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CENTRO UNIVERSITÁRIO ESTÁCIO JUIZ DE FORA
PUBLICIDADE E PROPAGANDA
Carolina Gomes Carneiro
DELATOR, JUIZ E CARRASCO: AS PERSONALIDADES DO NOVO
CONSUMIDOR SOCIAL EM MEIO ÀS MULTIDÕES DIGITAIS
Juiz de Fora
2017
1
Carolina Gomes Carneiro
DELATOR, JUIZ E CARRASCO: AS PERSONALIDADES DO NOVO
CONSUMIDOR SOCIAL EM MEIO ÀS MULTIDÕES DIGITAIS
Monografia apresentada ao Centro
Universitário Estácio Juiz de Fora como
requisito parcial para obtenção do título de
Bacharel em Publicidade e Propaganda.
Orientador: Tarcízio Dalpra Jr.
Juiz de Fora
2017
2
Carolina Gomes Carneiro
Delator, juiz e carrasco: as personalidades do novo consumidor em meio às multidões digitais
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial para obtenção do título de
Bacharel em Publicidade e Propaganda, no Centro Universitário Estácio Juiz de Fora – Minas
Gerais.
Orientador: Tarcízio Dalpra Jr.
Trabalho de Conclusão de Curso aprovado em ____/ ____ / 20___ pela banca formada pelos
seguintes membros:
_____________________________________________________
Prof. Esp. Tarcízio Dalpra Júnior (Centro Universitário Estácio Juiz de Fora) - Orientador
_____________________________________________________
Professor Convidado
_____________________________________________________
Professor Convidado
Conceito Obtido________________________________________
Juiz de Fora
Junho - 2017
3
RESUMO
A internet modificou sobremaneira a forma como as pessoas se relacionam entre si e com as
marcas. Cada vez mais empoderado, o consumidor trava, em pé de igualdade com grandes
empresas, verdadeiras batalhas por atenção, respeito e visibilidade. Mercado, mídia e
comportamento mostram-se cada vez mais interligados, formando o pano de fundo ideal para
que as multidões digitais ganhem voz e espaço. O presente trabalho busca traçar um perfil do
comportamento do novo consumidor social nas plataformas digitais, com a apresentação de
casos recentes que comprovem seu crescente poder. Ao mesmo tempo em pode ser um grande
aliado, valorizando marcas e impulsionando novas celebridades, este novo modelo de
consumidor pode também destruir reputações em questão de minutos.
PALAVRAS CHAVE: Mídias Sociais; Comportamento do Consumidor; Marketing Digital;
Psicologia das Multidões; Show do Eu.
4
DEDICATÓRIA
Dedico esse trabalho à minha vó, mulher de fibra e de fé que, por várias vezes, dobrou
seus joelhos ao chão e rezou para que esse dia chegasse. Chegou, vó!
5
AGRADECIMENTOS
Agradeço imensamente ao meu orientador, Tarcízio, que me ensinou mais do que sua
arte de escrever, mas muito da arte de viver. Obrigada pela paciência e dedicação, seu apoio foi
fundamental para eu chegar até aqui.
Meu maior agradecimento vai para a minha mãe e ao Alys (meu segundo pai). São vocês
quem confiam em mim diariamente e confiaram quando eu disse que me formaria. Obrigada
por todo o apoio! Ao meu pai, por ser sempre calmaria em meio a tempestade. É você e seus
ensinamentos que me inspiram quando eu preciso de paciência.
Aos amigos que passaram pela minha vida durante essa caminhada e me apoiaram
infinitas vezes, sem alguns conselhos e cervejas eu não teria conseguido. Especialmente,
agradeço ao Rodrigo (meu irmão de alma) que literalmente me levou de mão dada para a aula
e abriu mão de várias de suas noites para me fazer companhia nos intervalos. Quanto frio a
gente já passou! E ao Vinícius, por estar presente sempre que preciso e ter dividido comigo os
desesperos e acertos durante todo o período em que estávamos escrevendo nossos trabalhos.
Aos amigos de turma, que estiveram comigo esses quatro anos, dividindo o sofrimento
das provas e acertos em cada trabalho.
Por fim, mas com a mesma importância, aos professores que passaram por essa minha
jornada, especialmente o querido Vítor.
A todos que direta, ou indiretamente, fizeram parte dessa conquista: muito obrigada!
6
“Quem perdoa é Deus. A internet tá aí pra massacrar”
@gustavoluri, em um post no Twitter com a hashtag #ViihTubeVoltaProutero
7
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 – Capa da Revista Time de 2006..................................................................................31
Figura 2 – Print do Instagram de Rafa Brites.............................................................................37
Figura 3 – Print do Twitter de Felipe Neto.................................................................................39
Figura 4 – Print do Facebook de Felipe Neto.............................................................................39
Figura 5 – Print do Twitter de Justine Sacco..............................................................................41
Figura 6 – Coletânea de prints....................................................................................................43
Figura 7 – Print de tuites Twitter de Viih Tube..........................................................................44
Figura 8 – Print do Twitter de Alvin Foo...................................................................................44
8
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO..........................................................................................................................9
1 O NOVO CENÁRIO (PÓS) DIGITAL..............................................................................11
1.1 O NOVO CONTEXTO MERCADOLÓGICO...................................................................12
1.2 O NOVO CONTEXTO MIDIÁTICO.................................................................................14
1.3 O NOVO CONTEXTO COMPORTAMENTAL................................................................18
2 O COMPORTAMENTO DAS MULTIDÕES ..................................................................21
2.1 OS LÍDERES E SEUS DISCURSOS..................................................................................23
2.2 OS LÍDERES NAS MULTIDÕES: AFIRMAÇÃO, CONTÁGIO E PRESTÍGIO.............27
2.3 CLASSIFICANDO AS MULTIDÕES................................................................................29
3 O SHOW DO EU E A INTIMIDADE COMO ESPETÁCULO......................................31
3.1 O SURGIMENTO E EVOLUÇÃO DAS REDES..............................................................33
3.2 O PROTAGONISMO DO CONSUMIDOR NO MEIO DIGITAL...................................35
4 O TRIBUNAL DAS MÍDIAS SOCIAIS............................................................................40
CONCLUSÃO.........................................................................................................................48
REFERÊNCIAS......................................................................................................................50
9
1
Nome dado ao texto de até 140 caracteres publicado na Rede Social Twitter.
2
Apresentadores que mantém programas audiovisuais de temática variada na Rede Social Youtube.
INTRODUÇÃO
África do Sul, dezembro de 2013. Uma gerente de relações públicas desembarca
após 11 horas de voo e descobre, quando liga o celular, que é a figura mais odiada da internet
mundial. Motivo: um tuite1
que fizera minutos antes de embarcar. Brasil, outubro de 2016. Uma
jovem youtuber2
é massacrada por críticas e xingamentos nas mídias sociais após um polêmico
vídeo com seu gato de estimação. Estados Unidos, abril de 2017. Uma das maiores companhias
de aviação do mundo perde milhões de dólares na bolsa após um vídeo viralizar na internet. O
que estes três casos têm em comum? Eles são o ponto de partida para a análise das três
personalidades assumidas pelo novo consumidor no ambiente digital: delator, juiz e carrasco.
Esses e outros casos, que serão analisados mais à frente, revelam um consumidor
ativo, empoderado, que muitas vezes se junta às multidões digitais para fazer valer seus direitos
ou, simplesmente, dar início ao processo de destruição de uma marca ou personalidade que, por
descuido ou posicionamento, não esteja de acordo com as suas ideias.
Para embasar nossa análise, vamos recorrer a uma ampla pesquisa bibliográfica,
elaborada a partir das teorias de Gustave Le Bon, em “Psicologia das Multidões”, somadas aos
conceitos de Henry Jenkins e Paula Sibilia em “Cultura da Convergência” e “O Show do Eu: a
intimidade como espetáculo”. Chris Anderson, Jon Ronson, Walter Longo, Martha Gabriel,
dentre outros autores mais contemporâneos, ajudarão a compor o escopo teórico do trabalho,
que ainda se utiliza de uma ampla pesquisa documental, elaborada a partir de artigos, vídeos e
materiais coletados na internet.
Logo no capítulo 1, vamos traçar um perfil do novo cenário digital. Entender como
os atuais contextos mercadológico, midiático e comportamental colaboram para que as
multidões digitais tenham cada vez mais força. Vamos abordar as mudanças no mercado, a
multiplicidade de canais e o empoderamento do consumidor.
10
Com o cenário bem delimitado, vamos recorrer, no capítulo 2, ao psicólogo Gustave
Le Bon, para decifrar como funciona a psicologia das multidões. Vamos conceituar os
diferentes tipos de multidão, bem como os múltiplos comportamentos de seus indivíduos,
buscando transpor as teorias de Le Bon para os dias atuais e seus desdobramentos nas mídias
sociais.
No capítulo 3, vamos nos aprofundar acerca do comportamento do consumidor e
sua interação com as novas mídias. O que leva alguém a transformar sua intimidade em
narrativas tão explícitas?
No capítulo 5, através de três exemplos recentes, vamos analisar como é constituído
o tribunal da internet. Como anônimos se agrupam em multidões heterogêneas e se dispõem,
por meio das mídias sociais, a destruir reputações de empresas e indivíduos, independentemente
do tamanho ou status social.
Por fim, esperamos traçar um perfil minucioso dos tribunais da internet,
identificando seus delatores, juízes e carrascos que, muitas vezes, estão personificados em um
mesmo indivíduo. Indivíduo este que pode, muito bem, ser você mesmo.
11
1. O NOVO CENÁRIO (PÓS) DIGITAL
Antes de entrar no mérito das multidões e seu comportamento no ambiente digital,
torna-se relevante a análise de três contextos específicos, profundamente modificados por um
novo cenário, que o autor Walter Longo define como “Era Pós-digital”. São eles: mercado,
mídia e comportamento. Segundo Longo, “o que se reconhece como verdade nesse novo
período é que agora o digital é fundamental e não apenas experimental.” (Longo, 2014, p. 29).
Apesar de o termo “pós-digital” ter se popularizado apenas em 1999, quando foi
utilizado pelo publicitário Russel Daves, durante uma conferência na Inglaterra, quem primeiro
apontou a realidade contida na expressão foi o norte-americano Nicholas Negroponte, fundador
e presidente do Media Lab do MIT (Massachusetts Institute of Technology) e autoridade
mundial em assuntos referentes à interação entre humanos e computadores. Ele apontou, ainda
em 1980, que o mundo tecnológico passaria por uma revolução. Segundo Longo (2014),
Negroponte defendeu que “muitas tecnologias presas por fios, como os telefones, se tornariam
sem fio, enquanto outros aparelhos que usavam transmissões pelo ar, como os televisores, se
tornariam ligados a cabos. Era o prenúncio da TV a cabo e do celular.” (Longo, 2014, p.145)
Longo (2014) define da seguinte forma a Era Pós-Digital:
É exatamente a realidade em que vivemos hoje, na qual a presença da tecnologia
digital é tão ampla e onipresente que, na maior parte do tempo, nem notamos que ela
está lá. Só percebemos sua existência quando falta. Essa total ubiquidade da
tecnologia digital provoca impactos em todos os aspectos da vida e isso se traduz em
novos desafios para os líderes de empresas e para os gestores de comunicação,
marketing e propaganda. (Longo, 2014, p.15)
Segundo Longo (2014), na Era Pós-Digital não existe mais vida on-line e off-line, tudo
está interligado passando a ser “on/off”. A internet deixou de ser commodity para se tornar
essencial e onipresente, ao ponto em que só se percebe a necessidade e importância de estar
conectado quando, por algum motivo, somos impedidos de estar on-line. Assim como acontece
quando acaba a energia elétrica. Só nesse momento percebe-se a falta que ela faz.
12
O acesso à tecnologia foi democratizado. De acordo com dados da União Internacional
de Telecomunicações (UIT), a utilização da internet, principalmente nos países emergentes,
cresceu consideravelmente. Longo (2014) aponta que a previsão para 2014 era de que, enquanto
o crescimento da internet no celular ficaria em torno de 11% no primeiro mundo, nos países
emergentes atingiria 26%.
Outro ponto relevante para se entender esse novo cenário é o empoderamento do
consumidor. Com a tecnologia, todos tem acesso à informação e, mais do que isso, dispõem de
múltiplos canais para questioná-la. Uma pessoa conectada no interior do país tem o mesmo
poder de acesso que alguém nas grandes capitais do mundo.
Para definir a realidade em que vivemos, Longo (2014) refere-se a o termo “tesarac”,
usado para definir momentos em que a sociedade vive o caos e a desorganização até que algo
novo a recomponha. É a esperança do novo, mas com certezas que nos prendem ao passado.
É uma espécie de dobra no tempo, em que não adianta olhar para o que fizemos nem
tentar adivinhar o que faremos. Em momentos tesarac, o que existe já não vale mais,
mas o que passa a existir também não substitui o anterior em todas as dimensões. É
como se primeiro precisássemos destruir para depois construir. (Longo, 2014, p. 31)
Tal cenário desdobra-se em três contextos fundamentais: mercado, mídias e
comportamento. Estudá-los é fundamental para compreender as multidões e sua atuação no
ambiente digital.
1.1 O NOVO CONTEXTO MERCADOLÓGICO
A história nos mostra que mudanças tecnológicas alteram profundamente a dinâmica
dos mercados, influenciando diretamente a economia. Foi assim na Revolução Industrial e está
sendo assim na Era Pós-Digital. Um dos autores que melhor define esse impacto é Chris
Anderson, através da sua teoria da Cauda Longa. Segundo Anderson (2006), cultura e economia
13
estão mudando de foco de um relativo pequeno número de “hits” (produtos que vendem muito
no grande mercado) no alto da curva de demanda, para um grande número de nichos na cauda.
Tal mudança decorre diretamente do fato de os custos de produção e distribuição terem caído
drasticamente, especialmente devido às transações on-line. Dessa forma, torna-se menos
necessário massificar produtos em um único formato e tamanho para os consumidores.
Vivemos um período sem problemas de espaço nas prateleiras e sem grandes gargalos de
logística, o que transforma produtos extremamente segmentados em negócios tão
economicamente atrativos quanto produtos de massa.
A economia movida a hits (...) é produto de uma era em que não havia espaço suficiente
para oferecer tudo a todos: não se contava com bastantes prateleiras para todos os CDs,
DVDs e videogames; com bastantes telas para todos os filmes disponíveis; com
bastantes canais para todos os programas de televisão; com bastantes ondas de rádio
para tocar todas as músicas; e muito menos bastantes horas no dia para espremer todas
essas coisas em escaninhos predeterminados. Esse é o mundo da escassez. Agora, com
a distribuição e o varejo on-line, estamos ingressando no mundo da abundância. As
diferenças são profundas. (Anderson, 2006, p.15)
Outra autora que trabalha os impactos das novas tecnologias no mercado é Martha
Gabriel. Ela aponta uma espécie de inversão do vetor de marketing. No marketing tradicional,
a marca persegue o consumidor com os mais variados artifícios para alcançá-lo, visando à
venda. Atualmente ocorre o contrário: as tecnologias possibilitam que o encontro entre marca
e consumidor se dê em uma nova configuração:
“Enquanto no marketing tradicional as ações de promoção e relacionamento
acontecem, no sentido da empresa para o consumidor, da marca para o consumidor,
hoje é o consumidor que busca a empresa, a marca - como, onde e quando desejar. A
digitalização é a base estrutural que sustenta essa inversão”. (Gabriel, 2010, p.77)
Com transformações tão profundas, o sucesso nas ações de marketing passa a depender
de uma quebra de paradigmas por parte das empresas, que precisam se antecipar ao mercado.
Não basta apenas querer vender produtos, é preciso criar um relacionamento com o cliente e
atender aos desejos desse novo consumidor, de maneira que se torna fundamental entender e se
adaptar às novas características do mercado. Para Longo (2014), “as organizações precisam não
14
apenas dominar as armas digitais, mas também adquirir uma alma digital” (Longo, 2010, p.77).
Longo (2014) completa:
Por isso, os profissionais de marketing devem dar um passo adiante, atuar com os pés
no futuro e os olhos no presente - e não vice-versa. Uma das principais razões para
isso é que a Era Pós-Digital se caracteriza pela efemeridade. Relações, marcas,
comportamentos, preferências, tudo surge e desaparece em ciclos cada vez mais
curtos. (Longo, 2014, p.19)
Embora todas essas transformações decorrentes do digital sejam uma realidade, segundo
Longo (2014), muitas empresas ainda não atentaram para suas implicações no contexto
mercadológico:
Embora essa seja uma realidade visível a olho nu, muitos decisores sobre políticas de
propaganda e marketing de empresas dos mais variados portes continuam a cultivar
uma miopia nada saudável. E o que provoca essa falta de visão é a velha vaidade.
Ninguém quer admitir que não entende a nova dinâmica do mercado no mundo pós-
digital. (Longo, 2014, p.31)
Estar atento a essa nova dinâmica, que coloca o consumidor no centro de todo o
processo, torna-se fundamental para a sobrevivência de empresas e marcas no novo contexto
mercadológico.
1.2 O NOVO CONTEXTO MIDIÁTICO
O cenário midiático atual apresenta-se de maneira bastante heterogênea. As mídias de
massa, cada vez menos dominantes, dividem espaço com as redes digitais. Enquanto as
primeiras estabelecem uma relação unilateral com sua audiência, as segundas possibilitam um
nível de imersão e interatividade muito maior, na qual o receptor pode atuar também como
produtor de conteúdo. O ciberespaço permitiu o acesso a variados territórios, onde é possível
produzir e distribuir informações de modo autônomo, favorecendo a formação de redes
colaborativas. Saad Corrêa (2003) observa que:
15
O uso da internet pelo mercado informativo teve como premissa o entendimento de
que a grande rede surgia como mais uma mídia e, como tal e similar aos demais meios
de disseminação de mensagens, deveria resultar num negócio lucrativo. Ficaram em
segundo plano os aspectos mais significativos das redes digitais de comunicação e
informação: uma tecnologia bidirecional que coloca produtor e receptor da
informação no mesmo patamar; que possibilita diálogos interpessoais e intergrupais
sem a intervenção do produtor da informação; com potencial de uso não apenas de
distribuição e captação de informações, mas também de gerenciador de dados e
criador de sentido para grupos de usuários de qualquer porte. (Corrêa, 2003, p.25)
No cenário atual, grandes produtoras audiovisuais, redes de televisão aberta e fechada,
emissoras de rádio, entre outras, ainda detêm poder midiático suficiente para influenciar o
cotidiano da população. No entanto, a internet e as redes digitais vêm ganhando cada vez mais
espaço, fazendo com que os meios de comunicação de massa e as grandes empresas
reorganizem sua maneira de comunicar. Segundo Manuel Castells, a internet “é a espinha
dorsal da comunicação global mediada por computadores: é a rede que liga a maior parte das
redes” (Castells, 1999, p. 431). A internet possibilita que pessoas e empresas estejam inseridas
na rede digital e interajam entre si, modificando as relações sociais e a forma de comunicação.
É importante ressaltar que os meios de comunicação tradicionais não estão sendo
simplesmente substituídos, mas sim remodelados com o surgimento de novas tecnologias. Tal
remodelação permite que eles dialoguem e interajam com os novos meios, constituindo um
cenário de convergência midiática que Henry Jenkins detalha em seu livro “Cultura da
Convergência”.
O conteúdo de um meio pode mudar (como ocorreu quando a televisão substituiu o
rádio como meio de contar histórias, deixando o rádio livre para se tornar a principal
vitrine do rock and roll), seu público pode mudar (como ocorre quando as histórias
em quadrinhos saem de voga, nos anos 1950, para entrar num nicho, hoje)... mas uma
vez que um meio se estabelece, ao satisfazer alguma demanda humana essencial, ele
continua a funcionar dentro de um sistema maior de opções de comunicação (Jenkins,
2009, p. 41).
Essa nova organização faz com que os produtos midiáticos se diversifiquem, convidem
novas audiências interativas, que consomem de várias formas e também produzem conteúdo a
partir do consumo, o que modifica substancialmente a relação entre emissor e receptor.
16
A lógica econômica de uma indústria de entretenimento integrada horizontalmente –
isto é, uma indústria onde uma única empresa pode ter raízes em vários diferentes
setores de mídia – dita o fluxo de conteúdos pelas mídias. Mídias diferentes atraem
nichos diferentes. Filmes e televisão provavelmente têm os públicos mais
diversificados; quadrinhos e games, os mais restritos. Uma boa franquia transmídia
trabalha para atrair múltiplas clientelas, alterando um pouco o tom do conteúdo de
acordo com a mídia (Jenkins, 2009, p. 138).
Jenkins (2009) afirma ainda que “na cultura da convergência, todos são participantes –
embora os participantes possam ter diferentes graus de status e influência” (Jenkins, 2009, p.
189). A audiência de hoje não apenas se recusa a aceitar passivamente o que lhe é transmitido,
como também faz o possível para participar ativamente daquele ambiente.
Aos poucos, novas empresas de mídia (Internet, games e, em menor grau, as empresas
de telefone celular) estão experimentando novas abordagens que consideram os fãs
colaboradores importantes na produção de conteúdos, e intermediários alternativos,
ajudando a promover a franquia. (Jenkins, 2009, p. 191).
Todo esse contexto aponta para uma nova realidade: a mobilização social por meios
interativos da comunicação. Por meio dos dispositivos móveis, como smartphones e tablets, o
indivíduo pode participar do fluxo comunicacional que era restrito a empresas produtoras de
conteúdo.
Baseando-se na evolução dos meios de comunicação, nota-se que o consumo midiático
passa por três fases: o consumo compartilhado, na qual o conteúdo do rádio ou televisão são
consumidos por um grupo, no mesmo momento. Os comentários e impressões a respeito da
programação são compartilhados na hora, por esse mesmo grupo e entre si; o consumo
individualizado, em que os aparelhos receptores tem seu custo barateado, propiciando o
consumo individual e privado; e o consumo privado e compartilhado, em que a ampla
disponibilidade de programação permite o consumo privado, mas permite quase que
instantaneamente o compartilhamento de impressões e opiniões através das redes digitais.
Acerca da terceira fase, pode-se dizer que o sentido de assistir a um determinado
conteúdo em conjunto é retomado, e a conversação é ampliada, permitindo que o espectador se
conecte a pessoas com o mesmo interesse comum ao dele. O crossmedia, ou cruzamento de
17
3
Pesquisa prova a relação entre popularidade de atrações e tuítes. Dísponível:
http://www.proxxima.com.br/home/proxxima/noticias/2013/10/07/nielsen-divulga-primeiro-relatorio-de-interacao-entre-
twitter-e-tv.html>. Acesso em 14 de maio de 2013.
plataformas midiáticas (Giovagnoli, 2009) permite o aparecimento da audiência, configurando
uma nova forma de consumo midiático. “Um mesmo produto televisivo, por exemplo, passa a
ser apropriado de distintos modos, integrando-se a novas rotinas propostas por sites de redes
sociais, como Facebook e Twitter” (Dalmonte, 2014, p. 2).
Em uma pesquisa divulgada pela Nielsen, em 2013, foi apontada a alta influência que
os usuários do Twitter exercem sobre audiência da televisão. Foram analisadas 221
transmissões de TV em horário nobre, que repercutiram através de comentários no microblog.
A pesquisa mostra que os conteúdos televisivos resultam em aumento no fluxo de comentários
no Twitter durante o momento da exibição. Em contrapartida, a repercussão na internet aumenta
a audiência da programação em TV.
O especialista em marketing digital Gary Vaynerchuk afirma que as novas plataformas,
capitaneadas pelas mídias sociais, levaram a batalha pela atenção do público para um novo
ringue, em que os consumidores se mostram prontos a desafiar marcas e produtos, manifestando
suas opiniões e anseios, antes mesmo de consumir alguma coisa.
Até recentemente, o marketing tradicional não passava de uma luta de boxe unilateral,
comas empresas desferindo ganchos de direita nas mesmas plataformas - rádio, TV,
mídia impressa, outdoors e, mais tarde, internet - com a maior rapidez e frequência
possível (...) Era uma luta injusta, mas funcionava. Os clientes tinham que levar o soco,
porque não dispunham de outro lugar para consumir sua mídia. As mídias sociais,
porém, finalmente lhes deram uma vantagem. A luta, então, foi transferida para uma
plataforma que lhes permitiu exigir uma mudança nas regras do jogo. Eles demandaram
mais tempo. Passaram a querer que as empresas treinassem um pouco com eles, lhes
dessem atenção, os deixassem expressar suas opiniões e interesses e participar da
construção da marca antes de lhes oferecer a oportunidade de fazer a venda. Com isso,
os profissionais de marketing se viram obrigados a despender muito mais tempo dando
jabs nos consumidores antes de desferir o gancho de direita. (Vaynerchuk, 2016. Pag.
13)
Tal cenário, que Vaynerchuk (2013) define como “um ringue de boxe”, é o pano de
fundo para a análise de um novo contexto comportamental, que veremos a seguir.
18
1.3 O NOVO CONTEXTO COMPORTAMENTAL
Além de alterar a lógica do mercado e as formas de interação midiática, o novo contexto
digital modifica sobremaneira o próprio comportamento da audiência. Uma das características
mais marcantes do novo cenário midiático é a participação intensa dos consumidores. Eles não
são apenas receptores da mensagem, mas produtores de conteúdo. Dessa forma, as mídias
acabam sendo forçadas a remodelar seus conceitos, a fim de estabelecer maior conexão com
seu público.
Se os antigos consumidores eram tidos como passivos, os novos consumidores são
ativos. Se os antigos consumidores eram previsíveis e ficavam onde mandavam que
ficassem, os novos consumidores são migratórios, demonstrando uma declinante
lealdade a redes ou a meios de comunicação. Se os antigos consumidores eram
indivíduos isolados, os novos consumidores são mais conectados socialmente. Se o
trabalho de consumidores de mídia já foi silencioso e invisível, os novos consumidores
são agora barulhentos e públicos (JENKINS, 2009, p. 47).
Para Longo (2014), hoje, no ciberespaço, existem três tipos de usuários: os turistas
digitais, os imigrantes digitais e os nativos digitais. Os usuários mais velhos são os que
apresentam mais medo das mudanças e também menos tempo de educação formal. Os jovens
com mais escolaridade são os entusiastas das novidades. Para esse grupo, “a combinação de
informação (jornalística ou publicitária), entretenimento e tecnologia é natural” (Longo, 2014,
p.27).
Longo (2014) afirma ainda que, nessa nova era, a vaidade é o que move o consumidor.
E ele se orgulha disso.
Nos dias de hoje, esse mecanismo de auto-congratular-se o tempo todo, de
achar-se melhor que os outros terráqueos e de nunca dar o braço a torcer tem
lá seu valor corporativo, por isso colocam em seu crachá apelidos descolados
como forma de demonstrar status, autoestima ou fazer marketing pessoal. O
fato é que a vaidade é um combustível poderoso e, sozinha, move o mundo
com mais vigor e sucesso do que o dinheiro (avareza) ou o sexo (luxúria),
pecados que, aliás, costumam se associar a ela. (LONGO, 2014, p.27)
Segundo o autor, a vaidade está na base da acelerada proliferação do uso das mídias
digitais pelo público, assim como justifica a demora com a qual alguns empresários de
19
marketing se adequam ao novo comportamento do consumidor. Tal fato pode ser compreendido
ao levar-se em consideração que grande parte dos gestores atuais são nascidos na era analógica.
No entanto, algumas empresas já começaram a decifrar o novo modelo comportamental
de consumo. Para entende-lo, tais organizações não podem considerar apenas dados
demográficos ou psicográficos. Elas precisam estudar como o novo consumidor se comporta
diante das novas plataformas midiáticas. Em seu livro “O Show do Eu”, Paula Sibilia retrata
um pouco desse novo consumidor, que faz da sua intimidade um verdadeiro espetáculo,
transmitido através dos novos meios digitais. Segundo a autora, o consumidor não se comporta
mais como um agente passivo. Tampouco se contenta apenas em produzir seus conteúdos. Ele
quer espaço nas histórias contadas pelas marcas.
Em alguns casos, os próprios autores de blogs se convertem em protagonistas ativos
das campanhas publicitárias, como aconteceu com a linha de sandálias Melissa,
comercializada por uma marca brasileira (...) A empresa escolheu quatro jovens cujos
fotologs faziam certo sucesso entre as adolescentes brasileiras, e as nomeou
‘embaixadoras’. Além de divulgar as marcas em seus fotologs, as meninas
‘colaboraram’ no processo de criação do calçado, incorporando tanto suas próprias
ideias, quanto as opiniões deixadas pelos visitantes em seus sites. (Sibilia, 2008, p.22)
Siblia (2008) corrobora com a opinião de Longo (2014), ao defender que as mídias
sociais são a grande mola propulsora de um comportamento que transforma a vida privada em
espetáculo público. No entanto, tal espetáculo não se limita apenas ao protagonismo em ações
de marketing. Pelo contrário. Ele poder ser montado para contrapor marcas, denegrir empresas,
humilhar figuras públicas ou anônimas.
O jornalista Jon Ronson investigou a fundo como o novo comportamento digital tem se
manifestado nas relações entre as marcas e as multidões digitais.
Quando a academia LA Fitness se recusou a cancelar a matrícula de um casal que tinha
perdido o emprego e não podia arcar com as mensalidades, nós nos manifestamos. A
LA Fitness logo voltou atrás. Esses gigantes estavam sendo derrubados por pessoas que
costumavam ser impotentes – blogueiros, qualquer um com uma conta em uma rede
social. E a arma que os estava abatendo era nova: humilhação on-line (Ronson, 2015,
p.18)
20
Ronson (2015) conclui que a internet – e o poder que ele trouxe aos cidadãos comuns –
fez ressurgir uma das mais letais formas de punição: a humilhação pública.
Algo realmente importante estava acontecendo. Aquele era o início de um grande
renascimento da humilhação pública. Depois de uma calmaria de 180 anos (punições
públicas tiveram fim em 1837 no Reino Unido e em 1839 nos Estados Unidos), ela
estava de volta em grande estilo. Ao empregar a humilhação, usávamos uma ferramenta
muito poderosa – coerciva, sem fronteiras e com velocidade e influência cada vez
maiores. Hierarquias eram horizontalizadas. Os silenciados ganhavam voz. Era como a
democratização da justiça. (Ronson, 2015, p.18)
Esse é o cenário que ambienta o presente estudo. Os próximos capítulos se propõem a
compreender como agem as multidões e como suas ações são potencializadas no ambiente
digital.
21
2 O COMPORTAMENTO DAS MULTIDÕES
Em seu livro “Psicologia das Multidões”, Gustave Le Bon define multidão como uma
reunião de indivíduos quaisquer, independente de nacionalidade, profissão ou sexo. Segundo o
autor, do ponto de vista psicológico, ao estar inserido em uma multidão, o sujeito perde sua
personalidade consciente, os sentimentos e ideias tomam um único sentido coletivo, formando
o que o autor chama de “alma coletiva”. “A coletividade torna-se então o que, na falta de uma
expressão melhor, eu chamaria uma multidão organizada ou, se preferirmos, uma multidão
psicológica. Ela forma um único ser e encontra-se submetida à lei da unidade mental das
multidões” (Le Bon, 2016, p. 29).
No entanto, para se adquirir características de uma multidão psicológica é preciso que
haja a influência de certos estímulos, que façam com que o indivíduo perca seu consciente e
passe a seguir os pensamentos de uma multidão. Le Bon (2016) ressalta que não é necessário
que vários indivíduos estejam presentes no mesmo local para formar uma multidão psicológica.
Milhares de indivíduos podem dividir, por acaso, um mesmo ambiente, como uma praça, sem
qualquer objetivo, não formando uma multidão psicológica. Da mesma maneira que não há
necessidade de que os indivíduos dividam o mesmo ambiente para que percam sua
personalidade consciente.
Milhares de indivíduos separados podem em um dado momento, sob a influência de
certas emoções violentas, um grande acontecimento nacional, por exemplo, adquirir
as características de uma multidão psicológica. Um acaso qualquer que os reúna
bastará então para que sua conduta logo se revista da forma específica dos atos das
multidões. (Le Bon, 2016, p.30)
Transpondo as ideias de Le Bon (2016) para os dias atuais, podemos identificar a
internet como um campo fértil para a proliferação das multidões psicológicas. As pessoas se
unem com um objetivo ou por um sentimento, sem sequer se conhecerem. Muitas vezes, não
22
sabem nem o fundamento daquilo que estão seguindo, mas se identificam com aquela maneira
de pensar e se inserem no meio protestando ou defendendo uma ideia, por exemplo.
Formada a multidão psicológica, ela adquire características gerais provisórias, mas
determináveis. A essas características gerais acrescentam – se características
particulares, variáveis segundo os elementos de que a multidão se compõe e que
podem modificar sua estrutura mental. (Le Bon, 2016 p. 30)
Ao analisar as multidões psicológicas o que surpreende no comportamento das mesmas
é que, independente das características individuais, como estilo de vida, trabalho, caráter ou
inteligência, ao se tornar parte de uma multidão o indivíduo é sucumbido pela “alma coletiva”.
Ele passa a ser dominado pelo pensamento coletivo, apresentando uma maneira de agir diferente
daquela que lhe era comum isoladamente. Essas características não são novas, elas eram ocultas
no eu, como afirma o autor:
É sobretudo pelos elementos inconscientes que compõem a alma de uma raça que
todos os indivíduos dessa raça se parecem. É pelos elementos conscientes, frutos da
educação mas sobretudo de uma hereditariedade excepcional, que diferem. Os
homens mais dessemelhantes por sua inteligência têm instintos, paixões sentimentos,
às vezes idênticos. Em tudo que o que é matéria de sentimento – religião, política,
moral, afetos, antipatias etc. – os homens mais eminentes muito raramente
ultrapassam o nível dos indivíduos ordinários. (Le Bon, 2016, p.33)
Ao pensar em multidões, deve-se lembrar de que o indivíduo perde sua condição de
raciocínio individual, sendo necessária a presença de um líder que gera as ideias e sentimentos,
tal como um guia. É necessário que o líder tenha voz ativa e poder de persuasão, para que outra
pessoa, com ideias mais claras e objetivas, não mude o pensamento dessa multidão. O autor
afirma que várias dessas ideias podem ser medíocres e sem conteúdo.
O partilhar de qualidades ordinárias explica por que as multidões não poderiam
realizar atos que exigem uma inteligência elevada. As decisões de interesse geral
tomadas por uma assembleia de homens distintos, mas de especialidades diversas, não
são sensivelmente superiores às decisões que uma reunião de imbecis tomaria. De
fato, podem apenas associar as qualidades medíocres que todo mundo possui. As
multidões acumulam não a inteligência, mas a mediocridade. (Le Bon, 2016, p.34)
Segundo Le Bon (2016), são três os elementos que fundamentam a psicologia das
multidões: o poder, o contágio mental e a sugestionabilidade.
23
Ao estar rodeado de pessoas que compartilham a mesma maneira de pensar, o indivíduo
sente-se poderoso, além de se tornar um anônimo. Isso traz à tona a irresponsabilidade, pela
falsa sensação de que “jamais” será identificado. Assim “o indivíduo na multidão adquire,
exclusivamente por causa do número, um sentimento de poder invencível que lhe permite ceder
a instintos que sozinho, teria forçosamente refreado” (Le Bon, 2016, p.34).
Para o autor, “em uma multidão, todo sentimento e todo ato é contagioso. Tão
contagioso a ponto de que o indivíduo sacrifique muito seu interesse pessoal ao interesse
coletivo” (Le Bom, 2016, p.35).
Um indivíduo que perde sua personalidade própria passa a acatar as sugestões de um
líder, passando a ter atitudes completamente contrárias ao que apresentava antes. A
sugestionabilidade pode ser a mais importante das características da multidão, pois o indivíduo
sente-se hipnotizado e perde seus sentidos particulares. Deixando de ter consciência de seus
atos.
Portanto, desaparecimento da personalidade consciente, predomínio da personalidade
inconsciente, orientação por meio de sugestão e de contágio dos sentimentos e das
ideias num mesmo sentido, tendência a transformar imediatamente em ato as ideias
sugeridas são as principais características do indivíduo na multidão. Ele já não é ele
mesmo, é um autômato cuja vontade tornou-se impotente. (Le Bon, 2016, p.36)
Ao fazer parte de uma multidão, o homem perde graus de sua civilização e passa ter
atitudes que jamais teria isoladamente. Esse indivíduo por mais culto que seja, ao se inserir em
uma multidão, pode despertar em si enorme violência e falta de educação. É o cenário perfeito
para que um júri coletivo profira sentenças que um indivíduo, particularmente, jamais aceitaria.
2.1 OS LÍDERES E SEUS DISCURSOS
Qualquer ser vivo reunido, desde um rebanho animal até uma multidão de homens,
coloca-se instintivamente sob a autoridade de um líder, um chefe ou condutor. Nos grupos
24
humanos, o líder possui um papel de grande importância, já que as multidões se formam em
torno de suas vontades e opiniões. Sem o líder as multidões não seriam tão poderosas.
Os líderes são pessoas bem articuladas que inspiram confiança e são capazes de arrastar
milhares de indivíduos sem que eles percebam que estão perdendo o raciocínio lógico. No geral,
esses líderes já foram conduzidos anteriormente e acabaram abandonando a ideia que lhes era
passada, tornando-se avessos ao discurso existente e criando um próprio. Le Bon (2016) cita
ainda que os líderes geralmente são os mais fanáticos no meio da multidão. Com ideias
absurdas, esses homens sacrificam seus interesses pessoais em prol de suas ideologias e
conseguem o destaque por liderar pelo exemplo. A tamanha convicção que carregam faz com
que os demais deixem de ter o raciocínio lógico e passem a apoiar incondicionalmente suas
ideias.
A intensidade da fé confere a suas palavras um grande poder de sugestão. A multidão
sempre escuta o homem dotado de vontade forte. Como os indivíduos reunidos na
multidão perdem toda a vontade, voltam-se instintivamente para quem a possui. (Le
Bon, 2016, p. 112)
Le Bon (2016) revela que os líderes perseguem seus interesses pessoais criando
seguidores. Dominam a retórica e exercem uma influência efêmera. O que importa em se
tratando de líderes e multidões é que se estabeleça a fé, não apenas religiosa, mas também
política ou social, em algo ou alguém. Esse é o maior papel de um líder. A fé é a maior das
forças que a humanidade dispõe. Munida dela, o ser humano é capaz de cometer atos violentos
e impensados. “Os grandes acontecimentos da história geralmente foram realizados por
obscuros crentes que tinham a seu favor apenas a fé. (Le Bon, 2016, p. 113).
O fenômeno dos líderes nas multidões, acontece em todas as classes sociais e vai da alta
cúpula ao operário que, pouco a pouco, encanta seus companheiros com algo que pode mudar
suas vidas. Para Le Bon (2016), independente de poder ou classe, quando o homem deixa de
25
estar isolado, logo passa a seguir um líder, principalmente nas classes populares onde o
indivíduo não possui uma ideia clara.
Ao citar as categorias de líderes, Le Bon (2016) percebe dois perfis muito marcantes.
Há os que adotam um estilo enérgico, de punho forte, mas momentâneo. São tipos de líderes
ideais para comandar ataques e arrastar a multidão ao perigo, como foi Garibaldi: “um
aventureiro, sem talento, mas enérgico” (Le Bon, 2016, p.114). Essa energia, apesar de
poderosa, é efêmera e não resiste ao motivo pela qual surgiu. Os líderes então passam a
demonstrar fraqueza e pouco raciocínio. Tal exemplo pode ser facilmente aplicado na internet.
Os líderes da internet arrastam multidões virtuais para verdadeiras guerras, criam heróis, mas
após a batalha retornam para o anonimato de suas vidas e, muitas vezes, esquecem aquilo que
defendiam.
A outra categoria é dos líderes que “possuem ao mesmo tempo uma vontade mais forte
e duradoura” (Le Bon, 2016, p. 114). Um estilo raro, mas a influência que esses homens
exercem sobre suas multidões são mais duradouras, assim como suas vontades. Nessa categoria
é comum encontrar os chefes de religiões como Jesus e Maomé, que arrastam multidões até
hoje.
No que diz respeito ao discurso desses líderes, é possível analisar que eles precisam ser
simples e carentes de teor intelectual. As ideias transmitidas às multidões, independente de
quais sejam, não podem fazê-las pensar muito profundamente. Na maioria das vezes, essas
ideias são representadas por imagens, que ficam armazenadas na memória do indivíduo por um
período, mas que podem ser facilmente substituídas por não terem nenhum vínculo com suas
memórias afetivas.
Conforme as contingências do momento, a multidão ficará sob a influência de alguma
das diversas ideias armazenadas no seu entendimento e cometerá, por conseguinte os
atos mais dessemelhantes. Sua completa ausência de espírito crítico não lhe permite
perceber as contradições. (Le Bon, 2016, p.62)
26
Esse fato, portanto, não é uma característica das multidões, apenas. Indivíduos de uma
religião fervorosa, por exemplo, podem apresentar esses casos de contradições em momentos
individuais.
Le Bon (2016) cita que os discursos são produzidos para arrastar a maioria e, como
citado anteriormente, não deve ser de difícil entendimento.
A pobreza de certos discursos que exerceram uma influência enorme sobre seus
ouvintes por vezes impressiona quando os lemos; mas esquecemos que foram feitos
para arrastar a coletividade e não para serem lidos por filósofos. O orador, em íntima
comunhão com a multidão, evoca as imagens que a seduzem. Se obtém sucesso, seu
objetivo foi alcançado; e um volume de arengas não vale as poucas frases que
conseguiram seduzir as almas que havia que convencer. (Le Bon, 2016, p. 66)
Le Bon (2016) considera que grande parte das ideias que conduzem uma multidão são
completamente absurdas para quem está fora dela. “Por isso, do ponto de vista das ideias, as
multidões estão sempre várias gerações atrás dos sábios e filósofos” (Le Bon, 2016, p .65). Tal
conclusão parece óbvia, levando-se em conta que sábios e filósofos passam anos para
desenvolver uma teoria.
Para Le Bon (2016), uma ideia absorvida por uma multidão adquire um poder absoluto,
sendo difícil controlá-la ou questioná-la. “[...] O valor hierárquico de uma ideia não tem
importância. Somente devem ser considerados os efeitos que produz” (Le Bon, 2016 p. 64).
Outro ponto abordado por Le Bon (2016) é a facilidade de se impressionar a imaginação
das multidões. Os discursos e imagens absurdos são os que mais geram impacto, fazendo com
que as multidões fiquem “impedidas” de refletir, sendo facilmente ludibriadas. Por isso, notícias
sensacionalistas, com fotos de catástrofes e acidentes, ganham cada vez mais espaço na mídia.
Segundo Le Bon (2016), para influenciar as multidões é necessário que se mexa com a
imaginação e o sentimento através do uso de imagens comoventes que dispensem raciocínio
lógico. Essas imagens podem se apresentar em forma de vitória, tragédia ou ser de cunho
religioso, como um milagre. Além disso, é importante que os acontecimentos apareçam em
largas escalas: vários pequenos assaltos não impressionam como um grande acidente aéreo,
27
mesmo que o número de mortes produzidos por esses assaltos sejam infinitamente maiores.
Percebe- se claramente essa comoção geral, quando a televisão anuncia uma grande tragédia.
O assunto é comentado por grande parte da população, além de ser pauta de matérias por vários
dias. Já pequenos assaltos ou mortes de seres comuns acontecem todos os dias, perdendo o
interesse das multidões.
2.2 OS LÍDERES NAS MULTIDÕES: AFIRMAÇÃO, CONTÁGIO E PRESTÍGIO.
Le Bon (2016) afirma que a melhor maneira através da qual um líder pode conduzir sua
multidão é o exemplo. Por isso é necessário que ele tenha energia suficiente para tal e não
necessariamente um discurso profundamente embasado. Le Bon aponta três técnicas que os
líderes utilizam para imergir nas ideias e pensamentos das multidões: a afirmação, a repetição
e o contágio. O autor destaca ainda a importância do prestígio.
Afirmações diretas e desprovidas de provas que possam contradizer a ideia central são
muito eficientes, segundo Le Bom (2016). Esse método só atinge a influência desejada se for
constantemente repetida. Quando indivíduo passa a ouvir algo várias vezes, ele é persuadido e
essa ideia acaba se tornando uma verdade em sua mente. Os livros religiosos são exemplos de
publicações pouco questionadas que usam o método da afirmação. Na publicidade essa é uma
técnica também muito utilizada.
No entanto, por mais eficiente que possa parecer a afirmação pautada na repetição, nada
é mais poderoso que o contágio. Segundo o autor, esse estágio acontece quando a informação
já foi afirmada e repetida inúmeras vezes e, então, alastra-se como uma corrente.
Nas multidões, as ideias, os sentimentos, as emoções, as crenças possuem um poder
de contágio tão intenso quanto o dos micróbios. Esse fenômeno é observável nos
próprios animais desde que estejam reunidos em multidões.” (Le Bon, 2016, p. 118)
28
É através do contágio que se explica fenômenos como histeria coletiva, desordem e
sentimentos. Além disso, esse método não exige a presença dos mesmos indivíduos, em um
mesmo local. Portanto, ao estudarmos as multidões na internet, sabe-se que elas foram
amplamente contagiadas.
Por fim, Le Bon (2016) aborda a questão do prestígio. De acordo com o autor “o
prestígio pode englobar certos sentimentos tais como a admiração e o temor” (Le Bon, 2016, p.
121). Trata-se de um termo que, apesar de todos entenderem a qual sentimento se refere, é
difícil aplicá-lo a uma única definição. Segundo Le Bon :
O prestígio é na realidade uma espécie de fascínio que um indivíduo, uma obra ou
uma doutrina exerce sobre nosso espírito. Esse fascínio paralisa todas as nossas
faculdades crítica e enche nossa alma de assombro e respeito. Os sentimentos assim
provocados são inexplicáveis, como todos os sentimentos, mas provavelmente da
mesma ordem que a influência sofrida por um sujeito magnetizado. O prestígio é o
motor mais poderoso de toda dominação. Os deuses, os reis e a mulheres nunca teriam
reinado sem ele. (Le Bon, 2016, p. 122)
O autor também se refere a duas formas de prestígio. O “prestígio adquirido” é aquele
que pode ser comprado, como nome, bens, reputação. É a forma de prestígio mais disseminada
ultimamente, por simplesmente estar atrelado à ocupação de alguma posição social. A outra
forma é o “prestígio pessoal” que é individual e não depende de fortuna ou bens. Pode ser
adquirido pela sua representatividade ou personalidade, embora fortuna ou status possam
acentuá-lo. Os líderes religiosos exercem esse tipo de prestígio. “O ser, a ideia ou a coisa que
possui prestígio é, por via de contágio, imediatamente imitado e impõe a toda uma geração,
certos modos de sentir e de traduzir pensamentos” (Le Bon, 2016, p.129).
A geração de influenciadores da internet, exemplifica bem o que Le Bon (2016) chama
de prestígio adquirido. Pessoas anônimas ganham visibilidade através do discurso,
conquistando um certo prestígio pessoal. Em seguida, por conta das multidões que arrastam,
começam a lucrar com essa atividade, adquirindo bens e tornam-se influenciadores por meio
29
do contágio, gerando então um prestígio adquirido. Tudo que esses influenciadores falam, usam
ou recomendam, despertam em seus seguidores uma enorme influência.
Segundo Le Bon (2016), o prestígio está diretamente ligado ao sucesso. Sem ele, restam
apenas o esquecimento e o julgamento. A todo momento aparecem novos heróis, fazendo com
que os antigos líderes sejam esquecidos. O autor cita ainda que o prestígio pode ser perdido
através do questionamento. “Os deuses e os homens que souberam preservar por muito tempo
seu prestígio nunca toleraram o questionamento. Para ser admirado pelas multidões, é preciso
sempre mantê-las à distância” (Le Bon, 2016, p.130).
Quando um líder passa a ser questionado é sinal de que seu prestígio já não está tão
forte. Por isso, é comum que líderes não se permitam serem questionados.
2.3 CLASSIFICANDO AS MULTIDÕES
Le Bon (2016), cita que o ponto de partida para a composição das multidões são as
pequenas aglomerações. “Sua forma mais inferior manifesta-se quando se compõe por
indivíduos pertencentes a raças diferentes” (Le Bon, 2016, p.145). Estas são as multidões em
sua forma mais simples, sem um objetivo e características definidos. As multidões são
classificadas em heterogêneas e homogêneas, analisaremos separadamente cada uma delas.
Classifica-se como multidão heterogênea aquela formada por diferentes indivíduos, de
qualquer profissão ou ideologia. A raça é um fator principal - e mais poderoso - para conhecer
claramente as multidões heterogêneas.
Sua influência manifesta-se nas características das multidões. Uma multidão
composta por indivíduos quaisquer, mas todos ingleses ou chineses, diferirá
profundamente de outra composta igualmente por indivíduos quaisquer, mas de raças
variadas: russos, franceses, espanhóis. etc. (Le Bon, 2016, p. 147)
30
As multidões heterogêneas são divididas de duas maneiras: multidão heterogêneas
anônimas, conhecida como as multidões de ruas ou as da internet, por exemplo. E multidões
heterogêneas não anônimas: júris e assembleias.
Já as multidões homogêneas, segundo Le Bon (2016), compreendem as seitas, as castas
e as classes. A seita representaria o primeiro grau na organização das multidões homogêneas.
“Compõem-se de indivíduos de educação, de profissões e meios às vezes muito diferentes, cujo
único vínculo é o das crenças. É o caso, por exemplo, das seitas religiosas e políticas” (Le Bon,
2016, p. 148).
A casta, segundo Le Bon (2016) representaria o mais alto grau de organização de uma
multidão. Ao contrário da seita, “compreender apenas indivíduos da mesma profissão e,
consequentemente, de educação e meios mais ou menos iguais” (Le Bon, 2016, p.148).
Por último, temos a classe, que abarca indivíduos de várias origens, unidos por
interesses, hábitos e estilos de vida. “É o caso por exemplo da classe burguesa, da classe
agrícola” (Le Bon, 2016, p.148).
Transpondo os conceitos de Le Bon para os dias atuais, podemos classificar as multidões
na internet como heterogêneas, anônimas, com líderes influenciadores que apresentam o
discurso do contágio e da imitação. Através do prestígio adquirido, passam a arrastar as
multidões. A seguir, analisaremos as razões que levam uma pessoa anônima a expor sua vida
no meio digital, até que se torne um influenciador das multidões.
31
Figura 1 - Capa da Revista Time de 2006
Fonte – Google imagens
3 O SHOW DO EU E A INTIMIDADE COMO ESPETÁCULO
Todo fim de ano, a revista americana Time traz estampada em sua capa aquela que
considera a personalidade mais influente daquele ano. Nesta posição já estiveram
personalidades como Jorge W. Bush, em 2004 e Hitler, em 1938. Em 2006, a capa trazia um
espelho e a personalidade do ano era “você” e todos os cidadãos comuns que contribuíram para
o gigantesco aumento da produção e compartilhamento de conteúdo. Segundo os editores da
revista e, anos depois, Sibilia (2008, p.8) “[...]todos nós estamos transformando a era da
informação.” Era o início da chamada “Web 2.0”.
Os editores da revista ressaltaram o aumento inaudito de conteúdo produzido pelos
usuários da internet, seja nos blogs, nos sites de compartilhamento de vídeos como o
YouTube ou nas redes sociais de relacionamento como o MySpace e o Orkut. Em
virtude desse estouro de criatividade (e de presença midiática) entre aqueles que
costumavam ser meros leitores e espectadores passivos, teria chegado “a hora dos
amadores”. Por tudo isso então, “por tomarem as rédeas da mídia global, por forjarem
a nova democracia digital, por trabalharem de graça e superarem os profissionais em
seu próprio jogo, a personalidade do ano da Time é você”, afirma a revista” (Sibilia,
2008, p. 9)
32
O consumidor assumia definitivamente o papel de produtor de conteúdo,
deixando apenas de consumir para também se expor e mostrar sua criatividade, muitas vezes
em troca apenas de visualizações.
Em 2006, o consumidor já era um fenômeno na produção de conteúdo, ainda que
amador. Fato que só cresceu de lá para cá, com o aumento do uso de smartphones e da melhoria
da prestação de serviço de internet. Naquela época, só existia acesso a internet por meio do
telefone fixo e dos computadores desktop. Hoje, em qualquer lugar, é possível tornar público o
que você está fazendo ou o noticiar um fato que está presenciando.
A ampla liberdade de expressão que começava a surgir na internet era algo a se
comemorar. Vários indivíduos teriam voz e poderiam mostrar seus trabalhos. No entanto, a
qualidade do material produzido já era uma preocupação para os editores da revista Time, que
afirmavam que essa nova era mostra tanto a burrice das multidões como a sua sabedoria. Alguns
conteúdos lançados no turbilhão da internet, segundo Sibilia, “fazem-nos lamentar pelo futuro
da humanidade” (Sibilia, 2008, p.10).
Além da preocupação com a qualidade do conteúdo a autora demonstra uma
preocupação com a personalidade. Para Sibilia (2008), estaria se iniciando uma época de grande
rendimento e novidades diretamente ligadas à economia, mas apenas as novas tecnologias não
seriam capazes de impulsionar os negócios. Os jovens, principais precursores da web 2.0,
estariam buscando o novo, o oculto. Esse grupo precisa de novidade. Não basta só alimentar a
web, é necessário trazer um conteúdo “chocante” e diferenciado todos os dias. Isso porque, o
jovem precisa mostrar que é capaz de ser incessantemente criativo.
Por um lado, a festejada “explosão de criatividade” vincula-se a uma extraordinária
“democratização” dos canais midiáticos. Esses novos recursos abrem uma infinidade
de possibilidades que eram impensáveis até pouco tempo e que agora são
extremamente promissoras, tanto para a invenção quanto para os contatos e trocas”
(Sibilia, 2008 p.11).
33
No trecho acima, a autora relata como a web 2.0 pode ser democrática, pois o
consumidor tem o direito de opinar sobre o conteúdo que está consumindo. Comentários,
“likes”, sugestões de pauta, são opções possíveis e é nessa troca que o consumidor tem
oportunidade de também produzir seu próprio conteúdo. Junto com as evoluções e vantagens,
surgem as críticas e, também, o que é irrelevante e descartável. As críticas podem aparecer de
várias formas, com ou sem fundamento.
Estar no meio digital é fundamental para fazer contatos. Foi com o crescimento das
mídias sociais que surgiram também o que hoje chamamos de “influenciadores digitais”.
Através da internet, é possível que pessoas comuns fiquem famosas apenas pela maneira como
se vestem. Grande marcas, então, fazem contato para que essas pessoas passem a usar seus
produtos em troca de dinheiro ou parcerias. Como citado no capítulo anterior, os líderes atraem
pelo exemplo e o indivíduo quer ter e ser como o outro.
3.1 O SURGIMENTO E EVOLUÇÃO DAS REDES
Segundo Sibilia (2008), os computadores, inesperadamente, viraram meios de
comunicação, obrigando as mídias de massa a se adaptarem às novas tecnologias eletrônicas,
passando a se comunicar inspiradas nelas. Hoje é comum vermos emissoras de televisão com
parte do seu conteúdo voltado para a web ou privilegiando os assinantes online com conteúdo
diferenciado.
Várias novidades surgiram no ciberespaço, inicialmente no formato de broadcast, de
maneira que houvesse um único emissor e vários receptores. Não demorou muito para que essa
prática ficasse ultrapassada e então começassem a surgir as inovações no meio. Surge então, o
correio eletrônico, como interessante alternativa para quem não queria a aproximação via
telefone, mas não podia esperar pelo tempo de uma carta. Ele trazia formalidade e velocidade.
34
Após o correio eletrônico, surgiram os bate-papos ou chats, acessados através de sites, que
rapidamente evoluíram para as mensagens instantâneas do MSN ou redes sociais como o Orkut,
MySpace e Facebook.
Para Sibilia (2008), tais inovações fizeram com que a tela do computador se tornasse
uma janela, onde o usuário está sempre “ligado”.
Enquanto o portal de relacionamento Orkut se tornou um fenômeno majoritariamente
brasileiro, com cerca de 24 milhões de usuários desta nacionalidade (mais da metade
do total), jovens do mundo inteiro frequentam e “criam” espaços semelhantes.”
(Sibilia, 2008 p. 12)
Com o surgimento das redes de relacionamento, o jovem aderiu de vez ao mundo digital,
passando a dedicar a maior parte do seu tempo ao mundo on-line. É importante ressaltar que
esses dados são de 2008, quando surgiu o Orkut, e o MySpace ainda era a rede mais utilizada.
Atualmente, com a facilidade de acesso a internet, o usuário tem sua “janela” muito mais aberta,
podendo estar conectado o tempo todo através dos smartphones.
Entre as novidades também surgiram os fotologs, weblogs e videologs, espécies de
diários onde o usuário pode compartilhar sua vida pessoal através de fotos, vídeos e textos.
Nesse formato, o objetivo é expor sua intimidade tal qual um diário de bordo de um viajante,
porém, ao invés de privado, esse diário está exposto ao público. Sibilia (2008) cita que são
vários os temas abordados nesses diários, prática que só cresceu de lá para cá. Hoje é possível
encontrar blogs de diversos assuntos, desde receitas culinárias a dicas de games. Já os fotologs
evoluíram para redes como o Instagram. Ainda nessa época surgiram as webcans - mini câmeras
filmadoras que tornavam possível as transmissões ao vivo. Vários usuários faziam transmissões
de sua casa, era possível até acessar sites com transmissões variadas 24 horas por dia. Essas
transmissões, hoje, acontecem via Instagram, Facebook ou até mesmo pelo Youtube e
costumam ser feitas com hora marcada.
Em meio às novidades, surge o YouTube, permitindo o compartilhamento gratuito de
vídeos caseiros. Hoje, a plataforma é pioneira no segmento de vídeos e, além da exposição, gera
35
uma receita de alto valor para os produtores de conteúdo, fazendo com que estes queiram se
expor ainda mais. Quantos mais visualização, mais dinheiro, e para ter visualização é necessário
inovar.
Em recente entrevista ao portal da revista Meio e Mensagem (2017), A apresentadora e
influenciadora digital Mari Moon corrobora com as palavras de Sibilia (2008). A apresentadora
diz que as redes sociais dos anos 90 eram uma espécie de diário pessoal onde as pessoas
expunham seu dia a dia. Atualmente, em função da busca incessante por views, essa realidade
mudou, fazendo com que os produtores de conteúdo para a internet produzam aquilo que o
público está impondo.
3.2 O PROTAGONISMO DO CONSUMIDOR NO MEIO DIGITAL
Segundo Sibilia (2008), o protagonismo do consumidor no ambiente digital tem seu
início com a chamada “Revolução da Web 2.0”, deflagrada por empresários do Vale do Silício,
nos Estados Unidos. Segundo eles, a geração que deveria ser consumista na web se tornou co-
desenvolvedora e, além disso, poderia expressar sua opinião sobre qualquer assunto, criticar as
marcas em um comentário ou publicação em seu perfil pessoal. Sibilia (2008) aponta que:
A intenção era batizar a nova etapa de desenvolvimento da internet, após a decepção
gerada pelo fracasso das companhias pontocom: enquanto a primeira geração de
empresas on-line procurava “vender coisas”, a Web 2.0 “confia nos usuários como
co-desenvolvedores”. Agora a meta é “ajudar as pessoas a criarem e compartilharem
ideias e informação”, segundo reza uma das tantas definições oficiais. (Sibilia, 2008
p. 14)
Agora é fundamental que as empresas se aproximem dos seus consumidores e deem a
eles suporte para produzir conteúdo. Mas o que de fato leva um consumidor anônimo a se expor
mundialmente através da Internet? Sibilia (2008) cita que são as experiências subjetivas de cada
indivíduo. Ou seja, a vivência é o que transforma o indivíduo no que ele comunica na internet.
36
Dessa forma visões políticas ou preferências culturais tornam-se fatores que vão moldar esse
novo indivíduo comunicante.
Sibilia (2008) recorre ao filósofo francês Gilles Deuleuze para mapear esse novo cenário
que funciona como pano de fundo para os consumidores/produtores de conteúdo.
Já faz quase duas décadas que esse filósofo francês descreveu um regime apoiado nas
tecnologias eletrônicas e digitais: uma organização social ancorada no capitalismo mais
desenvolvido da atualidade, que se caracteriza pela superprodução e pelo consumo exacerbado,
no qual vigoram os serviços e os fluxos de finanças globais. Um sistema articulado pelo
marketing e pela publicidade, mas também pela criatividade alegremente estimulada,
“democratizada” e recompensada em termos monetários.” (Sibilia, 2008 p. 172)
O trecho acima revela que o consumidor e seu conteúdo passam a se guiar pela
monetização, sendo estimulados pelas grandes empresas. O YouTube é uma dessas empresas
que, com o sistema de monetização (partilha dos lucros em publicidade com quem produziu o
conteúdo) dos seus vídeos, atrai milhões de pessoas que estão em busca do dinheiro, mas que,
para isso, precisam trazer um conteúdo cada vez mais diferenciado para os consumidores.
Após o YouTube anunciar que pretendia iniciar prática de monetização, várias empresas
buscaram forma de atrair o usuário para suas plataformas em troca de dinheiro ou créditos de
uso, mas acabaram sem sucesso.
Para Sibilia (2008), o usuário não se sente mais invadido e busca cada vez mais
exposição, fazendo com que os anunciantes procurem nele formas de publicidade. “A conclusão
parece óbvia: quem não gostaria de ser o anunciante capaz de lhe vender esses sapatos”? Isso
significa que: anunciar para uma marca alimenta o ego, além do retorno financeiro que isso
traz. Várias marcas começaram a usar fotos de clientes como protagonistas de campanhas ou
para mostrar que eles estavam usufruindo de seu produto. A prática de usar “pessoas reais”
desperta o desejo do consumidor de ser ou ter o produto anunciado, já que se identificam com
o discurso de uma pessoa comum e buscam conhecer a intimidade deles por curiosidade.
37
Fonte: www.instagram.com/rafabrites
Figura 2 - Print do Instagram de Rafa Brites
Com essa prática, a autora questiona se o que é visto na internet é uma vida real ou uma
obra. Pessoas anônimas passam a mostrar uma vida que seja interessante para quem está
consumindo seus conteúdos, bem diferente do que realmente é.
Em maio de 2017, a repórter e influenciadora Rafa Brites fez um post desabafando em
seu Instagram. A repórter desmistifica a vida sempre feliz que as pessoas públicas mostram na
internet, além de questionar a necessidade que o público tem de buscar a felicidade pela internet.
É preciso exibir na pele a personalidade de cada um, e essa exposição deve respeitar
certos requisitos. As telas – sejam do computador, da televisão, do celular, da câmera
de fotos ou da mídia que for – expandem o campo de visibilidade, esse espaço onde
cada um pode se construir como uma subjetividade alterdirigida. A profusão de telas
multiplica ao infinito as possibilidades de exibir –se diante dos olhares alheios e, desse
modo, tornar- se, um eu visível. Nesta cultura das aparências, do espetáculo e da
visibilidade, já não parece haver motivos para mergulhar naquelas sondagens em
busca dos sentidos abissais perdidos dentro de si mesmo. Em lugar disso, tendências
exibicionistas e performáticas alimentam a procura de um efeito: o reconhecimento
nos olhos alheios e, sobretudo, o cobiçado troféu de ser visto. Cada vez mais é
aparecer para ser visto.” (Sibilia, 2008 p. 111)
Para Sibilia (2008), o ser humano moderno passou a se preocupar tanto com o “eu” que
ele exibe, perseguido pelo medo de se tornar invisível, que a exposição é a única maneira de
provar sua verdade.
Pois tudo aquilo que permanecer oculto, fora do campo da visibilidade – seja dentro
de si, trancado no lar ou no interior do quarto próprio – corre o triste risco de não ser
interceptado por olho algum. E de acordo com as premissas básicas da sociedade do
espetáculo e da moral da visibilidade, se ninguém vê alguma coisa é bem provável
que ela não exista.” (Sibilia, 2008 p. 111 - 112)
38
Sibilia (2008) faz uma metáfora em que compara a mente humana ao universo das
máquinas digitais, através da capacidade humana de armazenar e deletar dados como os
computadores. O ser humano armazena dados e, quando precisa, acessa essas informações em
sua memória.
A diferença entre a mente humana e o que está nas redes é que, atualmente, já são
realizados estudos com uma substância chamada propranolol para “apagar” ou bloquear da
mente humana episódios de forte valor emocional, como acidentes ou mortes. Assim como
mostrado no filme “Brilho eterno de uma mente sem lembranças” (2004) em que personagens
contratavam serviços de uma empresa especializada para apagar memórias e amenizar o
sofrimento de um término. “Portanto se o medicamento que a sua equipe está desenvolvendo
de fato funcionar, poderíamos deixar mesmo de ser aquilo que supostamente fomos, mas já não
lembramos” (Sibilia, 2008 p. 130).
Já nas redes digitais, uma vez que uma informação qualquer tenha entrado no mundo
virtual, ficará acessível para sempre. Isso porque, mesmo que o conteúdo on-line seja apagado,
é possível que ele tenha sido salvo no computador de alguém e pode ser usado depois de anos.
Prova disso é o caso de um dos maiores influenciadores digitais do Brasil, o youtuber Felipe
Neto. Conhecido no início da carreira por criar polêmicas em seu canal “Não faz sentido”, Neto
reverberava o discurso de seus vídeos em microtextos através do seu Twitter. Após ser inúmeras
vezes julgado, tendo que fazer várias retratações por meio de textos e até vídeos, em que explica
que aquele era um discurso imaturo e do qual se arrepende, Felipe Neto, até hoje, tem alguns
de seus tuites da época reavivados.
39
Figura 3 - Print do Twitter de Felipe Neto
Figura 4 - Print do Facebook de Felipe Neto
Fonte: www.facebook.com/felipeneto
Fonte: www.twitter.com/felipenetoreal
Esse comportamento de trazer à tona imagens e textos esquecidos na web é, inclusive,
um comportamento comum entre usuários do Twitter, onde se encontram os maiores julgadores
da web, segundo Ronson (2015).
40
4 O TRIBUNAL DAS MÍDIAS SOCIAIS
Em outubro de 2016, o Brasil assistiu a um dos maiores casos de linchamento público
da história da internet. Através das mídias sociais, uma multidão raivosa apontou seus cliques
para a blogueira e youtuber Viih Tube. Antes de detalharmos o caso, torna-se relevante
contextualizar um cenário cada vez mais comum na internet: a criação de tribunais que julgam
e condenam figuras públicas ou anônimas.
O jornalista Jon Ronson, em seu livro “Humilhado” (2015), relata vários de casos em
que pessoas comuns passaram por situações de julgamento público. Segundo Ronson (2015), a
internet dá voz às pessoas sem que elas tenham que sair do anonimato, fazendo com que
qualquer pessoa possa ser massacrada ao publicar suas opiniões. “As mídias sociais dão voz a
pessoas que não têm - o igualitarismo é a sua maior qualidade” (Ronson, 2015, p.283).
Para Ronson (2015), o único objetivo desse julgamento sem provas ou juiz seria a
humilhação. Ser humilhado na internet hoje é como ser julgado em praça pública. Todos podem
dar suas opiniões, independente de ter conhecimento do caso ou poder para isso. A humilhação
é uma pena que jamais se esquece.
Entre vários casos de humilhação pública na internet, Ronson, destaca o de Justine
Sacco, gerente de relações públicas de uma grande empresa multimídia, humilhada no Twitter
após fazer um comentário de cunho racista. Em 20 de dezembro de 2013, entes de embarcar em
seu voo de férias para a África do Sul, ela publicaria o tuite que daria início ao seu julgamento
público: “Indo para a África. Espero não pegar Aids. Brincadeira. Sou branca! (Ronson, 2015,
p.75)”.
41
Fonte: www.twiiter.com/JustineSacco
Figura 5 - Print do Twitter de Justine Sacco
Segundo Ronson (2015), Justine, esperou por meia hora uma resposta de seus
seguidores e diz ter ficado frustrada por não a ter. Ela esperava a aprovação por ter sido
engraçada. Logo após, Justine embarcou no avião para um voo de 11 horas, desconectada.
Quando aterrissou, ligou o celular e viu uma mensagem de alguém que há muito não tinha
contato, dizendo sentir muito pelo que estava acontecendo. Confusa, Justine não demorou para
entender que tinha se tornado Trending Topic mundial no Twitter.
Seu “juiz”, o jornalista Sam Biddle, disse ter recebido o tuite de um de seus seguidores
e logo o retuitou.
O fato de ela ser chefe de relações públicas tornou a situação deliciosa”,
contou Sam por e-mail. “É satisfatório poder dizer: ‘Ok, vamos fazer com que um tuite
racista de um funcionário sênior da IAC faça a diferença desta vez’. E eu fiz. Faria de
novo” (Ronson, 2015, p. 87).
O jornalista Sam Biddle é um exemplo comum dos usuários da internet que vemos
ultimamente. Biddle não conhecia Justine, mas se sentiu no direito de penalizá-la. O caso
repercutiu tanto que ela perdeu o emprego. Foram cerca de cem mil tuites sobre o caso, segundo
cálculo feito pelo site BuzzFeed. Entre os posts era possível encontrar alguns que diziam:
“Estamos prestes a assistir essa vaca da @JustineSacco ser demitida. Em tempo REAL. Antes
que ela ao menos SAIBA que vai ser demitida” (Ronson, 2015, p.78).
42
Justine Sacco tentou de todas as formas se justificar, mas o veredito já estava dado.
Foi uma piada sobre a situação terrível que existe na África do Sul pós-apartheid e à
qual não damos atenção. Foi um comentário completamente revoltado sobre as
estatísticas desproporcionais da aids. Infelizmente eu não sou um personagem de South
Park ou uma comediante então não cabia a mim comentar sobre a epidemia de um modo
tão politicamente incorreto em uma plataforma pública. Eu não estava tentando
conscientizar as pessoas sobre a aids, irritar o mundo ou destruir minha vida. Moras
nos EUA nos coloca em uma espécie de bolha no que diz respeito ao que está
acontecendo no Terceiro Mundo. Eu estava debochando dessa bolha” (Ronson, 2015,
p.81)
Em outubro de 20016, a blogueira e youtuber brasileira Viih Tube, passou por situação
muito semelhante. Em um dos seus vídeos no Snapchat, a jovem aparece cuspindo na boca de
seu gato de estimação, sob o pretexto de estar alimentando-o. A internet não perdoou. Um
grande movimento tomou conta de todas as suas mídias sociais. Uma multidão se reuniu sob a
hashtag #VoltaProUteroViihTube com o objetivo claro de destruir a imagem da jovem. Nesse
caso, a utilização da hashtag funcionou com elemento unificador do discurso daquela multidão.
Uma síntese clara, agressiva e superficial da situação, mas, exatamente por isso, extremamente
poderosa. A simplicidade formal do discurso das multidões, a qual se refere Le Bon (2016),
estava estampado naquela hashtag que se tornou a mais tuitada no Brasil durante todo um dia.
Entre os inúmeros usuários que aderiram à campanha, era possível encontrar vários que
não conheciam o trabalho da jovem ou sequer haviam ouvido falar dela. Essas pessoas,
simplesmente, se sentiram ofendidas e resolveram que poderiam ofender também.
Logo o caso se transformou no assunto mais comentado no Twitter brasileiro. Fotos
aleatórias dos demais perfis da jovem, como Facebook e Instagram, foram duramente atacadas,
com xingamentos de toda natureza. Um contador em tempo real, passou a contabilizar para o
público o número de inscritos que o canal da jovem no YouTube estava perdendo.
43
Figura 6 – Coletânea de prints no Twitter
Fonte: www.twiiter.com
A jovem foi a público se desculpar, mostrou-se arrependida, mas àquela altura, a
humilhação pública já havia contagiado toda a internet.
44
Figura 7 – Tuites da Viih Tube
Fonte: www.twiiter.com/viihtube
O poder devastador da humilhação pública é abordado por Ronson (2015) em seu livro
“Humilhado”. Para investigar suas origens, o autor recorre ao juiz norte-americano Ted Poe
que, por vinte anos em Houston, Texas, optou por punições humilhantes ao invés do
encarceramento. De acordo com Poe, práticas de humilhação pública são mais eficientes do que
as penas tradicionais na prisão. O juiz fazia com que seus condenados andassem com placas
contando seu crime, por exemplo. Afirmava que a maior parte dos que tiveram esse tipo de
pena não voltou a cometer crimes.
Coloquei um bom número de pessoas na penitenciária. Delas, 66% voltaram para a
prisão. Contudo, nunca voltamos a ver 85% das pessoas que humilhamos
publicamente. Foi vergonhoso demais para elas da primeira vez. Não era o teatro do
absurdo. Era o teatro do resultado. Funcionava.” (Ronson, 2015 p.96)
Segundo Ronson (2015), o juiz afirma que o sistema judiciário ocidental tem inúmeras
falhas, mas que ainda tem regras e dá ao cidadão o direito de ser julgado. Diferentemente da
internet, em que o julgamento dificilmente dá algum direito de defesa, as consequências são
piores e a repercussão mundial.
O Twitter é considerado por Ronson (2015) a maior plataforma de açoitamento público
do mundo. Segundo o autor, seus usuários são antenados, criativos e, principalmente,
vingativos. É no microblog que surgem a maioria dos casos de julgamento que depois se
reverberam para outras redes.
45
Figura 8 – Print do Twitter de Alvin Foo
Fonte: www.twiiter.com/alvinfoo
Ronson (2015) afirma que os usuários costumam ter a falsa ideia de que a internet lhes
pertence. Para ele, essa não é a verdade. A verdade é que a internet pertence às empresas que
dominam os dados. Assim como as web-celebridades fazem de tudo para serem mais vistas e
ganharem mais dinheiro, as empresas estimulam as práticas que lhe tragam lucro. Pesquisas
feitas por Ronson (2015) apontam que o Google teria ganhado cerca de cento e vinte mil dólares
com a destruição de Justine Sacco, um termo de busca considerado pela empresa de baixo valor.
“Talvez seja um número preciso. Talvez o Google tenha ganhado mais, talvez menos. Mas uma
coisa é certa: aqueles que participaram de fato de sua destruição não ganharam nada” (Ronson,
2015, p. 289).
Não são só pessoas comuns que passam por esse tipo de julgamento na internet. Grandes
marcas também são alvos da humilhação on-line por atitudes que têm dentro e fora das redes.
Em abril de 2017, a United Airlines, gigante norte-americana da aviação, foi duramente
criticada depois que um vídeo, no qual um passageiro é expulso à força de um de seus aviões,
viralizou na internet. As multidões atacaram todas as mídias sociais da empresa. Além dos
xingamentos, houve quem se mobilizasse no Twitter sugerindo novos slogans para a empresa.
46
“Reserve agora um voo e seja espancado mais tarde” ou “Se não conseguimos bater a
concorrência, batemos nos clientes” foram algumas das sugestões dadas por consumidores em
suas contas no Twitter.
O ataque não ficou só no Twitter. No final de abril, ao lançar um novo comercial durante
o festival de cinema de Tribeca, em Nova York, a United Airlines foi alvo de piadas e
extremamente ridicularizada toda vez que o filme era exibido. Após três dias de festival, o
comercial foi tirado do ar.
Os prejuízos para a marca ultrapassaram a esfera da imagem, chegando às bolsas de
valores. Segundo a Revista Exame (2017), os papéis da empresa chegaram a cair mais de 4%,
fazendo com que a companhia, avaliada em mais de 22 bilhões de dólares em valor de mercado,
perdesse, ao menos, 830 milhões de dólares.
Para Ronson, o que leva os internautas a expressarem sua opinião sobre determinado
caso é ter a aprovação e resposta imediata dos demais usuários. Tal prática que, para alguns, é
o baluarte de uma nova democracia, para o autor é uma nova prisão, onde opiniões são
reprimidas pelo pavor de receber um feedback negativo.
Eu estava me tornando uma dessas outras pessoas, com outras ideias. Vinha
expressando a crença impopular de que Justine Sacco não era um monstro. Imagino
se receberei um onda de feedback negativo por isso, e, se receber, será que vai me
amedrontar a ponto de voltar atrás, para um lugar no qual sou parabenizado e bem-
vindo? (Ronson, 2015, p. 294)
A humilhação na internet vem coibindo usuários que têm medo de serem alvos de tal
prática. Não se sabe o que despertará a fúria das multidões: uma piada, uma foto, uma opinião.
Tudo pode ser um gatilho para que se instaure o tribunal da internet. Assim como Ronson
começou a acreditar na inocência de Justine, mas preferiu não expressar sua opinião, um amigo
relatou ter guardadas somente para si várias opiniões e piadas, ideias arriscadas que jamais
seriam postados na internet. “Em relação às mídias sociais, tenho me sentido como se estivesse
andando na corda bamba perto de um pai imprevisível, irritado e desequilibrado, que pode me
47
bater a qualquer momento – disse ele. – É horrível” (Ronson, 2015, p.294). Segundo Ronson
(2015), o homem não quis ter seu nome revelado, com medo de que seus comentários pudessem
causar alguma reação.
48
CONCLUSÃO
É fato que as novas mídias revolucionaram a forma como interagimos. Mais do que
reinventar os clássicos modelos comunicacionais, tirando o receptor da sua condição de simples
agente passivo e elevando-o a produtor de conteúdo, elas influenciam mercados e
comportamentos, apontando cenários que interferem e modificam o próprio comportamento
humano.
Quando nos propusemos a analisar as personalidades do novo consumidor social em
meios às multidões digitais, não esperávamos encontrar um cenário tal complexo e interligado.
Analisando o contexto mercadológico, descobrimos como a ascensão dos mercados de
nicho e a inversão do vetor de marketing contribuíram para o empoderamento do consumidor.
A análise do cenário midiático nos apresentou um contexto de convergência que faz
com que os produtos midiáticos se diversifiquem, conquistem novas audiências participativas,
que consomem de várias formas e também produzem conteúdo a partir do consumo, o que
modifica substancialmente a relação entre emissor e receptor.
Tais transformações mercadológicas e midiáticas nos levam inevitavelmente a um novo
modelo de comportamento. Com os processos de produção simplificados e com múltiplos
canais à sua disposição, o consumidor quer opinar, interagir, se mostrar. A intimidade se
transforma em um espetáculo, muitas vezes altamente rentável tanto para os indivíduos quanto
para as marcas.
Todo esse conjunto de contextos interligados formam o território perfeito para a
formação de grupos na internet. Multidões heterogêneas, anônimas, que bradam, na maioria das
vezes, por causas vazias e simplistas. Os influenciadores digitais funcionam como autênticos
líderes, direcionando suas multidões de acordo com interesses – pessoais e empresariais.
49
Por fim, analisamos como a humilhação pública tem sido utilizada com frequência para
destruir marcas e personalidades. Um modelo de condenação que não é novidade, mas que
ganham um potencial ainda mais devastador quando levado às mídias sociais.
Dessa forma, apresenta-se um novo modelo de consumidor: mais poderoso, conectado,
vingativo e que, mesmo anônimo, transita livremente em meio a marcas e celebridades, sendo
capaz de, ao menor deslize, dar início a um processo de destruição de imagem quase sempre
irreversível, que fatalmente ecoará além do ambiente digital.
Enquanto houver, de um lado, vozes ávidas por serem ouvidas e, de outro, indivíduos
dispostos a engrossar o coro, o tribunal da internet vai continuar a dar vereditos instantâneos,
delatando, colocando no banco dos réus e condenando sem direito a recurso.
50
REFERÊNCIAS
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de Janeiro, RJ: Elsevier, 2006
BADIOU, Alain. O século. Aparecida, SP: Ideias & Letras, 2007.
CASTELLS, M. A Galáxia Internet: reflexões sobre Internet, Negócios e Sociedade.
DALMONTE, Edson. Novos Cenários Comunicacionais no contexto das mídias
interativas: o espalhamento midiático. Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho Práticas
Interacionais e Linguagens da Comunicação do XXIII Encontro Anual da Compós. Belém, PA:
Universidade Federal do Pará. Disponível em: <https://http://compos.org.br> Acesso em: 14 de
maio de 2017.
GABRIEL, Martha. Marketing na Era Digital: Conceitos, Plataformas e Estratégias. São
Paulo, SP: Novatec, 2010
GIOVAGNOLI, Max. Cross-media: Le nuove narrazione. Milano: Apogeo, 2009.
JENKINS, Henry. Cultura da Convergência. São Paulo, SP: Editora Aleph, 2009.
JENKINS, Henry; FORD, Sam; GREEN, Joshua. Spreadable media. Creating value and
meaning in a worked culture. New York University Press, 2013. Lisboa: Fundação Calouste
Gulbenkian, 2004.
LONGO, Walter. Marketing e Comunicação na Era Pós-Digital: as regras mudaram. São
Paulo, SP: HSM do Brasil, 2014.
MEIO&MENSAGEM. O algoritmo estragou a internet. Disponível em
http://www.meioemensagem.com.br/home/videos/2017/05/16/o-algoritmo-estragou-a-
internet-diz-marimoon.html. Acesso em: 15 de maio de 2017.
REVISTA ÉPOCA. De tão ridicularizado, comercial da United Airlines sai do ar.
disponível em http://exame.abril.com.br/marketing/de-tao-ridicularizado-comercial-da-united-
airlines-sai-do-ar/. Acesso em: 15 de maio de 2017.
RONSON, Jon. Humilhado: como a era da internet mudou o julgamento público. Rio de
Janeiro, RJ: Best Seller, 2015.
SAAD CORRÊA, E. Reflexões para uma Epistemologia da Comunicação Digital. In:
Observatório. Vol. 2, n 1, 2008. 307 - 320. Disponível em: http://obs.obercom.pt. Acesso em:
11 de maio de 2017.
51
SIBILIA, Paula. O Show do eu: A intimidade como espetáculo. Rio de Janeiro, RJ: Nova
Fronteira, 2008.
VAYNERCHUK, Gary. Nocaute: como contar sua história no disputado ringue das redes
sociais. São Paulo, SB: HSM do Brasil, 2016.

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Carolina Gomes | DELATOR, JUIZ E CARRASCO: AS PERSONALIDADES DO NOVO CONSUMIDOR SOCIAL EM MEIO ÀS MULTIDÕES DIGITAIS.

  • 1. 0 CENTRO UNIVERSITÁRIO ESTÁCIO JUIZ DE FORA PUBLICIDADE E PROPAGANDA Carolina Gomes Carneiro DELATOR, JUIZ E CARRASCO: AS PERSONALIDADES DO NOVO CONSUMIDOR SOCIAL EM MEIO ÀS MULTIDÕES DIGITAIS Juiz de Fora 2017
  • 2. 1 Carolina Gomes Carneiro DELATOR, JUIZ E CARRASCO: AS PERSONALIDADES DO NOVO CONSUMIDOR SOCIAL EM MEIO ÀS MULTIDÕES DIGITAIS Monografia apresentada ao Centro Universitário Estácio Juiz de Fora como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Publicidade e Propaganda. Orientador: Tarcízio Dalpra Jr. Juiz de Fora 2017
  • 3. 2 Carolina Gomes Carneiro Delator, juiz e carrasco: as personalidades do novo consumidor em meio às multidões digitais Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Publicidade e Propaganda, no Centro Universitário Estácio Juiz de Fora – Minas Gerais. Orientador: Tarcízio Dalpra Jr. Trabalho de Conclusão de Curso aprovado em ____/ ____ / 20___ pela banca formada pelos seguintes membros: _____________________________________________________ Prof. Esp. Tarcízio Dalpra Júnior (Centro Universitário Estácio Juiz de Fora) - Orientador _____________________________________________________ Professor Convidado _____________________________________________________ Professor Convidado Conceito Obtido________________________________________ Juiz de Fora Junho - 2017
  • 4. 3 RESUMO A internet modificou sobremaneira a forma como as pessoas se relacionam entre si e com as marcas. Cada vez mais empoderado, o consumidor trava, em pé de igualdade com grandes empresas, verdadeiras batalhas por atenção, respeito e visibilidade. Mercado, mídia e comportamento mostram-se cada vez mais interligados, formando o pano de fundo ideal para que as multidões digitais ganhem voz e espaço. O presente trabalho busca traçar um perfil do comportamento do novo consumidor social nas plataformas digitais, com a apresentação de casos recentes que comprovem seu crescente poder. Ao mesmo tempo em pode ser um grande aliado, valorizando marcas e impulsionando novas celebridades, este novo modelo de consumidor pode também destruir reputações em questão de minutos. PALAVRAS CHAVE: Mídias Sociais; Comportamento do Consumidor; Marketing Digital; Psicologia das Multidões; Show do Eu.
  • 5. 4 DEDICATÓRIA Dedico esse trabalho à minha vó, mulher de fibra e de fé que, por várias vezes, dobrou seus joelhos ao chão e rezou para que esse dia chegasse. Chegou, vó!
  • 6. 5 AGRADECIMENTOS Agradeço imensamente ao meu orientador, Tarcízio, que me ensinou mais do que sua arte de escrever, mas muito da arte de viver. Obrigada pela paciência e dedicação, seu apoio foi fundamental para eu chegar até aqui. Meu maior agradecimento vai para a minha mãe e ao Alys (meu segundo pai). São vocês quem confiam em mim diariamente e confiaram quando eu disse que me formaria. Obrigada por todo o apoio! Ao meu pai, por ser sempre calmaria em meio a tempestade. É você e seus ensinamentos que me inspiram quando eu preciso de paciência. Aos amigos que passaram pela minha vida durante essa caminhada e me apoiaram infinitas vezes, sem alguns conselhos e cervejas eu não teria conseguido. Especialmente, agradeço ao Rodrigo (meu irmão de alma) que literalmente me levou de mão dada para a aula e abriu mão de várias de suas noites para me fazer companhia nos intervalos. Quanto frio a gente já passou! E ao Vinícius, por estar presente sempre que preciso e ter dividido comigo os desesperos e acertos durante todo o período em que estávamos escrevendo nossos trabalhos. Aos amigos de turma, que estiveram comigo esses quatro anos, dividindo o sofrimento das provas e acertos em cada trabalho. Por fim, mas com a mesma importância, aos professores que passaram por essa minha jornada, especialmente o querido Vítor. A todos que direta, ou indiretamente, fizeram parte dessa conquista: muito obrigada!
  • 7. 6 “Quem perdoa é Deus. A internet tá aí pra massacrar” @gustavoluri, em um post no Twitter com a hashtag #ViihTubeVoltaProutero
  • 8. 7 LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1 – Capa da Revista Time de 2006..................................................................................31 Figura 2 – Print do Instagram de Rafa Brites.............................................................................37 Figura 3 – Print do Twitter de Felipe Neto.................................................................................39 Figura 4 – Print do Facebook de Felipe Neto.............................................................................39 Figura 5 – Print do Twitter de Justine Sacco..............................................................................41 Figura 6 – Coletânea de prints....................................................................................................43 Figura 7 – Print de tuites Twitter de Viih Tube..........................................................................44 Figura 8 – Print do Twitter de Alvin Foo...................................................................................44
  • 9. 8 SUMÁRIO INTRODUÇÃO..........................................................................................................................9 1 O NOVO CENÁRIO (PÓS) DIGITAL..............................................................................11 1.1 O NOVO CONTEXTO MERCADOLÓGICO...................................................................12 1.2 O NOVO CONTEXTO MIDIÁTICO.................................................................................14 1.3 O NOVO CONTEXTO COMPORTAMENTAL................................................................18 2 O COMPORTAMENTO DAS MULTIDÕES ..................................................................21 2.1 OS LÍDERES E SEUS DISCURSOS..................................................................................23 2.2 OS LÍDERES NAS MULTIDÕES: AFIRMAÇÃO, CONTÁGIO E PRESTÍGIO.............27 2.3 CLASSIFICANDO AS MULTIDÕES................................................................................29 3 O SHOW DO EU E A INTIMIDADE COMO ESPETÁCULO......................................31 3.1 O SURGIMENTO E EVOLUÇÃO DAS REDES..............................................................33 3.2 O PROTAGONISMO DO CONSUMIDOR NO MEIO DIGITAL...................................35 4 O TRIBUNAL DAS MÍDIAS SOCIAIS............................................................................40 CONCLUSÃO.........................................................................................................................48 REFERÊNCIAS......................................................................................................................50
  • 10. 9 1 Nome dado ao texto de até 140 caracteres publicado na Rede Social Twitter. 2 Apresentadores que mantém programas audiovisuais de temática variada na Rede Social Youtube. INTRODUÇÃO África do Sul, dezembro de 2013. Uma gerente de relações públicas desembarca após 11 horas de voo e descobre, quando liga o celular, que é a figura mais odiada da internet mundial. Motivo: um tuite1 que fizera minutos antes de embarcar. Brasil, outubro de 2016. Uma jovem youtuber2 é massacrada por críticas e xingamentos nas mídias sociais após um polêmico vídeo com seu gato de estimação. Estados Unidos, abril de 2017. Uma das maiores companhias de aviação do mundo perde milhões de dólares na bolsa após um vídeo viralizar na internet. O que estes três casos têm em comum? Eles são o ponto de partida para a análise das três personalidades assumidas pelo novo consumidor no ambiente digital: delator, juiz e carrasco. Esses e outros casos, que serão analisados mais à frente, revelam um consumidor ativo, empoderado, que muitas vezes se junta às multidões digitais para fazer valer seus direitos ou, simplesmente, dar início ao processo de destruição de uma marca ou personalidade que, por descuido ou posicionamento, não esteja de acordo com as suas ideias. Para embasar nossa análise, vamos recorrer a uma ampla pesquisa bibliográfica, elaborada a partir das teorias de Gustave Le Bon, em “Psicologia das Multidões”, somadas aos conceitos de Henry Jenkins e Paula Sibilia em “Cultura da Convergência” e “O Show do Eu: a intimidade como espetáculo”. Chris Anderson, Jon Ronson, Walter Longo, Martha Gabriel, dentre outros autores mais contemporâneos, ajudarão a compor o escopo teórico do trabalho, que ainda se utiliza de uma ampla pesquisa documental, elaborada a partir de artigos, vídeos e materiais coletados na internet. Logo no capítulo 1, vamos traçar um perfil do novo cenário digital. Entender como os atuais contextos mercadológico, midiático e comportamental colaboram para que as multidões digitais tenham cada vez mais força. Vamos abordar as mudanças no mercado, a multiplicidade de canais e o empoderamento do consumidor.
  • 11. 10 Com o cenário bem delimitado, vamos recorrer, no capítulo 2, ao psicólogo Gustave Le Bon, para decifrar como funciona a psicologia das multidões. Vamos conceituar os diferentes tipos de multidão, bem como os múltiplos comportamentos de seus indivíduos, buscando transpor as teorias de Le Bon para os dias atuais e seus desdobramentos nas mídias sociais. No capítulo 3, vamos nos aprofundar acerca do comportamento do consumidor e sua interação com as novas mídias. O que leva alguém a transformar sua intimidade em narrativas tão explícitas? No capítulo 5, através de três exemplos recentes, vamos analisar como é constituído o tribunal da internet. Como anônimos se agrupam em multidões heterogêneas e se dispõem, por meio das mídias sociais, a destruir reputações de empresas e indivíduos, independentemente do tamanho ou status social. Por fim, esperamos traçar um perfil minucioso dos tribunais da internet, identificando seus delatores, juízes e carrascos que, muitas vezes, estão personificados em um mesmo indivíduo. Indivíduo este que pode, muito bem, ser você mesmo.
  • 12. 11 1. O NOVO CENÁRIO (PÓS) DIGITAL Antes de entrar no mérito das multidões e seu comportamento no ambiente digital, torna-se relevante a análise de três contextos específicos, profundamente modificados por um novo cenário, que o autor Walter Longo define como “Era Pós-digital”. São eles: mercado, mídia e comportamento. Segundo Longo, “o que se reconhece como verdade nesse novo período é que agora o digital é fundamental e não apenas experimental.” (Longo, 2014, p. 29). Apesar de o termo “pós-digital” ter se popularizado apenas em 1999, quando foi utilizado pelo publicitário Russel Daves, durante uma conferência na Inglaterra, quem primeiro apontou a realidade contida na expressão foi o norte-americano Nicholas Negroponte, fundador e presidente do Media Lab do MIT (Massachusetts Institute of Technology) e autoridade mundial em assuntos referentes à interação entre humanos e computadores. Ele apontou, ainda em 1980, que o mundo tecnológico passaria por uma revolução. Segundo Longo (2014), Negroponte defendeu que “muitas tecnologias presas por fios, como os telefones, se tornariam sem fio, enquanto outros aparelhos que usavam transmissões pelo ar, como os televisores, se tornariam ligados a cabos. Era o prenúncio da TV a cabo e do celular.” (Longo, 2014, p.145) Longo (2014) define da seguinte forma a Era Pós-Digital: É exatamente a realidade em que vivemos hoje, na qual a presença da tecnologia digital é tão ampla e onipresente que, na maior parte do tempo, nem notamos que ela está lá. Só percebemos sua existência quando falta. Essa total ubiquidade da tecnologia digital provoca impactos em todos os aspectos da vida e isso se traduz em novos desafios para os líderes de empresas e para os gestores de comunicação, marketing e propaganda. (Longo, 2014, p.15) Segundo Longo (2014), na Era Pós-Digital não existe mais vida on-line e off-line, tudo está interligado passando a ser “on/off”. A internet deixou de ser commodity para se tornar essencial e onipresente, ao ponto em que só se percebe a necessidade e importância de estar conectado quando, por algum motivo, somos impedidos de estar on-line. Assim como acontece quando acaba a energia elétrica. Só nesse momento percebe-se a falta que ela faz.
  • 13. 12 O acesso à tecnologia foi democratizado. De acordo com dados da União Internacional de Telecomunicações (UIT), a utilização da internet, principalmente nos países emergentes, cresceu consideravelmente. Longo (2014) aponta que a previsão para 2014 era de que, enquanto o crescimento da internet no celular ficaria em torno de 11% no primeiro mundo, nos países emergentes atingiria 26%. Outro ponto relevante para se entender esse novo cenário é o empoderamento do consumidor. Com a tecnologia, todos tem acesso à informação e, mais do que isso, dispõem de múltiplos canais para questioná-la. Uma pessoa conectada no interior do país tem o mesmo poder de acesso que alguém nas grandes capitais do mundo. Para definir a realidade em que vivemos, Longo (2014) refere-se a o termo “tesarac”, usado para definir momentos em que a sociedade vive o caos e a desorganização até que algo novo a recomponha. É a esperança do novo, mas com certezas que nos prendem ao passado. É uma espécie de dobra no tempo, em que não adianta olhar para o que fizemos nem tentar adivinhar o que faremos. Em momentos tesarac, o que existe já não vale mais, mas o que passa a existir também não substitui o anterior em todas as dimensões. É como se primeiro precisássemos destruir para depois construir. (Longo, 2014, p. 31) Tal cenário desdobra-se em três contextos fundamentais: mercado, mídias e comportamento. Estudá-los é fundamental para compreender as multidões e sua atuação no ambiente digital. 1.1 O NOVO CONTEXTO MERCADOLÓGICO A história nos mostra que mudanças tecnológicas alteram profundamente a dinâmica dos mercados, influenciando diretamente a economia. Foi assim na Revolução Industrial e está sendo assim na Era Pós-Digital. Um dos autores que melhor define esse impacto é Chris Anderson, através da sua teoria da Cauda Longa. Segundo Anderson (2006), cultura e economia
  • 14. 13 estão mudando de foco de um relativo pequeno número de “hits” (produtos que vendem muito no grande mercado) no alto da curva de demanda, para um grande número de nichos na cauda. Tal mudança decorre diretamente do fato de os custos de produção e distribuição terem caído drasticamente, especialmente devido às transações on-line. Dessa forma, torna-se menos necessário massificar produtos em um único formato e tamanho para os consumidores. Vivemos um período sem problemas de espaço nas prateleiras e sem grandes gargalos de logística, o que transforma produtos extremamente segmentados em negócios tão economicamente atrativos quanto produtos de massa. A economia movida a hits (...) é produto de uma era em que não havia espaço suficiente para oferecer tudo a todos: não se contava com bastantes prateleiras para todos os CDs, DVDs e videogames; com bastantes telas para todos os filmes disponíveis; com bastantes canais para todos os programas de televisão; com bastantes ondas de rádio para tocar todas as músicas; e muito menos bastantes horas no dia para espremer todas essas coisas em escaninhos predeterminados. Esse é o mundo da escassez. Agora, com a distribuição e o varejo on-line, estamos ingressando no mundo da abundância. As diferenças são profundas. (Anderson, 2006, p.15) Outra autora que trabalha os impactos das novas tecnologias no mercado é Martha Gabriel. Ela aponta uma espécie de inversão do vetor de marketing. No marketing tradicional, a marca persegue o consumidor com os mais variados artifícios para alcançá-lo, visando à venda. Atualmente ocorre o contrário: as tecnologias possibilitam que o encontro entre marca e consumidor se dê em uma nova configuração: “Enquanto no marketing tradicional as ações de promoção e relacionamento acontecem, no sentido da empresa para o consumidor, da marca para o consumidor, hoje é o consumidor que busca a empresa, a marca - como, onde e quando desejar. A digitalização é a base estrutural que sustenta essa inversão”. (Gabriel, 2010, p.77) Com transformações tão profundas, o sucesso nas ações de marketing passa a depender de uma quebra de paradigmas por parte das empresas, que precisam se antecipar ao mercado. Não basta apenas querer vender produtos, é preciso criar um relacionamento com o cliente e atender aos desejos desse novo consumidor, de maneira que se torna fundamental entender e se adaptar às novas características do mercado. Para Longo (2014), “as organizações precisam não
  • 15. 14 apenas dominar as armas digitais, mas também adquirir uma alma digital” (Longo, 2010, p.77). Longo (2014) completa: Por isso, os profissionais de marketing devem dar um passo adiante, atuar com os pés no futuro e os olhos no presente - e não vice-versa. Uma das principais razões para isso é que a Era Pós-Digital se caracteriza pela efemeridade. Relações, marcas, comportamentos, preferências, tudo surge e desaparece em ciclos cada vez mais curtos. (Longo, 2014, p.19) Embora todas essas transformações decorrentes do digital sejam uma realidade, segundo Longo (2014), muitas empresas ainda não atentaram para suas implicações no contexto mercadológico: Embora essa seja uma realidade visível a olho nu, muitos decisores sobre políticas de propaganda e marketing de empresas dos mais variados portes continuam a cultivar uma miopia nada saudável. E o que provoca essa falta de visão é a velha vaidade. Ninguém quer admitir que não entende a nova dinâmica do mercado no mundo pós- digital. (Longo, 2014, p.31) Estar atento a essa nova dinâmica, que coloca o consumidor no centro de todo o processo, torna-se fundamental para a sobrevivência de empresas e marcas no novo contexto mercadológico. 1.2 O NOVO CONTEXTO MIDIÁTICO O cenário midiático atual apresenta-se de maneira bastante heterogênea. As mídias de massa, cada vez menos dominantes, dividem espaço com as redes digitais. Enquanto as primeiras estabelecem uma relação unilateral com sua audiência, as segundas possibilitam um nível de imersão e interatividade muito maior, na qual o receptor pode atuar também como produtor de conteúdo. O ciberespaço permitiu o acesso a variados territórios, onde é possível produzir e distribuir informações de modo autônomo, favorecendo a formação de redes colaborativas. Saad Corrêa (2003) observa que:
  • 16. 15 O uso da internet pelo mercado informativo teve como premissa o entendimento de que a grande rede surgia como mais uma mídia e, como tal e similar aos demais meios de disseminação de mensagens, deveria resultar num negócio lucrativo. Ficaram em segundo plano os aspectos mais significativos das redes digitais de comunicação e informação: uma tecnologia bidirecional que coloca produtor e receptor da informação no mesmo patamar; que possibilita diálogos interpessoais e intergrupais sem a intervenção do produtor da informação; com potencial de uso não apenas de distribuição e captação de informações, mas também de gerenciador de dados e criador de sentido para grupos de usuários de qualquer porte. (Corrêa, 2003, p.25) No cenário atual, grandes produtoras audiovisuais, redes de televisão aberta e fechada, emissoras de rádio, entre outras, ainda detêm poder midiático suficiente para influenciar o cotidiano da população. No entanto, a internet e as redes digitais vêm ganhando cada vez mais espaço, fazendo com que os meios de comunicação de massa e as grandes empresas reorganizem sua maneira de comunicar. Segundo Manuel Castells, a internet “é a espinha dorsal da comunicação global mediada por computadores: é a rede que liga a maior parte das redes” (Castells, 1999, p. 431). A internet possibilita que pessoas e empresas estejam inseridas na rede digital e interajam entre si, modificando as relações sociais e a forma de comunicação. É importante ressaltar que os meios de comunicação tradicionais não estão sendo simplesmente substituídos, mas sim remodelados com o surgimento de novas tecnologias. Tal remodelação permite que eles dialoguem e interajam com os novos meios, constituindo um cenário de convergência midiática que Henry Jenkins detalha em seu livro “Cultura da Convergência”. O conteúdo de um meio pode mudar (como ocorreu quando a televisão substituiu o rádio como meio de contar histórias, deixando o rádio livre para se tornar a principal vitrine do rock and roll), seu público pode mudar (como ocorre quando as histórias em quadrinhos saem de voga, nos anos 1950, para entrar num nicho, hoje)... mas uma vez que um meio se estabelece, ao satisfazer alguma demanda humana essencial, ele continua a funcionar dentro de um sistema maior de opções de comunicação (Jenkins, 2009, p. 41). Essa nova organização faz com que os produtos midiáticos se diversifiquem, convidem novas audiências interativas, que consomem de várias formas e também produzem conteúdo a partir do consumo, o que modifica substancialmente a relação entre emissor e receptor.
  • 17. 16 A lógica econômica de uma indústria de entretenimento integrada horizontalmente – isto é, uma indústria onde uma única empresa pode ter raízes em vários diferentes setores de mídia – dita o fluxo de conteúdos pelas mídias. Mídias diferentes atraem nichos diferentes. Filmes e televisão provavelmente têm os públicos mais diversificados; quadrinhos e games, os mais restritos. Uma boa franquia transmídia trabalha para atrair múltiplas clientelas, alterando um pouco o tom do conteúdo de acordo com a mídia (Jenkins, 2009, p. 138). Jenkins (2009) afirma ainda que “na cultura da convergência, todos são participantes – embora os participantes possam ter diferentes graus de status e influência” (Jenkins, 2009, p. 189). A audiência de hoje não apenas se recusa a aceitar passivamente o que lhe é transmitido, como também faz o possível para participar ativamente daquele ambiente. Aos poucos, novas empresas de mídia (Internet, games e, em menor grau, as empresas de telefone celular) estão experimentando novas abordagens que consideram os fãs colaboradores importantes na produção de conteúdos, e intermediários alternativos, ajudando a promover a franquia. (Jenkins, 2009, p. 191). Todo esse contexto aponta para uma nova realidade: a mobilização social por meios interativos da comunicação. Por meio dos dispositivos móveis, como smartphones e tablets, o indivíduo pode participar do fluxo comunicacional que era restrito a empresas produtoras de conteúdo. Baseando-se na evolução dos meios de comunicação, nota-se que o consumo midiático passa por três fases: o consumo compartilhado, na qual o conteúdo do rádio ou televisão são consumidos por um grupo, no mesmo momento. Os comentários e impressões a respeito da programação são compartilhados na hora, por esse mesmo grupo e entre si; o consumo individualizado, em que os aparelhos receptores tem seu custo barateado, propiciando o consumo individual e privado; e o consumo privado e compartilhado, em que a ampla disponibilidade de programação permite o consumo privado, mas permite quase que instantaneamente o compartilhamento de impressões e opiniões através das redes digitais. Acerca da terceira fase, pode-se dizer que o sentido de assistir a um determinado conteúdo em conjunto é retomado, e a conversação é ampliada, permitindo que o espectador se conecte a pessoas com o mesmo interesse comum ao dele. O crossmedia, ou cruzamento de
  • 18. 17 3 Pesquisa prova a relação entre popularidade de atrações e tuítes. Dísponível: http://www.proxxima.com.br/home/proxxima/noticias/2013/10/07/nielsen-divulga-primeiro-relatorio-de-interacao-entre- twitter-e-tv.html>. Acesso em 14 de maio de 2013. plataformas midiáticas (Giovagnoli, 2009) permite o aparecimento da audiência, configurando uma nova forma de consumo midiático. “Um mesmo produto televisivo, por exemplo, passa a ser apropriado de distintos modos, integrando-se a novas rotinas propostas por sites de redes sociais, como Facebook e Twitter” (Dalmonte, 2014, p. 2). Em uma pesquisa divulgada pela Nielsen, em 2013, foi apontada a alta influência que os usuários do Twitter exercem sobre audiência da televisão. Foram analisadas 221 transmissões de TV em horário nobre, que repercutiram através de comentários no microblog. A pesquisa mostra que os conteúdos televisivos resultam em aumento no fluxo de comentários no Twitter durante o momento da exibição. Em contrapartida, a repercussão na internet aumenta a audiência da programação em TV. O especialista em marketing digital Gary Vaynerchuk afirma que as novas plataformas, capitaneadas pelas mídias sociais, levaram a batalha pela atenção do público para um novo ringue, em que os consumidores se mostram prontos a desafiar marcas e produtos, manifestando suas opiniões e anseios, antes mesmo de consumir alguma coisa. Até recentemente, o marketing tradicional não passava de uma luta de boxe unilateral, comas empresas desferindo ganchos de direita nas mesmas plataformas - rádio, TV, mídia impressa, outdoors e, mais tarde, internet - com a maior rapidez e frequência possível (...) Era uma luta injusta, mas funcionava. Os clientes tinham que levar o soco, porque não dispunham de outro lugar para consumir sua mídia. As mídias sociais, porém, finalmente lhes deram uma vantagem. A luta, então, foi transferida para uma plataforma que lhes permitiu exigir uma mudança nas regras do jogo. Eles demandaram mais tempo. Passaram a querer que as empresas treinassem um pouco com eles, lhes dessem atenção, os deixassem expressar suas opiniões e interesses e participar da construção da marca antes de lhes oferecer a oportunidade de fazer a venda. Com isso, os profissionais de marketing se viram obrigados a despender muito mais tempo dando jabs nos consumidores antes de desferir o gancho de direita. (Vaynerchuk, 2016. Pag. 13) Tal cenário, que Vaynerchuk (2013) define como “um ringue de boxe”, é o pano de fundo para a análise de um novo contexto comportamental, que veremos a seguir.
  • 19. 18 1.3 O NOVO CONTEXTO COMPORTAMENTAL Além de alterar a lógica do mercado e as formas de interação midiática, o novo contexto digital modifica sobremaneira o próprio comportamento da audiência. Uma das características mais marcantes do novo cenário midiático é a participação intensa dos consumidores. Eles não são apenas receptores da mensagem, mas produtores de conteúdo. Dessa forma, as mídias acabam sendo forçadas a remodelar seus conceitos, a fim de estabelecer maior conexão com seu público. Se os antigos consumidores eram tidos como passivos, os novos consumidores são ativos. Se os antigos consumidores eram previsíveis e ficavam onde mandavam que ficassem, os novos consumidores são migratórios, demonstrando uma declinante lealdade a redes ou a meios de comunicação. Se os antigos consumidores eram indivíduos isolados, os novos consumidores são mais conectados socialmente. Se o trabalho de consumidores de mídia já foi silencioso e invisível, os novos consumidores são agora barulhentos e públicos (JENKINS, 2009, p. 47). Para Longo (2014), hoje, no ciberespaço, existem três tipos de usuários: os turistas digitais, os imigrantes digitais e os nativos digitais. Os usuários mais velhos são os que apresentam mais medo das mudanças e também menos tempo de educação formal. Os jovens com mais escolaridade são os entusiastas das novidades. Para esse grupo, “a combinação de informação (jornalística ou publicitária), entretenimento e tecnologia é natural” (Longo, 2014, p.27). Longo (2014) afirma ainda que, nessa nova era, a vaidade é o que move o consumidor. E ele se orgulha disso. Nos dias de hoje, esse mecanismo de auto-congratular-se o tempo todo, de achar-se melhor que os outros terráqueos e de nunca dar o braço a torcer tem lá seu valor corporativo, por isso colocam em seu crachá apelidos descolados como forma de demonstrar status, autoestima ou fazer marketing pessoal. O fato é que a vaidade é um combustível poderoso e, sozinha, move o mundo com mais vigor e sucesso do que o dinheiro (avareza) ou o sexo (luxúria), pecados que, aliás, costumam se associar a ela. (LONGO, 2014, p.27) Segundo o autor, a vaidade está na base da acelerada proliferação do uso das mídias digitais pelo público, assim como justifica a demora com a qual alguns empresários de
  • 20. 19 marketing se adequam ao novo comportamento do consumidor. Tal fato pode ser compreendido ao levar-se em consideração que grande parte dos gestores atuais são nascidos na era analógica. No entanto, algumas empresas já começaram a decifrar o novo modelo comportamental de consumo. Para entende-lo, tais organizações não podem considerar apenas dados demográficos ou psicográficos. Elas precisam estudar como o novo consumidor se comporta diante das novas plataformas midiáticas. Em seu livro “O Show do Eu”, Paula Sibilia retrata um pouco desse novo consumidor, que faz da sua intimidade um verdadeiro espetáculo, transmitido através dos novos meios digitais. Segundo a autora, o consumidor não se comporta mais como um agente passivo. Tampouco se contenta apenas em produzir seus conteúdos. Ele quer espaço nas histórias contadas pelas marcas. Em alguns casos, os próprios autores de blogs se convertem em protagonistas ativos das campanhas publicitárias, como aconteceu com a linha de sandálias Melissa, comercializada por uma marca brasileira (...) A empresa escolheu quatro jovens cujos fotologs faziam certo sucesso entre as adolescentes brasileiras, e as nomeou ‘embaixadoras’. Além de divulgar as marcas em seus fotologs, as meninas ‘colaboraram’ no processo de criação do calçado, incorporando tanto suas próprias ideias, quanto as opiniões deixadas pelos visitantes em seus sites. (Sibilia, 2008, p.22) Siblia (2008) corrobora com a opinião de Longo (2014), ao defender que as mídias sociais são a grande mola propulsora de um comportamento que transforma a vida privada em espetáculo público. No entanto, tal espetáculo não se limita apenas ao protagonismo em ações de marketing. Pelo contrário. Ele poder ser montado para contrapor marcas, denegrir empresas, humilhar figuras públicas ou anônimas. O jornalista Jon Ronson investigou a fundo como o novo comportamento digital tem se manifestado nas relações entre as marcas e as multidões digitais. Quando a academia LA Fitness se recusou a cancelar a matrícula de um casal que tinha perdido o emprego e não podia arcar com as mensalidades, nós nos manifestamos. A LA Fitness logo voltou atrás. Esses gigantes estavam sendo derrubados por pessoas que costumavam ser impotentes – blogueiros, qualquer um com uma conta em uma rede social. E a arma que os estava abatendo era nova: humilhação on-line (Ronson, 2015, p.18)
  • 21. 20 Ronson (2015) conclui que a internet – e o poder que ele trouxe aos cidadãos comuns – fez ressurgir uma das mais letais formas de punição: a humilhação pública. Algo realmente importante estava acontecendo. Aquele era o início de um grande renascimento da humilhação pública. Depois de uma calmaria de 180 anos (punições públicas tiveram fim em 1837 no Reino Unido e em 1839 nos Estados Unidos), ela estava de volta em grande estilo. Ao empregar a humilhação, usávamos uma ferramenta muito poderosa – coerciva, sem fronteiras e com velocidade e influência cada vez maiores. Hierarquias eram horizontalizadas. Os silenciados ganhavam voz. Era como a democratização da justiça. (Ronson, 2015, p.18) Esse é o cenário que ambienta o presente estudo. Os próximos capítulos se propõem a compreender como agem as multidões e como suas ações são potencializadas no ambiente digital.
  • 22. 21 2 O COMPORTAMENTO DAS MULTIDÕES Em seu livro “Psicologia das Multidões”, Gustave Le Bon define multidão como uma reunião de indivíduos quaisquer, independente de nacionalidade, profissão ou sexo. Segundo o autor, do ponto de vista psicológico, ao estar inserido em uma multidão, o sujeito perde sua personalidade consciente, os sentimentos e ideias tomam um único sentido coletivo, formando o que o autor chama de “alma coletiva”. “A coletividade torna-se então o que, na falta de uma expressão melhor, eu chamaria uma multidão organizada ou, se preferirmos, uma multidão psicológica. Ela forma um único ser e encontra-se submetida à lei da unidade mental das multidões” (Le Bon, 2016, p. 29). No entanto, para se adquirir características de uma multidão psicológica é preciso que haja a influência de certos estímulos, que façam com que o indivíduo perca seu consciente e passe a seguir os pensamentos de uma multidão. Le Bon (2016) ressalta que não é necessário que vários indivíduos estejam presentes no mesmo local para formar uma multidão psicológica. Milhares de indivíduos podem dividir, por acaso, um mesmo ambiente, como uma praça, sem qualquer objetivo, não formando uma multidão psicológica. Da mesma maneira que não há necessidade de que os indivíduos dividam o mesmo ambiente para que percam sua personalidade consciente. Milhares de indivíduos separados podem em um dado momento, sob a influência de certas emoções violentas, um grande acontecimento nacional, por exemplo, adquirir as características de uma multidão psicológica. Um acaso qualquer que os reúna bastará então para que sua conduta logo se revista da forma específica dos atos das multidões. (Le Bon, 2016, p.30) Transpondo as ideias de Le Bon (2016) para os dias atuais, podemos identificar a internet como um campo fértil para a proliferação das multidões psicológicas. As pessoas se unem com um objetivo ou por um sentimento, sem sequer se conhecerem. Muitas vezes, não
  • 23. 22 sabem nem o fundamento daquilo que estão seguindo, mas se identificam com aquela maneira de pensar e se inserem no meio protestando ou defendendo uma ideia, por exemplo. Formada a multidão psicológica, ela adquire características gerais provisórias, mas determináveis. A essas características gerais acrescentam – se características particulares, variáveis segundo os elementos de que a multidão se compõe e que podem modificar sua estrutura mental. (Le Bon, 2016 p. 30) Ao analisar as multidões psicológicas o que surpreende no comportamento das mesmas é que, independente das características individuais, como estilo de vida, trabalho, caráter ou inteligência, ao se tornar parte de uma multidão o indivíduo é sucumbido pela “alma coletiva”. Ele passa a ser dominado pelo pensamento coletivo, apresentando uma maneira de agir diferente daquela que lhe era comum isoladamente. Essas características não são novas, elas eram ocultas no eu, como afirma o autor: É sobretudo pelos elementos inconscientes que compõem a alma de uma raça que todos os indivíduos dessa raça se parecem. É pelos elementos conscientes, frutos da educação mas sobretudo de uma hereditariedade excepcional, que diferem. Os homens mais dessemelhantes por sua inteligência têm instintos, paixões sentimentos, às vezes idênticos. Em tudo que o que é matéria de sentimento – religião, política, moral, afetos, antipatias etc. – os homens mais eminentes muito raramente ultrapassam o nível dos indivíduos ordinários. (Le Bon, 2016, p.33) Ao pensar em multidões, deve-se lembrar de que o indivíduo perde sua condição de raciocínio individual, sendo necessária a presença de um líder que gera as ideias e sentimentos, tal como um guia. É necessário que o líder tenha voz ativa e poder de persuasão, para que outra pessoa, com ideias mais claras e objetivas, não mude o pensamento dessa multidão. O autor afirma que várias dessas ideias podem ser medíocres e sem conteúdo. O partilhar de qualidades ordinárias explica por que as multidões não poderiam realizar atos que exigem uma inteligência elevada. As decisões de interesse geral tomadas por uma assembleia de homens distintos, mas de especialidades diversas, não são sensivelmente superiores às decisões que uma reunião de imbecis tomaria. De fato, podem apenas associar as qualidades medíocres que todo mundo possui. As multidões acumulam não a inteligência, mas a mediocridade. (Le Bon, 2016, p.34) Segundo Le Bon (2016), são três os elementos que fundamentam a psicologia das multidões: o poder, o contágio mental e a sugestionabilidade.
  • 24. 23 Ao estar rodeado de pessoas que compartilham a mesma maneira de pensar, o indivíduo sente-se poderoso, além de se tornar um anônimo. Isso traz à tona a irresponsabilidade, pela falsa sensação de que “jamais” será identificado. Assim “o indivíduo na multidão adquire, exclusivamente por causa do número, um sentimento de poder invencível que lhe permite ceder a instintos que sozinho, teria forçosamente refreado” (Le Bon, 2016, p.34). Para o autor, “em uma multidão, todo sentimento e todo ato é contagioso. Tão contagioso a ponto de que o indivíduo sacrifique muito seu interesse pessoal ao interesse coletivo” (Le Bom, 2016, p.35). Um indivíduo que perde sua personalidade própria passa a acatar as sugestões de um líder, passando a ter atitudes completamente contrárias ao que apresentava antes. A sugestionabilidade pode ser a mais importante das características da multidão, pois o indivíduo sente-se hipnotizado e perde seus sentidos particulares. Deixando de ter consciência de seus atos. Portanto, desaparecimento da personalidade consciente, predomínio da personalidade inconsciente, orientação por meio de sugestão e de contágio dos sentimentos e das ideias num mesmo sentido, tendência a transformar imediatamente em ato as ideias sugeridas são as principais características do indivíduo na multidão. Ele já não é ele mesmo, é um autômato cuja vontade tornou-se impotente. (Le Bon, 2016, p.36) Ao fazer parte de uma multidão, o homem perde graus de sua civilização e passa ter atitudes que jamais teria isoladamente. Esse indivíduo por mais culto que seja, ao se inserir em uma multidão, pode despertar em si enorme violência e falta de educação. É o cenário perfeito para que um júri coletivo profira sentenças que um indivíduo, particularmente, jamais aceitaria. 2.1 OS LÍDERES E SEUS DISCURSOS Qualquer ser vivo reunido, desde um rebanho animal até uma multidão de homens, coloca-se instintivamente sob a autoridade de um líder, um chefe ou condutor. Nos grupos
  • 25. 24 humanos, o líder possui um papel de grande importância, já que as multidões se formam em torno de suas vontades e opiniões. Sem o líder as multidões não seriam tão poderosas. Os líderes são pessoas bem articuladas que inspiram confiança e são capazes de arrastar milhares de indivíduos sem que eles percebam que estão perdendo o raciocínio lógico. No geral, esses líderes já foram conduzidos anteriormente e acabaram abandonando a ideia que lhes era passada, tornando-se avessos ao discurso existente e criando um próprio. Le Bon (2016) cita ainda que os líderes geralmente são os mais fanáticos no meio da multidão. Com ideias absurdas, esses homens sacrificam seus interesses pessoais em prol de suas ideologias e conseguem o destaque por liderar pelo exemplo. A tamanha convicção que carregam faz com que os demais deixem de ter o raciocínio lógico e passem a apoiar incondicionalmente suas ideias. A intensidade da fé confere a suas palavras um grande poder de sugestão. A multidão sempre escuta o homem dotado de vontade forte. Como os indivíduos reunidos na multidão perdem toda a vontade, voltam-se instintivamente para quem a possui. (Le Bon, 2016, p. 112) Le Bon (2016) revela que os líderes perseguem seus interesses pessoais criando seguidores. Dominam a retórica e exercem uma influência efêmera. O que importa em se tratando de líderes e multidões é que se estabeleça a fé, não apenas religiosa, mas também política ou social, em algo ou alguém. Esse é o maior papel de um líder. A fé é a maior das forças que a humanidade dispõe. Munida dela, o ser humano é capaz de cometer atos violentos e impensados. “Os grandes acontecimentos da história geralmente foram realizados por obscuros crentes que tinham a seu favor apenas a fé. (Le Bon, 2016, p. 113). O fenômeno dos líderes nas multidões, acontece em todas as classes sociais e vai da alta cúpula ao operário que, pouco a pouco, encanta seus companheiros com algo que pode mudar suas vidas. Para Le Bon (2016), independente de poder ou classe, quando o homem deixa de
  • 26. 25 estar isolado, logo passa a seguir um líder, principalmente nas classes populares onde o indivíduo não possui uma ideia clara. Ao citar as categorias de líderes, Le Bon (2016) percebe dois perfis muito marcantes. Há os que adotam um estilo enérgico, de punho forte, mas momentâneo. São tipos de líderes ideais para comandar ataques e arrastar a multidão ao perigo, como foi Garibaldi: “um aventureiro, sem talento, mas enérgico” (Le Bon, 2016, p.114). Essa energia, apesar de poderosa, é efêmera e não resiste ao motivo pela qual surgiu. Os líderes então passam a demonstrar fraqueza e pouco raciocínio. Tal exemplo pode ser facilmente aplicado na internet. Os líderes da internet arrastam multidões virtuais para verdadeiras guerras, criam heróis, mas após a batalha retornam para o anonimato de suas vidas e, muitas vezes, esquecem aquilo que defendiam. A outra categoria é dos líderes que “possuem ao mesmo tempo uma vontade mais forte e duradoura” (Le Bon, 2016, p. 114). Um estilo raro, mas a influência que esses homens exercem sobre suas multidões são mais duradouras, assim como suas vontades. Nessa categoria é comum encontrar os chefes de religiões como Jesus e Maomé, que arrastam multidões até hoje. No que diz respeito ao discurso desses líderes, é possível analisar que eles precisam ser simples e carentes de teor intelectual. As ideias transmitidas às multidões, independente de quais sejam, não podem fazê-las pensar muito profundamente. Na maioria das vezes, essas ideias são representadas por imagens, que ficam armazenadas na memória do indivíduo por um período, mas que podem ser facilmente substituídas por não terem nenhum vínculo com suas memórias afetivas. Conforme as contingências do momento, a multidão ficará sob a influência de alguma das diversas ideias armazenadas no seu entendimento e cometerá, por conseguinte os atos mais dessemelhantes. Sua completa ausência de espírito crítico não lhe permite perceber as contradições. (Le Bon, 2016, p.62)
  • 27. 26 Esse fato, portanto, não é uma característica das multidões, apenas. Indivíduos de uma religião fervorosa, por exemplo, podem apresentar esses casos de contradições em momentos individuais. Le Bon (2016) cita que os discursos são produzidos para arrastar a maioria e, como citado anteriormente, não deve ser de difícil entendimento. A pobreza de certos discursos que exerceram uma influência enorme sobre seus ouvintes por vezes impressiona quando os lemos; mas esquecemos que foram feitos para arrastar a coletividade e não para serem lidos por filósofos. O orador, em íntima comunhão com a multidão, evoca as imagens que a seduzem. Se obtém sucesso, seu objetivo foi alcançado; e um volume de arengas não vale as poucas frases que conseguiram seduzir as almas que havia que convencer. (Le Bon, 2016, p. 66) Le Bon (2016) considera que grande parte das ideias que conduzem uma multidão são completamente absurdas para quem está fora dela. “Por isso, do ponto de vista das ideias, as multidões estão sempre várias gerações atrás dos sábios e filósofos” (Le Bon, 2016, p .65). Tal conclusão parece óbvia, levando-se em conta que sábios e filósofos passam anos para desenvolver uma teoria. Para Le Bon (2016), uma ideia absorvida por uma multidão adquire um poder absoluto, sendo difícil controlá-la ou questioná-la. “[...] O valor hierárquico de uma ideia não tem importância. Somente devem ser considerados os efeitos que produz” (Le Bon, 2016 p. 64). Outro ponto abordado por Le Bon (2016) é a facilidade de se impressionar a imaginação das multidões. Os discursos e imagens absurdos são os que mais geram impacto, fazendo com que as multidões fiquem “impedidas” de refletir, sendo facilmente ludibriadas. Por isso, notícias sensacionalistas, com fotos de catástrofes e acidentes, ganham cada vez mais espaço na mídia. Segundo Le Bon (2016), para influenciar as multidões é necessário que se mexa com a imaginação e o sentimento através do uso de imagens comoventes que dispensem raciocínio lógico. Essas imagens podem se apresentar em forma de vitória, tragédia ou ser de cunho religioso, como um milagre. Além disso, é importante que os acontecimentos apareçam em largas escalas: vários pequenos assaltos não impressionam como um grande acidente aéreo,
  • 28. 27 mesmo que o número de mortes produzidos por esses assaltos sejam infinitamente maiores. Percebe- se claramente essa comoção geral, quando a televisão anuncia uma grande tragédia. O assunto é comentado por grande parte da população, além de ser pauta de matérias por vários dias. Já pequenos assaltos ou mortes de seres comuns acontecem todos os dias, perdendo o interesse das multidões. 2.2 OS LÍDERES NAS MULTIDÕES: AFIRMAÇÃO, CONTÁGIO E PRESTÍGIO. Le Bon (2016) afirma que a melhor maneira através da qual um líder pode conduzir sua multidão é o exemplo. Por isso é necessário que ele tenha energia suficiente para tal e não necessariamente um discurso profundamente embasado. Le Bon aponta três técnicas que os líderes utilizam para imergir nas ideias e pensamentos das multidões: a afirmação, a repetição e o contágio. O autor destaca ainda a importância do prestígio. Afirmações diretas e desprovidas de provas que possam contradizer a ideia central são muito eficientes, segundo Le Bom (2016). Esse método só atinge a influência desejada se for constantemente repetida. Quando indivíduo passa a ouvir algo várias vezes, ele é persuadido e essa ideia acaba se tornando uma verdade em sua mente. Os livros religiosos são exemplos de publicações pouco questionadas que usam o método da afirmação. Na publicidade essa é uma técnica também muito utilizada. No entanto, por mais eficiente que possa parecer a afirmação pautada na repetição, nada é mais poderoso que o contágio. Segundo o autor, esse estágio acontece quando a informação já foi afirmada e repetida inúmeras vezes e, então, alastra-se como uma corrente. Nas multidões, as ideias, os sentimentos, as emoções, as crenças possuem um poder de contágio tão intenso quanto o dos micróbios. Esse fenômeno é observável nos próprios animais desde que estejam reunidos em multidões.” (Le Bon, 2016, p. 118)
  • 29. 28 É através do contágio que se explica fenômenos como histeria coletiva, desordem e sentimentos. Além disso, esse método não exige a presença dos mesmos indivíduos, em um mesmo local. Portanto, ao estudarmos as multidões na internet, sabe-se que elas foram amplamente contagiadas. Por fim, Le Bon (2016) aborda a questão do prestígio. De acordo com o autor “o prestígio pode englobar certos sentimentos tais como a admiração e o temor” (Le Bon, 2016, p. 121). Trata-se de um termo que, apesar de todos entenderem a qual sentimento se refere, é difícil aplicá-lo a uma única definição. Segundo Le Bon : O prestígio é na realidade uma espécie de fascínio que um indivíduo, uma obra ou uma doutrina exerce sobre nosso espírito. Esse fascínio paralisa todas as nossas faculdades crítica e enche nossa alma de assombro e respeito. Os sentimentos assim provocados são inexplicáveis, como todos os sentimentos, mas provavelmente da mesma ordem que a influência sofrida por um sujeito magnetizado. O prestígio é o motor mais poderoso de toda dominação. Os deuses, os reis e a mulheres nunca teriam reinado sem ele. (Le Bon, 2016, p. 122) O autor também se refere a duas formas de prestígio. O “prestígio adquirido” é aquele que pode ser comprado, como nome, bens, reputação. É a forma de prestígio mais disseminada ultimamente, por simplesmente estar atrelado à ocupação de alguma posição social. A outra forma é o “prestígio pessoal” que é individual e não depende de fortuna ou bens. Pode ser adquirido pela sua representatividade ou personalidade, embora fortuna ou status possam acentuá-lo. Os líderes religiosos exercem esse tipo de prestígio. “O ser, a ideia ou a coisa que possui prestígio é, por via de contágio, imediatamente imitado e impõe a toda uma geração, certos modos de sentir e de traduzir pensamentos” (Le Bon, 2016, p.129). A geração de influenciadores da internet, exemplifica bem o que Le Bon (2016) chama de prestígio adquirido. Pessoas anônimas ganham visibilidade através do discurso, conquistando um certo prestígio pessoal. Em seguida, por conta das multidões que arrastam, começam a lucrar com essa atividade, adquirindo bens e tornam-se influenciadores por meio
  • 30. 29 do contágio, gerando então um prestígio adquirido. Tudo que esses influenciadores falam, usam ou recomendam, despertam em seus seguidores uma enorme influência. Segundo Le Bon (2016), o prestígio está diretamente ligado ao sucesso. Sem ele, restam apenas o esquecimento e o julgamento. A todo momento aparecem novos heróis, fazendo com que os antigos líderes sejam esquecidos. O autor cita ainda que o prestígio pode ser perdido através do questionamento. “Os deuses e os homens que souberam preservar por muito tempo seu prestígio nunca toleraram o questionamento. Para ser admirado pelas multidões, é preciso sempre mantê-las à distância” (Le Bon, 2016, p.130). Quando um líder passa a ser questionado é sinal de que seu prestígio já não está tão forte. Por isso, é comum que líderes não se permitam serem questionados. 2.3 CLASSIFICANDO AS MULTIDÕES Le Bon (2016), cita que o ponto de partida para a composição das multidões são as pequenas aglomerações. “Sua forma mais inferior manifesta-se quando se compõe por indivíduos pertencentes a raças diferentes” (Le Bon, 2016, p.145). Estas são as multidões em sua forma mais simples, sem um objetivo e características definidos. As multidões são classificadas em heterogêneas e homogêneas, analisaremos separadamente cada uma delas. Classifica-se como multidão heterogênea aquela formada por diferentes indivíduos, de qualquer profissão ou ideologia. A raça é um fator principal - e mais poderoso - para conhecer claramente as multidões heterogêneas. Sua influência manifesta-se nas características das multidões. Uma multidão composta por indivíduos quaisquer, mas todos ingleses ou chineses, diferirá profundamente de outra composta igualmente por indivíduos quaisquer, mas de raças variadas: russos, franceses, espanhóis. etc. (Le Bon, 2016, p. 147)
  • 31. 30 As multidões heterogêneas são divididas de duas maneiras: multidão heterogêneas anônimas, conhecida como as multidões de ruas ou as da internet, por exemplo. E multidões heterogêneas não anônimas: júris e assembleias. Já as multidões homogêneas, segundo Le Bon (2016), compreendem as seitas, as castas e as classes. A seita representaria o primeiro grau na organização das multidões homogêneas. “Compõem-se de indivíduos de educação, de profissões e meios às vezes muito diferentes, cujo único vínculo é o das crenças. É o caso, por exemplo, das seitas religiosas e políticas” (Le Bon, 2016, p. 148). A casta, segundo Le Bon (2016) representaria o mais alto grau de organização de uma multidão. Ao contrário da seita, “compreender apenas indivíduos da mesma profissão e, consequentemente, de educação e meios mais ou menos iguais” (Le Bon, 2016, p.148). Por último, temos a classe, que abarca indivíduos de várias origens, unidos por interesses, hábitos e estilos de vida. “É o caso por exemplo da classe burguesa, da classe agrícola” (Le Bon, 2016, p.148). Transpondo os conceitos de Le Bon para os dias atuais, podemos classificar as multidões na internet como heterogêneas, anônimas, com líderes influenciadores que apresentam o discurso do contágio e da imitação. Através do prestígio adquirido, passam a arrastar as multidões. A seguir, analisaremos as razões que levam uma pessoa anônima a expor sua vida no meio digital, até que se torne um influenciador das multidões.
  • 32. 31 Figura 1 - Capa da Revista Time de 2006 Fonte – Google imagens 3 O SHOW DO EU E A INTIMIDADE COMO ESPETÁCULO Todo fim de ano, a revista americana Time traz estampada em sua capa aquela que considera a personalidade mais influente daquele ano. Nesta posição já estiveram personalidades como Jorge W. Bush, em 2004 e Hitler, em 1938. Em 2006, a capa trazia um espelho e a personalidade do ano era “você” e todos os cidadãos comuns que contribuíram para o gigantesco aumento da produção e compartilhamento de conteúdo. Segundo os editores da revista e, anos depois, Sibilia (2008, p.8) “[...]todos nós estamos transformando a era da informação.” Era o início da chamada “Web 2.0”. Os editores da revista ressaltaram o aumento inaudito de conteúdo produzido pelos usuários da internet, seja nos blogs, nos sites de compartilhamento de vídeos como o YouTube ou nas redes sociais de relacionamento como o MySpace e o Orkut. Em virtude desse estouro de criatividade (e de presença midiática) entre aqueles que costumavam ser meros leitores e espectadores passivos, teria chegado “a hora dos amadores”. Por tudo isso então, “por tomarem as rédeas da mídia global, por forjarem a nova democracia digital, por trabalharem de graça e superarem os profissionais em seu próprio jogo, a personalidade do ano da Time é você”, afirma a revista” (Sibilia, 2008, p. 9)
  • 33. 32 O consumidor assumia definitivamente o papel de produtor de conteúdo, deixando apenas de consumir para também se expor e mostrar sua criatividade, muitas vezes em troca apenas de visualizações. Em 2006, o consumidor já era um fenômeno na produção de conteúdo, ainda que amador. Fato que só cresceu de lá para cá, com o aumento do uso de smartphones e da melhoria da prestação de serviço de internet. Naquela época, só existia acesso a internet por meio do telefone fixo e dos computadores desktop. Hoje, em qualquer lugar, é possível tornar público o que você está fazendo ou o noticiar um fato que está presenciando. A ampla liberdade de expressão que começava a surgir na internet era algo a se comemorar. Vários indivíduos teriam voz e poderiam mostrar seus trabalhos. No entanto, a qualidade do material produzido já era uma preocupação para os editores da revista Time, que afirmavam que essa nova era mostra tanto a burrice das multidões como a sua sabedoria. Alguns conteúdos lançados no turbilhão da internet, segundo Sibilia, “fazem-nos lamentar pelo futuro da humanidade” (Sibilia, 2008, p.10). Além da preocupação com a qualidade do conteúdo a autora demonstra uma preocupação com a personalidade. Para Sibilia (2008), estaria se iniciando uma época de grande rendimento e novidades diretamente ligadas à economia, mas apenas as novas tecnologias não seriam capazes de impulsionar os negócios. Os jovens, principais precursores da web 2.0, estariam buscando o novo, o oculto. Esse grupo precisa de novidade. Não basta só alimentar a web, é necessário trazer um conteúdo “chocante” e diferenciado todos os dias. Isso porque, o jovem precisa mostrar que é capaz de ser incessantemente criativo. Por um lado, a festejada “explosão de criatividade” vincula-se a uma extraordinária “democratização” dos canais midiáticos. Esses novos recursos abrem uma infinidade de possibilidades que eram impensáveis até pouco tempo e que agora são extremamente promissoras, tanto para a invenção quanto para os contatos e trocas” (Sibilia, 2008 p.11).
  • 34. 33 No trecho acima, a autora relata como a web 2.0 pode ser democrática, pois o consumidor tem o direito de opinar sobre o conteúdo que está consumindo. Comentários, “likes”, sugestões de pauta, são opções possíveis e é nessa troca que o consumidor tem oportunidade de também produzir seu próprio conteúdo. Junto com as evoluções e vantagens, surgem as críticas e, também, o que é irrelevante e descartável. As críticas podem aparecer de várias formas, com ou sem fundamento. Estar no meio digital é fundamental para fazer contatos. Foi com o crescimento das mídias sociais que surgiram também o que hoje chamamos de “influenciadores digitais”. Através da internet, é possível que pessoas comuns fiquem famosas apenas pela maneira como se vestem. Grande marcas, então, fazem contato para que essas pessoas passem a usar seus produtos em troca de dinheiro ou parcerias. Como citado no capítulo anterior, os líderes atraem pelo exemplo e o indivíduo quer ter e ser como o outro. 3.1 O SURGIMENTO E EVOLUÇÃO DAS REDES Segundo Sibilia (2008), os computadores, inesperadamente, viraram meios de comunicação, obrigando as mídias de massa a se adaptarem às novas tecnologias eletrônicas, passando a se comunicar inspiradas nelas. Hoje é comum vermos emissoras de televisão com parte do seu conteúdo voltado para a web ou privilegiando os assinantes online com conteúdo diferenciado. Várias novidades surgiram no ciberespaço, inicialmente no formato de broadcast, de maneira que houvesse um único emissor e vários receptores. Não demorou muito para que essa prática ficasse ultrapassada e então começassem a surgir as inovações no meio. Surge então, o correio eletrônico, como interessante alternativa para quem não queria a aproximação via telefone, mas não podia esperar pelo tempo de uma carta. Ele trazia formalidade e velocidade.
  • 35. 34 Após o correio eletrônico, surgiram os bate-papos ou chats, acessados através de sites, que rapidamente evoluíram para as mensagens instantâneas do MSN ou redes sociais como o Orkut, MySpace e Facebook. Para Sibilia (2008), tais inovações fizeram com que a tela do computador se tornasse uma janela, onde o usuário está sempre “ligado”. Enquanto o portal de relacionamento Orkut se tornou um fenômeno majoritariamente brasileiro, com cerca de 24 milhões de usuários desta nacionalidade (mais da metade do total), jovens do mundo inteiro frequentam e “criam” espaços semelhantes.” (Sibilia, 2008 p. 12) Com o surgimento das redes de relacionamento, o jovem aderiu de vez ao mundo digital, passando a dedicar a maior parte do seu tempo ao mundo on-line. É importante ressaltar que esses dados são de 2008, quando surgiu o Orkut, e o MySpace ainda era a rede mais utilizada. Atualmente, com a facilidade de acesso a internet, o usuário tem sua “janela” muito mais aberta, podendo estar conectado o tempo todo através dos smartphones. Entre as novidades também surgiram os fotologs, weblogs e videologs, espécies de diários onde o usuário pode compartilhar sua vida pessoal através de fotos, vídeos e textos. Nesse formato, o objetivo é expor sua intimidade tal qual um diário de bordo de um viajante, porém, ao invés de privado, esse diário está exposto ao público. Sibilia (2008) cita que são vários os temas abordados nesses diários, prática que só cresceu de lá para cá. Hoje é possível encontrar blogs de diversos assuntos, desde receitas culinárias a dicas de games. Já os fotologs evoluíram para redes como o Instagram. Ainda nessa época surgiram as webcans - mini câmeras filmadoras que tornavam possível as transmissões ao vivo. Vários usuários faziam transmissões de sua casa, era possível até acessar sites com transmissões variadas 24 horas por dia. Essas transmissões, hoje, acontecem via Instagram, Facebook ou até mesmo pelo Youtube e costumam ser feitas com hora marcada. Em meio às novidades, surge o YouTube, permitindo o compartilhamento gratuito de vídeos caseiros. Hoje, a plataforma é pioneira no segmento de vídeos e, além da exposição, gera
  • 36. 35 uma receita de alto valor para os produtores de conteúdo, fazendo com que estes queiram se expor ainda mais. Quantos mais visualização, mais dinheiro, e para ter visualização é necessário inovar. Em recente entrevista ao portal da revista Meio e Mensagem (2017), A apresentadora e influenciadora digital Mari Moon corrobora com as palavras de Sibilia (2008). A apresentadora diz que as redes sociais dos anos 90 eram uma espécie de diário pessoal onde as pessoas expunham seu dia a dia. Atualmente, em função da busca incessante por views, essa realidade mudou, fazendo com que os produtores de conteúdo para a internet produzam aquilo que o público está impondo. 3.2 O PROTAGONISMO DO CONSUMIDOR NO MEIO DIGITAL Segundo Sibilia (2008), o protagonismo do consumidor no ambiente digital tem seu início com a chamada “Revolução da Web 2.0”, deflagrada por empresários do Vale do Silício, nos Estados Unidos. Segundo eles, a geração que deveria ser consumista na web se tornou co- desenvolvedora e, além disso, poderia expressar sua opinião sobre qualquer assunto, criticar as marcas em um comentário ou publicação em seu perfil pessoal. Sibilia (2008) aponta que: A intenção era batizar a nova etapa de desenvolvimento da internet, após a decepção gerada pelo fracasso das companhias pontocom: enquanto a primeira geração de empresas on-line procurava “vender coisas”, a Web 2.0 “confia nos usuários como co-desenvolvedores”. Agora a meta é “ajudar as pessoas a criarem e compartilharem ideias e informação”, segundo reza uma das tantas definições oficiais. (Sibilia, 2008 p. 14) Agora é fundamental que as empresas se aproximem dos seus consumidores e deem a eles suporte para produzir conteúdo. Mas o que de fato leva um consumidor anônimo a se expor mundialmente através da Internet? Sibilia (2008) cita que são as experiências subjetivas de cada indivíduo. Ou seja, a vivência é o que transforma o indivíduo no que ele comunica na internet.
  • 37. 36 Dessa forma visões políticas ou preferências culturais tornam-se fatores que vão moldar esse novo indivíduo comunicante. Sibilia (2008) recorre ao filósofo francês Gilles Deuleuze para mapear esse novo cenário que funciona como pano de fundo para os consumidores/produtores de conteúdo. Já faz quase duas décadas que esse filósofo francês descreveu um regime apoiado nas tecnologias eletrônicas e digitais: uma organização social ancorada no capitalismo mais desenvolvido da atualidade, que se caracteriza pela superprodução e pelo consumo exacerbado, no qual vigoram os serviços e os fluxos de finanças globais. Um sistema articulado pelo marketing e pela publicidade, mas também pela criatividade alegremente estimulada, “democratizada” e recompensada em termos monetários.” (Sibilia, 2008 p. 172) O trecho acima revela que o consumidor e seu conteúdo passam a se guiar pela monetização, sendo estimulados pelas grandes empresas. O YouTube é uma dessas empresas que, com o sistema de monetização (partilha dos lucros em publicidade com quem produziu o conteúdo) dos seus vídeos, atrai milhões de pessoas que estão em busca do dinheiro, mas que, para isso, precisam trazer um conteúdo cada vez mais diferenciado para os consumidores. Após o YouTube anunciar que pretendia iniciar prática de monetização, várias empresas buscaram forma de atrair o usuário para suas plataformas em troca de dinheiro ou créditos de uso, mas acabaram sem sucesso. Para Sibilia (2008), o usuário não se sente mais invadido e busca cada vez mais exposição, fazendo com que os anunciantes procurem nele formas de publicidade. “A conclusão parece óbvia: quem não gostaria de ser o anunciante capaz de lhe vender esses sapatos”? Isso significa que: anunciar para uma marca alimenta o ego, além do retorno financeiro que isso traz. Várias marcas começaram a usar fotos de clientes como protagonistas de campanhas ou para mostrar que eles estavam usufruindo de seu produto. A prática de usar “pessoas reais” desperta o desejo do consumidor de ser ou ter o produto anunciado, já que se identificam com o discurso de uma pessoa comum e buscam conhecer a intimidade deles por curiosidade.
  • 38. 37 Fonte: www.instagram.com/rafabrites Figura 2 - Print do Instagram de Rafa Brites Com essa prática, a autora questiona se o que é visto na internet é uma vida real ou uma obra. Pessoas anônimas passam a mostrar uma vida que seja interessante para quem está consumindo seus conteúdos, bem diferente do que realmente é. Em maio de 2017, a repórter e influenciadora Rafa Brites fez um post desabafando em seu Instagram. A repórter desmistifica a vida sempre feliz que as pessoas públicas mostram na internet, além de questionar a necessidade que o público tem de buscar a felicidade pela internet. É preciso exibir na pele a personalidade de cada um, e essa exposição deve respeitar certos requisitos. As telas – sejam do computador, da televisão, do celular, da câmera de fotos ou da mídia que for – expandem o campo de visibilidade, esse espaço onde cada um pode se construir como uma subjetividade alterdirigida. A profusão de telas multiplica ao infinito as possibilidades de exibir –se diante dos olhares alheios e, desse modo, tornar- se, um eu visível. Nesta cultura das aparências, do espetáculo e da visibilidade, já não parece haver motivos para mergulhar naquelas sondagens em busca dos sentidos abissais perdidos dentro de si mesmo. Em lugar disso, tendências exibicionistas e performáticas alimentam a procura de um efeito: o reconhecimento nos olhos alheios e, sobretudo, o cobiçado troféu de ser visto. Cada vez mais é aparecer para ser visto.” (Sibilia, 2008 p. 111) Para Sibilia (2008), o ser humano moderno passou a se preocupar tanto com o “eu” que ele exibe, perseguido pelo medo de se tornar invisível, que a exposição é a única maneira de provar sua verdade. Pois tudo aquilo que permanecer oculto, fora do campo da visibilidade – seja dentro de si, trancado no lar ou no interior do quarto próprio – corre o triste risco de não ser interceptado por olho algum. E de acordo com as premissas básicas da sociedade do espetáculo e da moral da visibilidade, se ninguém vê alguma coisa é bem provável que ela não exista.” (Sibilia, 2008 p. 111 - 112)
  • 39. 38 Sibilia (2008) faz uma metáfora em que compara a mente humana ao universo das máquinas digitais, através da capacidade humana de armazenar e deletar dados como os computadores. O ser humano armazena dados e, quando precisa, acessa essas informações em sua memória. A diferença entre a mente humana e o que está nas redes é que, atualmente, já são realizados estudos com uma substância chamada propranolol para “apagar” ou bloquear da mente humana episódios de forte valor emocional, como acidentes ou mortes. Assim como mostrado no filme “Brilho eterno de uma mente sem lembranças” (2004) em que personagens contratavam serviços de uma empresa especializada para apagar memórias e amenizar o sofrimento de um término. “Portanto se o medicamento que a sua equipe está desenvolvendo de fato funcionar, poderíamos deixar mesmo de ser aquilo que supostamente fomos, mas já não lembramos” (Sibilia, 2008 p. 130). Já nas redes digitais, uma vez que uma informação qualquer tenha entrado no mundo virtual, ficará acessível para sempre. Isso porque, mesmo que o conteúdo on-line seja apagado, é possível que ele tenha sido salvo no computador de alguém e pode ser usado depois de anos. Prova disso é o caso de um dos maiores influenciadores digitais do Brasil, o youtuber Felipe Neto. Conhecido no início da carreira por criar polêmicas em seu canal “Não faz sentido”, Neto reverberava o discurso de seus vídeos em microtextos através do seu Twitter. Após ser inúmeras vezes julgado, tendo que fazer várias retratações por meio de textos e até vídeos, em que explica que aquele era um discurso imaturo e do qual se arrepende, Felipe Neto, até hoje, tem alguns de seus tuites da época reavivados.
  • 40. 39 Figura 3 - Print do Twitter de Felipe Neto Figura 4 - Print do Facebook de Felipe Neto Fonte: www.facebook.com/felipeneto Fonte: www.twitter.com/felipenetoreal Esse comportamento de trazer à tona imagens e textos esquecidos na web é, inclusive, um comportamento comum entre usuários do Twitter, onde se encontram os maiores julgadores da web, segundo Ronson (2015).
  • 41. 40 4 O TRIBUNAL DAS MÍDIAS SOCIAIS Em outubro de 2016, o Brasil assistiu a um dos maiores casos de linchamento público da história da internet. Através das mídias sociais, uma multidão raivosa apontou seus cliques para a blogueira e youtuber Viih Tube. Antes de detalharmos o caso, torna-se relevante contextualizar um cenário cada vez mais comum na internet: a criação de tribunais que julgam e condenam figuras públicas ou anônimas. O jornalista Jon Ronson, em seu livro “Humilhado” (2015), relata vários de casos em que pessoas comuns passaram por situações de julgamento público. Segundo Ronson (2015), a internet dá voz às pessoas sem que elas tenham que sair do anonimato, fazendo com que qualquer pessoa possa ser massacrada ao publicar suas opiniões. “As mídias sociais dão voz a pessoas que não têm - o igualitarismo é a sua maior qualidade” (Ronson, 2015, p.283). Para Ronson (2015), o único objetivo desse julgamento sem provas ou juiz seria a humilhação. Ser humilhado na internet hoje é como ser julgado em praça pública. Todos podem dar suas opiniões, independente de ter conhecimento do caso ou poder para isso. A humilhação é uma pena que jamais se esquece. Entre vários casos de humilhação pública na internet, Ronson, destaca o de Justine Sacco, gerente de relações públicas de uma grande empresa multimídia, humilhada no Twitter após fazer um comentário de cunho racista. Em 20 de dezembro de 2013, entes de embarcar em seu voo de férias para a África do Sul, ela publicaria o tuite que daria início ao seu julgamento público: “Indo para a África. Espero não pegar Aids. Brincadeira. Sou branca! (Ronson, 2015, p.75)”.
  • 42. 41 Fonte: www.twiiter.com/JustineSacco Figura 5 - Print do Twitter de Justine Sacco Segundo Ronson (2015), Justine, esperou por meia hora uma resposta de seus seguidores e diz ter ficado frustrada por não a ter. Ela esperava a aprovação por ter sido engraçada. Logo após, Justine embarcou no avião para um voo de 11 horas, desconectada. Quando aterrissou, ligou o celular e viu uma mensagem de alguém que há muito não tinha contato, dizendo sentir muito pelo que estava acontecendo. Confusa, Justine não demorou para entender que tinha se tornado Trending Topic mundial no Twitter. Seu “juiz”, o jornalista Sam Biddle, disse ter recebido o tuite de um de seus seguidores e logo o retuitou. O fato de ela ser chefe de relações públicas tornou a situação deliciosa”, contou Sam por e-mail. “É satisfatório poder dizer: ‘Ok, vamos fazer com que um tuite racista de um funcionário sênior da IAC faça a diferença desta vez’. E eu fiz. Faria de novo” (Ronson, 2015, p. 87). O jornalista Sam Biddle é um exemplo comum dos usuários da internet que vemos ultimamente. Biddle não conhecia Justine, mas se sentiu no direito de penalizá-la. O caso repercutiu tanto que ela perdeu o emprego. Foram cerca de cem mil tuites sobre o caso, segundo cálculo feito pelo site BuzzFeed. Entre os posts era possível encontrar alguns que diziam: “Estamos prestes a assistir essa vaca da @JustineSacco ser demitida. Em tempo REAL. Antes que ela ao menos SAIBA que vai ser demitida” (Ronson, 2015, p.78).
  • 43. 42 Justine Sacco tentou de todas as formas se justificar, mas o veredito já estava dado. Foi uma piada sobre a situação terrível que existe na África do Sul pós-apartheid e à qual não damos atenção. Foi um comentário completamente revoltado sobre as estatísticas desproporcionais da aids. Infelizmente eu não sou um personagem de South Park ou uma comediante então não cabia a mim comentar sobre a epidemia de um modo tão politicamente incorreto em uma plataforma pública. Eu não estava tentando conscientizar as pessoas sobre a aids, irritar o mundo ou destruir minha vida. Moras nos EUA nos coloca em uma espécie de bolha no que diz respeito ao que está acontecendo no Terceiro Mundo. Eu estava debochando dessa bolha” (Ronson, 2015, p.81) Em outubro de 20016, a blogueira e youtuber brasileira Viih Tube, passou por situação muito semelhante. Em um dos seus vídeos no Snapchat, a jovem aparece cuspindo na boca de seu gato de estimação, sob o pretexto de estar alimentando-o. A internet não perdoou. Um grande movimento tomou conta de todas as suas mídias sociais. Uma multidão se reuniu sob a hashtag #VoltaProUteroViihTube com o objetivo claro de destruir a imagem da jovem. Nesse caso, a utilização da hashtag funcionou com elemento unificador do discurso daquela multidão. Uma síntese clara, agressiva e superficial da situação, mas, exatamente por isso, extremamente poderosa. A simplicidade formal do discurso das multidões, a qual se refere Le Bon (2016), estava estampado naquela hashtag que se tornou a mais tuitada no Brasil durante todo um dia. Entre os inúmeros usuários que aderiram à campanha, era possível encontrar vários que não conheciam o trabalho da jovem ou sequer haviam ouvido falar dela. Essas pessoas, simplesmente, se sentiram ofendidas e resolveram que poderiam ofender também. Logo o caso se transformou no assunto mais comentado no Twitter brasileiro. Fotos aleatórias dos demais perfis da jovem, como Facebook e Instagram, foram duramente atacadas, com xingamentos de toda natureza. Um contador em tempo real, passou a contabilizar para o público o número de inscritos que o canal da jovem no YouTube estava perdendo.
  • 44. 43 Figura 6 – Coletânea de prints no Twitter Fonte: www.twiiter.com A jovem foi a público se desculpar, mostrou-se arrependida, mas àquela altura, a humilhação pública já havia contagiado toda a internet.
  • 45. 44 Figura 7 – Tuites da Viih Tube Fonte: www.twiiter.com/viihtube O poder devastador da humilhação pública é abordado por Ronson (2015) em seu livro “Humilhado”. Para investigar suas origens, o autor recorre ao juiz norte-americano Ted Poe que, por vinte anos em Houston, Texas, optou por punições humilhantes ao invés do encarceramento. De acordo com Poe, práticas de humilhação pública são mais eficientes do que as penas tradicionais na prisão. O juiz fazia com que seus condenados andassem com placas contando seu crime, por exemplo. Afirmava que a maior parte dos que tiveram esse tipo de pena não voltou a cometer crimes. Coloquei um bom número de pessoas na penitenciária. Delas, 66% voltaram para a prisão. Contudo, nunca voltamos a ver 85% das pessoas que humilhamos publicamente. Foi vergonhoso demais para elas da primeira vez. Não era o teatro do absurdo. Era o teatro do resultado. Funcionava.” (Ronson, 2015 p.96) Segundo Ronson (2015), o juiz afirma que o sistema judiciário ocidental tem inúmeras falhas, mas que ainda tem regras e dá ao cidadão o direito de ser julgado. Diferentemente da internet, em que o julgamento dificilmente dá algum direito de defesa, as consequências são piores e a repercussão mundial. O Twitter é considerado por Ronson (2015) a maior plataforma de açoitamento público do mundo. Segundo o autor, seus usuários são antenados, criativos e, principalmente, vingativos. É no microblog que surgem a maioria dos casos de julgamento que depois se reverberam para outras redes.
  • 46. 45 Figura 8 – Print do Twitter de Alvin Foo Fonte: www.twiiter.com/alvinfoo Ronson (2015) afirma que os usuários costumam ter a falsa ideia de que a internet lhes pertence. Para ele, essa não é a verdade. A verdade é que a internet pertence às empresas que dominam os dados. Assim como as web-celebridades fazem de tudo para serem mais vistas e ganharem mais dinheiro, as empresas estimulam as práticas que lhe tragam lucro. Pesquisas feitas por Ronson (2015) apontam que o Google teria ganhado cerca de cento e vinte mil dólares com a destruição de Justine Sacco, um termo de busca considerado pela empresa de baixo valor. “Talvez seja um número preciso. Talvez o Google tenha ganhado mais, talvez menos. Mas uma coisa é certa: aqueles que participaram de fato de sua destruição não ganharam nada” (Ronson, 2015, p. 289). Não são só pessoas comuns que passam por esse tipo de julgamento na internet. Grandes marcas também são alvos da humilhação on-line por atitudes que têm dentro e fora das redes. Em abril de 2017, a United Airlines, gigante norte-americana da aviação, foi duramente criticada depois que um vídeo, no qual um passageiro é expulso à força de um de seus aviões, viralizou na internet. As multidões atacaram todas as mídias sociais da empresa. Além dos xingamentos, houve quem se mobilizasse no Twitter sugerindo novos slogans para a empresa.
  • 47. 46 “Reserve agora um voo e seja espancado mais tarde” ou “Se não conseguimos bater a concorrência, batemos nos clientes” foram algumas das sugestões dadas por consumidores em suas contas no Twitter. O ataque não ficou só no Twitter. No final de abril, ao lançar um novo comercial durante o festival de cinema de Tribeca, em Nova York, a United Airlines foi alvo de piadas e extremamente ridicularizada toda vez que o filme era exibido. Após três dias de festival, o comercial foi tirado do ar. Os prejuízos para a marca ultrapassaram a esfera da imagem, chegando às bolsas de valores. Segundo a Revista Exame (2017), os papéis da empresa chegaram a cair mais de 4%, fazendo com que a companhia, avaliada em mais de 22 bilhões de dólares em valor de mercado, perdesse, ao menos, 830 milhões de dólares. Para Ronson, o que leva os internautas a expressarem sua opinião sobre determinado caso é ter a aprovação e resposta imediata dos demais usuários. Tal prática que, para alguns, é o baluarte de uma nova democracia, para o autor é uma nova prisão, onde opiniões são reprimidas pelo pavor de receber um feedback negativo. Eu estava me tornando uma dessas outras pessoas, com outras ideias. Vinha expressando a crença impopular de que Justine Sacco não era um monstro. Imagino se receberei um onda de feedback negativo por isso, e, se receber, será que vai me amedrontar a ponto de voltar atrás, para um lugar no qual sou parabenizado e bem- vindo? (Ronson, 2015, p. 294) A humilhação na internet vem coibindo usuários que têm medo de serem alvos de tal prática. Não se sabe o que despertará a fúria das multidões: uma piada, uma foto, uma opinião. Tudo pode ser um gatilho para que se instaure o tribunal da internet. Assim como Ronson começou a acreditar na inocência de Justine, mas preferiu não expressar sua opinião, um amigo relatou ter guardadas somente para si várias opiniões e piadas, ideias arriscadas que jamais seriam postados na internet. “Em relação às mídias sociais, tenho me sentido como se estivesse andando na corda bamba perto de um pai imprevisível, irritado e desequilibrado, que pode me
  • 48. 47 bater a qualquer momento – disse ele. – É horrível” (Ronson, 2015, p.294). Segundo Ronson (2015), o homem não quis ter seu nome revelado, com medo de que seus comentários pudessem causar alguma reação.
  • 49. 48 CONCLUSÃO É fato que as novas mídias revolucionaram a forma como interagimos. Mais do que reinventar os clássicos modelos comunicacionais, tirando o receptor da sua condição de simples agente passivo e elevando-o a produtor de conteúdo, elas influenciam mercados e comportamentos, apontando cenários que interferem e modificam o próprio comportamento humano. Quando nos propusemos a analisar as personalidades do novo consumidor social em meios às multidões digitais, não esperávamos encontrar um cenário tal complexo e interligado. Analisando o contexto mercadológico, descobrimos como a ascensão dos mercados de nicho e a inversão do vetor de marketing contribuíram para o empoderamento do consumidor. A análise do cenário midiático nos apresentou um contexto de convergência que faz com que os produtos midiáticos se diversifiquem, conquistem novas audiências participativas, que consomem de várias formas e também produzem conteúdo a partir do consumo, o que modifica substancialmente a relação entre emissor e receptor. Tais transformações mercadológicas e midiáticas nos levam inevitavelmente a um novo modelo de comportamento. Com os processos de produção simplificados e com múltiplos canais à sua disposição, o consumidor quer opinar, interagir, se mostrar. A intimidade se transforma em um espetáculo, muitas vezes altamente rentável tanto para os indivíduos quanto para as marcas. Todo esse conjunto de contextos interligados formam o território perfeito para a formação de grupos na internet. Multidões heterogêneas, anônimas, que bradam, na maioria das vezes, por causas vazias e simplistas. Os influenciadores digitais funcionam como autênticos líderes, direcionando suas multidões de acordo com interesses – pessoais e empresariais.
  • 50. 49 Por fim, analisamos como a humilhação pública tem sido utilizada com frequência para destruir marcas e personalidades. Um modelo de condenação que não é novidade, mas que ganham um potencial ainda mais devastador quando levado às mídias sociais. Dessa forma, apresenta-se um novo modelo de consumidor: mais poderoso, conectado, vingativo e que, mesmo anônimo, transita livremente em meio a marcas e celebridades, sendo capaz de, ao menor deslize, dar início a um processo de destruição de imagem quase sempre irreversível, que fatalmente ecoará além do ambiente digital. Enquanto houver, de um lado, vozes ávidas por serem ouvidas e, de outro, indivíduos dispostos a engrossar o coro, o tribunal da internet vai continuar a dar vereditos instantâneos, delatando, colocando no banco dos réus e condenando sem direito a recurso.
  • 51. 50 REFERÊNCIAS ANDERSON, Chris. A cauda longa: do mercado de massa para o mercado de nicho. Rio de Janeiro, RJ: Elsevier, 2006 BADIOU, Alain. O século. Aparecida, SP: Ideias & Letras, 2007. CASTELLS, M. A Galáxia Internet: reflexões sobre Internet, Negócios e Sociedade. DALMONTE, Edson. Novos Cenários Comunicacionais no contexto das mídias interativas: o espalhamento midiático. Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho Práticas Interacionais e Linguagens da Comunicação do XXIII Encontro Anual da Compós. Belém, PA: Universidade Federal do Pará. Disponível em: <https://http://compos.org.br> Acesso em: 14 de maio de 2017. GABRIEL, Martha. Marketing na Era Digital: Conceitos, Plataformas e Estratégias. São Paulo, SP: Novatec, 2010 GIOVAGNOLI, Max. Cross-media: Le nuove narrazione. Milano: Apogeo, 2009. JENKINS, Henry. Cultura da Convergência. São Paulo, SP: Editora Aleph, 2009. JENKINS, Henry; FORD, Sam; GREEN, Joshua. Spreadable media. Creating value and meaning in a worked culture. New York University Press, 2013. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2004. LONGO, Walter. Marketing e Comunicação na Era Pós-Digital: as regras mudaram. São Paulo, SP: HSM do Brasil, 2014. MEIO&MENSAGEM. O algoritmo estragou a internet. Disponível em http://www.meioemensagem.com.br/home/videos/2017/05/16/o-algoritmo-estragou-a- internet-diz-marimoon.html. Acesso em: 15 de maio de 2017. REVISTA ÉPOCA. De tão ridicularizado, comercial da United Airlines sai do ar. disponível em http://exame.abril.com.br/marketing/de-tao-ridicularizado-comercial-da-united- airlines-sai-do-ar/. Acesso em: 15 de maio de 2017. RONSON, Jon. Humilhado: como a era da internet mudou o julgamento público. Rio de Janeiro, RJ: Best Seller, 2015. SAAD CORRÊA, E. Reflexões para uma Epistemologia da Comunicação Digital. In: Observatório. Vol. 2, n 1, 2008. 307 - 320. Disponível em: http://obs.obercom.pt. Acesso em: 11 de maio de 2017.
  • 52. 51 SIBILIA, Paula. O Show do eu: A intimidade como espetáculo. Rio de Janeiro, RJ: Nova Fronteira, 2008. VAYNERCHUK, Gary. Nocaute: como contar sua história no disputado ringue das redes sociais. São Paulo, SB: HSM do Brasil, 2016.