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introdução ao
estudo do direito 1
professores: caio farah e Guilherme Figueiredo Leite Gonçalves

4ª edição

ROTEIRO De CURSO
2008.1
Sumário

Introdução ao Estudo do Direito I
I - Apresentação.............................................................................................................................................. 03

	
	
	

A. Introdução............................................................................................................................... 03
.
B. Plano de Aulas e Leituras.......................................................................................................... 03
C. Dificuldades Iniciais................................................................................................................. 04

II - Programa.................................................................................................................................................. 05

	
	
	
	
	
	
	

Módulo I - Habeas Corpus nº 82.424/RS (duas ou três aulas).................................................... 05
Módulo II - Como “traduzir” fatos em categorias jurídicas relevantes para a decisão?
Três modalidades de aplicação do direito (aproximadamente oito aulas)........................................ 05
Módulo III - Que tipo de prática é a dogmática jurídica? Quais seus pressupostos? Quais seus
conceitos básicos? (aproximadamente nove aulas). ........................................................................ 05
.
Módulo IV - Concepções de direito e a Racionalidade das decisões jurídicas (aproximadamente
dez aulas)...................................................................................................................................... 05

III – Leituras – Módulos I e II............................................................................................................................. 06

	
	
	
	
	
	

Seleção de Leituras Nº 1:.............................................................................................................. 06
Seleção de Leituras Nº 2:.............................................................................................................. 31
Seleção de Leituras Nº 3:.............................................................................................................. 43
Seleção de Leituras Nº 4:.............................................................................................................. 47
Seleção de Leituras Nº 5:.............................................................................................................. 50
Seleção de Leituras Nº 6:.............................................................................................................. 63

IV - Questões de Apoio às Leituras...................................................................................................................... 68

	
	

Módulo I...................................................................................................................................... 68
Módulo II..................................................................................................................................... 69

V. Organização dos Módulos III e IV.................................................................................................................... 71

	
	
	
	

a. Objetivos e Organização do Módulo III.................................................................................... 71
b. Objetivos e Organização do Módulo IV.................................................................................... 71
c. Plano de Leituras:...................................................................................................................... 72
d. Questões de Apoio às Leituras................................................................................................... 74

VI – Apêndice................................................................................................................................................... 81

	
	

Glossário informal de termos técnicos utilizados na seleção de trechos do HC 82.424/RS............ 81
Fontes de pesquisa:....................................................................................................................... 82
INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I

I - Apresentação

A. Introdução
Bem-vindo(a) a IED 1.
O objeto deste curso – isto é, aquilo de que vamos nos ocupar ao longo deste primeiro semestre – é o problema da decisão jurídica: como os juízes decidem os casos e como trabalha o profissional do direito de maneira
a criar condições para que juízes possam decidir os casos.
Esse problema será discutido mediante o estudo de decisões e leis brasileiras e de textos teóricos.
Para que as aulas sejam produtivas, Você deve se preparar previamente, lendo o material indicado e refletindo sobre ele, e participar em sala o quanto possível.

B. Plano de Aulas e Leituras
O curso se organiza em torno de quatro Módulos, cujos tópicos, leituras prévias e atividades constam do
Programa a seguir.
Todas as leituras obrigatórias referentes às aulas dos Módulos I e II estão anexas a este roteiro. As leituras
dos Módulos III e IV estarão disponíveis na Biblioteca e/ou no Aluno Online. Ao final deste material --- item
IV --- estão incluídas também algumas questões de apoio, às vezes mais simples, às vezes mais complexas, para
ajudá-lo a avaliar sua compreensão e refletir sobre os textos lidos.
Você será orientado, conforme o andamento das aulas, sobre a passagem de um tópico a outro do programa, de maneira a permitir a sua preparação prévia. Abaixo, seguem orientações sobre as leituras prévias referentes às duas primeiras aulas do curso.
1ª Aula
Para a primeira aula do curso, a leitura prévia é uma seleção de trechos de uma das mais famosas decisões
recentes do Supremo Tribunal Federal (STF), o HC 82.424/RS (ver a seleção de leituras nº 1).
Você vai se deparar, nessa decisão, com vários termos técnicos e com formas de expressão com as quais
não está familiarizado. Não se assuste. Sua preocupação não deve ser a de decorar definições desses termos ou
passar a se expressar de forma rebuscada (o que, aliás, Você deveria sempre evitar, apesar da tentação). Sua preocupação deve ser a de procurar entender o que está em jogo, isto é, pensar e responder perguntas do tipo: o que
aconteceu? O que está sendo decidido? Qual a decisão final? Que razões são utilizadas pelas diferentes pessoas
envolvidas no caso para resolvê-lo? Qual sua opinião sobre a decisão final e sobre as diferentes justificativas
apresentadas?
Especialmente no início, portanto, descobrir o significado de termos que não conhece deve servir apenas
na medida em que isso seja necessário para entender o que estiver lendo, não como algo a ser decorado. Nos
quatro parágrafos abaixo, é feita uma descrição simples do contexto da decisão, esclarecendo alguns dos termos
básicos que aparecem no texto. Você encontrará, também, como apêndice a este material, um “glossário informal” de alguns dos termos técnicos mais freqüentes e básicos utilizados na decisão.
Nessa decisão (chamada de “acórdão”, porque é uma decisão coletiva, em que os juízes que a tomam acordam, por unanimidade ou não, com seu conteúdo básico [obviamente, acordam no sentido de “concordar”, não
“despertar”...]), leremos trechos dos votos de três ministros ( como são chamados os juízes do STF ), em uma
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INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I

ação de habeas corpus (HC). Habeas corpus, que literalmente significa “tome o corpo” em latim, é uma ação em
que alguém (chamado de “impetrante” porque a apresenta ou impetra algo) solicita a um juiz ou tribunal que
este proteja a liberdade de ir e vir de um indivíduo (chamado de “paciente”), em face de uma autoridade (chamada de “coatora”) que está (legalmente ou não, esta é uma das questões) ameaçando essa liberdade (e, portanto,
também o “corpo” ou corpus do indivíduo a que se refere).
Conforme a decisão, negando (ou, o que dá no mesmo, denegando ou indeferindo) ou aceitando (ou, em
outras palavras, deferindo ou concedendo) a solicitação do impetrante, o juiz ou tribunal manda ou ordena (daí
que o HC às vezes é chamado de “ordem” ou “mandamus”) que a liberdade do indivíduo seja garantida.
A transcrição do Acórdão começa com a indicação das partes no caso (o impetrante, a autoridade coatora
e o paciente) e do ministro relator, incumbido de fazer um resumo dos fatos do caso e, então, de apresentar as
justificativas de sua decisão e seu voto, para discussão e voto dos demais ministros (o STF é composto de 11
ministros e o Acórdão é decidido por maioria de votos). Nesse caso específico, excepcionalmente, estão indicados na transcrição do Acórdão dois ministros relatores, porque o ministro Moreira Alves, que era originalmente
o relator, aposentou-se antes de concluído o processo e foi substituído, nessa condição, pelo ministro Maurício
Corrêa. No trecho que selecionamos, Você lerá trechos dos votos do relator originário (Moreira Alves), do ministro Maurício Corrêa (que foi o relator ao final) e do ministro Marco Aurélio.
No início da transcrição do Acórdão é incluída ainda uma ementa, redigida pelo relator, que descreve de
maneira bem resumida qual foi a decisão que, ao final, prevaleceu no Tribunal (às vezes chamado de “Corte”).
2ª Aula
Para a segunda aula, a leitura prévia é uma seleção de trechos curtos de três textos, de autoria, respectivamente, de Lon L. Fuller, Max Weber e David Trubek (este último para servir como apoio à leitura do texto de
Weber). [Ver a seleção de leituras nº 2]
Ao ler esses textos, reflita em que medida eles auxiliam no entendimento da decisão discutida na primeira
aula. Que elementos das descrições do direito e do pensamento jurídico que esses autores elaboram estão refletidos naquela decisão? Que dificuldades eles revelam?

C. Dificuldades Iniciais
Alguns dos textos que estudaremos são difíceis. Seja paciente e perseverante em suas leituras. Lembre-se: a
capacidade de entender de imediato o que está em jogo não é pressuposto deste curso; é, ao contrário, algo que
buscaremos desenvolver, como resultado do curso.

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INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I

II - Programa

Módulo I - Habeas Corpus nº 82.424/RS (duas ou três aulas)
A.	A Decisão
B.	Racionalidade das decisões jurídicas no Direito brasileiro

Módulo II - Como “traduzir” fatos em categorias jurídicas relevantes para a decisão? Três
modalidades de aplicação do direito (aproximadamente oito aulas)
A.	Definição de termos isolados, Comparação com situações exemplares e Consideração dos Objetivos da
Lei
B.	Estupro
C.	Propriedade
D.	 erviços públicos
S
E.	Atividade Extra

Módulo III - Que tipo de prática é a dogmática jurídica? Quais seus pressupostos? Quais seus
conceitos básicos? (aproximadamente nove aulas)
A.	Dogmática e decisão
B.	Conceitos operacionais básicos
a. Imputação e causalidade (normatividade)
b. Relação Jurídica e seus elementos
c. Ordenamento
C.	Regras, princípios e propósitos

Módulo IV - Concepções de direito e a Racionalidade das decisões jurídicas (aproximadamente dez aulas)
A.	O Direito como um sistema de regras, e o problema da decisão jurídica
B.	O Direito como expressão de ideais e sua interpretação
a. A identificação do elemento ideal no Direito
b. Interpretação e reconstrução do Direito
c. Idealização e doutrina no Direito brasileiro

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INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I

III – Leituras – Módulos I e II

Seleção de Leituras Nº 1:
Módulo I - Habeas Corpus nº 82.424/RS
[item a. “a decisão”]
-	 Habeas Corpus nº 82.424/RS (ementa, relatório, voto do ministro Moreira Alves, trechos do voto do ministro Mauricio Corrêa e trechos do voto do ministro Marco Aurélio – seleção anexa).

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Seleção de Leituras Nº 2:
Módulo I - Habeas Corpus nº 82.424/RS
Item B. “Racionalidade das decisões no direito brasileiro”
–	 Lon L. Fuller, “As Reformas do Rei Rex, ou Oito Maneiras de Não Fazer Direito” (tradução livre de trecho
selecionado anexa)
–	 Weber, Max. Economia e Sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Brasília, DF: Editora Universidade de Brasília, 1999 (seleção anexa);
–	 Trubek, David. “Max Weber on Law and the Rise of Capitalism” 1972 Wisc. L. Rev. 720 (tradução livre
de trecho selecionado anexa).

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INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I

As Reformas do Rei Rex
[Tradução livre e adaptação, para fins didáticos, feita pelo núcleo de Organização do Estado e do Direito 1
da EDESP, a partir do texto “Eight Ways to Fail to Make Law”, de Lon Louvois Fuller, constante do capítulo II de
The Morality of Law, Yale University Press, 1969, Cap.II.]

Rex subiu ao trono munido com as pretensões de um grande reformador. Não tendo sofrido o sistema jurídico de seu pequeno reino, por várias gerações, nenhuma simples reforma, ele considerou que a maior falha de
seus predecessores havia se dado no âmbito do direito: os procedimentos jurídicos eram enfadonhos, as regras do
ordenamento redigidas no tom arcaico de uma era passada, a justiça era cara e os juízes desleixados e corruptos.
Rex estava determinado a remediar todos esses males e escrever seu nome na história como um grande jurista.
Seu destino infeliz, entretanto, estava marcado pelo fracasso de suas boas intenções.
Seu primeiro ato oficial foi dramático: anunciou a seus súditos a imediata revogação de todas as leis vigentes, passando, então, a escrever um novo código. Infelizmente, por ter sido criado como um príncipe solitário,
sua educação tinha sido bastante deficiente. Em particular, ele se viu incapaz de realizar as mais simples generalizações. Embora não lhe faltasse confiança quando se tratava de decidir controversas específicas, o esforço para
apresentar as razões gerais que o levavam a tomar qualquer conclusão estava além de suas capacidades. Não conseguia mesmo falar genericamente de pessoas sem mencionar seus nomes, nem tampouco caracterizar situações
sem a necessidade de recorrer à história.
Estando a par de suas limitações, Rex abandonou o projeto do novo código e anunciou a seus súditos que
dali em diante agiria como juiz em qualquer disputa que pudesse surgir entre eles. Estimulado pela variedade
de casos, ele esperava que seus poderes latentes de generalização se desenvolvessem gradualmente caso a caso,
podendo, assim, colecionar um sistema de regras que conseguiria, no futuro, incorporar em um novo código.
Como as funções de criação e aplicação do direito não eram separadas, mas concentravam-se inteiramente
na pessoa de Rex, o monarca também não as distinguia em sua prática diária: criava novas regras para julgar
casos complexos e julgava em desconformidade às regras vigentes quando convencido de que estas precisavam
de reparo. Rex havia agora encontrado o caminho correto para sua reforma: seguia inteiramente suas intuições
de justiça sem precisar se preocupar com a redação de textos técnico-legais, os quais não se acomodavam com
suas deficiências de generalidade e abstração. Sem dar espaço a uma burocracia que, nos reinados anteriores, era
responsável pelo vagar e pela corrupção do Direito, Rex, a um só tempo, criava e aplicava a norma sempre que
um conflito necessitava de reparo.
Seus súditos, entretanto, não tinham a mesma opinião sobre o sucesso das reformas: as regras que Rex
utilizava em suas decisões não eram públicas e quase sempre eram aplicadas a acontecimentos ocorridos antes de
sua criação. Além disso, era impossível encontrar qualquer padrão em suas decisões. Nos dias em que acordava
calmo e bem­ humorado, tinha julgamentos benevolentes e parcimoniosos. Do contrário, era rigoroso e determinava penas cruéis. Ninguém sabia como agir em conformidade ao seu Direito. Diante desses fatos, os súditos
de Rex, que tradicionalmente eram pacatos e desinteressados sobre os assuntos do reino, passaram a contestar
as reformas iniciadas pelo rei.
Rex, diante de constantes manifestações populares, percebeu que não havia escapatória para a publicação
de um código declarando as regras a serem aplicadas em futuras disputas. Dessa forma, trabalhou ferrenhamente
na elaboração de um novo código revisado e anunciou que seria publicado em breve. Este anúncio foi recebido
com um entusiasmo geral. Entretanto, o humor dos súditos de Rex mudou quando o novo código foi publicado e descobriu-se que se tratava de uma obra-prima da obscuridade. Especialistas em Direito que o estudaram
declararam que não havia nele uma frase sequer que poderia ser bem compreendida tanto por cidadãos comuns
quanto por advogados treinados. A indignação era generalizada e logo apareceu um protesto perante o palácio
real levando um cartaz com os dizeres: “como seguir regras que não podem ser compreendidas?”
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INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I

O código foi rapidamente descartado. Reconhecendo pela primeira vez que precisava de ajuda, Rex montou uma equipe de peritos para realizar uma revisão. Ele os instruiu a esclarecer a expressão de suas normas, mas
ordenou que deixassem sua substância intocada. O código resultante era um modelo de clareza, mas, conforme
era estudado, sua nova clareza revelou ser o documento uma fonte de contradições. Foi informado de que não
havia uma disposição sequer do código que não pudesse ser considerada anulada por uma outra em sentido
oposto. Outro protesto apareceu perante a presidência real com os dizeres: “desta vez o rei se fez entender, em
ambas as direções.”
Mais uma vez o código foi retirado para revisão. A essa altura, no entanto, Rex tinha perdido a paciência
com seus súditos e com a atitude negativa que pareciam adotar perante tudo o que ele tentava fazer em benefício
do reinado. Ele então decidiu dar-lhes uma lição e pôr um fim aos protestos. Ele instruiu seus peritos a varrer
do código suas contradições e, ao mesmo tempo, enrijecer drasticamente todas as exigências nele contidos,
acrescentando ainda uma longa lista de novos crimes. Dessa maneira, onde antigamente o cidadão chamado ao
trono tinha dez dias para se apresentar, na revisão o tempo havia sido reduzido para dez segundos. Foi tornado
um crime punível com a forca o ato de espirrar, tossir, ou soluçar na presença do rei.
A publicação do novo código quase resultou em uma revolução. Alguns líderes do povo declararam suas
intenções de sabotar suas disposições. Alguém descobriu em um autor antigo uma passagem que parecia apta:
“obrigar o que não pode ser feito não é fazer o Direito, mas desfazê-lo; pois obrigar o que não pode ser obedecido
não serve a nenhum fim a não ser à confusão, ao medo e ao caos”. Logo essa passagem estava sendo citada em
centenas de petições ao rei. O povo pedia, outrossim, direitos que os resguardassem de penas cruéis e de abusos
do poder real.
O código foi novamente descartado e uma equipe de peritos encarregada de sua revisão. As instruções de
Rex aos peritos eram de que quando encontrasse uma regra que representasse uma impossibilidade, deveria ser
revisada para torná-la possível. Percebeu-se que para se chegar a esse resultado, todas as disposições do código
deveriam ser substancialmente reescritas. O resultado final foi um triunfo do trabalho, quase que artesanal, dos
peritos. O novo código era agora claro, consistente consigo mesmo e não demandava dos súditos o impossível.
O código foi impresso e distribuído gratuitamente em cada esquina.
No entanto, antes de chegar a data em que o novo código entraria em vigor, descobriu-se que havia passado tanto tempo entre as revisões sucessivas e o texto original de Rex que a substância do código havia sido
seriamente alterada por novos eventos. Desde que Rex assumiu o trono, houve uma suspensão do processo legal
ordinário e isso trouxe consigo importantes alterações econômicas e culturais no reino. O povo pedia que seus
novos valores e interesses fossem refletidos na legislação e, para que isso ocorresse, exigia a participação popular
na elaboração das novas normas.
Os clamores democráticos foram parcialmente abafados com a promessa do rei de elaborar emendas à
legislação que a tomaria adequada à nova conjuntura do reinado - e que beneficiaria, principalmente, uma nova
classe de comerciantes que investia num produto que se tomava cada dia mais rentável. A adaptação às novas
condições exigia várias mudanças substanciais ao direito. Assim que o novo código entrou em vigor, ele foi submetido a emendas diárias. Novamente houve descontentamento popular; um panfleto anônimo apareceu nas
ruas com charges irônicas sobre o rei e um artigo com o título: “o direito que muda todo dia é pior que direito
algum”.
O descontentamento com as reformas do Direito tomou-se, por fim, escandaloso ao se descobrir que as
novas regras criadas não eram elas próprias seguidas pelo rei e seus oficiais. As regras materiais e procedimentos
rigorosos criados por Rex não eram respeitados pelas autoridades reais, o que fez com que a população se sentisse
desobrigada do ônus de seu cumprimento.
Os líderes do povo passaram a ter reuniões privadas para decidir o que fazer. As teses democráticas ganharam mais vozes e o número de descontes crescia cada vez mais. As praças passaram a ficar cheias e os interessados
em discutir a organização do Estado e do Direito não mais ficavam sem interlocutores.
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INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I

Diante de tais movimentações, o rei Rex sofre uma grave crise nervosa e, em função disso, seus médicos e
terapeutas aconselham-no a se afastar temporariamente da política e, principalmente, do Direito. Cumprindo
as determinações médicas, Rex vai passar uma temporada em sua residência no campo, onde tem dias bem mais
calmos e pode se dedicar a hábitos antigos como a caça a gatos selvagens. Com a ausência do rei, a repressão aos
opositores fica fragilizada e uma nova reforma, mais radical, parece amadurecer.

Comentário de Fuller:
A atrapalhada carreira de Rex como legislador e juiz ajuda a demonstrar como se pode
fracassar --- de, pelo menos, oito maneiras --- na tentativa de criar e preservar um sistema de
regras jurídicas. (…) A primeira e mais óbvia dessas falhas consiste na (1) incapacidade de criar
regras que sejam dignas do nome, com a conseqüência de que todas as decisões continuam a
ser tomadas na base do caso-a-caso (ou, como se diz, casuisticamente). As outras falhas são:
(2) não tornar públicas, ou pelo menos não tornar disponíveis à parte afetada, as regras que ela
deve obedecer; (3) o abuso das leis retroativas (isto é, que valem para casos anteriores a ela), que
não apenas não são capazes de nortear as decisões das pessoas, mas minam o valor das regras em
vigor, pois as colocam sob ameaça constante de ser retrospectivamente alteradas; (4) não tornar
as regras inteligíveis; (5) estabelecer regras de conteúdo contraditório; (6) estabelecer regras que
exigem ações acima das capacidades da parte afetada; (7) fazer mudanças tão freqüentes nas
regras existentes que os indivíduos não conseguem nortear suas ações por elas; e, finalmente,
(8) a inexistência de congruência entre as regras tais como anunciadas e sua efetiva aplicação.
Não é que a falha em qualquer dessas direções resulte simplesmente num sistema jurídico
ruim. A conseqüência é que não podemos nem chamar uma tal coisa de sistema jurídico

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INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I

Max Weber, Economia e Sociedade, Segunda Parte (Economia e Direito [Sociologia do Direito]), “A diferenciação dos campos jurídicos objetivos”
(trechos selecionados).
[Tradução livre, para fins didáticos, a partir da comparação das edições em inglês (Economy and Society, Guenther Roth and Claus Wittich [eds.], University of California Press,
1978, vol. II, pp. 653 a 658) e em espanhol (Economía y Sociedad, Johannes Winckelmann
[ed.], Fondo de Cultura Económica, México, 1987, pp. 508 a 512 ).]

Direito e Processo
De acordo com nossas formas atuais de pensar, as atividades das organizações públicas, com relação ao direito, dividem-se em duas categorias, a saber, estabelecimento do
direito e aplicação do direito (...). Por criação do direito entendemos, atualmente, o estabelecimento de normas gerais que assumem, segundo o pensamento e linguagem dos juristas,
o papel de regras jurídicas racionais. Por aplicação do direito, entendemos, atualmente, a
aplicação de tais normas jurídicas, e proposições jurídicas que delas são deduzidas através
do raciocínio jurídico, a “fatos” concretos, que são “subsumidos” a tais normas. No entanto, essa forma de pensar não foi igual em todos os períodos da história. A distinção entre
estabelecimento do direito, entendido como criação de normas gerais, e aplicação do direito,
entendida como a aplicação de tais normas gerais a casos concretos, não existe quando
a atividade judicial aparece como um conjunto de decisões livres, que variam de caso a
caso. Nessa situação, não podemos falar em “normas jurídicas” nem em “direito subjetivo”
à aplicação dessas normas. O mesmo vale para uma situação em que o direito objetivo é
visto como “privilégio” e em que, portanto, a idéia de uma “aplicação” de normas jurídicas,
como fundamento para a proteção a direitos individuais, não poderia surgir. Da mesma
forma, a distinção entre criação do direito e aplicação do direito não existe quando a atividade judicial não se realiza por subsunção do caso concreto a normas jurídicas gerais. Em
outras palavras, essa distinção não existe nos casos de atividade judicial irracional, a qual
constitui o modo primitivo de aplicação do direito e que foi dominante, de forma pura ou
modificada, no passado e em todas as partes do mundo, à exceção dos lugares em que o
Direito Romano prevaleceu. (...)

As Categorias do Pensamento Jurídico Racional
(...)*
Nos parágrafos seguintes, examinaremos brevemente as circunstâncias mais importantes que influenciaram as características formais do direito, relacionadas à criação do direito
e à aplicação do direito. Entre todas essas circunstâncias, as que nos interessam mais fundamentalmente são as que se referem ao grau e ao modo da racionalização ou de racionalidade
do direito e, sobretudo, como é natural, àquela parte do direito que é mais relevante economicamente (o chamado “direito privado”).
Um direito pode ser racional em vários sentidos, dependendo dos diferentes caminhos
de racionalização seguidos pelo desenvolvimento do pensamento jurídico.** Primeiramente, comecemos com o processo mental aparentemente mais simples: a idéia de generalização,

* Trecho suprimido: “(...) O
processo de diferenciação das
concepções
fundamentais
correntes sobre os vários campos do direito depende em
grande medida de razões de
ordem técnico-jurídica e, em
parte também, da estrutura da
associação política. Portanto,
ele é influenciado por fatores
econômicos de maneira apenas indireta. Nesse processo,
influem fatores econômicos
apenas na medida em que
determinadas racionalizações
do comportamento econômico, baseado na economia
de mercado, na liberdade de
contratar e, ao mesmo tempo,
na complexidade sempre crescente de conflitos de interesses
cuja solução depende do aparato jurídico e sua aplicação,
demandaram a sistematização
e especialização do direito e o
desenvolvimento da institucionalização da associação política. Todas as demais influências
econômicas ocorrem como
episódios concretos, não se
podendo formulá-las sob a forma de regras gerais. Por outro
lado, (...) as características do
direito, que são condicionadas
por fatores políticos e pela estrutura interna do pensamento
jurídico, exerceram grande
influência sobre a organização
econômica.”
** Note que, no trecho que
segue, Weber descreve três
processos básicos de racionalização: “análise”, que significa
um processo de abstração a
partir da generalização de preceitos jurídicos; “construção”,
que significa um processo de
síntese de relações jurídicas
a partir da consideração de
fatos concretos e regras substantivas; e “sistematização”
de todos os preceitos e regras
jurídicos gerais. [Comentário
de Lewis Sargentich]

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INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I

que em nosso caso significa a redução das razões determinantes na solução de um caso concreto a um ou vários “princípios”, os “preceitos jurídicos”. Essa redução se encontra normalmente condicionada a uma análise prévia ou concomitante dos “fatos” do caso, com relação
aos elementos que sejam relevantes a uma avaliação jurídica. De outro lado, a elaboração de
“preceitos jurídicos” cada vez mais amplos influi, por sua vez, na especificação e delimitação
dos aspectos potencialmente relevantes dos fatos. Esse processo depende, portanto, de certo
casuísmo [no sentido de partir da análise de casos concretos], ao mesmo tempo em que o
fomenta. (...)* Em nosso sistema jurídico, a dedução analítica de “preceitos jurídicos” a partir de casos concretos correu paralelamente ao trabalho sintético de construção de “relações
jurídicas” e “instituições jurídicas”, isto é, pela determinação de quais aspectos de uma ação
social ou consensual devem ser considerados como juridicamente relevantes e em que forma
logicamente consistente (isto é, sem contradições) esses aspectos devem ser considerados
juridicamente relacionados, quer dizer, como componentes de uma “relação jurídica”.
Embora haja uma relação próxima entre o processo de dedução analítica de preceitos
jurídicos e o processo de determinação de quais relações sociais são juridicamente relevantes
(a chamada “construção” de relações jurídicas), um alto grau de abstração analítica pode
coincidir com um grau muito baixo construção das relações sociais juridicamente relevantes. O contrário também vale: a determinação de uma “relações jurídicas” pode ser alcançada de maneira relativamente satisfatória, do ponto de vista prático, a despeito de insuficiências analíticas ou até mesmo em razão dessas insuficiências. Essa contradição é resultado
do fato de que da dedução analítica surge uma tarefa lógica mais ampla que, em princípio,
é compatível com esse trabalho de construção da relação jurídica, mas que, de fato, acaba
muitas vezes entrando em conflito com ele. Estamos falando da idéia de sistematização, que
só aparece em estágios mais avançados do pensamento jurídico e que o direito primitivo
desconhece. De acordo com nossa maneira atual de pensar, a tarefa da sistematização jurídica consiste em relacionar de tal modo os preceitos jurídicos resultantes da análise que
eles formem um conjunto de regras claro, coerente e, sobretudo, desprovido, em princípio,
de lacunas, exigência que necessariamente implica que todos os fatos possíveis possam ser
subsumidos a alguma das normas do sistema, pois, do contrário, o sistema careceria de sua
garantia essencial. Essa pretensão sistemática e sistematizadora não existe em todos os direitos contemporâneos (por exemplo, o inglês), nem muito menos existiu em, como regra
geral, nos do passado. E, quando essa pretensão existiu, o grau de abstração lógica do sistema foi quase sempre muito baixo. O sistema era, comumente, um simples esquema externo
dedicado à organização das matérias jurídicas e sua influência sobre a estruturação analítica
dos preceitos jurídicos e das relações jurídicas era muito fraca. A forma especificamente
moderna de sistematização (que se desenvolveu a partir do Direito Romano) parte da análise lógica dos preceitos jurídicos e da conduta social juridicamente relevante. As “relações
jurídicas” e a casuística, por outro, muitas vezes resistem a esse tipo de manipulação, uma
vez que derivam de processos essencialmente concretos e próximos aos fatos.
Além dessas distinções, devemos também considerar a grande diversidade de meios
técnico-jurídicos utilizados na prática do direito. A seguir, as situações mais simples que
encontramos:
[Racionalidade Formal / Racionalidade Material] Tanto a criação do direito quanto a
sua aplicação podem ser racionais ou irracionais. Elas são formalmente irracionais quando,
para a regulação da criação de normas ou da atividade judicial, recorre-se a procedimentos
que não são controlados racionalmente (ou pelo intelecto), por exemplo, oráculos e seus

* Trecho suprimido: “No entanto, nem todo processo
casuístico resultou no desenvolvimento dos “preceitos
jurídicos”, que alcançaram alto
grau de abstração lógica. Uma
casuística jurídica muito rica se
desenvolveu a partir das associações de elementos dos casos
por analogia.”

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INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I

sucedâneos. Elas são materialmente irracionais na medida em que a decisão dos diversos casos
concretos depende de fatores concretos e específicos do caso, tal como avaliados sob aspectos
éticos, sentimentais ou políticos e não a partir de normas gerais. A criação e a aplicação do
direito também podem ser racionais tanto em sentido formal, quanto em sentido material.
Todo direito formal é, mesmo um pouco, relativamente racional. Um direito é formal na
medida em que (seja para questões processuais ou substantivas) apenas características gerais
e “unívocas” dos fatos do caso são consideradas. Esse formalismo, por sua vez, pode ser de
dois tipos. É possível que as características juridicamente relevantes sejam tangíveis, quer
dizer, perceptíveis e observáveis, com base em fatores “externos”. Essa adesão a características
tangíveis, por exemplo, quando exige que determinadas palavras sejam pronunciadas, que
assinaturas sejam certificadas por selos ou que se execute uma ação com significado simbólico pré-definido, representa um caso extremo de formalismo. O outro tipo de formalismo
é aquele em que as características juridicamente relevantes do caso tenham sido obtidas por
meio de uma análise lógica do seu significado e em que conceitos jurídicos claramente definidos, a partir dessa análise, sejam formulados e aplicados sob a forma de regras muito abstratas. Esse processo de “racionalidade lógica” diminui a importância de elementos externos
e assim alivia a rigidez do formalismo baseado em características tangíveis. Mas o contraste
com a racionalidade material se torna mais claro e agudo, porque esta última significa, precisamente, que na decisão de problemas jurídicos devem influir certas normas diferentes
das normas que resultam das generalizações lógicas fundadas em interpretações abstratas:
imperativos éticos, regras utilitárias ou de conveniência ou postulados políticos que rompem
tanto com o formalismo das características externas quanto com o formalismo de abstração lógica. Uma abstração jurídica propriamente técnica, no sentido atual, só é possível se
possuir o caráter lógico-formal. O formalismo absoluto das características externas implica
necessariamente o casuísmo. Apenas o método abstrato de interpretações lógicas de sentido
torna possível a tarefa de sistematização, que consiste em ordenar e racionalizar, com ajuda
da lógica, as regras jurídicas consideradas válidas, formando com elas um sistema coerente
de preceitos abstratos.
[Cinco Postulados da Ciência Jurídica Atual]	Examinaremos agora de que modo as
várias influências que participaram na formação do direito influenciaram no desenvolvimento de suas características formais. A ciência jurídica atual (pelo menos quando assumiu
as formas mais avançadas de racionalidade metodológica e lógica, como na Pandectista*)
tem como ponto de partida os seguintes cinco postulados: 1) toda decisão jurídica concreta
representa a “aplicação” de um preceito abstrato a um “fato” concreto; 2) que seja possível
encontrar, em relação a cada caso concreto, por meio da lógica jurídica, uma solução que se
baseie nos preceitos jurídicos abstratos em vigor; 3) o direito objetivo vigente é um sistema,
real ou latentemente, “sem lacunas” de preceitos jurídicos ou, pelo menos, deve ser tratado
como tal para fins de aplicação do mesmo a casos concretos; 4) tudo o que não seja possível
“construir”, de forma racional, em termos jurídicos carece de relevância para o direito; e 5)
a conduta dos homens que formam uma comunidade deve ser necessariamente concebida
como a “aplicação” ou “execução” ou, ao contrário, como uma “infração” ou “violação” de
preceitos jurídicos, pois, como conseqüência da “ausência de lacunas do sistema jurídico”,
o direito representa a ordenação jurídica de toda a conduta social (essa última conclusão foi
tirada de Stammler, que não chegou a enunciá-la explicitamente).
(...)

* Pandectistas: juristas alemães
do século XIX que se dedicaram
a uma ampla e profunda tarefa
de sistematização teórica e
prática do direito. [Comentário
de Lewis Sargentich]

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INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I

David Trubek, “Max Weber on Law and the Rise of Capitalism” [Max Weber,
Sobre o Direito e a Ascensão do Capitalismo], 1972 Wisconsin Law Rev. 720
(texto de apoio à leitura dos trechos selecionados do próprio Weber)
[Tradução livre e adaptação, para fins didáticos.]

Max Weber dedicou grande parte de seus esforços a explicar a razão pela qual o capitalismo industrial surgiu no Ocidente. Ainda que reconhecesse uma dimensão histórica,
Weber não se limitou aos métodos históricos. Em vez disso, tentou construir um arcabouço
sociológico que pudesse guiar a pesquisa histórica. Esse arcabouço identificou as principais
dimensões analíticas da sociedade e as estruturas concretas que correspondem a elas. Weber
deu importância ao regime político, à estrutura social, à economia, à religião, ao direito e às
estruturas políticas, sociais, econômicas, religiosas e jurídicas de algumas sociedades. Ele entendia que essas dimensões, assim como as estruturas a elas relacionadas, devem ser separadas e investigadas para que suas inter-relações históricas possam ser compreendidas. Usando
esses métodos, argumentava ele, eventos históricos particulares podem ser explicados.
O “evento” que ele buscava explicar era o fato de o sistema moderno do capitalismo
industrial (ou burguês) ter emergido na Europa, mas não em outras partes do mundo.
Também pensava que o direito tinha desempenhado papel importante para isso. O direito
europeu tinha características únicas, que melhor favoreciam a condução ao capitalismo do
que os sistemas jurídicos de outras civilizações. Para demonstrar e explicar o real significado
dessas características para o desenvolvimento econômico, Weber incluiu a Sociologia do
Direito em sua teoria sociológica geral. Dessa forma, seu monumental tratado “Economia e Sociedade”, que apresenta uma análise do pensamento sociológico de Weber, inclui
uma discussão detalhada dos tipos sistemas jurídicos, a teoria da relação entre o direito e o
surgimento do capitalismo industrial e estudos sociológicos comparativos, que buscavam
confirmar sua teoria. (...)
Weber enfatizou sua crença de que os aspectos singulares da sociedade européia não
foram o mero resultado ou reflexo de fenômenos econômicos. Ele explicita e repetidamente
negou que as características dos sistemas jurídicos europeus tivessem sido causadas pelo
próprio capitalismo. Rejeitando a teoria determinista marxista, que sustentava que os fenômenos jurídicos tinham sido causados por forças econômicas, Weber demonstrou que
as particularidades dos sistemas jurídicos europeus deviam ser explicadas por fatores nãoeconômicos, como as necessidades internas da profissão jurídica e as necessidades de organização política. Fatores econômicos – especificamente, as necessidades econômicas da
classe burguesa – foram importantes, mas não determinantes na formação das singulares
instituições jurídicas européias.
Essas instituições diferenciavam-se das de outras civilizações em suas qualidades formais
e estruturais ou – como Weber exprimiu-se, levando a interpretações às vezes errôneas – seu
grau de “racionalidade”. A particularidade do direito europeu, assim como suas afinidades
com o capitalismo, encontram-se menos contidas nas condições materiais do que nas formas
de organização jurídica e nas resultantes características formais do processo jurídico. As comparações de Weber entre os sistemas jurídicos europeus e os de civilizações tais como a China
não se concentraram na presença ou ausência de tipos específicos de regras jurídicas, ainda
que esse aspecto não fosse ignorado. Em vez disso, ele se preocupou com questões como se
a organização jurídica é diferenciada ou misturada com relação à administração política e à
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INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I

religião, se o direito é visto como um conjunto de regras estabelecidas pelo homem ou como
um corpo recebido de tradições invariáveis, se as decisões jurídicas são determinadas por
regras gerais pré-existentes ou se são tomadas numa base ad hoc, e se as regras são universalmente aplicáveis a todos os membros de uma sociedade ou se existem leis específicas para
grupos diferentes.
O sistema jurídico europeu era singular em todas essas dimensões. Diferentemente
dos sistemas jurídicos de outras grandes civilizações, a organização jurídica européia era
altamente diferenciada. Os Estados europeus separavam o direito de outros aspectos da
atividade política. Existiam grupos de advogados profissionalmente especializados. As regras
jurídicas eram conscientemente produzidas e o processo legislativo era relativamente livre
da interferência direta de influências religiosas ou de outras fontes de valores tradicionais.
As decisões concretas eram baseadas na aplicação de regras universais e a tomada de decisões
não era sujeita a constante intervenção política.
Por isso, Weber acreditava que o direito europeu era mais “racional” que os sistemas
jurídicos de outras civilizações, isto é, era mais diferenciado (ou autônomo), construído
conscientemente, geral e universal. Mas ele também tentou demonstrar que nenhuma outra
civilização havia sido capaz de desenvolver esse tipo de ordem jurídica. O direito europeu
era o resultado da interação de muitas forças. Sua forma final foi moldada não somente por
características particulares da história jurídica ocidental (especialmente a tradição jurídica
romana e alguns aspectos da organização jurídica medieval), mas também por aspectos
generalizados e muitas vezes únicos na vida religiosa, econômica e política do Ocidente.
As outras civilizações por ele estudadas não possuíam essa herança especial e deixaram de
desenvolver o pensamento religioso, as estruturas políticas e os interesses econômicos que
facilitaram o crescimento do direito “racional” na Europa.
O não-desenvolvimento por outras civilizações do direito “racional” ajuda a explicar a
razão de só na Europa o capitalismo moderno e industrial ter podido desenvolver-se. Weber
acreditava que esse tipo de capitalismo necessitava de uma ordem jurídica com um grau
relativamente alto de “racionalidade”. Já que tal sistema jurídico era próprio do Ocidente,
o estudo comparativo de sistemas jurídicos ajudou a responder à pergunta básica de Weber,
sobre as causas do surgimento do capitalismo na Europa. (...)
1) Variações na Racionalidade Jurídica: Os tipos de pensamento jurídico.
	 (...) O próprio Weber classificou sistemas jurídicos segundo categorias distintas, dependendo de como o direito era tanto produzido quanto descoberto. O direito pode ser
encontrado ou produzido tanto racional quanto irracionalmente. Pode ser tanto formalmente quanto materialmente irracional, quanto formalmente ou materialmente racional. Finalmente, o direito formalmente racional pode ser “formal” tanto “extrinsecamente” quanto
“logicamente”.*
Portanto, existem duas dimensões principais de comparação: o quanto um sistema é
formal e o quanto é racional. Se analisarmos esses termos, descobriremos que “formalidade”
pode ser considerada como o emprego critérios de decisão intrínsecos ao sistema jurídico e,
assim, mede o grau da autonomia do sistema, enquanto que “racionalidade” significa seguir
algum critério de decisão que seja aplicável a todos os casos, medindo, portanto, a universalidade e a generalidade das regras aplicadas pelo sistema. A relação entre a tipologia de Weber
e os conceitos de diferenciação e generalidade pode ser demonstrada no seguinte quadro:

* Nota: isto é, a racionalidade
se distingue em racionalidade
formal e racionalidade material (esta também chamada
de racionalidade substantiva).
A irracionalidade, também,
pode ser formal ou material.
A racionalidade formal, por
sua vez, pode ser extrínseca
ou lógica. Tente entender --- o
que o texto procura fazer --- o
que essas categorias procuram
explicar e quais suas características básicas. Note que Weber
não se preocupa muito com
as formalidades extrínsecas ou
tangíveis (selos, ritos, pronúncia de palavras simbólicas etc.),
as quais não são analisadas
neste estudo.

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INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I

Quadro I - A tipologia dos sistemas legais classificados pela formalidade e racionalidade
do processo de tomada de decisões	
Grau de generalidade das normas jurídicas
Baixa
Grau de
diferenciação das
normas jurídicas

Alta

Alta

Irracionalidade
Formal

Racionalidade
Lógico-Formal

Baixa

Irracionalidade
Material

Racionalidade
Material

As decisões formalmente irracionais são associadas a decisões proféticas ou revelações.
As decisões são anunciadas sem nenhuma referência a um padrão geral ou mesmo aos interesses das partes em disputa. Os critérios para decisão são intrínsecos ao sistema legal, mas
não são observáveis; o observador não pode, de forma alguma, prever a decisão ou entender
de que forma chegou-se a ela.
Decisões materialmente irracionais aplicam critérios observáveis, mas esses são sempre
baseados em considerações concretas, éticas e práticas, dos casos específicos. É possível compreender as decisões, depois de tomadas, mas a não ser que surja um sistema de precedentes,
é difícil fazer alguma generalização a partir dos casos concretos.
Decisões materialmente racionais empregam um conjunto de critérios gerais, porém
extrínseco ao sistema jurídico – religião e ideologias políticas são exemplos de tais sistemas
extrínsecos. Na medida em que conhecemos os princípios fundamentais do sistema de pensamento extrínseco, é possível entender racionalmente como o sistema funcionará. Mas isso
só se mostra verdadeiro até um certo ponto, já que a maneira segundo a qual os preceitos do
sistema extrínseco serão traduzidos para o sistema jurídico pode variar. Portanto, ainda que
esse tipo seja mais capaz de formular regras gerais que os dois antecedentes, é menos provável
que o faça do que no sistema lógico-formal de racionalidade. Em comparação com esse quarto tipo (o do sistema lógico-formal de racionalidade), esses outros três tipos de sistemas jurídicos, portanto, apresentam um baixo grau de diferenciação, um baixo grau de generalidade
das leis, ou ambos. Como resultado, é difícil prever os tipos de decisão a que chegarão.
Isso não é verdadeiro em relação ao direito europeu, que Weber identificou com a
racionalidade lógico-formal. Esse tipo de sistema combina um alto grau de diferenciação
jurídica com um substancial apoio em regras gerais pré-existentes para a determinação de
decisões jurídicas. Certamente essas duas características estão profundamente interligadas.
O que Weber quis dizer com “racionalidade lógico-formal”? E por que razão ela leva a
regrais gerais, universalmente aplicadas? O pensamento jurídico é “racional” na proporção
em que se baseia (i) em alguma justificação que transcenda o caso particular e (ii) em regras
pré-existentes e claras; é “formal” na medida em que os critérios de decisão são intrínsecos
ao sistema jurídico; e “lógico” no sentido de que regras ou princípios são interpretados
conscientemente por modelos especializados de pensamento jurídico que se baseiam numa
sistematização altamente lógica e as decisões dos casos específicos são alcançadas através de
procedimentos lógicos e dedutivos especializados, derivados de regras ou princípios previamente estabelecidos. Já que, em tal sistema, as decisões jurídicas só podem ser baseadas em
princípios legais previamente estabelecidos e já que o sistema requer que esses sejam cuidadosamente elaborados, normalmente através de codificações, as decisões jurídicas serão
baseadas em regras e essas serão gerais e derivadas de fontes jurídicas autônomas. (...)
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INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I

2) A relação entre a estrutura política e o sistema jurídico: os tipos de dominação e os tipos de leis.
(...) Em sua sociologia política, Weber construiu tipos ideais de sistemas políticos ou formas de “dominação” (autoridade legítima). Esses tipo ou forma são organizados de acordo com a pretensão básica que esses
sistemas ou regimes apresentam para que suas ordens sejam obedecidas. A classificação é feita pelas típicas
condições de legitimidade, a justificação primária que os regimes oferecem para seu poder sobre outros. Weber
selecionou esse aspecto dos sistemas políticos como base para sua classificação, pois, achava ele, ele constitui a
base de diferenças muito significativas na estrutura empírica de dominação.
Weber identificou três formas ideais ou puras de legitimação, chamadas de dominação tradicional, carismática ou legal. Membros de uma organização social podem tratar ordens como legítimas porque (i) estão de
acordo com costumes imutáveis, porque (ii) emanam de um indivíduo com características extraordinárias ou
exemplares, ou porque (iii) têm base no direito.
(...) Weber estabeleceu uma relação íntima entre os tipos de dominação e os tipos de “pensamento jurídico”. A dominação jurídica é baseada na racionalidade lógico-formal, que pode existir apenas no contexto dessa
dominação. Ele sugeriu, ainda, que enquanto o direito evoluiu para um direito moderno, racional, também
evoluiu a forma de dominação em direção ao estado moderno, uma criação e criatura desse tipo de direito.
(...) Diz-se existir dominação jurídica quando as seguintes condições prevalecem: (1) Existem normas
pré-estabelecidas de aplicação genérica; (2) existe uma crença de que o corpo das leis é um sistema consistente
de regras abstratas e que a administração do direito consiste na aplicação dessas regras a casos particulares e é
limitada a essas regras; (3) os “superiores” estão também sujeitos a uma ordem impessoal; (4) a obediência é ao
próprio direito e não a alguma outra forma de ordenamento social; e (5) a obediência é devida somente dentro
de esferas delimitadas racionalmente (a jurisdição).
Portanto, o conceito particular de “direito” contido na noção da racionalidade lógico-formal está incluído
como um dos elementos essenciais de um sistema de dominação jurídica. Ao mesmo tempo, somente a racionalidade lógico-formal pode manter o “sistema consistente de regras abstratas” necessário à dominação jurídica.
Nenhum outro tipo de pensamento jurídico pode criar normas gerais e sistemáticas e garantir que elas, e somente elas, irão determinar os resultados das decisões jurídicas.
(...) A irracionalidade formal (magia e revelações) não conhece a noção de regras gerais. A irracionalidade
material é orientada casuisticamente e importa-se somente com a justiça peculiar da situação individual. A racionalidade material, por outro lado, é de alguma forma governada por regras – por isso é “racional” – mas essas
são os princípios de algum conjunto de pensamentos localizados fora do direito, como religiões, filosofias éticas
ou ideologias. Esse tipo de direito será constantemente tentado a alcançar resultados específicos, ditados pelas
premissas de valor desse conjunto externo de princípios, que não são nem gerais nem previsíveis.
Weber salientou a relação entre a dominação jurídica e o direito europeu descrevendo os outros tipos de
dominação. Assim como o direito formalmente racional é necessário para criar a situação sob a qual a dominação possa ser racionalmente legitimada, também outras formas de legitimação desencorajam o surgimento
do direito racional. “O tradicionalismo coloca sérios obstáculos no caminho das regulações formal-racionais...”
Em sociedades tradicionais, de acordo com Weber, não se pode ter um direito específico, aplicado com vistas a
objetivos definidos (legislação), já que tal procedimento seria inconsistente com a pretensão do governante de
legitimidade. Ordens serão somente obedecidas se puderem ser relacionadas com princípios eternos e imutáveis.
Além disso, o governante tradicional precisar basear qualquer regulação concreta da economia em valores absolutos, úteis, voltados para o bem-estar social. Isso é verdadeiro porque, enquanto sua legitimidade tem como
base princípios tradicionais, a dominação bem sucedida requer que também mantenha o bem-estar econômico
se seus súditos. Uma situação como essa, concluiu Weber, “rompe o tipo de racionalidade formal que é voltado
para uma ordem jurídica técnica”. A autoridade carismática também desencoraja o surgimento do direito racional moderno. Weber observou que a autoridade burocrática (ou jurídica) “é especificamente racional no sentido
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INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I

de submeter-se a regras analisáveis intelectualmente, enquanto a autoridade carismática é especificamente irracional no sentido de não se submeter a qualquer regra”. (...)
O quadro a seguir mostra a relação entre o direito e os tipos de estrutura política (dominação), indicando
o grau de discricionariedade que o sistema oferece aos governantes e o grau relativo de calculabilidade (previsibilidade) das regras que governam a vida econômica. A estrutura política determina o tipo de ordem jurídica que
pode prevalecer e, portanto, afeta a função econômica que ela pode ter.
Quadro II - Administração, Direito e Regulação Econômica sob os tipos puros de dominação.
Tipo de Dominação
Tradicional
Obediência devida a	

Direito legitimado por

Carismática

Jurídica

Indivíduos designados por
práticas tradicionais

Indivíduos considerados
extraordinários e dotados de
poderes excepcionais

Regras promulgadas e formuladas
de acordo com critérios racionais

Origem tradicional. Toda
lei é considerada como
parte de normas préexistentes

Originar-se do líder
carismático. Toda lei é
declarada pelo líder e
considerada como julgamento
divino ou revelação.

Origem em promulgação racional.
Toda lei é conscientemente
“interpretada” através de técnicas
lógicas por uma autoridade que
é estabelecida pelo direito e
que age de acordo com regras
jurídicas.

Orientado casuisticamente/
Revelatório. Julgamentos
concretos caso a caso,
justificados como revelações.

Geral / Racional. Casos decididos
por regras formais e princípios
abstratos, justificados pela
racionalidade do processo
decisório.

Patrimonial. Funcionários
recrutados através de laços
tradicionais. As tarefas são
alocadas de acordo com
a discricionariedade do
superior.

Não há administração
estruturada. Seleção ad hoc de
funcionários através de suas
qualidades carismáticas, com
tarefas indiferenciadas.

Burocrática. Administração
altamente estruturada através
de profissionais em sistema
hierárquico com jurisdição
racionalmente delimitada.

Alto

Alto

Baixo

Baixa

Baixa

Alta

Empírico-tradicional. O
Natureza do processo
processo de decisão feito
judicial e forma de
caso a caso. (precedentes
justificação das decisões podem ou não ser
considerados)

Estrutura da
administração

Grau de
discricionariedade do
governante
Calculabilidade
(previsibilidade) das
regras que governam a
economia

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INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I

Seleção de Leituras Nº 3:

Módulo II – Como “traduzir” fatos em categorias jurídicas relevantes para a decisão? Três
modalidades de aplicação do direito.
Item A. “Definição de termos isolados, comparação com situações exemplares e
consideração dos objetivos da Lei”.
–	 Caso do Lixo na Praia (anexo)

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INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I

MEMORANDO INTERNO*
Data:	22 de fevereiro de 2006.
Para:	 Estagiários da Procuradoria do Município do Rio de Janeiro
De:	 Ilmo. Sr. Procurador-Geral do Município do Rio de Janeiro
Ref.:	 Possíveis Violações à Lei de Limpeza Urbana do Município
1. Em atenção à solicitação do Sr. Representante dos Agentes Municipais de Limpeza,
solicito sua análise das questões abaixo.
2. A Assembléia Legislativa do Município do Rio de Janeiro, há três semanas, aprovou
a Lei 4.104/2004 (“Lei de Limpeza Urbana”), contendo a seguinte disposição:
“Art. 83. Deixar lixo em lagoas, praias, mar, oceano ou outras áreas de proteção ambiental, sujeitará o infrator a multa inicial, no valor de R$ 200,00, independentemente de
outras sanções.”

3. A Lei de Limpeza Urbana foi publicada na semana passada. Desde então, graças ao
sistema de vigilância eletrônica da Praia de Ipanema, instalado em 2003 e monitorado pelo
19o Batalhão de Polícia Militar do Rio de Janeiro, agentes municipais de limpeza registraram cinco diferentes possíveis violações da referida Lei, em razão de terem sido deixados os
seguintes itens nos trechos cobertos pelas câmeras:
⋅	Um anel de brilhante**;
⋅	Uma lata de cerveja vazia;
⋅	Uma escultura de areia pintada, representando a Santa Ceia;
⋅	Uma pilha de conchas (do tipo usado para preparar “cascas de siri”);
⋅	Um livro, do autor Paulo Coelho, lido e sublinhado.
4. O sistema de vigilância permite a identificação de rostos por intermédio das câmeras, pela medição da distância entre os olhos, nariz e boca. Os cinco possíveis infratores
já foram identificados e a Prefeitura pretende multá-los, caso a Procuradoria entenda pela
aplicação da Lei 4.104/2004 em cada um dos casos. Assim, tendo em vista nossa reunião
agendada para 02/3/2005, peço-lhe que esteja preparado para discutir qual (is) desses itens
viola(m) a disposição legal mencionada, e por quê.
5. Anexos, para facilitar sua formulação sobre os casos, a exposição de motivos da
Lei de Limpeza Urbana do Município e excerto de livro de autoria do eminente jurista e
ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, Eduardo Espínola (em co-autoria com Eduardo
Espínola Filho), que costumo utilizar em minhas próprias petições.

ANEXO AO MEMORANDO
1 – Exposição de Motivos da Lei Municipal de Limpeza Urbana:
“O Rio de Janeiro, com sua paisagem natural peculiar, de praias e montanhas, possui enorme potencial turístico. No ano de 2000, o volume da circulação de bens e serviços relacionados

* Os dados e referências incluídos nesse memorando são
fictícios.
** Embora a perícia ainda não
tenha determinado em definitivo a natureza do brilhante,
uma análise preliminar indicou
se tratar de pedra preciosa,
provavelmente diamante.

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INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I

ao turismo cresceu 35% em relação ao ano anterior, chegando a um total de R$660 milhões.
Nos últimos três anos, contudo, esse crescimento vem diminuindo drasticamente. Em janeiro de
2003, estava próximo de 5%.
Recente estudo da ONG Cidade Maravilhosa, dedicada à promoção do turismo no Rio de
Janeiro, aponta como uma das causas dessa queda a descaracterização da paisagem carioca, em
especial das praias. Segundo o relatório da organização, ainda que toda e qualquer espécie de
lixo ou poluição prejudique as condições do turismo da cidade, o lixo ‘visível’ – objetos ou dejetos
deixados na orla ou no mar – tem um efeito muito mais nocivo sobre a imagem do Rio de Janeiro
do que a poluição “invisível” das águas.
Os maiores responsáveis por esse tipo de poluição são os próprios usuários das praias. Nesse
sentido, é preciso educar nossa população e mesmo os visitantes para utilizarem as inúmeras latas
de lixo já instaladas em toda a extensão da orla carioca. A presente lei visa a colaborar com esse
intuito, punindo com multa o abandono de lixo de qualquer espécie nas praias do município do
Rio de Janeiro.”

2 – Trecho doutrinário sobre aplicação do direito ao caso concreto
“47 – Investigação da norma jurídica para sua aplicação. Para que o direito passe
da teoria à prática, para que o preceito abstrato da norma jurídica se mude em preceito concreto,
diante de uma situação em que se chocam interesses contraditórios, há mister que: I – o estado
de fato, objeto da controvérsia, seja fixado; II – a norma jurídica a aplicar seja determinada;
III – seja pronunciado o resultado jurídico, que deriva da subordinação do estado de fato aos
princípios jurídicos. (...)
A aplicação do direito reclama a consideração de duas questões diferentes. Uma delas é de
fato, consistindo em verificar as circunstâncias e os elementos, que determinam e singularizam o
caso concreto. A outra, de direito, e o seu fim é precisar a norma jurídica reguladora da situação
de fato apresentada, para o que, acabamos de ver, é necessário se investigue a existência da norma
jurídica, abrangendo (...) e a explicação do sentido, isto é, a interpretação. (...)
Verificada a existência da questão de fato, sobre que se controverte, o juiz, a quem as partes
interessadas levaram o conhecimento da espécie, com comprovada exposição da situação determina, portanto, a norma jurídica a que deve fazer-se a subsunção do caso concreto, e, fixando
a existência da mesma, decide, após explicar-lhe o sentido e o conteúdo, se tal norma se ajusta a
esse caso, pronunciando o resultado jurídico, que se traduz, precisamente, na subordinação do
estado de fato ao princípio jurídico. Assim, toda a atividade desenvolvida no processo tem, como
finalidade última, a aplicação da norma jurídica ao caso concreto, isto é, a própria realização
do direito. (...)
(-------)
Choca à consciência jurídica da atualidade, como sendo mais do que um absurdo, como
sendo verdadeira monstruosidade --- o entendimento acanhado, retrógrado e pernicioso, que, em
1841, expunha BLONDEAU à Academia de Ciências Morais e Políticas de Paris --- pleiteando
que, se o juiz se achar diante de uma lei ambígua, absolutamente insuficiente, ou de leis contraditórias, sem que o pensamento do legislador se manifeste em torno do ponto a decidir, deva, antes
de proceder à interpretação, rejeitar a ação, por inexistência de lei.
Hoje, ao invés, a verdade que --- seria inqualificável denegação de justiça deixar o juiz de
decidir, a pretexto ou por motivo de não haver texto claro de lei, ou de resultar dúvida, ambiFGV DIREITO RIO

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INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I

güidade, incerteza do existente e, mesmo, de inexistir uma norma de direito positivo, faltando,
também regra de direito consuetudinário (...).
Tal como sucede no regime de qualquer desses Códigos [cujo regime é o mesmo da nossa Lei
de Introdução ao Código Civil], nunca ocorrerá, entre nós, ao juiz, escusar-se de dar solução ao
litígio, por inexistente, omissa, ambígua, obscura, indecisa, dúbia, a lei.”*

* Texto adaptado de: A Lei
de introdução ao Código civil brasileiro:
(Dec.Lei nº 4.657, de
4 de setembro de
1942, com as alterações da Lei nº 3.238,
de 1º de agosto de
1957, e leis posteriores): comentada na
ordem de seus artigos, por Eduardo Espínola
e Eduardo Espínola Filho; e
atualizada por Silva Pacheco.
3ª edição [e.p.1943] – Rio de
Janeiro, Renovar, 1999.

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46
INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I

Seleção de Leituras Nº 4:
Módulo II – Como “traduzir” fatos em categorias jurídicas relevantes para a decisão? Três modalidades de
aplicação do direito.
Item B. “Estupro”.
–	 Arts. 213 e 224 do Código Penal (anexos);
–	 Jurisprudência (anexa)
–	 Primeiro Grupo (casos 1 a 3)
–	 Segundo Grupo (casos 1 a 3 e Casos Complementares [4 a 11])

Código Penal:
[estupro]
“Art. 213 – Constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça.
Pena – reclusão, de 6 (seis) meses a 10 (dez) anos.”
[presunção de violência]
“Art. 224. Presume-se a violência, se a vítima: a) não é maior de 14 (catorze) anos; b) é alienada ou débil
mental, e o agente conhecia esta circunstância; c) não pode, por qualquer outra causa, oferecer resistência”.

Primeiro Grupo de Jurisprudência (ementas):
[caso 1.] Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul: “Estupro Real. Pressupõe o sincero dissenso da mulher. Não existe, portanto, quando a relação sexual foi consentida. Palavra da ofendida. Se declara que depois
de uma resistência inicial tirou ela mesma sua roupa e aceitou passivamente que o réu se deitasse por cima delas
ainda juntos do mato, (...) Tais circunstâncias demonstram que não houve a caracterização do estupro” TJRS.
Ap. Crime nº686044900. 2ª Cam. Crime. Rel. Ladislau Fernando Rohnelt. J. 13.11.1986.
[caso 2.] Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro: “Estupro. Absolvição. Inexistência de prova continua de
resistência da suposta ofendida. Consentimento tácito. Valor probatório do Inquérito Policial. O devido Processo Penal. Absolvição. 1. A conjunção carnal na configuração típica é a realização do coito praticado por pessoas
de sexo oposto, não se exigindo que o ato seja completo, mas que a ´introductio penis intra vas´ ocorra contra a
vontade da ofendida, mediante o emprego da violência real ou presumida; 2. Se foi a própria “ofendida”, antiga
companheira do réu-apelante, que marcara o encontro ao lado do matagal, não oferecendo qualquer resistência
(física ou psicológica), e ainda de forma indireta, colaborara no sentido a afugentar seu atual namorado para
que fugisse do local e ludibriado convocara agentes da autoridade para “socorrê-la” e, após, em sede judicial
não se mostrou jamais revoltada, retornando inclusive a conviver com o namorado enganado, nada aduzindo
sobre o fato, demonstra o consentimento da ofendida em bem disponível que é causa de exclusão da ilicitude;
3. Contudo, a suposta vítima não foi constrangida, praticando o coito por sua livre vontade, razão pela qual
inexiste violação de sua liberdade sobre seu corpo e seu prazer sexual. Trata-se, pois, de fato atípico pela ausência
do elemento subjetivo do tipo. 4. Recurso provido” TJRJ. ACr 140/95. 2ª C.Crim. Rel. Des. Álvaro Mayrink
da Costa. J. 29.08.1995.
FGV DIREITO RIO

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INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I

[caso 3.] Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul: “Estupro. Prova de Violência. Para a caracterização da
coação do ato sexual, não se deve exigir provas de uma violência física, pois integra o tipo a violência moral ou
ameaça. Além disso, não se pode impor à mulher que seja heróica, levando a resistência às últimas conseqüências,
para a configuração do seu dissenso. Não consente a mulher que se entrega ao estuprador por exaustão de suas
forças, nem a que sucumbe ao medo, evitando a prática de qualquer ato externo de resistência” (RJTJERGS).
Segundo Grupo de Jurisprudência (ementas):
[caso 1.] “PROCESSUAL. RECURSO ESPECIAL. ESTUPRO. VIOLÊNCIA FICTA. CONSENTIMENTO. VÍTIMA. CARACTERIZAÇÃO. DELITO. 1. No estupro ficto (art. 224, “a”, do Código Penal),
com exigência do dolo direto ou eventual sobre a idade da vítima, afastando - em conseqüência - a tese da
responsabilidade objetiva, o consentimento da ofendida não descaracteriza a prática do delito. Precedentes. Recurso especial conhecido e provido.”. Este julgamento corrigiu o decisum que havia sido prolatado pelo TJSC,
2ª Câmara Criminal, rel. Des. Jorge Mussi, nos seguintes termos: “CRIME CONTRA OS COSTUMES”
– ESTUPRO – VIOLÊNCIA PRESUMIDA PELA IDADE DA VÍTIMA (PRATICAMENTE 13 ANOS)
– OFENDIDA COM COMPLEIÇÃO FÍSICA DE MULHER, QUE ADMITE HAVER SE RELACIONADO SEXUALMENTE COM OUTROS DOIS HOMENS ANTES DOS FATOS E QUE, APESAR DE SUA
IDADE, NÃO SE APRESENTA INGÊNUA OU INOCENTE, MAS SIM CONSCIENTE DE SEUS ATOS
– NATUREZA RELATIVA DA FICÇÃO LEGAL RECONHECIDA – DÚVIDAS, ADEMAIS, QUANTO
AO SINCERO DISSENSO OU À SUMISSÃO DA MENOR À VONTADE DO PADRASTO (TEMOR
REVERENCIAL) – APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO IN DUBIO PRO RÉU QUE SE IMPÕE – ABSOLVIÇÃO DECRETADA – RECURSO DEFENSIVO PROVIDO. Nos crimes de estupro, praticados contra menores de quatorze anos, a presunção de violência é absoluta somente se a vítima for recatada, inocente e ingênua
no campo sexual, hipótese em que pode ser facilmente enganada e iludida pelo agente. Se, ao contrário, a menor
possuir uma maturidade sexual acima da média da sua idade, tornando-a capaz de discernir acerca de sua conduta e conseqüências desta, a presunção desta, a presunção do art. 224, alínea a, do CP, passa a ser relativa.
Comprovado o desenvolvimento sexual da menor ofendida e havendo dúvidas quanto ao seu sincero
dissenso ou à sua submissão à vontade do padrasto (temor reverencial), outra solução não resta senão absolver
o acusado, com fundamento no art. 386, VI, do CPP” REsp nº 324.161, Sexta Turma, rel. Min. Fernando
Gonçalves, julgado em 4.2.2003.
[caso 2.] “Estupro. Reconhecimento da Violência Presumida. Impossibilidade. Jovem madura com idade
próxima ao limite legal. É induvidoso que, nos dias atuais, não se pode mais afirmar que uma jovem, na pré-adolescência, continue como na década de 40, a ser uma insciente das coisas do sexo. Na atualidade, o sexo deixou de ser
um tema proibido, para se situar em posição de destaque na família, onde é discutido livremente por causa da AIDS,
nas escolas, onde adquiriu o “status” de matéria curricular e nos meios de comunicação de massa, onde se tornou
assunto corriqueiro. A quantidade de informações, de esclarecimentos, de ensinamentos sobre sexo flui rapidamente
e sem fronteiras, dando as pessoas, inclusive as de menos de 14 anos de idade, uma visão teórica da vida sexual,
possibilitando-a a rechaçar as propostas de agressões que nessa esfera se produzirem-se a uma consciência bem clara
e nítida da disponibilidade do próprio corpo. Sob pena do conflito da lei com a realidade social, não se pode mais
excluir completamente, nos crimes sexuais, a apuração do elemento volitivo da ofendida, de seu consentimento, sob
o pretexto de que continua não podendo dispor livremente de seu corpo, por faltar-lhe capacidade fisiológica e psicoética” TJRS. Apel. Criminal nº 698248671. 6ª C.Crim. Rel. Sylvio Baptista Neto. J. 15.10.1998.
[caso 3.] “Sob pena de conflitarem lei e realidade social, não se pode mais afirmar que se exclui completamente, nos crimes sexuais, a apuração do elemento volitivo da pessoa ofendida, de seu consentimento sob o pretexto de
FGV DIREITO RIO

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INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I

continua não podendo dispor livremente do seu corpo, por faltar-lhe capacidade biológica e psico-ética. A pressão
exercida pela realidade social tem sido de tal ordem que a presunção de violência decorrente das circunstâncias
da ofendida dispor de idade inferior de 14 anos se relativizou (...) Em decorrência do exposto, a tais situações de
relativização da presunção deve ser acrescida uma outra, ou seja, exclui-se a presunção de violência quando a pessoa
ofendida, embora com menos de 14 anos de idade, deixa claro e patente ter maturidade suficiente para exercer a
sua capacidade de auto-determinar-se no terreno da sexualidade. Se dela partir a iniciativa ou a provocação do ato
sexual, ou se ela adere prontamente ao convite de caráter sexual, que o agente lhe dirige, constitui um verdadeiro
contra senso entender que sofreu uma violência”. TJSP. Ap. Crime nº 93117-3. Rel. Des. Márcio Bartoli.
Casos Complementares:
[caso 4.] ”Estupro. Menor de Quatorze Anos. Violência Relativa. O entendimento prevalecente, na jurisprudência e na doutrina, é no sentido de que a presunção de violência prevista no CP, Art. 224, “a” é relativa,
cedendo diante da prova contrária” STJ. RESP. nº 161.284-RS. Rel. Min. Edson Vidigal. J. 21.03.2000.
[caso 5.] ”Estupro. Violência Presumida. Absolvição. Consentimento. Se a vítima consentiu no ato sexual
e tendo conhecimento do assunto, já que fora alertada pela mãe da possibilidade de engravidar e sobretudo porque freqüentava barzinhos à noite com outras adolescentes, demonstrando que não era moça ingênua e recatada,
deve prevalecer a sentença absolutória que afastou a ´inocentai consilii´, que é relativa” TJMS. Acr. nº 58.753-3.
2ª T. Rel. Des. Carlos Stephanini. J. 10.06.1998.
[caso 6.] “Estupro. Menor de Quatorze Anos. Presunção de Violência. Consentimento. Consoante o
entendimento pretoriano, na hipótese de crime de estupro cometido contra menor de 14 anos, nem mesmo o
consentimento da vítima ou a sua anterior experiência elidem a presunção de violência” STJ. HC nº 9.056. 6ª
Turma. Rel. Min. Fernando Gonçalves. J. 30.06.1999.
[caso 7.] “(...) É incabível a alegação de que houve o consentimento por parte da vítima, eis que sendo esta
menor de 14 (quatorze) anos, a violência é presumida”. TJDFT. Ap. Crime nº 1999085003969-4. 1ª Turma.
Re. Des. Otávio Augusto. J. 24.02.2000..
[caso 8.] “Estupro. Presunção de Violência. Vítima menor de 14 anos de idade. Sequer elide a presunção
de violência o alegado fato do consentimento da vítima quanto à relação sexual. A violência ficta, prevista no
art. 224, letra “a”, do Código Penal, é absoluta e não relativa” STF. HC nº 72.575-9. 2ª Turma. Rel. Min. Néri
da Silveira. J. 04.08.1995.
[caso 9.] “Estupro Ficto. Menor de quatorze anos de idade não possui discernimento para, com vontade
válida, entregar-se sexualmente ...” TJRS. Ap. Crime nº 694006651. 1ª C.Crim. Rel. Guilherme Oliveira de
Souza Castro. J. 30.03.1994.
[caso 10.] “Estupro. Se a ofendida é menor de 13 anos de idade não pode consentir e se consentir não e
válido” TJRS. Ap. Crime nº 686049156. 1ª C.Crim. Rel. Paulo David Torres Barcellos. J. 09.09.1987.
[caso 11.] “Estupro. Violência Presumida Confirmada. Vítima Menor de 14 anos de Idade. Falta de consciência plena para validar com seu consentimento o ato que cometeu. Sentença recorrida amparada na provados
autos. Recurso improvido a unanimidade” TJSE. ACr 008/94. Ac. 0406/94. C.Crim. Rel. Des. Rinaldo Costa
e Silva. DJSE 26.05.1994.
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INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I

Seleção de Leituras Nº 5:
Módulo II – Como “traduzir” fatos em categorias jurídicas relevantes para a decisão? Três modalidades de
aplicação do direito.
Item C. “Propriedade e Função Social”.
– Jurisprudência (anexa)
	 – Primeiro Grupo (casos 1 a 4)
	 – Nota Breve Sobre Processo Expropriatório
	 – Segundo Grupo (casos 1 a 4)
– Legislação:
	 – Constituição Federal:
		
Arts. 1º, 3º, 5º (inc. XXII, XXIII, LIV e LV), 170, 182, 183, 184, 185 186
	 – Código Civil de 1916
		
Arts. 75, 77, 78, 159, 524, 589, 620, 675 e 1518 (e correlatos no Código Civil de 2002)
	 – Lei n. 8.629, de 25 de fevereiro de 1993
		
Arts. 2º, 5º, 6º 9º e 12

Primeiro Grupo de Jurisprudência (ementas):
[caso 1.] [inteiro teor do acórdão transcrito abaixo]
APELAÇÃO CÍVEL N. 212.726-1-4 - SÃO PAULO
EMENTA
Ação reivindicatória. Lotes de terreno transformados em favela dotada de equipamentos urbanos. Função
social da propriedade. Direito de indenização dos proprietários. Lotes de terreno urbanos tragados por uma
favela deixam de existir e não podem ser recuperados, fazendo, assim, desaparecer o direito de reivindicá-los. O
abandono dos lotes urbanos caracteriza uso anti-social da propriedade, afastado que se apresenta do princípio
constitucional da função social da propriedade. Permanece, todavia, o direito dos proprietários de pleitear indenização contra quem de direito.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos...
Acordam, em 8ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por votação unânime, dar
provimento ao Recurso dos réus, prejudicado o Recurso Adesivo, de conformidade com o relatório e o voto do
Relator, que ficam fazendo parte do acórdão.
O julgamento teve a participação dos Desembargadores Osvaldo Caron (Presidente) e Walter Theodósio,
com votos vencedores.
São Paulo, 16 de dezembro de 1994
José Osório, Relator
Ação reivindicatória referente a lotes de terreno ocupados por favela foi julgada procedente pela r. sentença
de fls., cujo relatório é adotado, repelida a alegação de usucapião e condenados os réus na desocupação da área,
sem direito a retenção por benfeitorias e devendo pagar indenização pela ocupação desde o ajuizamento da
demanda. As verbas da sucumbência ficaram subordinadas à condição de beneficiários da assistência judiciária
gratuita.
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INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I

Apelam os sucumbentes pretendendo caracterizar a existência do usucapião urbano, pois incontestavelmente todos se encontram no local há mais de 5 (cinco) anos, e ocupam áreas inferiores a 200 (duzentos) metros
quadrados, sendo que não têm outra propriedade imóvel. Subsidiariamente, pretendem o reconhecimento da
boa-fé e consequentemente direito de retenção por benfeitorias e, alternativamente, ainda, o deslocamento do
dies a quo de sua condenação da data da propositura da demanda para a data em que se efetivou a citação.
Os autores contra-arrazoam, levantando preliminar de intempestividade do Recurso e, no mérito, pugnando pela manutenção da sentença; e interpõem Recurso Adesivo, pretendendo a execução imediata das verbas de
sucumbência em que foram condenados os réus.
O Recurso Adesivo também foi respondido.
O Relator determinou diligência a respeito da publicação de sentença.
É o relatório.
O Recurso é tempestivo. Conforme se vê de cópia do DOU, de 30.11.1992, constaram da publicação
da sentença apenas os nomes dos advogados dos autores. O Doutor Procurador da Assistência Judiciária, que
defende os réus, tomou ciência da decisão somente em 20.1.1993.
Apresentado o Recurso em 26.1, é ele tempestivo.
A alegação da defesa de já haver ocorrido o usucapião social urbano, criado pelo artigo 183 da CF/88, não
procede, porquanto, quando se instaurou a nova ordem constitucional, a ação estava proposta havia 3 (três)
anos.
Ainda assim, o Recurso dos réus tem provimento.
Os autores são proprietários de 9 (nove) lotes de terreno no Loteamento..., subdistrito..., adquiridos em
1978 e 1979. O loteamento foi inscrito em 1955. A Ação Reivindicatória foi proposta em 1985.
Segundo se vê do laudo e das fotografias de fls., os 9 (nove) lotes estão inseridos em uma grande favela, a
‘Favela..., perto do Shopping...
Trata-se de favela consolidada, com ocupação iniciada há cerca de 20 (vinte) anos. Está dotada, pelo Poder
Público, de pelo menos 3 (três) equipamentos urbanos: água, iluminação pública e luz domiciliar. As fotos de
fls. mostram algumas obras de alvenarias, os postes de iluminação, um pobre ateliê de costureira, etc., tudo a
revelar uma vida urbana estável, no seu desconforto.
O objeto da Ação Reivindicatória é, como se sabe, uma coisa corpórea, existente e bem definida. Veja-se,
por todos, Lacerda de Almeida:
“Coisas corpóreas em sua individualidade, móveis ou imóveis, no todo ou em uma quota-parte, constituem
o objeto mais freqüente do domínio, e é no caráter que apresentam de concretas que podem ser reivindicadas (...)”
(Direito das coisas, Rio de Janeiro, 1908, p. 308).

No caso dos autos, a coisa reivindicada não é concreta, nem mesmo existente. É uma ficção.
Os lotes de terreno reivindicados e o próprio loteamento não passam, há muito tempo, de mera abstração
jurídica. A realidade urbana é outra. A favela já tem vida própria, está, repita-se, dotada de equipamentos urbanos. Lá vivem muitas centenas, ou milhares, de pessoas. Só nos locais onde existiam os 9 (nove) lotes reivindicados residem 30 (trinta) famílias. Lá existe uma outra realidade urbana, com vida própria, com os direitos civis
sendo exercitados com naturalidade. O comércio está presente, serviços são prestados, barracos são vendidos,
comprados, alugados, tudo a mostrar que o primitivo loteamento hoje só tem vida no papel.
A diligente perita, em hercúleo trabalho, levou cerca de 4 (quatro) anos para conseguir localizar as duas
ruas em que estiveram os lotes, Ruas... e... Segundo a perita:
“A Planta Oficial do Município confronta com a inexistência da implantação da Rua... a qual foi indicada em
tracejado”.
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INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I

Na verdade, o loteamento, no local, não chegou a ser efetivamente implantado e ocupado. Ele data de
1955. Onze anos depois, a planta aerofotogramétrica da... mostra que os 9 (nove) lotes estavam coberto por
“vegetação arbustica”, a qual também obstruía a rua... Inexistia qualquer equipamento urbano.
Mais de 6 (seis) anos e a planta seguinte (1973) indica a existência de muitas árvores, duas das quais no
leito da rua. Seis barracos já estão presentes. Essa prova casa-se com o depoimento sereno do Padre M.B.:
“Foi pároco no local até 1973, quando já havia o início da favela do... Ausentou-se do local até 1979. Quando
lá retornou, encontrou a favela consolidada”.

Por aí se vê que, quando da aquisição, em 1978/1979, os lotes já compunham favela.
Loteamento e lotes urbanos são fatos e realidades urbanísticas. Só existem, efetivamente, dentro do contexto urbanístico. Se são tragados por uma favela consolidada, por força de uma certa erosão social, deixam de
existir como loteamento e como lotes.
A realidade concreta prepondera sobre a “pseudo-realidade jurídico-cartorária”. Esta não pode subsistir,
em razão da perda do objeto do direito de propriedade. Se um cataclismo, se uma erosão física, provocada pela
natureza, pelo homem ou por ambos, faz perecer o imóvel, perde-se o direito de propriedade.
É o que se vê no artigo 589 do Código Civil, com remissão aos artigos 77 e 78.
Segundo o artigo 77, perece o direito perecendo o seu objeto. E nos termos do artigo 78, I e III, entende-se
que pereceu o objeto do direito quando perde as qualidades essenciais, ou o valor econômico; e quando fica em
lugar de onde não pode ser retirado.
No caso dos autos, os lotes já não apresentam suas qualidades essenciais, pouco ou nada valem no comércio; e não podem ser recuperados, como adiante se verá.
É verdade que a coisa, o terreno, ainda existe fisicamente.
Para o direito, contudo, a existência física da coisa não é o fator decisivo, consoante se verifica dos mencionados incisos I e III do artigo 78 do CC. O fundamental é que a coisa seja funcionalmente dirigida a uma
finalidade viável, jurídica e economicamente.
Pense-se no que ocorre com a denominada desapropriação indireta. Se o imóvel, rural ou urbano, foi
ocupado ilicitamente pela Administração Pública, pode o particular defender-se logo com Ações Possessórias ou dominiais. Se tarda e ali é construída uma estrada, uma rua, um edifício público, o esbulhado não
conseguirá reaver o terreno, o qual, entretanto, continua a ter existência física. Ao particular, só cabe Ação
Indenizatória.
Isto acontece porque o objeto do direito transmudou-se. Já não existe mais, jurídica, econômica e socialmente, aquele fragmento de terra do fundo rústico ou urbano. Existe uma outra coisa, ou seja, uma estrada ou
uma rua, etc. Razões econômicas e sociais impedem a recuperação física do antigo imóvel.
Por outras palavras, o jus reivindicandi (art. 524, parte final, do CC) foi suprimido pelas circunstâncias
acima apontadas.
Essa é a Doutrina e a Jurisprudência consagradas há meio século no Direito brasileiro.
No caso dos autos, a retomada física é também inviável.
O desalojamento forçado de 30 (trinta) famílias, cerca de 100 (cem) pessoas, todas inseridas na comunidade urbana muito maior da extensa favela, já consolidada, implica uma operação cirúrgica de natureza éticosocial, sem anestesia, inteiramente incompatível com a vida e a natureza do Direito.
É uma operação socialmente impossível.
E o que é socialmente impossível é juridicamente impossível.
Ensina L. Recaséns Siches, com apoio explícito em Miguel Reale, que o Direito, como obra humana que
é, apresenta sempre três dimensões, a saber:

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INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I

“A) Dimensión de hecho, la cual comprende los hechos humanos sociales en los que el Derecho se gesta y se
produce; así como las conductas humanas reales en las quales el Derecho se cumple y lleva a cabo.
B) Dimensión normativa (...).
C) Dimensión de valor, estimativa, o axiológica, consistente en que sus normas, mediante las cuales se trata de
satisfacer una série de necessidades humanas, esto intentan hacerlo con las exigencias de unos valores, de la justicia y
de los demás valores que esta implica, entre los que figuran la autonomía de la persona, la seguridad, el bien común
y otros.
(...) pero debemos precatarnos de que las tres (dimensiones) se hallan reciprocamente unidas de un modo
inescindible, vinculadas por triples nexos de esencial implicación mutua” (Introducción al estudio del derecho,
México, 1970, p. 45).

Por aí se vê que a dimensão simplesmente normativa do Direito é inseparável do conteúdo do ético-social
do mesmo, deixando a certeza de que a solução que se revela impossível do ponto de vista social é igualmente
impossível do ponto de vista jurídico.
O atual direito positivo brasileiro não comporta o pretendido alcance do poder de reivindicar atribuído ao
proprietário pelo artigo 524, do CC.
A leitura de todos os textos do CC só pode se fazer à luz dos preceitos constitucionais vigentes. Não se concebe um direito de propriedade que tenha vida em confronto com a Constituição Federal, ou que se desenvolva
paralelamente a ela.
As regras legais, como se sabe, se arrumam de forma piramidal.
Ao mesmo tempo em que manteve propriedade privada, a CF a submeteu ao princípio da função social
(arts. 5º, XXII e XXIII; 170, II e III; 182, 2º; 184; etc.).
Esse princípio não significa apenas uma limitação a mais ao direito de propriedade, como, por exemplo,
as restrições administrativas, que atuam por força externa àquele direito, em decorrência do poder de polícia da
Administração.
O princípio da função social atua no conteúdo do direito. Entre os poderes inerentes ao domínio, previstos
no artigo 524 do CC (usar, fruir, dispor e reivindicar), o princípio da função social introduz um outro interesse
(social) que pode não coincidir com os interesses do proprietário. Veja-se, a esse propósito, José Afonso da Silva,
Direito constitucional positivo, 5. ed., p. 249-250, com apoio em autores europeus.
Assim, o referido princípio torna o direito de propriedade, de certa forma, conflitivo consigo próprio, cabendo ao Judiciário dar-lhe a necessária e serena eficácia nos litígios graves que lhe são submetidos.
No caso dos autos, o direito de propriedade foi exercitado, pelos autores e por seus antecessores, de forma
anti-social. O loteamento pelo menos no que diz respeito aos 9 (nove) lotes reivindicados e suas imediações – ficou praticamente abandonado por mais de 20 (vinte) anos; não foram implantados equipamentos urbanos; em
1973, havia árvores até nas ruas; quando da aquisição dos lotes, em 1978-1979, a favela já estava consolidada.
Em cidade de franca expansão populacional, com problemas gravíssimos de habitação, não se pode prestigiar tal
comportamento de proprietários.
O jus reivindicandi fica neutralizado pelo princípio constitucional da função social da propriedade. Permanece a eventual pretensão indenizatória em favor dos proprietários, contra quem de direito.
Diante do exposto, é dado provimento ao Recurso dos réus para julgar improcedente a ação, invertidos os
ônus da sucumbência, e prejudicado o Recurso dos autores. (FIM DO ACÓRDÃO DO CASO 1)
[caso 2.] (ementa). “Área ocupada há longo tempo - Favela: Nada obstante o respeito que a tese da destinação social da ocupação do imóvel urbano para fins residenciais, empolgante, por sem dúvida, possa merecer, sua
aplicação é inaceitável em face do Direito vigente. Aplicá-la ao arrepio da lei importaria, em verdade, transposição
para o campo do Direito Civil da figura do uti possidetis do Direito Internacional, via do qual se reconheceria ao
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INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I

posseiro ou mero ocupante a garantia da posse por decorrência de suposta soberania oriunda exclusivamente do
fato da ocupação. A questão, se é grave no aspecto social e está a merecer atenção e solução, em caráter urgente,
pelo Poder competente, não pode ser decidida senão segundo os critérios que disciplinam a posse, seus efeitos e
sua proteção.” RT 565/105.
[caso 3.] “(...) 1. O caso em exame envolve grave problema social, o qual não compete ao Poder Judiciário
resolvê-lo, por não se encontrar na esfera de suas atribuições e sim determinar o cumprimento da lei, inclusive de
norma constitucional que assegura o direito de propriedade. (...)”TJ/PR, Pedido de Intervenção n° 0014086-9,
Catanduvas, Ac. n° 2028, Órgão Especial unân., j. 01.07.94, DJPR, 15.08.94, p. 28.
[caso 4.] “Deferir-se em favor de quem não tem direito a posse de um imóvel somente porque se trata
de uma vila popular, para obviar-se uma crise social e porque não é moralmente justo, é praticar-se o confisco
através da jurisdição. E o confisco aberra à lei, ao direito e à justiça. Com a devida vênia, a pior das ditaduras é a
ditadura do Judiciário. No momento em que o Judiciário se contrapõe ao ordenamento jurídico, para realizar a
reforma social de que este país está necessitando, subverte a ordem jurídica que lhe cumpre defender e extrapola
os limites de sua função.” TA/RS, Emb. Infr n° 100287119, 1° Grupo Cível, j. 18.11.83, voto vencido.

Nota Breve sobre Processo Expropriatório (por Livia Fernandes)
O segundo grupo de casos, abaixo, trata de processos de expropriação, para fins de reforma agrária. De maneira bem resumida, a desapropriação ou expropriação é a retirada, regulada em lei, de um bem de um particular
para, ao destiná-lo ao poder público, atender a interesse da comunidade (por exemplo, assentando famílias).
Atualmente, apenas imóveis rurais improdutivos de grande extensão ou pertencentes a proprietários de outros imóveis rurais podem ser desapropriados. O processo expropriatório exige, entre outros requisitos, vistoria
prévia comprobatória da ociosidade da propriedade (este requisito é discutido nos acórdãos indicados). A expropriação do imóvel somente ocorrerá mediante uma indenização prévia, justa e em títulos da dívida agrária.
Alguns dos principais requisitos legais de processos expropriatórios, mencionados nos casos, estão transcritos no item sobre “LEGISLAÇÃO” abaixo.

Segundo Grupo de Jurisprudência (ementas):
[caso 1.] “CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. DESAPROPRIAÇÃO POR INTERESSE
SOCIAL. DECLARATÓRIA. LEI 8629/93. AUSÊNCIA DE NOTIFICAÇÃO PRÉVIA. NULIDADE ATO
ADMINISTRATIVO. ART. 5º, LV, CF/88. LEGITIMIDADE UNIÃO. - À UNIÃO, ATRAVÉS DO INCRA, É CONFERIDO CONSTITUCIONALMENTE O PODER DE DESAPROPRIAR POR INTERESSE SOCIAL, PARA FINS DE REFORMA AGRÁRIA. O INCRA AGIU POR DELEGAÇÃO DA UNIÃO,
PORTANTO, HÁ DE SE PRESUMIR SUA LEGITIMIDADE PASSIVA “AD CAUSAM”. O PARÁGRAFO
2º, DO ART. 2º, DA LEI 8629/93, DETERMINA A NOTIFICAÇÃO PRÉVIA AO PROPRIETÁRIO, A
FIM DE ASSEGURAR A ESTE O DIREITO DE ACOMPANHAR OS PROCEDIMENTOS PRELIMINARES PARA O LEVANTAMENTO DOS DADOS FÍSICOS PARA QUE SE POSSA DESAPROPRIAR
UM IMÓVEL. - A NOTIFICAÇÃO É PRÉVIA E NÃO PODE SER DURANTE OU DEPOIS DA VISTORIA. O CONHECIMENTO PRÉVIO QUE SE DÁ AO PROPRIETÁRIO É DIREITO FUNDAMENTAL
DO CIDADÃO, E SUA AUSÊNCIA OCASIONA VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
E DA AMPLA DEFESA GARANTIDOS NO ART. 5º, LV, DA CARTA MAGNA. - APELAÇÕES NÃO
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INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I

CONHECIDAS. REMESSA OFICIAL IMPROVIDA. (TRF 5ª Região. AC 220016. – 1ª T. - Rel. Desembargadora Federal Margarida Cantarelli . DJ 06.07.01, p. 303).
[caso 2.] MS 22613-7 PE (STF): EMENTA: DESAPROPRIAÇÃO POR INTERESSE SOCIAL. FALTA DE NOTIFICAÇÃO A QUE SE REFERE O §2º, DO ARTIGO 2º, DA LEI 8.629/93. CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA: INEXISTÊNCIA: NULIDADE DO ATO. MANDADO DE SEGURANÇA DEFERIDO. 1. A desapropriação por interesse social visando à reforma agrária não dispensa a notificação prévia a
que se refere o parágrafo 2º, do artigo 2º, da Lei nº 8.629, de 25 de fevereiro de 1993, de tal modo a assegurar
aos seus proprietários o direito de acompanhar os procedimentos preliminares para o levantamento dos dados
físicos objeto da pretensão desapropriatória. 2. O conhecimento prévio que se abre ao proprietário consubstancia-se em direito fundamental do cidadão, caracterizando-se a sua ausência patente violação ao princípio do
contraditório e da ampla defesa (CF, artigo 5º, inciso LV). 3. Não se considera prévia a notificação entregue ao
proprietário do imóvel no mesmo dia em que se realiza a vistoria. Mandado de Segurança deferido.
[caso 3.] MS 22.319-7 (STF): EMENTA: DESAPROPRIAÇÃO POR INTERESSE SOCIAL. FALTA
DE NOTIFICAÇÃO A QUE SE REFERE O §2º, DO ARTIGO 2º, DA LEI 8.629/93. CONTRADITÓRIO
E AMPLA DEFESA: INEXISTÊNCIA: NULIDADE DO ATO. MANDADO DE SEGURANÇA DEFERIDO. 1. A propriedade selecionada pelo órgão estatal para o fim de desapropriação por interesse social visando à
reforma agrária não dispensa a notificação prévia a que se refere o parágrafo 2º, do artigo 2º, da Lei nº 8.629, de
25 de fevereiro de 1993, de tal modo a assegurar aos seus proprietários o direito de acompanhar os procedimentos preliminares para o levantamento dos dados físicos objeto da pretensão desapropriatória. O conhecimento
prévio que se abre ao proprietário consubstancia-se em direito fundamental do cidadão, caracterizando-se a sua
ausência patente violação ao princípio do contraditório e da ampla defesa (CF, artigo 5º, inciso LV). 2. Não se
considera prévia a notificação entregue ao administrador do imóvel “quando da vistoria.” 3. Na falta da notificação prévia como preliminar do processo, o edito de expropriação por interesse social para os efeitos de reforma
agrária torna-se plenamente nulo.
[caso 4.] MS 22193-3. DESAPROPRIAÇÃO POR INTERESSE SOCIAL. FALTA DE NOTIFICAÇÃO
A QUE SE REFERE O § 2º, DO ARTIGO 2º, DA LEI 8.629/93. CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA:
INEXISTÊNCIA: NULIDADE DO ATO. TERRA PRODUTIVA. COMPROVAÇÃO MEDIANTE LAUDO DO PRÓPRIO INCRA OFERECIDO EM PROCEDIMENTO EXPROPRIATÓRIO ANTERIOR E
POSTERIORMENTE NÃO CONSUMADO. VERIFICADO QUE O IMÓVEL RURAL É PRODUTIVO
TORNA-SE ELE INSUSCETÍVEL DE DESAPROPRIAÇÃO-SANÇÃO PARA OS FINS DE REFORMA
AGRÁRIA. MANDADO DE SEGURANÇA DEFERIDO.
Resumo do caso: O STF concedeu mandado de segurança que considera nulo decreto expropriatório que
determinava a desapropriação do latifúndio de Antônio Southal, em São Gabriel/ RS. Por oito votos a dois, o
STF decidiu contra a desapropriação. A maioria dos votos entendeu que a vistoria do INCRA que precede o
procedimento de desapropriação não foi precedido de notificação ao proprietário tornando nulo todo o processo
de desapropriação, que culminou no decreto. A maioria dos juízes do STF entendeu que a discussão sobre a produtividade das terras não era relevante para a decisão.Os alunos lerão: Ementa e Acórdão (2 páginas). Relatório
e voto da Ministra Ellen Gracie (exceto página 631-2 do processo, que tratam das preliminares) (22 páginas).
Voto do Ministro Carlos Britto (contrário à desapropriação) (14 páginas).

FGV DIREITO RIO

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Direito fgv -_introdu_o_ao_estudo_do_direito_i

  • 1. introdução ao estudo do direito 1 professores: caio farah e Guilherme Figueiredo Leite Gonçalves 4ª edição ROTEIRO De CURSO 2008.1
  • 2. Sumário Introdução ao Estudo do Direito I I - Apresentação.............................................................................................................................................. 03 A. Introdução............................................................................................................................... 03 . B. Plano de Aulas e Leituras.......................................................................................................... 03 C. Dificuldades Iniciais................................................................................................................. 04 II - Programa.................................................................................................................................................. 05 Módulo I - Habeas Corpus nº 82.424/RS (duas ou três aulas).................................................... 05 Módulo II - Como “traduzir” fatos em categorias jurídicas relevantes para a decisão? Três modalidades de aplicação do direito (aproximadamente oito aulas)........................................ 05 Módulo III - Que tipo de prática é a dogmática jurídica? Quais seus pressupostos? Quais seus conceitos básicos? (aproximadamente nove aulas). ........................................................................ 05 . Módulo IV - Concepções de direito e a Racionalidade das decisões jurídicas (aproximadamente dez aulas)...................................................................................................................................... 05 III – Leituras – Módulos I e II............................................................................................................................. 06 Seleção de Leituras Nº 1:.............................................................................................................. 06 Seleção de Leituras Nº 2:.............................................................................................................. 31 Seleção de Leituras Nº 3:.............................................................................................................. 43 Seleção de Leituras Nº 4:.............................................................................................................. 47 Seleção de Leituras Nº 5:.............................................................................................................. 50 Seleção de Leituras Nº 6:.............................................................................................................. 63 IV - Questões de Apoio às Leituras...................................................................................................................... 68 Módulo I...................................................................................................................................... 68 Módulo II..................................................................................................................................... 69 V. Organização dos Módulos III e IV.................................................................................................................... 71 a. Objetivos e Organização do Módulo III.................................................................................... 71 b. Objetivos e Organização do Módulo IV.................................................................................... 71 c. Plano de Leituras:...................................................................................................................... 72 d. Questões de Apoio às Leituras................................................................................................... 74 VI – Apêndice................................................................................................................................................... 81 Glossário informal de termos técnicos utilizados na seleção de trechos do HC 82.424/RS............ 81 Fontes de pesquisa:....................................................................................................................... 82
  • 3. INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I I - Apresentação A. Introdução Bem-vindo(a) a IED 1. O objeto deste curso – isto é, aquilo de que vamos nos ocupar ao longo deste primeiro semestre – é o problema da decisão jurídica: como os juízes decidem os casos e como trabalha o profissional do direito de maneira a criar condições para que juízes possam decidir os casos. Esse problema será discutido mediante o estudo de decisões e leis brasileiras e de textos teóricos. Para que as aulas sejam produtivas, Você deve se preparar previamente, lendo o material indicado e refletindo sobre ele, e participar em sala o quanto possível. B. Plano de Aulas e Leituras O curso se organiza em torno de quatro Módulos, cujos tópicos, leituras prévias e atividades constam do Programa a seguir. Todas as leituras obrigatórias referentes às aulas dos Módulos I e II estão anexas a este roteiro. As leituras dos Módulos III e IV estarão disponíveis na Biblioteca e/ou no Aluno Online. Ao final deste material --- item IV --- estão incluídas também algumas questões de apoio, às vezes mais simples, às vezes mais complexas, para ajudá-lo a avaliar sua compreensão e refletir sobre os textos lidos. Você será orientado, conforme o andamento das aulas, sobre a passagem de um tópico a outro do programa, de maneira a permitir a sua preparação prévia. Abaixo, seguem orientações sobre as leituras prévias referentes às duas primeiras aulas do curso. 1ª Aula Para a primeira aula do curso, a leitura prévia é uma seleção de trechos de uma das mais famosas decisões recentes do Supremo Tribunal Federal (STF), o HC 82.424/RS (ver a seleção de leituras nº 1). Você vai se deparar, nessa decisão, com vários termos técnicos e com formas de expressão com as quais não está familiarizado. Não se assuste. Sua preocupação não deve ser a de decorar definições desses termos ou passar a se expressar de forma rebuscada (o que, aliás, Você deveria sempre evitar, apesar da tentação). Sua preocupação deve ser a de procurar entender o que está em jogo, isto é, pensar e responder perguntas do tipo: o que aconteceu? O que está sendo decidido? Qual a decisão final? Que razões são utilizadas pelas diferentes pessoas envolvidas no caso para resolvê-lo? Qual sua opinião sobre a decisão final e sobre as diferentes justificativas apresentadas? Especialmente no início, portanto, descobrir o significado de termos que não conhece deve servir apenas na medida em que isso seja necessário para entender o que estiver lendo, não como algo a ser decorado. Nos quatro parágrafos abaixo, é feita uma descrição simples do contexto da decisão, esclarecendo alguns dos termos básicos que aparecem no texto. Você encontrará, também, como apêndice a este material, um “glossário informal” de alguns dos termos técnicos mais freqüentes e básicos utilizados na decisão. Nessa decisão (chamada de “acórdão”, porque é uma decisão coletiva, em que os juízes que a tomam acordam, por unanimidade ou não, com seu conteúdo básico [obviamente, acordam no sentido de “concordar”, não “despertar”...]), leremos trechos dos votos de três ministros ( como são chamados os juízes do STF ), em uma FGV DIREITO RIO 3
  • 4. INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I ação de habeas corpus (HC). Habeas corpus, que literalmente significa “tome o corpo” em latim, é uma ação em que alguém (chamado de “impetrante” porque a apresenta ou impetra algo) solicita a um juiz ou tribunal que este proteja a liberdade de ir e vir de um indivíduo (chamado de “paciente”), em face de uma autoridade (chamada de “coatora”) que está (legalmente ou não, esta é uma das questões) ameaçando essa liberdade (e, portanto, também o “corpo” ou corpus do indivíduo a que se refere). Conforme a decisão, negando (ou, o que dá no mesmo, denegando ou indeferindo) ou aceitando (ou, em outras palavras, deferindo ou concedendo) a solicitação do impetrante, o juiz ou tribunal manda ou ordena (daí que o HC às vezes é chamado de “ordem” ou “mandamus”) que a liberdade do indivíduo seja garantida. A transcrição do Acórdão começa com a indicação das partes no caso (o impetrante, a autoridade coatora e o paciente) e do ministro relator, incumbido de fazer um resumo dos fatos do caso e, então, de apresentar as justificativas de sua decisão e seu voto, para discussão e voto dos demais ministros (o STF é composto de 11 ministros e o Acórdão é decidido por maioria de votos). Nesse caso específico, excepcionalmente, estão indicados na transcrição do Acórdão dois ministros relatores, porque o ministro Moreira Alves, que era originalmente o relator, aposentou-se antes de concluído o processo e foi substituído, nessa condição, pelo ministro Maurício Corrêa. No trecho que selecionamos, Você lerá trechos dos votos do relator originário (Moreira Alves), do ministro Maurício Corrêa (que foi o relator ao final) e do ministro Marco Aurélio. No início da transcrição do Acórdão é incluída ainda uma ementa, redigida pelo relator, que descreve de maneira bem resumida qual foi a decisão que, ao final, prevaleceu no Tribunal (às vezes chamado de “Corte”). 2ª Aula Para a segunda aula, a leitura prévia é uma seleção de trechos curtos de três textos, de autoria, respectivamente, de Lon L. Fuller, Max Weber e David Trubek (este último para servir como apoio à leitura do texto de Weber). [Ver a seleção de leituras nº 2] Ao ler esses textos, reflita em que medida eles auxiliam no entendimento da decisão discutida na primeira aula. Que elementos das descrições do direito e do pensamento jurídico que esses autores elaboram estão refletidos naquela decisão? Que dificuldades eles revelam? C. Dificuldades Iniciais Alguns dos textos que estudaremos são difíceis. Seja paciente e perseverante em suas leituras. Lembre-se: a capacidade de entender de imediato o que está em jogo não é pressuposto deste curso; é, ao contrário, algo que buscaremos desenvolver, como resultado do curso. FGV DIREITO RIO 4
  • 5. INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I II - Programa Módulo I - Habeas Corpus nº 82.424/RS (duas ou três aulas) A. A Decisão B. Racionalidade das decisões jurídicas no Direito brasileiro Módulo II - Como “traduzir” fatos em categorias jurídicas relevantes para a decisão? Três modalidades de aplicação do direito (aproximadamente oito aulas) A. Definição de termos isolados, Comparação com situações exemplares e Consideração dos Objetivos da Lei B. Estupro C. Propriedade D. erviços públicos S E. Atividade Extra Módulo III - Que tipo de prática é a dogmática jurídica? Quais seus pressupostos? Quais seus conceitos básicos? (aproximadamente nove aulas) A. Dogmática e decisão B. Conceitos operacionais básicos a. Imputação e causalidade (normatividade) b. Relação Jurídica e seus elementos c. Ordenamento C. Regras, princípios e propósitos Módulo IV - Concepções de direito e a Racionalidade das decisões jurídicas (aproximadamente dez aulas) A. O Direito como um sistema de regras, e o problema da decisão jurídica B. O Direito como expressão de ideais e sua interpretação a. A identificação do elemento ideal no Direito b. Interpretação e reconstrução do Direito c. Idealização e doutrina no Direito brasileiro FGV DIREITO RIO 5
  • 6. INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I III – Leituras – Módulos I e II Seleção de Leituras Nº 1: Módulo I - Habeas Corpus nº 82.424/RS [item a. “a decisão”] - Habeas Corpus nº 82.424/RS (ementa, relatório, voto do ministro Moreira Alves, trechos do voto do ministro Mauricio Corrêa e trechos do voto do ministro Marco Aurélio – seleção anexa). FGV DIREITO RIO 6
  • 31. INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I Seleção de Leituras Nº 2: Módulo I - Habeas Corpus nº 82.424/RS Item B. “Racionalidade das decisões no direito brasileiro” – Lon L. Fuller, “As Reformas do Rei Rex, ou Oito Maneiras de Não Fazer Direito” (tradução livre de trecho selecionado anexa) – Weber, Max. Economia e Sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Brasília, DF: Editora Universidade de Brasília, 1999 (seleção anexa); – Trubek, David. “Max Weber on Law and the Rise of Capitalism” 1972 Wisc. L. Rev. 720 (tradução livre de trecho selecionado anexa). FGV DIREITO RIO 31
  • 32. INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I As Reformas do Rei Rex [Tradução livre e adaptação, para fins didáticos, feita pelo núcleo de Organização do Estado e do Direito 1 da EDESP, a partir do texto “Eight Ways to Fail to Make Law”, de Lon Louvois Fuller, constante do capítulo II de The Morality of Law, Yale University Press, 1969, Cap.II.] Rex subiu ao trono munido com as pretensões de um grande reformador. Não tendo sofrido o sistema jurídico de seu pequeno reino, por várias gerações, nenhuma simples reforma, ele considerou que a maior falha de seus predecessores havia se dado no âmbito do direito: os procedimentos jurídicos eram enfadonhos, as regras do ordenamento redigidas no tom arcaico de uma era passada, a justiça era cara e os juízes desleixados e corruptos. Rex estava determinado a remediar todos esses males e escrever seu nome na história como um grande jurista. Seu destino infeliz, entretanto, estava marcado pelo fracasso de suas boas intenções. Seu primeiro ato oficial foi dramático: anunciou a seus súditos a imediata revogação de todas as leis vigentes, passando, então, a escrever um novo código. Infelizmente, por ter sido criado como um príncipe solitário, sua educação tinha sido bastante deficiente. Em particular, ele se viu incapaz de realizar as mais simples generalizações. Embora não lhe faltasse confiança quando se tratava de decidir controversas específicas, o esforço para apresentar as razões gerais que o levavam a tomar qualquer conclusão estava além de suas capacidades. Não conseguia mesmo falar genericamente de pessoas sem mencionar seus nomes, nem tampouco caracterizar situações sem a necessidade de recorrer à história. Estando a par de suas limitações, Rex abandonou o projeto do novo código e anunciou a seus súditos que dali em diante agiria como juiz em qualquer disputa que pudesse surgir entre eles. Estimulado pela variedade de casos, ele esperava que seus poderes latentes de generalização se desenvolvessem gradualmente caso a caso, podendo, assim, colecionar um sistema de regras que conseguiria, no futuro, incorporar em um novo código. Como as funções de criação e aplicação do direito não eram separadas, mas concentravam-se inteiramente na pessoa de Rex, o monarca também não as distinguia em sua prática diária: criava novas regras para julgar casos complexos e julgava em desconformidade às regras vigentes quando convencido de que estas precisavam de reparo. Rex havia agora encontrado o caminho correto para sua reforma: seguia inteiramente suas intuições de justiça sem precisar se preocupar com a redação de textos técnico-legais, os quais não se acomodavam com suas deficiências de generalidade e abstração. Sem dar espaço a uma burocracia que, nos reinados anteriores, era responsável pelo vagar e pela corrupção do Direito, Rex, a um só tempo, criava e aplicava a norma sempre que um conflito necessitava de reparo. Seus súditos, entretanto, não tinham a mesma opinião sobre o sucesso das reformas: as regras que Rex utilizava em suas decisões não eram públicas e quase sempre eram aplicadas a acontecimentos ocorridos antes de sua criação. Além disso, era impossível encontrar qualquer padrão em suas decisões. Nos dias em que acordava calmo e bem­ humorado, tinha julgamentos benevolentes e parcimoniosos. Do contrário, era rigoroso e determinava penas cruéis. Ninguém sabia como agir em conformidade ao seu Direito. Diante desses fatos, os súditos de Rex, que tradicionalmente eram pacatos e desinteressados sobre os assuntos do reino, passaram a contestar as reformas iniciadas pelo rei. Rex, diante de constantes manifestações populares, percebeu que não havia escapatória para a publicação de um código declarando as regras a serem aplicadas em futuras disputas. Dessa forma, trabalhou ferrenhamente na elaboração de um novo código revisado e anunciou que seria publicado em breve. Este anúncio foi recebido com um entusiasmo geral. Entretanto, o humor dos súditos de Rex mudou quando o novo código foi publicado e descobriu-se que se tratava de uma obra-prima da obscuridade. Especialistas em Direito que o estudaram declararam que não havia nele uma frase sequer que poderia ser bem compreendida tanto por cidadãos comuns quanto por advogados treinados. A indignação era generalizada e logo apareceu um protesto perante o palácio real levando um cartaz com os dizeres: “como seguir regras que não podem ser compreendidas?” FGV DIREITO RIO 32
  • 33. INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I O código foi rapidamente descartado. Reconhecendo pela primeira vez que precisava de ajuda, Rex montou uma equipe de peritos para realizar uma revisão. Ele os instruiu a esclarecer a expressão de suas normas, mas ordenou que deixassem sua substância intocada. O código resultante era um modelo de clareza, mas, conforme era estudado, sua nova clareza revelou ser o documento uma fonte de contradições. Foi informado de que não havia uma disposição sequer do código que não pudesse ser considerada anulada por uma outra em sentido oposto. Outro protesto apareceu perante a presidência real com os dizeres: “desta vez o rei se fez entender, em ambas as direções.” Mais uma vez o código foi retirado para revisão. A essa altura, no entanto, Rex tinha perdido a paciência com seus súditos e com a atitude negativa que pareciam adotar perante tudo o que ele tentava fazer em benefício do reinado. Ele então decidiu dar-lhes uma lição e pôr um fim aos protestos. Ele instruiu seus peritos a varrer do código suas contradições e, ao mesmo tempo, enrijecer drasticamente todas as exigências nele contidos, acrescentando ainda uma longa lista de novos crimes. Dessa maneira, onde antigamente o cidadão chamado ao trono tinha dez dias para se apresentar, na revisão o tempo havia sido reduzido para dez segundos. Foi tornado um crime punível com a forca o ato de espirrar, tossir, ou soluçar na presença do rei. A publicação do novo código quase resultou em uma revolução. Alguns líderes do povo declararam suas intenções de sabotar suas disposições. Alguém descobriu em um autor antigo uma passagem que parecia apta: “obrigar o que não pode ser feito não é fazer o Direito, mas desfazê-lo; pois obrigar o que não pode ser obedecido não serve a nenhum fim a não ser à confusão, ao medo e ao caos”. Logo essa passagem estava sendo citada em centenas de petições ao rei. O povo pedia, outrossim, direitos que os resguardassem de penas cruéis e de abusos do poder real. O código foi novamente descartado e uma equipe de peritos encarregada de sua revisão. As instruções de Rex aos peritos eram de que quando encontrasse uma regra que representasse uma impossibilidade, deveria ser revisada para torná-la possível. Percebeu-se que para se chegar a esse resultado, todas as disposições do código deveriam ser substancialmente reescritas. O resultado final foi um triunfo do trabalho, quase que artesanal, dos peritos. O novo código era agora claro, consistente consigo mesmo e não demandava dos súditos o impossível. O código foi impresso e distribuído gratuitamente em cada esquina. No entanto, antes de chegar a data em que o novo código entraria em vigor, descobriu-se que havia passado tanto tempo entre as revisões sucessivas e o texto original de Rex que a substância do código havia sido seriamente alterada por novos eventos. Desde que Rex assumiu o trono, houve uma suspensão do processo legal ordinário e isso trouxe consigo importantes alterações econômicas e culturais no reino. O povo pedia que seus novos valores e interesses fossem refletidos na legislação e, para que isso ocorresse, exigia a participação popular na elaboração das novas normas. Os clamores democráticos foram parcialmente abafados com a promessa do rei de elaborar emendas à legislação que a tomaria adequada à nova conjuntura do reinado - e que beneficiaria, principalmente, uma nova classe de comerciantes que investia num produto que se tomava cada dia mais rentável. A adaptação às novas condições exigia várias mudanças substanciais ao direito. Assim que o novo código entrou em vigor, ele foi submetido a emendas diárias. Novamente houve descontentamento popular; um panfleto anônimo apareceu nas ruas com charges irônicas sobre o rei e um artigo com o título: “o direito que muda todo dia é pior que direito algum”. O descontentamento com as reformas do Direito tomou-se, por fim, escandaloso ao se descobrir que as novas regras criadas não eram elas próprias seguidas pelo rei e seus oficiais. As regras materiais e procedimentos rigorosos criados por Rex não eram respeitados pelas autoridades reais, o que fez com que a população se sentisse desobrigada do ônus de seu cumprimento. Os líderes do povo passaram a ter reuniões privadas para decidir o que fazer. As teses democráticas ganharam mais vozes e o número de descontes crescia cada vez mais. As praças passaram a ficar cheias e os interessados em discutir a organização do Estado e do Direito não mais ficavam sem interlocutores. FGV DIREITO RIO 33
  • 34. INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I Diante de tais movimentações, o rei Rex sofre uma grave crise nervosa e, em função disso, seus médicos e terapeutas aconselham-no a se afastar temporariamente da política e, principalmente, do Direito. Cumprindo as determinações médicas, Rex vai passar uma temporada em sua residência no campo, onde tem dias bem mais calmos e pode se dedicar a hábitos antigos como a caça a gatos selvagens. Com a ausência do rei, a repressão aos opositores fica fragilizada e uma nova reforma, mais radical, parece amadurecer. Comentário de Fuller: A atrapalhada carreira de Rex como legislador e juiz ajuda a demonstrar como se pode fracassar --- de, pelo menos, oito maneiras --- na tentativa de criar e preservar um sistema de regras jurídicas. (…) A primeira e mais óbvia dessas falhas consiste na (1) incapacidade de criar regras que sejam dignas do nome, com a conseqüência de que todas as decisões continuam a ser tomadas na base do caso-a-caso (ou, como se diz, casuisticamente). As outras falhas são: (2) não tornar públicas, ou pelo menos não tornar disponíveis à parte afetada, as regras que ela deve obedecer; (3) o abuso das leis retroativas (isto é, que valem para casos anteriores a ela), que não apenas não são capazes de nortear as decisões das pessoas, mas minam o valor das regras em vigor, pois as colocam sob ameaça constante de ser retrospectivamente alteradas; (4) não tornar as regras inteligíveis; (5) estabelecer regras de conteúdo contraditório; (6) estabelecer regras que exigem ações acima das capacidades da parte afetada; (7) fazer mudanças tão freqüentes nas regras existentes que os indivíduos não conseguem nortear suas ações por elas; e, finalmente, (8) a inexistência de congruência entre as regras tais como anunciadas e sua efetiva aplicação. Não é que a falha em qualquer dessas direções resulte simplesmente num sistema jurídico ruim. A conseqüência é que não podemos nem chamar uma tal coisa de sistema jurídico FGV DIREITO RIO 34
  • 35. INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I Max Weber, Economia e Sociedade, Segunda Parte (Economia e Direito [Sociologia do Direito]), “A diferenciação dos campos jurídicos objetivos” (trechos selecionados). [Tradução livre, para fins didáticos, a partir da comparação das edições em inglês (Economy and Society, Guenther Roth and Claus Wittich [eds.], University of California Press, 1978, vol. II, pp. 653 a 658) e em espanhol (Economía y Sociedad, Johannes Winckelmann [ed.], Fondo de Cultura Económica, México, 1987, pp. 508 a 512 ).] Direito e Processo De acordo com nossas formas atuais de pensar, as atividades das organizações públicas, com relação ao direito, dividem-se em duas categorias, a saber, estabelecimento do direito e aplicação do direito (...). Por criação do direito entendemos, atualmente, o estabelecimento de normas gerais que assumem, segundo o pensamento e linguagem dos juristas, o papel de regras jurídicas racionais. Por aplicação do direito, entendemos, atualmente, a aplicação de tais normas jurídicas, e proposições jurídicas que delas são deduzidas através do raciocínio jurídico, a “fatos” concretos, que são “subsumidos” a tais normas. No entanto, essa forma de pensar não foi igual em todos os períodos da história. A distinção entre estabelecimento do direito, entendido como criação de normas gerais, e aplicação do direito, entendida como a aplicação de tais normas gerais a casos concretos, não existe quando a atividade judicial aparece como um conjunto de decisões livres, que variam de caso a caso. Nessa situação, não podemos falar em “normas jurídicas” nem em “direito subjetivo” à aplicação dessas normas. O mesmo vale para uma situação em que o direito objetivo é visto como “privilégio” e em que, portanto, a idéia de uma “aplicação” de normas jurídicas, como fundamento para a proteção a direitos individuais, não poderia surgir. Da mesma forma, a distinção entre criação do direito e aplicação do direito não existe quando a atividade judicial não se realiza por subsunção do caso concreto a normas jurídicas gerais. Em outras palavras, essa distinção não existe nos casos de atividade judicial irracional, a qual constitui o modo primitivo de aplicação do direito e que foi dominante, de forma pura ou modificada, no passado e em todas as partes do mundo, à exceção dos lugares em que o Direito Romano prevaleceu. (...) As Categorias do Pensamento Jurídico Racional (...)* Nos parágrafos seguintes, examinaremos brevemente as circunstâncias mais importantes que influenciaram as características formais do direito, relacionadas à criação do direito e à aplicação do direito. Entre todas essas circunstâncias, as que nos interessam mais fundamentalmente são as que se referem ao grau e ao modo da racionalização ou de racionalidade do direito e, sobretudo, como é natural, àquela parte do direito que é mais relevante economicamente (o chamado “direito privado”). Um direito pode ser racional em vários sentidos, dependendo dos diferentes caminhos de racionalização seguidos pelo desenvolvimento do pensamento jurídico.** Primeiramente, comecemos com o processo mental aparentemente mais simples: a idéia de generalização, * Trecho suprimido: “(...) O processo de diferenciação das concepções fundamentais correntes sobre os vários campos do direito depende em grande medida de razões de ordem técnico-jurídica e, em parte também, da estrutura da associação política. Portanto, ele é influenciado por fatores econômicos de maneira apenas indireta. Nesse processo, influem fatores econômicos apenas na medida em que determinadas racionalizações do comportamento econômico, baseado na economia de mercado, na liberdade de contratar e, ao mesmo tempo, na complexidade sempre crescente de conflitos de interesses cuja solução depende do aparato jurídico e sua aplicação, demandaram a sistematização e especialização do direito e o desenvolvimento da institucionalização da associação política. Todas as demais influências econômicas ocorrem como episódios concretos, não se podendo formulá-las sob a forma de regras gerais. Por outro lado, (...) as características do direito, que são condicionadas por fatores políticos e pela estrutura interna do pensamento jurídico, exerceram grande influência sobre a organização econômica.” ** Note que, no trecho que segue, Weber descreve três processos básicos de racionalização: “análise”, que significa um processo de abstração a partir da generalização de preceitos jurídicos; “construção”, que significa um processo de síntese de relações jurídicas a partir da consideração de fatos concretos e regras substantivas; e “sistematização” de todos os preceitos e regras jurídicos gerais. [Comentário de Lewis Sargentich] FGV DIREITO RIO 35
  • 36. INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I que em nosso caso significa a redução das razões determinantes na solução de um caso concreto a um ou vários “princípios”, os “preceitos jurídicos”. Essa redução se encontra normalmente condicionada a uma análise prévia ou concomitante dos “fatos” do caso, com relação aos elementos que sejam relevantes a uma avaliação jurídica. De outro lado, a elaboração de “preceitos jurídicos” cada vez mais amplos influi, por sua vez, na especificação e delimitação dos aspectos potencialmente relevantes dos fatos. Esse processo depende, portanto, de certo casuísmo [no sentido de partir da análise de casos concretos], ao mesmo tempo em que o fomenta. (...)* Em nosso sistema jurídico, a dedução analítica de “preceitos jurídicos” a partir de casos concretos correu paralelamente ao trabalho sintético de construção de “relações jurídicas” e “instituições jurídicas”, isto é, pela determinação de quais aspectos de uma ação social ou consensual devem ser considerados como juridicamente relevantes e em que forma logicamente consistente (isto é, sem contradições) esses aspectos devem ser considerados juridicamente relacionados, quer dizer, como componentes de uma “relação jurídica”. Embora haja uma relação próxima entre o processo de dedução analítica de preceitos jurídicos e o processo de determinação de quais relações sociais são juridicamente relevantes (a chamada “construção” de relações jurídicas), um alto grau de abstração analítica pode coincidir com um grau muito baixo construção das relações sociais juridicamente relevantes. O contrário também vale: a determinação de uma “relações jurídicas” pode ser alcançada de maneira relativamente satisfatória, do ponto de vista prático, a despeito de insuficiências analíticas ou até mesmo em razão dessas insuficiências. Essa contradição é resultado do fato de que da dedução analítica surge uma tarefa lógica mais ampla que, em princípio, é compatível com esse trabalho de construção da relação jurídica, mas que, de fato, acaba muitas vezes entrando em conflito com ele. Estamos falando da idéia de sistematização, que só aparece em estágios mais avançados do pensamento jurídico e que o direito primitivo desconhece. De acordo com nossa maneira atual de pensar, a tarefa da sistematização jurídica consiste em relacionar de tal modo os preceitos jurídicos resultantes da análise que eles formem um conjunto de regras claro, coerente e, sobretudo, desprovido, em princípio, de lacunas, exigência que necessariamente implica que todos os fatos possíveis possam ser subsumidos a alguma das normas do sistema, pois, do contrário, o sistema careceria de sua garantia essencial. Essa pretensão sistemática e sistematizadora não existe em todos os direitos contemporâneos (por exemplo, o inglês), nem muito menos existiu em, como regra geral, nos do passado. E, quando essa pretensão existiu, o grau de abstração lógica do sistema foi quase sempre muito baixo. O sistema era, comumente, um simples esquema externo dedicado à organização das matérias jurídicas e sua influência sobre a estruturação analítica dos preceitos jurídicos e das relações jurídicas era muito fraca. A forma especificamente moderna de sistematização (que se desenvolveu a partir do Direito Romano) parte da análise lógica dos preceitos jurídicos e da conduta social juridicamente relevante. As “relações jurídicas” e a casuística, por outro, muitas vezes resistem a esse tipo de manipulação, uma vez que derivam de processos essencialmente concretos e próximos aos fatos. Além dessas distinções, devemos também considerar a grande diversidade de meios técnico-jurídicos utilizados na prática do direito. A seguir, as situações mais simples que encontramos: [Racionalidade Formal / Racionalidade Material] Tanto a criação do direito quanto a sua aplicação podem ser racionais ou irracionais. Elas são formalmente irracionais quando, para a regulação da criação de normas ou da atividade judicial, recorre-se a procedimentos que não são controlados racionalmente (ou pelo intelecto), por exemplo, oráculos e seus * Trecho suprimido: “No entanto, nem todo processo casuístico resultou no desenvolvimento dos “preceitos jurídicos”, que alcançaram alto grau de abstração lógica. Uma casuística jurídica muito rica se desenvolveu a partir das associações de elementos dos casos por analogia.” FGV DIREITO RIO 36
  • 37. INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I sucedâneos. Elas são materialmente irracionais na medida em que a decisão dos diversos casos concretos depende de fatores concretos e específicos do caso, tal como avaliados sob aspectos éticos, sentimentais ou políticos e não a partir de normas gerais. A criação e a aplicação do direito também podem ser racionais tanto em sentido formal, quanto em sentido material. Todo direito formal é, mesmo um pouco, relativamente racional. Um direito é formal na medida em que (seja para questões processuais ou substantivas) apenas características gerais e “unívocas” dos fatos do caso são consideradas. Esse formalismo, por sua vez, pode ser de dois tipos. É possível que as características juridicamente relevantes sejam tangíveis, quer dizer, perceptíveis e observáveis, com base em fatores “externos”. Essa adesão a características tangíveis, por exemplo, quando exige que determinadas palavras sejam pronunciadas, que assinaturas sejam certificadas por selos ou que se execute uma ação com significado simbólico pré-definido, representa um caso extremo de formalismo. O outro tipo de formalismo é aquele em que as características juridicamente relevantes do caso tenham sido obtidas por meio de uma análise lógica do seu significado e em que conceitos jurídicos claramente definidos, a partir dessa análise, sejam formulados e aplicados sob a forma de regras muito abstratas. Esse processo de “racionalidade lógica” diminui a importância de elementos externos e assim alivia a rigidez do formalismo baseado em características tangíveis. Mas o contraste com a racionalidade material se torna mais claro e agudo, porque esta última significa, precisamente, que na decisão de problemas jurídicos devem influir certas normas diferentes das normas que resultam das generalizações lógicas fundadas em interpretações abstratas: imperativos éticos, regras utilitárias ou de conveniência ou postulados políticos que rompem tanto com o formalismo das características externas quanto com o formalismo de abstração lógica. Uma abstração jurídica propriamente técnica, no sentido atual, só é possível se possuir o caráter lógico-formal. O formalismo absoluto das características externas implica necessariamente o casuísmo. Apenas o método abstrato de interpretações lógicas de sentido torna possível a tarefa de sistematização, que consiste em ordenar e racionalizar, com ajuda da lógica, as regras jurídicas consideradas válidas, formando com elas um sistema coerente de preceitos abstratos. [Cinco Postulados da Ciência Jurídica Atual] Examinaremos agora de que modo as várias influências que participaram na formação do direito influenciaram no desenvolvimento de suas características formais. A ciência jurídica atual (pelo menos quando assumiu as formas mais avançadas de racionalidade metodológica e lógica, como na Pandectista*) tem como ponto de partida os seguintes cinco postulados: 1) toda decisão jurídica concreta representa a “aplicação” de um preceito abstrato a um “fato” concreto; 2) que seja possível encontrar, em relação a cada caso concreto, por meio da lógica jurídica, uma solução que se baseie nos preceitos jurídicos abstratos em vigor; 3) o direito objetivo vigente é um sistema, real ou latentemente, “sem lacunas” de preceitos jurídicos ou, pelo menos, deve ser tratado como tal para fins de aplicação do mesmo a casos concretos; 4) tudo o que não seja possível “construir”, de forma racional, em termos jurídicos carece de relevância para o direito; e 5) a conduta dos homens que formam uma comunidade deve ser necessariamente concebida como a “aplicação” ou “execução” ou, ao contrário, como uma “infração” ou “violação” de preceitos jurídicos, pois, como conseqüência da “ausência de lacunas do sistema jurídico”, o direito representa a ordenação jurídica de toda a conduta social (essa última conclusão foi tirada de Stammler, que não chegou a enunciá-la explicitamente). (...) * Pandectistas: juristas alemães do século XIX que se dedicaram a uma ampla e profunda tarefa de sistematização teórica e prática do direito. [Comentário de Lewis Sargentich] FGV DIREITO RIO 37
  • 38. INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I David Trubek, “Max Weber on Law and the Rise of Capitalism” [Max Weber, Sobre o Direito e a Ascensão do Capitalismo], 1972 Wisconsin Law Rev. 720 (texto de apoio à leitura dos trechos selecionados do próprio Weber) [Tradução livre e adaptação, para fins didáticos.] Max Weber dedicou grande parte de seus esforços a explicar a razão pela qual o capitalismo industrial surgiu no Ocidente. Ainda que reconhecesse uma dimensão histórica, Weber não se limitou aos métodos históricos. Em vez disso, tentou construir um arcabouço sociológico que pudesse guiar a pesquisa histórica. Esse arcabouço identificou as principais dimensões analíticas da sociedade e as estruturas concretas que correspondem a elas. Weber deu importância ao regime político, à estrutura social, à economia, à religião, ao direito e às estruturas políticas, sociais, econômicas, religiosas e jurídicas de algumas sociedades. Ele entendia que essas dimensões, assim como as estruturas a elas relacionadas, devem ser separadas e investigadas para que suas inter-relações históricas possam ser compreendidas. Usando esses métodos, argumentava ele, eventos históricos particulares podem ser explicados. O “evento” que ele buscava explicar era o fato de o sistema moderno do capitalismo industrial (ou burguês) ter emergido na Europa, mas não em outras partes do mundo. Também pensava que o direito tinha desempenhado papel importante para isso. O direito europeu tinha características únicas, que melhor favoreciam a condução ao capitalismo do que os sistemas jurídicos de outras civilizações. Para demonstrar e explicar o real significado dessas características para o desenvolvimento econômico, Weber incluiu a Sociologia do Direito em sua teoria sociológica geral. Dessa forma, seu monumental tratado “Economia e Sociedade”, que apresenta uma análise do pensamento sociológico de Weber, inclui uma discussão detalhada dos tipos sistemas jurídicos, a teoria da relação entre o direito e o surgimento do capitalismo industrial e estudos sociológicos comparativos, que buscavam confirmar sua teoria. (...) Weber enfatizou sua crença de que os aspectos singulares da sociedade européia não foram o mero resultado ou reflexo de fenômenos econômicos. Ele explicita e repetidamente negou que as características dos sistemas jurídicos europeus tivessem sido causadas pelo próprio capitalismo. Rejeitando a teoria determinista marxista, que sustentava que os fenômenos jurídicos tinham sido causados por forças econômicas, Weber demonstrou que as particularidades dos sistemas jurídicos europeus deviam ser explicadas por fatores nãoeconômicos, como as necessidades internas da profissão jurídica e as necessidades de organização política. Fatores econômicos – especificamente, as necessidades econômicas da classe burguesa – foram importantes, mas não determinantes na formação das singulares instituições jurídicas européias. Essas instituições diferenciavam-se das de outras civilizações em suas qualidades formais e estruturais ou – como Weber exprimiu-se, levando a interpretações às vezes errôneas – seu grau de “racionalidade”. A particularidade do direito europeu, assim como suas afinidades com o capitalismo, encontram-se menos contidas nas condições materiais do que nas formas de organização jurídica e nas resultantes características formais do processo jurídico. As comparações de Weber entre os sistemas jurídicos europeus e os de civilizações tais como a China não se concentraram na presença ou ausência de tipos específicos de regras jurídicas, ainda que esse aspecto não fosse ignorado. Em vez disso, ele se preocupou com questões como se a organização jurídica é diferenciada ou misturada com relação à administração política e à FGV DIREITO RIO 38
  • 39. INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I religião, se o direito é visto como um conjunto de regras estabelecidas pelo homem ou como um corpo recebido de tradições invariáveis, se as decisões jurídicas são determinadas por regras gerais pré-existentes ou se são tomadas numa base ad hoc, e se as regras são universalmente aplicáveis a todos os membros de uma sociedade ou se existem leis específicas para grupos diferentes. O sistema jurídico europeu era singular em todas essas dimensões. Diferentemente dos sistemas jurídicos de outras grandes civilizações, a organização jurídica européia era altamente diferenciada. Os Estados europeus separavam o direito de outros aspectos da atividade política. Existiam grupos de advogados profissionalmente especializados. As regras jurídicas eram conscientemente produzidas e o processo legislativo era relativamente livre da interferência direta de influências religiosas ou de outras fontes de valores tradicionais. As decisões concretas eram baseadas na aplicação de regras universais e a tomada de decisões não era sujeita a constante intervenção política. Por isso, Weber acreditava que o direito europeu era mais “racional” que os sistemas jurídicos de outras civilizações, isto é, era mais diferenciado (ou autônomo), construído conscientemente, geral e universal. Mas ele também tentou demonstrar que nenhuma outra civilização havia sido capaz de desenvolver esse tipo de ordem jurídica. O direito europeu era o resultado da interação de muitas forças. Sua forma final foi moldada não somente por características particulares da história jurídica ocidental (especialmente a tradição jurídica romana e alguns aspectos da organização jurídica medieval), mas também por aspectos generalizados e muitas vezes únicos na vida religiosa, econômica e política do Ocidente. As outras civilizações por ele estudadas não possuíam essa herança especial e deixaram de desenvolver o pensamento religioso, as estruturas políticas e os interesses econômicos que facilitaram o crescimento do direito “racional” na Europa. O não-desenvolvimento por outras civilizações do direito “racional” ajuda a explicar a razão de só na Europa o capitalismo moderno e industrial ter podido desenvolver-se. Weber acreditava que esse tipo de capitalismo necessitava de uma ordem jurídica com um grau relativamente alto de “racionalidade”. Já que tal sistema jurídico era próprio do Ocidente, o estudo comparativo de sistemas jurídicos ajudou a responder à pergunta básica de Weber, sobre as causas do surgimento do capitalismo na Europa. (...) 1) Variações na Racionalidade Jurídica: Os tipos de pensamento jurídico. (...) O próprio Weber classificou sistemas jurídicos segundo categorias distintas, dependendo de como o direito era tanto produzido quanto descoberto. O direito pode ser encontrado ou produzido tanto racional quanto irracionalmente. Pode ser tanto formalmente quanto materialmente irracional, quanto formalmente ou materialmente racional. Finalmente, o direito formalmente racional pode ser “formal” tanto “extrinsecamente” quanto “logicamente”.* Portanto, existem duas dimensões principais de comparação: o quanto um sistema é formal e o quanto é racional. Se analisarmos esses termos, descobriremos que “formalidade” pode ser considerada como o emprego critérios de decisão intrínsecos ao sistema jurídico e, assim, mede o grau da autonomia do sistema, enquanto que “racionalidade” significa seguir algum critério de decisão que seja aplicável a todos os casos, medindo, portanto, a universalidade e a generalidade das regras aplicadas pelo sistema. A relação entre a tipologia de Weber e os conceitos de diferenciação e generalidade pode ser demonstrada no seguinte quadro: * Nota: isto é, a racionalidade se distingue em racionalidade formal e racionalidade material (esta também chamada de racionalidade substantiva). A irracionalidade, também, pode ser formal ou material. A racionalidade formal, por sua vez, pode ser extrínseca ou lógica. Tente entender --- o que o texto procura fazer --- o que essas categorias procuram explicar e quais suas características básicas. Note que Weber não se preocupa muito com as formalidades extrínsecas ou tangíveis (selos, ritos, pronúncia de palavras simbólicas etc.), as quais não são analisadas neste estudo. FGV DIREITO RIO 39
  • 40. INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I Quadro I - A tipologia dos sistemas legais classificados pela formalidade e racionalidade do processo de tomada de decisões Grau de generalidade das normas jurídicas Baixa Grau de diferenciação das normas jurídicas Alta Alta Irracionalidade Formal Racionalidade Lógico-Formal Baixa Irracionalidade Material Racionalidade Material As decisões formalmente irracionais são associadas a decisões proféticas ou revelações. As decisões são anunciadas sem nenhuma referência a um padrão geral ou mesmo aos interesses das partes em disputa. Os critérios para decisão são intrínsecos ao sistema legal, mas não são observáveis; o observador não pode, de forma alguma, prever a decisão ou entender de que forma chegou-se a ela. Decisões materialmente irracionais aplicam critérios observáveis, mas esses são sempre baseados em considerações concretas, éticas e práticas, dos casos específicos. É possível compreender as decisões, depois de tomadas, mas a não ser que surja um sistema de precedentes, é difícil fazer alguma generalização a partir dos casos concretos. Decisões materialmente racionais empregam um conjunto de critérios gerais, porém extrínseco ao sistema jurídico – religião e ideologias políticas são exemplos de tais sistemas extrínsecos. Na medida em que conhecemos os princípios fundamentais do sistema de pensamento extrínseco, é possível entender racionalmente como o sistema funcionará. Mas isso só se mostra verdadeiro até um certo ponto, já que a maneira segundo a qual os preceitos do sistema extrínseco serão traduzidos para o sistema jurídico pode variar. Portanto, ainda que esse tipo seja mais capaz de formular regras gerais que os dois antecedentes, é menos provável que o faça do que no sistema lógico-formal de racionalidade. Em comparação com esse quarto tipo (o do sistema lógico-formal de racionalidade), esses outros três tipos de sistemas jurídicos, portanto, apresentam um baixo grau de diferenciação, um baixo grau de generalidade das leis, ou ambos. Como resultado, é difícil prever os tipos de decisão a que chegarão. Isso não é verdadeiro em relação ao direito europeu, que Weber identificou com a racionalidade lógico-formal. Esse tipo de sistema combina um alto grau de diferenciação jurídica com um substancial apoio em regras gerais pré-existentes para a determinação de decisões jurídicas. Certamente essas duas características estão profundamente interligadas. O que Weber quis dizer com “racionalidade lógico-formal”? E por que razão ela leva a regrais gerais, universalmente aplicadas? O pensamento jurídico é “racional” na proporção em que se baseia (i) em alguma justificação que transcenda o caso particular e (ii) em regras pré-existentes e claras; é “formal” na medida em que os critérios de decisão são intrínsecos ao sistema jurídico; e “lógico” no sentido de que regras ou princípios são interpretados conscientemente por modelos especializados de pensamento jurídico que se baseiam numa sistematização altamente lógica e as decisões dos casos específicos são alcançadas através de procedimentos lógicos e dedutivos especializados, derivados de regras ou princípios previamente estabelecidos. Já que, em tal sistema, as decisões jurídicas só podem ser baseadas em princípios legais previamente estabelecidos e já que o sistema requer que esses sejam cuidadosamente elaborados, normalmente através de codificações, as decisões jurídicas serão baseadas em regras e essas serão gerais e derivadas de fontes jurídicas autônomas. (...) FGV DIREITO RIO 40
  • 41. INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I 2) A relação entre a estrutura política e o sistema jurídico: os tipos de dominação e os tipos de leis. (...) Em sua sociologia política, Weber construiu tipos ideais de sistemas políticos ou formas de “dominação” (autoridade legítima). Esses tipo ou forma são organizados de acordo com a pretensão básica que esses sistemas ou regimes apresentam para que suas ordens sejam obedecidas. A classificação é feita pelas típicas condições de legitimidade, a justificação primária que os regimes oferecem para seu poder sobre outros. Weber selecionou esse aspecto dos sistemas políticos como base para sua classificação, pois, achava ele, ele constitui a base de diferenças muito significativas na estrutura empírica de dominação. Weber identificou três formas ideais ou puras de legitimação, chamadas de dominação tradicional, carismática ou legal. Membros de uma organização social podem tratar ordens como legítimas porque (i) estão de acordo com costumes imutáveis, porque (ii) emanam de um indivíduo com características extraordinárias ou exemplares, ou porque (iii) têm base no direito. (...) Weber estabeleceu uma relação íntima entre os tipos de dominação e os tipos de “pensamento jurídico”. A dominação jurídica é baseada na racionalidade lógico-formal, que pode existir apenas no contexto dessa dominação. Ele sugeriu, ainda, que enquanto o direito evoluiu para um direito moderno, racional, também evoluiu a forma de dominação em direção ao estado moderno, uma criação e criatura desse tipo de direito. (...) Diz-se existir dominação jurídica quando as seguintes condições prevalecem: (1) Existem normas pré-estabelecidas de aplicação genérica; (2) existe uma crença de que o corpo das leis é um sistema consistente de regras abstratas e que a administração do direito consiste na aplicação dessas regras a casos particulares e é limitada a essas regras; (3) os “superiores” estão também sujeitos a uma ordem impessoal; (4) a obediência é ao próprio direito e não a alguma outra forma de ordenamento social; e (5) a obediência é devida somente dentro de esferas delimitadas racionalmente (a jurisdição). Portanto, o conceito particular de “direito” contido na noção da racionalidade lógico-formal está incluído como um dos elementos essenciais de um sistema de dominação jurídica. Ao mesmo tempo, somente a racionalidade lógico-formal pode manter o “sistema consistente de regras abstratas” necessário à dominação jurídica. Nenhum outro tipo de pensamento jurídico pode criar normas gerais e sistemáticas e garantir que elas, e somente elas, irão determinar os resultados das decisões jurídicas. (...) A irracionalidade formal (magia e revelações) não conhece a noção de regras gerais. A irracionalidade material é orientada casuisticamente e importa-se somente com a justiça peculiar da situação individual. A racionalidade material, por outro lado, é de alguma forma governada por regras – por isso é “racional” – mas essas são os princípios de algum conjunto de pensamentos localizados fora do direito, como religiões, filosofias éticas ou ideologias. Esse tipo de direito será constantemente tentado a alcançar resultados específicos, ditados pelas premissas de valor desse conjunto externo de princípios, que não são nem gerais nem previsíveis. Weber salientou a relação entre a dominação jurídica e o direito europeu descrevendo os outros tipos de dominação. Assim como o direito formalmente racional é necessário para criar a situação sob a qual a dominação possa ser racionalmente legitimada, também outras formas de legitimação desencorajam o surgimento do direito racional. “O tradicionalismo coloca sérios obstáculos no caminho das regulações formal-racionais...” Em sociedades tradicionais, de acordo com Weber, não se pode ter um direito específico, aplicado com vistas a objetivos definidos (legislação), já que tal procedimento seria inconsistente com a pretensão do governante de legitimidade. Ordens serão somente obedecidas se puderem ser relacionadas com princípios eternos e imutáveis. Além disso, o governante tradicional precisar basear qualquer regulação concreta da economia em valores absolutos, úteis, voltados para o bem-estar social. Isso é verdadeiro porque, enquanto sua legitimidade tem como base princípios tradicionais, a dominação bem sucedida requer que também mantenha o bem-estar econômico se seus súditos. Uma situação como essa, concluiu Weber, “rompe o tipo de racionalidade formal que é voltado para uma ordem jurídica técnica”. A autoridade carismática também desencoraja o surgimento do direito racional moderno. Weber observou que a autoridade burocrática (ou jurídica) “é especificamente racional no sentido FGV DIREITO RIO 41
  • 42. INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I de submeter-se a regras analisáveis intelectualmente, enquanto a autoridade carismática é especificamente irracional no sentido de não se submeter a qualquer regra”. (...) O quadro a seguir mostra a relação entre o direito e os tipos de estrutura política (dominação), indicando o grau de discricionariedade que o sistema oferece aos governantes e o grau relativo de calculabilidade (previsibilidade) das regras que governam a vida econômica. A estrutura política determina o tipo de ordem jurídica que pode prevalecer e, portanto, afeta a função econômica que ela pode ter. Quadro II - Administração, Direito e Regulação Econômica sob os tipos puros de dominação. Tipo de Dominação Tradicional Obediência devida a Direito legitimado por Carismática Jurídica Indivíduos designados por práticas tradicionais Indivíduos considerados extraordinários e dotados de poderes excepcionais Regras promulgadas e formuladas de acordo com critérios racionais Origem tradicional. Toda lei é considerada como parte de normas préexistentes Originar-se do líder carismático. Toda lei é declarada pelo líder e considerada como julgamento divino ou revelação. Origem em promulgação racional. Toda lei é conscientemente “interpretada” através de técnicas lógicas por uma autoridade que é estabelecida pelo direito e que age de acordo com regras jurídicas. Orientado casuisticamente/ Revelatório. Julgamentos concretos caso a caso, justificados como revelações. Geral / Racional. Casos decididos por regras formais e princípios abstratos, justificados pela racionalidade do processo decisório. Patrimonial. Funcionários recrutados através de laços tradicionais. As tarefas são alocadas de acordo com a discricionariedade do superior. Não há administração estruturada. Seleção ad hoc de funcionários através de suas qualidades carismáticas, com tarefas indiferenciadas. Burocrática. Administração altamente estruturada através de profissionais em sistema hierárquico com jurisdição racionalmente delimitada. Alto Alto Baixo Baixa Baixa Alta Empírico-tradicional. O Natureza do processo processo de decisão feito judicial e forma de caso a caso. (precedentes justificação das decisões podem ou não ser considerados) Estrutura da administração Grau de discricionariedade do governante Calculabilidade (previsibilidade) das regras que governam a economia FGV DIREITO RIO 42
  • 43. INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I Seleção de Leituras Nº 3: Módulo II – Como “traduzir” fatos em categorias jurídicas relevantes para a decisão? Três modalidades de aplicação do direito. Item A. “Definição de termos isolados, comparação com situações exemplares e consideração dos objetivos da Lei”. – Caso do Lixo na Praia (anexo) FGV DIREITO RIO 43
  • 44. INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I MEMORANDO INTERNO* Data: 22 de fevereiro de 2006. Para: Estagiários da Procuradoria do Município do Rio de Janeiro De: Ilmo. Sr. Procurador-Geral do Município do Rio de Janeiro Ref.: Possíveis Violações à Lei de Limpeza Urbana do Município 1. Em atenção à solicitação do Sr. Representante dos Agentes Municipais de Limpeza, solicito sua análise das questões abaixo. 2. A Assembléia Legislativa do Município do Rio de Janeiro, há três semanas, aprovou a Lei 4.104/2004 (“Lei de Limpeza Urbana”), contendo a seguinte disposição: “Art. 83. Deixar lixo em lagoas, praias, mar, oceano ou outras áreas de proteção ambiental, sujeitará o infrator a multa inicial, no valor de R$ 200,00, independentemente de outras sanções.” 3. A Lei de Limpeza Urbana foi publicada na semana passada. Desde então, graças ao sistema de vigilância eletrônica da Praia de Ipanema, instalado em 2003 e monitorado pelo 19o Batalhão de Polícia Militar do Rio de Janeiro, agentes municipais de limpeza registraram cinco diferentes possíveis violações da referida Lei, em razão de terem sido deixados os seguintes itens nos trechos cobertos pelas câmeras: ⋅ Um anel de brilhante**; ⋅ Uma lata de cerveja vazia; ⋅ Uma escultura de areia pintada, representando a Santa Ceia; ⋅ Uma pilha de conchas (do tipo usado para preparar “cascas de siri”); ⋅ Um livro, do autor Paulo Coelho, lido e sublinhado. 4. O sistema de vigilância permite a identificação de rostos por intermédio das câmeras, pela medição da distância entre os olhos, nariz e boca. Os cinco possíveis infratores já foram identificados e a Prefeitura pretende multá-los, caso a Procuradoria entenda pela aplicação da Lei 4.104/2004 em cada um dos casos. Assim, tendo em vista nossa reunião agendada para 02/3/2005, peço-lhe que esteja preparado para discutir qual (is) desses itens viola(m) a disposição legal mencionada, e por quê. 5. Anexos, para facilitar sua formulação sobre os casos, a exposição de motivos da Lei de Limpeza Urbana do Município e excerto de livro de autoria do eminente jurista e ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, Eduardo Espínola (em co-autoria com Eduardo Espínola Filho), que costumo utilizar em minhas próprias petições. ANEXO AO MEMORANDO 1 – Exposição de Motivos da Lei Municipal de Limpeza Urbana: “O Rio de Janeiro, com sua paisagem natural peculiar, de praias e montanhas, possui enorme potencial turístico. No ano de 2000, o volume da circulação de bens e serviços relacionados * Os dados e referências incluídos nesse memorando são fictícios. ** Embora a perícia ainda não tenha determinado em definitivo a natureza do brilhante, uma análise preliminar indicou se tratar de pedra preciosa, provavelmente diamante. FGV DIREITO RIO 44
  • 45. INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I ao turismo cresceu 35% em relação ao ano anterior, chegando a um total de R$660 milhões. Nos últimos três anos, contudo, esse crescimento vem diminuindo drasticamente. Em janeiro de 2003, estava próximo de 5%. Recente estudo da ONG Cidade Maravilhosa, dedicada à promoção do turismo no Rio de Janeiro, aponta como uma das causas dessa queda a descaracterização da paisagem carioca, em especial das praias. Segundo o relatório da organização, ainda que toda e qualquer espécie de lixo ou poluição prejudique as condições do turismo da cidade, o lixo ‘visível’ – objetos ou dejetos deixados na orla ou no mar – tem um efeito muito mais nocivo sobre a imagem do Rio de Janeiro do que a poluição “invisível” das águas. Os maiores responsáveis por esse tipo de poluição são os próprios usuários das praias. Nesse sentido, é preciso educar nossa população e mesmo os visitantes para utilizarem as inúmeras latas de lixo já instaladas em toda a extensão da orla carioca. A presente lei visa a colaborar com esse intuito, punindo com multa o abandono de lixo de qualquer espécie nas praias do município do Rio de Janeiro.” 2 – Trecho doutrinário sobre aplicação do direito ao caso concreto “47 – Investigação da norma jurídica para sua aplicação. Para que o direito passe da teoria à prática, para que o preceito abstrato da norma jurídica se mude em preceito concreto, diante de uma situação em que se chocam interesses contraditórios, há mister que: I – o estado de fato, objeto da controvérsia, seja fixado; II – a norma jurídica a aplicar seja determinada; III – seja pronunciado o resultado jurídico, que deriva da subordinação do estado de fato aos princípios jurídicos. (...) A aplicação do direito reclama a consideração de duas questões diferentes. Uma delas é de fato, consistindo em verificar as circunstâncias e os elementos, que determinam e singularizam o caso concreto. A outra, de direito, e o seu fim é precisar a norma jurídica reguladora da situação de fato apresentada, para o que, acabamos de ver, é necessário se investigue a existência da norma jurídica, abrangendo (...) e a explicação do sentido, isto é, a interpretação. (...) Verificada a existência da questão de fato, sobre que se controverte, o juiz, a quem as partes interessadas levaram o conhecimento da espécie, com comprovada exposição da situação determina, portanto, a norma jurídica a que deve fazer-se a subsunção do caso concreto, e, fixando a existência da mesma, decide, após explicar-lhe o sentido e o conteúdo, se tal norma se ajusta a esse caso, pronunciando o resultado jurídico, que se traduz, precisamente, na subordinação do estado de fato ao princípio jurídico. Assim, toda a atividade desenvolvida no processo tem, como finalidade última, a aplicação da norma jurídica ao caso concreto, isto é, a própria realização do direito. (...) (-------) Choca à consciência jurídica da atualidade, como sendo mais do que um absurdo, como sendo verdadeira monstruosidade --- o entendimento acanhado, retrógrado e pernicioso, que, em 1841, expunha BLONDEAU à Academia de Ciências Morais e Políticas de Paris --- pleiteando que, se o juiz se achar diante de uma lei ambígua, absolutamente insuficiente, ou de leis contraditórias, sem que o pensamento do legislador se manifeste em torno do ponto a decidir, deva, antes de proceder à interpretação, rejeitar a ação, por inexistência de lei. Hoje, ao invés, a verdade que --- seria inqualificável denegação de justiça deixar o juiz de decidir, a pretexto ou por motivo de não haver texto claro de lei, ou de resultar dúvida, ambiFGV DIREITO RIO 45
  • 46. INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I güidade, incerteza do existente e, mesmo, de inexistir uma norma de direito positivo, faltando, também regra de direito consuetudinário (...). Tal como sucede no regime de qualquer desses Códigos [cujo regime é o mesmo da nossa Lei de Introdução ao Código Civil], nunca ocorrerá, entre nós, ao juiz, escusar-se de dar solução ao litígio, por inexistente, omissa, ambígua, obscura, indecisa, dúbia, a lei.”* * Texto adaptado de: A Lei de introdução ao Código civil brasileiro: (Dec.Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942, com as alterações da Lei nº 3.238, de 1º de agosto de 1957, e leis posteriores): comentada na ordem de seus artigos, por Eduardo Espínola e Eduardo Espínola Filho; e atualizada por Silva Pacheco. 3ª edição [e.p.1943] – Rio de Janeiro, Renovar, 1999. FGV DIREITO RIO 46
  • 47. INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I Seleção de Leituras Nº 4: Módulo II – Como “traduzir” fatos em categorias jurídicas relevantes para a decisão? Três modalidades de aplicação do direito. Item B. “Estupro”. – Arts. 213 e 224 do Código Penal (anexos); – Jurisprudência (anexa) – Primeiro Grupo (casos 1 a 3) – Segundo Grupo (casos 1 a 3 e Casos Complementares [4 a 11]) Código Penal: [estupro] “Art. 213 – Constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça. Pena – reclusão, de 6 (seis) meses a 10 (dez) anos.” [presunção de violência] “Art. 224. Presume-se a violência, se a vítima: a) não é maior de 14 (catorze) anos; b) é alienada ou débil mental, e o agente conhecia esta circunstância; c) não pode, por qualquer outra causa, oferecer resistência”. Primeiro Grupo de Jurisprudência (ementas): [caso 1.] Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul: “Estupro Real. Pressupõe o sincero dissenso da mulher. Não existe, portanto, quando a relação sexual foi consentida. Palavra da ofendida. Se declara que depois de uma resistência inicial tirou ela mesma sua roupa e aceitou passivamente que o réu se deitasse por cima delas ainda juntos do mato, (...) Tais circunstâncias demonstram que não houve a caracterização do estupro” TJRS. Ap. Crime nº686044900. 2ª Cam. Crime. Rel. Ladislau Fernando Rohnelt. J. 13.11.1986. [caso 2.] Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro: “Estupro. Absolvição. Inexistência de prova continua de resistência da suposta ofendida. Consentimento tácito. Valor probatório do Inquérito Policial. O devido Processo Penal. Absolvição. 1. A conjunção carnal na configuração típica é a realização do coito praticado por pessoas de sexo oposto, não se exigindo que o ato seja completo, mas que a ´introductio penis intra vas´ ocorra contra a vontade da ofendida, mediante o emprego da violência real ou presumida; 2. Se foi a própria “ofendida”, antiga companheira do réu-apelante, que marcara o encontro ao lado do matagal, não oferecendo qualquer resistência (física ou psicológica), e ainda de forma indireta, colaborara no sentido a afugentar seu atual namorado para que fugisse do local e ludibriado convocara agentes da autoridade para “socorrê-la” e, após, em sede judicial não se mostrou jamais revoltada, retornando inclusive a conviver com o namorado enganado, nada aduzindo sobre o fato, demonstra o consentimento da ofendida em bem disponível que é causa de exclusão da ilicitude; 3. Contudo, a suposta vítima não foi constrangida, praticando o coito por sua livre vontade, razão pela qual inexiste violação de sua liberdade sobre seu corpo e seu prazer sexual. Trata-se, pois, de fato atípico pela ausência do elemento subjetivo do tipo. 4. Recurso provido” TJRJ. ACr 140/95. 2ª C.Crim. Rel. Des. Álvaro Mayrink da Costa. J. 29.08.1995. FGV DIREITO RIO 47
  • 48. INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I [caso 3.] Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul: “Estupro. Prova de Violência. Para a caracterização da coação do ato sexual, não se deve exigir provas de uma violência física, pois integra o tipo a violência moral ou ameaça. Além disso, não se pode impor à mulher que seja heróica, levando a resistência às últimas conseqüências, para a configuração do seu dissenso. Não consente a mulher que se entrega ao estuprador por exaustão de suas forças, nem a que sucumbe ao medo, evitando a prática de qualquer ato externo de resistência” (RJTJERGS). Segundo Grupo de Jurisprudência (ementas): [caso 1.] “PROCESSUAL. RECURSO ESPECIAL. ESTUPRO. VIOLÊNCIA FICTA. CONSENTIMENTO. VÍTIMA. CARACTERIZAÇÃO. DELITO. 1. No estupro ficto (art. 224, “a”, do Código Penal), com exigência do dolo direto ou eventual sobre a idade da vítima, afastando - em conseqüência - a tese da responsabilidade objetiva, o consentimento da ofendida não descaracteriza a prática do delito. Precedentes. Recurso especial conhecido e provido.”. Este julgamento corrigiu o decisum que havia sido prolatado pelo TJSC, 2ª Câmara Criminal, rel. Des. Jorge Mussi, nos seguintes termos: “CRIME CONTRA OS COSTUMES” – ESTUPRO – VIOLÊNCIA PRESUMIDA PELA IDADE DA VÍTIMA (PRATICAMENTE 13 ANOS) – OFENDIDA COM COMPLEIÇÃO FÍSICA DE MULHER, QUE ADMITE HAVER SE RELACIONADO SEXUALMENTE COM OUTROS DOIS HOMENS ANTES DOS FATOS E QUE, APESAR DE SUA IDADE, NÃO SE APRESENTA INGÊNUA OU INOCENTE, MAS SIM CONSCIENTE DE SEUS ATOS – NATUREZA RELATIVA DA FICÇÃO LEGAL RECONHECIDA – DÚVIDAS, ADEMAIS, QUANTO AO SINCERO DISSENSO OU À SUMISSÃO DA MENOR À VONTADE DO PADRASTO (TEMOR REVERENCIAL) – APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO IN DUBIO PRO RÉU QUE SE IMPÕE – ABSOLVIÇÃO DECRETADA – RECURSO DEFENSIVO PROVIDO. Nos crimes de estupro, praticados contra menores de quatorze anos, a presunção de violência é absoluta somente se a vítima for recatada, inocente e ingênua no campo sexual, hipótese em que pode ser facilmente enganada e iludida pelo agente. Se, ao contrário, a menor possuir uma maturidade sexual acima da média da sua idade, tornando-a capaz de discernir acerca de sua conduta e conseqüências desta, a presunção desta, a presunção do art. 224, alínea a, do CP, passa a ser relativa. Comprovado o desenvolvimento sexual da menor ofendida e havendo dúvidas quanto ao seu sincero dissenso ou à sua submissão à vontade do padrasto (temor reverencial), outra solução não resta senão absolver o acusado, com fundamento no art. 386, VI, do CPP” REsp nº 324.161, Sexta Turma, rel. Min. Fernando Gonçalves, julgado em 4.2.2003. [caso 2.] “Estupro. Reconhecimento da Violência Presumida. Impossibilidade. Jovem madura com idade próxima ao limite legal. É induvidoso que, nos dias atuais, não se pode mais afirmar que uma jovem, na pré-adolescência, continue como na década de 40, a ser uma insciente das coisas do sexo. Na atualidade, o sexo deixou de ser um tema proibido, para se situar em posição de destaque na família, onde é discutido livremente por causa da AIDS, nas escolas, onde adquiriu o “status” de matéria curricular e nos meios de comunicação de massa, onde se tornou assunto corriqueiro. A quantidade de informações, de esclarecimentos, de ensinamentos sobre sexo flui rapidamente e sem fronteiras, dando as pessoas, inclusive as de menos de 14 anos de idade, uma visão teórica da vida sexual, possibilitando-a a rechaçar as propostas de agressões que nessa esfera se produzirem-se a uma consciência bem clara e nítida da disponibilidade do próprio corpo. Sob pena do conflito da lei com a realidade social, não se pode mais excluir completamente, nos crimes sexuais, a apuração do elemento volitivo da ofendida, de seu consentimento, sob o pretexto de que continua não podendo dispor livremente de seu corpo, por faltar-lhe capacidade fisiológica e psicoética” TJRS. Apel. Criminal nº 698248671. 6ª C.Crim. Rel. Sylvio Baptista Neto. J. 15.10.1998. [caso 3.] “Sob pena de conflitarem lei e realidade social, não se pode mais afirmar que se exclui completamente, nos crimes sexuais, a apuração do elemento volitivo da pessoa ofendida, de seu consentimento sob o pretexto de FGV DIREITO RIO 48
  • 49. INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I continua não podendo dispor livremente do seu corpo, por faltar-lhe capacidade biológica e psico-ética. A pressão exercida pela realidade social tem sido de tal ordem que a presunção de violência decorrente das circunstâncias da ofendida dispor de idade inferior de 14 anos se relativizou (...) Em decorrência do exposto, a tais situações de relativização da presunção deve ser acrescida uma outra, ou seja, exclui-se a presunção de violência quando a pessoa ofendida, embora com menos de 14 anos de idade, deixa claro e patente ter maturidade suficiente para exercer a sua capacidade de auto-determinar-se no terreno da sexualidade. Se dela partir a iniciativa ou a provocação do ato sexual, ou se ela adere prontamente ao convite de caráter sexual, que o agente lhe dirige, constitui um verdadeiro contra senso entender que sofreu uma violência”. TJSP. Ap. Crime nº 93117-3. Rel. Des. Márcio Bartoli. Casos Complementares: [caso 4.] ”Estupro. Menor de Quatorze Anos. Violência Relativa. O entendimento prevalecente, na jurisprudência e na doutrina, é no sentido de que a presunção de violência prevista no CP, Art. 224, “a” é relativa, cedendo diante da prova contrária” STJ. RESP. nº 161.284-RS. Rel. Min. Edson Vidigal. J. 21.03.2000. [caso 5.] ”Estupro. Violência Presumida. Absolvição. Consentimento. Se a vítima consentiu no ato sexual e tendo conhecimento do assunto, já que fora alertada pela mãe da possibilidade de engravidar e sobretudo porque freqüentava barzinhos à noite com outras adolescentes, demonstrando que não era moça ingênua e recatada, deve prevalecer a sentença absolutória que afastou a ´inocentai consilii´, que é relativa” TJMS. Acr. nº 58.753-3. 2ª T. Rel. Des. Carlos Stephanini. J. 10.06.1998. [caso 6.] “Estupro. Menor de Quatorze Anos. Presunção de Violência. Consentimento. Consoante o entendimento pretoriano, na hipótese de crime de estupro cometido contra menor de 14 anos, nem mesmo o consentimento da vítima ou a sua anterior experiência elidem a presunção de violência” STJ. HC nº 9.056. 6ª Turma. Rel. Min. Fernando Gonçalves. J. 30.06.1999. [caso 7.] “(...) É incabível a alegação de que houve o consentimento por parte da vítima, eis que sendo esta menor de 14 (quatorze) anos, a violência é presumida”. TJDFT. Ap. Crime nº 1999085003969-4. 1ª Turma. Re. Des. Otávio Augusto. J. 24.02.2000.. [caso 8.] “Estupro. Presunção de Violência. Vítima menor de 14 anos de idade. Sequer elide a presunção de violência o alegado fato do consentimento da vítima quanto à relação sexual. A violência ficta, prevista no art. 224, letra “a”, do Código Penal, é absoluta e não relativa” STF. HC nº 72.575-9. 2ª Turma. Rel. Min. Néri da Silveira. J. 04.08.1995. [caso 9.] “Estupro Ficto. Menor de quatorze anos de idade não possui discernimento para, com vontade válida, entregar-se sexualmente ...” TJRS. Ap. Crime nº 694006651. 1ª C.Crim. Rel. Guilherme Oliveira de Souza Castro. J. 30.03.1994. [caso 10.] “Estupro. Se a ofendida é menor de 13 anos de idade não pode consentir e se consentir não e válido” TJRS. Ap. Crime nº 686049156. 1ª C.Crim. Rel. Paulo David Torres Barcellos. J. 09.09.1987. [caso 11.] “Estupro. Violência Presumida Confirmada. Vítima Menor de 14 anos de Idade. Falta de consciência plena para validar com seu consentimento o ato que cometeu. Sentença recorrida amparada na provados autos. Recurso improvido a unanimidade” TJSE. ACr 008/94. Ac. 0406/94. C.Crim. Rel. Des. Rinaldo Costa e Silva. DJSE 26.05.1994. FGV DIREITO RIO 49
  • 50. INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I Seleção de Leituras Nº 5: Módulo II – Como “traduzir” fatos em categorias jurídicas relevantes para a decisão? Três modalidades de aplicação do direito. Item C. “Propriedade e Função Social”. – Jurisprudência (anexa) – Primeiro Grupo (casos 1 a 4) – Nota Breve Sobre Processo Expropriatório – Segundo Grupo (casos 1 a 4) – Legislação: – Constituição Federal: Arts. 1º, 3º, 5º (inc. XXII, XXIII, LIV e LV), 170, 182, 183, 184, 185 186 – Código Civil de 1916 Arts. 75, 77, 78, 159, 524, 589, 620, 675 e 1518 (e correlatos no Código Civil de 2002) – Lei n. 8.629, de 25 de fevereiro de 1993 Arts. 2º, 5º, 6º 9º e 12 Primeiro Grupo de Jurisprudência (ementas): [caso 1.] [inteiro teor do acórdão transcrito abaixo] APELAÇÃO CÍVEL N. 212.726-1-4 - SÃO PAULO EMENTA Ação reivindicatória. Lotes de terreno transformados em favela dotada de equipamentos urbanos. Função social da propriedade. Direito de indenização dos proprietários. Lotes de terreno urbanos tragados por uma favela deixam de existir e não podem ser recuperados, fazendo, assim, desaparecer o direito de reivindicá-los. O abandono dos lotes urbanos caracteriza uso anti-social da propriedade, afastado que se apresenta do princípio constitucional da função social da propriedade. Permanece, todavia, o direito dos proprietários de pleitear indenização contra quem de direito. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos... Acordam, em 8ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por votação unânime, dar provimento ao Recurso dos réus, prejudicado o Recurso Adesivo, de conformidade com o relatório e o voto do Relator, que ficam fazendo parte do acórdão. O julgamento teve a participação dos Desembargadores Osvaldo Caron (Presidente) e Walter Theodósio, com votos vencedores. São Paulo, 16 de dezembro de 1994 José Osório, Relator Ação reivindicatória referente a lotes de terreno ocupados por favela foi julgada procedente pela r. sentença de fls., cujo relatório é adotado, repelida a alegação de usucapião e condenados os réus na desocupação da área, sem direito a retenção por benfeitorias e devendo pagar indenização pela ocupação desde o ajuizamento da demanda. As verbas da sucumbência ficaram subordinadas à condição de beneficiários da assistência judiciária gratuita. FGV DIREITO RIO 50
  • 51. INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I Apelam os sucumbentes pretendendo caracterizar a existência do usucapião urbano, pois incontestavelmente todos se encontram no local há mais de 5 (cinco) anos, e ocupam áreas inferiores a 200 (duzentos) metros quadrados, sendo que não têm outra propriedade imóvel. Subsidiariamente, pretendem o reconhecimento da boa-fé e consequentemente direito de retenção por benfeitorias e, alternativamente, ainda, o deslocamento do dies a quo de sua condenação da data da propositura da demanda para a data em que se efetivou a citação. Os autores contra-arrazoam, levantando preliminar de intempestividade do Recurso e, no mérito, pugnando pela manutenção da sentença; e interpõem Recurso Adesivo, pretendendo a execução imediata das verbas de sucumbência em que foram condenados os réus. O Recurso Adesivo também foi respondido. O Relator determinou diligência a respeito da publicação de sentença. É o relatório. O Recurso é tempestivo. Conforme se vê de cópia do DOU, de 30.11.1992, constaram da publicação da sentença apenas os nomes dos advogados dos autores. O Doutor Procurador da Assistência Judiciária, que defende os réus, tomou ciência da decisão somente em 20.1.1993. Apresentado o Recurso em 26.1, é ele tempestivo. A alegação da defesa de já haver ocorrido o usucapião social urbano, criado pelo artigo 183 da CF/88, não procede, porquanto, quando se instaurou a nova ordem constitucional, a ação estava proposta havia 3 (três) anos. Ainda assim, o Recurso dos réus tem provimento. Os autores são proprietários de 9 (nove) lotes de terreno no Loteamento..., subdistrito..., adquiridos em 1978 e 1979. O loteamento foi inscrito em 1955. A Ação Reivindicatória foi proposta em 1985. Segundo se vê do laudo e das fotografias de fls., os 9 (nove) lotes estão inseridos em uma grande favela, a ‘Favela..., perto do Shopping... Trata-se de favela consolidada, com ocupação iniciada há cerca de 20 (vinte) anos. Está dotada, pelo Poder Público, de pelo menos 3 (três) equipamentos urbanos: água, iluminação pública e luz domiciliar. As fotos de fls. mostram algumas obras de alvenarias, os postes de iluminação, um pobre ateliê de costureira, etc., tudo a revelar uma vida urbana estável, no seu desconforto. O objeto da Ação Reivindicatória é, como se sabe, uma coisa corpórea, existente e bem definida. Veja-se, por todos, Lacerda de Almeida: “Coisas corpóreas em sua individualidade, móveis ou imóveis, no todo ou em uma quota-parte, constituem o objeto mais freqüente do domínio, e é no caráter que apresentam de concretas que podem ser reivindicadas (...)” (Direito das coisas, Rio de Janeiro, 1908, p. 308). No caso dos autos, a coisa reivindicada não é concreta, nem mesmo existente. É uma ficção. Os lotes de terreno reivindicados e o próprio loteamento não passam, há muito tempo, de mera abstração jurídica. A realidade urbana é outra. A favela já tem vida própria, está, repita-se, dotada de equipamentos urbanos. Lá vivem muitas centenas, ou milhares, de pessoas. Só nos locais onde existiam os 9 (nove) lotes reivindicados residem 30 (trinta) famílias. Lá existe uma outra realidade urbana, com vida própria, com os direitos civis sendo exercitados com naturalidade. O comércio está presente, serviços são prestados, barracos são vendidos, comprados, alugados, tudo a mostrar que o primitivo loteamento hoje só tem vida no papel. A diligente perita, em hercúleo trabalho, levou cerca de 4 (quatro) anos para conseguir localizar as duas ruas em que estiveram os lotes, Ruas... e... Segundo a perita: “A Planta Oficial do Município confronta com a inexistência da implantação da Rua... a qual foi indicada em tracejado”. FGV DIREITO RIO 51
  • 52. INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I Na verdade, o loteamento, no local, não chegou a ser efetivamente implantado e ocupado. Ele data de 1955. Onze anos depois, a planta aerofotogramétrica da... mostra que os 9 (nove) lotes estavam coberto por “vegetação arbustica”, a qual também obstruía a rua... Inexistia qualquer equipamento urbano. Mais de 6 (seis) anos e a planta seguinte (1973) indica a existência de muitas árvores, duas das quais no leito da rua. Seis barracos já estão presentes. Essa prova casa-se com o depoimento sereno do Padre M.B.: “Foi pároco no local até 1973, quando já havia o início da favela do... Ausentou-se do local até 1979. Quando lá retornou, encontrou a favela consolidada”. Por aí se vê que, quando da aquisição, em 1978/1979, os lotes já compunham favela. Loteamento e lotes urbanos são fatos e realidades urbanísticas. Só existem, efetivamente, dentro do contexto urbanístico. Se são tragados por uma favela consolidada, por força de uma certa erosão social, deixam de existir como loteamento e como lotes. A realidade concreta prepondera sobre a “pseudo-realidade jurídico-cartorária”. Esta não pode subsistir, em razão da perda do objeto do direito de propriedade. Se um cataclismo, se uma erosão física, provocada pela natureza, pelo homem ou por ambos, faz perecer o imóvel, perde-se o direito de propriedade. É o que se vê no artigo 589 do Código Civil, com remissão aos artigos 77 e 78. Segundo o artigo 77, perece o direito perecendo o seu objeto. E nos termos do artigo 78, I e III, entende-se que pereceu o objeto do direito quando perde as qualidades essenciais, ou o valor econômico; e quando fica em lugar de onde não pode ser retirado. No caso dos autos, os lotes já não apresentam suas qualidades essenciais, pouco ou nada valem no comércio; e não podem ser recuperados, como adiante se verá. É verdade que a coisa, o terreno, ainda existe fisicamente. Para o direito, contudo, a existência física da coisa não é o fator decisivo, consoante se verifica dos mencionados incisos I e III do artigo 78 do CC. O fundamental é que a coisa seja funcionalmente dirigida a uma finalidade viável, jurídica e economicamente. Pense-se no que ocorre com a denominada desapropriação indireta. Se o imóvel, rural ou urbano, foi ocupado ilicitamente pela Administração Pública, pode o particular defender-se logo com Ações Possessórias ou dominiais. Se tarda e ali é construída uma estrada, uma rua, um edifício público, o esbulhado não conseguirá reaver o terreno, o qual, entretanto, continua a ter existência física. Ao particular, só cabe Ação Indenizatória. Isto acontece porque o objeto do direito transmudou-se. Já não existe mais, jurídica, econômica e socialmente, aquele fragmento de terra do fundo rústico ou urbano. Existe uma outra coisa, ou seja, uma estrada ou uma rua, etc. Razões econômicas e sociais impedem a recuperação física do antigo imóvel. Por outras palavras, o jus reivindicandi (art. 524, parte final, do CC) foi suprimido pelas circunstâncias acima apontadas. Essa é a Doutrina e a Jurisprudência consagradas há meio século no Direito brasileiro. No caso dos autos, a retomada física é também inviável. O desalojamento forçado de 30 (trinta) famílias, cerca de 100 (cem) pessoas, todas inseridas na comunidade urbana muito maior da extensa favela, já consolidada, implica uma operação cirúrgica de natureza éticosocial, sem anestesia, inteiramente incompatível com a vida e a natureza do Direito. É uma operação socialmente impossível. E o que é socialmente impossível é juridicamente impossível. Ensina L. Recaséns Siches, com apoio explícito em Miguel Reale, que o Direito, como obra humana que é, apresenta sempre três dimensões, a saber: FGV DIREITO RIO 52
  • 53. INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I “A) Dimensión de hecho, la cual comprende los hechos humanos sociales en los que el Derecho se gesta y se produce; así como las conductas humanas reales en las quales el Derecho se cumple y lleva a cabo. B) Dimensión normativa (...). C) Dimensión de valor, estimativa, o axiológica, consistente en que sus normas, mediante las cuales se trata de satisfacer una série de necessidades humanas, esto intentan hacerlo con las exigencias de unos valores, de la justicia y de los demás valores que esta implica, entre los que figuran la autonomía de la persona, la seguridad, el bien común y otros. (...) pero debemos precatarnos de que las tres (dimensiones) se hallan reciprocamente unidas de un modo inescindible, vinculadas por triples nexos de esencial implicación mutua” (Introducción al estudio del derecho, México, 1970, p. 45). Por aí se vê que a dimensão simplesmente normativa do Direito é inseparável do conteúdo do ético-social do mesmo, deixando a certeza de que a solução que se revela impossível do ponto de vista social é igualmente impossível do ponto de vista jurídico. O atual direito positivo brasileiro não comporta o pretendido alcance do poder de reivindicar atribuído ao proprietário pelo artigo 524, do CC. A leitura de todos os textos do CC só pode se fazer à luz dos preceitos constitucionais vigentes. Não se concebe um direito de propriedade que tenha vida em confronto com a Constituição Federal, ou que se desenvolva paralelamente a ela. As regras legais, como se sabe, se arrumam de forma piramidal. Ao mesmo tempo em que manteve propriedade privada, a CF a submeteu ao princípio da função social (arts. 5º, XXII e XXIII; 170, II e III; 182, 2º; 184; etc.). Esse princípio não significa apenas uma limitação a mais ao direito de propriedade, como, por exemplo, as restrições administrativas, que atuam por força externa àquele direito, em decorrência do poder de polícia da Administração. O princípio da função social atua no conteúdo do direito. Entre os poderes inerentes ao domínio, previstos no artigo 524 do CC (usar, fruir, dispor e reivindicar), o princípio da função social introduz um outro interesse (social) que pode não coincidir com os interesses do proprietário. Veja-se, a esse propósito, José Afonso da Silva, Direito constitucional positivo, 5. ed., p. 249-250, com apoio em autores europeus. Assim, o referido princípio torna o direito de propriedade, de certa forma, conflitivo consigo próprio, cabendo ao Judiciário dar-lhe a necessária e serena eficácia nos litígios graves que lhe são submetidos. No caso dos autos, o direito de propriedade foi exercitado, pelos autores e por seus antecessores, de forma anti-social. O loteamento pelo menos no que diz respeito aos 9 (nove) lotes reivindicados e suas imediações – ficou praticamente abandonado por mais de 20 (vinte) anos; não foram implantados equipamentos urbanos; em 1973, havia árvores até nas ruas; quando da aquisição dos lotes, em 1978-1979, a favela já estava consolidada. Em cidade de franca expansão populacional, com problemas gravíssimos de habitação, não se pode prestigiar tal comportamento de proprietários. O jus reivindicandi fica neutralizado pelo princípio constitucional da função social da propriedade. Permanece a eventual pretensão indenizatória em favor dos proprietários, contra quem de direito. Diante do exposto, é dado provimento ao Recurso dos réus para julgar improcedente a ação, invertidos os ônus da sucumbência, e prejudicado o Recurso dos autores. (FIM DO ACÓRDÃO DO CASO 1) [caso 2.] (ementa). “Área ocupada há longo tempo - Favela: Nada obstante o respeito que a tese da destinação social da ocupação do imóvel urbano para fins residenciais, empolgante, por sem dúvida, possa merecer, sua aplicação é inaceitável em face do Direito vigente. Aplicá-la ao arrepio da lei importaria, em verdade, transposição para o campo do Direito Civil da figura do uti possidetis do Direito Internacional, via do qual se reconheceria ao FGV DIREITO RIO 53
  • 54. INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I posseiro ou mero ocupante a garantia da posse por decorrência de suposta soberania oriunda exclusivamente do fato da ocupação. A questão, se é grave no aspecto social e está a merecer atenção e solução, em caráter urgente, pelo Poder competente, não pode ser decidida senão segundo os critérios que disciplinam a posse, seus efeitos e sua proteção.” RT 565/105. [caso 3.] “(...) 1. O caso em exame envolve grave problema social, o qual não compete ao Poder Judiciário resolvê-lo, por não se encontrar na esfera de suas atribuições e sim determinar o cumprimento da lei, inclusive de norma constitucional que assegura o direito de propriedade. (...)”TJ/PR, Pedido de Intervenção n° 0014086-9, Catanduvas, Ac. n° 2028, Órgão Especial unân., j. 01.07.94, DJPR, 15.08.94, p. 28. [caso 4.] “Deferir-se em favor de quem não tem direito a posse de um imóvel somente porque se trata de uma vila popular, para obviar-se uma crise social e porque não é moralmente justo, é praticar-se o confisco através da jurisdição. E o confisco aberra à lei, ao direito e à justiça. Com a devida vênia, a pior das ditaduras é a ditadura do Judiciário. No momento em que o Judiciário se contrapõe ao ordenamento jurídico, para realizar a reforma social de que este país está necessitando, subverte a ordem jurídica que lhe cumpre defender e extrapola os limites de sua função.” TA/RS, Emb. Infr n° 100287119, 1° Grupo Cível, j. 18.11.83, voto vencido. Nota Breve sobre Processo Expropriatório (por Livia Fernandes) O segundo grupo de casos, abaixo, trata de processos de expropriação, para fins de reforma agrária. De maneira bem resumida, a desapropriação ou expropriação é a retirada, regulada em lei, de um bem de um particular para, ao destiná-lo ao poder público, atender a interesse da comunidade (por exemplo, assentando famílias). Atualmente, apenas imóveis rurais improdutivos de grande extensão ou pertencentes a proprietários de outros imóveis rurais podem ser desapropriados. O processo expropriatório exige, entre outros requisitos, vistoria prévia comprobatória da ociosidade da propriedade (este requisito é discutido nos acórdãos indicados). A expropriação do imóvel somente ocorrerá mediante uma indenização prévia, justa e em títulos da dívida agrária. Alguns dos principais requisitos legais de processos expropriatórios, mencionados nos casos, estão transcritos no item sobre “LEGISLAÇÃO” abaixo. Segundo Grupo de Jurisprudência (ementas): [caso 1.] “CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. DESAPROPRIAÇÃO POR INTERESSE SOCIAL. DECLARATÓRIA. LEI 8629/93. AUSÊNCIA DE NOTIFICAÇÃO PRÉVIA. NULIDADE ATO ADMINISTRATIVO. ART. 5º, LV, CF/88. LEGITIMIDADE UNIÃO. - À UNIÃO, ATRAVÉS DO INCRA, É CONFERIDO CONSTITUCIONALMENTE O PODER DE DESAPROPRIAR POR INTERESSE SOCIAL, PARA FINS DE REFORMA AGRÁRIA. O INCRA AGIU POR DELEGAÇÃO DA UNIÃO, PORTANTO, HÁ DE SE PRESUMIR SUA LEGITIMIDADE PASSIVA “AD CAUSAM”. O PARÁGRAFO 2º, DO ART. 2º, DA LEI 8629/93, DETERMINA A NOTIFICAÇÃO PRÉVIA AO PROPRIETÁRIO, A FIM DE ASSEGURAR A ESTE O DIREITO DE ACOMPANHAR OS PROCEDIMENTOS PRELIMINARES PARA O LEVANTAMENTO DOS DADOS FÍSICOS PARA QUE SE POSSA DESAPROPRIAR UM IMÓVEL. - A NOTIFICAÇÃO É PRÉVIA E NÃO PODE SER DURANTE OU DEPOIS DA VISTORIA. O CONHECIMENTO PRÉVIO QUE SE DÁ AO PROPRIETÁRIO É DIREITO FUNDAMENTAL DO CIDADÃO, E SUA AUSÊNCIA OCASIONA VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA GARANTIDOS NO ART. 5º, LV, DA CARTA MAGNA. - APELAÇÕES NÃO FGV DIREITO RIO 54
  • 55. INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I CONHECIDAS. REMESSA OFICIAL IMPROVIDA. (TRF 5ª Região. AC 220016. – 1ª T. - Rel. Desembargadora Federal Margarida Cantarelli . DJ 06.07.01, p. 303). [caso 2.] MS 22613-7 PE (STF): EMENTA: DESAPROPRIAÇÃO POR INTERESSE SOCIAL. FALTA DE NOTIFICAÇÃO A QUE SE REFERE O §2º, DO ARTIGO 2º, DA LEI 8.629/93. CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA: INEXISTÊNCIA: NULIDADE DO ATO. MANDADO DE SEGURANÇA DEFERIDO. 1. A desapropriação por interesse social visando à reforma agrária não dispensa a notificação prévia a que se refere o parágrafo 2º, do artigo 2º, da Lei nº 8.629, de 25 de fevereiro de 1993, de tal modo a assegurar aos seus proprietários o direito de acompanhar os procedimentos preliminares para o levantamento dos dados físicos objeto da pretensão desapropriatória. 2. O conhecimento prévio que se abre ao proprietário consubstancia-se em direito fundamental do cidadão, caracterizando-se a sua ausência patente violação ao princípio do contraditório e da ampla defesa (CF, artigo 5º, inciso LV). 3. Não se considera prévia a notificação entregue ao proprietário do imóvel no mesmo dia em que se realiza a vistoria. Mandado de Segurança deferido. [caso 3.] MS 22.319-7 (STF): EMENTA: DESAPROPRIAÇÃO POR INTERESSE SOCIAL. FALTA DE NOTIFICAÇÃO A QUE SE REFERE O §2º, DO ARTIGO 2º, DA LEI 8.629/93. CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA: INEXISTÊNCIA: NULIDADE DO ATO. MANDADO DE SEGURANÇA DEFERIDO. 1. A propriedade selecionada pelo órgão estatal para o fim de desapropriação por interesse social visando à reforma agrária não dispensa a notificação prévia a que se refere o parágrafo 2º, do artigo 2º, da Lei nº 8.629, de 25 de fevereiro de 1993, de tal modo a assegurar aos seus proprietários o direito de acompanhar os procedimentos preliminares para o levantamento dos dados físicos objeto da pretensão desapropriatória. O conhecimento prévio que se abre ao proprietário consubstancia-se em direito fundamental do cidadão, caracterizando-se a sua ausência patente violação ao princípio do contraditório e da ampla defesa (CF, artigo 5º, inciso LV). 2. Não se considera prévia a notificação entregue ao administrador do imóvel “quando da vistoria.” 3. Na falta da notificação prévia como preliminar do processo, o edito de expropriação por interesse social para os efeitos de reforma agrária torna-se plenamente nulo. [caso 4.] MS 22193-3. DESAPROPRIAÇÃO POR INTERESSE SOCIAL. FALTA DE NOTIFICAÇÃO A QUE SE REFERE O § 2º, DO ARTIGO 2º, DA LEI 8.629/93. CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA: INEXISTÊNCIA: NULIDADE DO ATO. TERRA PRODUTIVA. COMPROVAÇÃO MEDIANTE LAUDO DO PRÓPRIO INCRA OFERECIDO EM PROCEDIMENTO EXPROPRIATÓRIO ANTERIOR E POSTERIORMENTE NÃO CONSUMADO. VERIFICADO QUE O IMÓVEL RURAL É PRODUTIVO TORNA-SE ELE INSUSCETÍVEL DE DESAPROPRIAÇÃO-SANÇÃO PARA OS FINS DE REFORMA AGRÁRIA. MANDADO DE SEGURANÇA DEFERIDO. Resumo do caso: O STF concedeu mandado de segurança que considera nulo decreto expropriatório que determinava a desapropriação do latifúndio de Antônio Southal, em São Gabriel/ RS. Por oito votos a dois, o STF decidiu contra a desapropriação. A maioria dos votos entendeu que a vistoria do INCRA que precede o procedimento de desapropriação não foi precedido de notificação ao proprietário tornando nulo todo o processo de desapropriação, que culminou no decreto. A maioria dos juízes do STF entendeu que a discussão sobre a produtividade das terras não era relevante para a decisão.Os alunos lerão: Ementa e Acórdão (2 páginas). Relatório e voto da Ministra Ellen Gracie (exceto página 631-2 do processo, que tratam das preliminares) (22 páginas). Voto do Ministro Carlos Britto (contrário à desapropriação) (14 páginas). FGV DIREITO RIO 55