentativos empregados pelos tribunais no momento de decidir. A partir da análise dos dados, foi possível concluir que muito além de uma ferramenta de troca de mensagens, o ciberespaço, um território moderno, possui a função social de descentralizar o poder da informação dos governos e dos oligopólios privados, além de realizar a preservação das liberdades. O estudo contribui para fazer um alerta e demostrar que o autoritarismo e os governos tirânicos não podem superar as ferramentas dispostas no sistema democrático. Palavras-chave: Território. Ciberespaço. Informação. Liberdade de expressão. Fake News.
  • 8. 7 ABSTRACT What is the social function of information flows in social networks and their relationship between freedom of expression and censorship in Brazil? This is the guiding question of this study, carried out through an interdisciplinary approach between the fields of Geography, Globalization, Sociology, Philosophy and Law. The general objective of the investigation is to identify the social function of information flows in cyberspace as a network-territory, in the preservation of freedom of expression. The theoretical contribution used were the reflections of Haesbaert, geographer whose discussions are supported by the configuration of Modern Geography; Émile Durkheim, functionalist sociologist whose contributions enabled the identification of the social function of the network; John Stuart Mill and John Locke, philosophers who cooperated with the formation of the conception of freedom for Western Law. Using the methodology of exploratory bibliographic research, data was collected through theoretical contributions, journalistic materials, bibliographies, and documents such as laws and bills, in order to answer the central question and meet the objectives of this study. A research was also carried out, through the terms "freedom of expression", "fake news" and "notícias falsas", in the Jusbrasil Platform. For this, we sought to gather data about the result of lawsuits involving content available on the Internet, especially those related to fake news, false news and freedom of expression. We sought to identify the most common requests and the number of times they were granted, the main characteristics of the parties involved in the lawsuit, and the argumentative patterns employed by the courts when deciding. From the data analysis it was possible to conclude, that much more than a tool for exchanging messages, cyberspace, a modern territory, has the social function of decentralizing the power of information from governments and private oligopolies, in addition to carrying out the preservation of liberties. The study contributes to make a warning and to demonstrate that authoritarianism and tyrannical governments cannot overcome the tools available in the democratic system. Keywords: Territory. Cyberspace. Information. Freedom of expression. Fake News.
  • 9. 8 LISTA DE FIGURAS Figura 1. Processo teórico-metodológico........................................................................19 Figura 2. Percurso teórico-metodológico ........................................................................24 Figura 3. ARPANET em dezembro de 1969. ..................................................................49 Figura 4. ARPANET em julho de 1977. ..........................................................................50 Figura 5. Mapa do mundo em 24 horas de uso médio de endereços IPv4. ....................53 Figura 6. Mapa dos cabos submarinos...........................................................................54 Figura 7. Mapa de evolução do backbone da rede acadêmica RNP no Brasil................71 Figura 8. Infraestrutura backbones de longa distância. ..................................................83 Figura 9. Concentração do PIB dos municípios..............................................................84 Figura 10. Censo demográfico 1940/2000......................................................................84 Figura 11. Sobreposição das figuras 6/7 (concentração do PIB) e 6/8 (Demografia). ....85 Figura 12. Os ciclos de vida tecnológica da indústria de comunicação móvel................86 Figura 13. Liberdade na internet (2009). ......................................................................158 Figura 14. Liberdade na internet (2019). ......................................................................158
  • 10. 9 LISTA DE TABELAS Tabela 1. Tribunais de origem das decisões.............................................................20
  • 11. 10 LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1. Quem mais se engajou em movimentar peças processuais relacionadas às Fake News..........................................................................................................108 Gráfico 2. Quem mais figurou como alvo das peças processuais...........................108 Gráfico 3. Resultado das peças. .............................................................................109 Gráfico 4. Fundamentos mais utilizados por quem se engajou em movimentar uma peça processual. .....................................................................................................157
  • 12. 11 LISTA DE SIGLAS AI-5 - Ato Institucional nº 5 ARPA - Advanced Research Projects Agency ARPANET - Advanced Research Projects Agency Network BITNET - Because It’s Time Network BNDE - Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico CAPRE - Comissão de Coordenação das Atividades de Processamento Eletrônico CBT - Código Brasileiro de Telecomunicações CEPINNE - Centro Piloto de Serviços de Teleinformática para Aplicações em Ciência e Tecnologia na Região Norte-Nordeste CERN - Organisation Européenne pour la Recherche Nucléaire CGI.BR - Comitê Gestor da Internet CNPD - Congresso Nacional de Processamento de Dados CNPq - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico CNT ou CONTEL - Conselho Nacional de Telecomunicações CONIN - Conselho Nacional de Informática e Automação CPDOC - Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil CPF - Cadastro de Pessoa Física CPI - Comissão Parlamentar de Inquérito CPMI - Comissão Parlamentar Mista de Inquérito CTI - Fundação Centro Tecnológico para Informática EMBRATEL - Empresa Brasileira de Telecomunicações FAPESP - Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo FGV - Fundação Getúlio Vargas IANA - Internet Assigned Numbers Authority ICANN - Corporação da Internet para Atribuição de Nomes e Números IPTO - Information Processing Techniques Office ISP – Internet Service Provider ITA - Instituto Tecnológico de Aeronáutica LARC - Laboratório Nacional de Redes de Computadores LNCC - Laboratório Nacional de Computação Científica MIT - Massachussets Institute of Technology NIC.BR - Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR ONU - Organização das Nações Unidas PL - Projeto de lei PLANIN - Plano Nacional de Informática e Automação PND, I PND, II PND - (*) Plano Nacional de Desenvolvimento PUC-Rio - Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro REDPUC - Rede Acadêmica da PUC RNP - Rede Nacional de Pesquisa RNTD - Rede Nacional de Transmissão de Dados RQN - Requerimento SEI - Secretaria Especial de Informática SUCESU-SP - Sociedade dos Profissionais e Usuários de TI do Estado de São Paulo TIC - Tecnologias da Informação e Comunicação TRANSDATA - Serviço Digital de Transmissão de Dados Via Terrestre WWW - World Wide Web
  • 13. 12 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO..........................................................................................................13 1.1 METODOLOGIA.....................................................................................................17 1.2 ANÁLISE DAS DECISÕES ...................................................................................21 CAPÍTULO 2 – ESPAÇO, TERRITÓRIO, TERRITORIALIDADE E CIBERESPA- ÇO................................................................................................................................25 2.1 GEOGRAFIA E ESPAÇO......................................................................................25 2.2 TERRITÓRIO ........................................................................................................31 2.3 TERRITORIALIDADE............................................................................................42 2.4 ORIGEM DO CIBERESPAÇO E A EVOLUÇÃO DE SUA ESTRUTURA..............45 2.5 A EVOLUÇÃO DA REDE NO BRASIL ..................................................................54 CAPÍTULO 3 – AS BASES PARA A CONCEPÇÃO DO CIBERESPAÇO COMO UM TERRITÓRIO...............................................................................................................73 3.1 ESPAÇO, CIBERESPAÇO E CIBERCULTURA ...................................................73 3.2 DIVISÃO DO CIBERESPAÇO – DOIS EM UM?...................................................79 3.2.1 Território estrutural da rede ............................................................................82 3.2.2 Territórios e territorialidades humanas da rede ............................................87 3.3 DOS CENTROS DE INTERESSES ÀS BOLHAS SOCIAIS .................................90 3.4 DAS BOLHAS SOCIAIS AO MUNDO DE VIDA....................................................91 3.5 ALGORITMO DE BOLHA, O ANTOLHOS DA SOCIEDADE ................................93 CAPÍTULO 4 – FAKE NEWS - DEFINIÇÕES E IMPLICAÇÕES................................97 4.1 CONCEITUANDO FAKE NEWS ...........................................................................97 4.2 INFORMAÇÃO, FAKE NEWS OU DESINFORMAÇÃO? ....................................100 4.3 COMBATE ÀS FAKE NEWS - O PRETEXTO PARA A APROXIMAÇÃO DE UM MODELO DE CENSURA....................................................................................104 4.3.1 Liberdade de expressão e censura...............................................................109 CAPITULO 5 – FLUXOS DE INFORMAÇÃO E SUA FUNÇÃO SOCIAL EM UM TERRITÓRIO DE REDE............................................................................................129 5.1 FUNÇÃO SOCIAL DOS FLUXOS DE INFORMAÇÃO........................................129 5.1.1 Generalidade do fluxo de informações digitais...........................................132 5.1.2 Exterioridade do fluxo de informações digitais...........................................134 5.1.3 Coercitividade dos fluxos de informações digitais.....................................137 5.2 FUNÇÃO SOCIAL E A CONCEPÇÃO DE DURKHEIM ......................................139 5.3 FLUXOS DE INFORMAÇÕES E SUA FUNÇÃO SOCIAL...................................142 5.4 DIREITO, FLUXOS DE INFORMAÇÕES E FUNÇÃO SOCIAL ..........................145 6 CONCLUSÃO.........................................................................................................163 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..........................................................................168
  • 14. 13 1 INTRODUÇÃO A presente dissertação foi elaborada seguindo as normas e diretrizes determinadas pelo Programa de Mestrado em Gestão Integrada do Território (GIT) da Universidade Vale do Rio Doce, estabelecidas na Resolução nº1/2010 – PPGGIT. A ideia de pesquisar o ciberespaço como um território, por meio do Programa GIT, foi um processo orgânico. O que iniciou apenas como uma ideia disforme tomou proporções e estruturas mais complexas, mediante o estudo dos aspectos territoriais ministrados. Incialmente, a proposta de pesquisa estava vinculada à temática eleitoral, uma vez que no ciberespaço as fake news se tornaram um grande problema para o sistema democrático de vários países, ao supostamente induzirem o eleitorado ao erro, por meio de notícias falsas. Contudo, com o passar do tempo, ao estabelecer o ciberespaço como um território e com a análise desse fenômeno pela Geografia de Haesbaert, pelo Funcionalismo de Durkheim e as reflexões acerca da informação, da verdade e da política, de acordo com Floridi, Mill, Locke e Arendt, foi possível perceber que, muito além das trocas de informação, o ciberespaço, mais especificamente a internet em suas redes sociais, tornou-se um território de livre manifestação e de descentralização do monopólio da informação dos governos/oligopólios. Usufruindo da liberdade de expressão, os usuários em rede ficavam despercebidos até passarem a confrontar diretamente alguns centros de poder, na figura de personalidades conhecidas do governo e da grande mídia. Diante desse cenário, emergiram vários movimentos políticos interessados em suprimir/controlar a liberdade de expressão dos usuários em rede e o fluxo de informação, sob o pretexto de se combater as fake news. Mediante esse novo fenômeno, o foco do estudo foi direcionado para responder à seguinte pergunta: qual é a função social dos fluxos de informação nas redes sociais e a relação entre liberdade de expressão e censura no Brasil? Para responder a essa questão, o presente estudo teve como ponto de partida o estabelecimento de vários objetivos. O objetivo geral é identificar a função social dos fluxos de informação no ciberespaço e entender a relação que existe entre liberdade de expressão e censura. Como objetivos específicos apontamos: descrever como se deu o processo de criação da internet e sua expansão inicial nos EUA e no Brasil; conceituar ciberespaço na perspectiva teórica de território de Haesbaert; analisar leis relacionadas às tentativas de regulação
  • 15. 14 estatal, sob a justificativa de combater as fake news; analisar qual é a função social dos fluxos de informação no processo de consolidação da liberdade de expressão, sob a perspectiva de John Stuart Mill, John Locke e outros filósofos. Para se alcançar tais objetivos, utilizou-se a metodologia conhecida como pesquisa bibliográfica exploratória. Trata-se da junção da pesquisa bibliográfica, que é desenvolvida com base em material já elaborado e publicado (livros e artigos científicos), com a pesquisa exploratória, que tem por objetivo “explorar” o problema de pesquisa, quase sempre utilizado em temas/fenômenos recentes e/ou pouco conhecidos, visando aprimorar e familiarizar com a temática. A metodologia será aprofundada em um tópico específico desta dissertação. É possível afirmar que a escolha da metodologia se deu pelo fato de a temática estar ligada à informação e ciberespaço, e o território ser um fenômeno recente, com poucos dados, constituindo um campo ainda nebuloso. Utilizou-se a metodologia bibliográfica exploratória como meio de conhecer ainda mais o fenômeno, a fim de progredir na compreensão do problema. Uma vez estabelecida a metodologia, por meio da delimitação do tema e da realização de uma revisão bibliográfica1 , foi possível estabelecer cinco aportes teóricos que seriam utilizados e entrecruzados para a construção de uma concepção em que o ciberespaço fosse passível de ser analisado como um território. Por meio de seus fluxos, considerados a partir do modelo Durkheimiano, identificou-se a existência da função social. Para responder à pergunta que norteou a presente dissertação, a pesquisa foi dividida em cinco capítulos, além desta introdução. O segundo capítulo estabelece as bases conceituais da Geografia, sem as quais seria impossível responder à pergunta norteadora. Portanto, sem os conceitos de território, territorialidade e ciberespaço, seria impossível conceber o ciberespaço como um território com multiterritorialidades vívidas fluindo por suas estruturas. Devido ao fato de o objeto central da dissertação envolver diferentes temáticas como Geografia, Sociologia, Filosofia, Direito e Globalização, optou-se por introduzir o leitor aos conceitos-base que seriam aprofundados no dercorrer da dissertação e da reflexão. Ainda no primeiro capítulo, é realizada a abordagem do contexto histórico da origem e da expansão da rede, que atualmente é o cerne de grandes incidentes diplomáticos nos 1 Na revisão sistemática bibliográfica foram analisados artigos produzidos em Língua Portuguesa, em periódicos da CAPES, revisados por pares entre os anos de 2009 e 2019, utilizando-se como termos de busca “ciberespaço” e “território”.
  • 16. 15 debates e fóruns internacionais da internet. Resumidamente, o primeiro capítulo equivale à fundação de uma obra que passaria a ser construída, logo em seguida, no capítulo segundo. No capítulo terceiro, as concepções abordadas no capítulo primeiro de forma individualizada, passam a se entrecruzar, ou seja, os conceitos passam a questionar o “porquê” de o ciberespaço constituir um território com multiterritorialidades passíveis de estudos. Nesse sentido, ao dialogar com alguns dos geógrafos, ao expôr algumas das características da rede e ao estabelecer o ciberespaço como um território, realiza-se a divisão do território em rede, a partir de sua estrutura e a partir de sua territorialidade humana. Dessa forma, desenvolveu-se o diálogo da territorialidade humana a partir da concepção de cibercultura, centros de interesses e espaço de fluxos de Pierre Lévy, Castells e outros filósofos. Por fim, inicia-se uma breve discussão sobre as consequências de se manipular os centros de interesse, ou seja, os perigos de aproximar apenas aqueles que pensam de forma semelhante e afastar aqueles que pensam de forma diferente. No capítulo quarto aborda-se uma grande problemática presente nas redes de informação da modernidade: as fake news. As fake news demostram ser um grande problema em diversas democracias ao redor do mundo, forçando alguns governos a realizarem a regulação específica para a questão. Contudo, ao se aprofundar nos conceitos de Informação e desinformação, percebeu-se que o fenômeno das fake news tornou-se elemento essencial para entender a função social dos fluxos de informação, posto que sua proibição, por meio da regulação, implicaria, direta ou indiretamente, na criação de um órgão hierárquico para decidir/estabelecer o que é ou não verdade. Uma vez que o ciberespaço é o espaço que se legitima por meio da comunicação e sua capilarização nas camadas mais distintas e vastas do globo passou a ser um incômodo para centros de poder que detinham o monopólio da informação, as fake news, um termo amplo e indefinido, surgiram como um pretexto perfeito para regular o conteúdo que circula nas redes sociais. Por meio de medidas arbitrárias/autoritárias semelhantes às de países ditatoriais, vislumbra-se controlar toda e qualquer informação que passe pelos fluxos. As redes sociais estabelecem relações em diferentes pontos do Globo, possuindo um papel central e oculto na relação entre liberdade de expressão, censura e preservação da liberdade e é essa função social a que se pretende investigar.
  • 17. 16 No quinto capítulo utiliza-se o modelo durkheimiano para definir os fluxos de informação como um fato social, mediante a caracterização de sua generalidade, coercitividade e exterioridade. A partir dessa caracterização, analisa-se a função social dos fluxos de informação, diante de diversas dinâmicas e diálogos dos mais variados autores no que diz respeito à regulação, além de se realizar uma breve comparação entre os projetos de lei que estão em tramitação e as leis que já estão em vigor em países em que a rede não é livre, de acordo com a organização Freedom House. Nesse sentido, sendo o Direito, conforme Durkheim, um dos melhores indicadores da forma de uma sociedade, posto que a sociedade só se estende ao limite estabelecido pela lei, foi possível situar como a jurisdição brasileira tem lidado com os fluxos de informação em rede. Torna-se perceptível, sobretudo em relação aos movimentos dos centros de poder, a tentativa de supressão e controle dos fluxos de informação, sob o pretexto de se estar combatendo o “terror das fake news”, tornando a sociedade brasileira em rede mais próxima do modelo de censura de países autoritários. Por fim, os aportes teóricos explorados para desenvolver a presente dissertação foram divididos em cinco categorias: aportes da Geografia, da Globalização, da Sociologia, da Filosofia e aportes do Direito. No aporte da Geografia recorreu-se aos geógrafos Haesbaert e Yves Lacoste para a temática da dissertação – o ciberespaço como território. Yves Lacoste, da Geográfica Crítica, foi pesquisado para distanciar o leitor de um conceito pré-concebido de território estatal que está ligado ao modelo de Ratzel. No pós-guerra, introduziu-se o princípio da inadmissibilidade da aquisição de território pela guerra ou força e novos meios de guerra surgiram em diferentes dimensões, dentre elas a guerra tecnológica. É nesse momento que se introduz Haesbaert, por meio de sua concepção de território-rede, palco de diversas relações humanas modernas. Nesse sentido, foi possível estabelecer o ciberespaço como um território passível de estudo da Geografia. Já no aporte teórico relacionado à Globalização, abordou-se Pierre Lévy, por meio de sua concepção de cibercultura e centros de interesses, elementos essenciais para realizar a análise da multiterritorialidade em rede e as relações de poder ali existentes. A pesquisa também se beneficiou das concepções de Castells para demonstrar o quanto a tecnologia em rede dominou os instrumentos sociais centrais da sociedade humana, como por exemplo, o trabalho. Castells é indispensável para demonstrar como o trabalho e os meios de produção, agora
  • 18. 17 intimamente ligados aos instrumentos de comunicação, modificaram algumas relações do ser humano/sociedade com o espaço, em que o sociólogo afirma existirem os espaços de fluxos. No aporte da Sociologia, lançou-se mão do sociólogo Durkheim, por meio de seu modelo de análise dos fatos sociais, elemento central para se descobrir a função social dos fluxos de informação. Recorreu-se, também, aos filósofos da liberdade, Jhon Stuart Mill e John Locke, ambos essenciais para os debates acerca dos limites da liberdade e da tolerância. Quanto aos aportes teóricos da Filosofia, citou-se Luciano Floridi e Hannah Arendt, ambos basilares para as reflexões acerca da informação, da desinformação e da verdade, que são elementos que se tornaram grande fonte de poder dos oligopólios e governos. Por fim, no aporte do Direito, uma vez que grande parcela dos autores fundamentais tratados na Filosofia e na Sociologia são as fontes do Direito Ocidental, utilizou-se, além de Jhon Stuart Mill e John Locke, as diversas leis e documentos oficiais publicados/produzidos pelos agentes governamentais do Brasil, além de abordar superficialmente as legislações Chinesa e Russa. Este estudo foi realizado em apoio aos direitos fundamentais da liberdade e pela proteção das liberdades das instituições. Destaca-se que o estudo dos diversos aspectos do fenômeno contribuirá para as reflexões e para a construção de uma melhor abordagem da problemática vivenciada na atual crise da informação. 1.1 METODOLOGIA A metodologia utilizada foi a pesquisa bibliográfica exploratória, a fim de realizar a análise de diversas concepções acerca do problema. Nesse sentido, evoca-se Gil (2002, p. 44) para elucidar o que é uma pesquisa bibliográfica. [...] a pesquisa bibliográfica é desenvolvida com base em material já elaborado, constituído principalmente de livros e artigos científicos. Embora em quase todos os estudos seja exigido algum tipo de trabalho dessa natureza, há pesquisas desenvolvidas exclusivamente a partir de fontes bibliográficas. Boa parte dos estudos exploratórios pode ser definida como pesquisas bibliográficas. As pesquisas sobre ideologias, bem como aquelas que se propõem a uma análise das diversas posições acerca de um problema, também costumam ser desenvolvidas quase exclusivamente mediante fontes bibliográficas.
  • 19. 18 Na presente dissertação será possível observar grande quantidade de fontes bibliográficas que foram utilizadas como aportes teóricos. Nesse sentido, por meio da definição do tema e da realização de uma revisão bibliográfica, estabeleceu-se cinco aportes teóricos, sendo eles: 1. Aportes da Geografia 2. Aportes da Globalização 3. Aportes da Sociologia 4. Aportes da Filosofia 5. Aportes do Direito Com os aportes e o diálogo realizado por meio do entrecruzamento de suas concepções, observou-se não só o ciberespaço como um território, como também se identificou a função social dos fluxos de informação. Nesse passo, é possível abordar os objetivos e concepções de uma pesquisa exploratória como metodologia. Conforme Selltiz et al. (1967, p. 63), Estas pesquisas têm como objetivo proporcionar maior familiaridade com o problema, com vistas a tomá-lo mais explícito ou a constituir hipóteses. Pode-se dizer que estas pesquisas têm como objetivo principal o aprimoramento de idéias ou a descoberta de intuições. Seu planejamento é portanto, bastante flexível, de modo que possibilite a consideração dos mais variados aspectos relativos ao fato estudado. Na maioria dos casos, essas pesquisas envolvem: (a) levantamento bibliográfico; (b) entrevistas com pessoas que tiveram experiências práticas com o problema pesquisado; e (c) análise de exemplos que “estimulem a compreensão”. Devido ao fato de a atual crise das fake news, presente nos fluxos de informação, ser um fenômeno novo, a pesquisa exploratória foi escolhida como método ideal para abordar a temática. Uma vez estabelecidos os aportes, passou-se a explorar suas concepções, como estas se relacionam à temática e dialogam entre si de forma harmoniosa diante do contexto inserido. A partir do diálogo demonstrando o ciberespaço como um território e estabelecendo os fluxos de informação como alvo de desejo dos centros de poder, foi possível analisar os fluxos de informação, utilizando o modelo durkheimiano, por meio das regras do método sociológico, da concepção de fato social e da demonstração de como os fluxos de informação se caracterizam. Adquirindo o status de um fato social, os fluxos de informação foram analisados de forma a identificar quais são suas funções no corpo social. Com essa análise, tornou-se perceptível
  • 20. 19 que, além de trocar dados e mensagens, a rede possui a função social de descentralizar o poder da informação dos governos e dos oligopólios empresariais e realizar a preservação das liberdades. O organograma a seguir demonstra o percurso teórico metodológico percorrido. Figura 1. Processo teórico-metodológico. Fonte: Elaboração Própria, Processo teórico metodológico. 10 de dez. de 2021. Ademais, com o fim único de enriquecer a discussão a respeito das fake news no judiciário, foram utilizados modelos quantitativos para observar a judicialização das causas envolvendo fake news, notícias falsas e liberdade de expressão. Nesse sentido, realizou-se uma pesquisa na Plataforma Jusbrasil para a identificação de três grandes aspectos relacionados à judicialização das fake news, e para tanto, visualizar os resultados em quatro gráficos presentes no decorrer da dissertação. Buscou-se reunir dados sobre o resultado de processos judiciais envolvendo conteúdos disponibilizados na Internet, especialmente em relação: 1 – à identificação dos pedidos mais comuns e à quantidade de vezes que foram concedidos; 2 – às principais características das partes envolvidas na demanda; 3 – aos padrões argumentativos empregados pelos Tribunais, no momento de decidir. Com o intuito de captar a maior quantidade de dados possíveis, este estudo pesquisou decisões judiciais, tanto em primeira quanto em segunda instância, tanto na esfera cível quanto nas demais esferas existentes. Foram analisadas decisões de primeira e segunda instâncias de todos os Tribunais de Justiça Estaduais, da Justiça Federal e dos seguintes tribunais: Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de Justiça, Tribunais Regionais Federais, Tribunal Regional do Trabalho, Tribunal Superior do Trabalho, Tribunal Superior Eleitoral, Tribunal Regional Eleitoral, Tribunal de Contas dos Estados, Tribunal de Contas da União, Turma Nacional de Uniformização, Conselho Nacional de Justiça, Superior Tribunal Militar e Tribunal de Justiça Militar.
  • 21. 20 Com o objetivo de abranger o máximo de decisões possíveis, foram aproveitados dois blocos de termos de busca combinados entre si, sendo o primeiro ligado à disseminação de notícias falsas, com os termos fake news e notícia falsa, e o segundo ligado ao direito à liberdade de expressão, com o termo liberdade de expressão. A combinação resultou em 240 jurisprudências catalogadas no período de 1º de janeiro de 2015 a 25 de novembro de 2020. É necessário ressaltar que a última atualização do banco de dados ocorreu em 21 de dezembro de 2020, sendo importante observar a pontuação nessa data, uma vez que a morosidade de alguns tribunais pode atrasar a publicação de algumas decisões ocorridas no período citado acima. As 240 decisões encontradas foram então analisadas individualmente, para que aquelas que não diziam respeito ao objeto de pesquisa fossem descartadas. Foram excluídas as decisões em que: 1 – não havia menção expressa e direta de pelo menos dois dos três termos concomitantes em qualquer parte do conteúdo, seja como argumento do polo ativo, seja como parte da fundamentação da decisão; 2 – não havia menção expressa do processo de origem disponibilizado on- line, uma vez que teria que se especular a respeito do conteúdo que está sendo julgado; 3 – o Tribunal apenas abordou questões processuais; 4 – se repetiram. Do total de 240 decisões encontradas, 30 foram descartadas com base nos itens 1, 2 e 3 acima, restando 210. Posteriormente, foram descartadas as decisões que eram repetidas. Das 210 restantes, 22 foram excluídas em conformidade com o item 4, restando 188 decisões para análise. As 188 decisões analisadas tiveram origem nos Tribunais indicados na tabela 1, abaixo. Tabela 1. Tribunais de origem das decisões. TRIBUNAL DE ORIGEM TRIBUNAL DE JUSTIÇA 76 TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL 70 TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL 26 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL 13 TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL 1 TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO 1 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA 1 TOTAL 188 Fonte: Elaboração Própria. Tribunal de origem. 20 de jan. de 2021.
  • 22. 21 Destaca-se ainda que, em nove dessas 188 decisões, duas ou mais partes recorreram na mesma ocasião, fato este que será considerado individualmente na análise de cada recurso. Uma vez que se analisou o engajamento das partes, seus fundamentos e seus resultados, essas nove decisões geraram 11 possibilidades a mais de análise. Contudo, uma dessas possibilidades foi eliminada com base no item 3 (Tribunal abordou questões processuais), restando apenas dez possiblidades de análise. Diante das categorias de análise, foi elaborada uma planilha única e geral com os mais variados instrumentos e remédios jurídicos, como: apelações, agravos de instrumentos, acórdãos, decisões monocráticas, agravos regimentais, embargos de declaração, embargos infringentes, habeas corpus, ações diretas de inconstitucionalidade, recursos inominados e outros tipos processuais. 1.2 ANÁLISE DAS DECISÕES Todas as decisões foram classificadas de acordo com uma série de critérios que permitisse a identificação do/a: 1 – Data da publicação 2 – Órgão julgador 3 – Polo ativo/passivo 4 – Fundamentação 5 – Resultado Em relação aos atores envolvidos, estes podem ser classificados como: polo ativo e polo passivo. Os polos, nessa metodologia, não têm a mesma base conceitual jurídica. Polo ativo representa qualquer pessoa, seja ela física, jurídica, pública ou política, que interpôs peça processual, seja essa peça a inicial, seja recurso ou remédio processual. A escolha dessa metodologia se deu para a realização de uma análise geral quantitativa, baseada na qualificação das partes. Por meio dessa medida, é possível observar, por exemplo, se a classe política alça maiores vantagens nas decisões judiciais, pela quantidade de vezes que suas interposições procedem. Os polos ativos das demandas foram classificados em sete categorias. Essas categorias são cumulativas, ou seja, um processo pode apresentar todas essas características:
  • 23. 22 1 – Pessoas Físicas 2 – Pessoas Jurídicas 2.1 – Pessoa Jurídica Pública 2.2 – Pessoa Jurídica Privada 2.3 – Ente Jurídico Despersonalizado 3 – Pessoa Pública 4 – Pessoa Política 5 – Jornalistas, site de notícias jornalísticas 6 – Provedor de busca (Google, Bing, Yahoo) 7 – Redes Sociais (Face, Google+, Twitter) 8 – Produtores de conteúdo off-line, como redes de televisão Os polos passivos foram classificados em quatro categorias. Essas categorias são cumulativas, ou seja, um processo pode apresentar todas estas características: 1 – Pessoa física 2 – Pessoa Jurídica 2.1 – Pessoa Jurídica Pública 2.2 – Pessoa Jurídica Privada 2.3 – Ente Jurídico Despersonalizado 2.4 – Autoridade Coatora 3 – Pessoa Política 4 – Pessoa Pública 5 – Jornalistas, site de notícias jornalísticas 6 – Administrador de Sistema Autônomo 7 – Redes Sociais (Face, Google+, Twitter) 8 – Provedor de Busca (Google, Bing, Yahoo) 9 – Produtores de Conteúdo off-line, como redes de televisão 10 – Produtores de softwares e jogos Com relação aos fundamentos utilizados pela parte ativa da demanda, foram identificadas as categorias abaixo relacionadas. Essas categorias são cumulativas, ou seja, um processo pode apresentar todas estas características: 1 – Direito à honra 2 – Direito à imagem 3 – Violação da privacidade/intimidade 4 – Violação da liberdade de expressão/imprensa
  • 24. 23 5 – Propaganda/notícia irregular 6 – Exceção da verdade Com relação aos resultados, foram identificadas as categorias mencionadas abaixo. Essas categorias são cumulativas, ou seja, um processo pode apresentar todas estas características: 1 – Indenização por dano moral 2 – Indenização por dano material 3 – Remoção de conteúdo 4 – Direito de resposta/retratação 5 – Suspensão de conteúdo 6 – A interposição não prosperou e foi encaminhada para prosseguimento 7 – A Interposição prosperou (completa ou parcialmente) e foi encaminhada para prosseguimento 8 – Condenação em multa O esquema abaixo ilustra o percurso teórico-metodológico seguido.
  • 25. 24 Figura 2. Percurso teórico-metodológico. Fonte: Elaboração própria. Percurso teórico-metodológico. 20 de jan. de 2021.
  • 26. 25 CAPÍTULO 2 – ESPAÇO, TERRITÓRIO, TERRITORIALIDADE E CIBERESPAÇO 2.1 GEOGRAFIA E ESPAÇO Para melhor introduzir as concepções que serão tratadas no decorrer da presente dissertação e antes de adentrar propriamente à especificidade da temática, há de se entender alguns dos aspectos da Geografia. Para isso, deve-se aprofundar em um de seus principais objetos, o espaço. Para os geógrafos, o espaço é uma concepção basal de estudo. Segundo Santos (1996, p. 49), “o espaço, portanto, é parte da realidade, sendo esta a portadora da totalidade”. Abstrai-se da afirmação que, para a Geografia o espaço é o portador de todos os elementos de estudo e análise, ou seja, o espaço é o portador dos territórios, das regiões, dos lugares e das paisagens. A partir dessa observação, há de se destacar duas grandes divisões dentro da Geografia que oferecem diferentes concepções para o objeto de estudo denominado “espaço”, sendo elas: Geografia Física e Geografia Humana. De acordo com Oliveira Latuf (2007, p. 205), A distinção entre Geografia Física e Geografia Humana foi sendo realizada sob diversas óticas. De um lado, os naturalistas e geógrafos ditos “físicos” deram uma expressiva contribuição para esta divisão, devido à necessidade de classificar, mapear, enquadrar, compreender e modelar as relações ecológicas, biogeográficas, hidro-climáticas e geomorfológicas por meio da observação e compreensão da natureza e seus processos formadores. De outro lado, evoluía uma Geografia voltada para a compreensão das formas e processos da sociedade, pautada nas Ciências Humanas, como por exemplo, a Economia, a Sociologia, a Antropologia, dentre outras. De fato, essa divisão dentro da Geografia tomou forma durante um longo decurso histórico-temporal como, por exemplo, Heródoto (485 a.C. - 425 a.C.), que em sua obra intitulada “Euterpe”, descrevia a Geografia Física e Humana do Egito. Já Aristóteles (384 a.C. - 323 a.C.) demonstrou cientificamente que a Terra tinha uma forma esférica. Durante o Renascimento (1400 a 1600 d.C.), vários exploradores como Cristóvão Colombo, Vasco da Gama, Fernando Magalhães e Jacques Cartier adicionaram contribuições importantes tanto para a Geografia Humana quanto para a Geografia Física, por meio de seus diários de bordo, mapas cartográficos e descrições dos mais variados e distintos pontos do Globo. Por meio
  • 27. 26 de várias escolas, como as Escolas Francesa, Alemã, Inglesa e Norte-Americana, essa divisão dentro da Geografia se consolidou. Na presente dissertação, inicia-se a análise do espaço a partir dessa divisão, a começar pela Geografia Física. De acordo com Nascimento (2004, p. 167), Entende-se por Geografia Física o estudo da organização espacial dos geossistemas, de vez que essa organização se expressa pela estrutura conferida pela distribuição e arranjo espacial dos elementos que compõem o universo do sistema, os quais são resultantes da dinâmica dos processos atuantes e das relações entre os elementos. Observa-se que, na Geografia Física, o espaço geográfico é o espaço concreto ou físico presente na estrutura de elementos que compõem o sistema, resultantes das dinâmicas estruturais do globo terrestre, ou seja, os elementos que compõem o Globo, dentro da dinâmica ecológica, biogeográfica, hidroclimática e geomorfológica. Apesar de a Geografia Física oferecer uma vasta quantidade de informações sobre os elementos espaciais, sobretudo na modernidade, em que a tecnologia facilita a captação de tais dados, é possível iniciar a análise da Geografia Física a partir de Humboldt. Para a maioria dos geógrafos, a construção da Geografia como uma ciência técnica e metodológica emergiu das obras dos alemães Alexander Von Humboldt, importante geólogo, botânico e naturalista, Karl Ritter, historiador e filósofo, e Friedrich Ratzel, geógrafo e etnólogo. Para Camargo e Reis Júnior (2007, p. 83), [...] somente nos meados do século XIX, na Alemanha, com A. von Humboldt, K. Ritter e F. Ratzel, que ela passou a ter status de ciência, sendo, a partir dessa época, ensinada e praticada nas universidades. Formou-se então uma corrente de pensamento no seio da geografia que ficou conhecida como “escola alemã”, cuja característica central era o fato de ser iminentemente determinista e naturalista. Humboldt (1845–1862), por meio de seu tratado de 1845 sobre a ciência da natureza, intitulado “Kosmo”, que é um compilado de suas aulas ministradas na Universidade de Berlim, instituiu de maneira sólida alguns dos aspectos da Geografia Física. Na introdução de sua obra, é possível observar a abordagem da Física pelo estudo dos processos físicos, e a abordagem da Geografia Física
  • 28. 27 presente na paisagem, por meio do estudo dos elementos da natureza. Humboldt (1982), em sua obra, introduzia o conceito de paisagem, e a partir disso traçava um paralelo por meio da conexão desses elementos da natureza com os processos físicos. Vejamos: Após uma longa ausência do meu país natal, ao tentar desenvolver os fenômenos físicos do Globo e a ação simultânea das forças que permeiam as regiões do espaço, experimento uma dupla causa de ansiedade. O assunto perante mim é tão inesgotável e tão variado, que receio cair na superficialidade do enciclopedista ou cansar a mente do meu leitor com aforismos que consistem em meras generalidades revestidas de formas secas e dogmáticas. [...] ao acatarmos o estudo dos fenômenos físicos, não apenas na sua orientação para as necessidades materiais da vida, mas na sua influência geral sobre o avanço intelectual da humanidade, consideramos que o seu resultado mais nobre e mais importante é o conhecimento da cadeia de ligação, pela qual todas as forças natais estão ligadas entre si e se tornam mutuamente dependentes umas das outras. É a percepção dessas relações que exalta os nossos pontos de vista e enobrece os nossos prazeres2 (HUMBOLDT, 1864, p. 1, tradução nossa). Além disso, o geógrafo realizou várias viagens que contribuíram para conceber algumas de suas principais ideias, utilizando seu método comparativo de estudo científico das paisagens, que confrontava de forma sistêmica as diferenças e similaridades de diversas paisagens. Observa-se que, a princípio, o objeto de estudo da Geografia Física era limitado apenas à paisagem e se estudava os elementos que a compunham. Contudo, a partir da análise científica, a Geografia Física expandiu as possibilidades de análise do espaço. Aprofundou seus processos e fenômenos físicos, biológicos e químicos, sendo, portanto, uma forte corrente presente no estudo da ciência geográfica. É possível observar que, atualmente, a Geografia Física dividiu-se em alguns ramos de especialização como a Geomorfologia, Hidrologia, Glaciologia, 2 In attempting, after a long absence from my native country, to develope the physical phenomena of the globe and the simultaneous action of the forces that my reader by aphorisms consisting of mere generalities clothed in dry and dogmatical forms. (...) In considering the study of pervarde the regions of space, I experience a twofold cause of anxiety. The subject before me is so inexhaustible and so varied, that I fear either to fall into the superficiality of the encyclopeadist, or to weary the mind of physical phenomena, not merely in its bearings on the material wants of life, but in its general influence on the intelectual advancement of mankind, we find its noblest and most importante result to be a knowledge of the chain of connection, by which all natual forces are linked together, and made mutually dependente upon each other, and it is the perception of these relations that exalts our views and ennobles our enjoyments.
  • 29. 28 Biogeografia, Climatologia, Pedologia, Paleogeografia, Orografia, Geografia Litorânea e Geografia Astronômica (Idem). Nesse momento, pode-se introduzir o conceito de espaço na Geografia Humana, que em sua concepção originária procurava elucidar a organização espacial, os padrões de distribuição espacial e as relações que conectam diferentes pontos do espaço e sua relação com o homem. Para isso, é possível observar as importantes contribuições de Karl Ritter e Ratzel que, em suas obras, propõem um estudo mais direcionado à relação entre o homem e a superfície terrestre. Para Ritter (1865), a compreensão da relação do homem com a superfície era um meio de se aproximar de uma moral transcendente, uma vez que o homem só seria passível de compreender a plena liberdade, por meio do conhecimento do espaço finito que o cerca. Assim, só ele pode compreender o pensamento sublime de sua própria liberdade, a independência de sua própria vontade no reino da natureza, e aprender a majestade de seu próprio espírito; pois o conhecimento dessa liberdade, que é o mais nobre de todos os dons de Deus para ele, é a chave mais direta para alcançar aquele lugar no presente, e aquele destino no futuro, que Deus designou para o homem. Aquele que não conhece o terreno não pode conhecer o celestial; quem não conhece o finito não pode conhecer o infinito3 (RITTER, 1865, p. 19, tradução nossa). Nesse sentido, a Geografia precisava entender a lógica dos comportamentos dos agentes sociais para poder elucidar a localização das atividades humanas, os fluxos das pessoas e sua relação com o espaço natural. Assim sendo, é possível observar novamente Ritter abordar uma análise de como o espaço influi em um povo ao mesmo passo em que o povo influi no espaço. As regiões montanhosas tiveram, portanto, uma grande influência na história e no desenvolvimento da humanidade, ainda maior do que os planaltos mais monótonos, que em geral abrigam raças nômades e dão pouco incentivo aos povos permanentemente assentados. Por essa razão, o geógrafo não pode, como o geólogo, classificar planícies altas e montanhas juntas; ele não pode tirar as mesmas inferências do platô e da cordilheira; para o geógrafo, o planalto não é um tipo inferior de montanha, mas os dois, em suas relações com o 3 Thus, alone can he compass the sublime thought of his own freedom, the independence of his own will in the kingdom of Nature, and learn the majesty of his own spirit; for the knowledge of that freedom, which is the most noble of all God's gifts to him, is the most direct key to the attainment of that place in the present, and that destiny in the future, which God has appointed for man. He who knows not the earthy, cannot know the heavenly; he who knows not the finite, cannot know the infinite.
  • 30. 29 homem e com a história, sugerem resultados inteiramente diferentes e condicionam processos inteiramente diferentes4 (RITTER, 1865, p. 91, tradução nossa). Observa-se que Ritter (1865), em sua comparação das paisagens montanhosas em relação aos planaltos, afirma que o ambiente resulta em diferentes tipos de sociedade, uma vez que, por exemplo, os planaltos dão pouco incentivo aos assentamentos permanentes, induzindo o povo a ser nômade, diferentemente das regiões de cadeias montanhosas, que possuem os elementos necessários e favoráveis à permanência. Já Friedrich Ratzel (1906) destacou-se por dar maior ênfase ao homem em suas concepções geográficas. Nota-se grande ímpeto em analisar a Geografia sob a ótica de sua formação antropológica, sobretudo em sua obra Über geographische Bedingungen und ethnographische Folgen der Völkerwanderungen. Por meio da tradução de Jörn Seemann (2012), é possível afirmar que Ratzel observava as organizações dos homens. Vejamos: Não podemos fugir de certas influências do nosso ambiente, sobretudo daquelas que atuam sobre o nosso corpo; lembro-me daquelas [influências] do clima e da alimentação. É sabido que o espírito também está sobre a influência do caráter geral do cenário que nos cerca. Mas, para outros, esse grau de influência que essas [forças] exercem depende em grande medida da força de vontade que se opõe a elas. Podemos nos defender dela, contanto que o queiramos. Um rio grande que forma uma linha fronteiriça para um povo indolente não representa uma barreira para um povo determinado. [...]. Assim se mede as influências, que estamos inclinados a atribuir às circunstâncias externas na história dos povos, na sua totalidade pela força da vontade pertencente a esses povos. Quanto mais forte e mais duro esse [povo], menores os impactos daqueles [efeitos da natureza] (SEEMAN apud RATZEL, 2012, p.10). Partindo dessa concepção, estudava-se o espaço a partir das organizações resultantes da relação homem/natureza. De acordo com Sorre (2003, p. 139), “Em boa parte, a Geografia Humana apresenta-se como uma ecologia do homem. Examinemos cada um dos termos dessa relação”. Observa-se que o objeto de 4 Mountain regions have therefore had a great influence in history and in the development of humanity, even greater than the more monotonous plateaus, which in general harbor nomadic races and give little encouragement to permanently settled people. For this reason, the geographer cannot, like the geologist, classify high table-lands and mountains together; he cannot draw the same inferences from the plateau as from the mountain range; to the geographer the plateau is not a lower type of mountain, but the two, in their relations to man and to history, suggest entirely different results and condition entirely different processes.
  • 31. 30 estudo da Geografia Humana é, portanto, a totalidade das interações humanas e seus desdobramentos, ou seja, o espaço de estudo na Geografia Humana se limita aos próprios atos humanos em sua relação com o natural, uma vez que o comportamento humano exerce tanta influência sobre o espaço quanto a própria natureza. Em meados da década de 1970, por meio de um movimento crítico originário da Escola de Frankfurt, rompeu-se com a ideia de neutralidade científica para fazer da Geografia Humana uma ciência apta a elaborar uma crítica radical à sociedade capitalista, pelo estudo do espaço e das formas de apropriação da natureza. Por meio da teoria crítica, iniciou-se um movimento que alterou a ótica da ciência humana, sobretudo após a publicação da obra "A Geografia – isso serve, em primeiro lugar, para fazer a guerra", de Yves Lacoste. De acordo com o geógrafo, A geografia é, de início, um saber estratégico estreitamente ligado a um conjunto de práticas políticas e militares e são tais práticas que exigem o conjunto articulado de informações extremamente variadas, heteróclitas à primeira vista, das quais não se pode compreender a razão de ser e a importância, se não se enquadra no bem fundamentado das abordagens do Saber pelo Saber. São tais práticas estratégicas que fazem com que a geografia se torne necessária, ao Chefe Supremo, àqueles que são os donos dos aparelhos do Estado (LACOSTE, 1985, p. 23). Nota-se que o conceito de espaço foi totalmente redefinido pela Geografia Crítica, uma vez que é perceptível, por meio dos posicionamentos de Yves Lacoste, que os estudos geográficos se voltaram para uma crítica social, sobretudo na relação entre Estado, sociedade e espaço. Assim como a Cultura, a Política e a Economia são instâncias da sociedade passíveis de serem estudadas por meio das metodologias científicas dominantes em cada área, também seria possível acontecer com o estudo do espaço como um produto social, uma vez que o mesmo reflete os processos e conflitos sociais ao mesmo tempo em que influi neles. Nesse sentido, o espaço geográfico expandiu seu objeto de estudo para além da relação homem/natureza, abrangendo a relação homem/homem por meio do espaço social resultante das relações das pessoas, das instituições e da paisagem entre si. A partir dessa concepção, a Geografia passou a se engajar em estudos políticos na defesa da diminuição das desigualdades regionais e a se envolver em outras áreas de especialização como Economia, Direito, Ciências Médicas, etc.
  • 32. 31 Como ramos de especialização da Geografia Humana é possível observar a Geografia Econômica, Geografia Cultural, Geografia do Trabalho, Geografia Social, Geografia Histórica, Geografia Rural, Geografia Ambiental, Geografia Médica, Geopolítica, Urbanismo e Ecologia Humana (idem.). Destaca-se, nesse momento, que tanto o capítulo um quanto o capítulo dois do presente estudo, firmarão as bases conceituais para conceber a ideia de ciberespaço como um território, para que nos capítulos três e quatro se estabeleça um diálogo acerca da função social dos fluxos de informação presentes no espaço cibernético e as implicações que uma regulação poderia acarretar no desenvolvimento do território. A partir da abordagem dos espaços, será possível introduzir as concepções relacionadas a território e à territorialidade, elementos essenciais para compreender como é a configuração espacial em rede. 2.2 TERRITÓRIO Uma vez que o espaço é o objeto de estudo da Geografia e sendo esta a portadora da realidade, é necessário observar a concepção de território, que constitui um dos elementos presentes no espaço. A abordagem da concepção de território, contudo, será feita tão somente no tocante à Geografia Humana, uma vez que o objeto deste estudo, o ciberespaço, não é elemento puramente físico ou predeterminado da natureza. Além disso, é necessário pontuar que, apesar de o território possuir elementos materiais presentes no espaço geográfico, sua existência depende diretamente de uma ação humana, fruto de um processo de interesses sociais e políticos. Não é difícil afirmar que o conceito de território diverge e se altera de acordo com a dinâmica espaço/tempo, uma vez que as sociedades, as políticas, as pesquisas e as jurisdições se modificam. Para o pesquisador Haesbaert, o conceito de território apresenta uma face abrangente. Segundo o pesquisador, Território tem sido uma expressão ambígua, que pode designar desde um espaço social qualquer, como predomina no senso comum e entre alguns geógrafos, até um espaço marcado e defendido por determinadas espécies animais, seu espaço de sobrevivência, como é definido pela etologia. Pode ter tanto um sentido totalmente abstrato, como o “território da filosofia”, quanto muito concreto, o “território dos Estados-nações.” (HAESBERT, 1997, p. 32).
  • 33. 32 Nesse sentido, é possível perceber que tal conceito é mutável e aplicável de várias formas. Porém, para conduzir melhor a dissertação, diante da ambiguidade e das várias possibilidades modernas de aplicação da concepção de território, a análise desses conceitos iniciará a partir da etimologia da palavra. Le Berre (1992, p. 618) elucida o conceito de território da seguinte forma: “Originário do latim territorium (por sua vez derivado de terra), o termo figurava nos tratados de agrimensura significando ‘pedaço de terra apropriada’ e só se difundiu efetivamente na Geografia no final dos anos 70”. Nota-se que a concepção de território, em sua efetiva aparição em meados dos anos 70, estava intimamente atrelada à apropriação de uma porção de terras para fins de uso específico, sendo presumido um processo social e/ou político diante de determinadas ações. Contudo, como dito anteriormente, tal concepção se modificou no lapso temporal, sendo possível observar conceitos deveras semelhantes no decorrer das épocas como, por exemplo, a palavra “província”, que vem do latim pro, “à frente”, mais vincere, “vencer”, que em sua concepção romana definia os territórios sob o domínio de um magistrado que controlava uma porção de terra em nome do Império. Temos também, como exemplo, a palavra patriarcado, que deriva das palavras gregas, patér, “pai”, mais arkhé, “poder”. Em seu período, essa palavra determinava uma porção de terra governada pelo patriarca, o líder de uma unidade que comandava a estruturação das ações administrativas, judiciárias e religiosas a serem desempenhadas por todos que compartilhavam aquele espaço sob a jurisdição do patriarca. Nesse sentido, é sempre perceptível junto à figura do território, a presença de uma relação de poder dos indivíduos sobre o espaço. Observa-se que a concepção de território foi construída no decorrer das épocas, como um fruto da organização do espaço, segundo os interesses e objetivos dos indivíduos que ali se localizavam. Aprofundando-se ainda mais no conceito, é possível afirmar que o território é, por si só, o receptáculo de uma entidade governamental formada e estruturada pelos indivíduos que se apropriam e estruturam o espaço, a partir de um objetivo coletivo. Diante da relação de poder existente na formação do território, pode-se presumir a existência de um conjunto de leis e normas que regem o comportamento dos indivíduos dentro dos limites da jurisdição. Apesar de o termo território ser de difícil definição, sob a ótica do Direito existe um consenso entre os juristas em dizer que o território é um dos três
  • 34. 33 principais elementos para a formação de um Estado. Nesse sentido, Bonavides (2000, p. 122) consente da seguinte forma "a doutrina de mais peso se inclina para a consideração do território como elemento essencial ao conceito de Estado". Tal concepção do Direito também é compartilhada na Geopolítica. Ratzel (1990) sempre ressaltava a importância do território como um dos elementos essenciais para a formação de um Estado e afirmava que, Mesmo que a ciência política tenha ignorado as relações de espaço e a posição geográfica, uma teoria de Estado que fizesse abstração do território não poderia jamais, contudo, ter qualquer fundamento seguro. [...] sem território, não se poderia compreender o incremento da potência e a solidez do Estado (RATZEL, 1990, p. 73-74). Essa concepção possui uma origem no sistema de leis advindas do Império Romano, onde a fixação dos limites de um território era condição fundamental para exercer o domínio sobre determinado espaço e impor suas leis. Ratzel corrobora as afirmações anteriores. Como o Estado não é concebível sem território e sem fronteiras, constituiu-se bastante rapidamente uma geografia política, e ainda que nas ciências políticas em geral se tenha perdido de vista com frequência a importância do fator espacial, da situação etc., considera-se, entretanto, como fora de dúvida que o Estado não pode existir sem um solo. Abstraí-lo numa teoria do Estado é uma tentativa vã que nunca pôde ter êxito senão de modo passageiro (RATZEL, 1983, p. 93). Percebe-se que o território é condição sine qua non5 para que a soberania de um povo se torne legítima como um Estado, sendo este um dos principais motivos de conflito em algumas regiões do mundo. Como exemplo de conflitos entre povos envolvendo o mesmo espaço, no que tange à definição de um território, temos Israel e Palestina, em que não há consenso pela demarcação dos territórios em um mesmo espaço. Sendo assim, cada povo reivindica o mesmo espaço como um território para exercer seus objetivos, impor suas leis, realizar suas atividades, ampliar sua cultura, etc. O conflito entre os dois povos causa incidentes diplomáticos sob a ótica internacional, no que diz respeito ao reconhecimento de um dos povos como um Estado. 5 Sine qua non ou conditio sine qua non é uma expressão do latim que pode ser traduzida como “sem a/o qual não pode ser”. Refere-se a um ato/elemento cuja condição é indispensável e essencial para o ser/existência de algo.
  • 35. 34 A ideia do território como um receptáculo dos elementos componentes de um Estado se intensificou com Ratzel, sobretudo ao cunhar o termo “Geografia Política”, que atrelou a percepção de território intensamente à figura de um Estado que domina e controla uma porção de terra. Nesse sentido, o “Lebensraum”, traduzindo do alemão, “espaço vital”, surgiu como um conceito inovador e uma das principais proposições de Ratzel. O espaço vital inaugurou algumas das concepções da Geografia Política moderna, em que se disseminava a ideia de que deveria haver o equilíbrio entre a demografia populacional e a disponibilidade de recursos espaciais. Nota-se que a dinâmica territorial em Ratzel muito se assemelha à concepção territorial adotada pelas doutrinas majoritárias relacionadas ao Direito, sobretudo, no que tange aos elementos de formação do Estado. Ratzel agrega uma importância ao território como fonte de poder Estatal como nunca antes visto. No mais tardar, a ideia de espaço vital iria influenciar diretamente o Reich alemão em sua expansão, uma vez que a concepção de espaço vital justificava a invasão de povos “primitivos” como meio de satisfazer as necessidades de um povo “superior”. Font e Rufi (2006, p. 59), em um breve comentário sobre o espaço vital, afirmam que: Renunciar à luta, renunciar ao espaço vital, significará a decadência de um povo. Esta lógica é a que marcará a dinâmica territorial do Estado, uma lógica de caráter hobbesiano em que o conflito fica legitimado por um direito natural, o de dar segurança e satisfação às necessidades da população. Com isto, Ratzel afasta-se da posição determinista intransigente que pouco a pouco tinha adquirido. Segundo ele, apenas as sociedades frágeis e primitivas sofrem de submissão ao meio; as restantes movem-se na marca do possibilismo, lutando pelo território de acordo com suas necessidades e capacidades. De fato, toda a teoria do lebensraum é expressão deste possibilismo. Denota-se que a luta pelo território como fonte de poder expandiu as dimensões de análise do espaço, uma vez que o estudo geográfico assumiu uma forma mais política e governamental, sobretudo por meio do planejamento jurídico e estratégico militar, cujo objetivo expansionista era almejado pelos Estados Nacionalistas da época, posto que o território, por si só, era considerado uma fonte de poder e controle sobre tudo que existia sobre e sob a porção do espaço. De acordo com Queiroz e Bachiega (2020, p. 194),
  • 36. 35 Com Ratzel, inicia-se o estudo sistemático da dimensão geográfica da política, que tem como corolário basilar a premissa de que a expansão territorial de um povo é justificável se o espaço almejado for capaz de prover os meios para a satisfação de suas necessidades — portanto, a espacialidade ou a territorialidade do Estado era o principal objeto de preocupações. Essa premissa indicava a ideia do que seria o Estado e sua ligação com o território como uma fonte de poder — e passou a ser utilizado por líderes políticos como justificativa para aventuras expansionistas em busca do equilíbrio entre as necessidades de uma dada população e a disponibilidade de recursos que o meio oferece para supri-las. O conceito de espaço vital influenciou totalmente o século XX e toda a sua posteridade, uma vez que tal concepção inspirou, voluntária ou involuntariamente, os moldes da Segunda Guerra Mundial. Nesse sentido, o aspecto regulador de um território quanto à sua delimitação, por meio do Direito Internacional, tomou proporções ainda maiores. Segundo Alves (1988, p. 14), Foram os nacionais-socialistas alemães, tendo à sua frente a figura carismática de Adolfo Hitler, que exaltaram, robusteceram e projectaram, entre o início dos anos vinte e o término da Segunda Guerra Mundial, em 1945, mas, fundamentalmente, entre os anos de 1933 e de 1942, o conceito de espaço nacional – o então designado “espaço vital” (lebensraum), tornando-o por outro lado “maldito” pelos estudiosos da Geopolítica e pelos que, mais ou menos directamente, tiveram de arrostar com os efeitos decorrentes da tentativa da sua execução. Apesar de o século XX ter sido marcado pelas grandes guerras mundiais, são inegáveis os avanços tecnológicos e jurídicos alçados durante o período, sobretudo com relação à solidificação dos direitos do homem e a fortificação dos Estados como entidades soberanas, por intermédio do Direito Internacional. Pode-se dizer que foi Ratzel que deu duas definições distintas ao termo “território”. A primeira, o espaço material delimitado sob alguma metodologia humana, e o segundo, o território sob o aspecto jurídico governamental, em que a entidade Estado habita o receptáculo do território. Como bem pontuado por Ratzel, um Estado só possui solidez por meio do território, que é a base de toda uma sociedade soberana. A partir dessa concepção mais sólida, é possível estabelecer uma jurisdição de leis, comportamentos, culturas, etc. A figura do território como sendo a base de uma relação de poder estatal será importante no decorrer da presente dissertação, sobretudo quando se analisar os novos modelos de guerra, principalmente a tecnológica. Veremos que a informação
  • 37. 36 assumiu o “status” de um novo modelo de controle e uma nova dinâmica de poder, por meio do controle do “espaço vital”, que na modernidade está intimamente ligado às dinâmicas digitais. Contudo, convém abordar como se deu o avanço da concepção de território e sua delimitação no pós-guerra, período inclusive em que ocorreu o nascimento da internet e solidificou o ciberespaço. Como dito anteriormente, a concepção de território é mutável no decorrer do espaço/tempo. Sendo assim, foi possível perceber como aconteceu a consolidação dos territórios até a guerra. Nesse sentido, após o desfecho da Segunda Guerra Mundial, a dinâmica de expansão e conquista territorial pelos Estados por meio da guerra ou força foi reduzida de maneira estrondosa com a criação da Organização das Nações Unidas (ONU), uma organização intergovernamental designada para promover a cooperação internacional. Originada da Liga das Nações, a Organização foi instituída em 24 de outubro de 1945, após o término da Segunda Guerra Mundial, com o objetivo de se evitar que outra guerra nas mesmas proporções ocorresse. A ONU e o Direito Internacional surgiram como entidades que julgam os conflitos territoriais dos países, valendo-se do princípio6 da “inadmissibilidade da aquisição de território pela guerra ou força”. Sob as mesmas orientações da ONU, a Carta da Organização dos Estados Americanos (OEA), que foi celebrada na IX Conferência Internacional Americana, de 30 de abril de 1948, ocorrida em Bogotá, estabeleceu normas específicas aos seus assinantes. No que se refere ao território, em seu artigo 21, o tratado assim dispõe: O território de um Estado é inviolável; não pode ser objeto de ocupação militar, nem de outras medidas de força tomadas por outro Estado, direta ou indiretamente, qualquer que seja o motivo, embora de maneira temporária. Não se reconhecerão as aquisições territoriais ou as vantagens especiais obtidas pela força ou por qualquer outro meio de coação. (ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS - OEA, 1967, s. n). Nota-se que no pós-guerra, a delimitação territorial dos Estados assume uma forma totalmente política e sólida, em que o princípio da “inadmissibilidade da 6 No Direito, as definições mais amplas de um “princípio” o concebem como sendo o fundamento de uma norma jurídica. São conhecidas como as “vigas” do Direito, que não estão definidas em nenhum diploma legal, mas são verdades fundantes de um sistema de conhecimento já admitidos.
  • 38. 37 aquisição de território pela guerra ou força” rege totalmente as relações territoriais das entidades estatais. A violação dos princípios estabelecidos pelos Estados Membros da ONU e OEA, por exemplo, gera consequências aos interesses políticos dos Estados, com sanções e embargos internacionais. As sansões, sejam diplomáticas, econômicas, militares, desportivas ou contra indivíduos, tornaram as guerras expansionistas onerosas aos cofres estatais, desestimulando os moldes de expansão do século passado. Diante de tal cenário, a estrutura dos territórios e das guerras mudou completamente, principalmente no cenário da globalização, em que as delimitações do espaço, apesar de existirem, se tornaram facilmente transponíveis pelos indivíduos, favorecendo a integração dos povos e beneficiando ainda mais os novos modelos de guerra, em que o comércio, a informação, a ciência e a cultura se constituíram nos novos meios de controle territoriais. Nesse sentido, observa-se como exemplo recente, a guerra comercial entre a China e os EUA, que ocorreu em 2018, e vem apresentando consequências no cenário global até o presente momento. A guerra comercial entre os países teve início quando o presidente norte-americano, Donald Trump, com base na Lei de Comércio de 1974, nas acusações de práticas comerciais desleais e roubo de propriedade intelectual americana por parte dos chineses, anunciou em 22 de março de 2018, uma lista de tarifas avaliadas em US$ 50 bilhões de dólares que seriam impostas às importações provenientes da China. Em resposta às medidas ordenadas pelo governo norte-americano, o governo chinês impôs tarifas em vários produtos importados dos EUA, como a soja, que é uma das mais importantes exportações estadunidenses. Conforme publicação realizada pelo Escritório do Representante Comercial dos Estados Unidos (USTR), Sob a liderança do presidente Trump, os Estados Unidos estão empenhados em reequilibrar a relação comercial Estados Unidos- China para alcançar um comércio mais justo e recíproco. Após anos de diálogos Estados Unidos-China que produziram resultados mínimos e compromissos que a China não honrou, os Estados Unidos estão tomando medidas para confrontar a China por causa de suas transferências forçadas de tecnologia, práticas de propriedade intelectual e ciberintrusões de redes comerciais que distorcem o mercado dos Estados Unidos.7 (USTR, 2018, s.n, tradução nossa). 7 Under President Trump’s leadership, the United States is committed to rebalancing the U.S.-China trade relationship to achieve more fair and reciprocal trade. After years of U.S.-China dialogues that produced minimal results and commitments that China did not honor, the United States is taking action
  • 39. 38 Também é possível observar uma guerra tecnológica e informacional entre os dois países, com o objetivo de expandir seus poderes pelos mais variados territórios modernos. Além dos territórios comerciais, observa-se a busca constante pelo domínio dos territórios digitais, sendo notório o uso de dados de usuários para fins políticos de controle de um determinado espaço. Conforme o U.S. Department of Commerce, Em resposta às Ordens Executivas do presidente Trump, assinadas em 6 de agosto de 2020, o Departamento de Comércio (Comércio) anunciou hoje as proibições de transações relacionadas a aplicativos móveis (apps) WeChat e TikTok para salvaguardar a segurança nacional dos Estados Unidos. O Partido Comunista Chinês (PCC) demonstrou os meios e motivos para usar esses aplicativos para ameaçar a segurança nacional, a política externa e a economia dos EUA8 (U.S. DEPARTMENT OF COMMERCE, 2020, s.n, tradução nossa). É possível constatar, também, a guerra tecnológica e informacional entre a China e a Índia, quando o governo Indiano, em 29 de Junho de 2020, proibiu aproximadamente 59 aplicativos chineses em seu território, sob a justificativa de que eles ofereciam risco à soberania e à segurança nacional, por meio da captação de dados. O Ministério de Tecnologia da Informação, invocando seu poder sob a seção 69A da Lei de Tecnologia da Informação, leu as disposições relevantes das Regras de Tecnologia da Informação (Procedimento e Salvaguardas para Bloqueio do Acesso à Informação pelo Público) de 2009 e, em vista da natureza emergente das ameaças, decidiu bloquear 59 aplicativos (ver apêndice), uma vez que, em vista das informações disponíveis, eles desenvolvem atividades prejudiciais à soberania e integridade da Índia, defesa da Índia, segurança do Estado e ordem pública 9 (PRESS INFORMATION BUREAU GOVERNMENT OF INDIA, 2020, s.n, tradução nossa). to confront China over its state-led, market-distorting forced technology transfers, intellectual property practices, and cyber intrusions of U.S. commercial networks. 8 In response to President Trump’s Executive Orders signed August 6, 2020, the Department of Commerce (Commerce) today announced prohibitions on transactions relating to mobile applications (apps) WeChat and TikTok to safeguard the national security of the United States. The Chinese Communist Party (CCP) has demonstrated the means and motives to use these apps to threaten the national security, foreign policy, and the economy of the U.S. 9 The Ministry of Information Technology, invoking it’s power under section 69A of the Information Technology Act read with the relevant provisions of the Information Technology (Procedure and Safeguards for Blocking of Access of Information by Public) Rules 2009 and in view of the emergent nature of threats has decided to block 59 apps ( see Appendix) since in view of information available they are engaged in activities which is prejudicial to sovereignty and integrity of India, defence of India, security of state and public order.
  • 40. 39 Além disso, em 02 de setembro de 2020, o governo indiano, após o aumento das tensões na disputa territorial entre os dois países, bloqueou mais 118 aplicativos sob a mesma justificativa. Vejamos: O Ministério de Eletrônica e Tecnologia da Informação do Governo da Índia, invocando seu poder sob a seção 69A da Lei de Tecnologia da Informação, lida com as disposições relevantes das Regras de Tecnologia da Informação (Procedimento e Salvaguardas para Bloqueio de Acesso à Informação pelo Público) de 2009 e, em vista da natureza emergente das ameaças, decidiu bloquear 118 aplicativos móveis (ver apêndice), visto que as informações disponíveis, eles estão envolvidos em atividades que são prejudiciais à soberania e integridade da Índia, defesa da Índia, segurança do Estado e ordem pública10 (MINISTRY OF ELECTRONICS & IT, 2020, s.n, tradução nossa). Diante da impossibilidade da realização de guerras, os novos campos de batalha são os espaços da informação, do comércio, da cultura, e outros espaços que cada vez mais se tornam legítimos na modernidade. Nesse sentido, o governo chinês possui um modelo de controle dos fluxos de informação em seu território quase que total. Parte de seu modelo é criticado pelos líderes mundiais. Conforme exposto anteriormente, com relação aos aplicativos chineses, as soberanias ao redor do Globo criticam, sobretudo, um dispositivo de lei que obriga a cooperação de cidadãos e corporações com a Lei de Inteligência Nacional Chinesa, sendo que as corporações dominam os aplicativos digitais. Assim sendo, parte dos líderes mundiais temem a possibilidade de o artigo 7º da Lei de Inteligência Nacional Chinesa e o artigo 77 da Lei de Segurança Nacional Chinesa permitirem o uso dos dados de usuários, que deveriam ser sigilosos, em prol do governo chinês. Vejamos os polêmicos artigos 7º e 77. LEI DE INTELIGÊNCIA NACIONAL DA REPÚBLICA POPULAR DA CHINA Artigo 7º Qualquer organização e cidadão deve, de acordo com a lei, apoiar, ajudar e cooperar com o trabalho de inteligência do Estado e manter os segredos do trabalho de inteligência do Estado que 10 The Ministry of Electronics and Information Technology, Government of India invoking it’s power under section 69A of the Information Technology Act read with the relevant provisions of the Information Technology (Procedure and Safeguards for Blocking of Access of Information by Public) Rules 2009 and in view of the emergent nature of threats has decided to block 118 mobile apps (see Appendix) since in view of information available they are engaged in activities which is prejudicial to sovereignty and integrity of India, defence of India, security of state and public order.
  • 41. 40 cheguem ao seu conhecimento. O Estado deve dar proteção aos indivíduos e organizações que apoiam, ajudam e cooperam com o trabalho de inteligência do Estado (REDE DO CONGRESSO NACIONAL DO POVO DA CHINA, 2018, s.n). LEI DE SEGURANÇA NACIONAL DA REPÚBLICA POPULAR DA CHINA Capítulo VI. Obrigações e direitos dos cidadãos e organizações Artigo 77: Os cidadãos e as organizações devem cumprir as seguintes obrigações para salvaguardar a segurança nacional. (1) Cumprir as disposições relevantes da Constituição, leis e regulamentos sobre segurança nacional. (2) Comunicar em tempo útil pistas de atividades que ponham em perigo a segurança nacional. (3) Fornecer provas de atividades que ponham em perigo a segurança nacional de que tenham conhecimento. (4) Fornecer instalações ou outra assistência para o trabalho de segurança nacional. (5) Prestar o apoio e assistência necessários aos órgãos de segurança do Estado, órgãos de segurança pública e órgãos militares relevantes. (6) Guardar segredos de Estado que cheguem ao seu conhecimento. (7) Outras obrigações estipuladas por leis e regulamentos administrativos. Nenhum indivíduo ou organização pode agir contra a segurança do Estado, ou prestar qualquer apoio financeiro ou assistência a indivíduos ou organizações que ponham em perigo a segurança do Estado (MINISTÉRIO DA DEFESA DA REPÚBLICA POPULAR DA CHINA, 2016, s.n). De acordo com Geoff Mulgan (2005, p. 205), “O governo sempre se preocupou com a informação e a comunicação tanto quanto com o controle e a coerção”. O dispositivo da lei em questão, acima disposto, é mais um exemplo de como o cenário da expansão territorial mudou e como os Estados lidam com os novos cenários e organizações espaciais, em que a informação se tornou símbolo de poder, tal qual a expansão territorial era na Segunda Guerra Mundial. O dispositivo em questão é um dos motivos de os Estados Unidos e a Índia terem banido vários aplicativos chineses de seu território, posto que a possibilidade de o governo chinês estar captando informações, direta ou indiretamente, é plenamente possível, visto que todas as corporações devem colaborar com o serviço de inteligência nacional. Tal captação resulta em informações privilegiadas sobre a expansão comercial, tecnológica, cultural, etc. Percebe-se que os conflitos territoriais se expandiram para outros patamares.
  • 42. 41 Diante do cenário pós-guerra, em que o princípio da inviolabilidade dos territórios e o princípio da inadmissibilidade de expansão por meio de guerra ou força se tornaram a norma regente dos conflitos internacionais, e a aplicação de sanções tornaram a expansão por guerra deveras dispendiosa, o avanço das tecnologias da informação possibilitou a realização de guerras em outras dimensões territoriais. Dessa forma, é possível relembrar a ambiguidade do conceito de território proposto por Haesbaert (1997), uma vez que, na modernidade, é possível afirmar a existência de territórios “imateriais”, por meio dos elementos comerciais, tecnológicos, culturais, etc. Nesse passo, é possível relembrar, também, Yves Lacoste (1985), em sua proposição sobre a Geografia ser, a princípio, uma arma eficiente para “fazer guerra”, e o estabelecimento de guerras entre os Estados nesses territórios “imateriais” já ser uma realidade. Nesse sentido, Lacoste (1985) pontua que, tanto a Geografia Física quanto a Humana, (por meio dos aspectos econômicos, sociais, demográficos, políticos, e na modernidade, por meio dos territórios digitais, comerciais e culturais), servem para o controle do Estado, sob a organização dos homens e para a guerra. A geografia, enquanto descrição metodológica dos espaços, tanto sob os aspectos que se convencionou chamar "físicos", como sob suas características econômicas, sociais, demográficas, políticas (para nos referirmos a um certo corte do saber), deve absolutamente ser recolocada, como prática e como poder, no quadro das funções que exerce o aparelho de Estado, para o controle e a organização dos homens que povoam seu território e para a guerra (LACOSTE, 1988, p. 23). Nesse modelo moderno de território, percebe-se o interesse cada vez maior dos Estados em expandir seu domínio comercial, cultural e tecnológico, sobretudo no ciberespaço, que é a maior fonte de dados e informação das massas. A ampliação das possibilidades de relação de controle do espaço pelos territórios e do surgimento de novos horizontes de controle territorial alçou novos patamares no pós- guerra e durante a guerra fria, com a criação da internet, quando a informação se tornou uma das mais poderosas ferramentas de domínio territorial nas áreas econômicas, tecnológicas e culturais. Uma vez que se abordou a concepção de território e sua evolução recente, em que não é mais admitida a expansão forçada por meio da guerra, é possível estabelecer as bases conceituais que definirão o ciberespaço como um território,
  • 43. 42 onde, atualmente, estão presentes relações de poder marcadas pelos interesses econômicos, políticos, ideológicos, culturais e outros. Este é, pois, o território sobre o qual esta dissertação versará, o ciberespaço, a nova dimensão, “palco” das modernas disputas pela expansão. Nesse sentido, é válido pontuar que esse “palco” possui seus agentes, que interagem e constroem por meio da comunicação, a cultura, a política e a economia, formando assim, uma territorialidade, elemento essencial que passaremos a abordar. 2.3 TERRITORIALIDADE Uma vez discorrido sobre o conceito de território, é possível introduzir a concepção de territorialidade. Tal entendimento será fundamental no transcorrer da presente dissertação, uma vez que será um dos principais objetos de estudo: a territorialidade humana em rede. Inicia-se a abordagem mediante sua origem, que se deu na Ornitologia, um ramo da zoologia dedicado ao estudo das aves. Diferentemente de território, a territorialidade possui uma concepção mais subjetiva. De acordo com Raffestin (1993, p. 159), o conceito foi definido em 1920 por um ornitólogo inglês chamado Henry E. Howard, como sendo "a conduta característica adotada por um organismo para tomar posse de um território e defendê-lo contra os membros de sua própria espécie"11 . Apesar de o termo ter sido cunhado no ramo da zoologia, a territorialidade surgiu como uma concepção aplicável para as mais variadas espécies, uma vez que era possível observar tal comportamento em outros seres, pelo instinto biológico natural, inclusive nos humanos. De acordo com Brunet (1993, p. 481), A territorialidade tem alguma coisa de animal (ou de vegetal, vide o termo raízes) e o progresso da humanidade consistiu notadamente em se despojar da territorialidade exacerbada ou a relacioná-la a um campo na escala de todo o globo. Um pouco de territorialidade cria a socialidade e a solidariedade, muita territorialidade as assassina. Estudar os territórios é um bom modo de lutar contra o terrorismo do territorialismo. 11 O texto original de Howard concebe a territorialidade ao tratar do comportamento da ave Lapwing. Vejamos: O Lapwing, quando em seu território, mostra hostilidade para com outros machos de sua própria espécie, mas quando em terreno neutro, trata-os com indiferença (HOWARD, 2010, p. 109).
  • 44. 43 Verifica-se que Brunet reconhece as origens instintivas e animalescas da territorialidade, contudo, pontua que o equilíbrio constitui elemento essencial para a prosperidade humana, uma vez que basta um pouco de territorialidade para que surja o instinto de solidariedade e integração humana. Mas, quando a territorialidade é supervalorizada, este pode ser o motivo de sua ruína, por meio da exclusão dos diferentes de uma mesma espécie. Aplicando tal concepção da zoologia na sociedade humana, a territorialidade pode ser definida como a forma por meio da qual um grupo de pessoas, ou indivíduos, controla um determinado espaço/território. Nesse passo, com o intuito de se aproximar mais dos geógrafos e aplicar tais conceitos à sociedade humana, é possível introduzir a visão de Edward Soja a respeito de territorialidade. Fenômeno de comportamento associado à organização do espaço em esferas de influência ou em territórios nitidamente diferenciados, considerados distintos e exclusivos, ao menos parcialmente, por seus ocupantes ou pelos que os definem (SOJA, 1993. p. 159). Nota-se que a territorialidade, tanto para a Zoologia quanto para a Geografia Humana, assume uma face diretamente ligada a uma ação humana localizada no espaço e no tempo, com o intuito de tomar posse e desenvolver suas atividades e funções. Não muito diferente da concepção de Soja, Raffestin (2011, p. 144) afirma que territorialidade é [...] um conjunto de relações que se originam num sistema tridimensional sociedade-espaço-tempo em vias de atingir a maior autonomia possível, compatível com os recursos do sistema. [...] Essa territorialidade resume, de algum modo, a maneira pela qual as sociedades satisfazem, num determinado momento, para um local, uma carga demográfica e um conjunto de instrumentos também determinados, suas necessidades em energia e em informação. Para Raffestin (1993, p. 158), “a territorialidade reflete a multidimensionalidade do ‘vivido’ territorial pelos membros de uma coletividade nas sociedades em geral”, ou seja, o indivíduo “territorializa” um determinado local ao se apropriar do espaço e desenvolver suas atividades, seus símbolos, suas condutas, suas práticas e suas normas, por meio do convívio no espaço dentro de um sistema de relações de poder. Nesse passo, é possível realizar a análise da territorialidade em diferentes dimensões, sejam elas econômicas, culturais, políticas, sociais, dentre
  • 45. 44 outras. Segundo Saquet (2007, p. 57), [...] as forças econômicas, políticas e culturais, reciprocamente relacionadas e em unidade, efetivam o território, o processo social, no e com o espaço geográfico, centrado e emanado na e da territorialidade cotidiana dos indivíduos, em diferentes centralidades, temporalidades e territorialidades. Os processos sociais e naturais, e mesmo nosso pensamento, efetivam-se na e com a territorialidade cotidiana. É aí, neste nível, que se dá o acontecer de nossa vida e é nesta que se concretiza a territorialidade. Observa-se a partir de Saquet, que as várias dimensões do espaço influenciam diretamente o cotidiano e a formação de diferentes temporalidades e territorialidades dos agentes que tomam posse de um espaço. A exemplo disso, Saquet utiliza as dimensões políticas, econômicas e culturais, em que é possível observar a formação de diferentes centralidades, a partir das mais variadas dimensões. Na dimensão digital, a territorialidade assume um papel ainda mais decisivo na configuração da rede. Devido à sua característica muito semelhante a um espaço urbano, em que é possível percorrer, comprar, conversar com pessoas/grupos de pessoas, construir amizades e encontrar grupos de interesses, o ciberespaço possui milhões de territorialidades compostas pelos mais variados tipos de usuários, resultando na existência da multiterritorialidade. Segundo Haesbaert (2011, p. 343- 344), Multiterritorialidade (ou multiterritorialização se, de forma mais coerente, quisermos enfatizá-la enquanto ação ou processo) implica assim a possibilidade de acessar ou conectar, num mesmo local e ao mesmo tempo, diversos territórios, o que pode se dar tanto através de uma ‘mobilidade concreta’, no sentido de um deslocamento físico, quanto ‘virtual’, no sentido de acionar diferentes territorialidades mesmo sem deslocamento físico, como nas novas experiências espaço-temporais proporcionadas através do ciberespaço. Dessa forma, pode-se afirmar que as territorialidades sobrepõem umas às outras por intermédio dos indivíduos que as compõem, posto que tais indivíduos pertencem aos mais variados grupos de interesses. Devido a essas configurações mais flexíveis, pode-se observar, também, dentro da rede, o que Turra Neto (2013, p. 01) chamou no espaço urbano de microterritorialidades.
  • 46. 45 O tema das microterritorialidades nas cidades remete a estratégias de uso, apropriação e defesa de pequenas porções do espaço urbano por parte de grupos sociais, como jovens, mulheres, homossexuais, travestis, negros, entre tantas outras alteridades, quase sempre invisibilizadas, seja pela sociedade em geral, seja pelas políticas públicas e pela ciência, mas que, subterraneamente, também produzem a cidade, tanto material quanto imaterialmente, porque produzem espaços e formas culturais de convivências específicas. Diante de um território tão vasto e de várias territorialidades que se estruturam e desestruturam em um processo constante de movimento da rede, verificam-se as microterritorialidades, por intermédio do que Pierre Lévy (2010) chamou de centros de interesses, em que usuários formam grupos de interesses em comum, dentro ou fora de uma mesma territorialidade. Pesquisar as formações desses grupos de interesses na rede, baseados na construção de suas territorialidades e microterritorialidades, será essencial para entender o movimento em rede e para esculpir formas mais sólidas de entendimento que servirão de base para o presente estudo. Tendo caracterizado e demostrado as concepções de espaço, de território e de territorialidade, é pertinente destacar, a seguir, a origem e a evolução histórica do ciberespaço sobre o qual se assenta o objeto central desta dissertação. Logo em seguida, será desenvolvida a concepção de ciberespaço como um território e analisada a territorialidade que se forma a partir dessa nova dimensão em que, de acordo com Lévy (1994), está funcionando a humanidade atualmente. 2.4 ORIGEM DO CIBERESPAÇO E A EVOLUÇÃO DE SUA ESTRUTURA Contextualizar a origem da rede e seu rápido crescimento é essencial para entender como esse instrumento dominou vários dos aspectos da sociedade no mundo contemporâneo. Para tanto, expõe-se resumidamente a origem da internet e posteriormente se discutirá o impacto e as consequências dessa na sociedade. De acordo com Castells (2019), as primeiras formulações para a criação de uma rede destinada a comunicações entre pontos distintos foram pensadas no Estados Unidos, em meados da década de 50, após o lançamento do primeiro Sputnik. Uma das estratégias era desenvolver um conceito elaborado por Paul Baran de um sistema de comunicação invulnerável a ataques nucleares.
  • 47. 46 De acordo com Oliveira (2011, s.n), A história começou a mudar quando Leonard Kleinrock, professor da Universidade da Califórnia de Los Angeles (Ucla), apresentou, em maio de 1961, no MIT, uma tese de doutorado com uma teoria que mais tarde seria chamada de comutação de pacotes, em que a informação seria transformada em pequenos pacotes eletrônicos antes de ser enviada para outro computador, o que caracteriza a internet atual. Na mesma época, o engenheiro Paul Baran, da Rand Corporation, uma organização criada no final da Segunda Guerra Mundial para assessorar a Força Aérea norte-americana, também demonstra viabilidade da comutação de pacotes eletrônicos digitais. Objetivando a construção do almejado sistema de comunicação, o psicólogo e cientista de computação estadunidense, Joseph Carl Robnett Licklider, se tornou um dos principais impulsionadores da Advanced Research Projects Agency Network (ARPANET), a primeira rede de conexão de computadores, sendo que muitas das ideias para a formulação da internet expressadas por Joseph C. R. Licklider na época são costumeiras nos dias atuais. De acordo com Gessi (2016, p. 2), A origem da internet teve início em meados de agosto de 1962 quando J. C. R. Licklider pesquisador do MIT (Massachussets Institute of Technology) fez os primeiros registros de interações sociais nos quais essas interações poderiam ser realizadas através de redes. Licklider previu que poderia ser construída uma rede de computadores interconectados globalmente, pelos quais seria possível a comunicação, acesso de dados e programas de qualquer ponto dessa rede global. Conforme Oliveira (2011), em outubro de 1962, a Advanced Research Projects Agency (ARPA) contratou Licklider. O pesquisador ficou famoso pelos seus memorandos, em que descrevia seus colegas como “membros da comunidade intergaláctica de computadores”. Devido aos seus estudos e artigos, tornou-se o primeiro chefe do Escritório de Técnicas de Processamento de Informações (Sigla em ingês - IPTO), onde permaneceu até julho de 1964. Nesse passo, Licklider, Ivan Sutherland, Robert William Taylor e Lawrence G. Roberts continham sob suas responsabilidades, a construção do sistema que iria mudar os rumos da humanidade. Em uma entrevista a James Pelkey (1988, p. 5), Licklider, apesar de ter saído da ARPA em julho de 1964, antes de se concretizar boa parte do que a ARPANET viria a se tornar, afirmou que: “Saí do Escritório de Técnicas de Processamento de