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Conselho de Direitos Humanos –CDH
Guia de Estudos
“Comissões da verdade: a busca por reconciliação frente a violações de
direitos humanos”.
DIRETORES: João Pedro de Luna, Ariel Cherman Exelrud, Bruno Salvio Toledo
ASSESSORA: Ana Clara Amado
2
ÍNDICE
0. Apresentação da Mesa Diretora.
...............................................................................................................................
1. Histórico do Conselho de Direitos Humanos
...............................................................................................................................
2. Comissão Nacional da Verdade
...............................................................................................................................
3. Instrumentos Internacionais
...............................................................................................................................
3.1 Convenção de Genebra e o protocolo 1 adicional
..............................................................................................................................
3.2 Glossário
...............................................................................................................................
4. Posicionamento de Blocos
...............................................................................................................................
4.1. Bloco A – África
...............................................................................................................................
4.2. Bloco B – América Latina e Caribe
...............................................................................................................................
4.3. Bloco C – Ásia
...............................................................................................................................
4.4. Bloco D – Europa Oriental
...............................................................................................................................
4.5. Bloco E – Europa Ocidental e América do Norte
...............................................................................................................................
5. Referências bibliográficas e Sugestões de Estudo
...............................................................................................................................
3
0. Apresentação da Mesa Diretora
Muito prazer delegados e delegadas, meu nome é João Pedro de Luna (Mais
conhecido como Yoshi), tenho dezesseis anos e sou aluno do segundo ano do ensino
médio do Colégio Santo Agostinho, e é com muitíssimo prazer que lhes digo que serei
seu diretor no Conselho de Direitos Humanos na SIA 2013. Avido escutador do bom e
velho Rock'N'Roll, adoro o ambiente da simulação, o crescimento tanto pessoal como
acadêmico que as simulações me fornecem fizeram de mim quem sou hoje, e espero
poder proporcionar o mesmo ambiente de crescimento para vocês, senhoras e
senhores. Aguardo mais do que ansiosamente para o início de nossas discussões,
que tenho certeza que serão de altíssimo nível e de extrema produtividade! Muito
obrigado e uma ótima SIA à todos!
Muito prazer em conhecê-los senhores delegados, meu nome é Ariel
ChermanExelrud e tive a honra de ser escolhido para dirigir o Conselho de Direitos
Humanos na SIA 2013. Sempre tive amor por geografia e historia, portando me
identifiquei com as Simulações logo de primeira! Sou fã dos esportes, no futebol,
logicamente torço pelo maior de Minas, o Guerreiro dos Gramados, Cruzeiro. No
basquete torço pelo time da cidade dos ventos e do grande Michael Jordan, Chicago
Bulls. Estou muito ansioso para auxiliar os grandes debates que ocorrerão e ver
nossos diplomatas em ação (pois é isso que nós somos). Uma boa Simulação para
todos!
Olá, senhores delegados. Meu nome é Bruno Salvio Toledo, e assim como
vocês sou aluno do Colégio Santo Agostinho. Na minha vida eu possuo 3 paixões, 3
coisas que se sobressaem e dominam meu coração: minha namorada, meu Galo e as
simulações. Meu segundo lar, minha zona de conforto, o ambiente de simulação é
algo que eu aprendi a amar, espero que os senhores sintam o mesmo. Boa SIA!
Olá, senhores delegados. Meu nome é Ana Clara, tenho 16 anos, curso o 2°
ano do Ensino Médio e serei sua assessora. Entrei no mundo das simulações há um
ano, e, desde então, apaixonei-me completamente. Juntamente da leitura e da música,
simular é uma das melhores partes da minha vida. Portanto, é com grande prazer que
me ponho à disposição dos senhores ao longo da SIA 2013 e espero que aproveitem
bastante essa oportunidade.
4
1. HISTORICO DO CONSELHO DE DIREITOS HUMANOS
O Conselho de Direitos Humanos (CDH) é um órgão da Organização das
Nações Unidas (ONU) criado em 2006 a fim de substituir a Comissão de Direitos
Humanos das Nações Unidas (CDHNU). A comissão era severamente criticada à
época devido à presença de membros com históricos questionáveis de violações de
direitos humanos. Dessa forma, a Assembleia Geral das Nações Unidas (AGNU), com
ampla maioria, substituiu a comissão, formada por 53 membros, pelo conselho,
composto por 47 países1 (UN CREATES [...], 2006). Estabelecido pela resolução
60/251, o conselho seria responsável pela promoção mundial dos direitos humanos,
analisando casos de violações destes direitos e fazendo recomendações, visando a
coordenar as políticas de direitos humanos no âmbito do sistema da ONU. A resolução
também estabeleceu que o conselho tivesse sede em Genebra, na Federação Suíça
(ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS [ONU], 2006). Quanto a sua composição,
treze assentos são destinados a países africanos, treze a Estados asiáticos, seis a
países da Europa Oriental, oito a países latino-americanos e caribenhos e, por fim,
sete aos países da Europa Ocidental e demais países (ONU, 2006). A resolução 5/1
do CDH regulamentou três mecanismos importantes para seu funcionamento. Esses
mecanismos são a Revisão Periódica Universal, um procedimento de queixa quanto a
violações de direitos humanos, e o Comitê Consultivo (ONU, 2007). A Revisão
Periódica Universal, estabelecida desde a resolução 60/251 da AGNU, consiste em
uma avaliação periódica, empreendida por todos os países de quatro em quatro anos,
que permite analisar a situação dos direitos humanos ao redor do globo. Nela, cada
Estado-membro, sob a supervisão do conselho, deve avaliar seu próprio progresso em
relação aos direitos humanos, explicitando o que fizeram para cumprir suas
obrigações e para melhorar a situação de tais direitos em seu território. Sua
importância reside em sua abrangência, uma vez os 193 Estados-membros da ONU
são atingidos , e na consequente pressão para que todas as nações promovam o
respeito aos direitos humanos (ONU, 2007; ALTO COMISSARIADO DAS NAÇÕES
UNIDAS PARA DIREITOS HUMANOS [ACNUDH], [s.d.a])
1 Os membros atuais do Conselho podem ser consultados em
http://www.ohchr.org/EN/HRBodies/HRC/Pages/CurrentMembers.aspx. Acesso em: 14
jan. 2013. 2 A demanda deverá ser devidamente justificada, uma vez que é necessário
demonstrar ausência de motivação política, a denúncia não pode ser baseada
exclusivamente em informações divulgadas por meios de comunicação em massa e
5
que soluções internas já estejam esgotadas (ONU, 2007). A lista completa de
requisitos pode ser consultada na resolução 5/1.
O procedimento de queixa, por sua vez, consiste na possibilidade de pessoas,
grupos de pessoas e organizações não governamentais denunciarem violações de
direitos humanos2 (ONU, 2007). Por fim, o Comitê Consultivo é composto por dezoito
especialistas em direitos humanos, escolhidos respeitando-se a distribuição geográfica
dos países, que têm o papel de realizar estudos e pesquisas relacionadas à situação
dos direitos humanos, assim como o conselho solicitar-lhe (ACNUDH,[s.d.b]). Quanto
à estrutura interna do conselho, seus quarenta e sete membros são eleitos por maioria
absoluta e por voto secreto na AGNU. Ele deve reunir-se por no mínimo três sessões,
que não podem possuir menos de dez semanas de duração. Sessões extraordinárias,
se necessárias, podem ser convocadas caso haja consentimento de um terço de seus
membros. O mandato de cada Estado-membro tem duração de três anos, podendo ser
renovado uma vez (ONU, 2006). Tendo em vista que a presença de membros que
cometam amplas violações de direitos humanos era severamente criticada na antiga
comissão, membros do CDH podem ser suspensos caso uma maioria de dois terços
da AGNU julgue plausível (ONU, 2006). Em 2011, a Líbia foi suspensa do Conselho
devido ao uso de violência contra pessoas que criticavam o regime (LIBYA [...], 2011).
De acordo com a resolução 5/1, resoluções são aprovadas por maioria simples dos
membros presentes. Para que o presidente do conselho dê início à sessão, é
necessária a presença de um terço dos membros. Finalmente, para que se proceda à
votação é requerido que a maioria dos membros esteja presente na sessão (ONU,
2007). A resolução 9/11 do CDH reconheceu a importância do direito à verdade na
promoção dos direitos humanos e encorajou fortemente a criação de comissões da
verdade onde elas forem necessárias (ONU, 2008).
2. COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE
As violações aos direitos humanos cometidas durante a Ditadura Militar que
assumiu o governo do Brasil entre 1964 e 1985 e os posteriores posicionamentos
diante desses crimes, a relação entre o Estado e sociedade brasileiros e memória
nacional, proporcionam um relevante paralelo aos demais casos estudados pelo
Conselho de Direitos Humanos na SiNUS 2013. O quadro político e sociocultural
criado no país após o fim do regime, associado à Lei de Anistia de 1979, é
caracterizado pela oposição de diferentes movimentos que se revela como um
importante referencial na compreensão das variáveis que acercam as comissões da
verdade. As iniciativas direcionadas ao resgate da verdade factual, relacionadas a
6
devidas reparações e punições, foram acompanhadas de um silenciamento oficial.
Contudo, os esforços em torno do tema providos ao longo de quase três décadas, e
permeados por conflitos de interesses, resultaram na instauração da Comissão
Nacional da Verdade. Em novembro de 2011, a Presidente Dilma Rousseff sancionou,
com o apoio do Congresso Nacional, a lei que originou a Comissão Nacional da
Verdade (CNV), instalada em maio do ano seguinte. A promulgação da lei de sanção à
CNV está associada à Lei de Acesso à Informação Pública, que torna os documentos
e todas as informações produzidas pela Administração Pública, em todas as suas
instâncias, disponíveis à população. Essa norma significa um passo primordial na
desvinculação do sigilo como fator de consolidação a desrespeitos aos direitos
humanos, demonstrando uma evolução democrática do país (ROUSSEFF, 2011). O
papel da CNV é o de “apurar graves violações de Direitos Humanos, praticadas por
agentes públicos, ocorridas entre 18 de setembro de 1946 e 5 de outubro de 1988”
(COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE [CNV], 2011). A comissão, organizada em
colegiado, subcomissões e grupos de trabalho, é composta por sete especialistas
brasileiros de reconhecida atuação ética em defesa dos valores do Estado de Direito,
designados pela Presidência da República. Suas reuniões são públicas, exceto
quando considerada pelo colegiado necessária a preservação do sigilo para poupar a
privacidade de cidadãos. É também função da organização criar um acervo, a partir de
seus documentos e produções, “em homenagem à memória e a verdade histórica”
(CNV, 2012). O compromisso assumido pela CNV é relativo ao resgate do elemento
factual permeado pela análise das circunstâncias e disposições que envolvem esses
casos. O encargo do projeto é somente o de trazer a verdade histórica, as medidas
que devem ser tomadas a partir de suas constatações ficam a cargo das instituições
responsáveis (LIMA, 2012). Apesar de analisar violações do período compreendido
entre 1946 e 1998, o seu mandato é centralizado nos crimes praticados pelo Estado
de exceção de 1964 a 1985. Para alguns críticos, o alargamento temporal do objeto de
investigações da comissão seria uma ferramenta, proveniente da necessidade de
atender interesses de diferentes grupos políticos de subtrair, de alguma maneira, a
sua eficácia e diminuir o peso das ações praticadas durante a ditadura por meio da
comparação à violência de períodos anteriores (SAFATLE, 2010). O Golpe Militar do
dia 1º de Abril de 1964, que deu origem à ditadura, foi um levante organizado por
setores das forças armadas em associação a setores da sociedade civil, apoiado pelo
grande empresariado e por veículos de comunicação. Ele se dirigia à destituição de
um governo democraticamente eleito, porém frágil e sem muita habilidade política, que
indicava a redução de alguns privilégios das elites brasileiras (LIMA, 2012). Após a
exigência da renúncia do presidente João Goulart, tropas militares ocuparam sedes de
7
partidos políticos, de sindicatos e de outros apoiadores das reformas propostas pelo
presidente (SAIBA..., 2009). Uma junta militar assumiu o controle do governo até a
eleição do Marechal Castelo Branco pelo congresso (SAIBA..., 2009). Sob sua
administração passaram a ser promulgados os Atos Institucionais (AI), que
acarretaram extensas perdas de liberdades constitucionais e direitos políticos dos
cidadãos (PORTAL BRASIL, 2010). Em 1968, foi decretado o AI 5, que acirrou o
regime e intensificou sua repressão. No ano de 1969, o General Médici chegou ao
poder e estabeleceu uma gestão caracterizada como o período de maior violência por
parte do Estado e uma severa política de censura foi imposta a todos os meios de
comunicação. O General Geisel, sucessor de Médici, desenvolveu um lento processo
de transição orientado à democracia. Em 1978, o AI-5 foi eliminado e, em 1979, o
então presidente, General Figueiredo sancionou a Lei de Anistia a todos os crimes
políticos cometidos durante o período de ditadura e posteriormente restabeleceu o
sistema de pluripartidarismo (PORTAL BRASIL, 2010). O Congresso Nacional
permaneceu aberto durante a maior parte do regime, mas organizado sob um sistema
bipartidário em que os parlamentares se tornaram vítimas de processos de cassação
irregulares. Além dos graves crimes contra a humanidade disseminados do
comportamento estatal da época, o regime promoveu perseguições em todos os
órgãos públicos, interveio nos sindicatos e criou um controle rígido das universidades,
proibindo também todas as entidades estudantis. Apesar dos crescentes protestos, a
ditadura gozou de uma popularidade devido ao grande crescimento econômico do país
entre 1963 e 1973 (SAIBA [...], 2009). A ditadura brasileira mostra-se como um
processo de institucionalização de um governo ilegal que se travestiu de um espectro
de legalidade para encobrir a sua essência profundamente arbitrária. O regime militar
foi assentado no exercício de implacável arbítrio, que promoveu, internamente, a
corrosão dos princípios de legalidade no país (SAFATLE, 2010). Todavia, na visão de
setores militares que atuaram durante a ditadura, os golpistas são identificados “como
democratas e defensores da liberdade e dos direitos humanos quando, no passado,
desejavam a derrubada do governo e a instalação de uma ditadura do proletariado por
meio da luta armada, usando do terrorismo” (SILVA, 2012 apud LIMA, 2012). Existe
um questionamento que tem gerado polêmica em torno das investigações da CNV.
Baseada na premissa de certo equilíbrio entre partes ideologicamente opostas, surge
a defesa de que o objeto alvo dos inquéritos e estudos do colegiado deveria ser mais
amplo, compreendendo, assim, tanto as agressões ao império da Lei e as violações
aos direitos humanos cometidas em nome do Estado, quanto os delitos praticados
pelos movimentos de resistência ao regime de repressão. Apesar do revestimento de
ponderação e razoabilidade, tal proposição revela-se grosseiramente infundada.
8
Agentes públicos fizeram uso do aparelho estatal para perpetrar assassinatos, práticas
de tortura e atentar contra, não só a dispositivos, mas aos alicerces do Estado de
Direito, desvinculando-se dos “valores morais que devem nortear a vida democrática”
(LIMA, 2012). Os dois conjuntos encontram-se circunscritos em situações jurídicas, e
localizados perante o relato histórico-social, de maneiras largamente assimétricas.
Enquanto as ações e políticas dos grupos de luta armada oposicionistas foram
extensivamente investigadas e, em muitos casos, arbitrariamente punidas, os crimes
executados por meio do Estado permanecem sem averiguação protegidos pela
obscuridade de um regime de exceção (LIMA, 2012). É notável destacar que no caso
brasileiro graves violações eram perpetradas por parte do Estado e que a resistência
armada e a desobediência a um Estado de exceção são consideradas legítimas, já
que um governo ilegal não pode criminalizar a luta em defesa da legalidade
(SAFATLE, 2010). Todavia, também é importante ressaltar que a maioria das vítimas e
militantes não pegaram em armas, porém foram perseguidos em razão da expressão
da dissidência de sua opinião (LIMA, 2012). Diferentemente do que ocorreu em outros
países da América Latina, é constatado no Brasil um esforço, proveniente de setores
sociais distintos, dirigido contra a memória nacional ao tentar apagar o caráter
criminoso da Ditadura Militar. São verificados posicionamentos que buscam reduzi-la à
vigência do AI-5, entendendo o período restante apenas como um “sistema
democrático imperfeito”. Embora o número de mortes no país seja muito inferior ao de
casos de Estados vizinhos, como o argentino, no Brasil é observada a continuidade de
hábitos consolidados durante o governo militar. Não houve a depuração da estrutura
policial constituída durante o regime e é verificado um aumento do número de casos
de tortura ao longo do território brasileiro após sua redemocratização (SAFATLE,
2010). Entre 1979 e 1982, organizada pelo então arcebispo de São Paulo, Dom Paulo
Evaristo Arns, a comissão de inquérito não oficial Brasil – Nunca Mais promoveu uma
pesquisa confidencial acerca das alegações de tortura e outros abusos aos direitos
humanos dentro do regime militar. O projeto foi realizado a partir de transcrições do
tribunal militar obtidas de modo extraoficial após a Anistia de 1979. O objetivo da
iniciativa financiada pelo Conselho Mundial de Igrejas, e publicada em 1986, consistia
em preservar os arquivos militares e informar a sociedade sobre esse passado
abusivo. As mais de 2.700 páginas de documentação permitiram a identificação de
mais de 17 mil vítimas (UNITED STATES INSTITUTE OF PEACE [USIP], [s.d.a]). Já
houve algumas comissões de inquéritos, porém de menor abrangência e sem o
respaldo na Constituição, diferentemente da CNV. Desde 1985, inúmeros volumes
foram publicados abordando as centenas de mortos e desaparecidos, e uma
quantidade de reparações foi paga a família de vítimas e aos que sofreram perda
9
econômica durante a ditadura. Em 1995, dez anos após o final do regime, o governo
federal deu início a um programa a uma comissão de reparações que pagou cerca de
$100.000,00 para cada uma das famílias de 135 desaparecidos (HAYNER, 2011).
Desde 2001, a Comissão de Anistia, vinculada ao Ministério da Justiça, analisa
pedidos de indenização de indivíduos impedidos de exercer, entre 1946 e 1988,
atividades econômicas por razões exclusivamente políticas (MINISTÉRIO DA
JUSTIÇA [MJ], 2013a). O mandato da CNV tem possibilidade, assim como a
responsabilidade, de tornar “o Estado brasileiro mais transparente e garante o acesso
à informação e, ao mesmo tempo, o direito à memória e a verdade, portanto ao pleno
exercício da cidadania” (ROUSSEFF, 2011). Nos trabalhos da comissão, a memória, a
política atual e o futuro da nação brasileira se entrelaçam, as suas atividades são
fundamentais para o desbloqueio um desenvolvimento político e social mais amplo do
Brasil (SAFATLE, 2010).
3. Instrumentos Internacionais .
3.1 Convenção de Genebra e Artigo I Adicional............................................
As Convenções de Genebra atualmente em vigor contemplam quatro tratados
e três protocolos adicionais criados a partir do esforço do Comitê Internacional da Cruz
Vermelha (CICV). A primeira convenção data 1864; sendo que todas as quatro foram
atualizadas em 1949, os protocolos adicionais I e II estão em vigor desde 1977 e o
protocolo III foi adicionado em 2005 (COMITÊ INTERNACIONAL DA CRUZ
VERMELHA [CICV], 2010). Ao todo, 194 Estados assinaram as Convenções de
Genebra, fazendo delas documentos universalmente aceitos (CICV, 2010). A primeira
Convenção de Genebra versa sobre a proteção dos médicos, religiosos, unidades
médicas, transportes médicos e soldados fisicamente incapacitados de continuar o
combate – isto é, aqueles que estão feridos ou doentes – em zona de conflito que
(CICV, 2010). A segunda convenção estende a proteção dada pela primeira para os
conflitos marítimos, além de especificar algumas determinadas obrigações para os
Estados em caso de conflito no mar, como, por exemplo, o resgate e o cuidado dos
náufragos e a proteção e neutralidade de navios de assistência hospitalar (CICV,
2005a[1949]; 2010). O terceiro tratado se estende sobre os direitos dos prisioneiros de
guerra, incluindo, por exemplo, a manutenção da sua saúde e a proibição do uso da
tortura contra eles – tanto mental quanto psicológica (CICV, 2005b[1949]; 2010). A
quarta e última Convenção de Genebra preocupa-se com a proteção de civis em
conflitos armados. Ela delimita, entre outros assuntos, as obrigações de uma potência
1
0
ocupadora e as provisões a serem tomadas para o alívio humanitário da população no
território ocupado (CICV, 2010). Todas as quatro convenções tem em comum o Artigo
3, que pela primeira vez, endereçou a problemática dos conflitos armados não
internacionais. Este artigo condensa os principais pontos das convenções e faz com
que eles sejam válidos para os conflitos internos. Dado que a maior parte dos conflitos
hoje adquirem características não internacionais, a aplicação deste mecanismo é da
mais alta importância e a sua plena observação é requerida (CICV, 2010). Com o
aumento de conflitos nas duas décadas que se seguiram da adoção das quatro
convenções de Genebra, observou-se a necessidade de criar protocolos adicionais
para a proteção em conflitos nacionais e internacionais (CICV, 2010). O protocolo I
tratou das mortes e desaparecimentos em caso de conflito e inclui o direito das
famílias de saber o destino de seus parentes, criando obrigações aos Estados de
prover todas as informações necessárias para as famílias das vítimas, mesmo em
regimes de exceção (CICV, 2005c[1977]). O protocolo II foi o primeiro tratado
internacional que se referia exclusivamente a conflitos armados não internacionais,
suplementando, assim, o Artigo 3 de todas as quatro convenções (CICV, 2010). O
protocolo III de 2005 referiu-se apenas a simbologia usada pelo Movimento
Internacional da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho (CICV, 2010). 3.2. O
Estatuto de Roma e o Tribunal Penal Internacional Durante a década de 1990, cortes
internacionais avançaram a justiça criminal internacional em contextos regionais e
dentro de mandatos jurídicos limitados. Alguns exemplos são o Tribunal Penal
Internacional para a antiga Iugoslávia (TPII) e para Ruanda (TPIR), a Corte Especial
para Serra Leoa, as Câmaras Extraordinárias das Cortes do Camboja (CECC), além
de outras cortes criminais na Bósnia e Herzegovina, Kosovo e Timor-Leste
(SCHEFFER; COX, 2008). Era crescente, então, a necessidade de criar um corpo
judicial permanente com o objetivo de trazer líderes perpetradores de genocídio,
crimes contra a humanidade e sérios crimes de guerra à justiça (SCHEFFER; COX,
2008). Depois de anos de trabalho da Comissão de Direito Internacional (CDI) da
ONU, o Estatuto de Roma foi aprovado no dia 17 de Julho de 1998 e está em vigor
desde o dia 1º de Julho de 2002. Ele reflete a convergência de sistemas de direito
diferentes e constitui uma tentativa de administração global do direito penal
(SCHEFFER; COX, 2008). Foi através do Estatuto de Roma que o Tribunal Penal
Internacional (TPI) foi estabelecido, juntamente com seu funcionamento e jurisdição. O
tribunal se limita aos mais graves crimes que concernem à comunidade internacional
como um todo, julgando crimes de genocídio, crimes contra a humanidade, crimes de
guerra e crimes de agressão (TPI,2011[1998]). Segundo o artigo 6 do estatuto, o crime
de genocídio é definido como qualquer ato, entre homicídios, graves atentados à
1
1
integridade física, controle de nascimentos, privações intencionais de itens de primeira
necessidade ou deslocamentos forçados de crianças que visem destruir, total ou
parcialmente, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso (TPI, 2011[1998]). No
artigo 7, os crimes contra a humanidade são definidos como: qualquer um dos atos
seguintes, quando cometido no quadro de um ataque, generalizado ou sistemático,
contra qualquer população civil, havendo conhecimento desse ataque: a) Homicídio; b)
Extermínio; c) Escravidão; d) Deportação ou transferência forçada de uma população;
e) Prisão ou outra forma de privação da liberdade física grave, em violação das
normas fundamentais de direito internacional; f) Tortura; g) Agressão sexual,
escravatura sexual, prostituição forçada, gravidez forçada, esterilização forçada ou
qualquer outra forma de violência no campo sexual de gravidade comparável; h)
Perseguição de um grupo ou coletividade que possa ser identificado, por motivos
políticos, raciais, nacionais, étnicos, culturais, religiosos ou de gênero, tal como
definido no parágrafo 3o, ou em função de outros critérios universalmente
reconhecidos como inaceitáveis no direito internacional, relacionados com qualquer
ato referido neste parágrafo ou com qualquer crime da competência do Tribunal; i)
Desaparecimento forçado de pessoas; j) Crime de apartheid; k) Outros atos
desumanos de caráter semelhante, que causem intencionalmente grande sofrimento,
ou afetem gravemente a integridade física ou a saúde física ou mental. (TPI,
2011[1998], tradução nossa). As definições de crimes de guerra, explicitadas no artigo
8 do Estatuto de Roma, são largamente baseadas nas Convenções de Genebra de
1949 (TPI, 2011[1998]). O crime de agressão apenas foi definido em 2010, em
conferência de revisão do estatuto em Kampala, Uganda, na qual se decidiu que este
crime inclui invasão, ocupação militar, anexação pelo uso da força, bloqueio de portos
e costas que sejam consideradas uma violação à Carta das ONU (TPI, [s.d.]) Contudo,
o TPI não é uma corte de jurisdição universal que possa processar qualquer um que
tenha cometido qualquer atrocidade em qualquer lugar do mundo. O indivíduo a ser
acusado dos crimes previstos pelo Estatuto de Roma deve ser um nacional de um dos
Estados-membros do documento ou ter cometido estes crimes no território de um
deles (SCHEFFER; COX, 2008).
3.2.GLOSSÁRIO
Comissão de Inquérito: Termo relacionado com comissões da verdade. Entretanto,
possuem um alcance mais limitado, visto que suas investigações podem ser, por
exemplo, limitadas a eventos específicos ou determinadas áreas geográficas de um
país (USIP, [s.d.b]).
1
2
Direito à Verdade: Diz respeito ao direito básico e inalienável que um indivíduo,
sendo ele a própria vítima de violações ou seus familiares, possui de conhecer por
completo os atos de violência que sofreu, incluindo os motivos e os processos, assim
como a localização de restos mortais (COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS DAS
NAÇÕES UNIDAS [CDHNU], 2005; 2006). É um direito humano (CDHNU, 2006) que
se refere à obrigação do Estado em disponibilizar informações acerca das
circunstâncias em que foram cometidas violações graves de direitos humanos (NAQVI,
2006).
Direito à Memória: Diz respeito ao direito que todos os indivíduos têm de possuir
acesso aos bens materiais e imateriais que representem seu passado, sua tradição e
sua história (FERNANDES, 2008). O direito à memória julga necessário o registro, na
história oficial, de atos de violência e violações cometidos contra a sociedade,
juntamente com a especificação de seus responsáveis e suas vítimas (ARAÚJO,
2011).
Direito à Não-Repetição: Relacionado ao direito à verdade e ao direito à memória, o
direito à não-repetição diz respeito à vontade de se impedir a repetição de violações
ocorridas no passado (ARAÚJO, 2011).
4. POSICIONAMENTO DE BLOCOS
4.1. Bloco A – África
África do Sul
A África do Sul viveu durante 45 anos um regime segregacionista denominado
apartheid, o qual negou direitos civis e políticos à população não branca. Tal
segregação incluiu desde a proibição da posse de terras e do casamento inter-racial à
criação de bantustões, territórios que confinavam certos grupos étnicos, segregando-
os espacialmente. Dessa forma, visando a derrubar o governo racista, grupos de
resistência se formaram, sendo mais proeminente o Congresso Nacional Africano
(CNA) (THOMPSON, 2001). Objetivando esclarecer as atrocidades cometidas, foi
estabelecida uma comissão da verdade no governo de Nelson Mandela, eleito após a
queda do apartheid. Marcada por um sofisticado mandato, a comissão caracterizou-se
por intensa participação da sociedade civil e pela possibilidade de conceder anistia
individual (HAYNER, 2001). O relatório final da comissão responsabilizou tanto o
governo anterior quanto os grupos opositores, incluindo o CNA. A responsabilização
1
3
de ambas as partes possibilitou a busca da reconciliação (GIBSON, 2006). A comissão
sul-africana é considerada exemplar, uma vez que foi marcada por relativa
imparcialidade, por um amplo mandato, pela participação popular e por assegurar os
direitos à memória coletiva e à verdade (HAYNER, 2011). Atualmente, a África do Sul
é governada por Jacob Zuma, presidente da república e do CNA.
Chade
Após a Guerra Civil Chadiana (1965-1979), um governo de coalizão foi
formado. Disputas armadas surgiram entre os grupos que apoiavam o Presidente
Oueddei e o Ministro da Defesa HisseneHabré. O último, tendo obtido o poder,
instaurou um regime marcado por intensa repressão, assassinatos e tortura. Habré
continuou no poder até o ataque liderado por um de seus antigos generais em 1990,
IdrissDéby (USIP,[s.d.c]). Déby ocupa a presidência há 20 anos neste país africano,
que é considerado um dos mais pobres do mundo. A fim de esclarecer os abusos
cometidos durante o regime de Habré, foi criada em 1990 uma comissão da verdade
que investigaria as extensas violações de direitos humanos cometidas entre 1982 e
1990, além de também considerar na investigação o desvio de dinheiro público
ocorrido no período (USIP, 1990). A comissão concluiu que mais de 40 mil pessoas
perderam suas vidas durante o governo de Habré. Ademais, a Direção de
Documentação e Segurança (DDS), órgão criado durante a era Habré, foi considerada
culpada, uma vez que representava o braço opressor do regime (USIP, 1990). Após
ter sido deposto, o ex-presidente exilou-se no Senegal. Em 2005, a Bélgica exigiu na
Corte Internacional de Justiça (CIJ) em Haia que Habré fosse extraditado. Cumprindo
determinação da CIJ de optar por julgá-lo ou extraditá-lo, o governo senegalês decidiu,
em agosto de 2012, estabelecer um tribunal especial a fim de levar Habré a
julgamento (SENEGAL [...], 2013). Em 2008, uma corte chadiana havia condenado, in
absentia, i.e., sem sua presença, Habré à morte (USIP, [s.d.c]).
República Democrática do Congo (RD Congo)
Apenas três meses depois de sua independência da Bélgica, acontecia o
episódio que ficou conhecido como a Crise do Congo de 1960. Esta crise envolveu o
motim do exército, intervenção humanitária belga para proteger a vida dos seus civis,
lutas separatistas nas províncias ricas do sul e a divisão do país em várias facções
rivais entre si (HASKIN, 2005). A crise teve seu fim com o golpe de Estado dado pelo
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militar Mobutu, com o suporte da Agência Central de Inteligência (CIA, em inglês) dos
Estados Unidos. O governo de Mobutu, durante a República do Zaire, é por vezes
caracterizado como totalitário por ter se arrogado como instrumento supremo da
sociedade (MAKOLI, 1992 apud HASKIN, 2005). Também foram características do
período a repressão interna e a cleptocracia3 (AYITTEY, 1999; SILVA, 2012). Em
1996, o território do Zaire estava servindo de base para grupos armados que lutavam
contra os regimes de Angola, Uganda, Burundi e Ruanda – incluindo a Interahamwe,
responsável pelo Genocídio de Ruanda de 1994 (DUNN, 2003). As tensões internas e
externas eclodiram com a Primeira Guerra do Congo (1996-1997), que resultou na
rendição de Mobutu e na subida de Laurent Kabila ao poder no país que passou a se
chamar RD Congo. Contudo, para tentar conquistar legitimidade interna, L. Kabila
expulsou o exército ruandês do país e estabeleceu contato com os mesmos grupos
rebeldes que a coalizão anti-Mobutu buscava combater (HASKIN, 2005; RENTON;
SEDDON; ZEILIG, 2007). O ressurgimento destas tensões levou à Segunda Guerra do
Congo (1998-2002), também conhecida como Guerra Mundial Africana. Estimativas
apontam cerca de 5.400.000 mortes neste segundo conflito (INTERNATIONAL
RESCUE COMMITTE [IRC], 2013), uma crise humanitária que alguns jornais se
referiram como “meio-holocausto” (TURNER, 2007). Governo de ladrões, isto é,
fundos e recursos públicos eram utilizados para ganhos privados em detrimento dos
investimentos nacionais (SILVA, 2012). L. Kabila foi assassinado pelo seu próprio
guarda-costas em 2001, por motivos ainda incertos, e a presidência foi passada para
seu filho, Joseph Kabila (DUNN, 2003). O fim da guerra foi negociado com os Acordos
de Lusaka e com o estabelecimento de diálogos para a transição democrática que
resultaram no Acordo de Sun City em 2002 (HASKIN, 2005; HAYNER, 2011). Entre as
propostas deste acordo estava a criação da Comissão da Verdade e Reconciliação,
que tinha no seu mandato a investigação dos crimes acontecidos no país desde 1960.
O processo de busca pela verdade foi atrapalhado pelos conflitos ainda presentes no
país (HAYNER, 2011). A proposta de uma nova comissão da verdade foi feita em
2007, entretanto, preocupações mais imediatas, como a reforma do setor de
segurança, não permitiram que a comissão se tornasse uma prioridade (HAYNER,
2011).
Côte d’Ivoire
Um golpe militar ocorrido em 1999 levou o General Robert Guéï à presidência
da Costa do Marfim. Para evitar que AlassaneOuattara, um adversário político,
candidatasse-se nas eleições de 2000, Guéï levou a cabo uma emenda constitucional
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que proibiria que filhos de estrangeiros concorressem à presidência. Esperando a
vitória, Guéï perdeu as eleições para Laurent Gbagbo, o qual foi considerado vitorioso.
A eleição de Gbagbo gerou conflitos e tumultos, ceifando a vida de mais de 100
pessoas em Abidjan (USIP, [s.d.d]). O então recentemente empossado presidente teve
a tarefa de estabelecer uma comissão de inquérito, denominado Comitê de Mediação
para a Reconciliação Nacional. Entretanto, tal comitê não disponibilizou um relatório,
limitando-se a recomendar que as eleições legislativas de dezembro de 2000 fossem
postergadas. Todavia, Gbagbo ignorou as recomendações e as realizou sob um
estado de emergência (USIP, [s.d.d]). Em 2010, conflitos pós-eleição novamente
ocorreram. AlassaneOuattara saiu vitorioso e forças pró-Gbagbo recusaram-se a
aceitar os resultados, o que gerou uma guerra civil. A comunidade internacional exigia
a imediata posse de Ouattara. Os conflitos causaram milhares de mortes, fazendo com
que, em 2011 com a posse de Ouattara, fosse estabelecida a Comissão da Verdade,
Reconciliação e Diálogo. Tal comissão foi criticada devido à sua estreita relação com o
presidente e seu mandato mal definido (HUMAN RIGHTS WATCH [HRW], 2012a).
Egito
Em janeiro de 2011, protestos disseminaram-se nas principais cidades egípcias
exigindo a saída do presidente Hosni Mubarak do poder, o qual governava o país há
três décadas. Mesmo sofrendo intensa repressão policial, a insatisfação generalizada
garantiu a continuidade dos protestos. Após algumas semanas, Mubarak foi forçado a
renunciar ao cargo e as forças armadas estabeleceram um governo transicional
(HRW, 2012b). Mubarak foi condenado à prisão perpétua em 2013 pelas mortes
ocorridas em protestos contra seu governo e por corrupção (MUBARAK [...], 2012).
Todavia, em janeiro de 2013, uma corte egípcia determinou um novo julgamento para
Mubarak e seu Ex-Ministro do Interior, também condenado à prisão perpétua
(MUBARAK [...],, 2012). Em 2013, Mohammed Morsi foi eleito presidente do Egito.
Sua eleição esteve marcada por relativa polêmica, uma vez que seu partido, a
Irmandade Muçulmana, é criticado por ativistas seculares e pelo receio de um golpe
militar por parte da junta que governava o país (KIRKPATRICK, 2012).
Libéria
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Em 1989 Charles Taylor entrou em conflito com o regime do presidente
liberiano Samuel Doe. A disputa pelo poder tornou-se uma guerra civil, a qual tornou
proporções gigantescas. Mais de 200 mil pessoas perderam suas vidas e mais de um
milhão foram desabrigadas (USIP, [s.d.e]). Entre 1990 e 1996, apesar de tentativas de
se estabelecer acordos de paz, o país permaneceu instável. Em 1997, Taylor foi eleito
presidente em um país marcado pelo medo. Em 1999, os conflitos reiniciaram após
grupos rebeldes armados tentarem desestabilizar o governo de Taylor. Em 2003, um
governo de transição foi estabelecido após um acordo de paz entre o governo, os
partidos políticos principais e os grupos rebeldes em Acra, Gana (USIP, [s.d.e]). Já
delineada no Acordo de Paz de Acra, uma comissão da verdade foi estabelecida em
2005 pela Assembleia Legislativa Transicional Liberiana. Ela deveria investigar
violações de direitos humanos cometidas entre jan. 1979 e out. 2003, podendo incluir
acontecimentos ocorridos antes de 1979 caso lhe fosse necessário (USIP, [s.d.e]). De
acordo com o relatório final da comissão, pobreza, corrupção, educação precária,
desigualdades sociais, concentração fundiária, escassez de mecanismos para
resolução de conflitos estavam entre as causas do conflito. Todas as partes envolvidas
seriam culpadas pelos abusos cometidos, incluindo crimes de guerra e contra a
humanidade. Por fim, governos estrangeiros europeus, africanos e americanos teriam
contribuído para o agravamento do conflito (USIP, [s.d.e]). Em 2011, Ellen Johnson
Sirleaf foi eleita presidente da Libéria. Ela é a primeira presidente mulher da África,
ganhado o Prêmio Nobel da Paz pela sua luta não violenta pela a segurança e direito
das mulheres a participação no trabalho de construção da paz (PAYE-LAYLEH;
CALLIMACHI, 2011).
Namíbia
Antigo território alemão, a Namíbia foi ocupada pela África do Sul após a
Primeira Guerra Mundial, tendo recebido um mandato pela Liga das Nações. Após a
criação da Organização das Nações Unidas (ONU), foi demandado que os sul-
africanos se retirassem do território namibiano, o que não foi atendido. Embora não
houvesse incorporado a Namíbia ao seu território, o governo sul-africano tratava o
“Sudoeste Africano” como uma província, implantando inclusive seu regime
segregacionista, o apartheid(CONWAY, 2003). O conflito pela independência envolveu
forças sul-africanas e grupos rebeldes, notadamente a Organização do Povo do
Sudoeste Africano (SWAPO, em inglês). Embora forças sul-africanas tenham sido
responsáveis pela maioria das violações de direitos humanos, a SWAPO também é
considerada responsável pelo desaparecimento de centenas de pessoas em campos
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na Angola e na Zâmbia (CONWAY, 2003). Samuel Nujoma, presidente da Namíbia e
da SWAPO de 1990 a 2005, opôs-se fortemente à criação de uma comissão. Para ele,
uma comissão reviveria feridas desnecessariamente, visto que a reconciliação “já
havia sido obtida” e a Namíbia não deveria ser cópia de nenhuma outra nação
(MALETSKY, 2005) A questão dos detentos nos campos da SWAPO foi o fator que
melhor explica a decisão do governo namibiano de não criar uma comissão da
verdade (CONWAY, 2003). Para o partido, a exposição dos abusos cometidos em
seus campos não seria bem aceita. Para mitigar o “descaso” governamental, a
SWAPO lançou um livro com o s nomes dos desaparecidos, chamando-os de “heróis”.
Todavia, a oposição o apelidou de “Livro dos Mortos” (CONWAY, 2003).
HifikepunyePohamba, também da SWAPO, foi reeleito presidente da Namíbia em
2009 em eleições foram consideradas por observadores como limpas e justas.
Ruanda
Em 1990, a Frente Patriótica Ruandesa (FPR), milícia de etnia tutsi organizada
em Uganda, invadiu Ruanda visando à deposição do presidente de etnia hutu,
JuvénalHabyarimana. O conflito entre o governo e a FPR se estendeu por anos, no
qual cada parte atacou civis da etnia adversária (USIP, [s.d.f]) Embora tenha havido
um cessar-fogo em 1992 e um acordo de paz tenha sido assinado em Arusha,
Tanzânia, em 1993, tensões entre as etnias persistiram. Em 1994, após o assassinato
dos presidentes de Ruanda e Burundi, ambos hutus, teve início o Genocídio de
Ruanda, matando em 100 dias algo entre meio milhão e um milhão de pessoas
(USIP,[s.d.g]). Prevista nos acordos de Arusha, uma comissão da verdade foi
estabelecida em 1999, tornando-se operacional em 2002. Em seus relatórios,
constatou-se que questões socioeconômicas foram mais responsáveis pelas divisões
existentes do que a questão étnica. Além disso, propôs-se a criação de leis
antidiscriminatórias, sendo tal demanda posteriormente atendida pelo poder legislativo
(USIP,[s.d.g]). Paul Kagame é o atual presidente ruandês, tendo sido reeleito em
2010. Observadores internacionais de direitos humanos consideram que o governo
restringe as liberdades políticas, sendo considerado autoritário (DOYA, 2010).
Serra Leoa
Após o fim da Guerra Civil de Serra Leoa (1991-2002), o país africano recorreu
ao mecanismo da comissão da verdade para investigar violações do passado e tentar
construir um futuro mais justo (HAYNER, 2011). A Comissão da Verdade e
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Reconciliação ficou ativa de 2002 a 2004 e seu objetivo era buscar a construção de
um registro histórico imparcial das violações e abusos de direitos humanos e direitos
humanitários internacionais relacionados com o conflito armado em Serra Leoa, desde
1991 até a assinatura da Paz de Lomé; impedir a impunidade, responder às
necessidades das vítimas, promover recuperação e reconciliação e prevenir a
repetição das violações e abusos sofridos (TRUTH AND RECONCILIATON ACT, 2000
apud HAYNER, 2011, tradução nossa). Inicialmente desenhada para ser uma
comissão independente, ela foi colocada sob a autoridade do escritório do Alto
Comissariado das Nações Unidas para Direitos Humanos. Seu orçamento foi limitado,
assim como o tempo destinado às audiências públicas e o tamanho do quadro de
funcionários. Entretanto, militares de ambos os lados do conflito admitiram a prática de
atos ilegais, e cerimônias de reconciliação foram feitas por todo o país. Além disso, o
relatório final produzido foi satisfatório, preenchendo quatro volumes e ainda com uma
versão para crianças (HAYNER, 2011). Ainda assim, o maior problema relativo à
comissão é a falta de capacidade e vontade política do governo de Ernest BaiKoroma
em cumprir as recomendações dadas pela comissão e necessárias para que o
mandato fosse cumprido. Além disso, a criação de uma Corte Especial para Serra
Leoa no âmbito das Nações Unidas criou certa confusão sobre os poderes da
comissão. Percebe-se, portanto, que a transição em Serra Leoa enfrenta dificuldades,
mesmo com os avanços existentes (HAYNER, 2011).
Uganda
Em 1971, o oficial do exército Idi Amin Dada realizou um golpe e retirou do
poder o então presidente Milton Obote, que era visto como autoritário. Entretanto, Idi
Amin rapidamente dissolveu o parlamento e alterou a constituição. As forças armadas
foram utilizadas como aparato repressivo, ocasionando centenas de assassinatos e
desaparecimentos (USIP, [s.d.h]). Pressionado pela opinião pública, Idi Amin criou
uma comissão de inquérito visando a esclarecer os desaparecimentos ocorridos nos
primeiros anos de seu governo. Todavia, o estabelecimento de uma comissão não
afetou a brutalidade de seu governo e tampouco um relatório foi publicado (USIP,
[s.d.h]). Em 1979, o governo de Idi Amin teve fim após uma invasão de forças
tanzanianas, juntamente com ugandenses em exílio (USIP, [s.d.h]). Em 1980, Obote
retorna ao poder, onde permanece até 1985, deposto por um golpe militar. Tito
Okellopermanece no poder até 1986, quando um novo golpe promovido pelo Exército
de Resistência Nacional (ERN), um grupo paramilitar rebelde, levou o atual presidente
YoweriMuseveni ao poder (UGANDA [...], 2012). O governo de Museveni, a fim de
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melhorar sua imagem perante a comunidade internacional, criou uma comissão de
inquérito que investigaria os abusos cometidos desde a independência, em 1962, até o
momento em que Museveni chegou ao poder. A comissão deveria investigar violações
de direitos humanos, devendo focar especificamente em prisões e detenções
arbitrárias e assassinatos. A comissão chegou a concluiu que havia um extenso
problema de detenções arbitrárias, sugerindo a criação de leis que garantissem o
direito ao julgamento e a inserção de noções de direitos humanos no currículo escolar
(USIP, [s.d.h]).
Zâmbia
A Zâmbia possui uma história relativamente pacífica, se comparada a seus
vizinhos africanos. Entre 1964 e 1991, destacou-se na política externa
zambiana o apoio aos movimentos contrários ao apartheid na África do Sul – que à
época incluía a Namíbia – e na Rodésia do Sul – atual Zimbábue. Sobre pressão
popular, mudanças constitucionais foram feitas em 1991 para permitir um regime
multipartidário (ZAMBIA [...], 2012). Em 1999, Zâmbia pressionaria as partes
envolvidas na Segunda Guerra do Congo (1998-2002) a assinar um acordo de paz
conhecido como Acordo de Lusaka. Este acordo serviria de base para o Acordo de
Sun City de 2002, que previa uma comissão da verdade na RD Congo (DUNN, 2002).
Em 2011, pela primeira vez, um partido de oposição – a Frente Patriótica (PF em
inglês) – vence as eleições presidenciais e Michael Sata – apelidado de King Cobra –
assume a liderança do país (MICHAEL [...], 2011). O novo governo organizou
comissões de inquérito para averiguar transações governamentais que possam ter
afetado adversamente os cidadãos do país (ZÂMBIA, [s.d.]). Apesar de alguns líderes
que fazem oposição a Sata pedirem por uma comissão da verdade para investigar
casos de corrupção, membros do governo têm sido enfáticos em dizer que a Zâmbia
não precisa deste tipo de comissão já que o país é unido e pacífico (CHIPIMO [...],
2012; JUSTICE [...], 2012).
4.2. Bloco B – América Latina e Caribe
Argentina
Após o golpe militar em março de 1976, uma série de juntas militares
exerceram Após o golpe militar em março de 1976, uma série de juntas militares
exerceram poder sobre a Argentina. Ao mesmo tempo, um movimento guerrilheiro de
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oposição esquerdista crescia, gerando uma luta armada de setes anos contra o
governo. Tal conflito resultou no desaparecimento, tortura e morte de milhares de
pessoas suspeitas de apoiar posicionamentos contra o gloverno (USIP, [s.d.i]). Em
1983, Raúl Alfonsín foi eleito presidente e, em 16 de dezembro do mesmo ano, criou a
Comissão Nacional Sobre o Desaparecimento de Pessoas (CONADP, em espanhol).
A comissão funcionou até 20 de setembro de 1984, possuindo a duração de nove
meses durante os quais investigou o desaparecimento de pessoas no período entre
1976 e 1983, incluindo fatos envolvidos nesses casos e a localização dos corpos de
pessoas desaparecidas (USIP, [s.d.i]). Entretanto, durante o governo de Alfonsín
(1983-1989), foram promulgadas leis que anistiaram os agentes da ditadura (CARMO,
2011). O relatório completo da CONADP foi emitido em 20 de setembro de 1984. A
comissão reportou um total de 8960 desaparecimentos, chegando à conclusão de que
todas as pessoas desaparecidas foram mortas (USIP, [s.d.i]). Em 1992, foi criada a
Comissão Nacional para o Direito à Identidade (CONADI), com o intuito de centralizar
a busca de crianças desaparecidas durante a Guerra Suja. Em 1994, a Argentina
reformou sua constituição, obrigando o Estado a adotar medidas para assegurar o
pleno exercício dos direitos humanos (USIP, [s.d.i]). Também é importante ressaltar o
movimento Mães da Praça de Maio. Este movimento começou quando um grupo de
mães de desaparecidos políticos protestaram na praça de mesmo nome, no centro de
Buenos Aires no dia 30 de Abril de 1977. Elas protestavam com a cabeça coberta com
um lenço branco bordado com o nome de seus filhos. Logo, o movimento se tornou o
mais importante grupo argentino contra as violações de direitos humanos no país. O
movimento Avós da Praça de Maio surgiu em condições parecidas e endereçava o
problema dos sequestros de filhos de desaparecidos políticos. (NELLI, 2009;
QUIENES, 2008). Cristina Fernández Kirchner é a atual presidente da nação argentina
desde 2007.
Brasil
Em 1964, militares apoiados por setores da sociedade civil deram um golpe de
Estado que derrubou o presidente João Goulart e instalou um regime militar que foi até
1985. Afirmando estarem protegendo o país de uma ameaça comunista, os militares
basearam seus governos em decisões arbitrárias e medidas de exceção, baseadas
legalmente nos Atos Institucionais. Tais atos eram emendas à constituição que
chegaram ao ápice do autoritarismo com o Ato Institucional nº 5 que: “que autorizava o
presidente da República, em caráter excepcional e, portanto, sem apreciação judicial,
a: decretar o recesso do Congresso Nacional; intervir nos estados e municípios;
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cassar mandatos parlamentares; suspender, por dez anos, os direitos políticos de
qualquer cidadão; decretar o confisco de bens considerados ilícitos; e suspender a
garantia do habeas-corpus” (FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS [FGV], [s.d.]).
Desaparecimentos forçados eram frequentes, assim como emissão de sentenças sem
julgamentos. As universidades funcionavam sob vigia constante e vários professores
foram demitidos, além de vários alunos perderem o direito de concluir seus cursos. No
âmbito político, percebia-se que o funcionamento do Congresso Nacional era
meramente figurativo, com cassações constantes e manipulação nas votações. Com o
fim do regime e a redemocratização, várias tentativas de implantar comissões da
verdade foram feitas, mas não houve sucesso. A pressão dos setores militares sempre
foi muito grande, assim como sua influência na estrutura de poder do Brasil. O
principal avanço foi o estabelecimento da Comissão de Mortos e Desaparecidos
Políticos em 1995 (BRASIL, 1995), implantada pelo Ministério da Justiça e
responsável por investigar os desaparecimentos do período compreendido entre 02 de
setembro de 1961 a 05 de outubro de 1988 (BRASIL, 1995). Outro avanço foi a
criação da Comissão de Anistia, instalada em 2001, que tem como objetivo indenizar
aqueles que foram impedidos de exercer atividades econômicas por motivos políticos
de 18 de setembro de 1946 até cinco de outubro de 1988 (BRASIL, 2002; MJ, 2013b).
Ainda que com críticas, a Comissão Nacional da Verdade foi finalmente instalada em
2012, durante o governo de Dilma Rousseff.
Há um estudo de caso sobre o Brasil na segunda sessão deste guia.
Chile
Em 1973, o presidente chileno Salvador Allende foi retirado do poder e
substituído pelo General Augusto Pinochet, que posteriormente foi acusado de
numerosos atos de repressão contra os grupos de oposição. Com a crescente pressão
social, em 1989, Pinochet permitiu a realização de eleições gerais e perdeu para
Patrício Aylwin. No ano seguinte, Aylwin estabeleceu a Comissão Nacional para a
Verdade e Reconciliação, também conhecida como Comissão Rettig, com o intuito de
investigar violações de direitos humanos ocorridas durante o regime de Pinochet
(USIP, [s.d.j]). A comissão deveria documentar violações de direitos humanos que
resultaram em morte ou desaparecimento durante o período de 11 de setembro de
1973 a 11 de março de 1990. Entretanto, abusos como tortura que não resultaram em
morte se encontravam fora do âmbito do mandato da comissão (USIP, [s.d.j]). Em
fevereiro de 1991 foi divulgado o relatório final da comissão, que documentou 3428
casos de desaparecimento, assassinato, tortura e sequestro (USIP, [s.d.j]). Em 1992,
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foi estabelecida a Corporação Nacional de Reparação e Reconciliação (CNRR), que
continuou as investigações não concluídas pela comissão (USIP, [s.d.j]). Foi fornecido
apoio financeiro para as famílias das vítimas mencionadas no relatório final,
contabilizando um total aproximado de 16 milhões de dólares por ano. Entretanto, tal
programa foi limitado visto que a Comissão de 1990 não poderia abordar vítimas de
violações de direitos humanos fora de seu mandato (USIP, [s.d.j]). Dessa forma, em
2003, o então presidente Ricardo Lagos estabeleceu uma segunda comissão. A
Comissão Nacional sobre Prisão Política e Tortura, também conhecida como
Comissão Valech, teria como função documentar abusos adicionais cometidos durante
a ditadura militar (USIP, [s.d.j]). Possuindo mandato de setembro de 2003 a junho de
2005, a nova comissão documentou abusos de direitos civis ou de tortura por motivos
políticos, ocorrido entre 11 de setembro de 1973 e 10 de março de 1990 (USIP,
[s.d.k]). Seu relatório foi apresentado em 10 de novembro de 2004, tendo sido
apresentado também um relatório complementar com 1000 novos casos, os quais a
comissão não pôde lidar dentro do prazo original de seu mandato (USIP, [s.d.k]).
Concluiu-se que tortura e detenção foram usadas como uma ferramenta para o
controle político por parte do Estado, sendo perpetuadas por decretos e leis que
protegiam o comportamento repressivo (USIP, [s.d.k]). Em 2005, o governo chileno
forneceu a 28459 vítimas registradas, ou a seus parentes, educação gratuita, moradia
e saúde. Em 2009, foi criado o Instituto de Direitos Humanos (USIP, [s.d.k]).
Colômbia
Desde 2002, o governo colombiano tem obtido sucesso na luta contra rebeldes,
conseguindo retomar o controle de grande parte do território antes controlado
por esses grupos (COLOMBIA [...], 2012). Durante seu mandato, o ex-presidente
Álvaro Uribe implementou políticas contra o maior grupo rebelde colombiano, as
Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC). Seu sucessor, Juan Manuel
Santos, atual presidente e forte aliado político de Uribe, reforça este mesmo
posicionamento contra as FARC, fazendo com que em 2012 somente 6% do território
colombiano estivesse sob a ameaça de grupos rebeldes (COLOMBIA [...], 2012).
Entretanto, críticos ressaltam que causas profundas dos conflitos com essas forças
ainda não foram resolvidas, visto que novos grupos ilegais armados continuam a surgir
(COLOMBIA [...], 2012) A Colômbia também enfrenta problemas relacionados a
grupos paramilitares de extrema direita, que se encontram relacionados a cartéis de
drogas, geralmente apoiados por elementos do exército e da polícia. Tais grupos têm
como alvos ativistas de direitos humanos, camponeses suspeitos de ajudar
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guerrilheiros de esquerda, crianças de rua e demais grupos marginais (COLOMBIA
[...], 2012). Em 2009, a Colômbia concluiu a Comissão da Verdade no Palácio da
Justiça, que reportou que mais de cem pessoas foram mortas ou desapareceram
durante uma operação militar voltada para a retomada do Palácio da Justiça,
apreendido por guerrilhas, em novembro de 1985 (HAYNER, 2011). Entretanto, uma
história mais abrangente de violência foi excluída. Em 22 de fevereiro de 2012, o ex-
presidente Ernesto Samper anunciou que apresentaria ao congresso e ao governo
colombianos um projeto de lei para que fosse criada uma nova comissão da verdade,
visto que o novo ambiente vivido na Colômbia desde que Juan Manuel Santos foi
eleito presidente é propício. O novo governo reconheceu legalmente a existência de
conflitos armados no território colombiano, iniciando um processo de apoio às vítimas
juntamente com a restituição de suas terras (ERNESTO [...], 2012). Entretanto, apesar
das negociações entre o governo e as FARC, no dia 31 de janeiro de 2012 houve a
divulgação de que o Exército da Colômbia matou, durante um ataque aéreo, ao menos
13 rebeldes do grupo em um acampamento no noroeste do país (EXÉRCITO [...],
2013).
El Salvador
A década de 1970 apresentou, em El Salvador, um crescente apoio público a
movimentos de esquerda, ao mesmo tempo em que a repressão do governo
aumentava (USIP,[s.d.l]). No ano de 1980, uma série de juntas militares falhas exerceu
poder sobre o país. Em 1981, guerrilheiros de esquerda e grupos políticos articularam
forças, formando a Frente FarabundoMartí de Libertação Nacional (FMLN). Ao longo
da década de 1980, uma guerra civil foi travada entre a FMLN e as forças militares
apoiadas pelos Estados Unidos (USIP, [s.d.l]). Com o aumento da atenção
internacional voltada para a situação instável e a partir de um pedido de ambas as
partes, a ONU iniciou um processo de intervenção visando ajudar a mediar uma
resolução que finalizasse o conflito (USIP, [s.d.l]). Com o acordo de paz e fim das
hostilidades, em 1992, foi instituída a Comissão da Verdade para El Salvador (CVES),
que teria mandato até 1993. Ela estava encarregada de investigar atos graves de
violência que ocorreram desde 1980 e recomendar métodos para promover a
reconciliação nacional (USIP, [s.d.l]). Em 15 de março de 1993, a comissão
apresentou seu relatório final. Foram documentados mais de 22 mil testemunhos,
dentre os quais 60% envolviam assassinatos extrajudiciais, 25% desaparecimentos e
20% tortura (USIP, [s.d.l]). Entretanto, o governo civil e as forças armadas rejeitaram o
relatório. Cinco dias após a divulgação do relatório, foi aprovada uma lei de anistia
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geral que abrangesse todos os crimes relacionados à guerra civil (USIP, [s.d.l]). Em
1996, sobre pressão da ONU, foi aprovado um novo Código de Processo Penal (USIP,
[s.d.l]). Nas eleições de 2009, Mauricio Funes do FMLN, agora um partido político, foi
escolhido como representante do povo salvadorenho.
Guatemala
A partir de meados da década de 1950 e através da década de 1970, a
Guatemala enfrentava crescente repressão estatal contra a sociedade em resposta a
inquietação gerada por grupos de milícias. Em 1982, foi realizada uma campanha
militar contra a Unidade Revolucionária Nacional da Guatemala (URNG), união dos
quatro principais grupos guerrilheiros de esquerda, resultando em um alto número de
mortes. Ambas as partes retomaram o diálogo em 1993 através de esforços da ONU
(USIP, [s.d.m]). Em 1983, foi estabelecida a Comissão para Clarificação Histórica, em
parte como um acordo de paz entre o governo da Guatemala e a URNG. A comissão
exerceu eu mandato até 1999, possuindo como função a clarificação de violações de
direitos humanos relacionadas ao conflito interno que durou trinta e seis anos, de 1960
até o acordo de 1996. Deveria também promover a tolerância e preservar a memória
das vítimas. Seu relatório final Guatemala: Memória do Silêncio foi apresentado em 25
de fevereiro de 1999 (USIP, [s.d.m]). Através da comissão, descobriu-se que as
práticas repressivas eram perpetuadas por instituições dentro do próprio Estado, em
particular no judiciário. O número total de pessoas mortas foi maior que 200 mil, sendo
que 83% das vítimas eram maias e 17% landins (USIP, [s.d.m]). O então presidente
Álvaro Arzú desculpou-se pelo papel do governo nos abusos denunciados no relatório,
entretanto não anunciou nenhuma medida de acompanhamento (USIP, [s.d.m]). Em
acordo entre a ONU e a Guatemala, a Comissão Internacional Contra a Impunidade na
Guatemala (CICIG) entrou em vigor em setembro de 2007, conduzindo investigações
independentes. Ela teve como função apresentar queixas criminais para a
Procuradoria Pública da Guatemala e tomar parte em procedimentos criminais como
uma procuradoria complementar, promovendo reformas legais e institucionais e
publicando relatórios periódicos (USIP, [s.d.m]).
Haiti
Em setembro de 1991, o presidente do Haiti, Jean Bertrand Aristide, foi
deposto em um golpe militar. Assumindo o poder, o General Raoul Cédras governou
um regime opressivo marcado por inúmeras violações de direitos humanos (USIP,
2
5
[s.d.n]). Em julho de 1994, Aristide retornou ao poder com o apoio da ONU e de vinte
mil soldados norte-americanos. No mesmo ano foi instaurada a Comissão Nacional
para a Verdade e Justiça, que durou até fevereiro de 1996 (USIP, [s.d.n]). A comissão
possuía como mandato a investigação de abusos aos direitos humanos ocorridos ao
longo do período de três anos, iniciado no dia 30 de dezembro de 1991 com o golpe
que derrubara o presidente eleito até a sua restauração em 1994 (USIP, [s.d.l]).
Somente 75 cópias foram feitas do relatório final da comissão apresentado em 05 de
fevereiro de 1996 (USIP, [s.d.n]). Durante sua atuação, a comissão recebeu mais de
5.500 testemunhos e identificou 8.667 vítimas. Foram feitas investigações especiais
acerca de casos de violência sexual contra mulheres, sobre o massacre em abril de
1994 em Raboteau e abusos contra jornalistas e meio de comunicação. Entretanto,
poucos processos essenciais foram realizados e a maioria das vítimas ainda aguarda
justiça (USIP, [s.d.n]). Atualmente, o presidente do Haiti é Michel Martelly – também
conhecido pelo seu nome artístico: Sweet Mickey – e o primeiro-ministro é Laurent
Lamothe. México Marcado por grandes casos de corrupção, abusos de poder e
violações de direitos humanos, o sistema político mexicano foi governado pelo Partido
Revolucionário Institucional (PRI) de 1929 a 2000. Entretanto, em 2001, o então
presidente Vicente Fox, membro do Partido Ação Nacional (PAN), determinou a
criação da Procuradoria Especial para Movimentos Sociais e Políticos do Passado
(FEMOSPP) (MIGUEL AGUSTÍN JUÁREZ, 2004). O mandato da procuradoria estava
repleto de limitações, principalmente porque se limitava a crimes federais praticados
por funcionários públicos, excluindo outros atores que participaram da repressão
(QUEZADA; RANGEL, 2006). Em 2011, o atual presidente Felipe Calderón ressaltou
que o Estado mexicano não é assassino, descartando dessa forma a criação de uma
nova comissão para a verdade a nível federal (MELGAR; OLSON; TORIBIO, 2013).
Porém, em 2012, uma comissão foi instaurada no Estado de Guerrero, estando
encarregada de esclarecer os atos cometidos pelo governo durante o período da
Guerra Suja, da mesma forma em que exporia os aparatos que permitiram os abusos.
A comissão perdurará por dois anos, possuindo como uma de suas metas a confecção
de um relatório final sobre a situação durante e após o ocorrido, juntamente com a
compensação das vítimas pelos danos (CABRERA, 2013).
Nicarágua
Atualmente governada pelo ex-líder guerrilheiro sandinista Daniel Ortega, a
Nicarágua está lutando para superar os efeitos de uma ditadura e guerra civil. Em
1984, os sandinistas ganharam a eleição, porém, por sua orientação esquerdista e
2
6
aproximação à União das Repúblicas Socialistas Soviéticas e Cuba, despertaram a
hostilidade norteamericana (NICARAGUA [...], 2012). Foi nesse cenário que um grupo
contrarrevolucionário, os Contras, patrocinados pelos Estados Unidos, iniciaram ondas
de ataques na Nicarágua a partir de uma base em Honduras. O país centro-americano
passou então a enfrentar, também, sanções e ataques armados a seus portos
(NICARAGUA [...], 2012). Debates acerca da criação de uma comissão para a verdade
na Nicarágua foram feitos. Entretanto, foi ressaltado que a comissão desestabilizaria o
país, que ainda continuava dividido e democraticamente instável. Por outro lado,
defensores de tal comissão argumentam que após o conhecimento da verdade e dos
mecanismos que possibilitaram o Estado promover violações contra a sociedade será
possível renovar a força policial do país, cessando completamente abusos contra
direitos humanos (DARLING, 2013).
4.3. Bloco C - Ásia
Afeganistão
Desde o golpe de Estado socialista de 1978, o Afeganistão esteve envolvido
em três ondas de guerras: a Invasão Soviética no Afeganistão (1979-1989), que
ajudou a manter o regime socialista; a Guerra Civil Afegã (1992-2001), durante a qual
o Talibã tomou o poder a partir de 1996; e a Guerra do Afeganistão (2001-atualidade),
caracterizada pela invasão americana após os atentados do dia 11 de Setembro de
2001 (MALEY, 2002). Além do apoio a grupos terroristas como a Al-Qaeda, o governo
do Talibã (1996-2001) foi caracterizado por uma rigorosa aplicação de leis islâmicas.
Esta aplicação incluiu a obrigatoriedade do uso de burcas pelas mulheres, o
banimento da televisão, a prisão de homens cujas barbas não fossem suficientemente
longas, a proibição da atividade de empinar pipas e entre outros (BAJORIA, 2013;
PODELCO, 2002). Em 2002, o então líder interino e atual presidente, Hamid Karzai,
apoiou a criação de uma comissão da verdade no país para investigar atrocidades aos
direitos humanos no passado com o objetivo de curar as feridas dos afegãos ou, ao
menos, reconhecer a existência delas (CLARK, 2013). Contudo, nenhum outro
posicionamento foi dado sobre a questão desde então. Este fato provavelmente
acontece devido ao delicado dilema de segurança e reconciliação no qual se encontra
o governo do Afeganistão (RASHID, 2012). Depois de onze anos de guerra, o Talibã
fez declarações públicas – através de seu escritório no Qatar – sobre suas intenções
de manter conversações com os Estados Unidos, o que deve auxiliar a retirada das
tropas da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), prevista para 2014.
2
7
Contudo, o movimento fundamentalista ainda se recusa a manter negociações oficiais
com o governo de Karzai, o que torna ainda mais incerto o futuro da estabilidade
política do país após a retirada das forças estrangeiras. As declarações políticas feitas
pelo presidente sobre reconciliação com o Talibã são, por vezes, contraditórias,
refletindo a dividida opinião pública do país sobre o assunto e a incerteza sobre a
presença militar ocidental para os próximos anos (RASHID, 2012).
Camboja
Com o fim da Guerra do Vietnam e da presença americana na região, o
governo anticomunista do Camboja foi deposto por um grupo chamado Khmer
Vermelho, liderado por PolPot (LAMBOURNE, 2008). Estima-se que, durante os
quatro anos em que o Khmer Vermelho esteve no poder e tentou aplicar sua ideia de
uma utopia agrícola, 1,7 milhões de pessoas foram executadas ou morreram de fome,
doença ou excesso de trabalho (LAMBOURNE, 2008). À época isto era 20% da
população do país (ROASA, 2013). O Camboja Democrático teve seu fim com a
intervenção vietnamita em 1979, que iniciou uma nova fase no país – a então
República Popular do Camboja (RPC). Durante a RPC, houve pouco interesse em
recontar histórias sobre o genocídio promovido pelo Khmer Vermelho. Os motivos
incluem o medo de falar sobre assuntos tão delicados em um período ainda instável,
uma preferência do governo em se acomodar com os genocidas ao invés de
confrontá-los, um judiciário fraco demais para fazer julgamentos desta proporção e a
tendência do budismo cambojano de não enfrentar conflitos (HAYNER, 2011). Neste
período, as construções religiosas – como igrejas, mesquitas, wats e pagodes – se
tornaram importantes espaços públicos para a reconciliação pessoal e comunitária.
Stupas e memoriais foram construídos nos vários lugares relacionados ao terror da
época do Khmer Vermelho (CIORCIARI; RAMJINOGALES, 2012), contribuindo, assim,
para o direito à memorização. Em 1989, o Vietnam deu fim à intervenção e o Camboja
renunciou ao regime socialista, iniciando reformas e eleições sob a supervisão da
Autoridade Transicional das Nações Unidas no Camboja (ATNUC). O objetivo central
da breve administração da ONU no país foi manter a paz e organizar eleições.
Verdade, reconciliação e justiça foram postas de lado por medo de represálias de
insurgentes ainda ativos do Khmer Vermelho. Em 1993, o Reino do Camboja foi
reestabelecido e tem Hun Sen como primeiro-ministro desde então (LAMBOURNE,
2008). Com a morte de PolPot em 1998, os principais líderes do Khmer Vermelho
renderam-se, alguns em troca de anistia (HAYNER, 2011; CIORCIARI;
RAMJINOGALES, 2012). À época, a criação de uma comissão da verdade para o país
2
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foi sugerida, mas houve pouco espaço político para o seu debate e logo o governo do
Camboja e a ONU optaram por um tribunal. A falta de acordo sobre a que nível os
acusados deveriam ser julgados – nacional ou internacional – atrasou o início das
atividades judiciárias, que só começaram em 2006. Por fim, optou-se por um tribunal
híbrido, dentro do sistema judicial cambojano – as Câmaras Extraordinárias das
Cortes do Camboja (CECC), também conhecidas como o Tribunal para o Khmer
Vermelho (LAMBOURNE, 2008; CIOCIARI; RAMJI-NOGALES, 2012). Na religião
budista, wats são templos mosteiros e pagodes são templos em formato de torre.
Stupas são monumentos budistas usados para adoração e lembrança. Ainda que as
CECC possam contribuir para a reconciliação e a promoção do direito a verdade, o
processo de transição orquestrado como um tribunal tem como objetivo a justiça e a
definição de culpa e inocência (CIOCIARI; RAMJI-NOGALES, 2012). Este formato,
então, cria algumas limitações já que, em relação a uma comissão da verdade,
permite menos espaço para a participação das vítimas. A falta deste espaço para a
promoção da verdade tem levado o governo a focar na educação pública como um
meio de tornar públicos os abusos aos direitos humanos perpetrados durante o
período do Camboja Democrático (CIOCIARI; RAMJI-NOGALES, 2012). Isto tem sido
particularmente importante nas cidades ao noroeste do país, onde parte da população
ainda apoia os líderes do Khmer Vermelho (ROASA, 2013). Outro problema
encontrado neste processo de transição é a falta de recursos financeiros para
compensar milhões de vítimas pelas perdas econômicas e pessoais promovidas pelo
Estado na década de 1970 (CIOCIARI; RAMJI-NOGALES, 2012).
China
Em 1989, na República Popular da China, as pressões por liberdade política, a
inflação, o desemprego, os escândalos de corrupção e o preço altamente
flutuante dos grãos desencadearam uma onda de revoltas. O estopim para as
manifestações foi a morte por ataque cardíaco do reformista Hu Yaobang, ex-
Secretário Geral do Partido Comunista da China, durante uma reunião do partido no
dia 15 de Abril (BROWN, 2009). A partir deste dia, protestos organizados por
intelectuais e estudantes aconteceram por todo o país, especialmente na Praça
Tiananmen – a Praça da Paz Celestial –, e no dia 13 de maio alguns dos
manifestantes iniciaram uma greve de fome. Uma semana depois, outro líder
reformista, o então Secretário-Geral do Partido Comunista ZhaoZiyang, visitou a praça
e conversou com alguns manifestantes, sendo expulso do partido e posto em prisão
domiciliar alguns dias depois (BROWN, 2009). No dia seguinte a visita de Zhao, 20 de
2
9
Maio, a lei marcial foi instaurada no país e, no dia 04 de Junho, o exército chinês
marchou em direção à praça a partir de várias direções, disparando aleatoriamente
nos civis desarmados (BROWN, 2009; 1989: MASSACRE [...], [s.d.]). O evento ficou
conhecido como o Massacre da Praça da Paz Celestial, ainda que a maior parte das
mortes tenha acontecido fora da praça pelas ruas de Beijing e que muitas das vítimas
não estivessem participando das manifestações (BROWN, 2009). A censura na
cobertura do evento deixa incerta a quantidade de vítimas, com estimativas variando
entre poucas centenas a vários milhares (BROWN, 2009). Vinte e três anos depois do
ocorrido, discussões sobre o massacre continuam sendo um tabu no país. Autoridades
chinesas bloqueiam o resultado de pesquisas de termos relacionados ao evento pela
internet e apagam blogs que se referem ao Massacre da Praça da Paz Celestial ou
outros assuntos politicamente sensíveis (MACKINNON, 2008; MOSKVITCH, 2013).
Em 2012, o departamento de Estado dos Estados Unidos pediu para que o governo de
Hu Jintao provesse total contabilidade pública daqueles que foram mortos, presos ou
desaparecidos (MOSLVITCH, 2013). O governo chinês mantém que os direitos
humanos na China possuem características chinesas (CHAN, 1998).
Índia
Apesar de não ter uma comissão da verdade própria, a Índia tem apresentado
uma política externa ativa em relação a direitos humanos em países em fase de
transição na África e, principalmente, na Ásia. Influenciado pela experiência pessoal
de Mahatma Gandhi na África do Sul, o primeiro primeiro-ministro da Índia
independente, JawaharlalNehru, buscou uma política externa ativa dentro da ONU
para isolar o regime do apartheid, que também segregava sul-africanos de origem
indiana (REEDY, 1985). A Índia também teve um papel decisivo na Guerra da
Independência de Bangladesh, em 1971, na qual contra a invasão paquistanesa
caracterizada por massacres, torturas, deslocamento forçado, destruição e
confiscação de propriedade, desaparecimentos e violência sexual (REIGER, 2010).
Em 1974, os três países envolvidos no conflito assinaram um acordo trilateral que
envolvia, entre outras questões humanitárias do pós-guerra, os julgamentos aos
perpetradores da violência exercida pelo exército paquistanês e seus apoiadores
bengalis (REIGER, 2010). Contudo, com a crescente competição sino-indiana por
influência no continente, a defesa dos direitos humanos tem sido posta em segundo
plano. No caso do vizinho Mianmar, por exemplo, a ditadura militar iniciou
recentemente a transição para umAté mesmo o resultado de pesquisa por temos como
“seis quatro”, em referência ao dia 04 de Junho, “23”, em referência aos vinte e três
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0
anos do massacre, ou “nunca se esqueça” são bloqueados nas ferramentas de busca.
A principal plataforma de microblog da China, o SinaWelbo, desativou o emoticon de
vela durante o dia 04 de Junho de 2012, já que ele estava sendo usado como um
símbolo de luto. Depois que alguns usuários tentaram utilizar o emoticon da chama
olímpica como substituto, ele também foi desativado (MOSKVITCH, 2012). Regime
semicivil e a ONU sugeriu uma comissão da verdade para investigar as décadas de
abusos aos direitos humanos cometidos (UN ENVOY [...], 2012). No entanto, os
interesses nacionais indianos de diminuir a influência chinesa no país e garantir apoio
birmanês no combate a grupos insurgentes na fronteira fizeram com que o governo de
Manmohan Singh se recusasse a apoiar a pauta de direitos humanos naquele país
com mais ênfase (RAJAGOPALAN, 2012). Seguindo lógicas parecidas, a Índia tem
adotado um papel mediador no conflito entre governo e insurgentes maoistas no Nepal
e apoiando o governo do Sri Lanka contra um grupo rebelde de etnia tâmil,
responsável pela morte do ex-primeiro Ministro indiano Rajiv Gandhi, os TamilTigers
(RAJAGOPALAN, 2012; SHAH, 2013).
Indonésia e Timor-Leste
Após a Revolução dos Cravos (1974) em Portugal, o governo deste país
europeu abandonou suas colônias, incluindo o território então conhecido como Timor
Português, que, diferentemente dos territórios além-mar portugueses na África, não
possuía nenhum conflito por libertação nacional (RAMOS-HORTA, 1987). O governo
indonésio, então comandado pelo ditador Suharto, viu a saída portuguesa como uma
oportunidade para anexar a parte leste da ilha de Timor (SCHWARZ, 1994). A
ocupação da Indonésia, iniciada em 1974, terminaria apenas em 1999, quando a ONU
realizou um plebiscito pela independência através da Administração Transitória das
Nações Unidas em Timor Leste (UNTAET, em inglês). Quando a independência foi
anunciada, milícias pró-Indonésia reagiram violentamente, forçando muitos para o lado
ocidental da ilha. Era claro que o exército indonésio fomentava e apoiava estas
milícias (HAYNER, 2011). Para investigar os crimes acontecidos durante a ocupação
estrangeira, o Timor Leste estabeleceu a Comissão de Acolhimento, Verdade e
Reconciliação (CAVR) entre 2002 e 2005. A comissão foi capaz de entrevistar 1% da
população total do país e investigou o uso generalizado da tortura, mortes
extrajudiciais, desaparecimentos, fome criada por motivos políticos, bombardeios
indiscriminados e milhares de atos de violência sexual (NEVINS, 2007; HAYNER,
2011). Também houve esforços para a reconciliação e reincorporação de
perpetradores da violência a baixo nível; este processo era negado para aqueles
3
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responsáveis por assassinatos, ofensas sexuais, organização ou incitação da
violência. Por fim, a CAVR foi exemplar na sua intensa pesquisa focada na violência
contra as mulheres (HAYNER, 2011). O relatório final, intitulado Chega!,não foi
oficialmente disponibilizado pelo governo do então presidente – e atual primeiro-
ministro – Xanana Gusmão, mas foi posto na internet pelo International Center for
Transitional Justice (ICTJ). O relatório estimava que mais de 10% da população do
Timor-Leste morreu como resultado direto da ocupação indonésia (HAYNER, 2011;
NEVINS, 2007). De 2005 a 2008, em uma ação conjunta dos dois governos, a
Comissão da Verdade e Amizade entrou em funcionamento. A característica única
desta comissão foi sua natureza internacional ao reunir membros dos dois países que
se consideravam duas delegações diferentes na mesma comissão (HAYNER, 2011).
Muitos observadores temiam que o governo do presidente indonésio
SusiloBambangYudhoyono usasse esta comissão para desfazer o progresso
alcançado pela comissão anterior e para buscar pela anistia de seus próprios
nacionais. Contudo, por fim, os resultados e recomendações desta comissão
binacional foram bastante similares com a da CAVR (HAYNER, 2011).
Iraque
Após a Guerra do Iraque de 2003, a Autoridade Provisional da Coalizão (APC)
encarregou-se de adotar mecanismos de justiça transicional para confrontar os
legados dos crimes cometidos durante o governo do partido Ba‟ ath de Saddam
Hussein (STOVER; MEGALLY; MUFTI, 2005). A APC possuía, então, muitos desafios.
Primeiramente, deveria lidar com os crimes cometidos no regime anterior – que
envolviam milhares de opositores executados, cerca de 300 mil desaparecimentos,
milhares de cidades destruídas por todo o país e centenas de milhares em
deslocamento forçado ou exílio. Em segundo lugar, endereçar problemas ligados à
diversidade cultural, que havia sido negada por todo o período que o partido Ba‟ ath
esteve no poder resultando em violações de direitos humanos nas áreas curdas ao
norte e nas áreas xiitas ao sul. Em terceiro lugar, a situação pós-conflito resultou em
um alto grau de insegurança, tornando qualquer processo de transição difícil de ser
realizado. E, por fim, tensões entre os Estados Unidos e a ONU sobre a legalidade e a
necessidade da guerra limitaram a participação de especialistas estrangeiros no
processo transicional iraquiano (STOVER; MEGALLY; MUFTI, 2005) Por estes
motivos, e pela falta de apoio do Conselho de Segurança das Nações Unidas, não foi
possível estabelecer um tribunal internacional ad hoc para o Iraque, nos moldes
daqueles feitos na Iugoslávia e em Ruanda (STOVER; MEGALLY; MUFTI, 2005). O
3
2
Tribunal Especial Iraquiano foi estabelecido para julgar os crimes cometidos entre
1968 e 2003, incluindo aqueles praticados durante a Guerra Irã-Iraque (1980- 1988), a
Guerra do Golfo e a ocupação do Kuwait (1990-1991) e a Guerra do Iraque (2003). As
investigações foram dificultadas pelo grande escopo estabelecido, já que envolviam
crimes acontecidos décadas antes e em outros países (BANTEKAS, 2005). Contudo, a
maior controvérsia foi a aplicação da pena de morte, que fez muitas Organizações Não
Governamentais interpretarem o tribunal como vingança ao invés de justiça (STOVER;
MEGALLY; MUFTI, 2005). Na intenção de afastar apoiadores de Saddam Hussein do
governo, a APC iniciou um controverso programa de desba‟ athização, ou seja, a
expulsão de membros do partido Ba‟ ath (INTERNATIONAL CENTER FOR
TRANSITIONAL JUSTICE [ICTJ], [s.d.a]). Por ser muito severo e expulsar qualquer
um que tivesse a mínima ligação com o partido de Saddam Hussein, o processo se
tornou um modelo de como não conduzir uma justiça de transição (STOVER;
MEGALLY; MUFTI, 2005). Todos estes problemas atrasaram a formulação da
comissão da verdade proposta para o Iraque ainda em 2003. Organizações como o
ICTJ e o United StatesInstitute for Peace (USIP) vem pedido por uma comissão da
verdade no país, no entanto, há falta de vontade política para realizá-la (STERLING,
2009).
4.4. Bloco D – Europa Oriental
Bósnia e Herzegovina e Sérvia
A Bósnia e Herzegovina e a Sérvia tornaram-se independentes da Iugoslávia
em 1992. Os sérvios, espalhados por vários países da antiga Iugoslávia reivindicavam
a existência da “Grande Sérvia” o que ocasionou uma guerra (ANISTIA
INTERNACIONAL, 2013a; CIA, 2013a). Sob a liderança de Slobodan Milošević, as
pretensões ultranacionalistas da Sérvia tomaram forma e campanhas militares
violentas ocorreram nos países vizinhos, especialmente na Bósnia e Herzegovina. O
fim dos conflitos foi declarado com os o Acordo de Paz de Dayton em 1995. As
violações cometidas são objeto de processo no Tribunal Penal Internacional para a
Iugoslávia (TPII), no qual Milošević, encontrado depois de anos foragido, morreu
poucos dias antes do julgamento (ANISTIA 36 INTERNACIONAL, 2013a). O TPII tem
se mostrado como um importante instrumento da justiça de transição, mesmo que
exógena, ou seja, que partiu do exterior para o país, e tem contribuído para que as
nações que antes faziam parte da Iugoslávia tenham uma convivência mais
harmônica, mesmo que existam problemas graves a serem resolvidos (ELSTER, 2004,
3
3
apud KAMINSKI; NALEPA, 2006). As violações perpetradas na Sérvia e por agentes
do governo sérvio em outros países, especialmente na Bósnia Herzegovina referem-se
tanto a direitos básicos, como o de assembleia, direitos políticos diversos, quanto à
xenofobia, discriminação religiosa e étnica. Além disso, há a questão do povo roma,
um grupo de ciganos que vive na Sérvia e que sofre com o pouco reconhecimento por
parte do governo sérvio (ANISTIA INTERNACIONAL, 2013a). Há também a questão
do Kosovo, que é uma pequena região da Sérvia que declarou independência
unilateralmente em 2008. Com o reconhecimento da União Europeia e Estados Unidos
e o parecer favorável da Corte Internacional de Justiça (CIJ), a região agora enfrenta
problemas quanto a refugiados e suas fronteiras devido a municípios que possuem
maioria sérvia e desejam se juntar à Sérvia. Destaca-se ainda o fato de que muitos
dos desaparecidos nos conflitos que marcaram a história de ambos os países ainda
possuem estado indefinido, não tendo sido reconhecidos como mortos ou encontrados
(ANISTIA INTERNACIONAL, 2013a). Em 2006, cidadãos da região uniram-se para
pressionar os Estados a criarem uma Comissão da Verdade regional, a RECOM. A
RECOM investigaria violações perpetradas de 1991 a 2001 em todos os países da
antiga Iugoslávia. A criação desta comissão está em negociação (ICTJ, 2011).
Rússia
A Rússia passou por vários ciclos de organização política, vindo do czarismo,para um
federalismo de repúblicas comunistas e agora como uma repúblicaconstitucional.
Existem muitos questionamentos à transparência do processo político russo,
principalmente porque Vladimir Putin e Dmitri Medvedev vêm se revezando nos cargos
de primeiro-ministro e presidente desde 1999, quando Putin assumiu o governo após
renúncia de Boris Yeltsin. A Rússia foi uma grande potência mundial na Guerra Fria e
ocupa um assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas, além
de ter participação em diversos fóruns multilaterais econômicos como G-8 e G-20,
vetando várias resoluções que dizem respeito a violações de direitos humanos em
países aliados, como ocorreu no caso da Síria (CIA, 2013b). Quanto à situação interna
dos direitos humanos, a Rússia é constantemente acusada de violações, incluindo
desrespeito aos direitos de assembleia e de livre expressão, ocorrência de torturas,
desaparecimentos e outros tratamentos degradantes a pessoa humana (ANISTIA
INTERNACIONAL, 2013b). Oposicionistas e ativistas dos direitos humanos sofrem
com ameaças constantes por parte do governo, que é autoritário e centralizador.
Percebe-se que não há interesse, pelo menos por parte do governo, de investigar
possíveis violações aos direitos humanos. Há sim movimentos civis que tem esse item
3
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na pauta, mas dificilmente ela será atendida em um futuro próximo (ANISTIA
INTERNACIONAL, 2013b). Além disso, os diversos movimentos separatistas sofrem
com a violenta repressão do Estado, ocorrendo diversas violações de direitos
humanos. A situação do norte do Cáucaso é a mais grave, merecendo grande atenção
da mídia e ativistas (ANISTIA INTERNACIONAL, 2013b; CIA, 2013b).
4.5. Bloco E – Europa Ocidental e América do Norte
Alemanha
O conjunto de acusações que compõe o Tribunal Militar Internacional de
Nuremberg, realizado entre os anos de 1945 e 1946 na Alemanha, é considerado
como marco inicial dos processos modernos de justiça transicional (ANDRIEU, 2010).
O julgamento, além de condenar responsáveis por grandes crimes durante a Segunda
Guerra Mundial, também produziu uma narrativa das ações passadas como um
mecanismo para construir a sua superação (ANDRIEU, 2010; BRITO, 2012). A
Alemanha instituiu o programa de reparações de maior alcance e amplitude da
história. Por meio de dispositivos legislativos internos e acordos internacionais
bilaterais, o Estado alemão pagou, ao longo de décadas, mais de 60 bilhões de
dólares aos sobreviventes dos crimes nazistas e a seus familiares (HAYNER, 2011).
Após o processo de reorganização do país ao término da Segunda Guerra Mundial, a
Alemanha foi divida entre a República Federativa da Alemanha (RFA) – a Alemanha
Ocidental – capitalista e a República Democrática da Alemanha (RDA) – a Alemanha
Oriental – socialista. A Alemanha Oriental foi estruturada sob um governo autoritário
unipartidário comandado pelo Partido Socialista Unificado da Alemanha (PSUA) até a
reunificação alemã em 1989. Em 1992, o parlamento alemão criou uma comissão – a
Comissão de Inquérito para a Avaliação da História e Consequências da Ditadura do
Partido Socialista na Alemanha -, composta por especialistas e parlamentares, para
investigar e documentar as práticas da RDA durante 40 anos. (HAYNER, 2001). Em
1995, foi instaurada nova comissão para dar continuidade aos trabalhos anteriores e
explorar elementos não compreendidos pelo primeiro processo. Os relatórios das
comissões estipularam reparações e diversas ações visando a preservação da
memória factual (USIP, [s.d.o]). A Alemanha demonstra grande interesse na iniciativa
de Resposta Rápida Justiça, mecanismo em construção no campo da justiça
transicional que pretende desenvolver medidas ágeis de apoio a esse campo no plano
internacional. O projeto visa fornecer pessoal especializado e recursos materiais para
apoiar a coleta e manutenção de informações relativas a alegações de genocídio,
3
5
crimes de guerra e crimes contra a humanidade, de modo a evitar a perda de provas e
facilitar o acesso posterior das à justiça (AVELLO, 2007).
Canadá
A partir de 1874, o governo canadense, associado às Igrejas Católica e
Protestante, promoveu por todo o país um programa de aculturação das crianças
aborígenes a partir de um sistema de “escolas residenciais” compulsórias. Durante
mais de cem anos, essas instituições, nas quais as línguas e as práticas culturais
nativas eram proibidas, perpetraram um legado conhecido por abusos físicos,
psicológicos e sexuais (HAYNER, 2011). Nesse período, mais de cem mil crianças
foram retiradas de suas famílias e comunidades e submetidas à “assimilação forçada”
(ICTJ, [s.d.b]). A partir da década de 1990, as vítimas denunciaram os abusos sofridos
e um litígio massivo foi iniciado (ICTJ, [s.d.b]). Em 1998, o Estado canadense admitiu
publicamente o fracasso dessas políticas e, em 2003, lançou um programa de
compensações e acompanhamento terapêutico às vítimas, medidas consideradas,
porém, insuficientes (HAYNER, 2011; ICTJ, [s.d.b]). Em 2006, o governo federal,
instituições religiosas e grupos indígenas acordaram um extenso pacote de
reparações destinando 2 bilhões de dólares aos cerca de 80 mil sobreviventes (ICTJ,
[s.d.b]), ainda concedendo às vítimas a possibilidade de abertura de processos
jurídicos individuais (HAYNER, 39 2011). Inaugurada em 2009, a Comissão da
Verdade e Reconciliação, em seu mandato de cinco anos, deve investigar
profundamente os eventos e entregar um relatório com suas descobertas e
recomendações, além de criar um arquivo nacional com os depoimentos (HAYNER,
2011). Anteriormente, também confrontando o relacionamento abusivo entre o Estado
do Canadá e a população indígena, a Comissão Real sobre os Aborígenes (1991)
publicou um extenso relatório investigando as políticas governamentais concernentes
aos indígenas durante toda a história do país. Tendo analisado uma vasta esfera de
temas, apresentou muitas recomendações propondo a configuração de um novo tipo
de relação entre Estado e o grupo afetado. Em 1998, o governo assumiu a nova
agenda e propôs um plano de ação definindo o respeito à autonomia indígena inserido
em novas leis e programas de apoio a esses povos (HURLEY; WHERRETT, 1999). O
Canadá mostra apoio a programas de justiça transicional no globo e demonstra forte
comprometimento com a defesa de direitos humanos (AVELLO, 2007).
Espanha
3
6
Em 1936, generais insurgentes ligados à direita ultraconservadora do país
promovem um golpe de Estado contra o governo legitimamente eleito de orientação de
esquerda no poder. No entanto, ao enfrentarem reação do governo associada a
grupos legalistas e de esquerda organizados na Frente Popular, a Espanha é lançada
em uma guerra civil que se estende até 1939. Naquele ano, os golpistas se tornaram
vitoriosos e iniciou-se um regime autoritário de partido único liderado pelo General
Francisco Franco e que vai até a sua morte em 1975 (HOBSBAWM, 2010). A
transição do regime ditatorial para a democracia foi feita sob a égide do rei Juan
Carlos, que chefia o Estado desde o término da ditadura (JUNQUERA, 2013).
Diferentemente do que ocorreu no restante do continente europeu, na Espanha, o
regime de aproximação fascista não foi militarmente derrotado, de tal forma que não
houve uma ruptura que promovesse a reestruturação dos valores constituídos durante
a ditadura, deixando de criar, assim, uma cultura fundada na democracia e na
legitimidade. O relato histórico dominante minimiza a violência do franquismo e
absolve os seus perpetradores (SÁEZ, 2012). O país não demonstrou interesse em
investigar os crimes estatais ocorridos durante as muitas décadas do governo
repressivo de Franco, institucionalizando, assim, o esquecimento (BRITO, 2012;
HAYNER, 2001). Diante das desaparições forçadas, 40 práticas de tortura, execuções
extrajudiciais e apropriação indevida de crianças, sustenta-se uma inoperância estatal
escudada sob a Lei de Anistia promulgada em 1977. Todavia, essa lei não possui
validade em razão dos compromissos internacionais assumidos pelo Estado espanhol.
A entidade estatal tem a obrigação legal de investigar crimes que violam os direitos
humanos, como estabelecido pelo Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos de
1966, ratificado pela Espanha antes mesmo da anistia e ratificado por todos os
compromissos posteriores relativos aos direitos humanos assinados pelo país. É
relevante destacar que o direito internacional define a imprescritibilidade de crimes
contra a humanidade. Na verdade, quanto aos desaparecidos, a omissão do Estado
fere o seu próprio Código Penal e a aplicação da Lei de Anistia, já que os termos de
prescrição só podem ser computados quando eliminada a situação antijurídica, ou
seja, até a localização das vítimas (SÁEZ, 2012). A Lei de Reparação de 2007,
promulgada pelo Estado espanhol, estabelece medidas em favor das vítimas da
repressão. Contudo, os elementos de ruptura propostos em lei têm sido ultrapassados
pela realidade, na medida em que o cumprimento dos pedidos de legalidade
internacional é sistematicamente negado. Na década de 2000 é evidenciado um
movimento de intervenção das autoridades judiciais no sentido de concretizar as
tarefas de localização e identificação das vítimas assim como o contexto dos crimes.
3
7
No entanto, tais atividades, realizadas em exceção por magistrados comprometidos
com o direito internacional, foram eliminadas pelo sistema judiciário nacional (SÁEZ,
2012). O caso mais proeminente nesse cenário, o processo movido pelo juiz Baltasar
Garzón – o qual investigava mais 100 mil casos de desaparecimentos forçados
durante o governo franquista - foi encerrado e o magistrado processado por exceder a
sua jurisdição (PUNIR [...], 2012). Garzón – o responsável pela prisão do ditador
chileno Pinochet em Londres, em 1998 – foi absolvido, porém condenado por outro
julgamento (SPAIN‟ S [...], 2012). Tal situação originou reações muito negativas por
parte da comunidade internacional e provocou a desaprovação e preocupação quanto
ao caso espanhol do Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os
Direitos Humanos (ACNUDH) (JUIZ [...], 2012).
Estados Unidos da América
Entre o final do século XX e o início do século XXI, são identificadas, nos
Estados Unidos, comissões da verdade que nos trazem em seus relatórios
investigações, e as respectivas recomendações, em torno de antigos acontecimentos
centrados em relações entre preconceito racial e violência. Esse é o caso das
comissões que investigaram agressões contra populações negras em Wilmington
(Carolina do Norte, 1898), em Tulsa (Oklahoma, 1921), em Rosewood (Florida, 1923),
em Tuskegee (Alabama, 1931-1972) e em Greensboro (Carolina do Norte, 1979)
(GREENSBORO TRUTH AND RECONCILIATION COMMISSION, 2006). Já a
Comissão sobre a Realocação e Internamento de Civis, instaurada pelo Congresso
Nacional em 1980, buscou em seu relatório rever os fatos e circunstâncias ao redor do
confinamento de cidadãos de descendência japonesa, assim como indígenas no
Alaska, durante a Segunda Guerra Mundial. A análise desse cenário também o
destacou a discriminação racial como fator motivador do processo e originou pedidos
públicos de desculpa e reparações individuais aos mais de 60 mil sobreviventes
(YOMATO, 2012). O país também se encontra inserido no contexto latino-americano
de comissões da verdade. O Estado norte-americano ofereceu um apoio maciço à
criação de ditaduras militares na região e à consolidação de suas forças internas de
segurança, enquanto a população local era privada de direitos e os militantes políticos
sofriam intensa repressão (HUGGINS, 2012). Na década de 2000, as políticas
assumidas pela gestão do presidente Bush, e conhecidas como “guerra ao terror”, são
relacionadas a graves violações aos direitos humanos, semelhantes às enfrentadas
em regimes ditatoriais. Os EUA buscaram a legitimação das práticas de tortura por
meio da lei e promoveram a desvinculação de certos de certos prisioneiros de
3
8
garantias constitucionais (SILVA FILHO, 2012). Durante o ano de 2008, pelo menos 25
mil pessoas foram mantidas encarceradas sem julgamento em prisões secretas
(CAMPBELL; NORTON-TAYLOR, apud HUGGINS, 2012). O governo do país se
revestiu judicialmente de modo a evitar futuras acusações em cortes internacionais
(EARTHTIMES ORG.; HIRSH; SEVASTOPULO, apud HEGGINS, 2012). No governo
Obama alguns avanços legais foram obtidos, mas o uso de coação física em
interrogatórios não foi de fato eliminado (SILVA FILHO, 2012). O Conselho de Direitos
Humanos (CDH) da ONU afirmou a necessidade de investigações, identificando
culpados e estabelecendo as devidas reparações às vítimas, e manifestou
preocupação quanto à continuidade dessas práticas sob a administração de Obama. A
organização chamou atenção pra a violação por parte dos EUA de diversos
compromissos internacionais. (SUBMISSION TO THE UNIVERSAL PERIODIC
REVIEW OF THE UNITED NATIONS COUNCIL, 2010).Em 2002, sob o governo Bush,
os Estados Unidos se retiraram do Estatuto de Roma e, em seguida, o Congresso
aprovou uma lei de proibição a qualquer cooperação com o Tribunal Penal
Internacional (CALL, 2004). Entretanto, o Estado americano defende formalmente os
mecanismos da justiça de transição, apontando que eles são uma ferramenta para
alcançar a democracia após crises (ICTJ, 2013).
França
A França apresenta um longo histórico com a justiça transicional. Já no século
XIX, o Ministro das Relações Internacionais francês, após a intervenção do
país nos atuais Síria e Líbano, propôs uma comissão internacional para investigar as
causas da guerra e compensar as vítimas do conflito por meio de reparações (BASS,
2009 apud FORSYTHE, 2011). Entre 1940 e 1944, após a rendição da França a
Alemanha Nazista, o país foi divido em duas zonas, uma, ao norte, ocupada pela
Alemanha e, outra, ao sul, governada pelo marechal Philippe Petain no regime
colaboracionista conhecido como “Regime de Vichy” (JACKSON, 2003). Milhares de
judeus foram mantidos em campos de detenção improvisados no território francês e
depois enviados a campos de concentração no território alemão (NA‟ AMAT, 2012).
Em uma fase inicial e “selvagem”, iniciada antes da Liberação, as condenações eram
imputadas por meio de execuções anônimas ou através de tribunais populares. Já
após a reorganização do aparato jurídico do país, os participantes de Vichy e os
indivíduos que colaboraram com o invasor alemão foram julgados por seus opositores,
membros da antiga Resistência. As investigações e tribunais eram realizados a partir
da ótica do combate, sem existir uma centralidade na questão das vítimas (BANCAUD,
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  • 1. 1 Conselho de Direitos Humanos –CDH Guia de Estudos “Comissões da verdade: a busca por reconciliação frente a violações de direitos humanos”. DIRETORES: João Pedro de Luna, Ariel Cherman Exelrud, Bruno Salvio Toledo ASSESSORA: Ana Clara Amado
  • 2. 2 ÍNDICE 0. Apresentação da Mesa Diretora. ............................................................................................................................... 1. Histórico do Conselho de Direitos Humanos ............................................................................................................................... 2. Comissão Nacional da Verdade ............................................................................................................................... 3. Instrumentos Internacionais ............................................................................................................................... 3.1 Convenção de Genebra e o protocolo 1 adicional .............................................................................................................................. 3.2 Glossário ............................................................................................................................... 4. Posicionamento de Blocos ............................................................................................................................... 4.1. Bloco A – África ............................................................................................................................... 4.2. Bloco B – América Latina e Caribe ............................................................................................................................... 4.3. Bloco C – Ásia ............................................................................................................................... 4.4. Bloco D – Europa Oriental ............................................................................................................................... 4.5. Bloco E – Europa Ocidental e América do Norte ............................................................................................................................... 5. Referências bibliográficas e Sugestões de Estudo ...............................................................................................................................
  • 3. 3 0. Apresentação da Mesa Diretora Muito prazer delegados e delegadas, meu nome é João Pedro de Luna (Mais conhecido como Yoshi), tenho dezesseis anos e sou aluno do segundo ano do ensino médio do Colégio Santo Agostinho, e é com muitíssimo prazer que lhes digo que serei seu diretor no Conselho de Direitos Humanos na SIA 2013. Avido escutador do bom e velho Rock'N'Roll, adoro o ambiente da simulação, o crescimento tanto pessoal como acadêmico que as simulações me fornecem fizeram de mim quem sou hoje, e espero poder proporcionar o mesmo ambiente de crescimento para vocês, senhoras e senhores. Aguardo mais do que ansiosamente para o início de nossas discussões, que tenho certeza que serão de altíssimo nível e de extrema produtividade! Muito obrigado e uma ótima SIA à todos! Muito prazer em conhecê-los senhores delegados, meu nome é Ariel ChermanExelrud e tive a honra de ser escolhido para dirigir o Conselho de Direitos Humanos na SIA 2013. Sempre tive amor por geografia e historia, portando me identifiquei com as Simulações logo de primeira! Sou fã dos esportes, no futebol, logicamente torço pelo maior de Minas, o Guerreiro dos Gramados, Cruzeiro. No basquete torço pelo time da cidade dos ventos e do grande Michael Jordan, Chicago Bulls. Estou muito ansioso para auxiliar os grandes debates que ocorrerão e ver nossos diplomatas em ação (pois é isso que nós somos). Uma boa Simulação para todos! Olá, senhores delegados. Meu nome é Bruno Salvio Toledo, e assim como vocês sou aluno do Colégio Santo Agostinho. Na minha vida eu possuo 3 paixões, 3 coisas que se sobressaem e dominam meu coração: minha namorada, meu Galo e as simulações. Meu segundo lar, minha zona de conforto, o ambiente de simulação é algo que eu aprendi a amar, espero que os senhores sintam o mesmo. Boa SIA! Olá, senhores delegados. Meu nome é Ana Clara, tenho 16 anos, curso o 2° ano do Ensino Médio e serei sua assessora. Entrei no mundo das simulações há um ano, e, desde então, apaixonei-me completamente. Juntamente da leitura e da música, simular é uma das melhores partes da minha vida. Portanto, é com grande prazer que me ponho à disposição dos senhores ao longo da SIA 2013 e espero que aproveitem bastante essa oportunidade.
  • 4. 4 1. HISTORICO DO CONSELHO DE DIREITOS HUMANOS O Conselho de Direitos Humanos (CDH) é um órgão da Organização das Nações Unidas (ONU) criado em 2006 a fim de substituir a Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas (CDHNU). A comissão era severamente criticada à época devido à presença de membros com históricos questionáveis de violações de direitos humanos. Dessa forma, a Assembleia Geral das Nações Unidas (AGNU), com ampla maioria, substituiu a comissão, formada por 53 membros, pelo conselho, composto por 47 países1 (UN CREATES [...], 2006). Estabelecido pela resolução 60/251, o conselho seria responsável pela promoção mundial dos direitos humanos, analisando casos de violações destes direitos e fazendo recomendações, visando a coordenar as políticas de direitos humanos no âmbito do sistema da ONU. A resolução também estabeleceu que o conselho tivesse sede em Genebra, na Federação Suíça (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS [ONU], 2006). Quanto a sua composição, treze assentos são destinados a países africanos, treze a Estados asiáticos, seis a países da Europa Oriental, oito a países latino-americanos e caribenhos e, por fim, sete aos países da Europa Ocidental e demais países (ONU, 2006). A resolução 5/1 do CDH regulamentou três mecanismos importantes para seu funcionamento. Esses mecanismos são a Revisão Periódica Universal, um procedimento de queixa quanto a violações de direitos humanos, e o Comitê Consultivo (ONU, 2007). A Revisão Periódica Universal, estabelecida desde a resolução 60/251 da AGNU, consiste em uma avaliação periódica, empreendida por todos os países de quatro em quatro anos, que permite analisar a situação dos direitos humanos ao redor do globo. Nela, cada Estado-membro, sob a supervisão do conselho, deve avaliar seu próprio progresso em relação aos direitos humanos, explicitando o que fizeram para cumprir suas obrigações e para melhorar a situação de tais direitos em seu território. Sua importância reside em sua abrangência, uma vez os 193 Estados-membros da ONU são atingidos , e na consequente pressão para que todas as nações promovam o respeito aos direitos humanos (ONU, 2007; ALTO COMISSARIADO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA DIREITOS HUMANOS [ACNUDH], [s.d.a]) 1 Os membros atuais do Conselho podem ser consultados em http://www.ohchr.org/EN/HRBodies/HRC/Pages/CurrentMembers.aspx. Acesso em: 14 jan. 2013. 2 A demanda deverá ser devidamente justificada, uma vez que é necessário demonstrar ausência de motivação política, a denúncia não pode ser baseada exclusivamente em informações divulgadas por meios de comunicação em massa e
  • 5. 5 que soluções internas já estejam esgotadas (ONU, 2007). A lista completa de requisitos pode ser consultada na resolução 5/1. O procedimento de queixa, por sua vez, consiste na possibilidade de pessoas, grupos de pessoas e organizações não governamentais denunciarem violações de direitos humanos2 (ONU, 2007). Por fim, o Comitê Consultivo é composto por dezoito especialistas em direitos humanos, escolhidos respeitando-se a distribuição geográfica dos países, que têm o papel de realizar estudos e pesquisas relacionadas à situação dos direitos humanos, assim como o conselho solicitar-lhe (ACNUDH,[s.d.b]). Quanto à estrutura interna do conselho, seus quarenta e sete membros são eleitos por maioria absoluta e por voto secreto na AGNU. Ele deve reunir-se por no mínimo três sessões, que não podem possuir menos de dez semanas de duração. Sessões extraordinárias, se necessárias, podem ser convocadas caso haja consentimento de um terço de seus membros. O mandato de cada Estado-membro tem duração de três anos, podendo ser renovado uma vez (ONU, 2006). Tendo em vista que a presença de membros que cometam amplas violações de direitos humanos era severamente criticada na antiga comissão, membros do CDH podem ser suspensos caso uma maioria de dois terços da AGNU julgue plausível (ONU, 2006). Em 2011, a Líbia foi suspensa do Conselho devido ao uso de violência contra pessoas que criticavam o regime (LIBYA [...], 2011). De acordo com a resolução 5/1, resoluções são aprovadas por maioria simples dos membros presentes. Para que o presidente do conselho dê início à sessão, é necessária a presença de um terço dos membros. Finalmente, para que se proceda à votação é requerido que a maioria dos membros esteja presente na sessão (ONU, 2007). A resolução 9/11 do CDH reconheceu a importância do direito à verdade na promoção dos direitos humanos e encorajou fortemente a criação de comissões da verdade onde elas forem necessárias (ONU, 2008). 2. COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE As violações aos direitos humanos cometidas durante a Ditadura Militar que assumiu o governo do Brasil entre 1964 e 1985 e os posteriores posicionamentos diante desses crimes, a relação entre o Estado e sociedade brasileiros e memória nacional, proporcionam um relevante paralelo aos demais casos estudados pelo Conselho de Direitos Humanos na SiNUS 2013. O quadro político e sociocultural criado no país após o fim do regime, associado à Lei de Anistia de 1979, é caracterizado pela oposição de diferentes movimentos que se revela como um importante referencial na compreensão das variáveis que acercam as comissões da verdade. As iniciativas direcionadas ao resgate da verdade factual, relacionadas a
  • 6. 6 devidas reparações e punições, foram acompanhadas de um silenciamento oficial. Contudo, os esforços em torno do tema providos ao longo de quase três décadas, e permeados por conflitos de interesses, resultaram na instauração da Comissão Nacional da Verdade. Em novembro de 2011, a Presidente Dilma Rousseff sancionou, com o apoio do Congresso Nacional, a lei que originou a Comissão Nacional da Verdade (CNV), instalada em maio do ano seguinte. A promulgação da lei de sanção à CNV está associada à Lei de Acesso à Informação Pública, que torna os documentos e todas as informações produzidas pela Administração Pública, em todas as suas instâncias, disponíveis à população. Essa norma significa um passo primordial na desvinculação do sigilo como fator de consolidação a desrespeitos aos direitos humanos, demonstrando uma evolução democrática do país (ROUSSEFF, 2011). O papel da CNV é o de “apurar graves violações de Direitos Humanos, praticadas por agentes públicos, ocorridas entre 18 de setembro de 1946 e 5 de outubro de 1988” (COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE [CNV], 2011). A comissão, organizada em colegiado, subcomissões e grupos de trabalho, é composta por sete especialistas brasileiros de reconhecida atuação ética em defesa dos valores do Estado de Direito, designados pela Presidência da República. Suas reuniões são públicas, exceto quando considerada pelo colegiado necessária a preservação do sigilo para poupar a privacidade de cidadãos. É também função da organização criar um acervo, a partir de seus documentos e produções, “em homenagem à memória e a verdade histórica” (CNV, 2012). O compromisso assumido pela CNV é relativo ao resgate do elemento factual permeado pela análise das circunstâncias e disposições que envolvem esses casos. O encargo do projeto é somente o de trazer a verdade histórica, as medidas que devem ser tomadas a partir de suas constatações ficam a cargo das instituições responsáveis (LIMA, 2012). Apesar de analisar violações do período compreendido entre 1946 e 1998, o seu mandato é centralizado nos crimes praticados pelo Estado de exceção de 1964 a 1985. Para alguns críticos, o alargamento temporal do objeto de investigações da comissão seria uma ferramenta, proveniente da necessidade de atender interesses de diferentes grupos políticos de subtrair, de alguma maneira, a sua eficácia e diminuir o peso das ações praticadas durante a ditadura por meio da comparação à violência de períodos anteriores (SAFATLE, 2010). O Golpe Militar do dia 1º de Abril de 1964, que deu origem à ditadura, foi um levante organizado por setores das forças armadas em associação a setores da sociedade civil, apoiado pelo grande empresariado e por veículos de comunicação. Ele se dirigia à destituição de um governo democraticamente eleito, porém frágil e sem muita habilidade política, que indicava a redução de alguns privilégios das elites brasileiras (LIMA, 2012). Após a exigência da renúncia do presidente João Goulart, tropas militares ocuparam sedes de
  • 7. 7 partidos políticos, de sindicatos e de outros apoiadores das reformas propostas pelo presidente (SAIBA..., 2009). Uma junta militar assumiu o controle do governo até a eleição do Marechal Castelo Branco pelo congresso (SAIBA..., 2009). Sob sua administração passaram a ser promulgados os Atos Institucionais (AI), que acarretaram extensas perdas de liberdades constitucionais e direitos políticos dos cidadãos (PORTAL BRASIL, 2010). Em 1968, foi decretado o AI 5, que acirrou o regime e intensificou sua repressão. No ano de 1969, o General Médici chegou ao poder e estabeleceu uma gestão caracterizada como o período de maior violência por parte do Estado e uma severa política de censura foi imposta a todos os meios de comunicação. O General Geisel, sucessor de Médici, desenvolveu um lento processo de transição orientado à democracia. Em 1978, o AI-5 foi eliminado e, em 1979, o então presidente, General Figueiredo sancionou a Lei de Anistia a todos os crimes políticos cometidos durante o período de ditadura e posteriormente restabeleceu o sistema de pluripartidarismo (PORTAL BRASIL, 2010). O Congresso Nacional permaneceu aberto durante a maior parte do regime, mas organizado sob um sistema bipartidário em que os parlamentares se tornaram vítimas de processos de cassação irregulares. Além dos graves crimes contra a humanidade disseminados do comportamento estatal da época, o regime promoveu perseguições em todos os órgãos públicos, interveio nos sindicatos e criou um controle rígido das universidades, proibindo também todas as entidades estudantis. Apesar dos crescentes protestos, a ditadura gozou de uma popularidade devido ao grande crescimento econômico do país entre 1963 e 1973 (SAIBA [...], 2009). A ditadura brasileira mostra-se como um processo de institucionalização de um governo ilegal que se travestiu de um espectro de legalidade para encobrir a sua essência profundamente arbitrária. O regime militar foi assentado no exercício de implacável arbítrio, que promoveu, internamente, a corrosão dos princípios de legalidade no país (SAFATLE, 2010). Todavia, na visão de setores militares que atuaram durante a ditadura, os golpistas são identificados “como democratas e defensores da liberdade e dos direitos humanos quando, no passado, desejavam a derrubada do governo e a instalação de uma ditadura do proletariado por meio da luta armada, usando do terrorismo” (SILVA, 2012 apud LIMA, 2012). Existe um questionamento que tem gerado polêmica em torno das investigações da CNV. Baseada na premissa de certo equilíbrio entre partes ideologicamente opostas, surge a defesa de que o objeto alvo dos inquéritos e estudos do colegiado deveria ser mais amplo, compreendendo, assim, tanto as agressões ao império da Lei e as violações aos direitos humanos cometidas em nome do Estado, quanto os delitos praticados pelos movimentos de resistência ao regime de repressão. Apesar do revestimento de ponderação e razoabilidade, tal proposição revela-se grosseiramente infundada.
  • 8. 8 Agentes públicos fizeram uso do aparelho estatal para perpetrar assassinatos, práticas de tortura e atentar contra, não só a dispositivos, mas aos alicerces do Estado de Direito, desvinculando-se dos “valores morais que devem nortear a vida democrática” (LIMA, 2012). Os dois conjuntos encontram-se circunscritos em situações jurídicas, e localizados perante o relato histórico-social, de maneiras largamente assimétricas. Enquanto as ações e políticas dos grupos de luta armada oposicionistas foram extensivamente investigadas e, em muitos casos, arbitrariamente punidas, os crimes executados por meio do Estado permanecem sem averiguação protegidos pela obscuridade de um regime de exceção (LIMA, 2012). É notável destacar que no caso brasileiro graves violações eram perpetradas por parte do Estado e que a resistência armada e a desobediência a um Estado de exceção são consideradas legítimas, já que um governo ilegal não pode criminalizar a luta em defesa da legalidade (SAFATLE, 2010). Todavia, também é importante ressaltar que a maioria das vítimas e militantes não pegaram em armas, porém foram perseguidos em razão da expressão da dissidência de sua opinião (LIMA, 2012). Diferentemente do que ocorreu em outros países da América Latina, é constatado no Brasil um esforço, proveniente de setores sociais distintos, dirigido contra a memória nacional ao tentar apagar o caráter criminoso da Ditadura Militar. São verificados posicionamentos que buscam reduzi-la à vigência do AI-5, entendendo o período restante apenas como um “sistema democrático imperfeito”. Embora o número de mortes no país seja muito inferior ao de casos de Estados vizinhos, como o argentino, no Brasil é observada a continuidade de hábitos consolidados durante o governo militar. Não houve a depuração da estrutura policial constituída durante o regime e é verificado um aumento do número de casos de tortura ao longo do território brasileiro após sua redemocratização (SAFATLE, 2010). Entre 1979 e 1982, organizada pelo então arcebispo de São Paulo, Dom Paulo Evaristo Arns, a comissão de inquérito não oficial Brasil – Nunca Mais promoveu uma pesquisa confidencial acerca das alegações de tortura e outros abusos aos direitos humanos dentro do regime militar. O projeto foi realizado a partir de transcrições do tribunal militar obtidas de modo extraoficial após a Anistia de 1979. O objetivo da iniciativa financiada pelo Conselho Mundial de Igrejas, e publicada em 1986, consistia em preservar os arquivos militares e informar a sociedade sobre esse passado abusivo. As mais de 2.700 páginas de documentação permitiram a identificação de mais de 17 mil vítimas (UNITED STATES INSTITUTE OF PEACE [USIP], [s.d.a]). Já houve algumas comissões de inquéritos, porém de menor abrangência e sem o respaldo na Constituição, diferentemente da CNV. Desde 1985, inúmeros volumes foram publicados abordando as centenas de mortos e desaparecidos, e uma quantidade de reparações foi paga a família de vítimas e aos que sofreram perda
  • 9. 9 econômica durante a ditadura. Em 1995, dez anos após o final do regime, o governo federal deu início a um programa a uma comissão de reparações que pagou cerca de $100.000,00 para cada uma das famílias de 135 desaparecidos (HAYNER, 2011). Desde 2001, a Comissão de Anistia, vinculada ao Ministério da Justiça, analisa pedidos de indenização de indivíduos impedidos de exercer, entre 1946 e 1988, atividades econômicas por razões exclusivamente políticas (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA [MJ], 2013a). O mandato da CNV tem possibilidade, assim como a responsabilidade, de tornar “o Estado brasileiro mais transparente e garante o acesso à informação e, ao mesmo tempo, o direito à memória e a verdade, portanto ao pleno exercício da cidadania” (ROUSSEFF, 2011). Nos trabalhos da comissão, a memória, a política atual e o futuro da nação brasileira se entrelaçam, as suas atividades são fundamentais para o desbloqueio um desenvolvimento político e social mais amplo do Brasil (SAFATLE, 2010). 3. Instrumentos Internacionais . 3.1 Convenção de Genebra e Artigo I Adicional............................................ As Convenções de Genebra atualmente em vigor contemplam quatro tratados e três protocolos adicionais criados a partir do esforço do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV). A primeira convenção data 1864; sendo que todas as quatro foram atualizadas em 1949, os protocolos adicionais I e II estão em vigor desde 1977 e o protocolo III foi adicionado em 2005 (COMITÊ INTERNACIONAL DA CRUZ VERMELHA [CICV], 2010). Ao todo, 194 Estados assinaram as Convenções de Genebra, fazendo delas documentos universalmente aceitos (CICV, 2010). A primeira Convenção de Genebra versa sobre a proteção dos médicos, religiosos, unidades médicas, transportes médicos e soldados fisicamente incapacitados de continuar o combate – isto é, aqueles que estão feridos ou doentes – em zona de conflito que (CICV, 2010). A segunda convenção estende a proteção dada pela primeira para os conflitos marítimos, além de especificar algumas determinadas obrigações para os Estados em caso de conflito no mar, como, por exemplo, o resgate e o cuidado dos náufragos e a proteção e neutralidade de navios de assistência hospitalar (CICV, 2005a[1949]; 2010). O terceiro tratado se estende sobre os direitos dos prisioneiros de guerra, incluindo, por exemplo, a manutenção da sua saúde e a proibição do uso da tortura contra eles – tanto mental quanto psicológica (CICV, 2005b[1949]; 2010). A quarta e última Convenção de Genebra preocupa-se com a proteção de civis em conflitos armados. Ela delimita, entre outros assuntos, as obrigações de uma potência
  • 10. 1 0 ocupadora e as provisões a serem tomadas para o alívio humanitário da população no território ocupado (CICV, 2010). Todas as quatro convenções tem em comum o Artigo 3, que pela primeira vez, endereçou a problemática dos conflitos armados não internacionais. Este artigo condensa os principais pontos das convenções e faz com que eles sejam válidos para os conflitos internos. Dado que a maior parte dos conflitos hoje adquirem características não internacionais, a aplicação deste mecanismo é da mais alta importância e a sua plena observação é requerida (CICV, 2010). Com o aumento de conflitos nas duas décadas que se seguiram da adoção das quatro convenções de Genebra, observou-se a necessidade de criar protocolos adicionais para a proteção em conflitos nacionais e internacionais (CICV, 2010). O protocolo I tratou das mortes e desaparecimentos em caso de conflito e inclui o direito das famílias de saber o destino de seus parentes, criando obrigações aos Estados de prover todas as informações necessárias para as famílias das vítimas, mesmo em regimes de exceção (CICV, 2005c[1977]). O protocolo II foi o primeiro tratado internacional que se referia exclusivamente a conflitos armados não internacionais, suplementando, assim, o Artigo 3 de todas as quatro convenções (CICV, 2010). O protocolo III de 2005 referiu-se apenas a simbologia usada pelo Movimento Internacional da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho (CICV, 2010). 3.2. O Estatuto de Roma e o Tribunal Penal Internacional Durante a década de 1990, cortes internacionais avançaram a justiça criminal internacional em contextos regionais e dentro de mandatos jurídicos limitados. Alguns exemplos são o Tribunal Penal Internacional para a antiga Iugoslávia (TPII) e para Ruanda (TPIR), a Corte Especial para Serra Leoa, as Câmaras Extraordinárias das Cortes do Camboja (CECC), além de outras cortes criminais na Bósnia e Herzegovina, Kosovo e Timor-Leste (SCHEFFER; COX, 2008). Era crescente, então, a necessidade de criar um corpo judicial permanente com o objetivo de trazer líderes perpetradores de genocídio, crimes contra a humanidade e sérios crimes de guerra à justiça (SCHEFFER; COX, 2008). Depois de anos de trabalho da Comissão de Direito Internacional (CDI) da ONU, o Estatuto de Roma foi aprovado no dia 17 de Julho de 1998 e está em vigor desde o dia 1º de Julho de 2002. Ele reflete a convergência de sistemas de direito diferentes e constitui uma tentativa de administração global do direito penal (SCHEFFER; COX, 2008). Foi através do Estatuto de Roma que o Tribunal Penal Internacional (TPI) foi estabelecido, juntamente com seu funcionamento e jurisdição. O tribunal se limita aos mais graves crimes que concernem à comunidade internacional como um todo, julgando crimes de genocídio, crimes contra a humanidade, crimes de guerra e crimes de agressão (TPI,2011[1998]). Segundo o artigo 6 do estatuto, o crime de genocídio é definido como qualquer ato, entre homicídios, graves atentados à
  • 11. 1 1 integridade física, controle de nascimentos, privações intencionais de itens de primeira necessidade ou deslocamentos forçados de crianças que visem destruir, total ou parcialmente, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso (TPI, 2011[1998]). No artigo 7, os crimes contra a humanidade são definidos como: qualquer um dos atos seguintes, quando cometido no quadro de um ataque, generalizado ou sistemático, contra qualquer população civil, havendo conhecimento desse ataque: a) Homicídio; b) Extermínio; c) Escravidão; d) Deportação ou transferência forçada de uma população; e) Prisão ou outra forma de privação da liberdade física grave, em violação das normas fundamentais de direito internacional; f) Tortura; g) Agressão sexual, escravatura sexual, prostituição forçada, gravidez forçada, esterilização forçada ou qualquer outra forma de violência no campo sexual de gravidade comparável; h) Perseguição de um grupo ou coletividade que possa ser identificado, por motivos políticos, raciais, nacionais, étnicos, culturais, religiosos ou de gênero, tal como definido no parágrafo 3o, ou em função de outros critérios universalmente reconhecidos como inaceitáveis no direito internacional, relacionados com qualquer ato referido neste parágrafo ou com qualquer crime da competência do Tribunal; i) Desaparecimento forçado de pessoas; j) Crime de apartheid; k) Outros atos desumanos de caráter semelhante, que causem intencionalmente grande sofrimento, ou afetem gravemente a integridade física ou a saúde física ou mental. (TPI, 2011[1998], tradução nossa). As definições de crimes de guerra, explicitadas no artigo 8 do Estatuto de Roma, são largamente baseadas nas Convenções de Genebra de 1949 (TPI, 2011[1998]). O crime de agressão apenas foi definido em 2010, em conferência de revisão do estatuto em Kampala, Uganda, na qual se decidiu que este crime inclui invasão, ocupação militar, anexação pelo uso da força, bloqueio de portos e costas que sejam consideradas uma violação à Carta das ONU (TPI, [s.d.]) Contudo, o TPI não é uma corte de jurisdição universal que possa processar qualquer um que tenha cometido qualquer atrocidade em qualquer lugar do mundo. O indivíduo a ser acusado dos crimes previstos pelo Estatuto de Roma deve ser um nacional de um dos Estados-membros do documento ou ter cometido estes crimes no território de um deles (SCHEFFER; COX, 2008). 3.2.GLOSSÁRIO Comissão de Inquérito: Termo relacionado com comissões da verdade. Entretanto, possuem um alcance mais limitado, visto que suas investigações podem ser, por exemplo, limitadas a eventos específicos ou determinadas áreas geográficas de um país (USIP, [s.d.b]).
  • 12. 1 2 Direito à Verdade: Diz respeito ao direito básico e inalienável que um indivíduo, sendo ele a própria vítima de violações ou seus familiares, possui de conhecer por completo os atos de violência que sofreu, incluindo os motivos e os processos, assim como a localização de restos mortais (COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS DAS NAÇÕES UNIDAS [CDHNU], 2005; 2006). É um direito humano (CDHNU, 2006) que se refere à obrigação do Estado em disponibilizar informações acerca das circunstâncias em que foram cometidas violações graves de direitos humanos (NAQVI, 2006). Direito à Memória: Diz respeito ao direito que todos os indivíduos têm de possuir acesso aos bens materiais e imateriais que representem seu passado, sua tradição e sua história (FERNANDES, 2008). O direito à memória julga necessário o registro, na história oficial, de atos de violência e violações cometidos contra a sociedade, juntamente com a especificação de seus responsáveis e suas vítimas (ARAÚJO, 2011). Direito à Não-Repetição: Relacionado ao direito à verdade e ao direito à memória, o direito à não-repetição diz respeito à vontade de se impedir a repetição de violações ocorridas no passado (ARAÚJO, 2011). 4. POSICIONAMENTO DE BLOCOS 4.1. Bloco A – África África do Sul A África do Sul viveu durante 45 anos um regime segregacionista denominado apartheid, o qual negou direitos civis e políticos à população não branca. Tal segregação incluiu desde a proibição da posse de terras e do casamento inter-racial à criação de bantustões, territórios que confinavam certos grupos étnicos, segregando- os espacialmente. Dessa forma, visando a derrubar o governo racista, grupos de resistência se formaram, sendo mais proeminente o Congresso Nacional Africano (CNA) (THOMPSON, 2001). Objetivando esclarecer as atrocidades cometidas, foi estabelecida uma comissão da verdade no governo de Nelson Mandela, eleito após a queda do apartheid. Marcada por um sofisticado mandato, a comissão caracterizou-se por intensa participação da sociedade civil e pela possibilidade de conceder anistia individual (HAYNER, 2001). O relatório final da comissão responsabilizou tanto o governo anterior quanto os grupos opositores, incluindo o CNA. A responsabilização
  • 13. 1 3 de ambas as partes possibilitou a busca da reconciliação (GIBSON, 2006). A comissão sul-africana é considerada exemplar, uma vez que foi marcada por relativa imparcialidade, por um amplo mandato, pela participação popular e por assegurar os direitos à memória coletiva e à verdade (HAYNER, 2011). Atualmente, a África do Sul é governada por Jacob Zuma, presidente da república e do CNA. Chade Após a Guerra Civil Chadiana (1965-1979), um governo de coalizão foi formado. Disputas armadas surgiram entre os grupos que apoiavam o Presidente Oueddei e o Ministro da Defesa HisseneHabré. O último, tendo obtido o poder, instaurou um regime marcado por intensa repressão, assassinatos e tortura. Habré continuou no poder até o ataque liderado por um de seus antigos generais em 1990, IdrissDéby (USIP,[s.d.c]). Déby ocupa a presidência há 20 anos neste país africano, que é considerado um dos mais pobres do mundo. A fim de esclarecer os abusos cometidos durante o regime de Habré, foi criada em 1990 uma comissão da verdade que investigaria as extensas violações de direitos humanos cometidas entre 1982 e 1990, além de também considerar na investigação o desvio de dinheiro público ocorrido no período (USIP, 1990). A comissão concluiu que mais de 40 mil pessoas perderam suas vidas durante o governo de Habré. Ademais, a Direção de Documentação e Segurança (DDS), órgão criado durante a era Habré, foi considerada culpada, uma vez que representava o braço opressor do regime (USIP, 1990). Após ter sido deposto, o ex-presidente exilou-se no Senegal. Em 2005, a Bélgica exigiu na Corte Internacional de Justiça (CIJ) em Haia que Habré fosse extraditado. Cumprindo determinação da CIJ de optar por julgá-lo ou extraditá-lo, o governo senegalês decidiu, em agosto de 2012, estabelecer um tribunal especial a fim de levar Habré a julgamento (SENEGAL [...], 2013). Em 2008, uma corte chadiana havia condenado, in absentia, i.e., sem sua presença, Habré à morte (USIP, [s.d.c]). República Democrática do Congo (RD Congo) Apenas três meses depois de sua independência da Bélgica, acontecia o episódio que ficou conhecido como a Crise do Congo de 1960. Esta crise envolveu o motim do exército, intervenção humanitária belga para proteger a vida dos seus civis, lutas separatistas nas províncias ricas do sul e a divisão do país em várias facções rivais entre si (HASKIN, 2005). A crise teve seu fim com o golpe de Estado dado pelo
  • 14. 1 4 militar Mobutu, com o suporte da Agência Central de Inteligência (CIA, em inglês) dos Estados Unidos. O governo de Mobutu, durante a República do Zaire, é por vezes caracterizado como totalitário por ter se arrogado como instrumento supremo da sociedade (MAKOLI, 1992 apud HASKIN, 2005). Também foram características do período a repressão interna e a cleptocracia3 (AYITTEY, 1999; SILVA, 2012). Em 1996, o território do Zaire estava servindo de base para grupos armados que lutavam contra os regimes de Angola, Uganda, Burundi e Ruanda – incluindo a Interahamwe, responsável pelo Genocídio de Ruanda de 1994 (DUNN, 2003). As tensões internas e externas eclodiram com a Primeira Guerra do Congo (1996-1997), que resultou na rendição de Mobutu e na subida de Laurent Kabila ao poder no país que passou a se chamar RD Congo. Contudo, para tentar conquistar legitimidade interna, L. Kabila expulsou o exército ruandês do país e estabeleceu contato com os mesmos grupos rebeldes que a coalizão anti-Mobutu buscava combater (HASKIN, 2005; RENTON; SEDDON; ZEILIG, 2007). O ressurgimento destas tensões levou à Segunda Guerra do Congo (1998-2002), também conhecida como Guerra Mundial Africana. Estimativas apontam cerca de 5.400.000 mortes neste segundo conflito (INTERNATIONAL RESCUE COMMITTE [IRC], 2013), uma crise humanitária que alguns jornais se referiram como “meio-holocausto” (TURNER, 2007). Governo de ladrões, isto é, fundos e recursos públicos eram utilizados para ganhos privados em detrimento dos investimentos nacionais (SILVA, 2012). L. Kabila foi assassinado pelo seu próprio guarda-costas em 2001, por motivos ainda incertos, e a presidência foi passada para seu filho, Joseph Kabila (DUNN, 2003). O fim da guerra foi negociado com os Acordos de Lusaka e com o estabelecimento de diálogos para a transição democrática que resultaram no Acordo de Sun City em 2002 (HASKIN, 2005; HAYNER, 2011). Entre as propostas deste acordo estava a criação da Comissão da Verdade e Reconciliação, que tinha no seu mandato a investigação dos crimes acontecidos no país desde 1960. O processo de busca pela verdade foi atrapalhado pelos conflitos ainda presentes no país (HAYNER, 2011). A proposta de uma nova comissão da verdade foi feita em 2007, entretanto, preocupações mais imediatas, como a reforma do setor de segurança, não permitiram que a comissão se tornasse uma prioridade (HAYNER, 2011). Côte d’Ivoire Um golpe militar ocorrido em 1999 levou o General Robert Guéï à presidência da Costa do Marfim. Para evitar que AlassaneOuattara, um adversário político, candidatasse-se nas eleições de 2000, Guéï levou a cabo uma emenda constitucional
  • 15. 1 5 que proibiria que filhos de estrangeiros concorressem à presidência. Esperando a vitória, Guéï perdeu as eleições para Laurent Gbagbo, o qual foi considerado vitorioso. A eleição de Gbagbo gerou conflitos e tumultos, ceifando a vida de mais de 100 pessoas em Abidjan (USIP, [s.d.d]). O então recentemente empossado presidente teve a tarefa de estabelecer uma comissão de inquérito, denominado Comitê de Mediação para a Reconciliação Nacional. Entretanto, tal comitê não disponibilizou um relatório, limitando-se a recomendar que as eleições legislativas de dezembro de 2000 fossem postergadas. Todavia, Gbagbo ignorou as recomendações e as realizou sob um estado de emergência (USIP, [s.d.d]). Em 2010, conflitos pós-eleição novamente ocorreram. AlassaneOuattara saiu vitorioso e forças pró-Gbagbo recusaram-se a aceitar os resultados, o que gerou uma guerra civil. A comunidade internacional exigia a imediata posse de Ouattara. Os conflitos causaram milhares de mortes, fazendo com que, em 2011 com a posse de Ouattara, fosse estabelecida a Comissão da Verdade, Reconciliação e Diálogo. Tal comissão foi criticada devido à sua estreita relação com o presidente e seu mandato mal definido (HUMAN RIGHTS WATCH [HRW], 2012a). Egito Em janeiro de 2011, protestos disseminaram-se nas principais cidades egípcias exigindo a saída do presidente Hosni Mubarak do poder, o qual governava o país há três décadas. Mesmo sofrendo intensa repressão policial, a insatisfação generalizada garantiu a continuidade dos protestos. Após algumas semanas, Mubarak foi forçado a renunciar ao cargo e as forças armadas estabeleceram um governo transicional (HRW, 2012b). Mubarak foi condenado à prisão perpétua em 2013 pelas mortes ocorridas em protestos contra seu governo e por corrupção (MUBARAK [...], 2012). Todavia, em janeiro de 2013, uma corte egípcia determinou um novo julgamento para Mubarak e seu Ex-Ministro do Interior, também condenado à prisão perpétua (MUBARAK [...],, 2012). Em 2013, Mohammed Morsi foi eleito presidente do Egito. Sua eleição esteve marcada por relativa polêmica, uma vez que seu partido, a Irmandade Muçulmana, é criticado por ativistas seculares e pelo receio de um golpe militar por parte da junta que governava o país (KIRKPATRICK, 2012). Libéria
  • 16. 1 6 Em 1989 Charles Taylor entrou em conflito com o regime do presidente liberiano Samuel Doe. A disputa pelo poder tornou-se uma guerra civil, a qual tornou proporções gigantescas. Mais de 200 mil pessoas perderam suas vidas e mais de um milhão foram desabrigadas (USIP, [s.d.e]). Entre 1990 e 1996, apesar de tentativas de se estabelecer acordos de paz, o país permaneceu instável. Em 1997, Taylor foi eleito presidente em um país marcado pelo medo. Em 1999, os conflitos reiniciaram após grupos rebeldes armados tentarem desestabilizar o governo de Taylor. Em 2003, um governo de transição foi estabelecido após um acordo de paz entre o governo, os partidos políticos principais e os grupos rebeldes em Acra, Gana (USIP, [s.d.e]). Já delineada no Acordo de Paz de Acra, uma comissão da verdade foi estabelecida em 2005 pela Assembleia Legislativa Transicional Liberiana. Ela deveria investigar violações de direitos humanos cometidas entre jan. 1979 e out. 2003, podendo incluir acontecimentos ocorridos antes de 1979 caso lhe fosse necessário (USIP, [s.d.e]). De acordo com o relatório final da comissão, pobreza, corrupção, educação precária, desigualdades sociais, concentração fundiária, escassez de mecanismos para resolução de conflitos estavam entre as causas do conflito. Todas as partes envolvidas seriam culpadas pelos abusos cometidos, incluindo crimes de guerra e contra a humanidade. Por fim, governos estrangeiros europeus, africanos e americanos teriam contribuído para o agravamento do conflito (USIP, [s.d.e]). Em 2011, Ellen Johnson Sirleaf foi eleita presidente da Libéria. Ela é a primeira presidente mulher da África, ganhado o Prêmio Nobel da Paz pela sua luta não violenta pela a segurança e direito das mulheres a participação no trabalho de construção da paz (PAYE-LAYLEH; CALLIMACHI, 2011). Namíbia Antigo território alemão, a Namíbia foi ocupada pela África do Sul após a Primeira Guerra Mundial, tendo recebido um mandato pela Liga das Nações. Após a criação da Organização das Nações Unidas (ONU), foi demandado que os sul- africanos se retirassem do território namibiano, o que não foi atendido. Embora não houvesse incorporado a Namíbia ao seu território, o governo sul-africano tratava o “Sudoeste Africano” como uma província, implantando inclusive seu regime segregacionista, o apartheid(CONWAY, 2003). O conflito pela independência envolveu forças sul-africanas e grupos rebeldes, notadamente a Organização do Povo do Sudoeste Africano (SWAPO, em inglês). Embora forças sul-africanas tenham sido responsáveis pela maioria das violações de direitos humanos, a SWAPO também é considerada responsável pelo desaparecimento de centenas de pessoas em campos
  • 17. 1 7 na Angola e na Zâmbia (CONWAY, 2003). Samuel Nujoma, presidente da Namíbia e da SWAPO de 1990 a 2005, opôs-se fortemente à criação de uma comissão. Para ele, uma comissão reviveria feridas desnecessariamente, visto que a reconciliação “já havia sido obtida” e a Namíbia não deveria ser cópia de nenhuma outra nação (MALETSKY, 2005) A questão dos detentos nos campos da SWAPO foi o fator que melhor explica a decisão do governo namibiano de não criar uma comissão da verdade (CONWAY, 2003). Para o partido, a exposição dos abusos cometidos em seus campos não seria bem aceita. Para mitigar o “descaso” governamental, a SWAPO lançou um livro com o s nomes dos desaparecidos, chamando-os de “heróis”. Todavia, a oposição o apelidou de “Livro dos Mortos” (CONWAY, 2003). HifikepunyePohamba, também da SWAPO, foi reeleito presidente da Namíbia em 2009 em eleições foram consideradas por observadores como limpas e justas. Ruanda Em 1990, a Frente Patriótica Ruandesa (FPR), milícia de etnia tutsi organizada em Uganda, invadiu Ruanda visando à deposição do presidente de etnia hutu, JuvénalHabyarimana. O conflito entre o governo e a FPR se estendeu por anos, no qual cada parte atacou civis da etnia adversária (USIP, [s.d.f]) Embora tenha havido um cessar-fogo em 1992 e um acordo de paz tenha sido assinado em Arusha, Tanzânia, em 1993, tensões entre as etnias persistiram. Em 1994, após o assassinato dos presidentes de Ruanda e Burundi, ambos hutus, teve início o Genocídio de Ruanda, matando em 100 dias algo entre meio milhão e um milhão de pessoas (USIP,[s.d.g]). Prevista nos acordos de Arusha, uma comissão da verdade foi estabelecida em 1999, tornando-se operacional em 2002. Em seus relatórios, constatou-se que questões socioeconômicas foram mais responsáveis pelas divisões existentes do que a questão étnica. Além disso, propôs-se a criação de leis antidiscriminatórias, sendo tal demanda posteriormente atendida pelo poder legislativo (USIP,[s.d.g]). Paul Kagame é o atual presidente ruandês, tendo sido reeleito em 2010. Observadores internacionais de direitos humanos consideram que o governo restringe as liberdades políticas, sendo considerado autoritário (DOYA, 2010). Serra Leoa Após o fim da Guerra Civil de Serra Leoa (1991-2002), o país africano recorreu ao mecanismo da comissão da verdade para investigar violações do passado e tentar construir um futuro mais justo (HAYNER, 2011). A Comissão da Verdade e
  • 18. 1 8 Reconciliação ficou ativa de 2002 a 2004 e seu objetivo era buscar a construção de um registro histórico imparcial das violações e abusos de direitos humanos e direitos humanitários internacionais relacionados com o conflito armado em Serra Leoa, desde 1991 até a assinatura da Paz de Lomé; impedir a impunidade, responder às necessidades das vítimas, promover recuperação e reconciliação e prevenir a repetição das violações e abusos sofridos (TRUTH AND RECONCILIATON ACT, 2000 apud HAYNER, 2011, tradução nossa). Inicialmente desenhada para ser uma comissão independente, ela foi colocada sob a autoridade do escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para Direitos Humanos. Seu orçamento foi limitado, assim como o tempo destinado às audiências públicas e o tamanho do quadro de funcionários. Entretanto, militares de ambos os lados do conflito admitiram a prática de atos ilegais, e cerimônias de reconciliação foram feitas por todo o país. Além disso, o relatório final produzido foi satisfatório, preenchendo quatro volumes e ainda com uma versão para crianças (HAYNER, 2011). Ainda assim, o maior problema relativo à comissão é a falta de capacidade e vontade política do governo de Ernest BaiKoroma em cumprir as recomendações dadas pela comissão e necessárias para que o mandato fosse cumprido. Além disso, a criação de uma Corte Especial para Serra Leoa no âmbito das Nações Unidas criou certa confusão sobre os poderes da comissão. Percebe-se, portanto, que a transição em Serra Leoa enfrenta dificuldades, mesmo com os avanços existentes (HAYNER, 2011). Uganda Em 1971, o oficial do exército Idi Amin Dada realizou um golpe e retirou do poder o então presidente Milton Obote, que era visto como autoritário. Entretanto, Idi Amin rapidamente dissolveu o parlamento e alterou a constituição. As forças armadas foram utilizadas como aparato repressivo, ocasionando centenas de assassinatos e desaparecimentos (USIP, [s.d.h]). Pressionado pela opinião pública, Idi Amin criou uma comissão de inquérito visando a esclarecer os desaparecimentos ocorridos nos primeiros anos de seu governo. Todavia, o estabelecimento de uma comissão não afetou a brutalidade de seu governo e tampouco um relatório foi publicado (USIP, [s.d.h]). Em 1979, o governo de Idi Amin teve fim após uma invasão de forças tanzanianas, juntamente com ugandenses em exílio (USIP, [s.d.h]). Em 1980, Obote retorna ao poder, onde permanece até 1985, deposto por um golpe militar. Tito Okellopermanece no poder até 1986, quando um novo golpe promovido pelo Exército de Resistência Nacional (ERN), um grupo paramilitar rebelde, levou o atual presidente YoweriMuseveni ao poder (UGANDA [...], 2012). O governo de Museveni, a fim de
  • 19. 1 9 melhorar sua imagem perante a comunidade internacional, criou uma comissão de inquérito que investigaria os abusos cometidos desde a independência, em 1962, até o momento em que Museveni chegou ao poder. A comissão deveria investigar violações de direitos humanos, devendo focar especificamente em prisões e detenções arbitrárias e assassinatos. A comissão chegou a concluiu que havia um extenso problema de detenções arbitrárias, sugerindo a criação de leis que garantissem o direito ao julgamento e a inserção de noções de direitos humanos no currículo escolar (USIP, [s.d.h]). Zâmbia A Zâmbia possui uma história relativamente pacífica, se comparada a seus vizinhos africanos. Entre 1964 e 1991, destacou-se na política externa zambiana o apoio aos movimentos contrários ao apartheid na África do Sul – que à época incluía a Namíbia – e na Rodésia do Sul – atual Zimbábue. Sobre pressão popular, mudanças constitucionais foram feitas em 1991 para permitir um regime multipartidário (ZAMBIA [...], 2012). Em 1999, Zâmbia pressionaria as partes envolvidas na Segunda Guerra do Congo (1998-2002) a assinar um acordo de paz conhecido como Acordo de Lusaka. Este acordo serviria de base para o Acordo de Sun City de 2002, que previa uma comissão da verdade na RD Congo (DUNN, 2002). Em 2011, pela primeira vez, um partido de oposição – a Frente Patriótica (PF em inglês) – vence as eleições presidenciais e Michael Sata – apelidado de King Cobra – assume a liderança do país (MICHAEL [...], 2011). O novo governo organizou comissões de inquérito para averiguar transações governamentais que possam ter afetado adversamente os cidadãos do país (ZÂMBIA, [s.d.]). Apesar de alguns líderes que fazem oposição a Sata pedirem por uma comissão da verdade para investigar casos de corrupção, membros do governo têm sido enfáticos em dizer que a Zâmbia não precisa deste tipo de comissão já que o país é unido e pacífico (CHIPIMO [...], 2012; JUSTICE [...], 2012). 4.2. Bloco B – América Latina e Caribe Argentina Após o golpe militar em março de 1976, uma série de juntas militares exerceram Após o golpe militar em março de 1976, uma série de juntas militares exerceram poder sobre a Argentina. Ao mesmo tempo, um movimento guerrilheiro de
  • 20. 2 0 oposição esquerdista crescia, gerando uma luta armada de setes anos contra o governo. Tal conflito resultou no desaparecimento, tortura e morte de milhares de pessoas suspeitas de apoiar posicionamentos contra o gloverno (USIP, [s.d.i]). Em 1983, Raúl Alfonsín foi eleito presidente e, em 16 de dezembro do mesmo ano, criou a Comissão Nacional Sobre o Desaparecimento de Pessoas (CONADP, em espanhol). A comissão funcionou até 20 de setembro de 1984, possuindo a duração de nove meses durante os quais investigou o desaparecimento de pessoas no período entre 1976 e 1983, incluindo fatos envolvidos nesses casos e a localização dos corpos de pessoas desaparecidas (USIP, [s.d.i]). Entretanto, durante o governo de Alfonsín (1983-1989), foram promulgadas leis que anistiaram os agentes da ditadura (CARMO, 2011). O relatório completo da CONADP foi emitido em 20 de setembro de 1984. A comissão reportou um total de 8960 desaparecimentos, chegando à conclusão de que todas as pessoas desaparecidas foram mortas (USIP, [s.d.i]). Em 1992, foi criada a Comissão Nacional para o Direito à Identidade (CONADI), com o intuito de centralizar a busca de crianças desaparecidas durante a Guerra Suja. Em 1994, a Argentina reformou sua constituição, obrigando o Estado a adotar medidas para assegurar o pleno exercício dos direitos humanos (USIP, [s.d.i]). Também é importante ressaltar o movimento Mães da Praça de Maio. Este movimento começou quando um grupo de mães de desaparecidos políticos protestaram na praça de mesmo nome, no centro de Buenos Aires no dia 30 de Abril de 1977. Elas protestavam com a cabeça coberta com um lenço branco bordado com o nome de seus filhos. Logo, o movimento se tornou o mais importante grupo argentino contra as violações de direitos humanos no país. O movimento Avós da Praça de Maio surgiu em condições parecidas e endereçava o problema dos sequestros de filhos de desaparecidos políticos. (NELLI, 2009; QUIENES, 2008). Cristina Fernández Kirchner é a atual presidente da nação argentina desde 2007. Brasil Em 1964, militares apoiados por setores da sociedade civil deram um golpe de Estado que derrubou o presidente João Goulart e instalou um regime militar que foi até 1985. Afirmando estarem protegendo o país de uma ameaça comunista, os militares basearam seus governos em decisões arbitrárias e medidas de exceção, baseadas legalmente nos Atos Institucionais. Tais atos eram emendas à constituição que chegaram ao ápice do autoritarismo com o Ato Institucional nº 5 que: “que autorizava o presidente da República, em caráter excepcional e, portanto, sem apreciação judicial, a: decretar o recesso do Congresso Nacional; intervir nos estados e municípios;
  • 21. 2 1 cassar mandatos parlamentares; suspender, por dez anos, os direitos políticos de qualquer cidadão; decretar o confisco de bens considerados ilícitos; e suspender a garantia do habeas-corpus” (FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS [FGV], [s.d.]). Desaparecimentos forçados eram frequentes, assim como emissão de sentenças sem julgamentos. As universidades funcionavam sob vigia constante e vários professores foram demitidos, além de vários alunos perderem o direito de concluir seus cursos. No âmbito político, percebia-se que o funcionamento do Congresso Nacional era meramente figurativo, com cassações constantes e manipulação nas votações. Com o fim do regime e a redemocratização, várias tentativas de implantar comissões da verdade foram feitas, mas não houve sucesso. A pressão dos setores militares sempre foi muito grande, assim como sua influência na estrutura de poder do Brasil. O principal avanço foi o estabelecimento da Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos em 1995 (BRASIL, 1995), implantada pelo Ministério da Justiça e responsável por investigar os desaparecimentos do período compreendido entre 02 de setembro de 1961 a 05 de outubro de 1988 (BRASIL, 1995). Outro avanço foi a criação da Comissão de Anistia, instalada em 2001, que tem como objetivo indenizar aqueles que foram impedidos de exercer atividades econômicas por motivos políticos de 18 de setembro de 1946 até cinco de outubro de 1988 (BRASIL, 2002; MJ, 2013b). Ainda que com críticas, a Comissão Nacional da Verdade foi finalmente instalada em 2012, durante o governo de Dilma Rousseff. Há um estudo de caso sobre o Brasil na segunda sessão deste guia. Chile Em 1973, o presidente chileno Salvador Allende foi retirado do poder e substituído pelo General Augusto Pinochet, que posteriormente foi acusado de numerosos atos de repressão contra os grupos de oposição. Com a crescente pressão social, em 1989, Pinochet permitiu a realização de eleições gerais e perdeu para Patrício Aylwin. No ano seguinte, Aylwin estabeleceu a Comissão Nacional para a Verdade e Reconciliação, também conhecida como Comissão Rettig, com o intuito de investigar violações de direitos humanos ocorridas durante o regime de Pinochet (USIP, [s.d.j]). A comissão deveria documentar violações de direitos humanos que resultaram em morte ou desaparecimento durante o período de 11 de setembro de 1973 a 11 de março de 1990. Entretanto, abusos como tortura que não resultaram em morte se encontravam fora do âmbito do mandato da comissão (USIP, [s.d.j]). Em fevereiro de 1991 foi divulgado o relatório final da comissão, que documentou 3428 casos de desaparecimento, assassinato, tortura e sequestro (USIP, [s.d.j]). Em 1992,
  • 22. 2 2 foi estabelecida a Corporação Nacional de Reparação e Reconciliação (CNRR), que continuou as investigações não concluídas pela comissão (USIP, [s.d.j]). Foi fornecido apoio financeiro para as famílias das vítimas mencionadas no relatório final, contabilizando um total aproximado de 16 milhões de dólares por ano. Entretanto, tal programa foi limitado visto que a Comissão de 1990 não poderia abordar vítimas de violações de direitos humanos fora de seu mandato (USIP, [s.d.j]). Dessa forma, em 2003, o então presidente Ricardo Lagos estabeleceu uma segunda comissão. A Comissão Nacional sobre Prisão Política e Tortura, também conhecida como Comissão Valech, teria como função documentar abusos adicionais cometidos durante a ditadura militar (USIP, [s.d.j]). Possuindo mandato de setembro de 2003 a junho de 2005, a nova comissão documentou abusos de direitos civis ou de tortura por motivos políticos, ocorrido entre 11 de setembro de 1973 e 10 de março de 1990 (USIP, [s.d.k]). Seu relatório foi apresentado em 10 de novembro de 2004, tendo sido apresentado também um relatório complementar com 1000 novos casos, os quais a comissão não pôde lidar dentro do prazo original de seu mandato (USIP, [s.d.k]). Concluiu-se que tortura e detenção foram usadas como uma ferramenta para o controle político por parte do Estado, sendo perpetuadas por decretos e leis que protegiam o comportamento repressivo (USIP, [s.d.k]). Em 2005, o governo chileno forneceu a 28459 vítimas registradas, ou a seus parentes, educação gratuita, moradia e saúde. Em 2009, foi criado o Instituto de Direitos Humanos (USIP, [s.d.k]). Colômbia Desde 2002, o governo colombiano tem obtido sucesso na luta contra rebeldes, conseguindo retomar o controle de grande parte do território antes controlado por esses grupos (COLOMBIA [...], 2012). Durante seu mandato, o ex-presidente Álvaro Uribe implementou políticas contra o maior grupo rebelde colombiano, as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC). Seu sucessor, Juan Manuel Santos, atual presidente e forte aliado político de Uribe, reforça este mesmo posicionamento contra as FARC, fazendo com que em 2012 somente 6% do território colombiano estivesse sob a ameaça de grupos rebeldes (COLOMBIA [...], 2012). Entretanto, críticos ressaltam que causas profundas dos conflitos com essas forças ainda não foram resolvidas, visto que novos grupos ilegais armados continuam a surgir (COLOMBIA [...], 2012) A Colômbia também enfrenta problemas relacionados a grupos paramilitares de extrema direita, que se encontram relacionados a cartéis de drogas, geralmente apoiados por elementos do exército e da polícia. Tais grupos têm como alvos ativistas de direitos humanos, camponeses suspeitos de ajudar
  • 23. 2 3 guerrilheiros de esquerda, crianças de rua e demais grupos marginais (COLOMBIA [...], 2012). Em 2009, a Colômbia concluiu a Comissão da Verdade no Palácio da Justiça, que reportou que mais de cem pessoas foram mortas ou desapareceram durante uma operação militar voltada para a retomada do Palácio da Justiça, apreendido por guerrilhas, em novembro de 1985 (HAYNER, 2011). Entretanto, uma história mais abrangente de violência foi excluída. Em 22 de fevereiro de 2012, o ex- presidente Ernesto Samper anunciou que apresentaria ao congresso e ao governo colombianos um projeto de lei para que fosse criada uma nova comissão da verdade, visto que o novo ambiente vivido na Colômbia desde que Juan Manuel Santos foi eleito presidente é propício. O novo governo reconheceu legalmente a existência de conflitos armados no território colombiano, iniciando um processo de apoio às vítimas juntamente com a restituição de suas terras (ERNESTO [...], 2012). Entretanto, apesar das negociações entre o governo e as FARC, no dia 31 de janeiro de 2012 houve a divulgação de que o Exército da Colômbia matou, durante um ataque aéreo, ao menos 13 rebeldes do grupo em um acampamento no noroeste do país (EXÉRCITO [...], 2013). El Salvador A década de 1970 apresentou, em El Salvador, um crescente apoio público a movimentos de esquerda, ao mesmo tempo em que a repressão do governo aumentava (USIP,[s.d.l]). No ano de 1980, uma série de juntas militares falhas exerceu poder sobre o país. Em 1981, guerrilheiros de esquerda e grupos políticos articularam forças, formando a Frente FarabundoMartí de Libertação Nacional (FMLN). Ao longo da década de 1980, uma guerra civil foi travada entre a FMLN e as forças militares apoiadas pelos Estados Unidos (USIP, [s.d.l]). Com o aumento da atenção internacional voltada para a situação instável e a partir de um pedido de ambas as partes, a ONU iniciou um processo de intervenção visando ajudar a mediar uma resolução que finalizasse o conflito (USIP, [s.d.l]). Com o acordo de paz e fim das hostilidades, em 1992, foi instituída a Comissão da Verdade para El Salvador (CVES), que teria mandato até 1993. Ela estava encarregada de investigar atos graves de violência que ocorreram desde 1980 e recomendar métodos para promover a reconciliação nacional (USIP, [s.d.l]). Em 15 de março de 1993, a comissão apresentou seu relatório final. Foram documentados mais de 22 mil testemunhos, dentre os quais 60% envolviam assassinatos extrajudiciais, 25% desaparecimentos e 20% tortura (USIP, [s.d.l]). Entretanto, o governo civil e as forças armadas rejeitaram o relatório. Cinco dias após a divulgação do relatório, foi aprovada uma lei de anistia
  • 24. 2 4 geral que abrangesse todos os crimes relacionados à guerra civil (USIP, [s.d.l]). Em 1996, sobre pressão da ONU, foi aprovado um novo Código de Processo Penal (USIP, [s.d.l]). Nas eleições de 2009, Mauricio Funes do FMLN, agora um partido político, foi escolhido como representante do povo salvadorenho. Guatemala A partir de meados da década de 1950 e através da década de 1970, a Guatemala enfrentava crescente repressão estatal contra a sociedade em resposta a inquietação gerada por grupos de milícias. Em 1982, foi realizada uma campanha militar contra a Unidade Revolucionária Nacional da Guatemala (URNG), união dos quatro principais grupos guerrilheiros de esquerda, resultando em um alto número de mortes. Ambas as partes retomaram o diálogo em 1993 através de esforços da ONU (USIP, [s.d.m]). Em 1983, foi estabelecida a Comissão para Clarificação Histórica, em parte como um acordo de paz entre o governo da Guatemala e a URNG. A comissão exerceu eu mandato até 1999, possuindo como função a clarificação de violações de direitos humanos relacionadas ao conflito interno que durou trinta e seis anos, de 1960 até o acordo de 1996. Deveria também promover a tolerância e preservar a memória das vítimas. Seu relatório final Guatemala: Memória do Silêncio foi apresentado em 25 de fevereiro de 1999 (USIP, [s.d.m]). Através da comissão, descobriu-se que as práticas repressivas eram perpetuadas por instituições dentro do próprio Estado, em particular no judiciário. O número total de pessoas mortas foi maior que 200 mil, sendo que 83% das vítimas eram maias e 17% landins (USIP, [s.d.m]). O então presidente Álvaro Arzú desculpou-se pelo papel do governo nos abusos denunciados no relatório, entretanto não anunciou nenhuma medida de acompanhamento (USIP, [s.d.m]). Em acordo entre a ONU e a Guatemala, a Comissão Internacional Contra a Impunidade na Guatemala (CICIG) entrou em vigor em setembro de 2007, conduzindo investigações independentes. Ela teve como função apresentar queixas criminais para a Procuradoria Pública da Guatemala e tomar parte em procedimentos criminais como uma procuradoria complementar, promovendo reformas legais e institucionais e publicando relatórios periódicos (USIP, [s.d.m]). Haiti Em setembro de 1991, o presidente do Haiti, Jean Bertrand Aristide, foi deposto em um golpe militar. Assumindo o poder, o General Raoul Cédras governou um regime opressivo marcado por inúmeras violações de direitos humanos (USIP,
  • 25. 2 5 [s.d.n]). Em julho de 1994, Aristide retornou ao poder com o apoio da ONU e de vinte mil soldados norte-americanos. No mesmo ano foi instaurada a Comissão Nacional para a Verdade e Justiça, que durou até fevereiro de 1996 (USIP, [s.d.n]). A comissão possuía como mandato a investigação de abusos aos direitos humanos ocorridos ao longo do período de três anos, iniciado no dia 30 de dezembro de 1991 com o golpe que derrubara o presidente eleito até a sua restauração em 1994 (USIP, [s.d.l]). Somente 75 cópias foram feitas do relatório final da comissão apresentado em 05 de fevereiro de 1996 (USIP, [s.d.n]). Durante sua atuação, a comissão recebeu mais de 5.500 testemunhos e identificou 8.667 vítimas. Foram feitas investigações especiais acerca de casos de violência sexual contra mulheres, sobre o massacre em abril de 1994 em Raboteau e abusos contra jornalistas e meio de comunicação. Entretanto, poucos processos essenciais foram realizados e a maioria das vítimas ainda aguarda justiça (USIP, [s.d.n]). Atualmente, o presidente do Haiti é Michel Martelly – também conhecido pelo seu nome artístico: Sweet Mickey – e o primeiro-ministro é Laurent Lamothe. México Marcado por grandes casos de corrupção, abusos de poder e violações de direitos humanos, o sistema político mexicano foi governado pelo Partido Revolucionário Institucional (PRI) de 1929 a 2000. Entretanto, em 2001, o então presidente Vicente Fox, membro do Partido Ação Nacional (PAN), determinou a criação da Procuradoria Especial para Movimentos Sociais e Políticos do Passado (FEMOSPP) (MIGUEL AGUSTÍN JUÁREZ, 2004). O mandato da procuradoria estava repleto de limitações, principalmente porque se limitava a crimes federais praticados por funcionários públicos, excluindo outros atores que participaram da repressão (QUEZADA; RANGEL, 2006). Em 2011, o atual presidente Felipe Calderón ressaltou que o Estado mexicano não é assassino, descartando dessa forma a criação de uma nova comissão para a verdade a nível federal (MELGAR; OLSON; TORIBIO, 2013). Porém, em 2012, uma comissão foi instaurada no Estado de Guerrero, estando encarregada de esclarecer os atos cometidos pelo governo durante o período da Guerra Suja, da mesma forma em que exporia os aparatos que permitiram os abusos. A comissão perdurará por dois anos, possuindo como uma de suas metas a confecção de um relatório final sobre a situação durante e após o ocorrido, juntamente com a compensação das vítimas pelos danos (CABRERA, 2013). Nicarágua Atualmente governada pelo ex-líder guerrilheiro sandinista Daniel Ortega, a Nicarágua está lutando para superar os efeitos de uma ditadura e guerra civil. Em 1984, os sandinistas ganharam a eleição, porém, por sua orientação esquerdista e
  • 26. 2 6 aproximação à União das Repúblicas Socialistas Soviéticas e Cuba, despertaram a hostilidade norteamericana (NICARAGUA [...], 2012). Foi nesse cenário que um grupo contrarrevolucionário, os Contras, patrocinados pelos Estados Unidos, iniciaram ondas de ataques na Nicarágua a partir de uma base em Honduras. O país centro-americano passou então a enfrentar, também, sanções e ataques armados a seus portos (NICARAGUA [...], 2012). Debates acerca da criação de uma comissão para a verdade na Nicarágua foram feitos. Entretanto, foi ressaltado que a comissão desestabilizaria o país, que ainda continuava dividido e democraticamente instável. Por outro lado, defensores de tal comissão argumentam que após o conhecimento da verdade e dos mecanismos que possibilitaram o Estado promover violações contra a sociedade será possível renovar a força policial do país, cessando completamente abusos contra direitos humanos (DARLING, 2013). 4.3. Bloco C - Ásia Afeganistão Desde o golpe de Estado socialista de 1978, o Afeganistão esteve envolvido em três ondas de guerras: a Invasão Soviética no Afeganistão (1979-1989), que ajudou a manter o regime socialista; a Guerra Civil Afegã (1992-2001), durante a qual o Talibã tomou o poder a partir de 1996; e a Guerra do Afeganistão (2001-atualidade), caracterizada pela invasão americana após os atentados do dia 11 de Setembro de 2001 (MALEY, 2002). Além do apoio a grupos terroristas como a Al-Qaeda, o governo do Talibã (1996-2001) foi caracterizado por uma rigorosa aplicação de leis islâmicas. Esta aplicação incluiu a obrigatoriedade do uso de burcas pelas mulheres, o banimento da televisão, a prisão de homens cujas barbas não fossem suficientemente longas, a proibição da atividade de empinar pipas e entre outros (BAJORIA, 2013; PODELCO, 2002). Em 2002, o então líder interino e atual presidente, Hamid Karzai, apoiou a criação de uma comissão da verdade no país para investigar atrocidades aos direitos humanos no passado com o objetivo de curar as feridas dos afegãos ou, ao menos, reconhecer a existência delas (CLARK, 2013). Contudo, nenhum outro posicionamento foi dado sobre a questão desde então. Este fato provavelmente acontece devido ao delicado dilema de segurança e reconciliação no qual se encontra o governo do Afeganistão (RASHID, 2012). Depois de onze anos de guerra, o Talibã fez declarações públicas – através de seu escritório no Qatar – sobre suas intenções de manter conversações com os Estados Unidos, o que deve auxiliar a retirada das tropas da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), prevista para 2014.
  • 27. 2 7 Contudo, o movimento fundamentalista ainda se recusa a manter negociações oficiais com o governo de Karzai, o que torna ainda mais incerto o futuro da estabilidade política do país após a retirada das forças estrangeiras. As declarações políticas feitas pelo presidente sobre reconciliação com o Talibã são, por vezes, contraditórias, refletindo a dividida opinião pública do país sobre o assunto e a incerteza sobre a presença militar ocidental para os próximos anos (RASHID, 2012). Camboja Com o fim da Guerra do Vietnam e da presença americana na região, o governo anticomunista do Camboja foi deposto por um grupo chamado Khmer Vermelho, liderado por PolPot (LAMBOURNE, 2008). Estima-se que, durante os quatro anos em que o Khmer Vermelho esteve no poder e tentou aplicar sua ideia de uma utopia agrícola, 1,7 milhões de pessoas foram executadas ou morreram de fome, doença ou excesso de trabalho (LAMBOURNE, 2008). À época isto era 20% da população do país (ROASA, 2013). O Camboja Democrático teve seu fim com a intervenção vietnamita em 1979, que iniciou uma nova fase no país – a então República Popular do Camboja (RPC). Durante a RPC, houve pouco interesse em recontar histórias sobre o genocídio promovido pelo Khmer Vermelho. Os motivos incluem o medo de falar sobre assuntos tão delicados em um período ainda instável, uma preferência do governo em se acomodar com os genocidas ao invés de confrontá-los, um judiciário fraco demais para fazer julgamentos desta proporção e a tendência do budismo cambojano de não enfrentar conflitos (HAYNER, 2011). Neste período, as construções religiosas – como igrejas, mesquitas, wats e pagodes – se tornaram importantes espaços públicos para a reconciliação pessoal e comunitária. Stupas e memoriais foram construídos nos vários lugares relacionados ao terror da época do Khmer Vermelho (CIORCIARI; RAMJINOGALES, 2012), contribuindo, assim, para o direito à memorização. Em 1989, o Vietnam deu fim à intervenção e o Camboja renunciou ao regime socialista, iniciando reformas e eleições sob a supervisão da Autoridade Transicional das Nações Unidas no Camboja (ATNUC). O objetivo central da breve administração da ONU no país foi manter a paz e organizar eleições. Verdade, reconciliação e justiça foram postas de lado por medo de represálias de insurgentes ainda ativos do Khmer Vermelho. Em 1993, o Reino do Camboja foi reestabelecido e tem Hun Sen como primeiro-ministro desde então (LAMBOURNE, 2008). Com a morte de PolPot em 1998, os principais líderes do Khmer Vermelho renderam-se, alguns em troca de anistia (HAYNER, 2011; CIORCIARI; RAMJINOGALES, 2012). À época, a criação de uma comissão da verdade para o país
  • 28. 2 8 foi sugerida, mas houve pouco espaço político para o seu debate e logo o governo do Camboja e a ONU optaram por um tribunal. A falta de acordo sobre a que nível os acusados deveriam ser julgados – nacional ou internacional – atrasou o início das atividades judiciárias, que só começaram em 2006. Por fim, optou-se por um tribunal híbrido, dentro do sistema judicial cambojano – as Câmaras Extraordinárias das Cortes do Camboja (CECC), também conhecidas como o Tribunal para o Khmer Vermelho (LAMBOURNE, 2008; CIOCIARI; RAMJI-NOGALES, 2012). Na religião budista, wats são templos mosteiros e pagodes são templos em formato de torre. Stupas são monumentos budistas usados para adoração e lembrança. Ainda que as CECC possam contribuir para a reconciliação e a promoção do direito a verdade, o processo de transição orquestrado como um tribunal tem como objetivo a justiça e a definição de culpa e inocência (CIOCIARI; RAMJI-NOGALES, 2012). Este formato, então, cria algumas limitações já que, em relação a uma comissão da verdade, permite menos espaço para a participação das vítimas. A falta deste espaço para a promoção da verdade tem levado o governo a focar na educação pública como um meio de tornar públicos os abusos aos direitos humanos perpetrados durante o período do Camboja Democrático (CIOCIARI; RAMJI-NOGALES, 2012). Isto tem sido particularmente importante nas cidades ao noroeste do país, onde parte da população ainda apoia os líderes do Khmer Vermelho (ROASA, 2013). Outro problema encontrado neste processo de transição é a falta de recursos financeiros para compensar milhões de vítimas pelas perdas econômicas e pessoais promovidas pelo Estado na década de 1970 (CIOCIARI; RAMJI-NOGALES, 2012). China Em 1989, na República Popular da China, as pressões por liberdade política, a inflação, o desemprego, os escândalos de corrupção e o preço altamente flutuante dos grãos desencadearam uma onda de revoltas. O estopim para as manifestações foi a morte por ataque cardíaco do reformista Hu Yaobang, ex- Secretário Geral do Partido Comunista da China, durante uma reunião do partido no dia 15 de Abril (BROWN, 2009). A partir deste dia, protestos organizados por intelectuais e estudantes aconteceram por todo o país, especialmente na Praça Tiananmen – a Praça da Paz Celestial –, e no dia 13 de maio alguns dos manifestantes iniciaram uma greve de fome. Uma semana depois, outro líder reformista, o então Secretário-Geral do Partido Comunista ZhaoZiyang, visitou a praça e conversou com alguns manifestantes, sendo expulso do partido e posto em prisão domiciliar alguns dias depois (BROWN, 2009). No dia seguinte a visita de Zhao, 20 de
  • 29. 2 9 Maio, a lei marcial foi instaurada no país e, no dia 04 de Junho, o exército chinês marchou em direção à praça a partir de várias direções, disparando aleatoriamente nos civis desarmados (BROWN, 2009; 1989: MASSACRE [...], [s.d.]). O evento ficou conhecido como o Massacre da Praça da Paz Celestial, ainda que a maior parte das mortes tenha acontecido fora da praça pelas ruas de Beijing e que muitas das vítimas não estivessem participando das manifestações (BROWN, 2009). A censura na cobertura do evento deixa incerta a quantidade de vítimas, com estimativas variando entre poucas centenas a vários milhares (BROWN, 2009). Vinte e três anos depois do ocorrido, discussões sobre o massacre continuam sendo um tabu no país. Autoridades chinesas bloqueiam o resultado de pesquisas de termos relacionados ao evento pela internet e apagam blogs que se referem ao Massacre da Praça da Paz Celestial ou outros assuntos politicamente sensíveis (MACKINNON, 2008; MOSKVITCH, 2013). Em 2012, o departamento de Estado dos Estados Unidos pediu para que o governo de Hu Jintao provesse total contabilidade pública daqueles que foram mortos, presos ou desaparecidos (MOSLVITCH, 2013). O governo chinês mantém que os direitos humanos na China possuem características chinesas (CHAN, 1998). Índia Apesar de não ter uma comissão da verdade própria, a Índia tem apresentado uma política externa ativa em relação a direitos humanos em países em fase de transição na África e, principalmente, na Ásia. Influenciado pela experiência pessoal de Mahatma Gandhi na África do Sul, o primeiro primeiro-ministro da Índia independente, JawaharlalNehru, buscou uma política externa ativa dentro da ONU para isolar o regime do apartheid, que também segregava sul-africanos de origem indiana (REEDY, 1985). A Índia também teve um papel decisivo na Guerra da Independência de Bangladesh, em 1971, na qual contra a invasão paquistanesa caracterizada por massacres, torturas, deslocamento forçado, destruição e confiscação de propriedade, desaparecimentos e violência sexual (REIGER, 2010). Em 1974, os três países envolvidos no conflito assinaram um acordo trilateral que envolvia, entre outras questões humanitárias do pós-guerra, os julgamentos aos perpetradores da violência exercida pelo exército paquistanês e seus apoiadores bengalis (REIGER, 2010). Contudo, com a crescente competição sino-indiana por influência no continente, a defesa dos direitos humanos tem sido posta em segundo plano. No caso do vizinho Mianmar, por exemplo, a ditadura militar iniciou recentemente a transição para umAté mesmo o resultado de pesquisa por temos como “seis quatro”, em referência ao dia 04 de Junho, “23”, em referência aos vinte e três
  • 30. 3 0 anos do massacre, ou “nunca se esqueça” são bloqueados nas ferramentas de busca. A principal plataforma de microblog da China, o SinaWelbo, desativou o emoticon de vela durante o dia 04 de Junho de 2012, já que ele estava sendo usado como um símbolo de luto. Depois que alguns usuários tentaram utilizar o emoticon da chama olímpica como substituto, ele também foi desativado (MOSKVITCH, 2012). Regime semicivil e a ONU sugeriu uma comissão da verdade para investigar as décadas de abusos aos direitos humanos cometidos (UN ENVOY [...], 2012). No entanto, os interesses nacionais indianos de diminuir a influência chinesa no país e garantir apoio birmanês no combate a grupos insurgentes na fronteira fizeram com que o governo de Manmohan Singh se recusasse a apoiar a pauta de direitos humanos naquele país com mais ênfase (RAJAGOPALAN, 2012). Seguindo lógicas parecidas, a Índia tem adotado um papel mediador no conflito entre governo e insurgentes maoistas no Nepal e apoiando o governo do Sri Lanka contra um grupo rebelde de etnia tâmil, responsável pela morte do ex-primeiro Ministro indiano Rajiv Gandhi, os TamilTigers (RAJAGOPALAN, 2012; SHAH, 2013). Indonésia e Timor-Leste Após a Revolução dos Cravos (1974) em Portugal, o governo deste país europeu abandonou suas colônias, incluindo o território então conhecido como Timor Português, que, diferentemente dos territórios além-mar portugueses na África, não possuía nenhum conflito por libertação nacional (RAMOS-HORTA, 1987). O governo indonésio, então comandado pelo ditador Suharto, viu a saída portuguesa como uma oportunidade para anexar a parte leste da ilha de Timor (SCHWARZ, 1994). A ocupação da Indonésia, iniciada em 1974, terminaria apenas em 1999, quando a ONU realizou um plebiscito pela independência através da Administração Transitória das Nações Unidas em Timor Leste (UNTAET, em inglês). Quando a independência foi anunciada, milícias pró-Indonésia reagiram violentamente, forçando muitos para o lado ocidental da ilha. Era claro que o exército indonésio fomentava e apoiava estas milícias (HAYNER, 2011). Para investigar os crimes acontecidos durante a ocupação estrangeira, o Timor Leste estabeleceu a Comissão de Acolhimento, Verdade e Reconciliação (CAVR) entre 2002 e 2005. A comissão foi capaz de entrevistar 1% da população total do país e investigou o uso generalizado da tortura, mortes extrajudiciais, desaparecimentos, fome criada por motivos políticos, bombardeios indiscriminados e milhares de atos de violência sexual (NEVINS, 2007; HAYNER, 2011). Também houve esforços para a reconciliação e reincorporação de perpetradores da violência a baixo nível; este processo era negado para aqueles
  • 31. 3 1 responsáveis por assassinatos, ofensas sexuais, organização ou incitação da violência. Por fim, a CAVR foi exemplar na sua intensa pesquisa focada na violência contra as mulheres (HAYNER, 2011). O relatório final, intitulado Chega!,não foi oficialmente disponibilizado pelo governo do então presidente – e atual primeiro- ministro – Xanana Gusmão, mas foi posto na internet pelo International Center for Transitional Justice (ICTJ). O relatório estimava que mais de 10% da população do Timor-Leste morreu como resultado direto da ocupação indonésia (HAYNER, 2011; NEVINS, 2007). De 2005 a 2008, em uma ação conjunta dos dois governos, a Comissão da Verdade e Amizade entrou em funcionamento. A característica única desta comissão foi sua natureza internacional ao reunir membros dos dois países que se consideravam duas delegações diferentes na mesma comissão (HAYNER, 2011). Muitos observadores temiam que o governo do presidente indonésio SusiloBambangYudhoyono usasse esta comissão para desfazer o progresso alcançado pela comissão anterior e para buscar pela anistia de seus próprios nacionais. Contudo, por fim, os resultados e recomendações desta comissão binacional foram bastante similares com a da CAVR (HAYNER, 2011). Iraque Após a Guerra do Iraque de 2003, a Autoridade Provisional da Coalizão (APC) encarregou-se de adotar mecanismos de justiça transicional para confrontar os legados dos crimes cometidos durante o governo do partido Ba‟ ath de Saddam Hussein (STOVER; MEGALLY; MUFTI, 2005). A APC possuía, então, muitos desafios. Primeiramente, deveria lidar com os crimes cometidos no regime anterior – que envolviam milhares de opositores executados, cerca de 300 mil desaparecimentos, milhares de cidades destruídas por todo o país e centenas de milhares em deslocamento forçado ou exílio. Em segundo lugar, endereçar problemas ligados à diversidade cultural, que havia sido negada por todo o período que o partido Ba‟ ath esteve no poder resultando em violações de direitos humanos nas áreas curdas ao norte e nas áreas xiitas ao sul. Em terceiro lugar, a situação pós-conflito resultou em um alto grau de insegurança, tornando qualquer processo de transição difícil de ser realizado. E, por fim, tensões entre os Estados Unidos e a ONU sobre a legalidade e a necessidade da guerra limitaram a participação de especialistas estrangeiros no processo transicional iraquiano (STOVER; MEGALLY; MUFTI, 2005) Por estes motivos, e pela falta de apoio do Conselho de Segurança das Nações Unidas, não foi possível estabelecer um tribunal internacional ad hoc para o Iraque, nos moldes daqueles feitos na Iugoslávia e em Ruanda (STOVER; MEGALLY; MUFTI, 2005). O
  • 32. 3 2 Tribunal Especial Iraquiano foi estabelecido para julgar os crimes cometidos entre 1968 e 2003, incluindo aqueles praticados durante a Guerra Irã-Iraque (1980- 1988), a Guerra do Golfo e a ocupação do Kuwait (1990-1991) e a Guerra do Iraque (2003). As investigações foram dificultadas pelo grande escopo estabelecido, já que envolviam crimes acontecidos décadas antes e em outros países (BANTEKAS, 2005). Contudo, a maior controvérsia foi a aplicação da pena de morte, que fez muitas Organizações Não Governamentais interpretarem o tribunal como vingança ao invés de justiça (STOVER; MEGALLY; MUFTI, 2005). Na intenção de afastar apoiadores de Saddam Hussein do governo, a APC iniciou um controverso programa de desba‟ athização, ou seja, a expulsão de membros do partido Ba‟ ath (INTERNATIONAL CENTER FOR TRANSITIONAL JUSTICE [ICTJ], [s.d.a]). Por ser muito severo e expulsar qualquer um que tivesse a mínima ligação com o partido de Saddam Hussein, o processo se tornou um modelo de como não conduzir uma justiça de transição (STOVER; MEGALLY; MUFTI, 2005). Todos estes problemas atrasaram a formulação da comissão da verdade proposta para o Iraque ainda em 2003. Organizações como o ICTJ e o United StatesInstitute for Peace (USIP) vem pedido por uma comissão da verdade no país, no entanto, há falta de vontade política para realizá-la (STERLING, 2009). 4.4. Bloco D – Europa Oriental Bósnia e Herzegovina e Sérvia A Bósnia e Herzegovina e a Sérvia tornaram-se independentes da Iugoslávia em 1992. Os sérvios, espalhados por vários países da antiga Iugoslávia reivindicavam a existência da “Grande Sérvia” o que ocasionou uma guerra (ANISTIA INTERNACIONAL, 2013a; CIA, 2013a). Sob a liderança de Slobodan Milošević, as pretensões ultranacionalistas da Sérvia tomaram forma e campanhas militares violentas ocorreram nos países vizinhos, especialmente na Bósnia e Herzegovina. O fim dos conflitos foi declarado com os o Acordo de Paz de Dayton em 1995. As violações cometidas são objeto de processo no Tribunal Penal Internacional para a Iugoslávia (TPII), no qual Milošević, encontrado depois de anos foragido, morreu poucos dias antes do julgamento (ANISTIA 36 INTERNACIONAL, 2013a). O TPII tem se mostrado como um importante instrumento da justiça de transição, mesmo que exógena, ou seja, que partiu do exterior para o país, e tem contribuído para que as nações que antes faziam parte da Iugoslávia tenham uma convivência mais harmônica, mesmo que existam problemas graves a serem resolvidos (ELSTER, 2004,
  • 33. 3 3 apud KAMINSKI; NALEPA, 2006). As violações perpetradas na Sérvia e por agentes do governo sérvio em outros países, especialmente na Bósnia Herzegovina referem-se tanto a direitos básicos, como o de assembleia, direitos políticos diversos, quanto à xenofobia, discriminação religiosa e étnica. Além disso, há a questão do povo roma, um grupo de ciganos que vive na Sérvia e que sofre com o pouco reconhecimento por parte do governo sérvio (ANISTIA INTERNACIONAL, 2013a). Há também a questão do Kosovo, que é uma pequena região da Sérvia que declarou independência unilateralmente em 2008. Com o reconhecimento da União Europeia e Estados Unidos e o parecer favorável da Corte Internacional de Justiça (CIJ), a região agora enfrenta problemas quanto a refugiados e suas fronteiras devido a municípios que possuem maioria sérvia e desejam se juntar à Sérvia. Destaca-se ainda o fato de que muitos dos desaparecidos nos conflitos que marcaram a história de ambos os países ainda possuem estado indefinido, não tendo sido reconhecidos como mortos ou encontrados (ANISTIA INTERNACIONAL, 2013a). Em 2006, cidadãos da região uniram-se para pressionar os Estados a criarem uma Comissão da Verdade regional, a RECOM. A RECOM investigaria violações perpetradas de 1991 a 2001 em todos os países da antiga Iugoslávia. A criação desta comissão está em negociação (ICTJ, 2011). Rússia A Rússia passou por vários ciclos de organização política, vindo do czarismo,para um federalismo de repúblicas comunistas e agora como uma repúblicaconstitucional. Existem muitos questionamentos à transparência do processo político russo, principalmente porque Vladimir Putin e Dmitri Medvedev vêm se revezando nos cargos de primeiro-ministro e presidente desde 1999, quando Putin assumiu o governo após renúncia de Boris Yeltsin. A Rússia foi uma grande potência mundial na Guerra Fria e ocupa um assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas, além de ter participação em diversos fóruns multilaterais econômicos como G-8 e G-20, vetando várias resoluções que dizem respeito a violações de direitos humanos em países aliados, como ocorreu no caso da Síria (CIA, 2013b). Quanto à situação interna dos direitos humanos, a Rússia é constantemente acusada de violações, incluindo desrespeito aos direitos de assembleia e de livre expressão, ocorrência de torturas, desaparecimentos e outros tratamentos degradantes a pessoa humana (ANISTIA INTERNACIONAL, 2013b). Oposicionistas e ativistas dos direitos humanos sofrem com ameaças constantes por parte do governo, que é autoritário e centralizador. Percebe-se que não há interesse, pelo menos por parte do governo, de investigar possíveis violações aos direitos humanos. Há sim movimentos civis que tem esse item
  • 34. 3 4 na pauta, mas dificilmente ela será atendida em um futuro próximo (ANISTIA INTERNACIONAL, 2013b). Além disso, os diversos movimentos separatistas sofrem com a violenta repressão do Estado, ocorrendo diversas violações de direitos humanos. A situação do norte do Cáucaso é a mais grave, merecendo grande atenção da mídia e ativistas (ANISTIA INTERNACIONAL, 2013b; CIA, 2013b). 4.5. Bloco E – Europa Ocidental e América do Norte Alemanha O conjunto de acusações que compõe o Tribunal Militar Internacional de Nuremberg, realizado entre os anos de 1945 e 1946 na Alemanha, é considerado como marco inicial dos processos modernos de justiça transicional (ANDRIEU, 2010). O julgamento, além de condenar responsáveis por grandes crimes durante a Segunda Guerra Mundial, também produziu uma narrativa das ações passadas como um mecanismo para construir a sua superação (ANDRIEU, 2010; BRITO, 2012). A Alemanha instituiu o programa de reparações de maior alcance e amplitude da história. Por meio de dispositivos legislativos internos e acordos internacionais bilaterais, o Estado alemão pagou, ao longo de décadas, mais de 60 bilhões de dólares aos sobreviventes dos crimes nazistas e a seus familiares (HAYNER, 2011). Após o processo de reorganização do país ao término da Segunda Guerra Mundial, a Alemanha foi divida entre a República Federativa da Alemanha (RFA) – a Alemanha Ocidental – capitalista e a República Democrática da Alemanha (RDA) – a Alemanha Oriental – socialista. A Alemanha Oriental foi estruturada sob um governo autoritário unipartidário comandado pelo Partido Socialista Unificado da Alemanha (PSUA) até a reunificação alemã em 1989. Em 1992, o parlamento alemão criou uma comissão – a Comissão de Inquérito para a Avaliação da História e Consequências da Ditadura do Partido Socialista na Alemanha -, composta por especialistas e parlamentares, para investigar e documentar as práticas da RDA durante 40 anos. (HAYNER, 2001). Em 1995, foi instaurada nova comissão para dar continuidade aos trabalhos anteriores e explorar elementos não compreendidos pelo primeiro processo. Os relatórios das comissões estipularam reparações e diversas ações visando a preservação da memória factual (USIP, [s.d.o]). A Alemanha demonstra grande interesse na iniciativa de Resposta Rápida Justiça, mecanismo em construção no campo da justiça transicional que pretende desenvolver medidas ágeis de apoio a esse campo no plano internacional. O projeto visa fornecer pessoal especializado e recursos materiais para apoiar a coleta e manutenção de informações relativas a alegações de genocídio,
  • 35. 3 5 crimes de guerra e crimes contra a humanidade, de modo a evitar a perda de provas e facilitar o acesso posterior das à justiça (AVELLO, 2007). Canadá A partir de 1874, o governo canadense, associado às Igrejas Católica e Protestante, promoveu por todo o país um programa de aculturação das crianças aborígenes a partir de um sistema de “escolas residenciais” compulsórias. Durante mais de cem anos, essas instituições, nas quais as línguas e as práticas culturais nativas eram proibidas, perpetraram um legado conhecido por abusos físicos, psicológicos e sexuais (HAYNER, 2011). Nesse período, mais de cem mil crianças foram retiradas de suas famílias e comunidades e submetidas à “assimilação forçada” (ICTJ, [s.d.b]). A partir da década de 1990, as vítimas denunciaram os abusos sofridos e um litígio massivo foi iniciado (ICTJ, [s.d.b]). Em 1998, o Estado canadense admitiu publicamente o fracasso dessas políticas e, em 2003, lançou um programa de compensações e acompanhamento terapêutico às vítimas, medidas consideradas, porém, insuficientes (HAYNER, 2011; ICTJ, [s.d.b]). Em 2006, o governo federal, instituições religiosas e grupos indígenas acordaram um extenso pacote de reparações destinando 2 bilhões de dólares aos cerca de 80 mil sobreviventes (ICTJ, [s.d.b]), ainda concedendo às vítimas a possibilidade de abertura de processos jurídicos individuais (HAYNER, 39 2011). Inaugurada em 2009, a Comissão da Verdade e Reconciliação, em seu mandato de cinco anos, deve investigar profundamente os eventos e entregar um relatório com suas descobertas e recomendações, além de criar um arquivo nacional com os depoimentos (HAYNER, 2011). Anteriormente, também confrontando o relacionamento abusivo entre o Estado do Canadá e a população indígena, a Comissão Real sobre os Aborígenes (1991) publicou um extenso relatório investigando as políticas governamentais concernentes aos indígenas durante toda a história do país. Tendo analisado uma vasta esfera de temas, apresentou muitas recomendações propondo a configuração de um novo tipo de relação entre Estado e o grupo afetado. Em 1998, o governo assumiu a nova agenda e propôs um plano de ação definindo o respeito à autonomia indígena inserido em novas leis e programas de apoio a esses povos (HURLEY; WHERRETT, 1999). O Canadá mostra apoio a programas de justiça transicional no globo e demonstra forte comprometimento com a defesa de direitos humanos (AVELLO, 2007). Espanha
  • 36. 3 6 Em 1936, generais insurgentes ligados à direita ultraconservadora do país promovem um golpe de Estado contra o governo legitimamente eleito de orientação de esquerda no poder. No entanto, ao enfrentarem reação do governo associada a grupos legalistas e de esquerda organizados na Frente Popular, a Espanha é lançada em uma guerra civil que se estende até 1939. Naquele ano, os golpistas se tornaram vitoriosos e iniciou-se um regime autoritário de partido único liderado pelo General Francisco Franco e que vai até a sua morte em 1975 (HOBSBAWM, 2010). A transição do regime ditatorial para a democracia foi feita sob a égide do rei Juan Carlos, que chefia o Estado desde o término da ditadura (JUNQUERA, 2013). Diferentemente do que ocorreu no restante do continente europeu, na Espanha, o regime de aproximação fascista não foi militarmente derrotado, de tal forma que não houve uma ruptura que promovesse a reestruturação dos valores constituídos durante a ditadura, deixando de criar, assim, uma cultura fundada na democracia e na legitimidade. O relato histórico dominante minimiza a violência do franquismo e absolve os seus perpetradores (SÁEZ, 2012). O país não demonstrou interesse em investigar os crimes estatais ocorridos durante as muitas décadas do governo repressivo de Franco, institucionalizando, assim, o esquecimento (BRITO, 2012; HAYNER, 2001). Diante das desaparições forçadas, 40 práticas de tortura, execuções extrajudiciais e apropriação indevida de crianças, sustenta-se uma inoperância estatal escudada sob a Lei de Anistia promulgada em 1977. Todavia, essa lei não possui validade em razão dos compromissos internacionais assumidos pelo Estado espanhol. A entidade estatal tem a obrigação legal de investigar crimes que violam os direitos humanos, como estabelecido pelo Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos de 1966, ratificado pela Espanha antes mesmo da anistia e ratificado por todos os compromissos posteriores relativos aos direitos humanos assinados pelo país. É relevante destacar que o direito internacional define a imprescritibilidade de crimes contra a humanidade. Na verdade, quanto aos desaparecidos, a omissão do Estado fere o seu próprio Código Penal e a aplicação da Lei de Anistia, já que os termos de prescrição só podem ser computados quando eliminada a situação antijurídica, ou seja, até a localização das vítimas (SÁEZ, 2012). A Lei de Reparação de 2007, promulgada pelo Estado espanhol, estabelece medidas em favor das vítimas da repressão. Contudo, os elementos de ruptura propostos em lei têm sido ultrapassados pela realidade, na medida em que o cumprimento dos pedidos de legalidade internacional é sistematicamente negado. Na década de 2000 é evidenciado um movimento de intervenção das autoridades judiciais no sentido de concretizar as tarefas de localização e identificação das vítimas assim como o contexto dos crimes.
  • 37. 3 7 No entanto, tais atividades, realizadas em exceção por magistrados comprometidos com o direito internacional, foram eliminadas pelo sistema judiciário nacional (SÁEZ, 2012). O caso mais proeminente nesse cenário, o processo movido pelo juiz Baltasar Garzón – o qual investigava mais 100 mil casos de desaparecimentos forçados durante o governo franquista - foi encerrado e o magistrado processado por exceder a sua jurisdição (PUNIR [...], 2012). Garzón – o responsável pela prisão do ditador chileno Pinochet em Londres, em 1998 – foi absolvido, porém condenado por outro julgamento (SPAIN‟ S [...], 2012). Tal situação originou reações muito negativas por parte da comunidade internacional e provocou a desaprovação e preocupação quanto ao caso espanhol do Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) (JUIZ [...], 2012). Estados Unidos da América Entre o final do século XX e o início do século XXI, são identificadas, nos Estados Unidos, comissões da verdade que nos trazem em seus relatórios investigações, e as respectivas recomendações, em torno de antigos acontecimentos centrados em relações entre preconceito racial e violência. Esse é o caso das comissões que investigaram agressões contra populações negras em Wilmington (Carolina do Norte, 1898), em Tulsa (Oklahoma, 1921), em Rosewood (Florida, 1923), em Tuskegee (Alabama, 1931-1972) e em Greensboro (Carolina do Norte, 1979) (GREENSBORO TRUTH AND RECONCILIATION COMMISSION, 2006). Já a Comissão sobre a Realocação e Internamento de Civis, instaurada pelo Congresso Nacional em 1980, buscou em seu relatório rever os fatos e circunstâncias ao redor do confinamento de cidadãos de descendência japonesa, assim como indígenas no Alaska, durante a Segunda Guerra Mundial. A análise desse cenário também o destacou a discriminação racial como fator motivador do processo e originou pedidos públicos de desculpa e reparações individuais aos mais de 60 mil sobreviventes (YOMATO, 2012). O país também se encontra inserido no contexto latino-americano de comissões da verdade. O Estado norte-americano ofereceu um apoio maciço à criação de ditaduras militares na região e à consolidação de suas forças internas de segurança, enquanto a população local era privada de direitos e os militantes políticos sofriam intensa repressão (HUGGINS, 2012). Na década de 2000, as políticas assumidas pela gestão do presidente Bush, e conhecidas como “guerra ao terror”, são relacionadas a graves violações aos direitos humanos, semelhantes às enfrentadas em regimes ditatoriais. Os EUA buscaram a legitimação das práticas de tortura por meio da lei e promoveram a desvinculação de certos de certos prisioneiros de
  • 38. 3 8 garantias constitucionais (SILVA FILHO, 2012). Durante o ano de 2008, pelo menos 25 mil pessoas foram mantidas encarceradas sem julgamento em prisões secretas (CAMPBELL; NORTON-TAYLOR, apud HUGGINS, 2012). O governo do país se revestiu judicialmente de modo a evitar futuras acusações em cortes internacionais (EARTHTIMES ORG.; HIRSH; SEVASTOPULO, apud HEGGINS, 2012). No governo Obama alguns avanços legais foram obtidos, mas o uso de coação física em interrogatórios não foi de fato eliminado (SILVA FILHO, 2012). O Conselho de Direitos Humanos (CDH) da ONU afirmou a necessidade de investigações, identificando culpados e estabelecendo as devidas reparações às vítimas, e manifestou preocupação quanto à continuidade dessas práticas sob a administração de Obama. A organização chamou atenção pra a violação por parte dos EUA de diversos compromissos internacionais. (SUBMISSION TO THE UNIVERSAL PERIODIC REVIEW OF THE UNITED NATIONS COUNCIL, 2010).Em 2002, sob o governo Bush, os Estados Unidos se retiraram do Estatuto de Roma e, em seguida, o Congresso aprovou uma lei de proibição a qualquer cooperação com o Tribunal Penal Internacional (CALL, 2004). Entretanto, o Estado americano defende formalmente os mecanismos da justiça de transição, apontando que eles são uma ferramenta para alcançar a democracia após crises (ICTJ, 2013). França A França apresenta um longo histórico com a justiça transicional. Já no século XIX, o Ministro das Relações Internacionais francês, após a intervenção do país nos atuais Síria e Líbano, propôs uma comissão internacional para investigar as causas da guerra e compensar as vítimas do conflito por meio de reparações (BASS, 2009 apud FORSYTHE, 2011). Entre 1940 e 1944, após a rendição da França a Alemanha Nazista, o país foi divido em duas zonas, uma, ao norte, ocupada pela Alemanha e, outra, ao sul, governada pelo marechal Philippe Petain no regime colaboracionista conhecido como “Regime de Vichy” (JACKSON, 2003). Milhares de judeus foram mantidos em campos de detenção improvisados no território francês e depois enviados a campos de concentração no território alemão (NA‟ AMAT, 2012). Em uma fase inicial e “selvagem”, iniciada antes da Liberação, as condenações eram imputadas por meio de execuções anônimas ou através de tribunais populares. Já após a reorganização do aparato jurídico do país, os participantes de Vichy e os indivíduos que colaboraram com o invasor alemão foram julgados por seus opositores, membros da antiga Resistência. As investigações e tribunais eram realizados a partir da ótica do combate, sem existir uma centralidade na questão das vítimas (BANCAUD,