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Práticas de publicação nas Ciências da Saúde no Brasil: reflexos das políticas de avaliação
1. Peculiaridades nas práticas de publicação
das Ciências da Saúde no Brasil: reflexos das
políticas de avaliação?
MSc. Alejandro Caballero Rivero, Universidade Federal de Pernambuco
Dr. Raimundo Nonato Macedo dos Santos, Universidade Federal de Pernambuco
Dr. Piotr Trzesniak, Universidade Federal de Pernambuco
2. Introdução
Culturas epistêmicas -> “máquinas de construção de conhecimento”
(KNOR-CETINA, 2005, p. 68) -> combinação de elementos cognitivos,
racionais ou técnicos e sociais -> normas ou convenções que regem a
produção de conhecimento.
Duas diferentes culturas epistêmicas (objetos de estudo, métodos de
pesquisa, paradigmas teóricos e linguagem de comunicação) (TRZESNIAK;
2014; CHARLOT, 2006; ALEXANDER, 1999)
❖ Ciências “duras” (Exatas, Naturais, Médicas, Biológicas, Engenharias) ->
fenômenos mais universais, pesquisas sobre a base do paradigma teórico-
metodológico dominante, métodos mais quantitativos e rigorosos,
comunicação por meio de linguagem altamente codificada;
❖ Ciências “brandas” (Sociais, Humanas, Linguística, Literatura, Arte) ->
fenômenos mais locais ou regionais, dependentes do contexto social e
cultural, diversas correntes teóricas e metodológicas, métodos mais
qualitativos, comunicação por meio de linguagem menos codificada.
3. Introdução
Essas diferenças se refletem na velocidade em que o conhecimento é
produzido e nas práticas de publicação (CABALLERO RIVERO; SANTOS;
TRZESNIAK, 2017; CABALLERO RIVERO, 2017; CRONIN, 2003)
❖ Artigos (mais apropriados para as ciências “duras”) -> publicações mais
curtas e sintéticas, maior rapidez na escrita, comunicação e leitura;
periodicidade superior; atualização mais ágil; disseminação mais ampla
atingindo um público mais internacional;
❖ Monografias (mais apropriadas para as ciências “brandas”) -> escrita,
edição e leitura leva mais espaço e tempo; permitem expor conhecimento
mais complexo e sedimentado; menor grau de atualização; não atingem a
cobertura dos artigos, alcançando um público mais local ou regional.
Caballero Rivero, Santos e Trzesniak (2017); Adams e Gurney (2014); Piro,
Aknes e Rørstad (2013); Trzesniak (2012):
❖ Ciências “duras” -> comunicam seus resultados predominantemente, por
meio de artigos em periódicos (~6,5-8,5 artigos para cada livro/capítulo);
❖ Ciências “brandas” -> maior equilíbrio na produção de artigos e
monografias (~0,8-1,5 artigos para cada livro/capítulo)
4. Introdução
Qualis Periódicos (QP) e avaliação da produção intelectual de pesquisadores
e PPGs (Capes e CNPq) -> privilegia-se o Fator de Impacto (FI) do Journal
Citation Report (JCR) (CABALLERO RIVERO, 2017) - > influenciam-se
diferenciadamente as áreas do conhecimento, gerando distorções nos
processos de avaliação, produção e publicação da ciência (TRZESNIAK,
2016).
Caballero Rivero, Santos e Trzesniak (2017) e Caballero Rivero (2017)->
identificamos as práticas de publicação das oito grandes áreas de
conhecimento do CNPq e as agrupamos em duas hiper-áreas:
❖ Ciências “brandas” (Ciências Sociais; Humanas; Linguística, Letras, Artes) ->
equilíbrio entre monografias, trabalhos completos em anais e artigos
(predominando os nacionais).
❖ Ciências “duras” (Ciência da Computação; Exatas e da Terra; Biológicas;
Agrárias; Saúde; Engenharias) -> dominam os artigos (majoritariamente os
internacionais), observando-se uma diminuição significativa dos trabalhos em
anais e um volume inexpressivo de monografias.
5. Produção científica das Ciências da Saúde por tipo
de documento (censos 2000-2014)
0
40.000
80.000
120.000
160.000
1998 2000 2002 2004 2006 2008 2010 2012 2014 2016
Censos
Artigos Nacionais Artigos internacionais Trabalhos em anais Livros Capitulos de livros
Fonte: Elaborado pelos autores a partir de Caballero Rivero, Santos e Trzesniak (2017)
Censo de 2000: artigos
nacionais superam os
internacionais na razão
de 3 para 2;
Censo de 2014: artigos
internacionais superam
os nacionais na razão
de 3 para 2
6. Procedimentos metodológicos
Objetivo do trabalho: aprofundar as análises realizadas nesses estudos
para compreender melhor essa mudança.
Práticas de publicação -> modo particular de comunicar os resultados
de pesquisa pelos pesquisadores das CdS. Fenômeno complexo,
conformado por várias dimensões, operacionalizadas por quatro famílias
de variáveis:
❖ quantidade absoluta de artigos nacionais (An); artigos internacionais (Ai);
trabalhos completos em anais; capítulos de livros; e livros;
❖ quantidades absolutas totais: de artigos (nacionais mais internacionais:
A); de monografias (livros mais capítulos: M); e de produção (somas das
quantidades de todos os produtos);
❖ contribuição percentual de cada um dos tipos de documento referidos
nos itens a e b para a produção total da área;
❖ razões: entre os totais de artigos e de monografias e entre os totais de
artigos nacionais e internacionais, respectivamente indicadas pelas
variáveis RA/M e RAn/Ai.
7. Procedimentos metodológicos
Dados da quantidade absoluta de artigos nacionais; artigos internacionais;
trabalhos completos em anais; capítulos de livros; e livros -> extraídos
manualmente da base da Produção CT&A dos pesquisadores doutores
brasileiros, disponível no DGP do CNPq, segundo o tipo de produção e a
grande área do conhecimento (em setembro de 2017);
Valores -> censos dos anos 2000, 2002, 2004, 2006, 2008, 2010 e 2014. Foram
transferidos para um documento de Excel -> sete planilhas com auxílio das
quais se calcularam as quantidades absolutas totais, a contribuição
percentual; e as razões RA/M e RAn/Ai.
Excel -> 36 gráficos das séries históricas das variáveis, destacando-se:
❖ produtos individualizados das CdS;
❖ quantidades absolutas totais das hiper-áreas “duras” e “brandas”; CdS e
“duras” sem Saúde;
❖ contribuições percentuais para a produção total de artigos (nacionais mais
internacionais), monografias (livros mais capítulos) e trabalhos completos
em anais para as hiper-áreas “duras” e“brandas”; CdS e “duras sem CdS”.
11. 3,61 3,49 3,59 3,57
4,05
5,07
5,78
7,04
6,57 6,53 6,35 6,20
6,50
7,44
1,44 1,41 1,34 1,26 1,17 1,16 1,31
0,00
1,00
2,00
3,00
4,00
5,00
6,00
7,00
8,00
1998 2000 2002 2004 2006 2008 2010 2012 2014 2016
Ciências da Saúde (CdS) Ciências “duras” sem Saúde
Ciências “brandas”
RA/M
1,50 1,40
1,90
1,20 1,00 0,88
0,65
0,63 0,64
1,00
0,72 0,72 0,69 0,57
5,70 5,86
6,26
6,56 6,69
6,41
4,84
0,00
1,00
2,00
3,00
4,00
5,00
6,00
7,00
8,00
1998 2000 2002 2004 2006 2008 2010 2012 2014 2016
Ciências da Saúde (CdS) Ciências “duras” sem Saúde
Ciências “brandas”
RAn/Ai
Média nos Censos 2000-2006
CdS=3,6 artigos para cada livro/capítulo
Ciências “duras”=6,6 artigos para cada livro/capítulo
Ciências “brandas”= 1,4 artigos para cada livro/capítulo
Média nos Censos 2000-2006
CdS=1,5 artigos nacionais p/cada internacional
Ciências “duras”=0,8 artigos nacionais p/cada internacional
Ciências “brandas”= 6,1 artigos nacionais p/cada internacion.
12. Ciências da Saúde (CdS)
Não correspondência das práticas de publicação com as hiper-áreas
“duras” ou “brandas” nos censos 2000-2006:
❖ Subáreas com culturas epistêmicas distintas (Medicina, Odontologia,
Farmácia, Enfermagem, Nutrição, Saúde Coletiva, Fonoaudiologia,
Fisioterapia e Terapia Operacional e Educação Física) -> diferentes
práticas de publicação (LUZ, 2011);
❖ Ciências Médicas -> objetos de estudo e ferramentas teórico-
metodológicas mais afinadas com as das “duras” -> prioriza-se a
publicação de artigos;
❖ Outras subáreas (ex. Saúde Coletiva, Educação Física) -> objetos de
estudos vinculados a problemas sociais (ex. serviços de saúde, doenças
de transmissão sexual) -> desenvolvimento metodológico e conceitual
com muitas contribuições das Ciências Sociais e Humanas -> maior
equilíbrio entre artigos, trabalhos em anais e monografias.
13. Ciências da Saúde (CdS)
Argumentos válidos para os censos 2008-2014, quando se verifica a crescente
aproximação das práticas de publicação das CdS às das ciências “duras”.
Hipótese plausível -> mudança que pode decorrer (entre outros aspectos) das políticas de
avaliação de CAPES e CNPq priorizando as publicações com FI.
CCA (2012); Butler (2007) -> avaliação que envolve financiamento ou prestigio influencia o
comportamento dos pesquisadores -> a obtenção de bons resultados nas avaliações
converte-se num fim que desejam atingir a qualquer preço e chegam a mudar suas
práticas de publicação.
Caballero Rivero (2017) -> levantamento sobre os critérios de avaliação utilizados por
CAPES e CNPq na Avaliação Trienal 2013:
❖ CAPES -> as nove Coordenações da Área consideraram artigos; apenas três (Educação
Física, Farmácia e Nutrição) pontuam livros; nenhuma trabalhos completos em anais; todas
consideram o FI como critério essencial para estratificar a produção científica no Qualis
Periódicos;
❖ CNPq -> sete Comitês de Assessoramento exigem exclusivamente artigos em periódicos
com FI para a concessão de bolsas de produtividade (2015-2017); apenas dois (Saúde
Coletiva e Nutrição) aceitam tanto artigos quanto monografias; nenhum considera
trabalhos em anais.
14. Conclusões I
Mudança nas práticas de publicação das CdS -> aumento da contribuição dos
artigos internacionais e a redução das de artigos nacionais, monografias e
trabalhos completos em anais.
É muito provável que esse comportamento decorra (entre outros aspectos) dos
critérios de avaliação utilizados por CAPES e CNPq, privilegiando a publicação de
artigos em revistas com FI, em detrimento dos demais tipos de produção, inclusive
de artigos nacionais
Presume-se que a publicação em revistas com FI garante uma elevação da
qualidade da ciência brasileira -> na visão dos autores, essa visão ainda carece
de fundamentação para ser indiscriminadamente estendida a todas as áreas.
15. Conclusões II
Na visão dos autores -> a pesquisa científica não tem apenas impacto
intelectual (contribuição ao corpo comum de conhecimento) mas, também,
social -> privilegiar a produção científica em periódicos de alto FI, talvez possa
incrementar o impacto intelectual da ciência brasileira no mundo, porém, pode
influir negativamente em pesquisas que foquem a solução de problemas sociais
(nacionais ou locais) -> impacto social se subordina, ao interesse das editoras
comerciais internacionais, cujo objetivo principal, muitas vezes, é a obtenção de
lucro.
Possível solução que equilibra as duas visões:
❖ as áreas que realizam pesquisas com maior impacto social no Brasil incluírem, nos
estratos superiores do QP, um maior número de periódicos nacionais, que
publiquem artigos de qualidade, mediante rigorosos processos editoriais
(TRZESNIAK, 2016).
❖ CAPES e o CNPq -> promover e valorizar publicações que apresentem um
impacto social significativo.
16. Referencias
ALEXANDER, J. C. A importância dos clássicos. In Anthony Giddens e Jonathan Turner (Org.), Teoria social hoje. São Paulo: Editora UNESP, 1999. p. 23-
89.
ADAMS, J.; GURNEY, K. Evidence for excellence: has the signal overtaken the substance? London: Digital Science, 2014.
BUTLER, L. Assessing university research: a plea for a balanced approach. Science and Public Policy, v. 34, n. 8, 2007. p. 565-574.
CABALLERO RIVERO, A. Caracterização das práticas de publicação das grandes áreas do conhecimento no Brasil. Dissertação (Mestrado em
Ciência da Informação) – Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação, Universidade Federal de Pernambuco. Recife, 2017.
CABALLERO RIVERO, A.; SANTOS, R. N. M.; TRZESNIAK, P. Caracterización de las prácticas de publicación de las grandes áreas de conocimiento em
Brasil. Revista Cubana de Información en Ciencias de la Salud, v. 28, n. 4, 2017.
CCA - COUNCIL OF CANADIAN ACADEMIES. Informing Research Choices: indicators and judgment. Otawa: Council of Canadian Academies, 2012.
CHARLOT, B. A pesquisa educacional entre conhecimentos, políticas e práticas: especificidades e desafios de uma área de saber. Revista brasileira
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KNORR CETINA, K. Culture in Global Knowledge Societies: Knowledge Cultures and Epistemic Culture. In: JACOBS, M. D.; HANRAHAN, N. W. (Editors).
The Blackwell Companion to the Sociology of Culture. Blackwell Publishing Ltd: Malden, MA, 2005. p. 65-79.
LUZ, M. T. Especificidade da contribuição dos saberes e práticas das Ciências Sociais e Humanas para a saúde. Saúde e Sociedade, São Paulo, v.20,
n.1, 2011. p. 22-31.
PIRO, F. N; ASKNES, D. W.; RØRSTAD, K. A macro analysis of productivity differences across fields: challenges in the measurement of scientific
publishing. Journal of the American Society for Information Science and Technology, v. 64, n. 2, 2013. p. 307-320.
TRZESNIAK, P. A questão do livre acesso aos artigos publicados em periódicos científicos. Em Aberto, Brasília, v. 25, n. 87, jan./jun. 2012. p. 77-112.
TRZESNIAK, P. Indicadores quantitativos: como obter, avaliar, criticar e aperfeiçoar. Navus – Revista de Gestão e Tecnologia, v. 4, n. 2, 2014. p. 5-18.
TRZESNIAK, P. Qualis in four quarters: history and suggestions for the Administration, Accounting and Tourism area. Rev. contab. finanç., v. 27, n. 72,
2016.