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A -
Bernard Lewis
A Crise do Islã
Guerra santa e terror profano
Tradução:
Maria Lúcia de Oliveira
Jorge Zahar Editor
Rio de Janeiro
Título original:
The Crisis ofIslam (Húly War and Unholy Terror)
Tradução autorizada da primeira edição norte-americana
publicada em 2003 por Modern Library, imprint de Random House
Publishing Group, urna divisão de Random House Inc.
Copyright © 2003, Bernard Lewis
Copyright da edição brasileira ê 2004:
Jorge Zahar Editor Ltda.
rúa México 31 sobreloja
20031-144 Rio de Janeiro, RJ
tel.: (21) 2240-0226 / fax: (21) 2262-5123
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Todos os direitos reservados.
A reprodução não-autorizada desta publicação, no todo
ou em parte, constitui violação de direitos autorais. (Lei 9.610/98)
Capa: Miriam Lerner
Fotos de capa:
Término do Ramadã, séc. xm
Mausoléu do mulá Ismail © Corbis
CIP-Brasil. Catalogação-na-fonte
Sindicato Nacional dós Editores de Livros, RJ.
Lewis, Bemard
L652c A crise do islã: guerra santa e terror profano /
Bernard Lewis; tradução, Maria Lúcia de Oliveira, -
Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2004
Tradução de: The crisis of islam: holy war and
unholy terror
Apêndice
ISBN 85-7110-804-8
1. Jihad. 2. Terrorismo - Aspecto.s rtiigioso.s -
Islamismo. 3 Guerra - Aspccios religiosos Islamis­
mo. 4. Islamismo e política. 5. limilamenialismo islâ­
mico. I. Título.
r:i)i) .>97,22,
04-1751 CUU 297.73
SUMARIO
Mopos
A Era dos Califas, 1
O Império Otomano, 8
A Era do ¡nipírúdisnia,'}
O Oriente Medio Moje, iO
Introdução, 11
1. D efinindo o Islã, 25
2. A Casa da G uerra, 45
3. D e C ruzados a Im perialistas, 59
4. D escobrindo a A m érica, 72
5. Satã e os Soviéticos, 86
6. D ois Pesos, D uas M edidas, 103
7 . U m Fracasso da M odernidade, 11 o
8. A A liança en tre o P oder Saudita e
o E nsinam ento W ahhabf 116
9. A A scensão do Terrorism o, 1/')
Posfódo, 151
índice Remissivo, r. i
Para Haroid Rhode com amizade
-K5ñ- T7 30 ‘tjoyMfc-f-Y ®
'"'^K^n'odar
TURCOlJJNKr^^^
Mor Medrterróneo
- U " rCHIPRE^^ SIRIA
i A lexandria . g ; j |ei
C airo * Faíxa^GÍ
0«-* ■=““
B e iru te 3 H im s — x j- 
Líbano^Damasco OB^dá<„
IRAÓ^,x_^
 A n N asiriyaFi' 
RashtoX^
I _asvim
^K arkufe Kermanshah
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Isfahã
Ahvaz
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Kerman^
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Zahedan
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EGITO
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Bandar-eAbbas
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V'EMIRADOSl-rra. 
MÃjgwipos
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Omdurman.^^^^
° Escala 1:21.000.00(1~'( ' 3
Projeção cônica conform e th L am bertV .>-d^
Paralelos-padráo 12'NÍe 38'N AdiiAbel|a
" V ' ETIÓPIA
'x T la r je y s a
O O riente M edio H
INTRODUÇÃO
o Presidente Bush e outros políticos ocidentais têm feito grandes es­
forços para deixar claro que a guerra na qual estam os engajados é
urna guerra contra o terrorism o - não contra os árabes ou, em ter­
mos mais gerais, contra m uçulm anos, instados a se juntarem a nós
nessa batalha contra o inim igo com um . A m ensagem de Osam a bin
haden é o contrário disso. Para ele e seus seguidores, essa é urna guerra
religiosa, urna guerra do islã contra os infiéis e, portanto, inevitavel­
mente, contra os Estados Unidos, a m aior potencia do m undo infiel.
Em seus pronunciam entos, Bin Laden faz referências freqüentes
à historia. Um a das mais dram áticas foi em seu vídeo de 7 de outubro
de 2001, quando se referiu à “hum ilhação e desgraça” que o islã so­
freu por “m ais de oitenta anos”. A m aior parte dos observadores n o r­
te-am ericanos e europeus do O riente M édio com eçou um a busca
ansiosa por algum a coisa que tivesse acontecido há “mais de oitenta
anos”, e surgiram várias respostas. Podem os ter bastante certeza de
que os ouvintes m uçulm anos de Bin Laden - as pessoas às quais se
dirigia - entenderam a alusão im ediatam ente e valorizaram a sua
im portância.
Em 1918, o sultanato otom ano, o últim o dos grandes im perios
m uçulm anos, foi finalm ente derrotado - sua capital, U onstaiitino-
pla, foi ocupada, seu soberano feito cativo e a m aioria de seu territó­
rio partilhado entre os lm|H'i ios vitoriosos: o Británico e o francés.
11
As antigas províncias otom anas de língua árabe do Crescente Fértil
foram separadas e deram origem a três novas entidades, com novos
nom es e fronteiras. D uas delas, Iraque e Palestina, ficaram sob o
m andato britânico, e a terceira, com o nom e Síria, foi dada para os
franceses. Mais tarde, esses últim os dividiram seu m andato em duas
partes, cham ando um a de Líbano e m antendo o nom e Síria para a
outra. Os britânicos fizeram algo bem parecido na Palestina, criando
um a divisão entre as duas m argens do Jordão. A parte oriental foi
cham ada Transjordânia e, mais tarde, sim plesm ente Jordânia; o
nom e Palestina foi m antido e reservado para a m argem ocidental,
ou seja, a parte propriam ente cisjordaniana do país.
Considerava-se, naquela época, que não valia a pena assum ir o
controle da Península Arábica, form ada, em grande parte, por deser­
tos e m ontanhas estéreis e inacessíveis, e seus governantes tiveram
perm issão de m anter um a independência precária e lim itada. Os
turcos acabaram conseguindo liberar a Anatólia, sua terra natal, não
em nom e do islã, mas através de um m ovim ento nacionalista secular
liderado por um general otom ano cham ado M ustafa Kemal, mais
conhecido com o Kemal Ataturk. M esm o tendo lutado, com sucesso,
para libertar a Turquia do dom ínio ocidental, foi ele quem deu os
prim eiros passos para a adoção de cam inhos ocidentais - ou, com o
preferia dizer, cam inhos m odernos. Um de seus prim eiros atos, em
novem bro de 1922, foi abolir o sultanato.
O soberano otom ano era não apenas um sultão, o dirigente de
um Estado específico; era tam bém am plam ente reconhecido com o o
califa, o chefe de todo o islã sunita e o últim o em um a linhagem de
governantes cuja origem rem ontava a 632 d.C. - ano da m orte do
profeta M aom é e da indicação de um sucessor para ocupar seu lugar,
não com o chefe espiritual, mas sim com o chefe religioso e político
do Estado m uçulm ano e de sua com unidade. Após uma breve expe­
riência com um califa distinto, os turcos aboliram lam bém o califa-
do, em m arço de 1924.
12 A crise do islã
D urante seus quase 13 séculos, o califado, em bora passando por
m uitas vicissitudes, perm aneceu com o poderoso sím bolo da unida­
de m uçulm ana, até m esm o de sua identidade; seu desaparecim ento,
sob o duplo assalto de im perialistas estrangeiros e m odernistas do ­
mésticos, foi sentido em todo o m undo m uçulm ano. Vários m onar­
cas e líderes m uçulm anos ensaiaram algum as débeis tentativas de
leclam ar o título vago, m as nenhum deles encontrou grande apoio.
Muitos m uçulm anos ainda percebem de form a dolorosa esse vazio, e
com enta-se que o próprio O sam a bin Laden tinha - ou tem - aspira­
ções ao califado.
A palavra califa vem do árabe khalifa, que, com um a am bigüida­
de oportuna, com bina os sentidos de “sucessor” e “substituto”. O ri­
ginalm ente, o chefe da com unidade islâmica era “o Khalifa do
Profeta de D eus”. Alguns, mais ambiciosos, encurtaram o título para
"o Khalifa de D eus”. Esta pretensão à autoridade espiritual foi caloro­
samente contestada' e, por fim, abandonada, em bora um título ex­
pressando algo similar, de form a mais branda, “a Som bra de Deus na
Ierra,” tenha sido am plam ente usado por governantes m uçulm anos.
I)urante a m aior parte da história dessa instituição, os detentores do
uilifado contentavam-se com o título mais modesto de Amir al-M u’mi-
nin, em geral traduzido com o “C om andante dos Fiéis”.
Introdução 13
Alusões históricas com o as de Bin Laden, que talvez pareçam obscu­
ras para m uitos ocidentais, são com uns entre os m uçulm anos, c só
podem ser entendidas adequadam ente levando-se em couta a forma
com o os povos do O riente M édio percebem a queslao da identidade,
e contra o pano de fundo da história daquela região. Mesmo os con­
ceitos de história e identidade requerem novas di-liniçoes para o oci­
dental que busca entender o O riente Medio rontenqiorâneo. No uso
corrente norte-am ericano, a expiarss.io "isto e história” é usada, em
geral, para desconsiderar algo i o m o siaulo sem im portância ou sem
nenhum a relevância paia ,is |ireocupaçoes atuais; apesar de um
im enso investim ento no ensino da história e na produção de textos
sobre o tem a, a sociedade norte-am ericana tem um nível geral de
conhecim ento histórico terrivelm ente lim itado. Os povos m uçul­
m anos, com o todos os outros do m undo, são m oldados por sua his­
tória, mas, ao contrário de alguns, são profundam ente conscientes
disso. Sua consciência data, no entanto, do advento do islã, com tal­
vez algum as pequenas referências aos tem pos pré-islãm icos, neces­
sárias para explicar alusões históricas encontradas no Alcorão e nas
antigas tradições e crônicas islâmicas. Para os m uçulm anos, a histó­
ria islâmica tem im portante significado religioso e tam bém legal,
dado que reflete a elaboração detalhada do propósito de Deus para
Sua com unidade - form ada por aqueles que aceitam os ensinam en­
tos do islã e obedecem a suas leis. A história dos Estados e povos
não-m uçulm anos não transm ite tal m ensagem e não tem , portanto,
valor ou interesse. M esm o em países com um a civilização antiga
com o a do O riente M édio, o conhecim ento da história pagã - de
seus próprios ancestrais, cujos m onum entos e inscrições estão à vol­
ta de todos - era m ínim o. As línguas e os textos antigos foram esque­
cidos, os registros antigos queim ados, até serem recuperados e
decifrados, nos tem pos m odernos, por obstinados arqueólogos e fi­
lólogos ocidentais. Mas, no que se refere ao período iniciado com o
advento do islã, os povos m uçulm anos produziram um a rica e varia­
da literatura histórica - de fato, em m uitas regiões, até m esm o em
países com um a civilização antiga com o a índia, os trabalhos históri­
cos im portantes com eçam com a chegada do próprio islã.
Mas história de quê? No m undo ocidental, a unidade básica da
organização hum ana é a nação - um conceito que, no uso n o r­
te-am ericano, mas não no europeu, é virtualm ente sinônim o de
país. Essa totalidade é então subdividida segundo vários critérios,
sendo um deles a religião. Os m uçulm anos, no entanto, tendem a ver
não um a nação subdividida em grupos religiosos, mas um a religião
subdividida em nações. Sem dúvida, isso se deve, parcialm ente, ao
fato de a m aior parte dos Estados-nações que com põem o O riente
14 A crise do islã
Médio m oderno ser um a criação relativam ente nova, rem anescente
dos tem pos de dom inação im perial anglo-francesa que se seguiram à
derrota do Im pério O tom ano. Esses Estados preservam as dem arca­
ções nacionais e as fronteiras estabelecidas p o r seus antigos senhores
imperiais. Até m esm o seus nom es refletem essa artificialidade. O
1raque era um a província medieval, com fronteiras m uito diferentes
daquelas da República m oderna, excluindo a M esopotâm ia, no n o r­
te, e incluindo um a parte do Irã ocidental; Síria, Palestina e Líbia são
nomes da A ntigüidade clássica que não haviam sido usados na re­
gião por mil anos ou mais, até serem revividos e im postos - tam bém
com fronteiras novas e, m uitas vezes, diferentes - por im perialistas
europeus no século XX.* Argélia e Tunísia nem m esm o existem
com o nom es árabes - o m esm o nom e serve para a cidade e o país. O
mais notável de tudo é que a língua árabe não tem nenhum nom e
para Arábia, e a atual Arábia Saudita é cham ada “o reino árabe sau­
dita” ou “a península dos árabes”, dependendo do contexto. E não
porque o árabe seja um a língua pobre - bem ao contrário - mas p o r­
que os árabes sim plesm ente não pensam identidade em term os da
com binação de etnia e território. O califa ‘U m ar é citado com o d i­
zendo aos árabes: “A prendam suas genealogias, e não sejam com o os
cam poneses locais que, quando lhes perguntam quem são, respon­
dem; ‘sou de tal ou qual lugar’.”**
Nos prim eiros séculos da era m uçulm ana, a com unidade islâ­
mica era um Estado sob um governante. M esm o depois de aquela co-
Introdução 15
* O prim eiro desses nom es reapareceu brevem ente no final do período otom ano,
quando a província de Damasco foi renom eada província da Síria (Suriye). Suas
IVonteiras eram significativamente diferentes daquelas da república pós-guerra. O
nome rom ano-bizantino Palestina foi m antido por algum tem po pelos conquista­
dores árabes, mas já havia sido esquecido quando chegaram os cruzados. Reapare­
ceu com o estabelecim ento do M andato Britânico após a Prim eira Guerra M undial.
O nom e rom ano Líbia era desconhecido até que foi oficialmente reintroduzido pe­
los italianos.
' ' Ibn Khaldun, mAl-Muqaddima, F.. Quatrem ère (org.) (Paris, 1858), vol.l, p.237.
m unidade ter sido dividida em m uitos Estados, persistiu o ideal de
urna única unidade política islámica. Os Estados eram quase todos
dinásticos, com fronteiras cam biantes, e é certam ente significativo
que, na riquíssim a historiografia do m undo islámico em árabe, per­
sa e turco, encontrem -se historias de dinastias, cidades e, principal­
m ente, do Estado e da com unidade islâmica, mas nenhum a da
Pérsia ou da Turquia. Esses nom es, diferentem ente do que ocorre
com Síria, Palestina ou Iraque, designam não novas entidades políti­
cas, mas antigas, com séculos de independência e soberania. Ainda
assim, até os tem pos m odernos, m esm o esses nom es não existiam
em árabe, persa ou turco. O nom e Turquia, designando um país ha­
bitado por pessoas cham adas turcos e que falam um idiom a cham a­
do turco, parece conform ar-se ao padrão europeu norm al de
identificar países por nom es étnicos. Mas esse nom e, corrente na
Europa desde a Idade M édia, som ente foi adotado na T urquia após a
proclam ação da república, em 1923. Pérsia é um a adaptação euro­
péia, originalm ente grega, de Pars, posteriorm ente Fars, o nom e de
um a província do Irã ocidental. Após a conquista árabe, com o o al­
fabeto árabe não tem a letra p, passou a ser conhecida com o Fars.
Assim com o o dialeto castelhano tornou-se espanhol e o toscano vi­
rou italiano, assim tam bém farsi, o dialeto regional de Fars, acabou
sendo língua padrão do país, mas, no uso persa, o nom e da provín­
cia nunca foi aplicado ao país com o um todo.
Tanto árabes quanto turcos produziram vasta literatura descre­
vendo suas lutas contra a Europa crista, desde as prim eiras incursões
árabes no século VIII até .1 liilima relirada turca, no século XX. Mas,
até o período m oderno, c|uaiKlo conceitos e categorias europeus to r­
naram -se dom inantes, os soldados, oficiais e historiadores islâmicos
quase sem pre se referiam aos seus oponentes não em term os territo­
riais ou nacionais, mas sim plesm ente com o infiéis {kafir) ou, algu­
mas vezes, por vagos term os gerais com o trancos ou rom anos. Do
m esm o m odo, nunca se referiam ao seu próprio lado com o árabes,
16 A crise do Islã
(tersas ou turcos; identificavam todos com o m uçulm anos. Essa pers-
(lectiva ajuda a explicar, entre outras coisas, a preocupação do Pa-
((uistão com o Talibã e seus sucessores no Afeganistão. O nom e
l’aquistão, um a invenção do século XX, designa um país inteiram en­
te definido por sua religião e lealdade islâmicas. Em todos os outros
.ispectos, o país e o povo do Paquistão são - com o haviam sido por
m ilên io s-p arte da índia. O Afeganistão definido por sua identidade
islâmica seria um aliado natural do Paquistão, ou m esm o um satélite
seu. O Afeganistão definido pela nacionalidade étnica, ao contrário,
poderia ser um vizinho perigoso, lançando dem andas irredentistas
sobre as áreas do noroeste paquistanês que fala o pashtu e, talvez, até
m esmo aliando-se à índia.
Referências à história, e até à história antiga, são lugar-com um
nos discursos públicos. Na década de 1980, durante a G uerra
Irã-Iraque, por exemplo, os dois lados em penharam -se em cam pa­
nhas de propaganda massiva que freqüentem ente evocavam eventos
c personalidades de épocas tão rem otas quanto o século VII, as bata­
lhas de Qadisiyya (637 d.C.) e Karbala (680 d.C.). A batalha de Q adi-
siyya foi vencida pelos árabes m uçulm anos que invadiram o Irã e
lutaram contra o exército defensor do xá da Pérsia, ainda não con­
vertido ao islã e, portanto, aos olhos m uçulm anos, ainda com posto
de pagãos e infiéis. Assim, os dois lados podiam proclam ar com o sua
a vitória - para Saddam Hussein, dos árabes sohi e os (icrsas, e, para o
aiatolá K hom eini, dos m uçulm anos sobre o.s infiei.s.
As referências a essas batalhas não eram desei içocs nem narrati­
vas, mas rápidas, incom pletas alusões. Ainda assim, os dois lados
usaram -nas com plena certeza de cpie sei lam (Ha echidas e identifica­
das por seus respectivos públicos. e ,ile nu'sm o pela m aior parte deles
que era com posta de analfabelos. f (liln il im aginar agentes de pro­
paganda de m assa no Ocidenie delendendo seus pontos de vista
através de alusões a eras i.ki ,inii;;.is, a hcptarquia anglo-saxônica na
Inglaterra os aos m on.inas i.nolíngios na França. Inflam ado pelo
Introdução 17
m esm o espírito, O sam a bin Laden insulta o presidente Bush ao
igualá-lo ao Faraó, e acusa o vice-presidente Dick Cheney e o secre­
tário de Estado Colin Powell (citados no m esm o contexto) de terem
produzido m aior devastação no Iraque durante e após a G uerra do
Golfo de 1991 do que os cãs m ongóis que, em m eados do século XIII,
conquistaram Bagdá e destruíram o califado abássida. Os povos do
O riente M édio têm um a percepção da história que é fom entada nos
púlpitos, nas escolas e pela m ídia, e em bora possa ser - e, m uitas ve­
zes, é - distorcida e pouco acurada, é, ainda assim, vivida, e tem p ro ­
funda repercussão.
18 A crise do islã
Em 23 de fevereiro de 1998, o Al-Q uds al-Arabi, u m jo rn al árabe p u ­
blicado em Londres, trouxe a íntegra de um a “Declaração da Frente
Islâmica M undial para a Jihad contra os Judeus e os C ruzados”. De
acordo com o jornal, o texto lhes foi enviado por fax, com as assina­
turas de O sam a bin Laden e dos líderes dos grupos da jihad no Egito,
Paquistão e em Bangladesh. A declaração - um a m agnífica peça de
eloqüente, e por vezes poética, prosa árabe - revela um a versão da
história que, para a m aior parte dos ocidentais, soará nada familiar.
As queixas feitas por Bin Laden naquele docum ento não são exata­
m ente as que m uitos poderiam esperar. A declaração começa com a
citação das passagens m ais m ilitantes do Alcorão e dos ditos do pro­
feta M aom é, e depois continua: “Desde que Deus m oldou a Penínsu­
la Arábica, criou seus desertos e a cercou com seus m ares, jam ais
um a calam idade a assolou com o essas hostes de cruzados que se es­
palharam sobre ela com o gafanhotos, infestando seu solo, com endo
seus frutos e destruindo sua vegetação; e isso num (empo em que as
nações se lançam contra os m uçulm anos com o convivas de um jan ­
tar acotovelando-se em volta de um a travessa de com ida.”
A partir desse ponto, a declaração segue falando sobre a necessi­
dade de com preender a situação e agir para corrigi-la. Os latos, diz o
(cxto, são conhecidos por todos, e são apresentados em três tópicos
principais.
Primeiro - Há mais de sete anos os Estados Unidos estão ocupando as
terras do islã no mais sagrado de seus territórios, a Arábia, pilhando
suas riquezas, esmagando seus governantes, hum ilhando seu povo,
ameaçando seus vizinhos e usando suas bases na península com o pon­
ta de lança para lutar contra os povos islâmicos da vizinhança.
Embora tenha havido controvérsias no passado sobre a verdadeira na­
tureza dessa ocupação, o povo da Arábia, em sua totalidade, agora a
reconhece.
Não há m elhor prova disso que a contínua agressão norte-am eri­
cana contra o povo do Iraque, desencadeada da Arábia a despeito de
seus governantes, que, m esm o sendo todos eles contrários ao uso
de seus territórios para tal propósito, estão subjugados.
Segundo - Apesar da imensa destruição infligida ao povo iraquiano
pelas mãos dos cruzados e judeus em aliança, e apesar do número cho­
cante de mortes, que ultrapassaram um milhão, os norte-americanos,
ainda assim, a despeito de tudo isso, estão tentando, mais uma vez, re­
petir essa pavorosa carnificina. Parece que o longo bloqueio que se se­
guiu a uma guerra selvagem, o desm embramento e a de.struição não
são suficientes para eles. Assim, voltam hoje para destruir o que resta
desse povo e humilhar seus vizinhos muçulm anos.
Terceiro - Embora os propósitos dos norte-americanos nessas guerras
sejam religiosos e econôm icos, eles também servem .o insignificante
Estado dos judeus, desviando a atenção de sua oi iipaçao de )erusalém
e da morte de m uçulm anos na cidade.
Não há m elhor prova de tudo isso i|iie a s.mh.i norle-americana de
destruir o Iraque, o mais forte dos Estados .ii .ihes vi/inhos, esua tenta­
tiva de desmembrar todos os Estados d.i ic-g.i.io, com o o Iraque, a Ará­
bia Saudita, o Egito e o Sudão, (ranslorm.nulo os em Estados menores
cuja divisão e fraqueza garantiriam .1 sohicvivencia de Israel e a conti­
nuação da calamitosa ociipa(,ao d.is lei i.is da Arábia pelos cruzados.
Esses crimes, continua a dec lar.içao, eqüivalem a um a “declara­
ção explícita de gueri.i pelos noric-am ericanos contra Deus, Seu
Introdução 19
Profeta e os m uçulm anos. Em tal situação, os ulemás têm opinado
unanim em ente através dos séculos que, quando inim igos atacam as
terras m uçulm anas, ajihad torna-se um a obrigação pessoal de todos
os m uçulm anos”.
Os signatários citam várias autoridades m uçulm anas e passam
então para a parte final e mais im portante da declaração, afatw a, es­
tabelecendo que “m atar am ericanos e seus aliados, tanto civis q uan­
to militares, é um a obrigação individual de todos os m uçulm anos
capazes, em qualquer país em que isso seja possível, até que a m es­
quita de Aqsa [em Jerusalém] e a m esquita de H aram [em Meca] se­
jam libertadas de seu jugo, e até que seus exércitos, despedaçados e
capengas, abandonem todas as terras do islã, incapazes de am eaçar
qualquer m uçulm ano”.
Após citar alguns outros versículos relevantes do Alcorão, o do ­
cum ento continua: “Com a perm issão de Deus, convocamos todos
os m uçulm anos que acreditam em Deus e esperam recom pensa por
obedecer a Seus com andos para m atar os norte-am ericanos e sa­
quear suas posses onde quer que os encontrem e quando quer que
consigam. Da m esm a form a, convocam os os ulemás, os líderes, os
jovens e os soldados m uçulm anos para dar início a ataques contra os
exércitos dos dem ônios norte-am ericanos e contra aqueles ajudan­
tes de Satã que são seus aliados.” A declaração e a fatw a term inam
com um a série de outras citações das escrituras m uçulm anas.
20 A crise do islã
Segundo a visão ocidental corrente, a C uerra do Colfo de 1991 foi
iniciada pelos Estados U nidos, com um a coalizão de países árabes e
outros aliados, para libertar o Kuwait da conquista e ocupação ira­
quianas e proteger a Arábia Saudita contra um a agressão do Iraque.
Ver essa guerra com o um a agressão norte-am ericana ao lr;K|Lic pode
parecer um tanto estranho, mas essa é a pcrspcciiv.i am plam ente
aceita no m undo islâmico. Na m edida cm c|uc se dilui ,i m em ória do
ataque de Saddam Hussein ao Kuwait, o cpie entra no loco das aten-
ções são as sanções contra o Iraque, os aviões norte-am ericanos e
britânicos patrulhando os céus a partir de bases na Arábia, o sofri­
m ento do povo iraquiano e, crescentem ente, o que se percebe com o
a tendenciosidade norte-am ericana a favor de Israel.
As três áreas de queixas listadas na declaração - Arábia, Iraque,
lerusalém - são familiares para observadores do cenário no O riente
Médio. O que pode ser m enos fam iliar é a seqüência e a ênfase com
i|Lie essas áreas são apresentadas. Isso não será nenhum a surpresa
inira qualquer um versado na história e literatura islâmicas. Em bora
iiós, ocidentais, tendam os a esquecer isso algumas vezes, para os m u ­
çulm anos a Terra Santa por excelência é a Arábia e, especialmente, a
região do Hijaz e suas duas cidades sagradas - Meca, onde nasceu o
1’rofeta, e M edina, onde se estabeleceu o prim eiro Estado m uçulm a­
no; o país cujo povo foi o prim eiro a acorrer à nova fé e tornou-se seu
baluarte. O profeta M aom é viveu e m orreu na Arábia, bem com o
seus sucessores im ediatos, os califas, no com ando da com unidade.
I)esde então, exceto por breve intervalo na Síria, o centro do m undo
islâmico e o cenário de suas m aiores realizações foi o Iraque, e Bagdá,
sua capital, foi a sede do califado por m eio m ilênio. Para os m uçul­
manos, não se pode jam ais renunciar a nenhum pedaço de terra um a
vez que tenha sido anexado à esfera de dom ínio do islã, mas nenhum
se com para em significado à Arábia e ao Iraque.
Desses dois, a Arábia é, de longe, o m ais im portante. II istoriado-
res árabes clássicos contam que, no ano 20 da era m uçulm ana (cor­
respondente ao ano 641 d.C.), o califa ‘U m ar decretou c|ue judeus e
cristãos deveriam ser retirados de toda a Arábia, com exceção das fai­
xas do sul e do leste, em obediência a um com ando tio Ihofeta pro­
nunciado em seu leito de m orte: “Q ue nao baja duas religiões na
Arábia.”
Os povos em questão eram os judeus do oásjs de Khaybar, no
norte, e os cristãos de Najran, no sul. Ambos constituíam com unida­
des antigas e bem consoliilatlas, de tala, cultura e m odo de vida ára­
bes, diferindo de seus vi/jiihos apenas em sua fé.
Introdução 21
A atribuição daquela fala ao Profeta foi im pugnada por algumas
autoridades islâmicas mais antigas. Mas, de m odo geral, foi aceita e
cum prida. A expulsão de m inorias religiosas é extrem am ente rara na
história islâmica - ao contrário da cristandade medieval, na qual
expulsões de judeus e, após a Reconquista, de m uçulm anos eram
norm ais e freqüentes. C om parado com as expulsões européias, o de­
creto de ‘U m ar era tanto lim itado quanto compassivo. Não incluía o
sul e o sudeste da Arábia, que não eram vistos com o parte da Terra
Santa islâmica. E, diferentem ente dos judeus e m uçulm anos expul­
sos da Espanha e de outros países europeus, obrigados a encontrar o
refúgio que pudessem em outro lugar, os judeus e cristãos da Arábia
foram reassentados em terras destinadas a eles - os judeus, na Síria e
na Palestina e os cristãos, no Iraque. O processo foi gradual, em vez
de súbito, e há registros de judeus e cristãos em Khaybar e N ajran por
algum tem po ainda após o decreto.
A expulsão foi concluída a seu tem po e, desde então, a Terra
Santa do Hijaz tem sido território proibido para não-m uçulm anos.
De acordo com a escola de jurisprudência islâmica reconhecida pelo
Estado saudita e por O sam a bin Laden e seus seguidores, até m esm o
o fato de um não-m uçulm ano pisar o solo sagrado já é um a grande
ofensa. No resto do reino, os não-m uçulm anos, em bora adm itidos
com o visitantes tem porários, não tinham perm issão para fixar resi­
dência ou praticar suas religiões. O porto de Djedda, no M ar Verme­
lho, funcionou, durante m uito tem po, com o um tipo de área de
quarentena religiosa, na qual representantes diplom áticos, consula­
res e comerciais recebiam perm issão de viver estritam ente num cará­
ter tem porário.
A partir da década de 1930, a descoberta e exploração do petró­
leo e o conseqüente crescim ento de Riad - a capital saudita que, de
um a pequena cidade de oásis, transform ou-se num a grande m etró­
pole - trouxeram m uitas m udanças e considerável inlliixo de estran­
geiros, predom inantem ente norte-am ericanos, o que alclou todos os
aspectos da vida árabe. A presença desses estrangeiros, ainda vista
22 A crise do islã
por m uitos com o um a profanação, pode ajudar a explicar o clima de
crescente ressentim ento.
A Arábia foi am eaçada pelos cruzados durante algum tem po, no
século XII da era cristã. Depois de derrotados e expulsos, a outra
ameaça infiel à Arábia com eçou no século XVIII, com a consolidação
do poder europeu no sul da Ásia e o aparecim ento de navios euro­
peus - ou seja, cristãos - no litoral da Arábia. O ressentim ento daí re­
sultante constituiu pelo m enos um dos elem entos do revivalismo
religioso inspirado na Arábia pelo m ovim ento wahhabi, com andado
pela Casa de Saud { S u u d em árabe), fundadora do Estado saudita.
D urante o período de influência anglo-francesa e de seu dom ínio do
O riente M édio nos séculos XIX e XX, os poderes im periais governa­
ram o Egito, o Sudão, o Iraque, a Síria e a Palestina. T iraram certo
proveito das m argens da Arábia, de Áden e do golfo Pérsico, m as fo­
ram suficientem ente sábios para não ter nenhum envolvim ento m i­
litar, e apenas um m ínim o político, nos negócios da Península.
Enquanto esse envolvim ento estrangeiro era exclusivamente
econôm ico, e enquanto o retorno era mais que adequado para apla­
car todas as queixas, a presença estrangeira pôde ser tolerada. Mas,
nos anos recentes, os term os de com prom isso m udaram . Com a que­
da dos preços do petróleo e o aum ento de população e gastos, o
retorno deixou de ser adequado e as queixas tornaram -se m ais n u ­
m erosas e m ais audíveis. Tam pouco está a participação lim itada às
atividades econômicas. A revolução no Irã, as am bições de Saddam
Elussein c o conseqüente agravam ento de todos os problem as da re­
gião, especialm ente o eonllito Israel-Palestina, agregaram dim ensões
políticas e mililai es a presença estrangeira, dando algum a plausibili-
dade aos cada vez mais lieqücntes brados de “im perialism o”. Q uan­
do se tratar de sua lin .i S.mta, m uitos m uçulm anos tenderão a
caracterizar a luta e, alg.iini.is vezes, tam bém o inim igo, em term os
religiosos e a ver as trop.is norle-am ericanas enviadas para liberar o
Kuwait e salvar a Ai .ibi.i S.uulila de Saddam Hussein com o invasores
Introdução 23
e ocupantes infléis. Essa percepção é aguçada pela inquestionável su­
prem acia norte-am ericana entre as autoridades do m undo infiel.
Para a m aior parte dos norte-am ericanos, a declaração de Bin
Laden é urna caricatura, urna distorção flagrante da natureza e do
propósito da presença norte-am ericana na Arábia. Tam bém deve­
riam estar conscientes de que, para m uitos m uçulm anos, talvez a
m aioria deles, a declaração é um a caricatura igualm ente grotesca da
natureza do islã, e m esm o de sua doutrina de jihad. O Alcorão fala de
paz, bem com o de güera. As centenas de m ilhares de tradições e ditos
atribuidos, com variados graus de confiabilidade, ao Profeta, e algu­
m as vezes interpretados de m aneiras m uito diversas, oferecem am ­
pla gam a de orientações, das quais a interpretação m ilitante e
violenta da religião é apenas urna dentre m uitas.
Enquanto isso, núm eros significativos de m uçulm anos estão
prontos para aprovar, e uns poucos deles para aplicar, essa interpre­
tação de sua religião. O terrorism o requer apenas uns poucos. O b­
viam ente, o O cidente tem que se defender por quaisquer meios
efetivos. Mas, ao conceber meios de com bater os terroristas, certa­
m ente seria útil entender as forças que os im pelem .
24 A crise do islã
1 Definindo o Islã
É difícil generalizar a respeito do islã. Para começar, a própria pala­
vra é usualm ente em pregada com dois significados relacionados,
mas distintos, eqüivalendo tanto a cristianism o quanto a cristanda­
de. No prim eiro sentido, indica um a religião, um sistema de crença e
culto; no outro, a civilização que cresceu e floresceu sob a égide da­
quela religião. Assim, a palavra “islã” denota m ais de 14 séculos de
história, 1,3 bilhão de pessoas e um a tradição religiosa e cultural de
enorm e diversidade. Cristianism o e cristandade representam um
período mais longo e um núm ero m aior - m ais de 20 séculos, mais
de dois bilhões de pessoas c um a diversidade ainda maior. M esmo
assim, são possíveis certas generalizações a respeito do que é indife­
rentem ente cham ado cristão, judaico-cristão, pós-cristão e, mais
sim plesm ente, civilização ocidental. Em bora possa ser difícil - e, às
vezes, em certo sentido, |)crigoso - generalizar sobre a civilização is­
lâmica, i.sso não c impossível, c pode ter algum as utilidades.
Em Icrmos es|i.K i.iis, o dom ínio do islã estende-se do M arrocos
à Indonésia, do ( ;a/.u|uisl,io ao Senegal. Tem poralm ente, retrocede a
m ais de 14 séculos, .lo advento e à missão do profeta M aom é na A rá­
bia, no século VII d.(2, i|uaiulo criou a com unidade e o Estado islâ­
micos. No período que hisloi iadores europeus vêem com o um negro
interlúdio entre o declínio da eivilização antiga - Grécia e Rom a - e o
surgim ento da m oderna, oii seja, da Europa, o islã era a civilização
25
que liderava o m undo, m arcada por seus grandes e poderosos rei­
nos, pela riqueza e variedade da indústria e do com ércio, por suas
ciências e artes engenhosas e criativas. M uito mais que a cristandade,
o islã foi o estágio interm ediário entre o antigo O riente e o m oderno
O cidente, para o qual contribuiu de m odo significativo. D urante os
últim os três séculos, contudo, o m undo islâmico perdeu sua dom i-
nância e liderança e ficou para trás do m oderno O cidente e tam bém
do O riente rapidam ente m odernizado. Esse crescente hiato apresen­
ta problem as cada vez m ais agudos, tanto de ordem prática quanto
em ocional, para os quais os governantes, pensadores e rebeldes do
islã ainda não encontraram respostas convincentes.
Com o religião, o islã é, sob todos os aspectos, m uito mais próxi­
m o da tradição judaico-cristã que de qualquer um a das grandes reli­
giões da Ásia, com o o hinduísm o, o budism o ou o confucionism o. O
judaísm o e o islã têm em com um a crença em um a lei divina que re­
gula todos os aspectos da atividade hum ana, incluindo até m esm o a
com ida e a bebida. Cristãos e m uçulm anos partilham um m esm o
triunfalism o. Em contraste com as outras religiões, incluindo o ju ­
daísm o, acreditam que são os únicos afortunados a receber e guardar
a m ensagem final de Deus para a hum anidade, sendo sua obrigação
levá-la ao resto do m undo. C om paradas com as mais antigas reli­
giões orientais, todas as três religiões do O riente M édio - judaísm o,
cristianism o e islam ism o - estão intim am ente relacionadas e apare­
cem, de fato, com o variantes da m esm a tradição religiosa.
A cristandade e o islã são, de m uitas m aneiras, civilizações
irm ãs, am bas derivadas de um a m esm a herança - a revelação c pro­
fecia judaicas e a filosofia e ciência gregas - e nutridas pelas im em o­
riais tradições do O riente M édio antigo. D urante a maioi parte de
sua história conjunta, têm sido im pelidas a se com bak iem, mas,
m esm o no conflito e na polêm ica, revelam seu paren testo essencial e
os traços com uns que as unem e as distinguem das civiliz.içoes asiáti­
cas mais distantes.
26 A crise do islã
Mas, assim com o há semelhanças, há tam bém profundas dispa­
ridades entre as duas, que vão além das óbvias diferenças de dogm a e
culto. Em nenhum outro aspecto essas diferenças são mais profun-
rlas - e mais óbvias - que na atitude dessas religiões e de seus expoen­
tes legitim ados a respeito das relações entre governo, religião e
sociedade. O fundador do cristianism o ordenou a seus seguidores
dar “a César o que é de César, e a Deus o que é de D eus” (M at. 22:21)
e, durante séculos, o cristianism o cresceu e se desenvolveu com o
um a religião dos oprim idos, até que, com a conversão do im perador
( Àmstantino, o próprio César tornou-se cristão e inaugurou um a sé­
rie de m udanças através das quais a nova fé ganhou o Im pério Ro­
m ano e transform ou sua civilização.
O fundador do islã foi seu próprio C onstantino, e fundou seu
próprio Estado e im pério. Assim, ele não criou - nem necessitou
criar - um a igreja. A dicotom ía entre regnum e sacerdotium, tão
crucial na história da cristandade ocidental, não tinha nenhum equi­
valente no islã. D urante a vida de M aom é, os m uçulm anos to rn a­
ram-se, ao m esm o tem po, um a com unidade política e religiosa,
tendo o Profeta com o chefe de Estado. C om o tal, ele governava um
lugar e um povo, propiciava justiça, recolhia im postos, com andava
exércitos, declarava guerra e fazia a paz. A prim eira geração m uçul­
m ana do período de form ação do islã, cujas aventuras constituem
sua história sagrada, não foi posta à prova continuam ente por perse­
guições e nem tinha um a tradição de resistência a um poder estatal
hostil. Ao contrário, o Estado que os regia era o do islã, e a aprovação
de Deus à sua causa m anifestava-se para eles sob a forma de vitória e
im pério neste m undo.
Na Rom a pagã. César era Deus. Para os crislãos, há um a escolha
entre Deus e César, e inum eráveis gerações de cristãos têm -se enre­
dado nas teias dessa escolha. No isla, nao havia nenhum a escolha ár­
dua com o essa a fazer. Na organi/açao política universal islâmica, tal
com o concebida pelos m uçulm anos, náo há César, apenas Deus, que
é o único soberano e a imie.i (ontc da lei. M aom é foi Seu profeta,
Definindo o islã 27
que durante a vida ensinou e governou em nom e de Deus. Q uando
m orreu, em 632 d.C., sua m issão espiritual e profética de trazer a pa­
lavra de Deus para a hum anidade havia sido com pletada. O que per­
m aneceu foi a tarefa religiosa de espalhar a revelação de D eus até
que, finalm ente, o m undo todo a aceitasse. Isso deveria ser alcança­
do am pliando a autoridade e, portanto, tam bém a participação da
com unidade que abraçava a verdadeira fé e sustentava a lei de Deus.
A fim de prover a adesão e a liderança necessárias para essa tarefa, re­
queria-se um substituto ou sucessor do Profeta. A palavra árabe kha-
lifa foi o título adotado por Abu Bakr, sogro do Profeta e seu
sucessor, cuja ascensão à chefia da com unidade islâmica m arcou a
fundação da grande instituição histórica do califado.
D urante o governo dos califas, a com unidade de M edina, onde
havia governado o Profeta, transform ou-se num vasto im pério em
pouco m enos de um século, e o islam ism o tornou-se um a religião
universal. Na experiência dos prim eiros m uçulm anos, tal com o pre­
servada e registrada para as gerações vindouras, a verdade religiosa e
o poder político eram indissoluvelm ente associados: a prim eira san-
tificava o segundo, e este sustentava aquela. O aiatolá K hom eini um a
vez observou que “o islã é política ou não é nada”. Nem todos os m u ­
çulm anos chegariam a tanto, m as a m aior parte deles concordaria
que D eus preocupa-se com a política, e essa crença é confirm ada e
sustentada pela sharia, a Lei Sagrada, que lida extensivam ente com a
aquisição e o exercício do poder, a natureza da legitim idade e da
autoridade, as obrigações dos governantes e súditos; em poucas pala­
vras, com aquilo que, no Ocidenlc, cham aríam os direito constitu­
cional e filosofia política.
A longa interação entre o islã e a cristand.ule, c suas m uitas se­
m elhanças e influências m útuas, algum as vezes lêm levado observa­
dores a ignorar certas diferenças significativas, t) Alcoi ao, di/.-se, é a
Bíblia m uçulm ana; a m esquita é a igreja m uçulm ana; os ulemás são
o clero m uçulm ano. As três afirm ações são verdadeiras, mas, ainda
assim, são perigosam ente enganosas. Tanto o Velho c]uanlo o Novo
28 A crise do islã
Testam ento consistem de coleções de diferentes livros, estenden-
do-se por longo período de tem po, e são considerados pelos crentes
a m aterialização da revelação divina. Para os m uçulm anos, o Alco­
rão é um único livro, revelado em um tem po determ inado por um
m esm o hom em , o profeta M aom é. Após intensos debates nos p ri­
m eiros séculos do islã, foi adotada a doutrina de que o Alcorão é, ele
m esm o, incriado e eterno, divino e im utável. Isso se tornou um
princípio central da fé.
A m esquita é, realm ente, a igreja m uçulm ana, no sentido de ser
um lugar de culto com unal. Mas não se pode falar “a M esquita”
com o se fala “a Igreja” - ou seja, um a instituição com sua própria
hierarquia e suas leis, em contraste com o Estado. Os ulemás (conhe­
cidos com o m ulás no Irã e nos países m uçulm anos influenciados
pela cultura persa) podem ser descritos com o sacerdotes no sentido
sociológico, pois são hom ens de religião por profissão, reconhecidos
com o tal por treinam ento e certificado. M as não há um clero no islã
- nenhum a m ediação clerical entre D eus e o fiel, nem ordenação,
sacram entos ou rituais que apenas um sacerdote ordenado possa
realizar. N o passado, ter-se-ia acrescentado que não há concilios
ou sínodos, nem bispos para definir a ortodoxia e inquisidores para
fazê-la cum prir. Pelo m enos no Irã, isso já não é inteiram ente
verdadeiro.
A principal função do ulem á - de um a palavra árabe significan­
do “conhecim ento”- é preservar e interpretar a Eei Sagrada. No final
dos tem pos medievais, surgiu algo com o um clero local que atendia
às necessidades das pessoas com im s em cidades e vilas, mas era
usualm ente separado do ulema e iiao coiilava com sua confiança, de­
vendo mais ao isla mislico do c|iie .10 dogm ático. Nas últim as m onar­
quias islâmicas, na 'liii(|uia e no Ir.i, apareceu um tipo de hierarquia
eclesiástica, mas sem rai/es n.i iiadiç.io m uçulm ana clássica, e m es­
m o essas hierarquias nniu .1 dem andaram - e, m enos ainda, exerce­
ram - os poderes dos piel.idos c 1 istãos. Nos tem pos m odernos, tem
havido m uitas m udanças, devidas, principalm ente, a influências oci­
Definindo o islã 29
dentais, e desenvolveram -se instituições e profissões que guardam
sem elhança suspeita com as igrejas e clérigos da cristandade. M as re­
presentam um afastam ento do islã clássico, e não um retorno a ele.
Se é possível, no m undo islâmico, falar de um clero num senso
sociológico lim itado, não há o m enor sentido em se falar de um a lai-
cidade. A própria noção de algo separado, ou m esm o separável, da
autoridade religiosa, expressa na linguagem cristã por term os com o
laico, temporal ou secular, é totalm ente estranha ao pensam ento e à
prática do islã. N ão foi senão a partir de tem pos relativam ente m o ­
dernos que passaram a existir equivalentes para esses term os na lín­
gua árabe. Foram tom ados em prestados do uso de cristãos de fala
árabe, ou recém -inventados.
Desde a época do Profeta, a sociedade islâmica tinha um a n atu ­
reza dupla. De um lado, era um a unidade política - um a capitania
que, sucessivamente, tornou-se um Estado e um im pério. De outro
lado, e ao m esm o tem po, era um a com unidade religiosa fundada por
um profeta e dirigida por seus substitutos, que tam bém eram seus
sucessores. Cristo foi crucificado, Moisés m orreu sem entrar na terra
prom etida, e as crenças e condutas de seus seguidores religiosos ain­
da são profundam ente influenciados pela m em ória desses fatos.
M aom é triunfou em vida e m orreu com o soberano e conquistador.
As condutas m uçulm anas resultantes não tinham com o não serem
confirm adas pela história subseqüente de sua religião. Na Europa
ocidental, invasores bárbaros [mas educáveis] encontraram um Es­
tado e um a religião já existindo: o Im pério Rom ano e a Igreja cristã.
Os invasores reconheceram am bos, e tentaram trabalhar para seus
próprios fins e neccssitiades denlro das eslriituras da sociedade ro­
m ana organizada e da religião ci isl.i, qiie em pregavam a língua lati­
na. Os invasores árabes m uçulm anos i|ue toiiquislaiam o O riente
M édio e a África do N orte trouxeram sua (uopi i.i le, lom suas p ró ­
prias escrituras em sua própria língua; criaram sua piopria consti­
tuição política, com um novo conjunto de leis, um novo idiom a
im perial e um a nova estrutura im perial, tendo o calila <,omo chefe
30 A crise do islã
suprem o. Esse Estado e essa organização eram definidos pelo islã, e a
associação plena era concedida exclusivam ente àqueles que profes­
savam a fé dom inante.
A carreira do profeta M aom é - o m odelo que todo bom m uçul­
m ano busca im itar, não só nisso, com o em tudo o mais, - divide-se
em duas partes. Na prim eira, durante os anos em sua cidade natal,
M eca (?570-622), era um oponente da oligarquia pagã que então
reinava. Na segunda, após sua m udança de Meca para M edina
(622-632), era o chefe de um Estado. Essas duas fases na carreira do
Profeta, um a de resistência, outra de com ando, estão refletidas no
Alcorão, onde, em diferentes capítulos, os fiéis são instruídos a obe­
decer ao representante de Deus e desobedecer ao Faraó, o paradigm a
do dirigente injusto e tirânico. Tais aspectos da vida e obra do Profeta
inspiraram duas tradições no islã, um a autoritária e quietista, a outra
radical e ativista. Ambas estão am plam ente refietidas, de um lado, no
desenvolvim ento da tradição, e, de outro, no desenrolar dos eventos.
N em sem pre foi fácil determ inar quem era o representante de Deus e
quem era o Faraó; m uitos livros foram escritos, e m uitas batalhas
travadas, na tentativa do fazê Io. O problem a perm anece, e as duas
tradições podem ser vist.is imiilo claram ente nas polêm icas e nos
conflitos de nosso (uoprio tempo.
Entre os extrem os de c|iiietismo e radicalism o há um a atitude
dissem inada, am plam enlr' t'xpiessada, de reserva, e m esm o de des­
confiança, diante ilo j;ovei no. Um exemplo é a m arcante diferença,
nos tem pos mcdiev.iis, d.is atitudes populares relativas ao cádi, um
juiz, e o m ufti, um |ui ise(insulto ria Lei Sagrada. O cádi, nom eado
pelo governante, c apresenl.ido n.i literatura e no folclore com o um a
figura m ercenária e .ite i kIk iiI.i; o mufti, reputado no islã medieval
pelo reconhecim ento de seus (.olegas e da população em geral, des­
frutava de estima e res|H iiii. Uin lema tradicional nas biografias de
hom ens devotos - as (|uais existem centenas de m ilhares - é que o
herói recebeu a olerl.i de um taigo governam ental e recusou. A ofer-
Definindo o Isla il
ta dem onstra seu conhecim ento e reputação; a recusa, sua inte­
gridade.
Nos tem pos otom anos, houve urna m udança im portante. O
cádi ganhou m uito em poder e autoridade, e m esm o o m ufti foi inte­
grado à hierarquia pública de autoridade. Mas a velha atitude de des­
confiança diante do governo persistiu e é freqüentem ente expressada
em provérbios, historias folclóricas e até na m elhor literatura.
Por m ais de m il anos, o islã forneceu o único conjunto univer­
salm ente aceitável de regras e principios para a regulação da vida p ú ­
blica e social. M esm o durante o período da m áxim a influência
européia, nos países governados ou dom inados por poderes im pe­
riais europeus, bem com o naqueles que perm aneceram indepen­
dentes, as noções e atitudes políticas islâmicas continuaram a exercer
profunda e dissem inada influência. Nos anos recentes, tem havido
m uitos sinais de que essas noções e atitudes podem estar retornando
ao padrão anterior de dom inância, em bora sob form as modificadas.
32 A crise do islã
É no terreno da política - interna, regional e internacional - que p o ­
dem ser vistas as diferenças mais m arcantes entre o islã e o resto do
m undo. Os chefes de Estado ou m inistros de Relações Exteriores dos
países escandinavos e do Reino U nido não se reúnem , de tem pos em
tem pos, em conferências de cúpula protestantes; nem foi jam ais um a
prática dos governantes da Grécia, Iugoslávia, Bulgária e União
Soviética, esquecendo tem porariam ente suas diferenças políticas e
ideológicas, prom over encontros regulares com base em sua adesão
prévia ou atual à Igreja O rtodoxa. Do m esm o m odo, os Estados b u ­
distas do leste e do sudeste asiático não constituem um liloco budista
nas Nações U nidas nem em nenhum a outra de suas atividades políti­
cas. No m undo m oderno, a própria iiléia de lal gi ii|iam ento baseado
na religião pode parecer anacrônica e ale absuul.i. M .isem relação ao
islã, não é anacrônica nem absurda. Ao lougo das tensões da G uerra
Fria, e após aquele período, mais de cinqüenta governos m uçulm a-
nos - incluindo m onarquias e repúblicas, conservadores e radicais,
adeptos do capitalism o e do socialismo, partidários do bloco ociden­
tal e do bloco oriental, e toda um a gama de graus de neutralidade -
construíram um elaborado aparato de consulta internacional e, em
m uitos casos, de cooperação.
Em setem bro de 1969, um a conferência de cúpula islâmica reu­
nida em Rabá, no M arrocos, decidiu criar um a entidade cham ada
Organização da Conferência Islâmica (O C I), com um a secretaria
perm anente em D jedda, na Arábia Saudita. A entidade foi criada e se
desenvolveu rapidam ente na década de 1970. Suas preocupações
principais eram a ajuda aos países m uçulm anos pobres, o apoio às
m inorias m uçulm anas em países não-m uçulm anos e a posição in ­
ternacional do islã e dos m uçulm anos - nas palavras de um observa­
dor, os direitos islâmicos do hom em .
Essa organização tem agora 57 Estados m em bros, além de três
com status de observadores. Dois desses Estados, Albânia e Turquia,
estão, ou aspiram a estar, na Europa (a Bosnia tem apenas o status de
observador); dois, Surinam e (adm itido em 1996) e G uiana (adm iti­
da em 1998), estão no hem isfério ocidental. Os demais estão na Ásia
e na África, e, com poucas exceções, gantiaram sua independência
nos últim os 50 anos dos im périos da fluropa ocidental e, mais recen­
tem ente, do Soviético. A m.iior parle desses Estados tem um a p o p u ­
lação quase em siia totalidade iiiuçulm ana, em bora alguns poucos
tenham sido adm itidos em limçao da força de suas significativas m i­
norias m uçulm anas. Alem di-ssi-s lisiados, há im portantes m inorias
m uçulm anas em outros países algumas delas sem elhantes à m aio­
ria, com o na liulia, onl r.is, f-inica c religiosamente distintas, com o os
tchetchenos e os l.n l.iios da federação Russa. Alguns países, com o a
China, têm m inorias m uçulm anas dos dois tipos. A tualm ente, m ui­
tos outros estão g.mli.mdo m inorias m uçulm anas em conseqüência
de imigrações.
Houve e há im porlanles limites à eficácia da O CI com o um ator
no cenário polít ico in u-rn acionai. A invasão soviética do Afeganistão
Definindo o islã 33
em 1979, um flagrante ato de agressão contra urna nação m uçulm a­
na soberana, não evocou protestos sérios e foi até defendida por al­
guns m em bros. M ais recentem ente, a Organização tem deixado de
se m anifestar a respeito de guerras civis em Estados m em bros com o
Sudão e Somalia. Seu desem penho em questões regionais tam bém
não foi significativo. Entre 1980 e 1988, dois países islâmicos, Iraque
e Irã, envolveram -se num a guerra devastadora, infligindo im ensos
danos um ao outro. A OCI nada fez, nem para im pedir a guerra nem
para dar fim a ela. Em geral, a OCI, diferentem ente da Organização
dos Estados A m ericanos e da Organização da U nidade Africana, não
se ocupa de abusos de direitos hum anos e outros problem as internos
dos Estados m em bros; suas preocupações com a questão têm -se
lim itado à situação de m uçulm anos vivendo em países nâo-m u-
çulm anos, principalm ente na Palestina. No entanto, a OCI não deve
ser desconsiderada. Suas atividades culturais e sociais são im portan­
tes e crescentes, e o aparato que propicia para consultas regulares en­
tre Estados m em bros pode ganhar im portância à m edida que a
G uerra Fria e seus efeitos perturbadores vão ficando para trás.
Passando da política internacional para a regional e nacional, as
diferenças entre o islã e o resto do m undo, em bora m enos m arcantes,
são ainda substanciais. Em alguns dos países com regimes dem ocrá­
ticos m ultipartidários existem partidos políticos com designações
religiosas - Cristão no Ocidente, H indu na índia. Budista no O rien­
te. Mas esses partidos são relativam ente poucos, e os que desem pe­
nham papel im portante são ainda em m enor núm ero. M esm o no
caso desses últim os, os tem as religiosos são, em geral, de m enor im ­
portância em seus program as e apelos ao eleitorado. Entretanto, na
m aioria dos países islâmicos, a religião continua a ser um fator polí­
tico relevante - m uito mais no cam po dom estico, de lato, que nas
questões internacionais ou m esm o regionais. (Ju.il a ia/ao dessa d i­
ferença?
Um a resposta é óbvia: a m aior pai te dos países m uçulm anos
ainda é profundam ente m uçulm ana, de um a form a e luim sentido
34 A crise do islã
que a m aioria dos países cristãos já não é. É certo que, em m uitos
desses últim os, as crenças cristãs e o clero que as sustentam ainda são
um a força poderosa. Em bora seu papel não seja o m esm o que o de
séculos passados, não é, de m aneira algum a, insignificante. M as em
nenhum país cristão da atualidade os líderes religiosos podem con­
tar com um grau de crença e participação com o o que continua a ser
norm alm ente encontrado em terras m uçulm anas. Em poucos países
cristãos, se é que em algum, os princípios e práticas cristãos estão
im unes a com entários críticos ou discussões no nível em que é aceito
com o norm al m esm o em sociedades m uçulm anas ostensivam ente
seculares e dem ocráticas. N a realidade, essa im unidade privilegiada
tem sido estendida, de facto, a países ocidentais onde com unidades
m uçulm anas estão já estabelecidas e onde crenças e práticas m uçul­
m anas têm garantia de im unidade a críticas num nível que as m aio­
rias cristãs perderam e as m inorias judias nunca tiveram . Mais
im portante ainda; com m uito poucas exceções, o clero cristão não
exerce ou nem ao m enos dem anda o tipo de autoridade pública que
ainda é norm al e aceita na m aior parte dos países m uçulm anos.
O nível m ais elevado de fé c práticas religiosas entre os m uçul­
m anos, em com paração com seguidores dc outras religiões, explica,
em parte, a atitude única dos m uçulm anos frente à política; não é a
explicação total, já que atitude sem elhante pode ser encontrada em
indivíduos e m esm o em grupos inteiros cujo com prom isso com a fé
e a prática religiosas é, iio m.iximo, superficial. O islã é não apenas
um a questão de fé e prát ica; e tam liém um a identidade e um a lealda­
de que, para m uitos, trausceudem todas as demais.
Aparentem ente, a impoi tação de noções ocidentais de patriotis­
m o e nacionalism o m uilou tudo isso e levou à criação de um a série
de Estados-naçocs m odeinos que se estendem por todo o m undo is­
lâmico, do M arroios a Indonésia.
Mas nem tudo e com o parece ser. Dois exemplos podem ser su­
ficientes. Em 1923, aiKÍs a últim a guerra greco-turca, os dois gover­
nos concordaram em resolver os problem as de suas m inorias através
Definindo o islã 35
de um a troca de populações - gregos foram m andados da T urquia
para a Grécia, turcos foram enviados da Grécia para a Turquia. Pelo
m enos, é isso, em geral, o que contam os livros de historia. Os fatos
são um tanto diferentes. O protocolo assinado pelos dois governos
em Lausanne em 1923, contendo o acordo de trocas, não fala de
“gregos” e “turcos”. Ele define as pessoas a serem trocadas com o “se­
guidores turcos da religião ortodoxa grega residindo na T urquia” e
“seguidores gregos da religião m uçulm ana residindo na Grécia”.
Assim, o protocolo reconhece apenas dois tipos de identidade - um a
definida por ser súdito de um Estado, e outra por ser seguidor de
um a religião. N ão é feita qualquer referência a nacionalidades étni­
cas ou lingüísticas. A precisão desse docum ento em expressar as in ­
tenções dos signatários foi confirm ada pela troca verdadeiram ente
realizada. M uitos dos assim cham ados gregos da província de Kara-
m an, na A natólia turca, tinham o turco com o língua m aterna, mas
usavam o alfabeto grego para escrever e freqüentavam os cultos das
igrejas ortodoxas. M uitos dos assim cham ados turcos da Grécia não
sabiam turco, ou sabiam m uito pouco, e usualm ente falavam grego
- mas escreviam com o alfabeto turco-árabe.
Um observador ocidental, acostum ado a um sistema ocidental
de classificação, poderia m uito bem ter concluído que o que os go­
vernos da Grécia e da Turquia concordaram em fazer, e fizeram, não
foi a troca e a repatriação de m inorias nacionais gregas e turcas, mas
sim um a dupla deportação para o exílio - de m uçulm anos gregos
para a Turquia, de turcos cristãos para a Grécia. Até m uito recente­
m ente, a Grécia e a Turquia, am bas dem ocracias ocidentalizadas, a
prim eira, m em bro efetivo da União Européia, a segunda, candidata,
reservavam um cam po específico para religião nos docum entos de
identidade oficiais.
Um segundo exemplo é o Egito. Poucos países, (alvez nenhum
outro, têm m elhores elem entos para reclam ar seu caráter de nação -
um país claram ente caracterizado tanto pela história quanto pela
geografia, com um a história ininterrupta de civili/.açao que se esten-
36 A crise do islã
de por mais de cinco m il anos. M as os egipcios têm diversas identi­
dades, e, na m aior parte dos últim os 14 séculos - isto é, desde a
conquista árabe-islám ica do Egito no século VII e a subseqüente isla-
mização e arabização do país - raram ente a egipcia tem sido a predo­
m inante: têm precedência a identidade cultural e lingüística do
arabism o ou, durante a m aior parte de sua historia, a identidade reli­
giosa do islã. C om o nação, o Egito é urna das m ais antigas do m u n ­
do. Com o Estado-nação, é urna criação m oderna e ainda enfrenta
m uitos desafíos internos. A tualm ente, o m ais forte desses desafíos,
tam bém encontrado em alguns outros países m uçulm anos, vem de
grupos islâmicos radicais, do tipo com um ente descrito hoje, em bora
de form a equivocada, com o “fundam entalista”.
Definindo o islã 37
Desde quando seu Fundador era vivo e, portanto, conform e suas sa­
gradas escrituras, o islã está associado, no espirito e na m em oria dos
m uçulm anos, com o exercício do poder político e militar. O islã clás­
sico reconhecia a distinção entre coisas desse m undo e coisas do p ró ­
xim o, entre reflexões pias e m undanas. O que não reconhecia erá
um a instituição separada, com hierarquia e leis próprias, para regu­
lar questões religiosas.
Isso significa então que o islã é urna teocracia? No sentido de
que Deus é visto com o o suprem o soberano, a resposta teria que ser
um decisivo sim. No sentido de governo por um sacerdocio, definiti­
vam ente não. O surgim ento de urna hierarquia sacerdotal que veio a
assum ir a autoridade mais elevada no Estado é urna inovação m o ­
derna e urna contribuição exclusiva do aiatolá K hom eini do Irã ao
pensam ento e .i experiência do islã.
A Revolução Islâmica no Irã, com o as revoluções Francesa e
Russa às quais se assemelha em m uitos aspectos, teve um trem endo
im pacto não apenas naquele país e entre seu próprio povo, mas tam ­
bém em todos os países e povos com os quais tinha um universo dis­
cursivo em conunn. Com o as revoluções Francesa e Russa em suas
respectivas épocas, despertou trem enda esperança e enorm e entu­
siasmo. C om o aquelas revoluções, sofreu seu T error e sua guerra de
intervenção; com o elas, tem seus jacobinos e seus bolcheviques, de­
term inados a esm agar qualquer sinal de pragm atism o ou m odera­
ção. E, tal com o aquelas revoluções, mais particularm ente a Russa,
tem tam bém sua própria rede de agentes e emissários lutando, de vá­
rias form as, para prom over a causa revolucionária ou, pelo menos, o
regim e visto com o sua m aterialização.
A palavra revolução tem sido m uito m al usada no m oderno
O riente M édio, sendo aplicada a m uitos eventos - ou dem andada
por eles - que seriam mais adequadam ente designados pela expres­
são francesa coup d ’état, pela palavra alemã Putsch ou pela espanhola
pronunciamiento. É interessante que a experiência política dos povos
de língua inglesa não ofereça um term o equivalente. O que aconte­
ceu no Irã não foi nada disso, mas tratava-se, em suas origens, de um
autêntico m ovim ento revolucionário pró-m udança. Com o seus an­
tecessores, deu dem asiadam ente errado em m uitos aspectos, levan­
do à tirania no país e ao terror e à subversão fora. D iferentem ente da
França e da Rússia revolucionárias, o Irã revolucionário carece dos
meios, dos recursos e das competências para se tornar um a autoridade
e um a ameaça expressivas em esfera m undial. A ameaça que oferece é,
principal e totalm ente, para os m uçulm anos e para o próprio islã.
A onda revolucionária no islã tem diversos com ponentes. Um
deles é um senso de hum ilhação: o sentim ento de um a com unidade
de pessoas acostum adas a se verem com o as únicas guardiãs da ver­
dade de Deus, que receberam Dele o com ando de levá-la aos infiéis e
que, de repente, vêem-se dom inadas c exploradas por aqueles m es­
m os infiéis. M esm o quando já não mais ilom inadas, suas vidas são
m udadas e profundam ente afetadas, pois se scnlem tiradas do verda­
deiro cam inho islâmico e levadas para oiilios. A luim ilbação ju n ­
tou-se frustração, à m edida que lotam cxpei im eiilados vários
rem édios, a m aior parte im portada do Ocidente, e, um após outro,
todos falharam .
38 A crise do islã
Em seguida à hum ilhação e à frustração veio um terceiro com ­
ponente, necessário para o ressurgim ento - um a nova confiança e
um senso de poder renovado. Isso se m anifestou a partir da crise do
petróleo de 1973, quando, em apoio à guerra do Egito contra Israel,
os países árabes produtores de petróleo usaram tanto o fornecim en­
to quanto o preço com o arm as que se provaram m uito eficazes. A ri­
queza, o orgulho e a autoconfiança que resultaram do episódio
foram reforçados por outro elem ento tam bém novo; o desprezo. Em
contato com a Europa e a América, os visitantes m uçulm anos com e­
çaram a observar e descrever o que viram com o a degradação m oral
e a conseqüente fragilidade da civilização ocidental.
Em um tem po de tensões crescentes, ideologias vacilantes, leal-
dades exauridas e instituições decadentes, um a ideologia expressada
em term os islâmicos oferecia diversas vantagens: um a base em o­
cionalm ente fam iliar para a identidade grupai, a solidariedade e a ex­
clusão; um a base aceitável de legitim idade e autoridade; um a
form ulação im ediatam ente inteligível de princípios a serem usados
tanto num a crítica do presente quanto num program a para o futuro.
Através de tudo isso, o islã pôde prover os sím bolos e slogans mais
efetivos para a m obilização, seja a favor de um a causa ou um regime,
seja contra eles.
Os m ovim entos islâmicos tam bém têm outra im ensa vantagem
quando com parados com todos os seus com petidores. Nas m esqui­
tas, eles dispõem de um a rede de associação e com unicação que m es­
m o o mais ditatorial dos governos não pode controlar inteiram ente.
De fato, ditaduras brutais os ajudam , m esm o não tendo tal intenção,
ao elim inar oposições com petidoras.
O islam ism o radical, ao qual se tornou usual dar o nom e de fun-
dam entalism o islâmico, não é um único m ovim ento hom ogêneo.
Elá m uitos tipos de fundam entalism o islâmico em diferentes países
e, às vczcs, dentro de um m esm o país. Alguns são patrocinados pelo
Estado - prom ulgados, usados e prom ovidos por um ou outro go­
verno m uçulm ano para seus próprios propósitos; outros são genuí-
Definindo o islã 39
nos m ovim entos populares de base. Entre os m ovim entos islâmicos
patrocinados pelo Estado há tam bém vários tipos, tanto radicais
quanto conservadores, tanto subversivos quanto preventivos. M ovi­
m entos conservadores e preventivos têm sido iniciados por gover­
nos no poder buscando proteger-se de urna onda revolucionária.
São desse tipo os m ovim entos encorajados, em diferentes épocas,
pelos egipcios, paquistaneses e, principalm ente, sauditas. O outro
tipo, m uito m ais im portante, vem de baixo, com urna auténtica base
popular. O prim eiro desses a tom ar o poder e exercê-lo com m aior
sucesso foi o m ovim ento conhecido com o a Revolução Islâmica no
Irã. Regimes islâmicos radicais agora dom inam no Sudão e, por al­
gum tem po, dom inaram no Afeganistão, enquanto m ovim entos is­
lâm icos constituem grandes ameaças à já am eaçada ordem existente
em outros países, especialm ente Argélia e Egito.
Os fundam entalistas m uçulm anos, diferentem ente dos grupos
protestantes cujo nom e foi transferido para eles, não diferem da cor­
rente dom inante em questões de teologia e interpretação dos textos
sagrados. Sua crítica, em sentido m ais am plo, é relativa a toda a so­
ciedade. O m undo islâmico, na opinião desses fundam entalistas, to ­
m ou um cam inho errado. Seus governantes cham am a si m esm os
m uçulm anos e fingem ser o islã, mas são, de fato, apóstatas que abo­
liram a Lei Sagrada e adotaram leis e costum es estrangeiros, infiéis. A
única solução, segundo eles, é um retorno ao autêntico m odo de vida
m uçulm ano, c, para isso, <i remoção dos governos apóstatas é um
prim eiro passo essencial. Os fuiulam enlalislas são antiocidentais no
sentido de que vêem o Ocideiile com o a lonle do mal que está cor­
roendo a sociedade m uçulm ana, m.is scai prim eiro ataque está diri­
gido contra seus próprios govr-rnanU's e lideres. Assim foram os
m ovim entos que resultaram na ilei iubarla do xá do Irã em 1979 e no
assassinato do presidente Sadal, do Lgilo, dois anos depois. Ambos
eram vistos com o sintom as de um mal mais profundo a ser rem edia­
do com um a lim peza interna. No Egito, eles m ataram o dirigente.
40 A crise do islã
mas não conseguiram se apropriar do Estado; no Irã, destruíram o
regime e criaram o seu próprio.
Definindo o islã 41
O islã é um a das grandes religiões do m undo. D eu dignidade e senti­
do a vidas toscas e em pobrecidas. Ensinou hom ens de diferentes ra­
ças a viver em irm andade e povos de diferentes credos a viver lado a
lado em sensata tolerância. Inspirou um a grande civilização na qual
outros, além dos m uçulm anos, tiveram vidas criativas e proveitosas e
que, por suas realizações, enriqueceram o m undo inteiro. Mas o islã,
com o outras religiões, tam bém conheceu períodos nos quais inspi­
rou em alguns de seus seguidores um espírito de ódio e violência. É
um infortúnio nosso que tenham os que confrontar parte do m undo
m uçulm ano no m om ento em que atravessa um desses períodos, e
quando a m aior parte daquele ódio - mas não todo ele, de form a al­
gum a - está dirigido contra nós.
Por quê? N ão devemos exagerar as dim ensões do problem a. O
m undo m uçulm ano está longe de ser unânim e em sua rejeição do
Ocidente, e nem as regiões m uçulm anas do Terceiro M undo têm es­
tado sozinhas em sua hostilidade. Existem ainda núm eros significa­
tivos de m uçulm anos, em alguns lugares talvez a m aioria deles, com
os quais partilham os algu mas crenças e aspirações básicas de n ature­
za cultural e m oral, social e política; existe um a significativa presença
ocidental - cultural, econôm ica, diplom ática - em terras m uçulm a­
nas, algum as das quais sao aliadas do O cidente. M as há um a m aré
de ódio que aflige, alarma c, acima de tudo, desconcerta os norte-
am ericanos.
Frcqiicntcm enle esse odio vai além do nível de hostilidade a in ­
teresses, ações, políticas ou m esm o países específicos, e se transfor­
m a em rejeição à civilização ocidental propriam ente dita, não tanto
pelo que faz, m as pelo que é e [k To s princípios e valores que pratica e
professa. Na verdade, esses são vistos com o intrínsecam ente maléfi-
COS, e os que os prom ovem ou aceitam são considerados “inim igos
de D eus”.
Essa frase, que reaparece tão freqüentem ente nas declarações da
liderança iraniana, tanto em seus procedim entos jurídicos quanto
nos pronunciam entos políticos, pode parecer m uito estranha ao
m oderno observador externo, seja religioso ou secular. A idéia de
que Deus tem inim igos e necessita de ajuda hum ana para identifi­
cá-los e elim iná-los é um tanto difícil de assimilar. No entanto, não é
assim tão estranha. O conceito de inim igos de Deus era fam iliar na
Antigüidade pré-clássica e clássica, tanto no Antigo e Novo Testa­
m entos quanto no Alcorão.
No islã, a luta entre bem e m al adquiriu, desde o começo, di­
m ensões políticas e m esm o militares. Deve-se recordar que M aom é
era não apenas um profeta e m estre, tal com o os fundadores de ou ­
tras religiões; era tam bém um dirigente e um soldado. Daí que sua
luta envolvesse um Estado e suas forças arm adas. Se os com batentes
na guerra pelo islã, a guerra santa “no cam inho de D eus”, estão lu­
tando por Deus, segue-se que seus oponentes estão lutando contra
Deus. E dado que Deus é, em princípio, o soberano, o suprem o chefe
do Estado islâmico, tendo o Profeta e, depois dele, os califas como
Seus vice-regentes, então Deus, com o soberano, com anda o exército.
O exército é o exército de D eus e o inim igo é o inim igo de D eus.
A obrigação dos Seus soldados é despachar os inim igos, tão ráp i­
do quanto possível, para o lugar onde Deus os castigará, ou seja, a
outra vida.
Atualm cnle, a iiucsiao t h.ive (|ue ocupa os form uladores de po ­
líticas no O cidente pode sei expiessad.i sim |)lesm entc como: será o
islã, fundam eiitalista oli nao, iiiii.i aiiu-.u,.i p.iia o Ocidenie? A essa
questão simples têm sido d.idas varias respusi.is l.inibem simples, e,
sendo assim, a m aior parte aponía na direção ei i.ul.i. I )e .leordo com
um a escola de pensam ento, após o desm anlel.im eiilo da União So­
viética e do m ovim ento com unista, o islã e o lundaiueiil.ilism o islâ­
mico passaram a ocupar seus lugares com o a m aior ameaça ao
42 A crise do islã
O cidente e ao m odo de vida ocidental. De acordo com outra escola
de pensam ento, os m uçulm anos, incluindo os fundam entalistas ra­
dicais, são pessoas basicam ente decentes, am antes da paz e devotas,
algumas das quais foram levadas além do suportável por todas as
coisas terríveis que nós, do O cidente, tem os feito a elas. Escolhemos
vê-los com o inim igos porque tem os um a necessidade psicológica de
um inim igo para substituir a finada U nião Soviética.
Ambas as perspectivas contêm elem entos de verdade; am bas es­
tão perigosam ente erradas. O islã, com o tal, não é um inim igo do
Ocidente, e há porções crescentes de m uçulm anos, tanto lá com o
aqui, que desejam nada m ais que um a relação mais próxim a e mais
am istosa com o O cidente e o desenvolvim ento de instituições dem o­
cráticas em seus próprios países. Mas um núm ero significativo de
m uçulm anos - especialm ente aqueles que cham am os de fundam en­
talistas, mas não apenas eles - é hostil e perigoso, não porque neces­
sitemos de um inim igo, mas porque eles, sim.
Nos últim os anos tem havido algumas m udanças de ponto de
vista e, conseqüentem ente, de táticas entre os m uçulm anos. Alguns
deles ainda vêem o Ocidente em geral - e seu atual líder, os Estados
Unidos, em particular com o um antigo e irreconciliável inim igo do
islã, o único sério obstáculo à restauração da fé e da lei de Deus em
seus países e ao triunfo definitivo das m esm as em todo o m undo.
Para esses m uçulm anos, iiáo há outro cam inho senão a guerra até a
m orte, em obediência ao t|uc vêem com o os m andam entos de sua fé.
H á outros que, em bora perm anecendo m uçulm anos com prom eti­
dos e m uito consc ientes tias falhas da m oderna sociedade ocidental,
aindaassim lam bem veem seus m é rito s-se u espírito indagador, que
produziu a ciêiu i,i e ,t leenologia m odernas; suas preocupações com
a liberdade, t|ue t riaram m odernos governos dem ocráticos. Esses úl­
tim os, em bora m anieiulo suas próprias crenças e sua própria cultu­
ra, buscam juntai se a nós na cam inhada em direção a um m undo
mais livre e melhor. 1Ia outros ainda que, apesar de verem o O ciden­
te com o seu priiu ipal inimigo e com o fonte de todos os males, estão.
Definindo o islã 43
ainda assim, conscientes do poder ocidental e buscam algum a aco­
m odação tem porária a fim de m elhor se prepararem para a batalha
final. Seria sábio de nossa parte não confundir os segundos com os
terceiros.
44 A crise do islã
2 A Casa da Guerra
Ao longo da historia hum ana, m uitas civilizações floresceram e de­
caíram - China, índia, Grécia, Rom a e, antes delas, as antigas civili­
zações do O riente M édio. D urante os séculos que a história européia
cham a de medievais, a mais avançada civilização do m undo era, sem
dúvida, a do islã. O islã pode ter sido igualado - ou m esm o, em al­
guns aspectos, ultrapassado - pela índia e pela China, mas essas duas
perm aneceram essencialm ente circunscritas a um a região e a um
grupo étnico, e seu im pacto sobre o resto do m undo foi, por isso
m esm o, lim itado. A civilização do islã, em contraste, tinha perspecti­
vas ecum ênicas e, em suas aspirações, era explicitam ente assim.
U m a das tarefas elem entares legadas aos m uçulm anos pelo Pro­
feta era ãjihad. Essa palavra vem da raiz arábica j-h-d, significando
basicam ente em penho ou esforço. Com freqúência, é usada em tex­
tos clássicos com um seu lido bastante próxim o de batalha e, p o rtan ­
to, tam bém de luta. h usualm ente citada no versículo do Alcorão
“esforçando-se iio (.auiinho de D eus” (p.ex, IX, 24; LX, 1 etc.), e tem
recebido várias iiilerprelações no sentido de esforço m oral e luta ar­
m ada. Em ger.il, e bastante fácil entender, pelo contexto, qual dessas
nuances de siguilitado tem-se em m ente. No Alcorão, a palavra
ocorre m uitas ve/a s uesscs dois sentidos distintos, m as relacionados.
Nos prim eiros tapilulos, datados do período em Meca, quando o
Profeta ainda ci-.i o lulcr de um grupo m inoritário lutando contra a
45
oligarquia pagã dom inante, a palavra freqüentem ente tem o sentido,
preferido por exegetas m odernistas, de esforço m oral. Nos últim os
capítulos, revelados em M edina, onde o Profeta dirigia o Estado e
com andava seu exército, jihad geralm ente tem um a conotação prá­
tica m ais explícita. Em m uitos casos, o significado m ilitar é inequí­
voco. U m bom exem plo é a passagem IV, 95: “Aqueles crentes que
perm anecem em casa, além dos incapacitados, não são iguais àque­
les que se em penham no cam inho de Deus com seus bens e suas pes­
soas. Deus situou os que se em penham com seus bens e suas pessoas
em um nível mais elevado do que aqueles que perm anecem em casa.
Deus prom eteu recom pensa a todos que crêem , mas concede aos
que lutam um a recom pensa m aior, distinguindo-os dos que perm a­
necem em casa.” Juízos sem elhantes podem ser encontrados em VIII,
72; IX, 41, 81, 88; LXVI, 9 etc.
Alguns m uçulm anos m odernos, especialm ente ao se dirigirem
ao m undo exterior, explicam a obrigação da jihad num sentido espi­
ritual e m oral. A esm agadora m aioria das autoridades mais antigas,
citando as passagens relevantes do Alcorão, os com entários e as tra­
dições do Profeta, discute jihad em term os militares. Segundo a lei is­
lâmica, está de acordo com as escrituras fazer guerra contra quatro
tipos de inimigos: infiéis, apóstatas, rebeldes e bandidos. Em bora os
quatro tipos de guerras sejam legítimos, apenas os dois prim eiros
contam com o jihad. Portanto, a jihad é um a obrigação religiosa. Ao
discutir a obrigação da guerra santa, os juristas m uçulm anos clássi­
cos distinguem entre guerra ofensiva e defensiva. Na ofensiva, ajihad
é um a obrigação da com unidade m uçulm ana com o um lodo, e pode
ser cum prida, portanto, por com batentes voluntários e profissionais.
Em um a guerra defensiva, torna-se um a obrigação de Iodos os indi­
víduos fisicamente aptos. É esse princípio que Osam a bin l.adcn in­
vocou em sua declaração de guerra contra os Estados Unidos.
D urante a m aior parte dos 14 séculos de história m uçulm ana
registrada, a jihad foi m ais com um ente interpretada c o m o luta a r­
m ada para defesa ou aum ento do poder m uçulm ano. N.i ii adição
46 A crise do islã
m uçulm ana, o m undo é dividido em duas casas: a Casa do Islã [Dar
al-Islam), na qual existem governos m uçulm anos e onde prevalece a
lei m uçulm ana, e a Casa da G uerra {Dar al-Harh), o resto do m u n ­
do, ainda habitado por infiéis e, m ais im portante, sob governos
infiéis. A presunção é que a obrigação da jihad continuará, inter­
rom pida apenas por tréguas, até que o m undo todo adote a fé m u ­
çulm ana ou se subm eta ao m ando m uçulm ano. Aqueles que lutam
na jihad qualificam -se para recom pensas nos dois m undos, butim
nesse, paraíso no próxim o.
Nessa questão, com o em tantas outras, a orientação do Alcorão
c am pliada e elaborada ñas hadiths, tradições que tratam dos atos e
palavras do Profeta. M uitas dessas referem -se à guerra santa. Esses
são alguns exemplos:
A jihad é sua obrigação sob qualquer comandante, seja ele divino ou
iníquo.
É melhor um dia e uma noite de lutas na fronteira do que um mês de
jejum e prece.
A picada de uma formiga causa mais dor a um mártir do que a ferida
de uma arma, pois essa é mais bem -vinda para ele do que água fres­
ca e doce em um dia quente de verão.
Aquele que morre sem ter participado de um a campanha morre num
certo tipo de desci eiiça.
Deus se maravilha com ac|ueles [aos quais o islã é trazido por conquis­
ta] que são .in asiados ao paraíso em cadeias.
Aprenda a atii'.ii', pois o es[iaço entre o alvo e o arqueiro é um dos jar­
dins do paiaiso.
O paraíso esl.i .i somhi .i de espadas.
A tradição l.nnhein esl.ibdcce algumas regras de guerra para a
condução da jihati:
Saiba que os prisioiieiios devem ser bem tratados.
A pilhagem nao e m.iis leg.il do que carne podre.
Deus proibiu m.il.ii m u lh eres e crianças.
A casa da guerra 47
Os m uçulm anos estão obrigados por seus acordos, desde que esses es­
tejam em conform idade com a le if
Os tratados jurídicos convencionais relacionados com a sharia
norm alm ente contêm um capítulo sobre ajihad, entendida no senti­
do m ilitar com o guerra regular contra infiéis e apóstatas. M as esses
tratados prescrevem com portam ento correto e respeito às regras da
guerra em questões com o o início e o térm ino das hostilidades e o
tratam ento de não-com batentes e prisioneiros, para não falar dos
enviados diplom áticos.
D urante a m aior parte da história registrada do islã, desde o
tem po em que vivia o profeta M aomé, a palavra jihad foi usada em
sentido principalm ente militar. M aom é com eçou sua missão profé­
tica em Meca, sua cidade natal, mas, devido à perseguição sofrida
por ele e seus seguidores nas m ãos da oligarquia pagã que governava
a cidade, m udou-se com eles para M edina, onde as tribos locais os
acolheram e fizeram do Profeta seu árbitro e, depois, seu governante.
Essa m igração de Meca para M edina é conhecida em árabe com o a
Hijra, às vezes escrita de form a incorreta com o Hegira** e traduzida
equivocadam ente com o “fuga.” A era m uçulm ana tem início com o
com eço do ano árabe no qual ocorreu a Hijra. A p rim e m jihad foi
realizada pelo Profeta contra os governantes de sua cidade natal e
term inou com a conquista de M eca no mês do Ram adã do ano 8 da
Hijra, correspondendo a janeiro do ano 630 da era cristã. A liderança
de Meca rendeu-se quase sem lutar, e os habitantes, com exceção da­
queles acusados de insultos específicos contra o Profeta ou contra
um m uçulm ano, receberam im unidade para suas vidas e proprieda-
48 A crise do islã
* Esses e outros textos sobre ajihad serão encontrados nas edições slandard das tra­
dições do Profeta, alguns deles tam bém disponíveis em inglês. Os citados acima fo­
ram tirados de ‘Ala ai-Din ‘Ali ibn H usam al-Din al-M uttqi, Kaiiz al-'Ummal, 8
partes (Hiderabad, 1312; 1894-1895), vol.2, p.252-86.
*’* Em português, Hégira.
des, desde que se com portassem conform e o acordo. A próxim a ta­
refa era a extensão da autoridade m uçulm ana ao resto da Arábia e,
sob os califas sucessores do Profeta, ao resto do m undo.
Nos prim eiros séculos da era islámica, isso parecia possível e, na
realidade, provável. D entro de um tem po extraordinariam ente cu r­
to, os exércitos conquistadores m uçulm anos haviam derrubado o
antigo im pério da Pérsia e incorporado todos os seus territórios aos
dom ínios do califado, abrindo cam inho para a invasão da Ásia Cen­
tral e da índia. A Oeste, o Im pério Bizantino ainda não havia sido
derrubado, mas grande parte de seus territórios fora tom ada. As pro­
víncias então cristãs da Síria, Palestina, África do N orte e do Egito fo­
ram incorporadas e, a seu devido tem po, islamizadas e arabizadas,
passando a servir com o bases para a subseqüente invasão da Europa
c a conquista da Espanha e de Portugal, bem com o do sul da Itália.
Por volta do início do século VIII, os exércitos conquistadores árabes
já haviam avançado além dos Pirineas, até a França.
Após vários séculos de ininterruptas vitórias, ajihad árabe foi fi­
nalm ente refreada e repelida pela Europa cristã. No Leste, os bizanti­
nos m antiveram a grande cidade cristã de C onstantinopla, repelindo
uma série de ataques árabes. No Oeste, com eçaram o longo processo
conhecido na história espanhola com o a Reconquista, que acabou
resultando na expulsão dos m uçulm anos dos territórios que haviam
conquistado na Itália e na Península Ibérica. Tam bém foi deslancha­
da um a tentativa de levar a Reconquista ao O riente M édio e recobrar
o local de nascim ento de Cristo, tom ado pelos m uçulm anos no sécu­
lo VII. Essa tentativa, conhecida com o as cruzadas, falhou totalm en­
te, e os cruzados foram expulsos em debandada.
Mas ajihad não havia term inado. Um a nova fase foi inaugurada,
agora não pelos árabes, mas por turcos e tártaros, recentem ente in­
corporados ao islã. Esses loi am capazes de conquistar a até então ter­
ra cristã da Anatólia e, em m.iio de 1453, tom aram C onstantinopla,
que a partir daí tornou se a capital dos sultões otom anos, sucessores
do antigo califado na lulei aiiça da jihad islâmica. Os otom anos nos
A casa da guerra 49
Bálcãs e os tártaros islam izados na Rússia reassum iram a tentativa de
conquistar a Europa, dessa vez com eçando pelo leste, e, por algum
tem po, pareciam estar próxim os do sucesso.
M as, novam ente, a cristandade européia foi capaz de expulsar
os invasores e, de novo, agora com m elhores resultados, de con­
tra-atacar os dom ínios do islã. A jihad então tornara-se quase total­
m ente defensiva - resistindo à Reconquista na Espanha e na Rússia,
resistindo aos m ovim entos de autoliberação nacional dos cristãos
subm etidos ao Im pério O tom ano e, finalm ente, tal qual o ponto
de vista dos m uçulm anos, defendendo o coração da terra islam ita
contra o ataque de infiéis. Essa fase veio a ser conhecida com o im pe­
rialismo.
M esm o nesse período de retirada, a jihad ofensiva de form a al­
gum a foi abandonada. Em 1896, os afegãos invadiram as regiões
m ontanhosas de Elindu Kuch onde é agora o nordeste do Afeganis­
tão. Até então, os habitantes eram não-m uçulm anos, e a região era,
portanto, conhecida pelos m uçulm anos com o Cafiristão, “terra dos
que não crêem ”. Após a conquista afegã, foi renom eada N uristão,
“terra de luz”. D urante o m esm o período, jihads de vários tipos fo­
ram conduzidas na África contra populações não-m uçulm anas.
Mas, em sua m aior parte, o conceito, a prática e a experiência da ji­
had no m oderno m undo islâmico têm sido, em sua quase totalidade,
de natureza defensiva.
O uso predom inantem ente m ilitar do term o continuou até
tem pos relativam ente m odernos. No Im pério O tom ano, a cidade de
Belgrado, um a base avançada na guerra contra os austríacos, recebeu
o nom e de Casa da Jihad {Dar al-Jihad). No início do século XIX,
quando M uham m ad ‘Ali Paxá, o líder m odcrni/ador do Egito, refor­
m ou suas forças arm adas e sua adm inistração seguindo (cs gêneros
francês e britânico, foi criado um “departam ento de gLicrra” para ad­
m inistrá-las. Era conhecido em árabe com o o Divã dos Assuntos da
Jihad {Diwan al-Jihadiyya), e seu chefe era o supervisor dos assuntos
da jihad {Nazir al-Jihadiyya). Seria possível citar outros exemplos
50 A crise do Islã
A casa da guerra 51
nos quais a palavra,jihad perdeu seu aspecto sacro, conservando ape­
nas sua conotação m ilitar. Nos tem pos m odernos, tanto o uso m ili­
tar quanto o m oral do term o foram revividos, e são entendidos e
em pregados de m aneiras diversas por diferentes grupos de pessoas.
Organizações que, na atualidade, se atribuem o nom e de Jihad na
Caxemira, Tchetchênia, Palestina e em outros lugares, evidente­
m ente não usam a palavra para denotar em penho moral.
A jihad é apresentada, às vezes, com o o equivalente m uçulm ano
das cruzadas, e as duas são vistas com o m ais ou m enos equivalentes.
Em um certo sentido, isso é verdadeiro - am bas foram proclam adas
e lançadas com o guerras santas da fé verdadeira contra um inim igo
infiel. Mas há urna diferença. As cruzadas são um evento tardio na
história crista e, de certo m odo, m arcam um afastam ento radical dos
valores básicos cristãos, tal com o expressos nos Evangelhos. A cris­
tandade estivera sob ataque desde o século VII, e havia perdido vastos
territórios para o dom inio m uçulm ano; o conceito de urna guerra
santa, m ais com um ente urna guerra justa, era fam iliar desde a A nti­
güidade. A inda assim, no longo conflito entre islam ism o e cristanda­
de, as cruzadas foram tardias, lim itadas e de relativam ente pouca
duração. A jihad, ao contrário, está presente desde o inicio da histó­
ria islâmica - nos textos sagrados, na vida do Profeta e ñas condutas
de seus com panheiros e sucessores im ediatos. C ontinuou a existir ao
longo da história islâmica e m antém seu apelo até os dias atuais.
A palavra cruzada deriva, obviam ente, de cruz, e denotava origi­
nalm ente urna guerra santa da cristandade. Mas, no m undo cristão,
há m uito perdeu aquele significado, sendo usada no sentido geral de
urna cam panha de orientação m oral por urna boa causa. Pode-se ini­
ciar urna cruzada pelo meio am biente, por despoluição das águas,
por m elhores serviços sociais, pelos direitos das m ulheres e por toda
urna gam a de cansas. O único contexto no qual a palavra cruzada
não é usada hoje em di.i c juslam ente no sentido religioso original.
Jihad tam bém é usada em varios sentidos, mas, ao contrário de cru­
zada, m anteve sen sigiiilicado original principal.
Aqueles que são m ortos m jihad são cham ados m ártires, shahid
~ em árabe e em outras línguas m uçulm anas. A palavra m ártir vem
do grego m artys (“testem unha”) e, no uso judaico-cristão, designa
aquele que está preparado para sofrer tortura e m orte em vez de re­
nunciar à sua fé. Seu m artírio é, assim, um testem unho daquela fé e
de sua disposição de sofrer e m orrer por ela. A palavra árabe shahid
tam bém significa “testem unha” e é usualm ente traduzida com o
“m ártir”, mas tem um a conotação bastante diferente. O uso islâmico
do term o martírio é norm alm ente interpretado com o m orte em um a
jihad, e sua recom pensa é a bem -aventurança eterna, descrita com
certo detalhe em textos religiosos m ais antigos. O suicídio, ao con­
trário, é um pecado m ortal e leva à danação eterna, m esm o para
aqueles que, de outra form a, teriam garantido um lugar no paraíso.
Os juristas clássicos distinguem claram ente entre defrontar a m orte
nas m ãos do inim igo e m atar-se com as próprias mãos. A prim eira
leva ao céu, a outra, ao inferno. Alguns juristas fundam entalistas
m odernos e outros têm obscurecido ou m esm o repudiado essa dis­
tinção, mas sua opinião de form a algum a é aceita unanim em ente. O
hom em -bom ba, portanto, está assum indo um risco considerável,
decorrente de um a sutileza teológica.
D ado que a guerra santa é um a obrigação da fé, tem um a regula­
m entação elaborada na sharia. Os que lutam em um a jihad são ins­
tados a não m atar m ulheres, crianças e idosos - a m enos que esses
ataquem prim eiro - , a não torturar ou m utilar prisioneiros, a avisar
a tem po sobre o recom eço das hostilidades após um a trégua e a h o n ­
rar acordos. Juristas e teólogos medievais discutem com certa m inu-
ciosidade as regras da guerra, incluindo questões com o arm as
perm itidas ou proibidas. Existe até algum a discussão nos textos m e­
dievais sobre a legalidade de mísseis e guerra quím ica, a prim eira
relacionada a m anganelas e catapultas, a segunda, a flechas envene­
nadas e ao envenenam ento dos reservatórios de água do inimigo. Há
um a variação considerável a respeito desses pontos. Certos juristas
perm item , alguns lim itam , outros desaprovam o uso dessas arm as. A
52 A crise do islã
razão apresentada para esse cuidado são as m ortes indiscrim inadas
que produzem . Em nenhum m om ento os textos básicos do islã o r­
denam o terrorism o e o assassinato. Em m om ento algum - pelo m e­
nos que eu saiba - eles sequer consideram o m assacre aleatorio de
circunstantes.
Os juristas insistem em que os espólios da guerra devem ser um
beneficio incidental, não o propósito principal. Alguns chegam a di­
zer que, se vêm a tornar-se o objetivo principal, isso invalida ajihad e
anula seus beneficios, se não nesse m undo, então no próxim o, k ji­
had, para ter qualquer valor legal, tem que ser em preendida “no ca­
m inho de D eus” e não em nom e de ganhos materiais. Existem,
todavia, reclamações freqüentes sobre o uso do honrado nom e áa ji­
had para propósitos desonrosos. Juristas africanos, em particular, la­
m entam o uso do term o jihad por caçadores de escravos para
justificar suas depredações e estabelecer a propriedade legítim a de
suas vítimas. A Lei Sagrada prescreve bom tratam ento para não-
com batentes, mas concede aos vencedores direitos extensivos sobre a
propriedade e tam bém sobre as pessoas e as famílias dos vencidos.
1)e acordo com o costum e universal da A ntigüidade, inim igos captu­
rados na guerra eram escravizados, junto com suas famílias, e pode­
riam ser vendidos ou m antidos pelo vencedor para seu uso. O islã
trouxe um a m odificação dessa regra, lim itando o direito à escraviza-
ção apenas daqueles capturados em um a jihad, e em nenhum a outra
forma de guerra.
As regras relativas a um a guerra contra apóstatas são um tanto
diferentes, e sem dúvida mais rigorosas que as para um a guerra con­
tra infiéis. O apóstata ou renegado, aos olhos m uçulm anos, é m uito
pior do que o infiel. O infiel não viu a luz, e há sem pre a esperança de
que, um dia, ele a veja. No m eio tem po, desde que atenda às condi­
ções necessárias, pode m erecer a tolerância do Estado m uçulm ano e
ter perm issão para continuar a praticar sua própria religião e até
m esmo aplica r suas próprias leis religiosas. O renegado é alguém que
conheceu a fé verdadeira, não im porta se por pouco tem po, e a aban-
A casa da guerra 53
donou. N ão existe perdão hum ano para essa ofensa, e, de acordo
com a esm agadora m aioria dos juristas, o renegado deve ser m orto,
se for hom em . Se for m ulher, pode ser suficiente urna punição mais
leve, com o flagelação e prisão. A m isericordia divina pode perdoá-lo
no outro m undo, se D eus assim escolher. N enhum ser hum ano
tem autoridade para tanto. Essa distinção é de algum a im portância
atualm ente, quando líderes m ilitantes proclam aram um a jihad d u ­
pla - contra estrangeiros infiéis e contra apóstatas dom ésticos. A
m aior parte, se não a totalidade, dos governantes m uçulm anos que
nós, no O cidente, tem os o prazer de ver com o nossos amigos e alia­
dos é vista por m uitos - ou talvez pela m aioria de seu próprio povo -
com o traidores e, m uito pior que isso, com o apóstatas.
Desde os tem pos antigos foi feita um a distinção legal entre terri­
tórios adquiridos pela força ( ‘anwatan em árabe, o equivalente a vi et
armis no direito rom ano) e os adquiridos sulhan, isto é, por algum a
form a de trégua ou rendição pacífica. As regras relativas a butim e,
em term os m ais gerais, ao tratam ento da população do território
recém -adquirido diferem em alguns aspectos notáveis. De acordo
com a tradição, a diferença era sim bolizada na m esquita todas as
sextas-feiras. Em territórios tom ados ‘anwatan, o im am e levava um a
espada; naqueles tom ados sulhan, um bastão de m adeira. A imagem
da espada continua a ser im portante. Até hoje, a bandeira saudi­
ta tem dois emblemas em um cam po verde. Um é o texto em árabe
do credo m uçulm ano: “N ão existe outro deus além de Deus, M aom é
é o profeta de Deus.” O outro é um a inequívoca representação de
um a espada.
Em certos períodos, os juristas reconheceram um status inter­
m ediário, a Casa da Trégua {Dar al-Sulh) ou Casa da Aliança {Dar
al-‘Ahd), entre as Casas da G uerra e do Islã. Essas Casas interm e­
diárias eram form adas por países não-m uçulm anos, usualm ente
cristãos, cujos governantes entraram em algum tipo de acordo com
os governantes do islã: pagavam um a form a de taxa ou tributo, visto
com o o equivalente áajizya, ou im posto por cabeça, e conservavam
54 A crise do isiã
um alto grau de autonom ia em seus assuntos internos. U m exemplo
mais antigo foi o acordo feito pelos califas O m íadas no século VII
com os príncipes cristãos da Arm ênia. O exem plo clássico da Dar
al-Sulh, ou Casa da Trégua, foi o pacto acordado em 652 d.C. com os
governantes cristãos da N úbia, segundo o qual náo pagavam a taxa,
mas proviam um tributo anual, consistindo em um núm ero especí­
fico de escravos. Ao fazer a opção de considerar presentes com o tri­
butos, os governantes m uçulm anos e seus conselheiros jurídicos
podiam ajustar a lei para cobrir urna grande variedade de relações
políticas, m ilitares e com erciais com as nações não-m uçulm anas.
Essa abordagem não desapareceu inteiram ente.
A casa da guerra 55
Desde tem pos mais antigos, os m uçulm anos sabiam que havia certas
diferenças entre os povos da Casa da G uerra. A m aior parte deles era
constituída sim plesm ente de politeístas e idólatras, que não repre­
sentavam qualquer am eaça séria ao islã e eram prováveis candidatos
à conversão. Esses eram encontrados principalm ente na Ásia e na
Africa. A principal exceção eram os cristãos, que os m uçulm anos re­
conheciam com o tendo um a religião do m esm o tipo da sua e, p o r­
tanto, sendo seus m aiores rivais na guerra pela dom inação do
m undo - ou, com o teriam definido, pela ilum inação do m undo. A
cristandade e o islã são duas civilizações definidas a p artir de suas re­
ligiões, e entraram em conflito não por suas diferenças, mas pelas se­
melhanças.
A m ais antiga edificação religiosa m uçulm ana que sobrevive
fora da Arábia, o D om o da Rocha, em Jerusalém, foi com pletada em
691 ou 692 d.C. A construção desse m onum ento no lugar do antigo
tem plo judeu, no estilo c na vizinhança de m onum entos cristãos tais
com o o Santo Sepulcro c a Igreja da Ascensão, enviou um a inequívo­
ca m ensagem aos judeus e, mais im portante ainda, aos cristãos. As
revelações recebidas [lor csscs, em bora autênticas, haviam sido cor­
rom pidas por seus indignos guardiães e foram , portanto, suplanta-
das pela revelação final e perfeita encarnada no islã. Assim com o os
judeus haviam sido vencidos e superados pelos cristãos, tam bém a
ordem m undial cristã seria agora substituida pela fé m uçulm ana e
pelo califado islámico. Para salientar a questão, as palavras do Alco­
rão inscritas no D om o da Rocha denunciam o que os m uçulm anos
vêem com o os principais erros cristãos: “Bendito seja Deus, que não
gerou nenhum filho e não tem nenhum sem elhante” e “Ele é Deus,
uno, eterno. Ele não gerou, Ele não foi gerado, e Ele não tem sem e­
lhante.” (Alcorão CXIl) Isso era, claram ente, um desafio à cristanda­
de em seu próprio berço. U m m ilênio mais tarde, quando tropas
norte-am ericanas estacionaram na Arábia, isso foi visto por m uitos
m uçulm anos, e notavelm ente por Osam a bin Laden, com o um desa­
fio similar, dessa vez vindo da cristandade contra o islã.
Visando reforçar aquele desafio inicial à cristandade, o califa,
pela prim eira vez, fez cunhar m oedas de ouro, até então um a prerro­
gativa im perial rom ana. É significativo que o nom e da prim eira
m oeda de ouro islâmica, o dinar, tenha sido tom ado em prestado do
denarius rom ano. Algumas dessas m oedas traziam o nom e do califa,
seu título de C om andante dos Fiéis e os m esm os versículos polêm i­
cos. A m ensagem era clara. No entendim ento m uçulm ano, os judeus
e, m ais tarde, os cristãos, haviam -se desencam inhado e seguido fal­
sas doutrinas. As duas religiões, portanto, foram superadas e substi­
tuídas pelo islã, a revelação final e perfeita na sucessão de Deus. Os
versículos do Alcorão inscritos no D om o e nas m oedas de ouro con­
denam o que, para os m uçulm anos, é a pior das corrupções à fé ver­
dadeira. H á tam bém , por certo, um a m ensagem adicional do califa
para o im perador: “Sua fé está corrom pida, seu tem po passou, agora
sou eu o governante do im pério de Deus na terra.”
A m ensagem foi bem com preendida, e a cunhagem de m oedas
de ouro vista pelo im perador com o um casus belli. Por mais de mil
anos, a partir de suas sucessivas capitais em M edina, Damasco, Bag­
dá, Cairo e Istam bul, os califas do islã fizeram guerra contra os im pe­
radores cristãos em C onstantinopla, Viena e, posteriorm ente, sob
56 A crise do islã
Bernard lewis   a crise do islã - guerra santa e terror profano
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Bernard lewis a crise do islã - guerra santa e terror profano

  • 1. A -
  • 2. Bernard Lewis A Crise do Islã Guerra santa e terror profano Tradução: Maria Lúcia de Oliveira Jorge Zahar Editor Rio de Janeiro
  • 3. Título original: The Crisis ofIslam (Húly War and Unholy Terror) Tradução autorizada da primeira edição norte-americana publicada em 2003 por Modern Library, imprint de Random House Publishing Group, urna divisão de Random House Inc. Copyright © 2003, Bernard Lewis Copyright da edição brasileira ê 2004: Jorge Zahar Editor Ltda. rúa México 31 sobreloja 20031-144 Rio de Janeiro, RJ tel.: (21) 2240-0226 / fax: (21) 2262-5123 e-mail: jze@zahar.com.br site: www.zahar.com.br Todos os direitos reservados. A reprodução não-autorizada desta publicação, no todo ou em parte, constitui violação de direitos autorais. (Lei 9.610/98) Capa: Miriam Lerner Fotos de capa: Término do Ramadã, séc. xm Mausoléu do mulá Ismail © Corbis CIP-Brasil. Catalogação-na-fonte Sindicato Nacional dós Editores de Livros, RJ. Lewis, Bemard L652c A crise do islã: guerra santa e terror profano / Bernard Lewis; tradução, Maria Lúcia de Oliveira, - Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2004 Tradução de: The crisis of islam: holy war and unholy terror Apêndice ISBN 85-7110-804-8 1. Jihad. 2. Terrorismo - Aspecto.s rtiigioso.s - Islamismo. 3 Guerra - Aspccios religiosos Islamis­ mo. 4. Islamismo e política. 5. limilamenialismo islâ­ mico. I. Título. r:i)i) .>97,22, 04-1751 CUU 297.73
  • 4. SUMARIO Mopos A Era dos Califas, 1 O Império Otomano, 8 A Era do ¡nipírúdisnia,'} O Oriente Medio Moje, iO Introdução, 11 1. D efinindo o Islã, 25 2. A Casa da G uerra, 45 3. D e C ruzados a Im perialistas, 59 4. D escobrindo a A m érica, 72 5. Satã e os Soviéticos, 86 6. D ois Pesos, D uas M edidas, 103 7 . U m Fracasso da M odernidade, 11 o 8. A A liança en tre o P oder Saudita e o E nsinam ento W ahhabf 116 9. A A scensão do Terrorism o, 1/') Posfódo, 151 índice Remissivo, r. i
  • 5. Para Haroid Rhode com amizade
  • 6.
  • 7.
  • 8.
  • 9. -K5ñ- T7 30 ‘tjoyMfc-f-Y ® '"'^K^n'odar TURCOlJJNKr^^^ Mor Medrterróneo - U " rCHIPRE^^ SIRIA i A lexandria . g ; j |ei C airo * Faíxa^GÍ 0«-* ■=““ B e iru te 3 H im s — x j- Líbano^Damasco OB^dá<„ IRAÓ^,x_^ A n N asiriyaFi' RashtoX^ I _asvim ^K arkufe Kermanshah . J • .A r a k ^Herat AFEG. Isfahã Ahvaz IRÁ Kerman^ ^uwaHBusheh?^"^-iiAiiwait a Zahedan ,A syu t EGITO .L u x o r ,A sw an Bandar-eAbbas laOUK , v^P^vrAAii •H afa - c A .Bnra^daR“ V'EMIRADOSl-rra. MÃjgwipos SU D Â O Omdurman.^^^^ ° Escala 1:21.000.00(1~'( ' 3 Projeção cônica conform e th L am bertV .>-d^ Paralelos-padráo 12'NÍe 38'N AdiiAbel|a " V ' ETIÓPIA 'x T la r je y s a O O riente M edio H
  • 10. INTRODUÇÃO o Presidente Bush e outros políticos ocidentais têm feito grandes es­ forços para deixar claro que a guerra na qual estam os engajados é urna guerra contra o terrorism o - não contra os árabes ou, em ter­ mos mais gerais, contra m uçulm anos, instados a se juntarem a nós nessa batalha contra o inim igo com um . A m ensagem de Osam a bin haden é o contrário disso. Para ele e seus seguidores, essa é urna guerra religiosa, urna guerra do islã contra os infiéis e, portanto, inevitavel­ mente, contra os Estados Unidos, a m aior potencia do m undo infiel. Em seus pronunciam entos, Bin Laden faz referências freqüentes à historia. Um a das mais dram áticas foi em seu vídeo de 7 de outubro de 2001, quando se referiu à “hum ilhação e desgraça” que o islã so­ freu por “m ais de oitenta anos”. A m aior parte dos observadores n o r­ te-am ericanos e europeus do O riente M édio com eçou um a busca ansiosa por algum a coisa que tivesse acontecido há “mais de oitenta anos”, e surgiram várias respostas. Podem os ter bastante certeza de que os ouvintes m uçulm anos de Bin Laden - as pessoas às quais se dirigia - entenderam a alusão im ediatam ente e valorizaram a sua im portância. Em 1918, o sultanato otom ano, o últim o dos grandes im perios m uçulm anos, foi finalm ente derrotado - sua capital, U onstaiitino- pla, foi ocupada, seu soberano feito cativo e a m aioria de seu territó­ rio partilhado entre os lm|H'i ios vitoriosos: o Británico e o francés. 11
  • 11. As antigas províncias otom anas de língua árabe do Crescente Fértil foram separadas e deram origem a três novas entidades, com novos nom es e fronteiras. D uas delas, Iraque e Palestina, ficaram sob o m andato britânico, e a terceira, com o nom e Síria, foi dada para os franceses. Mais tarde, esses últim os dividiram seu m andato em duas partes, cham ando um a de Líbano e m antendo o nom e Síria para a outra. Os britânicos fizeram algo bem parecido na Palestina, criando um a divisão entre as duas m argens do Jordão. A parte oriental foi cham ada Transjordânia e, mais tarde, sim plesm ente Jordânia; o nom e Palestina foi m antido e reservado para a m argem ocidental, ou seja, a parte propriam ente cisjordaniana do país. Considerava-se, naquela época, que não valia a pena assum ir o controle da Península Arábica, form ada, em grande parte, por deser­ tos e m ontanhas estéreis e inacessíveis, e seus governantes tiveram perm issão de m anter um a independência precária e lim itada. Os turcos acabaram conseguindo liberar a Anatólia, sua terra natal, não em nom e do islã, mas através de um m ovim ento nacionalista secular liderado por um general otom ano cham ado M ustafa Kemal, mais conhecido com o Kemal Ataturk. M esm o tendo lutado, com sucesso, para libertar a Turquia do dom ínio ocidental, foi ele quem deu os prim eiros passos para a adoção de cam inhos ocidentais - ou, com o preferia dizer, cam inhos m odernos. Um de seus prim eiros atos, em novem bro de 1922, foi abolir o sultanato. O soberano otom ano era não apenas um sultão, o dirigente de um Estado específico; era tam bém am plam ente reconhecido com o o califa, o chefe de todo o islã sunita e o últim o em um a linhagem de governantes cuja origem rem ontava a 632 d.C. - ano da m orte do profeta M aom é e da indicação de um sucessor para ocupar seu lugar, não com o chefe espiritual, mas sim com o chefe religioso e político do Estado m uçulm ano e de sua com unidade. Após uma breve expe­ riência com um califa distinto, os turcos aboliram lam bém o califa- do, em m arço de 1924. 12 A crise do islã
  • 12. D urante seus quase 13 séculos, o califado, em bora passando por m uitas vicissitudes, perm aneceu com o poderoso sím bolo da unida­ de m uçulm ana, até m esm o de sua identidade; seu desaparecim ento, sob o duplo assalto de im perialistas estrangeiros e m odernistas do ­ mésticos, foi sentido em todo o m undo m uçulm ano. Vários m onar­ cas e líderes m uçulm anos ensaiaram algum as débeis tentativas de leclam ar o título vago, m as nenhum deles encontrou grande apoio. Muitos m uçulm anos ainda percebem de form a dolorosa esse vazio, e com enta-se que o próprio O sam a bin Laden tinha - ou tem - aspira­ ções ao califado. A palavra califa vem do árabe khalifa, que, com um a am bigüida­ de oportuna, com bina os sentidos de “sucessor” e “substituto”. O ri­ ginalm ente, o chefe da com unidade islâmica era “o Khalifa do Profeta de D eus”. Alguns, mais ambiciosos, encurtaram o título para "o Khalifa de D eus”. Esta pretensão à autoridade espiritual foi caloro­ samente contestada' e, por fim, abandonada, em bora um título ex­ pressando algo similar, de form a mais branda, “a Som bra de Deus na Ierra,” tenha sido am plam ente usado por governantes m uçulm anos. I)urante a m aior parte da história dessa instituição, os detentores do uilifado contentavam-se com o título mais modesto de Amir al-M u’mi- nin, em geral traduzido com o “C om andante dos Fiéis”. Introdução 13 Alusões históricas com o as de Bin Laden, que talvez pareçam obscu­ ras para m uitos ocidentais, são com uns entre os m uçulm anos, c só podem ser entendidas adequadam ente levando-se em couta a forma com o os povos do O riente M édio percebem a queslao da identidade, e contra o pano de fundo da história daquela região. Mesmo os con­ ceitos de história e identidade requerem novas di-liniçoes para o oci­ dental que busca entender o O riente Medio rontenqiorâneo. No uso corrente norte-am ericano, a expiarss.io "isto e história” é usada, em geral, para desconsiderar algo i o m o siaulo sem im portância ou sem nenhum a relevância paia ,is |ireocupaçoes atuais; apesar de um
  • 13. im enso investim ento no ensino da história e na produção de textos sobre o tem a, a sociedade norte-am ericana tem um nível geral de conhecim ento histórico terrivelm ente lim itado. Os povos m uçul­ m anos, com o todos os outros do m undo, são m oldados por sua his­ tória, mas, ao contrário de alguns, são profundam ente conscientes disso. Sua consciência data, no entanto, do advento do islã, com tal­ vez algum as pequenas referências aos tem pos pré-islãm icos, neces­ sárias para explicar alusões históricas encontradas no Alcorão e nas antigas tradições e crônicas islâmicas. Para os m uçulm anos, a histó­ ria islâmica tem im portante significado religioso e tam bém legal, dado que reflete a elaboração detalhada do propósito de Deus para Sua com unidade - form ada por aqueles que aceitam os ensinam en­ tos do islã e obedecem a suas leis. A história dos Estados e povos não-m uçulm anos não transm ite tal m ensagem e não tem , portanto, valor ou interesse. M esm o em países com um a civilização antiga com o a do O riente M édio, o conhecim ento da história pagã - de seus próprios ancestrais, cujos m onum entos e inscrições estão à vol­ ta de todos - era m ínim o. As línguas e os textos antigos foram esque­ cidos, os registros antigos queim ados, até serem recuperados e decifrados, nos tem pos m odernos, por obstinados arqueólogos e fi­ lólogos ocidentais. Mas, no que se refere ao período iniciado com o advento do islã, os povos m uçulm anos produziram um a rica e varia­ da literatura histórica - de fato, em m uitas regiões, até m esm o em países com um a civilização antiga com o a índia, os trabalhos históri­ cos im portantes com eçam com a chegada do próprio islã. Mas história de quê? No m undo ocidental, a unidade básica da organização hum ana é a nação - um conceito que, no uso n o r­ te-am ericano, mas não no europeu, é virtualm ente sinônim o de país. Essa totalidade é então subdividida segundo vários critérios, sendo um deles a religião. Os m uçulm anos, no entanto, tendem a ver não um a nação subdividida em grupos religiosos, mas um a religião subdividida em nações. Sem dúvida, isso se deve, parcialm ente, ao fato de a m aior parte dos Estados-nações que com põem o O riente 14 A crise do islã
  • 14. Médio m oderno ser um a criação relativam ente nova, rem anescente dos tem pos de dom inação im perial anglo-francesa que se seguiram à derrota do Im pério O tom ano. Esses Estados preservam as dem arca­ ções nacionais e as fronteiras estabelecidas p o r seus antigos senhores imperiais. Até m esm o seus nom es refletem essa artificialidade. O 1raque era um a província medieval, com fronteiras m uito diferentes daquelas da República m oderna, excluindo a M esopotâm ia, no n o r­ te, e incluindo um a parte do Irã ocidental; Síria, Palestina e Líbia são nomes da A ntigüidade clássica que não haviam sido usados na re­ gião por mil anos ou mais, até serem revividos e im postos - tam bém com fronteiras novas e, m uitas vezes, diferentes - por im perialistas europeus no século XX.* Argélia e Tunísia nem m esm o existem com o nom es árabes - o m esm o nom e serve para a cidade e o país. O mais notável de tudo é que a língua árabe não tem nenhum nom e para Arábia, e a atual Arábia Saudita é cham ada “o reino árabe sau­ dita” ou “a península dos árabes”, dependendo do contexto. E não porque o árabe seja um a língua pobre - bem ao contrário - mas p o r­ que os árabes sim plesm ente não pensam identidade em term os da com binação de etnia e território. O califa ‘U m ar é citado com o d i­ zendo aos árabes: “A prendam suas genealogias, e não sejam com o os cam poneses locais que, quando lhes perguntam quem são, respon­ dem; ‘sou de tal ou qual lugar’.”** Nos prim eiros séculos da era m uçulm ana, a com unidade islâ­ mica era um Estado sob um governante. M esm o depois de aquela co- Introdução 15 * O prim eiro desses nom es reapareceu brevem ente no final do período otom ano, quando a província de Damasco foi renom eada província da Síria (Suriye). Suas IVonteiras eram significativamente diferentes daquelas da república pós-guerra. O nome rom ano-bizantino Palestina foi m antido por algum tem po pelos conquista­ dores árabes, mas já havia sido esquecido quando chegaram os cruzados. Reapare­ ceu com o estabelecim ento do M andato Britânico após a Prim eira Guerra M undial. O nom e rom ano Líbia era desconhecido até que foi oficialmente reintroduzido pe­ los italianos. ' ' Ibn Khaldun, mAl-Muqaddima, F.. Quatrem ère (org.) (Paris, 1858), vol.l, p.237.
  • 15. m unidade ter sido dividida em m uitos Estados, persistiu o ideal de urna única unidade política islámica. Os Estados eram quase todos dinásticos, com fronteiras cam biantes, e é certam ente significativo que, na riquíssim a historiografia do m undo islámico em árabe, per­ sa e turco, encontrem -se historias de dinastias, cidades e, principal­ m ente, do Estado e da com unidade islâmica, mas nenhum a da Pérsia ou da Turquia. Esses nom es, diferentem ente do que ocorre com Síria, Palestina ou Iraque, designam não novas entidades políti­ cas, mas antigas, com séculos de independência e soberania. Ainda assim, até os tem pos m odernos, m esm o esses nom es não existiam em árabe, persa ou turco. O nom e Turquia, designando um país ha­ bitado por pessoas cham adas turcos e que falam um idiom a cham a­ do turco, parece conform ar-se ao padrão europeu norm al de identificar países por nom es étnicos. Mas esse nom e, corrente na Europa desde a Idade M édia, som ente foi adotado na T urquia após a proclam ação da república, em 1923. Pérsia é um a adaptação euro­ péia, originalm ente grega, de Pars, posteriorm ente Fars, o nom e de um a província do Irã ocidental. Após a conquista árabe, com o o al­ fabeto árabe não tem a letra p, passou a ser conhecida com o Fars. Assim com o o dialeto castelhano tornou-se espanhol e o toscano vi­ rou italiano, assim tam bém farsi, o dialeto regional de Fars, acabou sendo língua padrão do país, mas, no uso persa, o nom e da provín­ cia nunca foi aplicado ao país com o um todo. Tanto árabes quanto turcos produziram vasta literatura descre­ vendo suas lutas contra a Europa crista, desde as prim eiras incursões árabes no século VIII até .1 liilima relirada turca, no século XX. Mas, até o período m oderno, c|uaiKlo conceitos e categorias europeus to r­ naram -se dom inantes, os soldados, oficiais e historiadores islâmicos quase sem pre se referiam aos seus oponentes não em term os territo­ riais ou nacionais, mas sim plesm ente com o infiéis {kafir) ou, algu­ mas vezes, por vagos term os gerais com o trancos ou rom anos. Do m esm o m odo, nunca se referiam ao seu próprio lado com o árabes, 16 A crise do Islã
  • 16. (tersas ou turcos; identificavam todos com o m uçulm anos. Essa pers- (lectiva ajuda a explicar, entre outras coisas, a preocupação do Pa- ((uistão com o Talibã e seus sucessores no Afeganistão. O nom e l’aquistão, um a invenção do século XX, designa um país inteiram en­ te definido por sua religião e lealdade islâmicas. Em todos os outros .ispectos, o país e o povo do Paquistão são - com o haviam sido por m ilên io s-p arte da índia. O Afeganistão definido por sua identidade islâmica seria um aliado natural do Paquistão, ou m esm o um satélite seu. O Afeganistão definido pela nacionalidade étnica, ao contrário, poderia ser um vizinho perigoso, lançando dem andas irredentistas sobre as áreas do noroeste paquistanês que fala o pashtu e, talvez, até m esmo aliando-se à índia. Referências à história, e até à história antiga, são lugar-com um nos discursos públicos. Na década de 1980, durante a G uerra Irã-Iraque, por exemplo, os dois lados em penharam -se em cam pa­ nhas de propaganda massiva que freqüentem ente evocavam eventos c personalidades de épocas tão rem otas quanto o século VII, as bata­ lhas de Qadisiyya (637 d.C.) e Karbala (680 d.C.). A batalha de Q adi- siyya foi vencida pelos árabes m uçulm anos que invadiram o Irã e lutaram contra o exército defensor do xá da Pérsia, ainda não con­ vertido ao islã e, portanto, aos olhos m uçulm anos, ainda com posto de pagãos e infiéis. Assim, os dois lados podiam proclam ar com o sua a vitória - para Saddam Hussein, dos árabes sohi e os (icrsas, e, para o aiatolá K hom eini, dos m uçulm anos sobre o.s infiei.s. As referências a essas batalhas não eram desei içocs nem narrati­ vas, mas rápidas, incom pletas alusões. Ainda assim, os dois lados usaram -nas com plena certeza de cpie sei lam (Ha echidas e identifica­ das por seus respectivos públicos. e ,ile nu'sm o pela m aior parte deles que era com posta de analfabelos. f (liln il im aginar agentes de pro­ paganda de m assa no Ocidenie delendendo seus pontos de vista através de alusões a eras i.ki ,inii;;.is, a hcptarquia anglo-saxônica na Inglaterra os aos m on.inas i.nolíngios na França. Inflam ado pelo Introdução 17
  • 17. m esm o espírito, O sam a bin Laden insulta o presidente Bush ao igualá-lo ao Faraó, e acusa o vice-presidente Dick Cheney e o secre­ tário de Estado Colin Powell (citados no m esm o contexto) de terem produzido m aior devastação no Iraque durante e após a G uerra do Golfo de 1991 do que os cãs m ongóis que, em m eados do século XIII, conquistaram Bagdá e destruíram o califado abássida. Os povos do O riente M édio têm um a percepção da história que é fom entada nos púlpitos, nas escolas e pela m ídia, e em bora possa ser - e, m uitas ve­ zes, é - distorcida e pouco acurada, é, ainda assim, vivida, e tem p ro ­ funda repercussão. 18 A crise do islã Em 23 de fevereiro de 1998, o Al-Q uds al-Arabi, u m jo rn al árabe p u ­ blicado em Londres, trouxe a íntegra de um a “Declaração da Frente Islâmica M undial para a Jihad contra os Judeus e os C ruzados”. De acordo com o jornal, o texto lhes foi enviado por fax, com as assina­ turas de O sam a bin Laden e dos líderes dos grupos da jihad no Egito, Paquistão e em Bangladesh. A declaração - um a m agnífica peça de eloqüente, e por vezes poética, prosa árabe - revela um a versão da história que, para a m aior parte dos ocidentais, soará nada familiar. As queixas feitas por Bin Laden naquele docum ento não são exata­ m ente as que m uitos poderiam esperar. A declaração começa com a citação das passagens m ais m ilitantes do Alcorão e dos ditos do pro­ feta M aom é, e depois continua: “Desde que Deus m oldou a Penínsu­ la Arábica, criou seus desertos e a cercou com seus m ares, jam ais um a calam idade a assolou com o essas hostes de cruzados que se es­ palharam sobre ela com o gafanhotos, infestando seu solo, com endo seus frutos e destruindo sua vegetação; e isso num (empo em que as nações se lançam contra os m uçulm anos com o convivas de um jan ­ tar acotovelando-se em volta de um a travessa de com ida.” A partir desse ponto, a declaração segue falando sobre a necessi­ dade de com preender a situação e agir para corrigi-la. Os latos, diz o
  • 18. (cxto, são conhecidos por todos, e são apresentados em três tópicos principais. Primeiro - Há mais de sete anos os Estados Unidos estão ocupando as terras do islã no mais sagrado de seus territórios, a Arábia, pilhando suas riquezas, esmagando seus governantes, hum ilhando seu povo, ameaçando seus vizinhos e usando suas bases na península com o pon­ ta de lança para lutar contra os povos islâmicos da vizinhança. Embora tenha havido controvérsias no passado sobre a verdadeira na­ tureza dessa ocupação, o povo da Arábia, em sua totalidade, agora a reconhece. Não há m elhor prova disso que a contínua agressão norte-am eri­ cana contra o povo do Iraque, desencadeada da Arábia a despeito de seus governantes, que, m esm o sendo todos eles contrários ao uso de seus territórios para tal propósito, estão subjugados. Segundo - Apesar da imensa destruição infligida ao povo iraquiano pelas mãos dos cruzados e judeus em aliança, e apesar do número cho­ cante de mortes, que ultrapassaram um milhão, os norte-americanos, ainda assim, a despeito de tudo isso, estão tentando, mais uma vez, re­ petir essa pavorosa carnificina. Parece que o longo bloqueio que se se­ guiu a uma guerra selvagem, o desm embramento e a de.struição não são suficientes para eles. Assim, voltam hoje para destruir o que resta desse povo e humilhar seus vizinhos muçulm anos. Terceiro - Embora os propósitos dos norte-americanos nessas guerras sejam religiosos e econôm icos, eles também servem .o insignificante Estado dos judeus, desviando a atenção de sua oi iipaçao de )erusalém e da morte de m uçulm anos na cidade. Não há m elhor prova de tudo isso i|iie a s.mh.i norle-americana de destruir o Iraque, o mais forte dos Estados .ii .ihes vi/inhos, esua tenta­ tiva de desmembrar todos os Estados d.i ic-g.i.io, com o o Iraque, a Ará­ bia Saudita, o Egito e o Sudão, (ranslorm.nulo os em Estados menores cuja divisão e fraqueza garantiriam .1 sohicvivencia de Israel e a conti­ nuação da calamitosa ociipa(,ao d.is lei i.is da Arábia pelos cruzados. Esses crimes, continua a dec lar.içao, eqüivalem a um a “declara­ ção explícita de gueri.i pelos noric-am ericanos contra Deus, Seu Introdução 19
  • 19. Profeta e os m uçulm anos. Em tal situação, os ulemás têm opinado unanim em ente através dos séculos que, quando inim igos atacam as terras m uçulm anas, ajihad torna-se um a obrigação pessoal de todos os m uçulm anos”. Os signatários citam várias autoridades m uçulm anas e passam então para a parte final e mais im portante da declaração, afatw a, es­ tabelecendo que “m atar am ericanos e seus aliados, tanto civis q uan­ to militares, é um a obrigação individual de todos os m uçulm anos capazes, em qualquer país em que isso seja possível, até que a m es­ quita de Aqsa [em Jerusalém] e a m esquita de H aram [em Meca] se­ jam libertadas de seu jugo, e até que seus exércitos, despedaçados e capengas, abandonem todas as terras do islã, incapazes de am eaçar qualquer m uçulm ano”. Após citar alguns outros versículos relevantes do Alcorão, o do ­ cum ento continua: “Com a perm issão de Deus, convocamos todos os m uçulm anos que acreditam em Deus e esperam recom pensa por obedecer a Seus com andos para m atar os norte-am ericanos e sa­ quear suas posses onde quer que os encontrem e quando quer que consigam. Da m esm a form a, convocam os os ulemás, os líderes, os jovens e os soldados m uçulm anos para dar início a ataques contra os exércitos dos dem ônios norte-am ericanos e contra aqueles ajudan­ tes de Satã que são seus aliados.” A declaração e a fatw a term inam com um a série de outras citações das escrituras m uçulm anas. 20 A crise do islã Segundo a visão ocidental corrente, a C uerra do Colfo de 1991 foi iniciada pelos Estados U nidos, com um a coalizão de países árabes e outros aliados, para libertar o Kuwait da conquista e ocupação ira­ quianas e proteger a Arábia Saudita contra um a agressão do Iraque. Ver essa guerra com o um a agressão norte-am ericana ao lr;K|Lic pode parecer um tanto estranho, mas essa é a pcrspcciiv.i am plam ente aceita no m undo islâmico. Na m edida cm c|uc se dilui ,i m em ória do ataque de Saddam Hussein ao Kuwait, o cpie entra no loco das aten-
  • 20. ções são as sanções contra o Iraque, os aviões norte-am ericanos e britânicos patrulhando os céus a partir de bases na Arábia, o sofri­ m ento do povo iraquiano e, crescentem ente, o que se percebe com o a tendenciosidade norte-am ericana a favor de Israel. As três áreas de queixas listadas na declaração - Arábia, Iraque, lerusalém - são familiares para observadores do cenário no O riente Médio. O que pode ser m enos fam iliar é a seqüência e a ênfase com i|Lie essas áreas são apresentadas. Isso não será nenhum a surpresa inira qualquer um versado na história e literatura islâmicas. Em bora iiós, ocidentais, tendam os a esquecer isso algumas vezes, para os m u ­ çulm anos a Terra Santa por excelência é a Arábia e, especialmente, a região do Hijaz e suas duas cidades sagradas - Meca, onde nasceu o 1’rofeta, e M edina, onde se estabeleceu o prim eiro Estado m uçulm a­ no; o país cujo povo foi o prim eiro a acorrer à nova fé e tornou-se seu baluarte. O profeta M aom é viveu e m orreu na Arábia, bem com o seus sucessores im ediatos, os califas, no com ando da com unidade. I)esde então, exceto por breve intervalo na Síria, o centro do m undo islâmico e o cenário de suas m aiores realizações foi o Iraque, e Bagdá, sua capital, foi a sede do califado por m eio m ilênio. Para os m uçul­ manos, não se pode jam ais renunciar a nenhum pedaço de terra um a vez que tenha sido anexado à esfera de dom ínio do islã, mas nenhum se com para em significado à Arábia e ao Iraque. Desses dois, a Arábia é, de longe, o m ais im portante. II istoriado- res árabes clássicos contam que, no ano 20 da era m uçulm ana (cor­ respondente ao ano 641 d.C.), o califa ‘U m ar decretou c|ue judeus e cristãos deveriam ser retirados de toda a Arábia, com exceção das fai­ xas do sul e do leste, em obediência a um com ando tio Ihofeta pro­ nunciado em seu leito de m orte: “Q ue nao baja duas religiões na Arábia.” Os povos em questão eram os judeus do oásjs de Khaybar, no norte, e os cristãos de Najran, no sul. Ambos constituíam com unida­ des antigas e bem consoliilatlas, de tala, cultura e m odo de vida ára­ bes, diferindo de seus vi/jiihos apenas em sua fé. Introdução 21
  • 21. A atribuição daquela fala ao Profeta foi im pugnada por algumas autoridades islâmicas mais antigas. Mas, de m odo geral, foi aceita e cum prida. A expulsão de m inorias religiosas é extrem am ente rara na história islâmica - ao contrário da cristandade medieval, na qual expulsões de judeus e, após a Reconquista, de m uçulm anos eram norm ais e freqüentes. C om parado com as expulsões européias, o de­ creto de ‘U m ar era tanto lim itado quanto compassivo. Não incluía o sul e o sudeste da Arábia, que não eram vistos com o parte da Terra Santa islâmica. E, diferentem ente dos judeus e m uçulm anos expul­ sos da Espanha e de outros países europeus, obrigados a encontrar o refúgio que pudessem em outro lugar, os judeus e cristãos da Arábia foram reassentados em terras destinadas a eles - os judeus, na Síria e na Palestina e os cristãos, no Iraque. O processo foi gradual, em vez de súbito, e há registros de judeus e cristãos em Khaybar e N ajran por algum tem po ainda após o decreto. A expulsão foi concluída a seu tem po e, desde então, a Terra Santa do Hijaz tem sido território proibido para não-m uçulm anos. De acordo com a escola de jurisprudência islâmica reconhecida pelo Estado saudita e por O sam a bin Laden e seus seguidores, até m esm o o fato de um não-m uçulm ano pisar o solo sagrado já é um a grande ofensa. No resto do reino, os não-m uçulm anos, em bora adm itidos com o visitantes tem porários, não tinham perm issão para fixar resi­ dência ou praticar suas religiões. O porto de Djedda, no M ar Verme­ lho, funcionou, durante m uito tem po, com o um tipo de área de quarentena religiosa, na qual representantes diplom áticos, consula­ res e comerciais recebiam perm issão de viver estritam ente num cará­ ter tem porário. A partir da década de 1930, a descoberta e exploração do petró­ leo e o conseqüente crescim ento de Riad - a capital saudita que, de um a pequena cidade de oásis, transform ou-se num a grande m etró­ pole - trouxeram m uitas m udanças e considerável inlliixo de estran­ geiros, predom inantem ente norte-am ericanos, o que alclou todos os aspectos da vida árabe. A presença desses estrangeiros, ainda vista 22 A crise do islã
  • 22. por m uitos com o um a profanação, pode ajudar a explicar o clima de crescente ressentim ento. A Arábia foi am eaçada pelos cruzados durante algum tem po, no século XII da era cristã. Depois de derrotados e expulsos, a outra ameaça infiel à Arábia com eçou no século XVIII, com a consolidação do poder europeu no sul da Ásia e o aparecim ento de navios euro­ peus - ou seja, cristãos - no litoral da Arábia. O ressentim ento daí re­ sultante constituiu pelo m enos um dos elem entos do revivalismo religioso inspirado na Arábia pelo m ovim ento wahhabi, com andado pela Casa de Saud { S u u d em árabe), fundadora do Estado saudita. D urante o período de influência anglo-francesa e de seu dom ínio do O riente M édio nos séculos XIX e XX, os poderes im periais governa­ ram o Egito, o Sudão, o Iraque, a Síria e a Palestina. T iraram certo proveito das m argens da Arábia, de Áden e do golfo Pérsico, m as fo­ ram suficientem ente sábios para não ter nenhum envolvim ento m i­ litar, e apenas um m ínim o político, nos negócios da Península. Enquanto esse envolvim ento estrangeiro era exclusivamente econôm ico, e enquanto o retorno era mais que adequado para apla­ car todas as queixas, a presença estrangeira pôde ser tolerada. Mas, nos anos recentes, os term os de com prom isso m udaram . Com a que­ da dos preços do petróleo e o aum ento de população e gastos, o retorno deixou de ser adequado e as queixas tornaram -se m ais n u ­ m erosas e m ais audíveis. Tam pouco está a participação lim itada às atividades econômicas. A revolução no Irã, as am bições de Saddam Elussein c o conseqüente agravam ento de todos os problem as da re­ gião, especialm ente o eonllito Israel-Palestina, agregaram dim ensões políticas e mililai es a presença estrangeira, dando algum a plausibili- dade aos cada vez mais lieqücntes brados de “im perialism o”. Q uan­ do se tratar de sua lin .i S.mta, m uitos m uçulm anos tenderão a caracterizar a luta e, alg.iini.is vezes, tam bém o inim igo, em term os religiosos e a ver as trop.is norle-am ericanas enviadas para liberar o Kuwait e salvar a Ai .ibi.i S.uulila de Saddam Hussein com o invasores Introdução 23
  • 23. e ocupantes infléis. Essa percepção é aguçada pela inquestionável su­ prem acia norte-am ericana entre as autoridades do m undo infiel. Para a m aior parte dos norte-am ericanos, a declaração de Bin Laden é urna caricatura, urna distorção flagrante da natureza e do propósito da presença norte-am ericana na Arábia. Tam bém deve­ riam estar conscientes de que, para m uitos m uçulm anos, talvez a m aioria deles, a declaração é um a caricatura igualm ente grotesca da natureza do islã, e m esm o de sua doutrina de jihad. O Alcorão fala de paz, bem com o de güera. As centenas de m ilhares de tradições e ditos atribuidos, com variados graus de confiabilidade, ao Profeta, e algu­ m as vezes interpretados de m aneiras m uito diversas, oferecem am ­ pla gam a de orientações, das quais a interpretação m ilitante e violenta da religião é apenas urna dentre m uitas. Enquanto isso, núm eros significativos de m uçulm anos estão prontos para aprovar, e uns poucos deles para aplicar, essa interpre­ tação de sua religião. O terrorism o requer apenas uns poucos. O b­ viam ente, o O cidente tem que se defender por quaisquer meios efetivos. Mas, ao conceber meios de com bater os terroristas, certa­ m ente seria útil entender as forças que os im pelem . 24 A crise do islã
  • 24. 1 Definindo o Islã É difícil generalizar a respeito do islã. Para começar, a própria pala­ vra é usualm ente em pregada com dois significados relacionados, mas distintos, eqüivalendo tanto a cristianism o quanto a cristanda­ de. No prim eiro sentido, indica um a religião, um sistema de crença e culto; no outro, a civilização que cresceu e floresceu sob a égide da­ quela religião. Assim, a palavra “islã” denota m ais de 14 séculos de história, 1,3 bilhão de pessoas e um a tradição religiosa e cultural de enorm e diversidade. Cristianism o e cristandade representam um período mais longo e um núm ero m aior - m ais de 20 séculos, mais de dois bilhões de pessoas c um a diversidade ainda maior. M esmo assim, são possíveis certas generalizações a respeito do que é indife­ rentem ente cham ado cristão, judaico-cristão, pós-cristão e, mais sim plesm ente, civilização ocidental. Em bora possa ser difícil - e, às vezes, em certo sentido, |)crigoso - generalizar sobre a civilização is­ lâmica, i.sso não c impossível, c pode ter algum as utilidades. Em Icrmos es|i.K i.iis, o dom ínio do islã estende-se do M arrocos à Indonésia, do ( ;a/.u|uisl,io ao Senegal. Tem poralm ente, retrocede a m ais de 14 séculos, .lo advento e à missão do profeta M aom é na A rá­ bia, no século VII d.(2, i|uaiulo criou a com unidade e o Estado islâ­ micos. No período que hisloi iadores europeus vêem com o um negro interlúdio entre o declínio da eivilização antiga - Grécia e Rom a - e o surgim ento da m oderna, oii seja, da Europa, o islã era a civilização 25
  • 25. que liderava o m undo, m arcada por seus grandes e poderosos rei­ nos, pela riqueza e variedade da indústria e do com ércio, por suas ciências e artes engenhosas e criativas. M uito mais que a cristandade, o islã foi o estágio interm ediário entre o antigo O riente e o m oderno O cidente, para o qual contribuiu de m odo significativo. D urante os últim os três séculos, contudo, o m undo islâmico perdeu sua dom i- nância e liderança e ficou para trás do m oderno O cidente e tam bém do O riente rapidam ente m odernizado. Esse crescente hiato apresen­ ta problem as cada vez m ais agudos, tanto de ordem prática quanto em ocional, para os quais os governantes, pensadores e rebeldes do islã ainda não encontraram respostas convincentes. Com o religião, o islã é, sob todos os aspectos, m uito mais próxi­ m o da tradição judaico-cristã que de qualquer um a das grandes reli­ giões da Ásia, com o o hinduísm o, o budism o ou o confucionism o. O judaísm o e o islã têm em com um a crença em um a lei divina que re­ gula todos os aspectos da atividade hum ana, incluindo até m esm o a com ida e a bebida. Cristãos e m uçulm anos partilham um m esm o triunfalism o. Em contraste com as outras religiões, incluindo o ju ­ daísm o, acreditam que são os únicos afortunados a receber e guardar a m ensagem final de Deus para a hum anidade, sendo sua obrigação levá-la ao resto do m undo. C om paradas com as mais antigas reli­ giões orientais, todas as três religiões do O riente M édio - judaísm o, cristianism o e islam ism o - estão intim am ente relacionadas e apare­ cem, de fato, com o variantes da m esm a tradição religiosa. A cristandade e o islã são, de m uitas m aneiras, civilizações irm ãs, am bas derivadas de um a m esm a herança - a revelação c pro­ fecia judaicas e a filosofia e ciência gregas - e nutridas pelas im em o­ riais tradições do O riente M édio antigo. D urante a maioi parte de sua história conjunta, têm sido im pelidas a se com bak iem, mas, m esm o no conflito e na polêm ica, revelam seu paren testo essencial e os traços com uns que as unem e as distinguem das civiliz.içoes asiáti­ cas mais distantes. 26 A crise do islã
  • 26. Mas, assim com o há semelhanças, há tam bém profundas dispa­ ridades entre as duas, que vão além das óbvias diferenças de dogm a e culto. Em nenhum outro aspecto essas diferenças são mais profun- rlas - e mais óbvias - que na atitude dessas religiões e de seus expoen­ tes legitim ados a respeito das relações entre governo, religião e sociedade. O fundador do cristianism o ordenou a seus seguidores dar “a César o que é de César, e a Deus o que é de D eus” (M at. 22:21) e, durante séculos, o cristianism o cresceu e se desenvolveu com o um a religião dos oprim idos, até que, com a conversão do im perador ( Àmstantino, o próprio César tornou-se cristão e inaugurou um a sé­ rie de m udanças através das quais a nova fé ganhou o Im pério Ro­ m ano e transform ou sua civilização. O fundador do islã foi seu próprio C onstantino, e fundou seu próprio Estado e im pério. Assim, ele não criou - nem necessitou criar - um a igreja. A dicotom ía entre regnum e sacerdotium, tão crucial na história da cristandade ocidental, não tinha nenhum equi­ valente no islã. D urante a vida de M aom é, os m uçulm anos to rn a­ ram-se, ao m esm o tem po, um a com unidade política e religiosa, tendo o Profeta com o chefe de Estado. C om o tal, ele governava um lugar e um povo, propiciava justiça, recolhia im postos, com andava exércitos, declarava guerra e fazia a paz. A prim eira geração m uçul­ m ana do período de form ação do islã, cujas aventuras constituem sua história sagrada, não foi posta à prova continuam ente por perse­ guições e nem tinha um a tradição de resistência a um poder estatal hostil. Ao contrário, o Estado que os regia era o do islã, e a aprovação de Deus à sua causa m anifestava-se para eles sob a forma de vitória e im pério neste m undo. Na Rom a pagã. César era Deus. Para os crislãos, há um a escolha entre Deus e César, e inum eráveis gerações de cristãos têm -se enre­ dado nas teias dessa escolha. No isla, nao havia nenhum a escolha ár­ dua com o essa a fazer. Na organi/açao política universal islâmica, tal com o concebida pelos m uçulm anos, náo há César, apenas Deus, que é o único soberano e a imie.i (ontc da lei. M aom é foi Seu profeta, Definindo o islã 27
  • 27. que durante a vida ensinou e governou em nom e de Deus. Q uando m orreu, em 632 d.C., sua m issão espiritual e profética de trazer a pa­ lavra de Deus para a hum anidade havia sido com pletada. O que per­ m aneceu foi a tarefa religiosa de espalhar a revelação de D eus até que, finalm ente, o m undo todo a aceitasse. Isso deveria ser alcança­ do am pliando a autoridade e, portanto, tam bém a participação da com unidade que abraçava a verdadeira fé e sustentava a lei de Deus. A fim de prover a adesão e a liderança necessárias para essa tarefa, re­ queria-se um substituto ou sucessor do Profeta. A palavra árabe kha- lifa foi o título adotado por Abu Bakr, sogro do Profeta e seu sucessor, cuja ascensão à chefia da com unidade islâmica m arcou a fundação da grande instituição histórica do califado. D urante o governo dos califas, a com unidade de M edina, onde havia governado o Profeta, transform ou-se num vasto im pério em pouco m enos de um século, e o islam ism o tornou-se um a religião universal. Na experiência dos prim eiros m uçulm anos, tal com o pre­ servada e registrada para as gerações vindouras, a verdade religiosa e o poder político eram indissoluvelm ente associados: a prim eira san- tificava o segundo, e este sustentava aquela. O aiatolá K hom eini um a vez observou que “o islã é política ou não é nada”. Nem todos os m u ­ çulm anos chegariam a tanto, m as a m aior parte deles concordaria que D eus preocupa-se com a política, e essa crença é confirm ada e sustentada pela sharia, a Lei Sagrada, que lida extensivam ente com a aquisição e o exercício do poder, a natureza da legitim idade e da autoridade, as obrigações dos governantes e súditos; em poucas pala­ vras, com aquilo que, no Ocidenlc, cham aríam os direito constitu­ cional e filosofia política. A longa interação entre o islã e a cristand.ule, c suas m uitas se­ m elhanças e influências m útuas, algum as vezes lêm levado observa­ dores a ignorar certas diferenças significativas, t) Alcoi ao, di/.-se, é a Bíblia m uçulm ana; a m esquita é a igreja m uçulm ana; os ulemás são o clero m uçulm ano. As três afirm ações são verdadeiras, mas, ainda assim, são perigosam ente enganosas. Tanto o Velho c]uanlo o Novo 28 A crise do islã
  • 28. Testam ento consistem de coleções de diferentes livros, estenden- do-se por longo período de tem po, e são considerados pelos crentes a m aterialização da revelação divina. Para os m uçulm anos, o Alco­ rão é um único livro, revelado em um tem po determ inado por um m esm o hom em , o profeta M aom é. Após intensos debates nos p ri­ m eiros séculos do islã, foi adotada a doutrina de que o Alcorão é, ele m esm o, incriado e eterno, divino e im utável. Isso se tornou um princípio central da fé. A m esquita é, realm ente, a igreja m uçulm ana, no sentido de ser um lugar de culto com unal. Mas não se pode falar “a M esquita” com o se fala “a Igreja” - ou seja, um a instituição com sua própria hierarquia e suas leis, em contraste com o Estado. Os ulemás (conhe­ cidos com o m ulás no Irã e nos países m uçulm anos influenciados pela cultura persa) podem ser descritos com o sacerdotes no sentido sociológico, pois são hom ens de religião por profissão, reconhecidos com o tal por treinam ento e certificado. M as não há um clero no islã - nenhum a m ediação clerical entre D eus e o fiel, nem ordenação, sacram entos ou rituais que apenas um sacerdote ordenado possa realizar. N o passado, ter-se-ia acrescentado que não há concilios ou sínodos, nem bispos para definir a ortodoxia e inquisidores para fazê-la cum prir. Pelo m enos no Irã, isso já não é inteiram ente verdadeiro. A principal função do ulem á - de um a palavra árabe significan­ do “conhecim ento”- é preservar e interpretar a Eei Sagrada. No final dos tem pos medievais, surgiu algo com o um clero local que atendia às necessidades das pessoas com im s em cidades e vilas, mas era usualm ente separado do ulema e iiao coiilava com sua confiança, de­ vendo mais ao isla mislico do c|iie .10 dogm ático. Nas últim as m onar­ quias islâmicas, na 'liii(|uia e no Ir.i, apareceu um tipo de hierarquia eclesiástica, mas sem rai/es n.i iiadiç.io m uçulm ana clássica, e m es­ m o essas hierarquias nniu .1 dem andaram - e, m enos ainda, exerce­ ram - os poderes dos piel.idos c 1 istãos. Nos tem pos m odernos, tem havido m uitas m udanças, devidas, principalm ente, a influências oci­ Definindo o islã 29
  • 29. dentais, e desenvolveram -se instituições e profissões que guardam sem elhança suspeita com as igrejas e clérigos da cristandade. M as re­ presentam um afastam ento do islã clássico, e não um retorno a ele. Se é possível, no m undo islâmico, falar de um clero num senso sociológico lim itado, não há o m enor sentido em se falar de um a lai- cidade. A própria noção de algo separado, ou m esm o separável, da autoridade religiosa, expressa na linguagem cristã por term os com o laico, temporal ou secular, é totalm ente estranha ao pensam ento e à prática do islã. N ão foi senão a partir de tem pos relativam ente m o ­ dernos que passaram a existir equivalentes para esses term os na lín­ gua árabe. Foram tom ados em prestados do uso de cristãos de fala árabe, ou recém -inventados. Desde a época do Profeta, a sociedade islâmica tinha um a n atu ­ reza dupla. De um lado, era um a unidade política - um a capitania que, sucessivamente, tornou-se um Estado e um im pério. De outro lado, e ao m esm o tem po, era um a com unidade religiosa fundada por um profeta e dirigida por seus substitutos, que tam bém eram seus sucessores. Cristo foi crucificado, Moisés m orreu sem entrar na terra prom etida, e as crenças e condutas de seus seguidores religiosos ain­ da são profundam ente influenciados pela m em ória desses fatos. M aom é triunfou em vida e m orreu com o soberano e conquistador. As condutas m uçulm anas resultantes não tinham com o não serem confirm adas pela história subseqüente de sua religião. Na Europa ocidental, invasores bárbaros [mas educáveis] encontraram um Es­ tado e um a religião já existindo: o Im pério Rom ano e a Igreja cristã. Os invasores reconheceram am bos, e tentaram trabalhar para seus próprios fins e neccssitiades denlro das eslriituras da sociedade ro­ m ana organizada e da religião ci isl.i, qiie em pregavam a língua lati­ na. Os invasores árabes m uçulm anos i|ue toiiquislaiam o O riente M édio e a África do N orte trouxeram sua (uopi i.i le, lom suas p ró ­ prias escrituras em sua própria língua; criaram sua piopria consti­ tuição política, com um novo conjunto de leis, um novo idiom a im perial e um a nova estrutura im perial, tendo o calila <,omo chefe 30 A crise do islã
  • 30. suprem o. Esse Estado e essa organização eram definidos pelo islã, e a associação plena era concedida exclusivam ente àqueles que profes­ savam a fé dom inante. A carreira do profeta M aom é - o m odelo que todo bom m uçul­ m ano busca im itar, não só nisso, com o em tudo o mais, - divide-se em duas partes. Na prim eira, durante os anos em sua cidade natal, M eca (?570-622), era um oponente da oligarquia pagã que então reinava. Na segunda, após sua m udança de Meca para M edina (622-632), era o chefe de um Estado. Essas duas fases na carreira do Profeta, um a de resistência, outra de com ando, estão refletidas no Alcorão, onde, em diferentes capítulos, os fiéis são instruídos a obe­ decer ao representante de Deus e desobedecer ao Faraó, o paradigm a do dirigente injusto e tirânico. Tais aspectos da vida e obra do Profeta inspiraram duas tradições no islã, um a autoritária e quietista, a outra radical e ativista. Ambas estão am plam ente refietidas, de um lado, no desenvolvim ento da tradição, e, de outro, no desenrolar dos eventos. N em sem pre foi fácil determ inar quem era o representante de Deus e quem era o Faraó; m uitos livros foram escritos, e m uitas batalhas travadas, na tentativa do fazê Io. O problem a perm anece, e as duas tradições podem ser vist.is imiilo claram ente nas polêm icas e nos conflitos de nosso (uoprio tempo. Entre os extrem os de c|iiietismo e radicalism o há um a atitude dissem inada, am plam enlr' t'xpiessada, de reserva, e m esm o de des­ confiança, diante ilo j;ovei no. Um exemplo é a m arcante diferença, nos tem pos mcdiev.iis, d.is atitudes populares relativas ao cádi, um juiz, e o m ufti, um |ui ise(insulto ria Lei Sagrada. O cádi, nom eado pelo governante, c apresenl.ido n.i literatura e no folclore com o um a figura m ercenária e .ite i kIk iiI.i; o mufti, reputado no islã medieval pelo reconhecim ento de seus (.olegas e da população em geral, des­ frutava de estima e res|H iiii. Uin lema tradicional nas biografias de hom ens devotos - as (|uais existem centenas de m ilhares - é que o herói recebeu a olerl.i de um taigo governam ental e recusou. A ofer- Definindo o Isla il
  • 31. ta dem onstra seu conhecim ento e reputação; a recusa, sua inte­ gridade. Nos tem pos otom anos, houve urna m udança im portante. O cádi ganhou m uito em poder e autoridade, e m esm o o m ufti foi inte­ grado à hierarquia pública de autoridade. Mas a velha atitude de des­ confiança diante do governo persistiu e é freqüentem ente expressada em provérbios, historias folclóricas e até na m elhor literatura. Por m ais de m il anos, o islã forneceu o único conjunto univer­ salm ente aceitável de regras e principios para a regulação da vida p ú ­ blica e social. M esm o durante o período da m áxim a influência européia, nos países governados ou dom inados por poderes im pe­ riais europeus, bem com o naqueles que perm aneceram indepen­ dentes, as noções e atitudes políticas islâmicas continuaram a exercer profunda e dissem inada influência. Nos anos recentes, tem havido m uitos sinais de que essas noções e atitudes podem estar retornando ao padrão anterior de dom inância, em bora sob form as modificadas. 32 A crise do islã É no terreno da política - interna, regional e internacional - que p o ­ dem ser vistas as diferenças mais m arcantes entre o islã e o resto do m undo. Os chefes de Estado ou m inistros de Relações Exteriores dos países escandinavos e do Reino U nido não se reúnem , de tem pos em tem pos, em conferências de cúpula protestantes; nem foi jam ais um a prática dos governantes da Grécia, Iugoslávia, Bulgária e União Soviética, esquecendo tem porariam ente suas diferenças políticas e ideológicas, prom over encontros regulares com base em sua adesão prévia ou atual à Igreja O rtodoxa. Do m esm o m odo, os Estados b u ­ distas do leste e do sudeste asiático não constituem um liloco budista nas Nações U nidas nem em nenhum a outra de suas atividades políti­ cas. No m undo m oderno, a própria iiléia de lal gi ii|iam ento baseado na religião pode parecer anacrônica e ale absuul.i. M .isem relação ao islã, não é anacrônica nem absurda. Ao lougo das tensões da G uerra Fria, e após aquele período, mais de cinqüenta governos m uçulm a-
  • 32. nos - incluindo m onarquias e repúblicas, conservadores e radicais, adeptos do capitalism o e do socialismo, partidários do bloco ociden­ tal e do bloco oriental, e toda um a gama de graus de neutralidade - construíram um elaborado aparato de consulta internacional e, em m uitos casos, de cooperação. Em setem bro de 1969, um a conferência de cúpula islâmica reu­ nida em Rabá, no M arrocos, decidiu criar um a entidade cham ada Organização da Conferência Islâmica (O C I), com um a secretaria perm anente em D jedda, na Arábia Saudita. A entidade foi criada e se desenvolveu rapidam ente na década de 1970. Suas preocupações principais eram a ajuda aos países m uçulm anos pobres, o apoio às m inorias m uçulm anas em países não-m uçulm anos e a posição in ­ ternacional do islã e dos m uçulm anos - nas palavras de um observa­ dor, os direitos islâmicos do hom em . Essa organização tem agora 57 Estados m em bros, além de três com status de observadores. Dois desses Estados, Albânia e Turquia, estão, ou aspiram a estar, na Europa (a Bosnia tem apenas o status de observador); dois, Surinam e (adm itido em 1996) e G uiana (adm iti­ da em 1998), estão no hem isfério ocidental. Os demais estão na Ásia e na África, e, com poucas exceções, gantiaram sua independência nos últim os 50 anos dos im périos da fluropa ocidental e, mais recen­ tem ente, do Soviético. A m.iior parle desses Estados tem um a p o p u ­ lação quase em siia totalidade iiiuçulm ana, em bora alguns poucos tenham sido adm itidos em limçao da força de suas significativas m i­ norias m uçulm anas. Alem di-ssi-s lisiados, há im portantes m inorias m uçulm anas em outros países algumas delas sem elhantes à m aio­ ria, com o na liulia, onl r.is, f-inica c religiosamente distintas, com o os tchetchenos e os l.n l.iios da federação Russa. Alguns países, com o a China, têm m inorias m uçulm anas dos dois tipos. A tualm ente, m ui­ tos outros estão g.mli.mdo m inorias m uçulm anas em conseqüência de imigrações. Houve e há im porlanles limites à eficácia da O CI com o um ator no cenário polít ico in u-rn acionai. A invasão soviética do Afeganistão Definindo o islã 33
  • 33. em 1979, um flagrante ato de agressão contra urna nação m uçulm a­ na soberana, não evocou protestos sérios e foi até defendida por al­ guns m em bros. M ais recentem ente, a Organização tem deixado de se m anifestar a respeito de guerras civis em Estados m em bros com o Sudão e Somalia. Seu desem penho em questões regionais tam bém não foi significativo. Entre 1980 e 1988, dois países islâmicos, Iraque e Irã, envolveram -se num a guerra devastadora, infligindo im ensos danos um ao outro. A OCI nada fez, nem para im pedir a guerra nem para dar fim a ela. Em geral, a OCI, diferentem ente da Organização dos Estados A m ericanos e da Organização da U nidade Africana, não se ocupa de abusos de direitos hum anos e outros problem as internos dos Estados m em bros; suas preocupações com a questão têm -se lim itado à situação de m uçulm anos vivendo em países nâo-m u- çulm anos, principalm ente na Palestina. No entanto, a OCI não deve ser desconsiderada. Suas atividades culturais e sociais são im portan­ tes e crescentes, e o aparato que propicia para consultas regulares en­ tre Estados m em bros pode ganhar im portância à m edida que a G uerra Fria e seus efeitos perturbadores vão ficando para trás. Passando da política internacional para a regional e nacional, as diferenças entre o islã e o resto do m undo, em bora m enos m arcantes, são ainda substanciais. Em alguns dos países com regimes dem ocrá­ ticos m ultipartidários existem partidos políticos com designações religiosas - Cristão no Ocidente, H indu na índia. Budista no O rien­ te. Mas esses partidos são relativam ente poucos, e os que desem pe­ nham papel im portante são ainda em m enor núm ero. M esm o no caso desses últim os, os tem as religiosos são, em geral, de m enor im ­ portância em seus program as e apelos ao eleitorado. Entretanto, na m aioria dos países islâmicos, a religião continua a ser um fator polí­ tico relevante - m uito mais no cam po dom estico, de lato, que nas questões internacionais ou m esm o regionais. (Ju.il a ia/ao dessa d i­ ferença? Um a resposta é óbvia: a m aior pai te dos países m uçulm anos ainda é profundam ente m uçulm ana, de um a form a e luim sentido 34 A crise do islã
  • 34. que a m aioria dos países cristãos já não é. É certo que, em m uitos desses últim os, as crenças cristãs e o clero que as sustentam ainda são um a força poderosa. Em bora seu papel não seja o m esm o que o de séculos passados, não é, de m aneira algum a, insignificante. M as em nenhum país cristão da atualidade os líderes religiosos podem con­ tar com um grau de crença e participação com o o que continua a ser norm alm ente encontrado em terras m uçulm anas. Em poucos países cristãos, se é que em algum, os princípios e práticas cristãos estão im unes a com entários críticos ou discussões no nível em que é aceito com o norm al m esm o em sociedades m uçulm anas ostensivam ente seculares e dem ocráticas. N a realidade, essa im unidade privilegiada tem sido estendida, de facto, a países ocidentais onde com unidades m uçulm anas estão já estabelecidas e onde crenças e práticas m uçul­ m anas têm garantia de im unidade a críticas num nível que as m aio­ rias cristãs perderam e as m inorias judias nunca tiveram . Mais im portante ainda; com m uito poucas exceções, o clero cristão não exerce ou nem ao m enos dem anda o tipo de autoridade pública que ainda é norm al e aceita na m aior parte dos países m uçulm anos. O nível m ais elevado de fé c práticas religiosas entre os m uçul­ m anos, em com paração com seguidores dc outras religiões, explica, em parte, a atitude única dos m uçulm anos frente à política; não é a explicação total, já que atitude sem elhante pode ser encontrada em indivíduos e m esm o em grupos inteiros cujo com prom isso com a fé e a prática religiosas é, iio m.iximo, superficial. O islã é não apenas um a questão de fé e prát ica; e tam liém um a identidade e um a lealda­ de que, para m uitos, trausceudem todas as demais. Aparentem ente, a impoi tação de noções ocidentais de patriotis­ m o e nacionalism o m uilou tudo isso e levou à criação de um a série de Estados-naçocs m odeinos que se estendem por todo o m undo is­ lâmico, do M arroios a Indonésia. Mas nem tudo e com o parece ser. Dois exemplos podem ser su­ ficientes. Em 1923, aiKÍs a últim a guerra greco-turca, os dois gover­ nos concordaram em resolver os problem as de suas m inorias através Definindo o islã 35
  • 35. de um a troca de populações - gregos foram m andados da T urquia para a Grécia, turcos foram enviados da Grécia para a Turquia. Pelo m enos, é isso, em geral, o que contam os livros de historia. Os fatos são um tanto diferentes. O protocolo assinado pelos dois governos em Lausanne em 1923, contendo o acordo de trocas, não fala de “gregos” e “turcos”. Ele define as pessoas a serem trocadas com o “se­ guidores turcos da religião ortodoxa grega residindo na T urquia” e “seguidores gregos da religião m uçulm ana residindo na Grécia”. Assim, o protocolo reconhece apenas dois tipos de identidade - um a definida por ser súdito de um Estado, e outra por ser seguidor de um a religião. N ão é feita qualquer referência a nacionalidades étni­ cas ou lingüísticas. A precisão desse docum ento em expressar as in ­ tenções dos signatários foi confirm ada pela troca verdadeiram ente realizada. M uitos dos assim cham ados gregos da província de Kara- m an, na A natólia turca, tinham o turco com o língua m aterna, mas usavam o alfabeto grego para escrever e freqüentavam os cultos das igrejas ortodoxas. M uitos dos assim cham ados turcos da Grécia não sabiam turco, ou sabiam m uito pouco, e usualm ente falavam grego - mas escreviam com o alfabeto turco-árabe. Um observador ocidental, acostum ado a um sistema ocidental de classificação, poderia m uito bem ter concluído que o que os go­ vernos da Grécia e da Turquia concordaram em fazer, e fizeram, não foi a troca e a repatriação de m inorias nacionais gregas e turcas, mas sim um a dupla deportação para o exílio - de m uçulm anos gregos para a Turquia, de turcos cristãos para a Grécia. Até m uito recente­ m ente, a Grécia e a Turquia, am bas dem ocracias ocidentalizadas, a prim eira, m em bro efetivo da União Européia, a segunda, candidata, reservavam um cam po específico para religião nos docum entos de identidade oficiais. Um segundo exemplo é o Egito. Poucos países, (alvez nenhum outro, têm m elhores elem entos para reclam ar seu caráter de nação - um país claram ente caracterizado tanto pela história quanto pela geografia, com um a história ininterrupta de civili/.açao que se esten- 36 A crise do islã
  • 36. de por mais de cinco m il anos. M as os egipcios têm diversas identi­ dades, e, na m aior parte dos últim os 14 séculos - isto é, desde a conquista árabe-islám ica do Egito no século VII e a subseqüente isla- mização e arabização do país - raram ente a egipcia tem sido a predo­ m inante: têm precedência a identidade cultural e lingüística do arabism o ou, durante a m aior parte de sua historia, a identidade reli­ giosa do islã. C om o nação, o Egito é urna das m ais antigas do m u n ­ do. Com o Estado-nação, é urna criação m oderna e ainda enfrenta m uitos desafíos internos. A tualm ente, o m ais forte desses desafíos, tam bém encontrado em alguns outros países m uçulm anos, vem de grupos islâmicos radicais, do tipo com um ente descrito hoje, em bora de form a equivocada, com o “fundam entalista”. Definindo o islã 37 Desde quando seu Fundador era vivo e, portanto, conform e suas sa­ gradas escrituras, o islã está associado, no espirito e na m em oria dos m uçulm anos, com o exercício do poder político e militar. O islã clás­ sico reconhecia a distinção entre coisas desse m undo e coisas do p ró ­ xim o, entre reflexões pias e m undanas. O que não reconhecia erá um a instituição separada, com hierarquia e leis próprias, para regu­ lar questões religiosas. Isso significa então que o islã é urna teocracia? No sentido de que Deus é visto com o o suprem o soberano, a resposta teria que ser um decisivo sim. No sentido de governo por um sacerdocio, definiti­ vam ente não. O surgim ento de urna hierarquia sacerdotal que veio a assum ir a autoridade mais elevada no Estado é urna inovação m o ­ derna e urna contribuição exclusiva do aiatolá K hom eini do Irã ao pensam ento e .i experiência do islã. A Revolução Islâmica no Irã, com o as revoluções Francesa e Russa às quais se assemelha em m uitos aspectos, teve um trem endo im pacto não apenas naquele país e entre seu próprio povo, mas tam ­ bém em todos os países e povos com os quais tinha um universo dis­ cursivo em conunn. Com o as revoluções Francesa e Russa em suas
  • 37. respectivas épocas, despertou trem enda esperança e enorm e entu­ siasmo. C om o aquelas revoluções, sofreu seu T error e sua guerra de intervenção; com o elas, tem seus jacobinos e seus bolcheviques, de­ term inados a esm agar qualquer sinal de pragm atism o ou m odera­ ção. E, tal com o aquelas revoluções, mais particularm ente a Russa, tem tam bém sua própria rede de agentes e emissários lutando, de vá­ rias form as, para prom over a causa revolucionária ou, pelo menos, o regim e visto com o sua m aterialização. A palavra revolução tem sido m uito m al usada no m oderno O riente M édio, sendo aplicada a m uitos eventos - ou dem andada por eles - que seriam mais adequadam ente designados pela expres­ são francesa coup d ’état, pela palavra alemã Putsch ou pela espanhola pronunciamiento. É interessante que a experiência política dos povos de língua inglesa não ofereça um term o equivalente. O que aconte­ ceu no Irã não foi nada disso, mas tratava-se, em suas origens, de um autêntico m ovim ento revolucionário pró-m udança. Com o seus an­ tecessores, deu dem asiadam ente errado em m uitos aspectos, levan­ do à tirania no país e ao terror e à subversão fora. D iferentem ente da França e da Rússia revolucionárias, o Irã revolucionário carece dos meios, dos recursos e das competências para se tornar um a autoridade e um a ameaça expressivas em esfera m undial. A ameaça que oferece é, principal e totalm ente, para os m uçulm anos e para o próprio islã. A onda revolucionária no islã tem diversos com ponentes. Um deles é um senso de hum ilhação: o sentim ento de um a com unidade de pessoas acostum adas a se verem com o as únicas guardiãs da ver­ dade de Deus, que receberam Dele o com ando de levá-la aos infiéis e que, de repente, vêem-se dom inadas c exploradas por aqueles m es­ m os infiéis. M esm o quando já não mais ilom inadas, suas vidas são m udadas e profundam ente afetadas, pois se scnlem tiradas do verda­ deiro cam inho islâmico e levadas para oiilios. A luim ilbação ju n ­ tou-se frustração, à m edida que lotam cxpei im eiilados vários rem édios, a m aior parte im portada do Ocidente, e, um após outro, todos falharam . 38 A crise do islã
  • 38. Em seguida à hum ilhação e à frustração veio um terceiro com ­ ponente, necessário para o ressurgim ento - um a nova confiança e um senso de poder renovado. Isso se m anifestou a partir da crise do petróleo de 1973, quando, em apoio à guerra do Egito contra Israel, os países árabes produtores de petróleo usaram tanto o fornecim en­ to quanto o preço com o arm as que se provaram m uito eficazes. A ri­ queza, o orgulho e a autoconfiança que resultaram do episódio foram reforçados por outro elem ento tam bém novo; o desprezo. Em contato com a Europa e a América, os visitantes m uçulm anos com e­ çaram a observar e descrever o que viram com o a degradação m oral e a conseqüente fragilidade da civilização ocidental. Em um tem po de tensões crescentes, ideologias vacilantes, leal- dades exauridas e instituições decadentes, um a ideologia expressada em term os islâmicos oferecia diversas vantagens: um a base em o­ cionalm ente fam iliar para a identidade grupai, a solidariedade e a ex­ clusão; um a base aceitável de legitim idade e autoridade; um a form ulação im ediatam ente inteligível de princípios a serem usados tanto num a crítica do presente quanto num program a para o futuro. Através de tudo isso, o islã pôde prover os sím bolos e slogans mais efetivos para a m obilização, seja a favor de um a causa ou um regime, seja contra eles. Os m ovim entos islâmicos tam bém têm outra im ensa vantagem quando com parados com todos os seus com petidores. Nas m esqui­ tas, eles dispõem de um a rede de associação e com unicação que m es­ m o o mais ditatorial dos governos não pode controlar inteiram ente. De fato, ditaduras brutais os ajudam , m esm o não tendo tal intenção, ao elim inar oposições com petidoras. O islam ism o radical, ao qual se tornou usual dar o nom e de fun- dam entalism o islâmico, não é um único m ovim ento hom ogêneo. Elá m uitos tipos de fundam entalism o islâmico em diferentes países e, às vczcs, dentro de um m esm o país. Alguns são patrocinados pelo Estado - prom ulgados, usados e prom ovidos por um ou outro go­ verno m uçulm ano para seus próprios propósitos; outros são genuí- Definindo o islã 39
  • 39. nos m ovim entos populares de base. Entre os m ovim entos islâmicos patrocinados pelo Estado há tam bém vários tipos, tanto radicais quanto conservadores, tanto subversivos quanto preventivos. M ovi­ m entos conservadores e preventivos têm sido iniciados por gover­ nos no poder buscando proteger-se de urna onda revolucionária. São desse tipo os m ovim entos encorajados, em diferentes épocas, pelos egipcios, paquistaneses e, principalm ente, sauditas. O outro tipo, m uito m ais im portante, vem de baixo, com urna auténtica base popular. O prim eiro desses a tom ar o poder e exercê-lo com m aior sucesso foi o m ovim ento conhecido com o a Revolução Islâmica no Irã. Regimes islâmicos radicais agora dom inam no Sudão e, por al­ gum tem po, dom inaram no Afeganistão, enquanto m ovim entos is­ lâm icos constituem grandes ameaças à já am eaçada ordem existente em outros países, especialm ente Argélia e Egito. Os fundam entalistas m uçulm anos, diferentem ente dos grupos protestantes cujo nom e foi transferido para eles, não diferem da cor­ rente dom inante em questões de teologia e interpretação dos textos sagrados. Sua crítica, em sentido m ais am plo, é relativa a toda a so­ ciedade. O m undo islâmico, na opinião desses fundam entalistas, to ­ m ou um cam inho errado. Seus governantes cham am a si m esm os m uçulm anos e fingem ser o islã, mas são, de fato, apóstatas que abo­ liram a Lei Sagrada e adotaram leis e costum es estrangeiros, infiéis. A única solução, segundo eles, é um retorno ao autêntico m odo de vida m uçulm ano, c, para isso, <i remoção dos governos apóstatas é um prim eiro passo essencial. Os fuiulam enlalislas são antiocidentais no sentido de que vêem o Ocideiile com o a lonle do mal que está cor­ roendo a sociedade m uçulm ana, m.is scai prim eiro ataque está diri­ gido contra seus próprios govr-rnanU's e lideres. Assim foram os m ovim entos que resultaram na ilei iubarla do xá do Irã em 1979 e no assassinato do presidente Sadal, do Lgilo, dois anos depois. Ambos eram vistos com o sintom as de um mal mais profundo a ser rem edia­ do com um a lim peza interna. No Egito, eles m ataram o dirigente. 40 A crise do islã
  • 40. mas não conseguiram se apropriar do Estado; no Irã, destruíram o regime e criaram o seu próprio. Definindo o islã 41 O islã é um a das grandes religiões do m undo. D eu dignidade e senti­ do a vidas toscas e em pobrecidas. Ensinou hom ens de diferentes ra­ ças a viver em irm andade e povos de diferentes credos a viver lado a lado em sensata tolerância. Inspirou um a grande civilização na qual outros, além dos m uçulm anos, tiveram vidas criativas e proveitosas e que, por suas realizações, enriqueceram o m undo inteiro. Mas o islã, com o outras religiões, tam bém conheceu períodos nos quais inspi­ rou em alguns de seus seguidores um espírito de ódio e violência. É um infortúnio nosso que tenham os que confrontar parte do m undo m uçulm ano no m om ento em que atravessa um desses períodos, e quando a m aior parte daquele ódio - mas não todo ele, de form a al­ gum a - está dirigido contra nós. Por quê? N ão devemos exagerar as dim ensões do problem a. O m undo m uçulm ano está longe de ser unânim e em sua rejeição do Ocidente, e nem as regiões m uçulm anas do Terceiro M undo têm es­ tado sozinhas em sua hostilidade. Existem ainda núm eros significa­ tivos de m uçulm anos, em alguns lugares talvez a m aioria deles, com os quais partilham os algu mas crenças e aspirações básicas de n ature­ za cultural e m oral, social e política; existe um a significativa presença ocidental - cultural, econôm ica, diplom ática - em terras m uçulm a­ nas, algum as das quais sao aliadas do O cidente. M as há um a m aré de ódio que aflige, alarma c, acima de tudo, desconcerta os norte- am ericanos. Frcqiicntcm enle esse odio vai além do nível de hostilidade a in ­ teresses, ações, políticas ou m esm o países específicos, e se transfor­ m a em rejeição à civilização ocidental propriam ente dita, não tanto pelo que faz, m as pelo que é e [k To s princípios e valores que pratica e professa. Na verdade, esses são vistos com o intrínsecam ente maléfi-
  • 41. COS, e os que os prom ovem ou aceitam são considerados “inim igos de D eus”. Essa frase, que reaparece tão freqüentem ente nas declarações da liderança iraniana, tanto em seus procedim entos jurídicos quanto nos pronunciam entos políticos, pode parecer m uito estranha ao m oderno observador externo, seja religioso ou secular. A idéia de que Deus tem inim igos e necessita de ajuda hum ana para identifi­ cá-los e elim iná-los é um tanto difícil de assimilar. No entanto, não é assim tão estranha. O conceito de inim igos de Deus era fam iliar na Antigüidade pré-clássica e clássica, tanto no Antigo e Novo Testa­ m entos quanto no Alcorão. No islã, a luta entre bem e m al adquiriu, desde o começo, di­ m ensões políticas e m esm o militares. Deve-se recordar que M aom é era não apenas um profeta e m estre, tal com o os fundadores de ou ­ tras religiões; era tam bém um dirigente e um soldado. Daí que sua luta envolvesse um Estado e suas forças arm adas. Se os com batentes na guerra pelo islã, a guerra santa “no cam inho de D eus”, estão lu­ tando por Deus, segue-se que seus oponentes estão lutando contra Deus. E dado que Deus é, em princípio, o soberano, o suprem o chefe do Estado islâmico, tendo o Profeta e, depois dele, os califas como Seus vice-regentes, então Deus, com o soberano, com anda o exército. O exército é o exército de D eus e o inim igo é o inim igo de D eus. A obrigação dos Seus soldados é despachar os inim igos, tão ráp i­ do quanto possível, para o lugar onde Deus os castigará, ou seja, a outra vida. Atualm cnle, a iiucsiao t h.ive (|ue ocupa os form uladores de po ­ líticas no O cidente pode sei expiessad.i sim |)lesm entc como: será o islã, fundam eiitalista oli nao, iiiii.i aiiu-.u,.i p.iia o Ocidenie? A essa questão simples têm sido d.idas varias respusi.is l.inibem simples, e, sendo assim, a m aior parte aponía na direção ei i.ul.i. I )e .leordo com um a escola de pensam ento, após o desm anlel.im eiilo da União So­ viética e do m ovim ento com unista, o islã e o lundaiueiil.ilism o islâ­ mico passaram a ocupar seus lugares com o a m aior ameaça ao 42 A crise do islã
  • 42. O cidente e ao m odo de vida ocidental. De acordo com outra escola de pensam ento, os m uçulm anos, incluindo os fundam entalistas ra­ dicais, são pessoas basicam ente decentes, am antes da paz e devotas, algumas das quais foram levadas além do suportável por todas as coisas terríveis que nós, do O cidente, tem os feito a elas. Escolhemos vê-los com o inim igos porque tem os um a necessidade psicológica de um inim igo para substituir a finada U nião Soviética. Ambas as perspectivas contêm elem entos de verdade; am bas es­ tão perigosam ente erradas. O islã, com o tal, não é um inim igo do Ocidente, e há porções crescentes de m uçulm anos, tanto lá com o aqui, que desejam nada m ais que um a relação mais próxim a e mais am istosa com o O cidente e o desenvolvim ento de instituições dem o­ cráticas em seus próprios países. Mas um núm ero significativo de m uçulm anos - especialm ente aqueles que cham am os de fundam en­ talistas, mas não apenas eles - é hostil e perigoso, não porque neces­ sitemos de um inim igo, mas porque eles, sim. Nos últim os anos tem havido algumas m udanças de ponto de vista e, conseqüentem ente, de táticas entre os m uçulm anos. Alguns deles ainda vêem o Ocidente em geral - e seu atual líder, os Estados Unidos, em particular com o um antigo e irreconciliável inim igo do islã, o único sério obstáculo à restauração da fé e da lei de Deus em seus países e ao triunfo definitivo das m esm as em todo o m undo. Para esses m uçulm anos, iiáo há outro cam inho senão a guerra até a m orte, em obediência ao t|uc vêem com o os m andam entos de sua fé. H á outros que, em bora perm anecendo m uçulm anos com prom eti­ dos e m uito consc ientes tias falhas da m oderna sociedade ocidental, aindaassim lam bem veem seus m é rito s-se u espírito indagador, que produziu a ciêiu i,i e ,t leenologia m odernas; suas preocupações com a liberdade, t|ue t riaram m odernos governos dem ocráticos. Esses úl­ tim os, em bora m anieiulo suas próprias crenças e sua própria cultu­ ra, buscam juntai se a nós na cam inhada em direção a um m undo mais livre e melhor. 1Ia outros ainda que, apesar de verem o O ciden­ te com o seu priiu ipal inimigo e com o fonte de todos os males, estão. Definindo o islã 43
  • 43. ainda assim, conscientes do poder ocidental e buscam algum a aco­ m odação tem porária a fim de m elhor se prepararem para a batalha final. Seria sábio de nossa parte não confundir os segundos com os terceiros. 44 A crise do islã
  • 44. 2 A Casa da Guerra Ao longo da historia hum ana, m uitas civilizações floresceram e de­ caíram - China, índia, Grécia, Rom a e, antes delas, as antigas civili­ zações do O riente M édio. D urante os séculos que a história européia cham a de medievais, a mais avançada civilização do m undo era, sem dúvida, a do islã. O islã pode ter sido igualado - ou m esm o, em al­ guns aspectos, ultrapassado - pela índia e pela China, mas essas duas perm aneceram essencialm ente circunscritas a um a região e a um grupo étnico, e seu im pacto sobre o resto do m undo foi, por isso m esm o, lim itado. A civilização do islã, em contraste, tinha perspecti­ vas ecum ênicas e, em suas aspirações, era explicitam ente assim. U m a das tarefas elem entares legadas aos m uçulm anos pelo Pro­ feta era ãjihad. Essa palavra vem da raiz arábica j-h-d, significando basicam ente em penho ou esforço. Com freqúência, é usada em tex­ tos clássicos com um seu lido bastante próxim o de batalha e, p o rtan ­ to, tam bém de luta. h usualm ente citada no versículo do Alcorão “esforçando-se iio (.auiinho de D eus” (p.ex, IX, 24; LX, 1 etc.), e tem recebido várias iiilerprelações no sentido de esforço m oral e luta ar­ m ada. Em ger.il, e bastante fácil entender, pelo contexto, qual dessas nuances de siguilitado tem-se em m ente. No Alcorão, a palavra ocorre m uitas ve/a s uesscs dois sentidos distintos, m as relacionados. Nos prim eiros tapilulos, datados do período em Meca, quando o Profeta ainda ci-.i o lulcr de um grupo m inoritário lutando contra a 45
  • 45. oligarquia pagã dom inante, a palavra freqüentem ente tem o sentido, preferido por exegetas m odernistas, de esforço m oral. Nos últim os capítulos, revelados em M edina, onde o Profeta dirigia o Estado e com andava seu exército, jihad geralm ente tem um a conotação prá­ tica m ais explícita. Em m uitos casos, o significado m ilitar é inequí­ voco. U m bom exem plo é a passagem IV, 95: “Aqueles crentes que perm anecem em casa, além dos incapacitados, não são iguais àque­ les que se em penham no cam inho de Deus com seus bens e suas pes­ soas. Deus situou os que se em penham com seus bens e suas pessoas em um nível mais elevado do que aqueles que perm anecem em casa. Deus prom eteu recom pensa a todos que crêem , mas concede aos que lutam um a recom pensa m aior, distinguindo-os dos que perm a­ necem em casa.” Juízos sem elhantes podem ser encontrados em VIII, 72; IX, 41, 81, 88; LXVI, 9 etc. Alguns m uçulm anos m odernos, especialm ente ao se dirigirem ao m undo exterior, explicam a obrigação da jihad num sentido espi­ ritual e m oral. A esm agadora m aioria das autoridades mais antigas, citando as passagens relevantes do Alcorão, os com entários e as tra­ dições do Profeta, discute jihad em term os militares. Segundo a lei is­ lâmica, está de acordo com as escrituras fazer guerra contra quatro tipos de inimigos: infiéis, apóstatas, rebeldes e bandidos. Em bora os quatro tipos de guerras sejam legítimos, apenas os dois prim eiros contam com o jihad. Portanto, a jihad é um a obrigação religiosa. Ao discutir a obrigação da guerra santa, os juristas m uçulm anos clássi­ cos distinguem entre guerra ofensiva e defensiva. Na ofensiva, ajihad é um a obrigação da com unidade m uçulm ana com o um lodo, e pode ser cum prida, portanto, por com batentes voluntários e profissionais. Em um a guerra defensiva, torna-se um a obrigação de Iodos os indi­ víduos fisicamente aptos. É esse princípio que Osam a bin l.adcn in­ vocou em sua declaração de guerra contra os Estados Unidos. D urante a m aior parte dos 14 séculos de história m uçulm ana registrada, a jihad foi m ais com um ente interpretada c o m o luta a r­ m ada para defesa ou aum ento do poder m uçulm ano. N.i ii adição 46 A crise do islã
  • 46. m uçulm ana, o m undo é dividido em duas casas: a Casa do Islã [Dar al-Islam), na qual existem governos m uçulm anos e onde prevalece a lei m uçulm ana, e a Casa da G uerra {Dar al-Harh), o resto do m u n ­ do, ainda habitado por infiéis e, m ais im portante, sob governos infiéis. A presunção é que a obrigação da jihad continuará, inter­ rom pida apenas por tréguas, até que o m undo todo adote a fé m u ­ çulm ana ou se subm eta ao m ando m uçulm ano. Aqueles que lutam na jihad qualificam -se para recom pensas nos dois m undos, butim nesse, paraíso no próxim o. Nessa questão, com o em tantas outras, a orientação do Alcorão c am pliada e elaborada ñas hadiths, tradições que tratam dos atos e palavras do Profeta. M uitas dessas referem -se à guerra santa. Esses são alguns exemplos: A jihad é sua obrigação sob qualquer comandante, seja ele divino ou iníquo. É melhor um dia e uma noite de lutas na fronteira do que um mês de jejum e prece. A picada de uma formiga causa mais dor a um mártir do que a ferida de uma arma, pois essa é mais bem -vinda para ele do que água fres­ ca e doce em um dia quente de verão. Aquele que morre sem ter participado de um a campanha morre num certo tipo de desci eiiça. Deus se maravilha com ac|ueles [aos quais o islã é trazido por conquis­ ta] que são .in asiados ao paraíso em cadeias. Aprenda a atii'.ii', pois o es[iaço entre o alvo e o arqueiro é um dos jar­ dins do paiaiso. O paraíso esl.i .i somhi .i de espadas. A tradição l.nnhein esl.ibdcce algumas regras de guerra para a condução da jihati: Saiba que os prisioiieiios devem ser bem tratados. A pilhagem nao e m.iis leg.il do que carne podre. Deus proibiu m.il.ii m u lh eres e crianças. A casa da guerra 47
  • 47. Os m uçulm anos estão obrigados por seus acordos, desde que esses es­ tejam em conform idade com a le if Os tratados jurídicos convencionais relacionados com a sharia norm alm ente contêm um capítulo sobre ajihad, entendida no senti­ do m ilitar com o guerra regular contra infiéis e apóstatas. M as esses tratados prescrevem com portam ento correto e respeito às regras da guerra em questões com o o início e o térm ino das hostilidades e o tratam ento de não-com batentes e prisioneiros, para não falar dos enviados diplom áticos. D urante a m aior parte da história registrada do islã, desde o tem po em que vivia o profeta M aomé, a palavra jihad foi usada em sentido principalm ente militar. M aom é com eçou sua missão profé­ tica em Meca, sua cidade natal, mas, devido à perseguição sofrida por ele e seus seguidores nas m ãos da oligarquia pagã que governava a cidade, m udou-se com eles para M edina, onde as tribos locais os acolheram e fizeram do Profeta seu árbitro e, depois, seu governante. Essa m igração de Meca para M edina é conhecida em árabe com o a Hijra, às vezes escrita de form a incorreta com o Hegira** e traduzida equivocadam ente com o “fuga.” A era m uçulm ana tem início com o com eço do ano árabe no qual ocorreu a Hijra. A p rim e m jihad foi realizada pelo Profeta contra os governantes de sua cidade natal e term inou com a conquista de M eca no mês do Ram adã do ano 8 da Hijra, correspondendo a janeiro do ano 630 da era cristã. A liderança de Meca rendeu-se quase sem lutar, e os habitantes, com exceção da­ queles acusados de insultos específicos contra o Profeta ou contra um m uçulm ano, receberam im unidade para suas vidas e proprieda- 48 A crise do islã * Esses e outros textos sobre ajihad serão encontrados nas edições slandard das tra­ dições do Profeta, alguns deles tam bém disponíveis em inglês. Os citados acima fo­ ram tirados de ‘Ala ai-Din ‘Ali ibn H usam al-Din al-M uttqi, Kaiiz al-'Ummal, 8 partes (Hiderabad, 1312; 1894-1895), vol.2, p.252-86. *’* Em português, Hégira.
  • 48. des, desde que se com portassem conform e o acordo. A próxim a ta­ refa era a extensão da autoridade m uçulm ana ao resto da Arábia e, sob os califas sucessores do Profeta, ao resto do m undo. Nos prim eiros séculos da era islámica, isso parecia possível e, na realidade, provável. D entro de um tem po extraordinariam ente cu r­ to, os exércitos conquistadores m uçulm anos haviam derrubado o antigo im pério da Pérsia e incorporado todos os seus territórios aos dom ínios do califado, abrindo cam inho para a invasão da Ásia Cen­ tral e da índia. A Oeste, o Im pério Bizantino ainda não havia sido derrubado, mas grande parte de seus territórios fora tom ada. As pro­ víncias então cristãs da Síria, Palestina, África do N orte e do Egito fo­ ram incorporadas e, a seu devido tem po, islamizadas e arabizadas, passando a servir com o bases para a subseqüente invasão da Europa c a conquista da Espanha e de Portugal, bem com o do sul da Itália. Por volta do início do século VIII, os exércitos conquistadores árabes já haviam avançado além dos Pirineas, até a França. Após vários séculos de ininterruptas vitórias, ajihad árabe foi fi­ nalm ente refreada e repelida pela Europa cristã. No Leste, os bizanti­ nos m antiveram a grande cidade cristã de C onstantinopla, repelindo uma série de ataques árabes. No Oeste, com eçaram o longo processo conhecido na história espanhola com o a Reconquista, que acabou resultando na expulsão dos m uçulm anos dos territórios que haviam conquistado na Itália e na Península Ibérica. Tam bém foi deslancha­ da um a tentativa de levar a Reconquista ao O riente M édio e recobrar o local de nascim ento de Cristo, tom ado pelos m uçulm anos no sécu­ lo VII. Essa tentativa, conhecida com o as cruzadas, falhou totalm en­ te, e os cruzados foram expulsos em debandada. Mas ajihad não havia term inado. Um a nova fase foi inaugurada, agora não pelos árabes, mas por turcos e tártaros, recentem ente in­ corporados ao islã. Esses loi am capazes de conquistar a até então ter­ ra cristã da Anatólia e, em m.iio de 1453, tom aram C onstantinopla, que a partir daí tornou se a capital dos sultões otom anos, sucessores do antigo califado na lulei aiiça da jihad islâmica. Os otom anos nos A casa da guerra 49
  • 49. Bálcãs e os tártaros islam izados na Rússia reassum iram a tentativa de conquistar a Europa, dessa vez com eçando pelo leste, e, por algum tem po, pareciam estar próxim os do sucesso. M as, novam ente, a cristandade européia foi capaz de expulsar os invasores e, de novo, agora com m elhores resultados, de con­ tra-atacar os dom ínios do islã. A jihad então tornara-se quase total­ m ente defensiva - resistindo à Reconquista na Espanha e na Rússia, resistindo aos m ovim entos de autoliberação nacional dos cristãos subm etidos ao Im pério O tom ano e, finalm ente, tal qual o ponto de vista dos m uçulm anos, defendendo o coração da terra islam ita contra o ataque de infiéis. Essa fase veio a ser conhecida com o im pe­ rialismo. M esm o nesse período de retirada, a jihad ofensiva de form a al­ gum a foi abandonada. Em 1896, os afegãos invadiram as regiões m ontanhosas de Elindu Kuch onde é agora o nordeste do Afeganis­ tão. Até então, os habitantes eram não-m uçulm anos, e a região era, portanto, conhecida pelos m uçulm anos com o Cafiristão, “terra dos que não crêem ”. Após a conquista afegã, foi renom eada N uristão, “terra de luz”. D urante o m esm o período, jihads de vários tipos fo­ ram conduzidas na África contra populações não-m uçulm anas. Mas, em sua m aior parte, o conceito, a prática e a experiência da ji­ had no m oderno m undo islâmico têm sido, em sua quase totalidade, de natureza defensiva. O uso predom inantem ente m ilitar do term o continuou até tem pos relativam ente m odernos. No Im pério O tom ano, a cidade de Belgrado, um a base avançada na guerra contra os austríacos, recebeu o nom e de Casa da Jihad {Dar al-Jihad). No início do século XIX, quando M uham m ad ‘Ali Paxá, o líder m odcrni/ador do Egito, refor­ m ou suas forças arm adas e sua adm inistração seguindo (cs gêneros francês e britânico, foi criado um “departam ento de gLicrra” para ad­ m inistrá-las. Era conhecido em árabe com o o Divã dos Assuntos da Jihad {Diwan al-Jihadiyya), e seu chefe era o supervisor dos assuntos da jihad {Nazir al-Jihadiyya). Seria possível citar outros exemplos 50 A crise do Islã
  • 50. A casa da guerra 51 nos quais a palavra,jihad perdeu seu aspecto sacro, conservando ape­ nas sua conotação m ilitar. Nos tem pos m odernos, tanto o uso m ili­ tar quanto o m oral do term o foram revividos, e são entendidos e em pregados de m aneiras diversas por diferentes grupos de pessoas. Organizações que, na atualidade, se atribuem o nom e de Jihad na Caxemira, Tchetchênia, Palestina e em outros lugares, evidente­ m ente não usam a palavra para denotar em penho moral. A jihad é apresentada, às vezes, com o o equivalente m uçulm ano das cruzadas, e as duas são vistas com o m ais ou m enos equivalentes. Em um certo sentido, isso é verdadeiro - am bas foram proclam adas e lançadas com o guerras santas da fé verdadeira contra um inim igo infiel. Mas há urna diferença. As cruzadas são um evento tardio na história crista e, de certo m odo, m arcam um afastam ento radical dos valores básicos cristãos, tal com o expressos nos Evangelhos. A cris­ tandade estivera sob ataque desde o século VII, e havia perdido vastos territórios para o dom inio m uçulm ano; o conceito de urna guerra santa, m ais com um ente urna guerra justa, era fam iliar desde a A nti­ güidade. A inda assim, no longo conflito entre islam ism o e cristanda­ de, as cruzadas foram tardias, lim itadas e de relativam ente pouca duração. A jihad, ao contrário, está presente desde o inicio da histó­ ria islâmica - nos textos sagrados, na vida do Profeta e ñas condutas de seus com panheiros e sucessores im ediatos. C ontinuou a existir ao longo da história islâmica e m antém seu apelo até os dias atuais. A palavra cruzada deriva, obviam ente, de cruz, e denotava origi­ nalm ente urna guerra santa da cristandade. Mas, no m undo cristão, há m uito perdeu aquele significado, sendo usada no sentido geral de urna cam panha de orientação m oral por urna boa causa. Pode-se ini­ ciar urna cruzada pelo meio am biente, por despoluição das águas, por m elhores serviços sociais, pelos direitos das m ulheres e por toda urna gam a de cansas. O único contexto no qual a palavra cruzada não é usada hoje em di.i c juslam ente no sentido religioso original. Jihad tam bém é usada em varios sentidos, mas, ao contrário de cru­ zada, m anteve sen sigiiilicado original principal.
  • 51. Aqueles que são m ortos m jihad são cham ados m ártires, shahid ~ em árabe e em outras línguas m uçulm anas. A palavra m ártir vem do grego m artys (“testem unha”) e, no uso judaico-cristão, designa aquele que está preparado para sofrer tortura e m orte em vez de re­ nunciar à sua fé. Seu m artírio é, assim, um testem unho daquela fé e de sua disposição de sofrer e m orrer por ela. A palavra árabe shahid tam bém significa “testem unha” e é usualm ente traduzida com o “m ártir”, mas tem um a conotação bastante diferente. O uso islâmico do term o martírio é norm alm ente interpretado com o m orte em um a jihad, e sua recom pensa é a bem -aventurança eterna, descrita com certo detalhe em textos religiosos m ais antigos. O suicídio, ao con­ trário, é um pecado m ortal e leva à danação eterna, m esm o para aqueles que, de outra form a, teriam garantido um lugar no paraíso. Os juristas clássicos distinguem claram ente entre defrontar a m orte nas m ãos do inim igo e m atar-se com as próprias mãos. A prim eira leva ao céu, a outra, ao inferno. Alguns juristas fundam entalistas m odernos e outros têm obscurecido ou m esm o repudiado essa dis­ tinção, mas sua opinião de form a algum a é aceita unanim em ente. O hom em -bom ba, portanto, está assum indo um risco considerável, decorrente de um a sutileza teológica. D ado que a guerra santa é um a obrigação da fé, tem um a regula­ m entação elaborada na sharia. Os que lutam em um a jihad são ins­ tados a não m atar m ulheres, crianças e idosos - a m enos que esses ataquem prim eiro - , a não torturar ou m utilar prisioneiros, a avisar a tem po sobre o recom eço das hostilidades após um a trégua e a h o n ­ rar acordos. Juristas e teólogos medievais discutem com certa m inu- ciosidade as regras da guerra, incluindo questões com o arm as perm itidas ou proibidas. Existe até algum a discussão nos textos m e­ dievais sobre a legalidade de mísseis e guerra quím ica, a prim eira relacionada a m anganelas e catapultas, a segunda, a flechas envene­ nadas e ao envenenam ento dos reservatórios de água do inimigo. Há um a variação considerável a respeito desses pontos. Certos juristas perm item , alguns lim itam , outros desaprovam o uso dessas arm as. A 52 A crise do islã
  • 52. razão apresentada para esse cuidado são as m ortes indiscrim inadas que produzem . Em nenhum m om ento os textos básicos do islã o r­ denam o terrorism o e o assassinato. Em m om ento algum - pelo m e­ nos que eu saiba - eles sequer consideram o m assacre aleatorio de circunstantes. Os juristas insistem em que os espólios da guerra devem ser um beneficio incidental, não o propósito principal. Alguns chegam a di­ zer que, se vêm a tornar-se o objetivo principal, isso invalida ajihad e anula seus beneficios, se não nesse m undo, então no próxim o, k ji­ had, para ter qualquer valor legal, tem que ser em preendida “no ca­ m inho de D eus” e não em nom e de ganhos materiais. Existem, todavia, reclamações freqüentes sobre o uso do honrado nom e áa ji­ had para propósitos desonrosos. Juristas africanos, em particular, la­ m entam o uso do term o jihad por caçadores de escravos para justificar suas depredações e estabelecer a propriedade legítim a de suas vítimas. A Lei Sagrada prescreve bom tratam ento para não- com batentes, mas concede aos vencedores direitos extensivos sobre a propriedade e tam bém sobre as pessoas e as famílias dos vencidos. 1)e acordo com o costum e universal da A ntigüidade, inim igos captu­ rados na guerra eram escravizados, junto com suas famílias, e pode­ riam ser vendidos ou m antidos pelo vencedor para seu uso. O islã trouxe um a m odificação dessa regra, lim itando o direito à escraviza- ção apenas daqueles capturados em um a jihad, e em nenhum a outra forma de guerra. As regras relativas a um a guerra contra apóstatas são um tanto diferentes, e sem dúvida mais rigorosas que as para um a guerra con­ tra infiéis. O apóstata ou renegado, aos olhos m uçulm anos, é m uito pior do que o infiel. O infiel não viu a luz, e há sem pre a esperança de que, um dia, ele a veja. No m eio tem po, desde que atenda às condi­ ções necessárias, pode m erecer a tolerância do Estado m uçulm ano e ter perm issão para continuar a praticar sua própria religião e até m esmo aplica r suas próprias leis religiosas. O renegado é alguém que conheceu a fé verdadeira, não im porta se por pouco tem po, e a aban- A casa da guerra 53
  • 53. donou. N ão existe perdão hum ano para essa ofensa, e, de acordo com a esm agadora m aioria dos juristas, o renegado deve ser m orto, se for hom em . Se for m ulher, pode ser suficiente urna punição mais leve, com o flagelação e prisão. A m isericordia divina pode perdoá-lo no outro m undo, se D eus assim escolher. N enhum ser hum ano tem autoridade para tanto. Essa distinção é de algum a im portância atualm ente, quando líderes m ilitantes proclam aram um a jihad d u ­ pla - contra estrangeiros infiéis e contra apóstatas dom ésticos. A m aior parte, se não a totalidade, dos governantes m uçulm anos que nós, no O cidente, tem os o prazer de ver com o nossos amigos e alia­ dos é vista por m uitos - ou talvez pela m aioria de seu próprio povo - com o traidores e, m uito pior que isso, com o apóstatas. Desde os tem pos antigos foi feita um a distinção legal entre terri­ tórios adquiridos pela força ( ‘anwatan em árabe, o equivalente a vi et armis no direito rom ano) e os adquiridos sulhan, isto é, por algum a form a de trégua ou rendição pacífica. As regras relativas a butim e, em term os m ais gerais, ao tratam ento da população do território recém -adquirido diferem em alguns aspectos notáveis. De acordo com a tradição, a diferença era sim bolizada na m esquita todas as sextas-feiras. Em territórios tom ados ‘anwatan, o im am e levava um a espada; naqueles tom ados sulhan, um bastão de m adeira. A imagem da espada continua a ser im portante. Até hoje, a bandeira saudi­ ta tem dois emblemas em um cam po verde. Um é o texto em árabe do credo m uçulm ano: “N ão existe outro deus além de Deus, M aom é é o profeta de Deus.” O outro é um a inequívoca representação de um a espada. Em certos períodos, os juristas reconheceram um status inter­ m ediário, a Casa da Trégua {Dar al-Sulh) ou Casa da Aliança {Dar al-‘Ahd), entre as Casas da G uerra e do Islã. Essas Casas interm e­ diárias eram form adas por países não-m uçulm anos, usualm ente cristãos, cujos governantes entraram em algum tipo de acordo com os governantes do islã: pagavam um a form a de taxa ou tributo, visto com o o equivalente áajizya, ou im posto por cabeça, e conservavam 54 A crise do isiã
  • 54. um alto grau de autonom ia em seus assuntos internos. U m exemplo mais antigo foi o acordo feito pelos califas O m íadas no século VII com os príncipes cristãos da Arm ênia. O exem plo clássico da Dar al-Sulh, ou Casa da Trégua, foi o pacto acordado em 652 d.C. com os governantes cristãos da N úbia, segundo o qual náo pagavam a taxa, mas proviam um tributo anual, consistindo em um núm ero especí­ fico de escravos. Ao fazer a opção de considerar presentes com o tri­ butos, os governantes m uçulm anos e seus conselheiros jurídicos podiam ajustar a lei para cobrir urna grande variedade de relações políticas, m ilitares e com erciais com as nações não-m uçulm anas. Essa abordagem não desapareceu inteiram ente. A casa da guerra 55 Desde tem pos mais antigos, os m uçulm anos sabiam que havia certas diferenças entre os povos da Casa da G uerra. A m aior parte deles era constituída sim plesm ente de politeístas e idólatras, que não repre­ sentavam qualquer am eaça séria ao islã e eram prováveis candidatos à conversão. Esses eram encontrados principalm ente na Ásia e na Africa. A principal exceção eram os cristãos, que os m uçulm anos re­ conheciam com o tendo um a religião do m esm o tipo da sua e, p o r­ tanto, sendo seus m aiores rivais na guerra pela dom inação do m undo - ou, com o teriam definido, pela ilum inação do m undo. A cristandade e o islã são duas civilizações definidas a p artir de suas re­ ligiões, e entraram em conflito não por suas diferenças, mas pelas se­ melhanças. A m ais antiga edificação religiosa m uçulm ana que sobrevive fora da Arábia, o D om o da Rocha, em Jerusalém, foi com pletada em 691 ou 692 d.C. A construção desse m onum ento no lugar do antigo tem plo judeu, no estilo c na vizinhança de m onum entos cristãos tais com o o Santo Sepulcro c a Igreja da Ascensão, enviou um a inequívo­ ca m ensagem aos judeus e, mais im portante ainda, aos cristãos. As revelações recebidas [lor csscs, em bora autênticas, haviam sido cor­ rom pidas por seus indignos guardiães e foram , portanto, suplanta-
  • 55. das pela revelação final e perfeita encarnada no islã. Assim com o os judeus haviam sido vencidos e superados pelos cristãos, tam bém a ordem m undial cristã seria agora substituida pela fé m uçulm ana e pelo califado islámico. Para salientar a questão, as palavras do Alco­ rão inscritas no D om o da Rocha denunciam o que os m uçulm anos vêem com o os principais erros cristãos: “Bendito seja Deus, que não gerou nenhum filho e não tem nenhum sem elhante” e “Ele é Deus, uno, eterno. Ele não gerou, Ele não foi gerado, e Ele não tem sem e­ lhante.” (Alcorão CXIl) Isso era, claram ente, um desafio à cristanda­ de em seu próprio berço. U m m ilênio mais tarde, quando tropas norte-am ericanas estacionaram na Arábia, isso foi visto por m uitos m uçulm anos, e notavelm ente por Osam a bin Laden, com o um desa­ fio similar, dessa vez vindo da cristandade contra o islã. Visando reforçar aquele desafio inicial à cristandade, o califa, pela prim eira vez, fez cunhar m oedas de ouro, até então um a prerro­ gativa im perial rom ana. É significativo que o nom e da prim eira m oeda de ouro islâmica, o dinar, tenha sido tom ado em prestado do denarius rom ano. Algumas dessas m oedas traziam o nom e do califa, seu título de C om andante dos Fiéis e os m esm os versículos polêm i­ cos. A m ensagem era clara. No entendim ento m uçulm ano, os judeus e, m ais tarde, os cristãos, haviam -se desencam inhado e seguido fal­ sas doutrinas. As duas religiões, portanto, foram superadas e substi­ tuídas pelo islã, a revelação final e perfeita na sucessão de Deus. Os versículos do Alcorão inscritos no D om o e nas m oedas de ouro con­ denam o que, para os m uçulm anos, é a pior das corrupções à fé ver­ dadeira. H á tam bém , por certo, um a m ensagem adicional do califa para o im perador: “Sua fé está corrom pida, seu tem po passou, agora sou eu o governante do im pério de Deus na terra.” A m ensagem foi bem com preendida, e a cunhagem de m oedas de ouro vista pelo im perador com o um casus belli. Por mais de mil anos, a partir de suas sucessivas capitais em M edina, Damasco, Bag­ dá, Cairo e Istam bul, os califas do islã fizeram guerra contra os im pe­ radores cristãos em C onstantinopla, Viena e, posteriorm ente, sob 56 A crise do islã