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a) Idade Antiga
1 É nosso intento focalizar aqui a Civilização Helênica, o
Período Helenistico e a Civilização Romana.
ções intelectuais, de um Iado, das matemáticas, do outro, das
disciplinas de investigação do dado natural e empírico, fazen-
do ou
'
não uso das matemáticas, nias tendendo mais ou
menos ã matematização"."
BREVE ABORDAGEM HISTõRICA DA EVOLUÇÃO
DA CIÊNCIA
0 comentário da evolução da Ciência Ocidental de um
porito de vista histórico, ainda que suscinto, será de grande
valia. Para efeitos mais práticos de exposição, utilizaremos
a tradicional periodização da Ilistória: a) Idade Antiga
(Antigilidade Clássica); b) Idade Média; c) Idade Modema;
d) Idade Contemporânea.
Desde a Idade Antiga esteve presente a preocupação cien-
tífica. Contudo, notaremos que s6 o surgimento da ciência
experimental moderna produziu as mais rápidas e profun-
das mudanças socíais que a História registra. Tanto que,
enquanto a duração aproximada da Idade Antiga foi de 1.200
a 1.300 anos, da Idade Média de cerca de 1.000 anos, a Idade
Moderna (com a qual principia o experimentalismo científi-
co) durou apenas 400 anos aproximadamente, completando-
-se o quadro com a Idade Contemporânea em transcurso e
com menos de 80 anos. E é bom lembrar que alguns estu-
diosos iniciain já a ver nitido o declínio das características
com que começou esta última Idade.
Para que possamos conduzir com mais clareza coloca-
ções Ilistóricas, lançaremos mão da clássica divisão das ciên-
cias feita por CARNAP: Ciências formais (representadas
pelas matemáticas e pela lógica) que desenvolvem raciona-
lizações puras, à busca de soluções lógico-forniais paxa os
seus problemas; Ciências fatuais (representadas pelas ciên-
cias físicas e naturais, como pelas expressões principais da
investigação humana) que executam também racionalizações,
mas sobre dados colhidos por observação e experimentação.
11. Hilton JAPIASSU, Introdução ao Pensamento Epístemolõglco, p. 15.
A Civilização Helênica mostrou sempre grande preo-
cupação de conhecer a natureza. Contudo, a mentalidade
grega não propíciava o surgimento da verificação indutiva
ou experimentação, pois os helenos amavam mais o cultivo
das idéias do que o trabalho manual com coisas e fatos. Vale
dizer que sua mentalidade era predominantemente deduti-
vista. Não achavam nada nobre lidar com "jogos inúteis",
com coisas banais, e preferiani a nobreza das atividades da
razão (a racionalização). Assiin, as ciências formais foram
muito cultivadas e desenvolvidas pelos gregos; enquanto as
ciêndas fatuais tiveram pouquíssimo desenvolvimento.
Ludovico GEYMONAT situa estas r-aracteristicas, toman-
do como base mais a análise das estruturas de linguagem.
Escreve: "0 fato é queenquanto para as noções matemáti-
cas os gregos conseguiram formar — como já viinos — uma
linguagem técnica especial, que permite o desenvolvimento
de longas cadeias de argumentações, reguladas por leis lógi-
cas claramente estabelecidas, e em tal linguagem foi possivel
formifiar com exatidão conceitos por, vezes elevadíssimos,
axiomas, teoremas, problenlas, discutindo as condições de
validade para uns, as condições de resolgbilidade para ou-
tros, nada de semelhante se verifica no que respeita às no-
ções de física, estas ficaram como afgumentos de debate
interessante para a filosofia da natureza mas não se eleva-
ram nunca a um autêntico nível científico". 12 Estas consi-
derações, todavia, reúnem-se às que fazíamos anteriormente
quando G=ONAT elucida que foi o desprezo dos helenos
pelas atividades práticas manuais que lhes iinpossibilitou
descobrirem o "método das deffionstrações experimentais%
bloqueando-lhes, quase, o caminho para .maiores ê~dtos nas
ciências naturais. 13
Alguns autores atuais, radicalizaram-se em tomo do pon-
to de vista segundo o qual a aritmética, aálgebra, bem como
12. 0 Pensamento ClentIfIcO, PP. 5r~56.
13. íbídem, p. 68.
— 30 — 1 — 31 —
a geometria não são cièncias, por fugirem exatamente às
verificações empiricas. Particularmente, não compartilhamos
deste ponto de vista. Se dele compartfihássemos, então pre-
cisariamos declarar que os gregos nada, ou quase nada, reali-
zaram em campo científico.
É de todo interessante analisarinos a evolução da ciên-
cia helênica focalizando intencionalmente: a astrononiia e a
medicina. Em ambas, os interesses e as motivações emer-
gem de afJições miúto vitais ao homem. As preocupações
com o nascirnento, o crescimento e a morte, voltaram-se tan-
to para a astronorliia quanto para a medicina. Antes dos
gregos, os astros eram já observados para que respondessem
a probIemas humanos, conforme podemos ver na Mstória
dos babilõiiios. E a altemância entre dias e noites, a evolu-
ção das estações, as diferentes fases da lua, todas estas coisas
explicavam o ritmo do tempo e, acreditavam os gregos, po-
diam indicar-lhes o que era oporttmo e inoportuno fazer.
Desta maneira, a tão importante noção do tempo que flui
situava-se nas bases tanto da astrononiia quanto da medicina.
"Era claro, com efeito, até para as mentes mais prkffitivas,
que, para o objeto da medicina (ou seja, a vida do homem)
o caniinhar do tempo reflett--se em algo irreversível: o en-
velhecimento das pessoas e o seu caminhar progressivo para
a morte. por outro lado, para o objeto da astronomia, refle-
te-se eí~ mutações periódicas que se repetem com uma re-
guIaridade constante". 14 Isto poderia sugerir que a relação
entre essas duas noções de tempo, a sua aproximação, che-
gasse a unificar os fundamentos da astronomia e da medicina.
Ali estavam dil atividades bem opostw, no modo de pra-
ticá-las. Para o heleno, a observação dos corpos celestes era
boa e nobre, pois os astros perinaneciam à distância e não
eidgiam o trabalho manual, coisa inais indicada para escra-
vos. iã a atividade do médico obviamente não pode ser
realizada à distância e com apenas recursos ideais. A medi-
cina tem que se aproxiinar do seu objeto, o homem (são ou
enfermo), e se dedicar a uma prática de observação bem
próxitna e o mais possivel paciente. Assim que, as duas
ciências em foco, ao contrário de se aproxiniarem fundamen-
talinente, apartaram-se, pelo tipo de prática de cada qual.
14. lbidam, p. 61.
— 32 —
A irredutível diferença de estrutura e prática destes le-
nómenos acabaria mesmo por impor-se. "A ciência do mo-
vimento cielico dos astros e a ciência do decorrer irreversi-
vel da vida animal deviam fatalmente assumir cada uma
as suas caraicteristicas próprias". 15
Não podemos, contudo, afirmar a ínexistência de tenta-
tivas experimentais entre os gregos. A este respeito, há um
notável texto do médico HIPóCRATES DE CõS: "Não temos
o direito de assentar a arte médica sobre uma lúpótese. É,
sem dúvida, o caminho mais cômodo. Simplifica-se tudo,
adniitindo uma única causa fundamental para a doença ou
para a morte, a mesma para todos os casos, e representando
uma tal causa com um ou dois fatores, sejam o frio e o quente,
úniido e o seco ou qualquer outra coisa. Mas, pela arte, foi
agora encontrado o princípio, como também o método, gra-
ças ao qual foram feitas em pouco tempo admiráveis desco-
bertas e também o resto se descobrirá, se o investigador
avisado e que conhece o que já foi feito, daqui partir para
novas pesquisw. E assim, é nosso objetivo aprofundar os
conhecimentos de modo que os erros representem tão-so-
mente pequenos desvios, para wn ou outro lado, no caminho
certo: e ao médico que somente comete erros não graves,
havemos de o louvar altamente. Mas a certeza absoluta é
díficil possuf-la ... parece-me que há ainda muito ca~o
a trilhar antes que alcancemos uma ciência que possa dizer,
até ao mais infiino pormenor, o que é o homem e porq-ue
veio ao 7nundo". 16
Foi, porém, no Período Helenístico (de difusão da elvi-
Iização grega) que tendências à uma ciência de experimenta-
ção mais se evidenciaram. Antes, destacaram-se em traba-
lhos cientificos nomes como os de ARISTóTELES, PITAGO-
RAS, ANAXIMANDRO, EM:PÉDOCLES, DEMóCRITO, ALC-
MÊON, que não citamos por ordem cronológica. Todavia,
os arremessos destes sábios em direção à ciência experimeXi-
tal foram bloqueados, de certa forma. "0 que deteve a ciên-
cia grega ihão foi principalrnente a presença de erros de teo-
ria e de método, desde que o germe de muitas das teorías
1 S. lbidem, p. 62.
16. Citação ern Ludovico GEYMONAT, 0 Pensamento CIentífiCO,
pp. 6"5.
— 33 —
XV
atualmente vigentes aparece nas obras dos sábios gregos.
Seu desenvolviinento foi impedido pelo divórcio entre a téc-
nica e a teoria, entre o técnico e o pensador". 17 Em outras
palavras, o que fez das iniciativas gregas uma PROTOCIÊN-
CIA, foi o abismo estabelecido entre o saber e o fazer.
0 Período I-Ielenístico, ocasião de grande sofisticação in-
telectual, sobretudo em Alexandria, fez alguns esforços para
abolir tal afastamento. Se houvesse conseguido, o progresso
da ciência experimental não seria deixado para a Idade Mo-
derna. Cientistas como ARQUIMEDES e I-IERO (para só
citar dois) chegaram a inventos notáveis, do ponto de vista
técnico. 0 primeiro, guardando ainda uma mentalidade for-
malista, construía aparelhos mais para divertir-se com a
geometria e o cálculo — não tinha gosto pelos trabalhos me-
cânicos. Já HERO apresentava, mais do que a mentalidade do
cientista, a do engenheiro. F. ENRIQUES explica, porém,
porque o experimentalismo não se solidificou no Período
Helenístico: "A técnica alexandrina estava quase toda voltadã
para os jogos e divertiinentos, sempre mais caros e rebus-
cados, nos quais uma sociedade de ricos parasitas procurava
uin lenitivo para o tédio de viver. Não há aqui traço daquela
vontade de poder que encontramos até os primeiros e con-
fusos pressentimentos do monge Rogério Bacon, nas geniais
visões de Leonardo, nas críações revolucionárias de alglins
pobres e obscuros artífices da Escócia e da Inglaterra". 18
A Civilização Romana, por seu gênio predominantemente
prático e pelas suas muitas preocupações políticas e milita-
res, foi medíocre na busca à ciência. Os primeiros hospitais
surgiram em Roma, obras sariitárias inteligentes e canaliza-
ção de água potável. Esgotos e escoadouros foram muito
bem construídos pelos romanos. Tudo, porém, intuitivamen-
te prático, e nenhuma atenção se deu a uma experimentação
metódica.
Fique assim demonstrado que, na Idade Antiga, as ciên-
cias formais foram incrementadas, enquanto que quase nada
ficou de notável no campo das ciências fatuais.
17. Eugeno SCHWARTZ, A [nflaÇâo da Técnlca, p. 29.
18. Citado por GEYMONAT, obra citada.
b) Idade Méclia
Na atitidade recente dos historiadores, tem-se procurado
fazer um pouco mais de justiça à "fisionomia" histórica da
Idade Média. Por longo tempo tida na conta de Idade Escura,
Período das Trevas, Época Obscurantista, e outros nomes
ainda menos simpáticos, emerge agora =a imagem talvez
mais real o justa desta etapa da civilização ocidental. Ora,
não podemos dizer que o período medieval tenha sido tão
rico intelectualmente como a Antigljidade Clássica; se o to-
marmos assim, comparativamente, verificaremos que foi bem
mais pobre, sobretudo no que respeita ãs atividades cientí-
ficas. Todavia, não encontramos, ao longo dos aproxiinada-
mente 1. 000 anos da Idade Média, uma "fisionomia" histó-
rica estável. Teve pontos muito altos (nas criações teológi-
cas e filosóficas) e pontos muito baixos, no tocante a quase
tudo o mais. Nesta fase dá História, encontramos figuras
notáveis como as de S. Agostinho, Santo Tomás de Aquino,
Rogério Bacon, e outros. Mas nela também divisamos la-
cunas razoavelmente grandes na produção do saber. Princi-
palinente é licito afirmarmos que o periodo em foco ofere-
ceu menores possibilidades ainda ao surgimento da ciência,
com o sentido experimental que a esta damos hoje. Mas as
explicações de fato, para a Idade Média, não são as mesmas
que procuramos esclarecer, para a Idade Antiga.
A época medíeval é tida como TEOCANTRICA. Vale
dizer: um predomínio extremamente acentuado de preocupa-
ções religiosas. 0 homem medieval estava empenhado, so-
bretudo, na salvação de sua alma, na chamada VIDA DE
DEPOIS DA MORTE. Para ele, a realidade dada, fora esta-
belecida por Deus e era inteiramente sagrada. Logo, rião
competia ao homem pecador interferir na natureza — este
devia tão somente contemplar a sábia.harmortia que o Todo-
Poderoso colocara no Universo. Talvez que, ao contemplar-
mos hoje a devastação do ambiente natural operada pela
ciência e pela téciúca (que afinal se uniram), vejamos certa
sabedoria quase instintiva na atitude rnística medieval. Ê
possível que nós, homens do século XX, possamos ser menos
rigorosos no julgamento dos medievais do que foram os mo-
dernos, principalmente os do "Século das Luzes% o vaidoso
século XVIII. Entretanto será irnpossível fugir à reaUdade
— 34 — 1 ~ — 35 —
de muitos aspectos obscurantistas da Idade Média. Nesta
Idade, o homem comum estava condicionado a, inclusive,
negar-se a aprender ler, pois ler era considerado luxo e o
luxo é pecado. As formas do corpo eram neuroticamente
ocWtadas com roupas grosseiras para que, não havendo exi-
bição de beleza, os sentidos não fossem levados a afastar as
almas da contemplação de Deus. 0 homem negava a si mes-
mo. Isto nem sempre em nome do amor divino, mas prin-
cipalmentia em nome de um medo de Deus (um Deus que
não era Amor, mas só Lei e Justiça).
Vê-se que não foi unia boa época para a ciência. As`~"
Universidades — curiosamente criadas na Idade Média —
cultivavam o ensino clássico, súditas, ainda, do imperialismo
intelectual do Mundo Antigo. Vamos encontrar, por este
tempo, um sério fenômeno socW conhecido como "0 AUTO-
RITARISMO".
A atitude ideal era a de respeito cego ao que afirmavam
as '1autoridades~' antigas, sendo que inclusive os textos bíbli-
cos foram transforniados em fonte de autoridade científica.
Quando certo jovem, na Universidade de Mlão, descobriu
manchas solares com auxílio de = aparelho precursor do
telescópio, levou sua novidade para o professor de Astrono-
núa. Excitado e feliz, contou ao mestre sobre sua desco-
berta. 0 mestre pediu-lhe um prazo para meditar a respeito
do que o aluno lhe dizia. Vencido o prazo, disse ao jovem:
"Tenho lido todos os textos de Aristóteles, assiin como as
páginas da Bíblia, e posso assegurar-lhe que ali não há qual-
quer indicação de nianchas solares. Então,caro jovem, pro-
'cure ura médico que essas manchas devem estar é nos seus
olhos".
Tudo isto punha a Idade Média indisposta para explo-
rações científicas. Como inovar? As novas conquistas cien-
tíficas estariam sempre no segLiinte impasse: ou constariam
já dos textos bíblicos, gregos ete. — e assiin não seriam
inovações, é claro, ou o pesquisador'era condenado à foguei-
ra como bruxo, caso se tratasse de, real novidade. De nada
valeram as avançadas mentes do tempo, cheias de lnconfor-
mação como as de ADELARDO DE BATH, FREDERICO II e
a do ~íonge precursor do experimentalismo Rogério BACON.
Estes, não somente condenaram a confiança nas "autorida-
des", mas também, correndo perigo contra tóda a repressão,
dedicaram longa fase de suas vidas à investigação direta da
natureza.
Por este tempo, os alquimistas desenvolviam =a ativi-
dade protocientifica, até hoje envolta em mistérios. Aqui é
importante fazer-se menção ao filósofo e teólogo PICO DELLA
MIRANDOLA, que chegou a abraçar a mística cabalística 19
e por alguns foi tido comç) alquimista. Tal já se deu nos
prenúncios do Renascimerito, mais exatamente, no século XV.
0 destino de muitos dos alquimistas foi também a fogueira.
Como disse o sociólogo Max =ER, na Idade Média a
natureza estava como que "encantada", portanto era sagrada
e não cabia aos homens interferirem em suas harmonias.
Logo, na Idade em apreço, não vemos significativos passos
dados pela experimentação.
c) Idade Moderna
Evidentemente não há =a data certa em que termiiie
=a Idade e se inicie a próxiina. Digamos, porém, que aque-
las coisas que marcaram o princípio da Idade Modema fo-
ram: o surto h=anista do Renascimento, que vinha repo-
sicionar o homem como centro do significado lústórico; os
grandes descobriinentos marítiinos e, sobretudo, o exato
advento do experimentalismo científico, fruto de um racio-
nalismo segundo o qual o homem, como senhor do mundo,
podía transfonná-lo, manipulando-b à vontade. 0 homem
volta a acreditar em si mesmo e redescobre as surpresas que
a bela natureza poderia oferecer-lhe. Ainda na expressão
de Max WEBER, a natureza fora "desencantada" com a nova
atitude mental e os novos valores modernos. Agora, o ser
humano deveria penetrar o íntiino do mundo natural e des-
velar-lhe os "mistérios". Não mais o mundo lhe parece sa-
grado e intocável, mas sim uma quantidade de matéria neu-
tra a ser ei,
,plorada e manipulada.
Antes, — mais precisamente em 1450 — Johann GUTEN-
BERG tomara uma antiqüíssima invenção dos chineses* (a
IMPRENSA) e a aperfeiçoara maravilhosamente. GUTEN-
19. José Ferrater MORA, Diccionérfo de Fllosofla, vol. li, p. 417.
37
36
BERG inventou os tipos móveis para composição gráfica,
injetando o novo sangue do progresso intelectual pelas prin-
cipais artérias da Europa. Tal invenção aperfeiçoada viria,
rnais tarde, unir-se ao pensamento experimental científico
para caracterizar bem a fase dos tempos modernos.
Sem dúvida, podemos citar GALIÈEU GALILEI (1564
* 1642) como o real iniciador da mentalidade científica sem
* qual o mundo não se tornaria MODERNO. 0 filósofo
William KILPATRICK situa muito bem o momento em que
surgiu o experimentalismo. Ele escreve que em 1590 o rebel-
de físico GALILEU, muito preocupado em instituir um pen-
samento baseado na experimentação, resolveu pôr à prova
aIguns ensinamentos de ARISTõTELES. "ARISTõTELES
havia ensinado que, se abandonassem, ao mesmo tempo, de
certa altura, =a bola de cinco libras e outra de uma libra,
a primeira, cinco vezes mais pesada, cairia cinco vezes mais
depressa. Isso parecia tão natural, tão claro, tão cheio de
bom senso, que durante niil e novecentos anos ninguém
pôs em dúvida a questão, nem mesmo tentou prová-la". 20
Ocorre que GALIIEU, na força de sua personalidade contes-
tadora e sobretudo amante da comprovaçãç) dos fatos, racio-
cinava que um pensamento pode ser perfeitamente lógico e
enquadrado no bom senso, sem que necessariamente seja
verdadeiro. Mas sigamos o relato de KILPATRICK: "Relem-
bremos o episódio. A autoridade de ARISTõTELES tinha
sidõ posta em dúvida. Discutia-se o assunto. GALILEU con-
vidara a Universidade de Pisa para assistir à experiência.
A torre de Pisa serviria, dessa vez, como parte de um grande
laboratório ou sala de demonstrações, para que todos pudes-
sem ver. As bolas foram pesadas, dispostas conveniente-
mente e abandonadas no espaço, ao mesmo tempo: ao con-
trário da teoria de ARISTõTELES, caíram juntas". 21
Este, podemos dizer, é o momento-símbolo do nascimen-
to oficial do experimentalismo cíentífico. Foi a novidade de
substituir as longas argumentações lógicas da dialética for-
mal pela observação dos fatos em si mesmos que fincou o
principal marco da mentalidade moderna. WHITEHEAD,
contudo, comentou muito bem o descaso dos homens do
tempo peIo feito de GALILEU: "desde o nascimento de Cris-
to, jamais tão grande coisa produziu tão pequeno ruído". 12
Antes de PLATÁO, o pensamento já era considerado mtúto
superior à sensação, e a niente humana estava qualifi-
cada muito acima da matéria. Muito mais tarde ' no período
medieval, tais conceitos se solidificaram, quando os doutores
da Igreja ensinaram a extrema superioridade do espírito
(que tende para a perfeição) e a inferioridade da came (que
tende para a danação). GALILEU propunha que valorizás-
semos os sentidos, utilizãssemos nossos recursos fisicos como
meios autênticos de veiculação do conhecimento; por isto,
foi enorme a inversão que ele praticou, indo ultrapassar os
limites da ciência e transformando-se em uma nova atitude
perante a realidade.
Nesta revolução galileica, a ciência e a técnica conse-
guiram unir-se. Isto foi decisivo para o início da ciência
aplicada, da maneira como nós a entendemos atualmente.
Ao que nos parece — e isto é curioso — tal renovação
de espirito teve seus momentos de pioneirismo na astrono-
mia. Inspirado na leituira de ARISTARCO DE SAMOS
(século III a.C.), COPÉRNICO fizera algumas observações
e concluíra pela posição do Sol no centro do sistema plane-
tário (heliocentrismo). Afinal, a visão copemiciana ainda
tinha muito de medieval, apesar de tudo. Isto dizemos por-
que um dos pontos de vista de COPÉRkICO era o de que o
Sol simbolizava a "Luz de Deus" (presença divína no Univer-
so) e não tinha cabimento que nós (terrestres) ficássemos
no centro do Universo para que a "Luz de Deus" girasse à
nossa volta. Entretanto, as observações confirmaram a CO-
PÉRNICO a posição central do Sol e, queiramos ou não, o
homem foi novamente expulso do Paraiso. Ou seja: expul-
sou-se o ser humano do centro do Universo. Posteriormente,
GALILEU falaria da rotação copemiciana com um siáteffia
mais aperfeiçoado de observação. Isto fez do homem um
ínfimo grão solto no Universo e, talvez porque já não se
sentisse tão senhor do Cosmo, dispôs-se a estudá-lo afinca-
damente.
20 Wílilam KILPATRICK, Educação para uma CivifiZaÇãO em Mudança,
P. 16.
à
21. lbldem, p. 17. 22. A. N. WHITEHEAD, Scionce and the Modern World, p. 3.
38 39
LEONARDO DA VINCI e GILBERT formam também
entre os principais precursores da ciência modema. Mas,
esclarece Wiliam DAMPIER: "Leonardo, Copérnico e Gilbert,
cada qual a seu modo, prenunciaram a revolução que viria,
mas GALILEU foi mais longe, encontrando-se em seus escri-
tos pela primeira vez o autêntico toque moderno. Submeteu
a teoria de Copémico à prova prática do telescópio, mas aci-
ma de tudo combinou, em seu trabalho sobre dinânúca, a
observação e a indução com a dedução matemática contro-
lada pela experiência, inaugurando assim o verdadeiro mé-
todo da pesquisa física". 23 É importante assinalar que cou-
be aos árabes invasores da Europa desenvolver a matemá-
tica aplicada, do que veio se valer quase toda a ciência pos-
terior.
Dizíamos que a mentalidade moderna teve suas raizes
na astronomia. Todavia, será sempre bom não esquecermos
a grande irifluência exercida, já no século XVII, por dois
filósofos-cientistas: DESCARTES e PASCAL. KOURGA-
NOFF escreve: "Mas a partir do Renascimento, novos pen-
sadores, tais como Descartes e Galileu, denunciaram a inge-
nuidade dos Antigos, que pretendiam explicar fenômenos
muito complexos, antes de conhecer as realidades deles, antes
mesmo de observar cuidadosamente as suas principais pro-
priedades". 24
Grande teorizador da experiinentação foi Francis BACON.
Este deu uma configuração doutrinária à indução experimen-
tal e procurou ensinar alguns métodos rudimentares de ob-
servação e apontamento em pesquisa. Todavia, aquele que
tirou as mais notáveis conclusões do
empirismo
indutivo foi,
sem dúvida, David IIUME. Foi, na certa, com HUME que
o empirismo logrou transformar-se numa nova cosmovisão.
0 século que solidificou todas as construções do racio-
nalismo experimentalista foi o.XVIII. Século de otimismo
histórico e muita fé na RAZÃO humana, nele foram esclare-
cidos os principais aidomas do científicismo:
"1. 0 homem não é naturalinente depravado.
2. A "boa" vida na Terra pode ser não só definida
rnas também alcançada.
23. Pequena Históría da Ciência, p. 78.
24. Viadimir KOURGANOFF, A Pesquisa Científica, pp. 39-40.
3. A razão é o instrumento supremo do homem.
4. 0 conhecimento libertará o homem da ignorância,
da superstição e dos males sociais.
S. 0 universo é ordenado.
6. Essa ordem do universo pode ser descoberta pelo
homem e expressa por meio de quantidade e rela-
çoes matemdticas.
7. Embora haja muitas maneiras de perceber a natu-
reza, como, por exemplo, a arte, a poesia, a música,
ete., sd a ciência pode chegar à verdade, que pemú-
tirá ao homem dominar a natureza.
8. A observação e a experimentação são os únicos
meios válidos de descobrir a ordem da natureza.
9. Os fatos observados são independentes do observa-
dor.
10. As qualidades secundárias não são suscetíveis de
medida e, por isso, não são reais.
11. Todas as coisas da Terra são para o uso do homem.
12. A ciência é neutra, livre de valores e independente
da moralidade e da étie&' . 25
Estas são colocações com as quais os pensadores e cien-
tistas do século XVIII pretenderam fazer deste o século da
iluminação clos espíritos e do aplainamento dos caniinhos
da humanidade. Contudo, somemos ao que já foi exposto o
comentário inegaveImente categorizado d' e Mlton JAPIASSU:
"0 cientificismo não é produto de nosso século. Tem suas
raízes no século XVIII, muito embora só tenha se afirmado,
como atitude intelectual, no decorrer do séciúo XIX. 0 'fun-
do de saber' ou o 'solo epistemológico' do qual emergiu, foi
esse clima espiritual criado pelo advento da 'era da positi-
vidade', em substituição, por oposição, à 'era da represenia-
ção' 11. 26
A figura mais basilar do século XVIII foi, sem dúvida,
Sir Isaac NEWTON, uma'inteligência raramente ultrapas-
sada. Suas realizações na física e na matemática foram tan-
tas e tão irnportantes que podemos dizer: o significado de
NE=N para a ciência modema é equiparado ao signifi-
cado de EINSTEIN,para a ciência contemporânea.
25. Eugene SCHWARTZ, A Inflação da Técnica, p. 24.
26. 0 Míto da Neutralidade Clentíflea, p. 75.
— 40 — 1 — 41 --:-
No século XIX, foi de =a vez enfatizada a atitude
cientificista, sobretudo sob a influéncia do pensador positi-
vista Augusto COMTE e do materialista Karl MARX. Com
linhas de pensamento bem diversas, foram ambos grandes
entusiastas das possibilidades científicas. Assinale-se, porém,
que desde o século das luzes, começaram a surgir, na Europa,
as ACADEMIAS CIENTIFICAS, que tiveram iinportante pa-
pel na marcha do saber ocidental. 1.0) Reuniram notáveis
pesquisadores, possibilitando algum intercãmbio de conheci-
mento; 29) auxiliaram a sistematizar e compilar o conheci-
mento alcançado até então; 3. 0 ) deram caráter institucional
à ciência. Paradoxalmente, estava também instalada a curio-
sa ilusão de que a ciência pudesse vir a responder a todas
as inquietações do ser humano.
d) Iclade Contemporânea
"Mas, à força de brincar com papagaios, de dissecar ca-
dáveres, sem outro motivo, quiçá, que uma curiosidade aven-
turosa mais ou menos gratuita, os cientistas acabaram acer-
tandà um método de pesquisa: observação paciente e me-
ticulosa, controle e reverificação repetidos, livre discussão,
experimentação engenhosa... E este método se mostrou
de prodigiosa fecundidade". 17 No nosso tempo, o conheci-
mento `'da natureza (ciência) e o domínio das forças naturais
(técnicas) deram-se as mãos de tal forma que já se torna
= tanto difícil distingui-los. Também de forma paradoxal-
mente boa e má, pois que ambos são, no entender dos ana-
listas contemporâneos, a glória do século é a raiz de toda
a sua miséria. A metodologia científica dos dias atuais não
acrescentou muita coisa ao que já fora estabelecido, com
muita propriedade, por GALILEU. Ocorre, entretanto, que
a física (amparada pela matemática) desenvolveu sofistica-
díssimos instrumentos para a pesquisa, fato que nos possibí-
lita ver agora grandes resultados cientffleo-tecnológicos.
Contudo, um fator extraordinário foi acrescentado à me-
todologia: a HELTRISTICA, que se resume, a grosso modo, na
invenção dos métodos de inventar.
27. V. KOURGANOFF, A Pesquisa Cientffjca, p. 41.
Nesta Idade Contemporânea, após duas Guerras Mun-
diais e inúmeros conflitos armados de menores proporções,
o homem perdeu a inocència que trouxe do século XIX. 0
que impressiona, porém, é que ele não perdeu esta inocência
para voltar à candura, mas para, freqüentemente, render-se
a uma malícia perigosa. Referirno-nos ao cientificismo atual.
Escreve JAPIASSU: "Ora, tudo indica que, para além desse
período de abalo e de transição" (refere-se ao século XIX),
"estamos assistindo hoje à emergência e ao 'terrorismo' inte-
lectual daquilo que podemos chamar de 'o cientificismo',
muito mais poderoso, autoritário e, por vezes 'dogmático',
do que o primeiro". 28 Uma vez subvertidas por interesses
político-econômicos, a ciência e a técnica muitas vezes deixam
de cumprir sua verdadeira tarefa, qual seja, a de servir à
sociedade humana. Por isto é que, este nosso tempo de notá-
veis avanços científico-tecnológicos, é também o tempo de
uma grande angústia: nossa espécie se vê ameaçada até meá-
mo de extinção.
Esta nossa incursão pela História da Ciência teve por
objetivo mostrar que a caminhada foi mais acidentada do
que pode parecer, mais uma vez tentando eliminar as con-
cepçoes mágicas que tantos alimentam a respeito do labor
científico.
NA=EZA E OBJETIVOS DA CIÊNCIA
a) Natureza
0 cientista OPPENHEIMER, ao refletir sobre a ciência,
faz dela uma curiosa imagem. Para ele, a constrijção cientf-
fica pode ser imaginada como um grande prédio erguido
quase sem planejamento, onde se pode encontrar todos os
encantos do acaso. Como se fora um castelo, ao qual são
acrescentados sempre novos cômodos, =a edificação cada
vez maior e mais ímportante, mas... onde reside pouca
gente. Uma grande construção sempre inacabada onde não
encontramos mais do que um décimo por cento da popula-
ção do mundo. Assim, ao mesmo tempo em que OPPENHEI-
28. 0 Míta de Neutralidade Clentfflca, p. 75.
— 42 — 1 — 43 —
MER mostra ser, a ciência, ilrn majestosa e apostolar ativi-
dade construtiva, indica seu caráter de provisoriedade e —
o que parece estranho — caráter de casualidade: o edifício
cresce ao acaso, sem planejamento possível. Aí está, não a
visão de um leigo, não o sonho de um poeta iinaginoso, mas,
o parecer de um doa grandes cientistas deste século.
Busquemos, todavia, passar da imagem global a uma
consideração mais específica da natureza da ciência. Qual a
Natureza da ciência? 29
Há, na língua grega, uma palavra que apresenta muitos
significados — trata-se do vocábiúo "LOGOS". Dentre os
vários sentidos de "LOGOS", encontramos os seguintes: "ra-
zão" e %nteligibilidade" e, até, como querem alguns estudio-
sos, "razão de inteligibilidade".
A primeira marca da natureza cientffica é sua paixão
peIa contemplação do "LOGOS". Aqui estamos apenas pro-
curando dizer que, a ciência, antes de tudo mais, procura o
logos universal — ou seja — a razão de inteligibilidade dos
fatos e dados do mundo. Não é por outro motivo que FER-
RARI aponta a "dimensão compreensiva,, do saber científi-
co. 30 Ora, o ser h=ano, como ser pensante, sempre teve
ner-essidade de compreender o seu mundo. 0 início disto é
o chamado senso comum. Sua continuação é a ciência. Dura
é a niissão da ciência, que se propõe conhecer as leis que
regem os fenômenos neste mundo de indeterminações, con-
forme o concebeu o físico HEISENBERG. Mas os cientistas
não abrem mão da busca do seu especial conheciinento, para
tanto empenhando toda a sua criatividade e a sua metodologia.
Isto nos apresenta a segunda marca da natureza cientí-
fica: sua "dimensão operacional". 31 Segundo A. Trujillo
PERRARI, os dois aspectos fundamentais da natureza cienti-
fica são: o lógico (a busca do LOGOS: inteligibilidade) e o
metodológico (que estabelece, ou pretende estabelecer, as
condições de operacionalidade). 32
29. Há hoje teóricos que não aceitam a expressão "natureza da
ciência". No entanto ErnestNAGEL, um dos mais importantes f'iiósofos da
ciência, não só aceita a expressão como a usa como título de um dos
seus escritos (Ver S. MORGENBESSER, Filosofia da Cíêncfa, pp. 13 a 24).
30. A. Trujillo FERRARI, Metodologia da Ciêncla, p. 8.
31. lbldem, p. 8.
32. lbidem, pp. 8-9.
Claro está que aqui estamos apresentando uma teorlza-
ção sobre a ciência: uma teorização de como se concebe e
aceita que ela seja. Por isto, se há os que a prostituem, os
que a aviltam, pondo-a a serviço de interesses Indignos, em
muitos casos esta caracterização apresentada faz-se inteira-
mente falha. Não é objetivo deste livro debater os proble-
mas éticos dos cientistas e das instituições. científicas.
b) Objetivos
Quando falamos de VMA, estamos necessariamente fa-
lando de intercâxnbio entre o organismo vivo e o ambiente.
No caso do homem, mais especialmente, VIDA é úma troca
constante entre INDIVfDUO — MIEIO HUMANO — MEIO
FISICO. Por esta razão é que a ciência deve objetivar com-
preender a natureza a fim de que possa controld-1a. Sé o ser
humano consegue, gradualmente~, compreender mais e mais
o ambiente (meio humano e meio ffsico), swgem as segum-
tes vantagens:
1 ) o fator "perigo" pode desaparecer, ou pelo mejios
ser atenuado, em suas trocas ambientais;
2) ele pode influir sobre o ambiente de maneira a tor-
ná-lo mais propício à sua sobrevivência;
3) a inter-relação homem-ambien
'
te ganha a necessãria
conscientização para que seja menos tensa, e, con-
seqüentemente, mais tranqüila.
Dessa forma, cremos que seja posível concentrar os ob-
jetivos da ciência nas palavras: compreender e controlar.
E assirn, acrescentaríamos apenas as seguintes considerações:
A medicla em que a ciência é COMPREENSÃO, derivam
daí algumas finalídades assiin especificáveis: :eliminação de
superstições e práticas mágicas, diniinuição de temotes vividos
pelo ser li=ano por ignorar a real face da natureza, desejo
de conhecer cada vez mais o ambiente — o que só podá
significar enriqueciinento das personalidades e do meio social.
Estas coisas todas dizem respeito ao "proveito espiritual do
homem".33
33. Viadimir KOURGMOFF, A Pesqulsa Clentíflca, p. 45.
—44 —45 —
A medida em que a ciência visa CONTROLE, dai tam-
bém derivam finalidades tais como: aperfeiçoamento de mé-
todos para controlar a saúde fisica; pesquisas geo-elimáticas
para proteção do trabalho (marítimo, Iavoureiro etc.); aper-
feiçoamento científico para controle demográfico (colocan-
do-se aí não só o problema da fome, como a angústia do
espaço vital invadido). Estas são, é claro, apenas algumas
finalidades de controle da ciência, sendo que todas dizem
respeito ao "proveito material do homexii". 34
É necessário, todavia, esclarecer que a chamada ciência,,,,
fundamental, voltada para a compreensão e explicação do
real, não pode hoje ser dissociada da ciência aplicada, que visa
a ação de controle sobre o real. Enquanto que a ciência
fundamental poderia ser interpretada como uma filosofia
da natureza, a ciência aplicada consiste em, por assim dizer,
=a forma racional da técnica. Repetiinos: tais atividades
são siinultaneamente complementares, guardando tal inter-
dependência que, nos dias atuais, só se faz delas distinções
teóricas.
Tais são as chamadas funções manifestas do trabalho
científico, isto é, aquelas funções pré-colocadas e explicita-
das, das quais se pode ter perfeita consciência. Contudo,
sabe-se que nos empreendimentos humanos existem sempre
certas funções latentes, funções não explicitadas anterior-
mente e das quais não se tem consciência, como que subpro-
dutos que surgem e surpreendem. A ciência, neste parti-
cular, não se faz em exceção. Dela também têm surgido
muitos resultados lamentáveis que agridem a paz e o bem-
-estar do ser humano. Em urn sentido mais -erftico, veremos
algo a esse respeito no 3.o Capitulo deste livro.
CIÊNCIA: UNA OU DIVISIVEL?
: Há esta questão a ser considerada: temos exclusivamen-
te a ciência (coisa única e una) ou temos ciências (um campo
divisível e, de fato, dividido)?
De forma aparentemente paradoxal, diríamos que a ati-
vidade científica é, ao mesmo tempo, UNA E DIVISIVEL.
Para entenderinos a ciência como =a atividade compacta
e uniforme (como UNA, portanto) devemos analisá-la a par-
tir de sua finalidade global. Ora, se a finalidade do trabalho
cientifico é tornar a realidade inteligível para,, daí, controlá-la,
não importa a área que quiserinos examinar: todas, pressu-
postamente, buscam a inteligibilidade do mundo. 0 físico
busca entender as forças e energias universais, o biólogo
procura compreendér os organismos e suas leiá, o sociõlogo
persegue a compreensão do inter-relacionamento nos grupos
h=anos, o matemático almeja entender as estruturas for-
mais que devem estar na base da realidade. E assim por
diante, todos estarão fazendo a mesma coisa: buscando fazer
inteligível a realidade para, daí, controlá-la em favor do pró-
prio homem.
Já para entendermos a ciência como dividida em depar-
tamentos claramente diferentes, temos que nos situar em
outro ponto de vista: considerá-la a partir do objeto especí-
fico (ou simplesmente "assunto") das diversas áreas, bem
como das técnicas específicas das áreas referidas. Da seguin-
te maneira: é claro que o objeto específico da fisica é intei-
ramente distinto do objeto especifico da biologia. Uma se
interessa por fenõmenos e temas que não são os temas e
fenômenos que prendem o interesse da outra. Essencial-
mente, em que poderia interessar à fisica o estudo dos cro-
mossomos? ou qual seria o significado da descoberta das
leis da alavanca para a compreensãó da formação de cloro-
fila (assunto da biologia)? Os múltiplos objetos dos depar-
tamentos da ciência diferem, portanto, especificamente —
apontando para a divisibflidade.
Acresce ainda que a técnica empregada para as pesquisas
biológicas, é diversa da técnica usada nas investigações so-
ciológicas, físicas ou matemáticas. Exatamente este serã o
segundo sinal que nos confirma a possibilidade de dividir-
mos o saber científico. Assim que, do ponto de vista do
objeto específico e da técnica empregada teremos ciências
(no plural).
Valha o seguinte gráfico como esclarecimento:
34. fbidem, p. 45.
— 46 — 1 — 47 —
u
N
A
v
i
s
1
v
E
L
/ 1 1 
rFISICA [BIOLOGIA ISOCIOLOGIA IQUI etc.
INTELIGIBILIDADE
E Finalidade
CONTROLE DO MUNDO
Em resumo: a) partindo: do objeto específico e da téc-
nica específica, a ciência é
divisível;
b) partindo: da finalidade, a ciência é una.
CIÉNCIA E TÉCNICA
Numa prilneira afirmação diriamos que o desenvolvi-
mento da técriica e da ciência resultaram do medo. Imagi-
nemos o homem das eras primitivas vivendo sempre amea-
çado pelas forças brutais da natureza, sem edificações para
se proteger, distanciado por milhares de anos dos pára-raios,
destituido de recursos de vestuário que o abrigassem mais
completamente. Imaginemo-lo aterrado ante os formidáveis
aniinais que passeavam sua ferocidade pela superficie da
Terra. Este terror e esta impoténcia certamente terão levado
os primitivos a intuirem algo fundamental: ou eles adqui~
riam PODER ou seriam esmagados pelo PODER das forças
naturais.
Por certo começou nestas eras remotas a luta do homem
para aumentar seu PODER. Ao lonáo do tempo, rituais má-.
gicos e religiosos, usados na tentativa de acalmar e contro-
lar a natureza, foram sendo substituídos por habilidades e
conhecimentos. Deve ser este o princípio da história da
ciência e da técnica. Cuàoso é hoje notarmos que a luta por
poder culrninou, em nosso século, com =a grande ironia.
0 ser h=ano, que tanto precisou de poder sobre a natureza,
chegou a tal ponto que seu maior problema agora é: não ter
PODER sobre seu próprio PODER. Noutros te=os, o ho-
mem perdeu o contróle sobre suas possibilidades.
Dizíamos que ciência e técnica nasceram do sentimento
do medo e do desejo de poder.
Atualmente não é nada clara a fronteira entre o que
seja o trabalho cientffico e o trabalho técnico. 35 ROQUEPLO,
em suas "oito teses sobre o significado da ciênc!&', escreve
algumas considerações de ordem filosófica sobre ciência e
técriica. Ali encontramos o seguinte pronunciamento: "Em-
bora se possam distinguir atividades mais cientfficas do que
técnicas e outras mais técnir-as do que cientfficw, a clistinção,
ciência-técnica, tal como é usualmente uti~a pelos cíen-
tistas, é uma distinção idealista. Fund
'
a-se numa abstração:
desenraíza o discurso científico relativamente à sua verifica-
ção prática que implica a técriica; considera a ciência como
uma espécie de em si, fazendo abstração do seu exercício
concreto nos laboratórios e nas fábricas. 36
Como podemos apreciar nos melhores autores, de tal
natureza é o intercâmbio entre os dois fatores em análise,
que é muito difícil, no mundo como está estruturado agora,
distingLii-los.
I-Iá, todavia, =a distinção teõrica e tradicional que há
muitos séculos se faz. Gostaríamos de apresentá-la, pois, ela
possibilita pelo menos algLima orientação didática de expli-
caçao.
35.Jacques ELLUL, A Técnlca a o Desaflo do Século,`pp.
36. Ph. ROQUEPLO, In J. D. DEUS (orgâ, A Crítica de Ciêncla,
pp. 146-147.
— 48 49 —
A palavra latina SCIENTIA provém de SCIRE, ou seja,
aprender ou alcançar conhecimento. É claro que a origem
é muito genérica e que o vocábulo "ciência" tal como o usa-
mos,hoje aponta para um tipo de conhecimento mais espe-
cial e apurado. Qualquer conheciinento não é ciência. Entre-
tanto, como vimos nos objetivos da ciência, esta continua
sendo caracterizada antes de tudo como compreensão, e
depois como tentativa de controle.
Já a palavra TÉCNICA tem origem grega (téchné) e,
desde o principio, significou arte — em sentido de habilidade,
ou ofício. Veja-se porém que TÉCHNÉ não era =a habilida-
de qualquer senão aquela que seguisse certas regras, 37 Nurna
linguagem mais em voga hoje, diríamos que a técnica nos
dá o como (ou, o know-how) enquanto que a ciência procura
nos oferecer o porquê. Assim, a explicação tradicional acaba
por estabelecer oposição entre dois fatores: habilidade e co-
nhecimento. I-Iá, mesmo, autores que chegam a fazer um
esquema semelhante ao seguinte:
— CIÊNCIA: conhecimento: PODER SUBJETIVO (saber).
— TÉCNICA: habilidade: PODER OBJETIVO (fazer).
Na realidade, nem a ciência é puramente subjetiva, nem
a técnica é puramente objetiva. Seria interessante riscarmos
de vez dois conceitos quiinéricos: ciência pura e técnica
necessariamente inconsciente. Nos dias atuais, ciência e téc-
nica são atividades absolutamente interdependentes e, até
certo ponto, fundidas. Dizemos até certo ponto, porque há
o seguinte, que ROQUEPLO nos faz lembÉar: "Embora não
haja prática científica separada totalmente dum contexto
técnico, há técnicos isolados totalmente duma prática cien-
tífica: virados para a pura operacionalidade sem que esta
fundaxnente qualquer espécie de saber". 38
0 filósofo ORTEGA Y GASSET, tomando um ponto de
vista histórico, assim classificou a técnica:
(níveis da vivência técnica)
37. José Ferrater MORA, Diccionario de Filosofia (verbete: técnlca),
vol. 11.
38. In J. D. de DEUS (org.), A Critica da Ciéncia, p. 147.
— Técnica do azar, (adquirida ao acaso) — própria dos
tempos primitivos da h=anidade. Assim, por exemplo:
quando nosso antepassado pré-hístórico viu o fogo saltar do
atrito de pedras ou outros elementos, adquiriu a técnica de
acender fogueiras por um acaso.
— Técnica do artesão, já mais consciente, apurada e (de
certa forma) especializada. Característica da Antigüidade e
da Idade Média.
— Técnica do técnico, própria das Idades Moderna e
Contemporânea que, com a importãneia cada vez mais acen-
tuada da máquina, tomou-se sofistir-ada e ganhou um "STA-
TUS" especial.
1
Desta fonna, o técnico de hoje distingue-se: do-não-técni-
co: clo artesão, cuja produção tem certa marca de primarie-
dade; do obreiro ou operário, que é úm manipulador incons-
ciente. 39
Houve tempo em que se ensinava que a ciência é o
conhecimento e, a técnica, a aplicação desse conheciinento.
Atualmente tal afirmação traz os problemas aos quais já
aludirnos e, portanto, é deixada de lado.
Ao finalizarmos este capítulo, gostaríamos de responder
a uma pergunta que pode ter surgido na mente do leitor:
como este autor pode harmonizar sua admiração pelo traba-
lho cientffico com as críticas que fá, à ciência, em diversos
momentos do texto?
A marcha da ciência é =a manifestação dialética. De
modo que nela estão presentes as contradições necessãrias
ao cumprimento de um fato. Há hoje muitas mentes român-
ticas realizando agressões gratuitas ao edifício científico, por
manterem uma vísão unilateral do fenômeno. De nossa parte,
entendemos que a realização da ciência foi, é e continuarã
sendo boa e má simultaneamente. Afinal, é assiin que o
cientista René DUBOS conduz seu livro intitulado 0 Desper-
tar da Razão. Nesta obra, seu autor demonstra o quanto
a ciência nos tornou destrutivos, porque nos fez poderosos.
0 quanto a atividade científíca tem carenciado de maior sen-
39. José Ferrater MORA, Diccionárlo de Fllosofía, (verbete: técnica)
vol. U.
so 51
so de responsabilidade .por parte dos próprios cientistas.
Escreve DUBOS: "Os cientistas modernos falam muito dos
dentes parafora nas sua§ responsabilidades sociais, mas na
prática procedem confo -se fossem,cativos de um estabeleci-
mento que às vezes parece associal e até anti-social". 40 Mas
este especialista em biomedicina ambiental, num posiciona-
mento bastante consciente, também faz as seguintes consi-
derações: "Embora nos tenhamos tornado mais ou menos
indiferentes em relação às maravilhas de nossa época, a gran-
deza delas pode ser apreendida se tentarmos iinaginar o que
seria a nossa existência sem elas. A medicina está bem perto'
de resolver muitos problemas de doença que faziam a vida
h=ana precária até mesmo no século XIX. A ciêxicia nutri-
cional já determinou as necessidades alimentares essenciais
do homem e a tecnologia permitiu atender a essas exigências
em todas as estações e em qualquer clima. Quase todos no
mundo ocidental podem aquecer-se no invemo e, em segui-
da, refrigerar as suas casas durante o verão. As barreiras
da distãneia são um problema menor de dia para dia e nem
a falta de tempo nem de força limitam mais a nossa capaci-
dade de deslocamento para qualquer parte do globo. Da
penicilina ao controle da personalidade, das fibras sintéticas
à exploração espacial, o século = vem sendo marcado por
tão assombrosas realizações que os milagres das idades len-
dárias perdem a importância diante delas. 41
Com estas considerações, recoIocamos uma das senten-
ças iniciais deste capítulo: como toda obra humana, a ciência
se mostra como uma sfntese de opostos. Nela estão nossas
glórias, como também nossas misérias. -
Walter Telxelra LirnB Júr'10r
Ana110& de ComunIcaÇRO SOCIal
.
Wo Mere. 3203572
CAPITULO II
"RECURSOS METODOLóGICOS BASICOS
DA CIÊNCIA"
Este capítulo pretende apresentar os principios do de-
dutivismo e do indutivismo, detendo-se bem mais no segun-
do, em razão de que ele significa o próprio núcleo de reali-
zação do experimentalismo científico. Como, no 39 Capítulo
deste livro, precisaremos levantar algumas considerações
críticas a respeito de pressupostos um tanto dogmáticos do
pensamento científico, procuraremos -expor os recursos me
todológicos básicos da ciência tal como foram concebidos e
desenvolvidos tradicionalmente. Pretendemos, nas próximas
Iinhas, restringir-nos ao que se poderia cha=r uma visão
positiva da ciênda. E assim será feito porque não nos inte-
ressa meramente substituir =a linba de pensamento tradi-
cional por outra; afinal, este é um texto que também preten-
de ser informativo, e, por ísto, o confronto pode ser mais
útil do que a substituição.
DUAS ATITUDES PERANTE A REALIDADE
Nosso saber cientifico Ée fundamenta, antes de tudo o
mais, em dois recursos: dedução e indução. Ambós são
modos de refletir. Porém, dedução e indução não significam
simples modalidades de raciocínio — representam, na Histd-
— 53 —
40. p. 147.
41. René DUBOS, 0 Despertar da Razâo, pp. 26-27.
- 52 —

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  • 1. a) Idade Antiga 1 É nosso intento focalizar aqui a Civilização Helênica, o Período Helenistico e a Civilização Romana. ções intelectuais, de um Iado, das matemáticas, do outro, das disciplinas de investigação do dado natural e empírico, fazen- do ou ' não uso das matemáticas, nias tendendo mais ou menos ã matematização"." BREVE ABORDAGEM HISTõRICA DA EVOLUÇÃO DA CIÊNCIA 0 comentário da evolução da Ciência Ocidental de um porito de vista histórico, ainda que suscinto, será de grande valia. Para efeitos mais práticos de exposição, utilizaremos a tradicional periodização da Ilistória: a) Idade Antiga (Antigilidade Clássica); b) Idade Média; c) Idade Modema; d) Idade Contemporânea. Desde a Idade Antiga esteve presente a preocupação cien- tífica. Contudo, notaremos que s6 o surgimento da ciência experimental moderna produziu as mais rápidas e profun- das mudanças socíais que a História registra. Tanto que, enquanto a duração aproximada da Idade Antiga foi de 1.200 a 1.300 anos, da Idade Média de cerca de 1.000 anos, a Idade Moderna (com a qual principia o experimentalismo científi- co) durou apenas 400 anos aproximadamente, completando- -se o quadro com a Idade Contemporânea em transcurso e com menos de 80 anos. E é bom lembrar que alguns estu- diosos iniciain já a ver nitido o declínio das características com que começou esta última Idade. Para que possamos conduzir com mais clareza coloca- ções Ilistóricas, lançaremos mão da clássica divisão das ciên- cias feita por CARNAP: Ciências formais (representadas pelas matemáticas e pela lógica) que desenvolvem raciona- lizações puras, à busca de soluções lógico-forniais paxa os seus problemas; Ciências fatuais (representadas pelas ciên- cias físicas e naturais, como pelas expressões principais da investigação humana) que executam também racionalizações, mas sobre dados colhidos por observação e experimentação. 11. Hilton JAPIASSU, Introdução ao Pensamento Epístemolõglco, p. 15. A Civilização Helênica mostrou sempre grande preo- cupação de conhecer a natureza. Contudo, a mentalidade grega não propíciava o surgimento da verificação indutiva ou experimentação, pois os helenos amavam mais o cultivo das idéias do que o trabalho manual com coisas e fatos. Vale dizer que sua mentalidade era predominantemente deduti- vista. Não achavam nada nobre lidar com "jogos inúteis", com coisas banais, e preferiani a nobreza das atividades da razão (a racionalização). Assiin, as ciências formais foram muito cultivadas e desenvolvidas pelos gregos; enquanto as ciêndas fatuais tiveram pouquíssimo desenvolvimento. Ludovico GEYMONAT situa estas r-aracteristicas, toman- do como base mais a análise das estruturas de linguagem. Escreve: "0 fato é queenquanto para as noções matemáti- cas os gregos conseguiram formar — como já viinos — uma linguagem técnica especial, que permite o desenvolvimento de longas cadeias de argumentações, reguladas por leis lógi- cas claramente estabelecidas, e em tal linguagem foi possivel formifiar com exatidão conceitos por, vezes elevadíssimos, axiomas, teoremas, problenlas, discutindo as condições de validade para uns, as condições de resolgbilidade para ou- tros, nada de semelhante se verifica no que respeita às no- ções de física, estas ficaram como afgumentos de debate interessante para a filosofia da natureza mas não se eleva- ram nunca a um autêntico nível científico". 12 Estas consi- derações, todavia, reúnem-se às que fazíamos anteriormente quando G=ONAT elucida que foi o desprezo dos helenos pelas atividades práticas manuais que lhes iinpossibilitou descobrirem o "método das deffionstrações experimentais% bloqueando-lhes, quase, o caminho para .maiores ê~dtos nas ciências naturais. 13 Alguns autores atuais, radicalizaram-se em tomo do pon- to de vista segundo o qual a aritmética, aálgebra, bem como 12. 0 Pensamento ClentIfIcO, PP. 5r~56. 13. íbídem, p. 68. — 30 — 1 — 31 —
  • 2. a geometria não são cièncias, por fugirem exatamente às verificações empiricas. Particularmente, não compartilhamos deste ponto de vista. Se dele compartfihássemos, então pre- cisariamos declarar que os gregos nada, ou quase nada, reali- zaram em campo científico. É de todo interessante analisarinos a evolução da ciên- cia helênica focalizando intencionalmente: a astrononiia e a medicina. Em ambas, os interesses e as motivações emer- gem de afJições miúto vitais ao homem. As preocupações com o nascirnento, o crescimento e a morte, voltaram-se tan- to para a astronorliia quanto para a medicina. Antes dos gregos, os astros eram já observados para que respondessem a probIemas humanos, conforme podemos ver na Mstória dos babilõiiios. E a altemância entre dias e noites, a evolu- ção das estações, as diferentes fases da lua, todas estas coisas explicavam o ritmo do tempo e, acreditavam os gregos, po- diam indicar-lhes o que era oporttmo e inoportuno fazer. Desta maneira, a tão importante noção do tempo que flui situava-se nas bases tanto da astrononiia quanto da medicina. "Era claro, com efeito, até para as mentes mais prkffitivas, que, para o objeto da medicina (ou seja, a vida do homem) o caniinhar do tempo reflett--se em algo irreversível: o en- velhecimento das pessoas e o seu caminhar progressivo para a morte. por outro lado, para o objeto da astronomia, refle- te-se eí~ mutações periódicas que se repetem com uma re- guIaridade constante". 14 Isto poderia sugerir que a relação entre essas duas noções de tempo, a sua aproximação, che- gasse a unificar os fundamentos da astronomia e da medicina. Ali estavam dil atividades bem opostw, no modo de pra- ticá-las. Para o heleno, a observação dos corpos celestes era boa e nobre, pois os astros perinaneciam à distância e não eidgiam o trabalho manual, coisa inais indicada para escra- vos. iã a atividade do médico obviamente não pode ser realizada à distância e com apenas recursos ideais. A medi- cina tem que se aproxiinar do seu objeto, o homem (são ou enfermo), e se dedicar a uma prática de observação bem próxitna e o mais possivel paciente. Assim que, as duas ciências em foco, ao contrário de se aproxiniarem fundamen- talinente, apartaram-se, pelo tipo de prática de cada qual. 14. lbidam, p. 61. — 32 — A irredutível diferença de estrutura e prática destes le- nómenos acabaria mesmo por impor-se. "A ciência do mo- vimento cielico dos astros e a ciência do decorrer irreversi- vel da vida animal deviam fatalmente assumir cada uma as suas caraicteristicas próprias". 15 Não podemos, contudo, afirmar a ínexistência de tenta- tivas experimentais entre os gregos. A este respeito, há um notável texto do médico HIPóCRATES DE CõS: "Não temos o direito de assentar a arte médica sobre uma lúpótese. É, sem dúvida, o caminho mais cômodo. Simplifica-se tudo, adniitindo uma única causa fundamental para a doença ou para a morte, a mesma para todos os casos, e representando uma tal causa com um ou dois fatores, sejam o frio e o quente, úniido e o seco ou qualquer outra coisa. Mas, pela arte, foi agora encontrado o princípio, como também o método, gra- ças ao qual foram feitas em pouco tempo admiráveis desco- bertas e também o resto se descobrirá, se o investigador avisado e que conhece o que já foi feito, daqui partir para novas pesquisw. E assim, é nosso objetivo aprofundar os conhecimentos de modo que os erros representem tão-so- mente pequenos desvios, para wn ou outro lado, no caminho certo: e ao médico que somente comete erros não graves, havemos de o louvar altamente. Mas a certeza absoluta é díficil possuf-la ... parece-me que há ainda muito ca~o a trilhar antes que alcancemos uma ciência que possa dizer, até ao mais infiino pormenor, o que é o homem e porq-ue veio ao 7nundo". 16 Foi, porém, no Período Helenístico (de difusão da elvi- Iização grega) que tendências à uma ciência de experimenta- ção mais se evidenciaram. Antes, destacaram-se em traba- lhos cientificos nomes como os de ARISTóTELES, PITAGO- RAS, ANAXIMANDRO, EM:PÉDOCLES, DEMóCRITO, ALC- MÊON, que não citamos por ordem cronológica. Todavia, os arremessos destes sábios em direção à ciência experimeXi- tal foram bloqueados, de certa forma. "0 que deteve a ciên- cia grega ihão foi principalrnente a presença de erros de teo- ria e de método, desde que o germe de muitas das teorías 1 S. lbidem, p. 62. 16. Citação ern Ludovico GEYMONAT, 0 Pensamento CIentífiCO, pp. 6"5. — 33 —
  • 3. XV atualmente vigentes aparece nas obras dos sábios gregos. Seu desenvolviinento foi impedido pelo divórcio entre a téc- nica e a teoria, entre o técnico e o pensador". 17 Em outras palavras, o que fez das iniciativas gregas uma PROTOCIÊN- CIA, foi o abismo estabelecido entre o saber e o fazer. 0 Período I-Ielenístico, ocasião de grande sofisticação in- telectual, sobretudo em Alexandria, fez alguns esforços para abolir tal afastamento. Se houvesse conseguido, o progresso da ciência experimental não seria deixado para a Idade Mo- derna. Cientistas como ARQUIMEDES e I-IERO (para só citar dois) chegaram a inventos notáveis, do ponto de vista técnico. 0 primeiro, guardando ainda uma mentalidade for- malista, construía aparelhos mais para divertir-se com a geometria e o cálculo — não tinha gosto pelos trabalhos me- cânicos. Já HERO apresentava, mais do que a mentalidade do cientista, a do engenheiro. F. ENRIQUES explica, porém, porque o experimentalismo não se solidificou no Período Helenístico: "A técnica alexandrina estava quase toda voltadã para os jogos e divertiinentos, sempre mais caros e rebus- cados, nos quais uma sociedade de ricos parasitas procurava uin lenitivo para o tédio de viver. Não há aqui traço daquela vontade de poder que encontramos até os primeiros e con- fusos pressentimentos do monge Rogério Bacon, nas geniais visões de Leonardo, nas críações revolucionárias de alglins pobres e obscuros artífices da Escócia e da Inglaterra". 18 A Civilização Romana, por seu gênio predominantemente prático e pelas suas muitas preocupações políticas e milita- res, foi medíocre na busca à ciência. Os primeiros hospitais surgiram em Roma, obras sariitárias inteligentes e canaliza- ção de água potável. Esgotos e escoadouros foram muito bem construídos pelos romanos. Tudo, porém, intuitivamen- te prático, e nenhuma atenção se deu a uma experimentação metódica. Fique assim demonstrado que, na Idade Antiga, as ciên- cias formais foram incrementadas, enquanto que quase nada ficou de notável no campo das ciências fatuais. 17. Eugeno SCHWARTZ, A [nflaÇâo da Técnlca, p. 29. 18. Citado por GEYMONAT, obra citada. b) Idade Méclia Na atitidade recente dos historiadores, tem-se procurado fazer um pouco mais de justiça à "fisionomia" histórica da Idade Média. Por longo tempo tida na conta de Idade Escura, Período das Trevas, Época Obscurantista, e outros nomes ainda menos simpáticos, emerge agora =a imagem talvez mais real o justa desta etapa da civilização ocidental. Ora, não podemos dizer que o período medieval tenha sido tão rico intelectualmente como a Antigljidade Clássica; se o to- marmos assim, comparativamente, verificaremos que foi bem mais pobre, sobretudo no que respeita ãs atividades cientí- ficas. Todavia, não encontramos, ao longo dos aproxiinada- mente 1. 000 anos da Idade Média, uma "fisionomia" histó- rica estável. Teve pontos muito altos (nas criações teológi- cas e filosóficas) e pontos muito baixos, no tocante a quase tudo o mais. Nesta fase dá História, encontramos figuras notáveis como as de S. Agostinho, Santo Tomás de Aquino, Rogério Bacon, e outros. Mas nela também divisamos la- cunas razoavelmente grandes na produção do saber. Princi- palinente é licito afirmarmos que o periodo em foco ofere- ceu menores possibilidades ainda ao surgimento da ciência, com o sentido experimental que a esta damos hoje. Mas as explicações de fato, para a Idade Média, não são as mesmas que procuramos esclarecer, para a Idade Antiga. A época medíeval é tida como TEOCANTRICA. Vale dizer: um predomínio extremamente acentuado de preocupa- ções religiosas. 0 homem medieval estava empenhado, so- bretudo, na salvação de sua alma, na chamada VIDA DE DEPOIS DA MORTE. Para ele, a realidade dada, fora esta- belecida por Deus e era inteiramente sagrada. Logo, rião competia ao homem pecador interferir na natureza — este devia tão somente contemplar a sábia.harmortia que o Todo- Poderoso colocara no Universo. Talvez que, ao contemplar- mos hoje a devastação do ambiente natural operada pela ciência e pela téciúca (que afinal se uniram), vejamos certa sabedoria quase instintiva na atitude rnística medieval. Ê possível que nós, homens do século XX, possamos ser menos rigorosos no julgamento dos medievais do que foram os mo- dernos, principalmente os do "Século das Luzes% o vaidoso século XVIII. Entretanto será irnpossível fugir à reaUdade — 34 — 1 ~ — 35 —
  • 4. de muitos aspectos obscurantistas da Idade Média. Nesta Idade, o homem comum estava condicionado a, inclusive, negar-se a aprender ler, pois ler era considerado luxo e o luxo é pecado. As formas do corpo eram neuroticamente ocWtadas com roupas grosseiras para que, não havendo exi- bição de beleza, os sentidos não fossem levados a afastar as almas da contemplação de Deus. 0 homem negava a si mes- mo. Isto nem sempre em nome do amor divino, mas prin- cipalmentia em nome de um medo de Deus (um Deus que não era Amor, mas só Lei e Justiça). Vê-se que não foi unia boa época para a ciência. As`~" Universidades — curiosamente criadas na Idade Média — cultivavam o ensino clássico, súditas, ainda, do imperialismo intelectual do Mundo Antigo. Vamos encontrar, por este tempo, um sério fenômeno socW conhecido como "0 AUTO- RITARISMO". A atitude ideal era a de respeito cego ao que afirmavam as '1autoridades~' antigas, sendo que inclusive os textos bíbli- cos foram transforniados em fonte de autoridade científica. Quando certo jovem, na Universidade de Mlão, descobriu manchas solares com auxílio de = aparelho precursor do telescópio, levou sua novidade para o professor de Astrono- núa. Excitado e feliz, contou ao mestre sobre sua desco- berta. 0 mestre pediu-lhe um prazo para meditar a respeito do que o aluno lhe dizia. Vencido o prazo, disse ao jovem: "Tenho lido todos os textos de Aristóteles, assiin como as páginas da Bíblia, e posso assegurar-lhe que ali não há qual- quer indicação de nianchas solares. Então,caro jovem, pro- 'cure ura médico que essas manchas devem estar é nos seus olhos". Tudo isto punha a Idade Média indisposta para explo- rações científicas. Como inovar? As novas conquistas cien- tíficas estariam sempre no segLiinte impasse: ou constariam já dos textos bíblicos, gregos ete. — e assiin não seriam inovações, é claro, ou o pesquisador'era condenado à foguei- ra como bruxo, caso se tratasse de, real novidade. De nada valeram as avançadas mentes do tempo, cheias de lnconfor- mação como as de ADELARDO DE BATH, FREDERICO II e a do ~íonge precursor do experimentalismo Rogério BACON. Estes, não somente condenaram a confiança nas "autorida- des", mas também, correndo perigo contra tóda a repressão, dedicaram longa fase de suas vidas à investigação direta da natureza. Por este tempo, os alquimistas desenvolviam =a ativi- dade protocientifica, até hoje envolta em mistérios. Aqui é importante fazer-se menção ao filósofo e teólogo PICO DELLA MIRANDOLA, que chegou a abraçar a mística cabalística 19 e por alguns foi tido comç) alquimista. Tal já se deu nos prenúncios do Renascimerito, mais exatamente, no século XV. 0 destino de muitos dos alquimistas foi também a fogueira. Como disse o sociólogo Max =ER, na Idade Média a natureza estava como que "encantada", portanto era sagrada e não cabia aos homens interferirem em suas harmonias. Logo, na Idade em apreço, não vemos significativos passos dados pela experimentação. c) Idade Moderna Evidentemente não há =a data certa em que termiiie =a Idade e se inicie a próxiina. Digamos, porém, que aque- las coisas que marcaram o princípio da Idade Modema fo- ram: o surto h=anista do Renascimento, que vinha repo- sicionar o homem como centro do significado lústórico; os grandes descobriinentos marítiinos e, sobretudo, o exato advento do experimentalismo científico, fruto de um racio- nalismo segundo o qual o homem, como senhor do mundo, podía transfonná-lo, manipulando-b à vontade. 0 homem volta a acreditar em si mesmo e redescobre as surpresas que a bela natureza poderia oferecer-lhe. Ainda na expressão de Max WEBER, a natureza fora "desencantada" com a nova atitude mental e os novos valores modernos. Agora, o ser humano deveria penetrar o íntiino do mundo natural e des- velar-lhe os "mistérios". Não mais o mundo lhe parece sa- grado e intocável, mas sim uma quantidade de matéria neu- tra a ser ei, ,plorada e manipulada. Antes, — mais precisamente em 1450 — Johann GUTEN- BERG tomara uma antiqüíssima invenção dos chineses* (a IMPRENSA) e a aperfeiçoara maravilhosamente. GUTEN- 19. José Ferrater MORA, Diccionérfo de Fllosofla, vol. li, p. 417. 37 36
  • 5. BERG inventou os tipos móveis para composição gráfica, injetando o novo sangue do progresso intelectual pelas prin- cipais artérias da Europa. Tal invenção aperfeiçoada viria, rnais tarde, unir-se ao pensamento experimental científico para caracterizar bem a fase dos tempos modernos. Sem dúvida, podemos citar GALIÈEU GALILEI (1564 * 1642) como o real iniciador da mentalidade científica sem * qual o mundo não se tornaria MODERNO. 0 filósofo William KILPATRICK situa muito bem o momento em que surgiu o experimentalismo. Ele escreve que em 1590 o rebel- de físico GALILEU, muito preocupado em instituir um pen- samento baseado na experimentação, resolveu pôr à prova aIguns ensinamentos de ARISTõTELES. "ARISTõTELES havia ensinado que, se abandonassem, ao mesmo tempo, de certa altura, =a bola de cinco libras e outra de uma libra, a primeira, cinco vezes mais pesada, cairia cinco vezes mais depressa. Isso parecia tão natural, tão claro, tão cheio de bom senso, que durante niil e novecentos anos ninguém pôs em dúvida a questão, nem mesmo tentou prová-la". 20 Ocorre que GALIIEU, na força de sua personalidade contes- tadora e sobretudo amante da comprovaçãç) dos fatos, racio- cinava que um pensamento pode ser perfeitamente lógico e enquadrado no bom senso, sem que necessariamente seja verdadeiro. Mas sigamos o relato de KILPATRICK: "Relem- bremos o episódio. A autoridade de ARISTõTELES tinha sidõ posta em dúvida. Discutia-se o assunto. GALILEU con- vidara a Universidade de Pisa para assistir à experiência. A torre de Pisa serviria, dessa vez, como parte de um grande laboratório ou sala de demonstrações, para que todos pudes- sem ver. As bolas foram pesadas, dispostas conveniente- mente e abandonadas no espaço, ao mesmo tempo: ao con- trário da teoria de ARISTõTELES, caíram juntas". 21 Este, podemos dizer, é o momento-símbolo do nascimen- to oficial do experimentalismo cíentífico. Foi a novidade de substituir as longas argumentações lógicas da dialética for- mal pela observação dos fatos em si mesmos que fincou o principal marco da mentalidade moderna. WHITEHEAD, contudo, comentou muito bem o descaso dos homens do tempo peIo feito de GALILEU: "desde o nascimento de Cris- to, jamais tão grande coisa produziu tão pequeno ruído". 12 Antes de PLATÁO, o pensamento já era considerado mtúto superior à sensação, e a niente humana estava qualifi- cada muito acima da matéria. Muito mais tarde ' no período medieval, tais conceitos se solidificaram, quando os doutores da Igreja ensinaram a extrema superioridade do espírito (que tende para a perfeição) e a inferioridade da came (que tende para a danação). GALILEU propunha que valorizás- semos os sentidos, utilizãssemos nossos recursos fisicos como meios autênticos de veiculação do conhecimento; por isto, foi enorme a inversão que ele praticou, indo ultrapassar os limites da ciência e transformando-se em uma nova atitude perante a realidade. Nesta revolução galileica, a ciência e a técnica conse- guiram unir-se. Isto foi decisivo para o início da ciência aplicada, da maneira como nós a entendemos atualmente. Ao que nos parece — e isto é curioso — tal renovação de espirito teve seus momentos de pioneirismo na astrono- mia. Inspirado na leituira de ARISTARCO DE SAMOS (século III a.C.), COPÉRNICO fizera algumas observações e concluíra pela posição do Sol no centro do sistema plane- tário (heliocentrismo). Afinal, a visão copemiciana ainda tinha muito de medieval, apesar de tudo. Isto dizemos por- que um dos pontos de vista de COPÉRkICO era o de que o Sol simbolizava a "Luz de Deus" (presença divína no Univer- so) e não tinha cabimento que nós (terrestres) ficássemos no centro do Universo para que a "Luz de Deus" girasse à nossa volta. Entretanto, as observações confirmaram a CO- PÉRNICO a posição central do Sol e, queiramos ou não, o homem foi novamente expulso do Paraiso. Ou seja: expul- sou-se o ser humano do centro do Universo. Posteriormente, GALILEU falaria da rotação copemiciana com um siáteffia mais aperfeiçoado de observação. Isto fez do homem um ínfimo grão solto no Universo e, talvez porque já não se sentisse tão senhor do Cosmo, dispôs-se a estudá-lo afinca- damente. 20 Wílilam KILPATRICK, Educação para uma CivifiZaÇãO em Mudança, P. 16. à 21. lbldem, p. 17. 22. A. N. WHITEHEAD, Scionce and the Modern World, p. 3. 38 39
  • 6. LEONARDO DA VINCI e GILBERT formam também entre os principais precursores da ciência modema. Mas, esclarece Wiliam DAMPIER: "Leonardo, Copérnico e Gilbert, cada qual a seu modo, prenunciaram a revolução que viria, mas GALILEU foi mais longe, encontrando-se em seus escri- tos pela primeira vez o autêntico toque moderno. Submeteu a teoria de Copémico à prova prática do telescópio, mas aci- ma de tudo combinou, em seu trabalho sobre dinânúca, a observação e a indução com a dedução matemática contro- lada pela experiência, inaugurando assim o verdadeiro mé- todo da pesquisa física". 23 É importante assinalar que cou- be aos árabes invasores da Europa desenvolver a matemá- tica aplicada, do que veio se valer quase toda a ciência pos- terior. Dizíamos que a mentalidade moderna teve suas raizes na astronomia. Todavia, será sempre bom não esquecermos a grande irifluência exercida, já no século XVII, por dois filósofos-cientistas: DESCARTES e PASCAL. KOURGA- NOFF escreve: "Mas a partir do Renascimento, novos pen- sadores, tais como Descartes e Galileu, denunciaram a inge- nuidade dos Antigos, que pretendiam explicar fenômenos muito complexos, antes de conhecer as realidades deles, antes mesmo de observar cuidadosamente as suas principais pro- priedades". 24 Grande teorizador da experiinentação foi Francis BACON. Este deu uma configuração doutrinária à indução experimen- tal e procurou ensinar alguns métodos rudimentares de ob- servação e apontamento em pesquisa. Todavia, aquele que tirou as mais notáveis conclusões do empirismo indutivo foi, sem dúvida, David IIUME. Foi, na certa, com HUME que o empirismo logrou transformar-se numa nova cosmovisão. 0 século que solidificou todas as construções do racio- nalismo experimentalista foi o.XVIII. Século de otimismo histórico e muita fé na RAZÃO humana, nele foram esclare- cidos os principais aidomas do científicismo: "1. 0 homem não é naturalinente depravado. 2. A "boa" vida na Terra pode ser não só definida rnas também alcançada. 23. Pequena Históría da Ciência, p. 78. 24. Viadimir KOURGANOFF, A Pesquisa Científica, pp. 39-40. 3. A razão é o instrumento supremo do homem. 4. 0 conhecimento libertará o homem da ignorância, da superstição e dos males sociais. S. 0 universo é ordenado. 6. Essa ordem do universo pode ser descoberta pelo homem e expressa por meio de quantidade e rela- çoes matemdticas. 7. Embora haja muitas maneiras de perceber a natu- reza, como, por exemplo, a arte, a poesia, a música, ete., sd a ciência pode chegar à verdade, que pemú- tirá ao homem dominar a natureza. 8. A observação e a experimentação são os únicos meios válidos de descobrir a ordem da natureza. 9. Os fatos observados são independentes do observa- dor. 10. As qualidades secundárias não são suscetíveis de medida e, por isso, não são reais. 11. Todas as coisas da Terra são para o uso do homem. 12. A ciência é neutra, livre de valores e independente da moralidade e da étie&' . 25 Estas são colocações com as quais os pensadores e cien- tistas do século XVIII pretenderam fazer deste o século da iluminação clos espíritos e do aplainamento dos caniinhos da humanidade. Contudo, somemos ao que já foi exposto o comentário inegaveImente categorizado d' e Mlton JAPIASSU: "0 cientificismo não é produto de nosso século. Tem suas raízes no século XVIII, muito embora só tenha se afirmado, como atitude intelectual, no decorrer do séciúo XIX. 0 'fun- do de saber' ou o 'solo epistemológico' do qual emergiu, foi esse clima espiritual criado pelo advento da 'era da positi- vidade', em substituição, por oposição, à 'era da represenia- ção' 11. 26 A figura mais basilar do século XVIII foi, sem dúvida, Sir Isaac NEWTON, uma'inteligência raramente ultrapas- sada. Suas realizações na física e na matemática foram tan- tas e tão irnportantes que podemos dizer: o significado de NE=N para a ciência modema é equiparado ao signifi- cado de EINSTEIN,para a ciência contemporânea. 25. Eugene SCHWARTZ, A Inflação da Técnica, p. 24. 26. 0 Míto da Neutralidade Clentíflea, p. 75. — 40 — 1 — 41 --:-
  • 7. No século XIX, foi de =a vez enfatizada a atitude cientificista, sobretudo sob a influéncia do pensador positi- vista Augusto COMTE e do materialista Karl MARX. Com linhas de pensamento bem diversas, foram ambos grandes entusiastas das possibilidades científicas. Assinale-se, porém, que desde o século das luzes, começaram a surgir, na Europa, as ACADEMIAS CIENTIFICAS, que tiveram iinportante pa- pel na marcha do saber ocidental. 1.0) Reuniram notáveis pesquisadores, possibilitando algum intercãmbio de conheci- mento; 29) auxiliaram a sistematizar e compilar o conheci- mento alcançado até então; 3. 0 ) deram caráter institucional à ciência. Paradoxalmente, estava também instalada a curio- sa ilusão de que a ciência pudesse vir a responder a todas as inquietações do ser humano. d) Iclade Contemporânea "Mas, à força de brincar com papagaios, de dissecar ca- dáveres, sem outro motivo, quiçá, que uma curiosidade aven- turosa mais ou menos gratuita, os cientistas acabaram acer- tandà um método de pesquisa: observação paciente e me- ticulosa, controle e reverificação repetidos, livre discussão, experimentação engenhosa... E este método se mostrou de prodigiosa fecundidade". 17 No nosso tempo, o conheci- mento `'da natureza (ciência) e o domínio das forças naturais (técnicas) deram-se as mãos de tal forma que já se torna = tanto difícil distingui-los. Também de forma paradoxal- mente boa e má, pois que ambos são, no entender dos ana- listas contemporâneos, a glória do século é a raiz de toda a sua miséria. A metodologia científica dos dias atuais não acrescentou muita coisa ao que já fora estabelecido, com muita propriedade, por GALILEU. Ocorre, entretanto, que a física (amparada pela matemática) desenvolveu sofistica- díssimos instrumentos para a pesquisa, fato que nos possibí- lita ver agora grandes resultados cientffleo-tecnológicos. Contudo, um fator extraordinário foi acrescentado à me- todologia: a HELTRISTICA, que se resume, a grosso modo, na invenção dos métodos de inventar. 27. V. KOURGANOFF, A Pesquisa Cientffjca, p. 41. Nesta Idade Contemporânea, após duas Guerras Mun- diais e inúmeros conflitos armados de menores proporções, o homem perdeu a inocència que trouxe do século XIX. 0 que impressiona, porém, é que ele não perdeu esta inocência para voltar à candura, mas para, freqüentemente, render-se a uma malícia perigosa. Referirno-nos ao cientificismo atual. Escreve JAPIASSU: "Ora, tudo indica que, para além desse período de abalo e de transição" (refere-se ao século XIX), "estamos assistindo hoje à emergência e ao 'terrorismo' inte- lectual daquilo que podemos chamar de 'o cientificismo', muito mais poderoso, autoritário e, por vezes 'dogmático', do que o primeiro". 28 Uma vez subvertidas por interesses político-econômicos, a ciência e a técnica muitas vezes deixam de cumprir sua verdadeira tarefa, qual seja, a de servir à sociedade humana. Por isto é que, este nosso tempo de notá- veis avanços científico-tecnológicos, é também o tempo de uma grande angústia: nossa espécie se vê ameaçada até meá- mo de extinção. Esta nossa incursão pela História da Ciência teve por objetivo mostrar que a caminhada foi mais acidentada do que pode parecer, mais uma vez tentando eliminar as con- cepçoes mágicas que tantos alimentam a respeito do labor científico. NA=EZA E OBJETIVOS DA CIÊNCIA a) Natureza 0 cientista OPPENHEIMER, ao refletir sobre a ciência, faz dela uma curiosa imagem. Para ele, a constrijção cientf- fica pode ser imaginada como um grande prédio erguido quase sem planejamento, onde se pode encontrar todos os encantos do acaso. Como se fora um castelo, ao qual são acrescentados sempre novos cômodos, =a edificação cada vez maior e mais ímportante, mas... onde reside pouca gente. Uma grande construção sempre inacabada onde não encontramos mais do que um décimo por cento da popula- ção do mundo. Assim, ao mesmo tempo em que OPPENHEI- 28. 0 Míta de Neutralidade Clentfflca, p. 75. — 42 — 1 — 43 —
  • 8. MER mostra ser, a ciência, ilrn majestosa e apostolar ativi- dade construtiva, indica seu caráter de provisoriedade e — o que parece estranho — caráter de casualidade: o edifício cresce ao acaso, sem planejamento possível. Aí está, não a visão de um leigo, não o sonho de um poeta iinaginoso, mas, o parecer de um doa grandes cientistas deste século. Busquemos, todavia, passar da imagem global a uma consideração mais específica da natureza da ciência. Qual a Natureza da ciência? 29 Há, na língua grega, uma palavra que apresenta muitos significados — trata-se do vocábiúo "LOGOS". Dentre os vários sentidos de "LOGOS", encontramos os seguintes: "ra- zão" e %nteligibilidade" e, até, como querem alguns estudio- sos, "razão de inteligibilidade". A primeira marca da natureza cientffica é sua paixão peIa contemplação do "LOGOS". Aqui estamos apenas pro- curando dizer que, a ciência, antes de tudo mais, procura o logos universal — ou seja — a razão de inteligibilidade dos fatos e dados do mundo. Não é por outro motivo que FER- RARI aponta a "dimensão compreensiva,, do saber científi- co. 30 Ora, o ser h=ano, como ser pensante, sempre teve ner-essidade de compreender o seu mundo. 0 início disto é o chamado senso comum. Sua continuação é a ciência. Dura é a niissão da ciência, que se propõe conhecer as leis que regem os fenômenos neste mundo de indeterminações, con- forme o concebeu o físico HEISENBERG. Mas os cientistas não abrem mão da busca do seu especial conheciinento, para tanto empenhando toda a sua criatividade e a sua metodologia. Isto nos apresenta a segunda marca da natureza cientí- fica: sua "dimensão operacional". 31 Segundo A. Trujillo PERRARI, os dois aspectos fundamentais da natureza cienti- fica são: o lógico (a busca do LOGOS: inteligibilidade) e o metodológico (que estabelece, ou pretende estabelecer, as condições de operacionalidade). 32 29. Há hoje teóricos que não aceitam a expressão "natureza da ciência". No entanto ErnestNAGEL, um dos mais importantes f'iiósofos da ciência, não só aceita a expressão como a usa como título de um dos seus escritos (Ver S. MORGENBESSER, Filosofia da Cíêncfa, pp. 13 a 24). 30. A. Trujillo FERRARI, Metodologia da Ciêncla, p. 8. 31. lbldem, p. 8. 32. lbidem, pp. 8-9. Claro está que aqui estamos apresentando uma teorlza- ção sobre a ciência: uma teorização de como se concebe e aceita que ela seja. Por isto, se há os que a prostituem, os que a aviltam, pondo-a a serviço de interesses Indignos, em muitos casos esta caracterização apresentada faz-se inteira- mente falha. Não é objetivo deste livro debater os proble- mas éticos dos cientistas e das instituições. científicas. b) Objetivos Quando falamos de VMA, estamos necessariamente fa- lando de intercâxnbio entre o organismo vivo e o ambiente. No caso do homem, mais especialmente, VIDA é úma troca constante entre INDIVfDUO — MIEIO HUMANO — MEIO FISICO. Por esta razão é que a ciência deve objetivar com- preender a natureza a fim de que possa controld-1a. Sé o ser humano consegue, gradualmente~, compreender mais e mais o ambiente (meio humano e meio ffsico), swgem as segum- tes vantagens: 1 ) o fator "perigo" pode desaparecer, ou pelo mejios ser atenuado, em suas trocas ambientais; 2) ele pode influir sobre o ambiente de maneira a tor- ná-lo mais propício à sua sobrevivência; 3) a inter-relação homem-ambien ' te ganha a necessãria conscientização para que seja menos tensa, e, con- seqüentemente, mais tranqüila. Dessa forma, cremos que seja posível concentrar os ob- jetivos da ciência nas palavras: compreender e controlar. E assirn, acrescentaríamos apenas as seguintes considerações: A medicla em que a ciência é COMPREENSÃO, derivam daí algumas finalídades assiin especificáveis: :eliminação de superstições e práticas mágicas, diniinuição de temotes vividos pelo ser li=ano por ignorar a real face da natureza, desejo de conhecer cada vez mais o ambiente — o que só podá significar enriqueciinento das personalidades e do meio social. Estas coisas todas dizem respeito ao "proveito espiritual do homem".33 33. Viadimir KOURGMOFF, A Pesqulsa Clentíflca, p. 45. —44 —45 —
  • 9. A medida em que a ciência visa CONTROLE, dai tam- bém derivam finalidades tais como: aperfeiçoamento de mé- todos para controlar a saúde fisica; pesquisas geo-elimáticas para proteção do trabalho (marítimo, Iavoureiro etc.); aper- feiçoamento científico para controle demográfico (colocan- do-se aí não só o problema da fome, como a angústia do espaço vital invadido). Estas são, é claro, apenas algumas finalidades de controle da ciência, sendo que todas dizem respeito ao "proveito material do homexii". 34 É necessário, todavia, esclarecer que a chamada ciência,,,, fundamental, voltada para a compreensão e explicação do real, não pode hoje ser dissociada da ciência aplicada, que visa a ação de controle sobre o real. Enquanto que a ciência fundamental poderia ser interpretada como uma filosofia da natureza, a ciência aplicada consiste em, por assim dizer, =a forma racional da técnica. Repetiinos: tais atividades são siinultaneamente complementares, guardando tal inter- dependência que, nos dias atuais, só se faz delas distinções teóricas. Tais são as chamadas funções manifestas do trabalho científico, isto é, aquelas funções pré-colocadas e explicita- das, das quais se pode ter perfeita consciência. Contudo, sabe-se que nos empreendimentos humanos existem sempre certas funções latentes, funções não explicitadas anterior- mente e das quais não se tem consciência, como que subpro- dutos que surgem e surpreendem. A ciência, neste parti- cular, não se faz em exceção. Dela também têm surgido muitos resultados lamentáveis que agridem a paz e o bem- -estar do ser humano. Em urn sentido mais -erftico, veremos algo a esse respeito no 3.o Capitulo deste livro. CIÊNCIA: UNA OU DIVISIVEL? : Há esta questão a ser considerada: temos exclusivamen- te a ciência (coisa única e una) ou temos ciências (um campo divisível e, de fato, dividido)? De forma aparentemente paradoxal, diríamos que a ati- vidade científica é, ao mesmo tempo, UNA E DIVISIVEL. Para entenderinos a ciência como =a atividade compacta e uniforme (como UNA, portanto) devemos analisá-la a par- tir de sua finalidade global. Ora, se a finalidade do trabalho cientifico é tornar a realidade inteligível para,, daí, controlá-la, não importa a área que quiserinos examinar: todas, pressu- postamente, buscam a inteligibilidade do mundo. 0 físico busca entender as forças e energias universais, o biólogo procura compreendér os organismos e suas leiá, o sociõlogo persegue a compreensão do inter-relacionamento nos grupos h=anos, o matemático almeja entender as estruturas for- mais que devem estar na base da realidade. E assim por diante, todos estarão fazendo a mesma coisa: buscando fazer inteligível a realidade para, daí, controlá-la em favor do pró- prio homem. Já para entendermos a ciência como dividida em depar- tamentos claramente diferentes, temos que nos situar em outro ponto de vista: considerá-la a partir do objeto especí- fico (ou simplesmente "assunto") das diversas áreas, bem como das técnicas específicas das áreas referidas. Da seguin- te maneira: é claro que o objeto específico da fisica é intei- ramente distinto do objeto especifico da biologia. Uma se interessa por fenõmenos e temas que não são os temas e fenômenos que prendem o interesse da outra. Essencial- mente, em que poderia interessar à fisica o estudo dos cro- mossomos? ou qual seria o significado da descoberta das leis da alavanca para a compreensãó da formação de cloro- fila (assunto da biologia)? Os múltiplos objetos dos depar- tamentos da ciência diferem, portanto, especificamente — apontando para a divisibflidade. Acresce ainda que a técnica empregada para as pesquisas biológicas, é diversa da técnica usada nas investigações so- ciológicas, físicas ou matemáticas. Exatamente este serã o segundo sinal que nos confirma a possibilidade de dividir- mos o saber científico. Assim que, do ponto de vista do objeto específico e da técnica empregada teremos ciências (no plural). Valha o seguinte gráfico como esclarecimento: 34. fbidem, p. 45. — 46 — 1 — 47 —
  • 10. u N A v i s 1 v E L / 1 1 rFISICA [BIOLOGIA ISOCIOLOGIA IQUI etc. INTELIGIBILIDADE E Finalidade CONTROLE DO MUNDO Em resumo: a) partindo: do objeto específico e da téc- nica específica, a ciência é divisível; b) partindo: da finalidade, a ciência é una. CIÉNCIA E TÉCNICA Numa prilneira afirmação diriamos que o desenvolvi- mento da técriica e da ciência resultaram do medo. Imagi- nemos o homem das eras primitivas vivendo sempre amea- çado pelas forças brutais da natureza, sem edificações para se proteger, distanciado por milhares de anos dos pára-raios, destituido de recursos de vestuário que o abrigassem mais completamente. Imaginemo-lo aterrado ante os formidáveis aniinais que passeavam sua ferocidade pela superficie da Terra. Este terror e esta impoténcia certamente terão levado os primitivos a intuirem algo fundamental: ou eles adqui~ riam PODER ou seriam esmagados pelo PODER das forças naturais. Por certo começou nestas eras remotas a luta do homem para aumentar seu PODER. Ao lonáo do tempo, rituais má-. gicos e religiosos, usados na tentativa de acalmar e contro- lar a natureza, foram sendo substituídos por habilidades e conhecimentos. Deve ser este o princípio da história da ciência e da técnica. Cuàoso é hoje notarmos que a luta por poder culrninou, em nosso século, com =a grande ironia. 0 ser h=ano, que tanto precisou de poder sobre a natureza, chegou a tal ponto que seu maior problema agora é: não ter PODER sobre seu próprio PODER. Noutros te=os, o ho- mem perdeu o contróle sobre suas possibilidades. Dizíamos que ciência e técnica nasceram do sentimento do medo e do desejo de poder. Atualmente não é nada clara a fronteira entre o que seja o trabalho cientffico e o trabalho técnico. 35 ROQUEPLO, em suas "oito teses sobre o significado da ciênc!&', escreve algumas considerações de ordem filosófica sobre ciência e técriica. Ali encontramos o seguinte pronunciamento: "Em- bora se possam distinguir atividades mais cientfficas do que técnicas e outras mais técnir-as do que cientfficw, a clistinção, ciência-técnica, tal como é usualmente uti~a pelos cíen- tistas, é uma distinção idealista. Fund ' a-se numa abstração: desenraíza o discurso científico relativamente à sua verifica- ção prática que implica a técriica; considera a ciência como uma espécie de em si, fazendo abstração do seu exercício concreto nos laboratórios e nas fábricas. 36 Como podemos apreciar nos melhores autores, de tal natureza é o intercâmbio entre os dois fatores em análise, que é muito difícil, no mundo como está estruturado agora, distingLii-los. I-Iá, todavia, =a distinção teõrica e tradicional que há muitos séculos se faz. Gostaríamos de apresentá-la, pois, ela possibilita pelo menos algLima orientação didática de expli- caçao. 35.Jacques ELLUL, A Técnlca a o Desaflo do Século,`pp. 36. Ph. ROQUEPLO, In J. D. DEUS (orgâ, A Crítica de Ciêncla, pp. 146-147. — 48 49 —
  • 11. A palavra latina SCIENTIA provém de SCIRE, ou seja, aprender ou alcançar conhecimento. É claro que a origem é muito genérica e que o vocábulo "ciência" tal como o usa- mos,hoje aponta para um tipo de conhecimento mais espe- cial e apurado. Qualquer conheciinento não é ciência. Entre- tanto, como vimos nos objetivos da ciência, esta continua sendo caracterizada antes de tudo como compreensão, e depois como tentativa de controle. Já a palavra TÉCNICA tem origem grega (téchné) e, desde o principio, significou arte — em sentido de habilidade, ou ofício. Veja-se porém que TÉCHNÉ não era =a habilida- de qualquer senão aquela que seguisse certas regras, 37 Nurna linguagem mais em voga hoje, diríamos que a técnica nos dá o como (ou, o know-how) enquanto que a ciência procura nos oferecer o porquê. Assim, a explicação tradicional acaba por estabelecer oposição entre dois fatores: habilidade e co- nhecimento. I-Iá, mesmo, autores que chegam a fazer um esquema semelhante ao seguinte: — CIÊNCIA: conhecimento: PODER SUBJETIVO (saber). — TÉCNICA: habilidade: PODER OBJETIVO (fazer). Na realidade, nem a ciência é puramente subjetiva, nem a técnica é puramente objetiva. Seria interessante riscarmos de vez dois conceitos quiinéricos: ciência pura e técnica necessariamente inconsciente. Nos dias atuais, ciência e téc- nica são atividades absolutamente interdependentes e, até certo ponto, fundidas. Dizemos até certo ponto, porque há o seguinte, que ROQUEPLO nos faz lembÉar: "Embora não haja prática científica separada totalmente dum contexto técnico, há técnicos isolados totalmente duma prática cien- tífica: virados para a pura operacionalidade sem que esta fundaxnente qualquer espécie de saber". 38 0 filósofo ORTEGA Y GASSET, tomando um ponto de vista histórico, assim classificou a técnica: (níveis da vivência técnica) 37. José Ferrater MORA, Diccionario de Filosofia (verbete: técnlca), vol. 11. 38. In J. D. de DEUS (org.), A Critica da Ciéncia, p. 147. — Técnica do azar, (adquirida ao acaso) — própria dos tempos primitivos da h=anidade. Assim, por exemplo: quando nosso antepassado pré-hístórico viu o fogo saltar do atrito de pedras ou outros elementos, adquiriu a técnica de acender fogueiras por um acaso. — Técnica do artesão, já mais consciente, apurada e (de certa forma) especializada. Característica da Antigüidade e da Idade Média. — Técnica do técnico, própria das Idades Moderna e Contemporânea que, com a importãneia cada vez mais acen- tuada da máquina, tomou-se sofistir-ada e ganhou um "STA- TUS" especial. 1 Desta fonna, o técnico de hoje distingue-se: do-não-técni- co: clo artesão, cuja produção tem certa marca de primarie- dade; do obreiro ou operário, que é úm manipulador incons- ciente. 39 Houve tempo em que se ensinava que a ciência é o conhecimento e, a técnica, a aplicação desse conheciinento. Atualmente tal afirmação traz os problemas aos quais já aludirnos e, portanto, é deixada de lado. Ao finalizarmos este capítulo, gostaríamos de responder a uma pergunta que pode ter surgido na mente do leitor: como este autor pode harmonizar sua admiração pelo traba- lho cientffico com as críticas que fá, à ciência, em diversos momentos do texto? A marcha da ciência é =a manifestação dialética. De modo que nela estão presentes as contradições necessãrias ao cumprimento de um fato. Há hoje muitas mentes român- ticas realizando agressões gratuitas ao edifício científico, por manterem uma vísão unilateral do fenômeno. De nossa parte, entendemos que a realização da ciência foi, é e continuarã sendo boa e má simultaneamente. Afinal, é assiin que o cientista René DUBOS conduz seu livro intitulado 0 Desper- tar da Razão. Nesta obra, seu autor demonstra o quanto a ciência nos tornou destrutivos, porque nos fez poderosos. 0 quanto a atividade científíca tem carenciado de maior sen- 39. José Ferrater MORA, Diccionárlo de Fllosofía, (verbete: técnica) vol. U. so 51
  • 12. so de responsabilidade .por parte dos próprios cientistas. Escreve DUBOS: "Os cientistas modernos falam muito dos dentes parafora nas sua§ responsabilidades sociais, mas na prática procedem confo -se fossem,cativos de um estabeleci- mento que às vezes parece associal e até anti-social". 40 Mas este especialista em biomedicina ambiental, num posiciona- mento bastante consciente, também faz as seguintes consi- derações: "Embora nos tenhamos tornado mais ou menos indiferentes em relação às maravilhas de nossa época, a gran- deza delas pode ser apreendida se tentarmos iinaginar o que seria a nossa existência sem elas. A medicina está bem perto' de resolver muitos problemas de doença que faziam a vida h=ana precária até mesmo no século XIX. A ciêxicia nutri- cional já determinou as necessidades alimentares essenciais do homem e a tecnologia permitiu atender a essas exigências em todas as estações e em qualquer clima. Quase todos no mundo ocidental podem aquecer-se no invemo e, em segui- da, refrigerar as suas casas durante o verão. As barreiras da distãneia são um problema menor de dia para dia e nem a falta de tempo nem de força limitam mais a nossa capaci- dade de deslocamento para qualquer parte do globo. Da penicilina ao controle da personalidade, das fibras sintéticas à exploração espacial, o século = vem sendo marcado por tão assombrosas realizações que os milagres das idades len- dárias perdem a importância diante delas. 41 Com estas considerações, recoIocamos uma das senten- ças iniciais deste capítulo: como toda obra humana, a ciência se mostra como uma sfntese de opostos. Nela estão nossas glórias, como também nossas misérias. - Walter Telxelra LirnB Júr'10r Ana110& de ComunIcaÇRO SOCIal . Wo Mere. 3203572 CAPITULO II "RECURSOS METODOLóGICOS BASICOS DA CIÊNCIA" Este capítulo pretende apresentar os principios do de- dutivismo e do indutivismo, detendo-se bem mais no segun- do, em razão de que ele significa o próprio núcleo de reali- zação do experimentalismo científico. Como, no 39 Capítulo deste livro, precisaremos levantar algumas considerações críticas a respeito de pressupostos um tanto dogmáticos do pensamento científico, procuraremos -expor os recursos me todológicos básicos da ciência tal como foram concebidos e desenvolvidos tradicionalmente. Pretendemos, nas próximas Iinhas, restringir-nos ao que se poderia cha=r uma visão positiva da ciênda. E assim será feito porque não nos inte- ressa meramente substituir =a linba de pensamento tradi- cional por outra; afinal, este é um texto que também preten- de ser informativo, e, por ísto, o confronto pode ser mais útil do que a substituição. DUAS ATITUDES PERANTE A REALIDADE Nosso saber cientifico Ée fundamenta, antes de tudo o mais, em dois recursos: dedução e indução. Ambós são modos de refletir. Porém, dedução e indução não significam simples modalidades de raciocínio — representam, na Histd- — 53 — 40. p. 147. 41. René DUBOS, 0 Despertar da Razâo, pp. 26-27. - 52 —