SlideShare uma empresa Scribd logo
1 de 33
Baixar para ler offline
INSIGHTS – PROJETO DE PESQUISA
A promoção de Value Capture por meio de operações estruturadas em Fundos de
Investimento Imobiliário: possível forma de utilizar as externalidades positivas de
intervenções na infraestrutura pública como funding para projetos de concessão
Definição das linhas mestras que
servirão como fio condutor de paper
a ser desenvolvido
Isadora Chansky Cohen
Novembro/2015
Delimitação do tema e breve apresentação da abordagem pretendida:
A necessidade de compreender o valor gerado por uma intervenção pública e a
viabilidade de captura das externalidades positivas como forma de financiar projetos
públicos
As concessões comuns e parcerias público-privadas (aqui referidas, quando
indistintamente, como concessões ou parcerias) são mecanismos de colaboração1
entre o Poder Público e a iniciativa privada, que interagem por um longo período, por
meio de uma relação contratual, com a finalidade de desenvolver um projeto. Tais
projetos pressupõem a prestação de serviços públicos2
, nos termos do art. 175 da
Constituição Federal, os quais são delegados pelo Estado ao privado, que passa a
explorar a atividade, visando o melhor atendimento ao usuário final daquele serviço3
.
As parcerias integram componente de impacto na infraestrutura pública. Seja pela
disponibilização de uma infraestrutura inexistente (uma obra pública que integre o
escopo de tais contratos de parcerias), seja pelas melhorias promovidas pela
delegação dos serviços que, muitas vezes, englobam as atividades de operação,
manutenção e conservação de uma infraestrutura já disponível.
1
O termo "mecanismo de colaboração", para descrever o envolvimento público-privado promovido
pelas parcerias desta natureza, é uma referência retirada de material a ser publicado no site
www.parcerias.sp.gov.br. Embora até o momento do depósito deste Projeto de Pesquisa o documento
não esteja, ainda, disponível no referido sítio eletrônico, tal material se prestará a compor a Plataforma
Digital de Parcerias do Governo do Estado de São Paulo e servirá como um manual para formação e
formatação de parcerias no âmbito daquele Estado.
2
Conceituar serviço público é tarefa extremamente árdua e tem gerado debates na doutrina desde as
seminais obras de Léon Duguit e Gaston Jèze – não por outra razão que tal noção já passou por três
crises ao longo do século XX. A despeito de tal dificuldade conceitual, importante deixar claro, desde
logo, o que entendemos por serviço público no trabalho a ser desenvolvido, notadamente sob o prisma
da delegação de sua gestão e execução a privados. Assim, entendemos, na linha de Floriano de
Azevedo Marques Neto, que o arcabouço normativo das Leis federais nrs. 8.987/95 e 11.074/04
permite afirmar que serviço público para fins de concessão a privados é “uma atividade prestacional
(serviço) (i) sobre a qual o Poder Público tem um dever de oferta; (ii) a que possa ser objeto de uma
relação econômica explorável pelo privado e (iii) cuja exploração econômica possa ser valorada em
unidades individuais de fruição, o que obriga a que tal prestação seja divisível e quantificável”
(Concessões, Belo Horizonte: Fórum, 2015, p. 178).
3
Para a melhor compreensão a respeito do regime característico das concessões (tanto das concessões
comuns, quanto das concessões patrocinadas e administrativas), recomenda-se a leitura MONTEIRO,
Vera. Concessão, São Paulo: Malheiros, 2010.
Mas o efeito promovido por tais intervenções não fica adstrito tão somente à
infraestrutura que figura como escopo da concessão. Para muito além dos serviços e
obras abrangidos nos contratos que lastreiam essas relações público-privadas, as
parcerias são ferramentas de desenvolvimento e acabam por promover impactos (e, se
bem executadas, melhorias) significativos no raio de entorno que abraça aquela
intervenção.
Se tomarmos como exemplo uma concessão que tenha por objeto a implantação de
uma linha de metrô e a exploração dos serviços associados, podemos ilustrar, de
modo prático, o que abstratamente se pontuou acima.
Embora o contrato de concessão firmado entre o Governo e a Concessionária tivesse
por finalidade o perfeito atendimento aos passageiros, a prestação do serviço público
adequado e a construção de uma nova infraestrutura não são os únicos benefícios
promovidos pela concessão.
É claro que os beneficiários diretos da intervenção promovida são os usuários daquela
linha metroviária, que poderão transitar de uma estação a outra de forma segura,
confortável, célere e moderna. Mas a implantação de uma linha de metrô, promove
outros tantos benefícios. É o caso da potencial diminuição do trânsito e da saturação
do viário, da redução da emissão de gases poluentes, da viabilização da criação de
novos negócios e da movimentação da economia, reconfiguração urbana, além da
valorização imobiliária promovida no entorno da intervenção4
. São as externalidades
positivas, melhorias secundárias (mas não menos importantes) que decorrem da
propagação dos efeitos de uma ação voltada para um foco específico.
As externalidades positivas, se reconhecidas, acessadas e bem exploradas, podem se
revelar como fontes geradoras de importantes recursos. Mas a compreensão do valor
gerado e as formas de viabilizar a captura de tal valor ainda é um tema pouco
explorado pela Administração Pública no Brasil. Para não cometer injustiças, vale a
menção e o destaque para as esferas federativas municipais que, por meio de
4
[Estudos realizados pelo Metrô de São Paulo (publicados nos relatórios de impacto social de
2012/2013/2014); estudos realizados pelo Banco Mundial, acessíveis pelo site [-];
http://www.ipea.gov.br/agencia/images/stories/PDFs/boletim_regional/111125_boletimregional5_cap1
2.pdf (acesso em 08 de novembro de 2015); Impact of Rail Transit on Property Values acessível em
http://reconnectingamerica.org/assets/Uploads/bestpractice083.pdf ( 28 de outubro de 2015)]
operações urbanas consorciadas e da comercialização de títulos mobiliários
específicos (os CEPACs 5
) vem, cada vez mais, se apropriando de mecanismos
sofisticados de captura da valorização. Estes, entretanto, são instrumentos
iminentemente municipais, não sendo possível aos Governos Estaduais e Federal se
valer dos mesmos mecanismos.
Mas seria possível se pensar em outras formas de promover a captura do valor gerado
por uma intervenção na infraestrutura pública? Para fins desse trabalho, o que se
pretende construir de forma propositiva é um caminho para, não somente viabilizar ao
Estado o acesso ao valor do impacto gerado por uma concessão, como também
transformar os recursos oriundos da exploração das externalidades como uma das
formas de financiar o projeto escopo da concessão.
É que os projetos desenvolvidos por meio de concessões (tanto as comuns, quanto as
patrocinadas e as administrativas), via de regra, envolvem significativos
investimentos. E os vultosos recursos, despendidos pela concessionária para prestar o
serviço e disponibilizar a infraestrutura associada, são custeados pelos próprios
usuários (por meio do pagamento de tarifas) ou, então - quando os projetos não forem
autossustentáveis, ou nos casos em que o usuário final seja o próprio Estado -, pelo
Governo (por meio de aporte de recursos públicos ou contraprestações).
Especialmente em cenários macroeconômicos recessivos, que resultam para o Estado
em restrições orçamentárias e fiscais, faz-se interessante pensar sobre formas
alternativas de viabilizar economicamente a realização de investimentos importantes.
Isso porque, ainda que os recursos se tornem escassos, a necessidade da população de
acesso aos serviços públicos e utilização da infraestrutura pública continuam latentes
e ainda mais urgentes em tempos de crise.
Nesse contexto, seria possível eventualmente se pensar na contribuição de melhoria
como forma apropriada para se promover a captura do valor gerado pela intervenção
promovida pela concessão6
. Este tributo, previsto constitucionalmente e regrado pelos
5
Valores mobiliários regrados pela Instrução CVM n 401, de 29.12.2003.
6
[contribuição de melhoria] espécie de tributo cujo fato gerador é a valorização do imóvel do
contribuinte decorrente da obra pública, e tem por finalidade a justa distribuição dos encargos
públicos, fazendo retornar ao tesouro público o valor despendido com a realização de obras públicas,
na medida em que destas decorra valorização dos imóveis. Um dos atributos que diferenciam as taxas
artigo 81 e 82 do Código Tributário Nacional, merecerá um espaço dedicado na
dissertação a ser desenvolvida. Embora suas minúcias e particularidades devam ser
exploradas e apresentadas, é possível antecipar que, da pesquisa preliminarmente
empreendida foi possível concluir que, para que a contribuição de melhoria possa ser
utilizada pela Administração Pública como forma potencial de financiar um
empreendimento desenvolvido por meio de concessão, uma série de restrições
deveriam ser afastadas e os obstáculos judicialmente impostos precisariam ser
tratados e enfrentados7
.
das contribuições de melhoria é o fato de que estas taxas remuneram serviços públicos, ao passo de
que as contribuições de melhoria têm como contrapartida a valorização imobiliária em decorrência da
realização de obras públicas. (...) Não é a realização de obra pública que gera a obrigação de pagar a
Contribuição de Melhoria. Essa obrigação só nasce se da obra pública decorrer valorização [...] se
decorrer aumento do valor do imóvel do contribuinte. (Machado, 2007, p. 456).
7
As restrições judicialmente impostas, na prática, impedem o exercício da cobrança de contribuição de
melhoria, especialmente se ela for cobrada ex ante, pelo fato de não ser possível calcular, a priori, o
impacto e a valorização promovida pela obra que será construída no futuro.
CONTRIBUIÇÃO DE MELHORIA - VALORIZAÇÃO IMOBILIÁRIA - CF/67, ART. 18, II, COM
A REDAÇÃO DA EC Nº 23/83 - CF/88, ART. 145, III - Sem valorização imobiliária, decorrente de
obra pública, não há Contribuição de Melhoria, porque a hipótese de incidência desta é a valorização e
a sua base é a diferença entre dois momentos: o anterior e o posterior à obra pública, vale dizer,
o quantum da valorização imobiliária. (STF - RE 114.069-1 - São Paulo - 2ª T. - Rel. Min. Carlos
Velloso - DJU 30.09.1994)
TRIBUTO - CONTRIBUIÇÃO DE MELHORIA - FATO GERADOR - VALORIZAÇÃO DO
IMÓVEL - ART. 81/CTN - PRECEDENTES DO STF E STJ - 1. A Contribuição de Melhoria tem
como fato gerador a valorização do imóvel que lhe acarreta real benefício, não servindo como base de
cálculo, tão-só o custo da obra pública realizada. 2. Recurso Especial conhecido e provido. (STJ -
RESP 280248 - SP - 2ª T. - Rel. Min. Francisco Peçanha Martins - DJU 28.10.2002).
CONTRIBUIÇÃO DE MELHORIA - Loteamento urbano. Pavimentação asfáltica e colocação de guias
e sarjetas. Incidência da contribuição de melhoria na hipótese de valorização do imóvel. Lançamento
que desconsidera este critério e não fixa alíquota percentual correspondente à valorização. Base de
cálculo exclusivamente fixada no rateio do custo da obra em proporção à metragem linear da respectiva
testada dos imóveis beneficiados. Inadmissibilidade. Violação do Código Tributário Nacional, arts. 81
e 82. Lançamento ajuizado de ofício. Re-exame necessário não provido. (1º TACSP - AP 0913031-8 -
(42772) - São João da Boa Vista - 2ª C.Fér. - Rel. Juiz Amado de Faria - J. 03.04.2002)
TRIBUTÁRIO - CONTRIBUIÇÃO DE MELHORIA - SISTEMA DE DUPLO LIMITE -
VALORIZAÇÃO REAL DO IMÓVEL - ÔNUS DA PROVA - 1. (...). 2. (....). 2.1.(...) 2.2. Presume-se
que a obra pública agregou ao imóvel a mais-valia real, conforme a partilha procedida pelo poder
tributante. Cabe, pois, ao contribuinte provar que, na realidade, não houve melhoria no sentido de
valor, ou houve em menor quantia, ou que houve até mesmo piora no sentido de desvalor. Carregar o
ônus da prova ao Poder Público é não só inviabilizar a administração como ir de encontro a princípio
básico de Direito Público em geral, e de Direito Tributário em especial. Vigora, no caso da
contribuição de melhoria, a mesma presunção que vigora ao IPTU e ao IPVA relativamente ao valor da
base de cálculo. O Poder Público, dentro de critérios objetivos estabelecidos em Lei, define qual valor
cada imóvel presumivelmente agregou. Se tal não corresponde à valorização real, cabe ao contribuinte
demonstrar. 3. Apelação desprovida. (TJRS - APC 70005149901 - 1ª C.Cív. - Rel. Des. Irineu Mariani
- J. 18.06.2003).
Outra possível forma de promoção da captura do valor gerado pela concessão, e que
também será detalhada e exemplificada no trabalho a ser desenvolvido, é a previsão
contratual do compartilhamento das receitas complementares ou acessórias8
.
Retomemos o exemplo da concessão de metrô para tratarmos concretamente desse
mecanismo (somente a título ilustrativo, já que não seria pertinente tecer maiores
aprofundamentos dessa alternativa, especialmente no bojo do presente projeto de
pesquisa). O contrato da concessão, que regrasse a instalação da nova infraestrutura
metroviária e a prestação do serviço pela concessionária, poderia também estabelecer
regra que orientasse o compartilhamento das receitas geradas a partir da exploração
de atividades comerciais relacionadas ao ativo público concedido. Assim, toda receita
não tarifária que fosse gerada pela concessionária poderia ser compartilhada com o
poder concedente, respeitados os limites definidos contratualmente.
Essa ferramenta contratual de compartilhamento de receitas foi usada nos projetos de
concessões metroviárias paulistas9
(o que será detidamente explicado no âmbito da
dissertação a ser desenvolvida). O que se verifica, entretanto, é que - além dos
questionamentos existentes sobre a perda de atratividade promovida pela inserção de
cláusulas de compartilhamento de receitas comerciais geradas por atividades
desenvolvidas com o protagonismo da concessionária (sem a atuação do Estado) - o
compartilhamento das receitas acessórias estabelecido dessa forma não tem o condão
de promover, de antemão, a financiabilidade do projeto de concessão.
8
Assim tratadas pela legislação pertinente, notadamente a Lei 8.987/1995, que em seu artigo 11
estabelece:
Art. 11. No atendimento às peculiaridades de cada serviço público, poderá o poder
concedente prever, em favor da concessionária, no edital de licitação, a possibilidade de
outras fontes provenientes de receitas alternativas, complementares, acessórias ou de
projetos associados, com ou sem exclusividade, com vistas a favorecer a modicidade das
tarifas, observado o disposto no art. 17 desta Lei.
Parágrafo único. As fontes de receita previstas neste artigo serão obrigatoriamente
consideradas para a aferição do inicial equilíbrio econômico-financeiro do contrato.
9
No âmbito do Estado de São Paulo, os Contratos das Linhas 6 e 18 do Metrô preveem mecanismos de
compartilhamento das receitas acessórias entre o parceiro privado e o Poder Concedente. No âmbito do
Contrato da Linha 6 Laranja, a cláusula 17.6 determina que, caso o montante obtido pelo parceiro
privado com receitas acessórias supere 8% (oito por cento) da remuneração tarifária, o excedente será
compartilhado com o Poder Concedente, que terá direito ao correspondente a 20% (vinte por cento). O
Contrato da Linha 18 Bronze possui, na cláusula 17.6, disposição praticamente idêntica, no sentido de
que, caso o montante obtido pelo parceiro privado com receitas acessórias supere 5% (cinco por cento)
da remuneração tarifária, o excedente será compartilhado com o Poder Concedente, que terá direito ao
correspondente a 20% (vinte por cento).
Assim como essas alternativas (as mencionadas Operações Urbanas Consorciadas, a
taxação por contribuição de melhoria e o regramento contratual de compartilhamento
de receitas), há outras tantas formas de se promover a captura das externalidades
positivas geradas por um projeto de concessão10
.
Para o trabalho a ser desenvolvido interessa, especificamente, compreender se há
viabilidade de propor um mecanismo de captura do valor gerado (especialmente da
valorização imobiliária e do potencial de geração de novos negócios) por meio de
ferramentas próprias do mercado de capitais. De forma mais específica, interessa
saber se (i) o Estado poderia estruturar operações se valendo de fundos de
investimento imobiliário (FIIs) e (ii) se essa se demonstraria uma forma, não somente
juridicamente viável, como também adequada a promover a apropriação de
externalidades positivas, oriundas das intervenções realizadas como fruto da
concessão, e utilizar os recursos levantados como forma de tornar a própria concessão
financeiramente viável.
Fundos de Investimento Imobiliário11
Os fundos de investimento imobiliário são regrados pela Lei 8.668, de 25 de junho de
1993. São instrumentos regulados pela Comissão de Valores Mobiliários – CVM, por
meio, especialmente, da Instrução CVM nº 472, de 31 de outubro de 2008 (com suas
posteriores alterações).
De forma geral, é possível dizer que um fundo de investimento imobiliário viabiliza a
realização de investimentos por meio da emissão de valores mobiliários com lastro no
mercado imobiliário
10
Seria o caso, por exemplo - somente para citar outras possibilidades: de desenvolver estruturas
societárias compostas com a participação do Estado e da Concessionária (como é o caso das
concessões aeroportuárias federais para os aeroportos de Vira Copos, Guarulhos, Brasília, Confins e
Galeão); ou, então, a tentativa de acessar o valor da valorização imobiliária durante os estudos públicos
que lastreiam a concessão e exigir que o licitante considere essa componente como premissa para seu
plano de negócios e para a formação do preço expresso em sua proposta comercial.
11
É importante referir que, especialmente para este estágio da pesquisa, não há pretensão de se esgotar
a literatura existente e sistematizada pela doutrina especializada no tema de fundo de investimento
imobiliário. De qualquer modo, vale destacar que os parágrafos a seguir pincelam vasta pesquisa
empreendida pela autora, desenvolvida no âmbito de um projeto municipal (da Prefeitura de São
Paulo), que não foi concretizado. Os documentos públicos disponíveis estão encartados no Processo
Administrativo de n. PA 2014-0.192.947-4.
Esse tipo de investimento fomentaria a aliança entre um possível interesse de
aplicação no mercado imobiliário às chances de realizar aplicações no mercado de
valores mobiliários, que normalmente, propicia maior liquidez aos ativos negociados.
Adicionalmente, o modelo de governança definido pela CVM para os FII cria um
ambiente de segurança institucional para os investidores deste tipo de veículo12
.
Os FII são condomínios, sem personalidade jurídica e são caracterizados pela
inviabilidade de o investidor resgatar as cotas por ele detidas (sendo somente possível
vendê-las ou amortizá-las). A forma de venda de tais cotas se dá pelo regramento
pertinente, estabelecido pelas instruções que norteiam a realização das ofertas
públicas de valores mobiliários (seja por meio de ofertas mais amplas, estruturadas
com base na Instrução CVM n. 400/03, ou seja por meio de ofertas com esforços
restritos, cujo regime é desenhado pela Instrução CVM n. 476/08)13
.
A integralização de suas cotas pelos investidores pode ser feita por meio da
conferência de bens imóveis, bem como em direitos sobre bens imóveis, atendidas as
disposições normativas pertinentes (dentre as quais se destaca a regra (que contempla
exceções) da necessidade de realização de laudo de avaliação do imóvel ou do bem a
ser conferido14
.
É por meio do regulamento, próprio para cada FII constituído, que são definidos, por
exemplo, o processo de tomada de decisão em sede de Assembleia de Cotistas, os
quóruns de deliberação, o processo de emissão de novas cotas, as despesas do Fundo,
formas de liquidação do Fundo e, especialmente, as obrigações e a forma de atuação
dos principais atores envolvidos na relação que se constrói por meio desse mecanismo
(inclusive com terceiros que possam ser envolvidos para gerir investimentos, realizar
análises e desenvolver atividades pertinentes ao perfil de cada fundo).
12
Caderno 6 da CVM, disponível em www.cvm.gov.br (acesso em 30 de outubro de 2015). Ainda: O
Fundo de Investimento Imobiliário permite a formação de uma carteira composta de empreendimentos
imobiliários ou de ativos ligados a esse setor, os quais, pelo volume de recursos envolvidos,
possivelmente não estariam ao alcance de investidores individuais. Através dos FII, os investidores
podem investir seus recursos em imóveis destinados à renda, no desenvolvimento de empreendimentos
imobiliários, na construção de imóveis, na aquisição de imóveis prontos, no investimento em projetos
que viabilizem o acesso à habitação e a serviços, para posterior alienação, locação ou arrendamento,
bem como em ativos lastreados em crédito imobiliários, tanto de renda variável como de renda fixa,
como por exemplo, ações de companhias do setor imobiliário.
13
(FII. MAIA, Luis et al)
14
(FII. MAIA, Luis et al)
Não há exigibilidade legal ou regulamentar para que o FII tenha prazo de duração
determinado15
. Essa é, inclusive, uma das características que assegura a este veículo
maior flexibilidade de se amoldar às características de cada empreendimento que
poderá ser desenvolvido em cada imóvel (ou no conjunto de imóveis compreendidos
coletivamente) que compõem o patrimônio do fundo.
Essa flexibilidade, embora possa parecer, aprioristicamente, incompatível com a
natureza dos negócios jurídicos que podem ser desenvolvidos pelo Estado, pode se
revelar, eventualmente, como o ingrediente valioso para conferir sucesso para um
procedimento tão inovador como o que se proporá no âmbito da dissertação em
comento.
E é preciso referir, que, ainda que o fundo de investimento imobiliário se revele como
mecanismo flexível, o fato de as operações serem desenvolvidas em um ambiente
regulado e que conta com a presença (contundente) de um ator que exerce controle e
fiscalização das relações negociais naquele contexto - ou seja, a atuação da própria
CVM -, pode servir como fator de aproximação do mercado de capitais aos negócios
públicos16
.
Outro papel que merece destaque é a figura do administrador, que deve atuar como
responsável legal do FII e responder fiduciariamente por todas as atividades
empreendidas durante o período de sua atuação. conforme se aprofundará na
dissertação, a administração do fundo é uma das tarefas mais importantes que se pode
desempenhar no âmbito de um fundo. Como se verifica, dentre as atribuições do
administrador estão a representação do FII, a seleção de bens e direitos que o
constituem, o gerenciamento dos recursos do FII, a distribuição dos rendimentos
devidos aos cotistas, o recebimento de valores, dentre outras (atividades que, ainda
que possam ser terceirizadas, são de responsabilidade do administrador).
Vale apontar que a integralização a conferência de bens e direitos para integralização
das cotas do fundo, não viabiliza ao administrador a prerrogativa de dispor, de forma
exclusiva, sobre o utilização de tais bens e direitos. O patrimônio do Fundo será
15
O prazo de vigência do fundo será estabelecido em seu regulamento e - se definido previamente - sua
liquidação poderá se dar em momento compatível com o tempo necessário para a amortização dos
investimentos realizados e para que os investidores tenham algum retorno financeiro pelo capital
disponibilizado
16
Mas a ideia de quebra, ou de neutralização, da dicotomia existente entre os regimes jurídicos de
direito público e de direito privado - com a qual este trabalho flerta - será um aspecto constante e
aprofundado na dissertação, sendo mais bem explorada em um tópico a seguir.
administrado em caráter fiduciário pelo administrador, sendo que os limites da
atuação do administrador são desenhados por conta da comunhão de interesses dos
próprios cotistas, os quais estarão estampados no próprio Regulamento. O
Administrador perseguirá a concretização dos objetivos do fundo, e atuará sempre em
seu (do fundo) nome.
É claro que o fundo de investimento imobiliário será detalhada e devidamente
estudado no cerne da pesquisa a ser desenvolvida, sendo que os conceitos aqui
pincelados servem, tão somente, para a breve contextualização dos problemas e das
principais perguntas que nortearão a análise aprofundada a respeito do tema enfocado.
De qualquer modo, o entendimento, a princípio, é de que a utilização do veículo
proposto (FII) pode agregar benefícios significativos (se comparados a outros
modelos de fomento à melhoria da infraestrutura pública17
), e conferir maior impacto
às intervenções realizadas pelo Estado (mesmo que em conjunto com a iniciativa
privada, por meio de concessão).
A hipótese geral do trabalho é de que a estrutura proposta teria o condão de (i)
profissionalizar a mobilização e a devida aplicação de recursos; (ii) prover a
administração dos riscos, inclusive com a presença de um terceiro, com a
"profissionalização" da intermediação das consequência decorrentes de eventual
materialização de eventos que acarretem prejuízos; (iii) por meio da captura do valor
gerado por uma intervenção, viabilizar o financiamento dos projetos necessários,
servindo, por exemplo, como funding para concessões e parcerias desenvolvidas pelo
Estado; (iv) possibilitar a criação de ativos com qualidade e liquidez suficientes para,
inclusive, servir como garantias para eventuais futuros projetos.
Casos brasileiros que poderiam, em alguma medida, guardar relação de precedência
com o estudo propositivo que se deseja empreender
17
Uma vez conceituados os principais aspectos que protagonizarão o desenvolvimento do tema
proposto, e se a conclusão for pela viabilidade jurídica de a Administração Pública se valer de fundos
de investimento imobiliário para realizar a captura das externalidades positivas, a dissertação conduzirá
o leitor para a segunda dimensão da análise proposta. Muito mais do que a mera interpretação do
sistema legal e normativo (ainda que de forma propositiva), essa segunda parte do texto dissertativo
será dedicada a uma análise comparativa a respeito dos principais mecanismos existentes e disponíveis
para a administração realizar value capture, com intuito de verificar se vale a pena e se faz sentido
utilizar o fundo de investimento imobiliário como veículo apropriado a se atingir a finalidade proposta.
Ainda que timidamente, essa é uma iniciativa que já foi estudada e até testada por
alguns Estados e municípios brasileiros. Neste panorama, chama-se atenção para o
município do Rio de Janeiro, que viabilizou operações estruturadas por meio de
fundos imobiliários em, pelo menos, três oportunidades distintas (sendo duas delas
relacionadas a intervenções promovidas por meio de concessões): (i) Caixa FII
CEDAE; (ii) Caixa FII VLT; e (iii) Caixa FII Porto Maravilha18
.
Este último, em especial, fora estruturado de forma bastante similar ao que se
pretende propor como caminho possível de ser empreendido por Estados que
pretendam utilizar o ferramental oferecido pelos fundos de investimento imobiliário,
compreendendo-os como forma apropriada para funding de um projeto de concessão.
É claro que, para a análise pretendida no cerne da pesquisa, se traçará um caminho
que não conte com os CEPACs, visando a viabilidade de implantação das operações
sugeridas por quaisquer esferas administrativas da federação (e não somente os
municípios).
Outros municípios, como os de São Paulo e Salvador, já estudaram (e até
empreenderam, como é o caso do FII Arena, para construção de estádio no bairro de
Itaquera, em São Paulo) a possibilidade de realizar operações estruturadas por meio
de FIIs. Os projetos tentados (que puderam ser conhecidos por meio de documentos
acessíveis à pesquisadora19
), são os casos do Novo Anhembi e do Projeto Nova Luz
(da Prefeitura de São Paulo) e do Projeto da Ponte de Itaparica (da Prefeitura de
Salvador)20
.
Diversos órgãos da Administração Estadual de São Paulo já empreenderam estudos
no sentido de utilizar o mecanismo de FII para consecução de projetos interessantes.
É o caso, por exemplo, da Secretaria da Habitação (em conjunto com a Casa Paulista
e com a Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano - CDHU), da
18
os documentos públicos de cada um desses FIIs estão disponíveis na página da CVM. Na pesquisa
preliminarmente empreendida foram analisados os prospectos de cada oferta, os regulamentos de cada
Fundo, as descrições das operações pretendidas, as leis especificas que lastrearam a viabilidade das
operações.
19
Como diretora da São Paulo Desenvolvimento e Mobilização de Ativos - SPDA, companhia
vinculada à Secretaria de Finanças do Município de São Paulo, durante o ano de 2014, a pesquisadora
se engajou nos estudos relacionados à estruturação dos projetos citados
20
Explicar como e porque eu tive acesso a tais documentos: entrevista com vera, participação no
projeto sp infra, trabalho na prefeitura de sao paulo, protagonismo na tentativa de repaginar os projetos
novo anhembi e nova luz por meio de operações estruturadas
Companhia Paulista de Parcerias - CPP, da São Paulo Previdência Complementar - SP
PREVCOM , da Empresa Paulista de Planejamento SA - EMPLASA, e da Secretaria
de Governo, por meio da ação conjunta da Unidade de Patrimônio Imobiliário e da
Subsecretaria de Parcerias e Inovação21
.
Estudo de caso em potencial
Tal como se referiu anteriormente, a análise se voltará à compreensão do Fundo de
Investimento Imobiliário, com participação estatal na composição do quadro de
cotistas, como mecanismo apto e apropriado a promover (ao Estado) a captura da
potencial valorização imobiliária e a monetização das externalidades ensejadas por
uma intervenção que promova a melhoria da infraestrutura pública, de forma a tornar
os recursos oriundos desta operação utilizáveis como funding para a própria
concessão.
Para fins ilustrativos e, até mesmo, para caracterizar de forma mais concreta o que se
pretende explorar, tomar-se-á, como exemplo - para servir como fio condutor da
análise que se pretende fazer - a intervenção promovida por um projeto que vise a
implantação do denominado Hidroanel Metropolitano22
.
O projeto do Hidroanel localiza-se na bacia do Alto Tietê, que ocupa uma
área de 6.000 km2 , com população estimada de 20 milhões de habitantes.
É formado pelos rios Tietê e Pinheiros, pelas represas Billings e
Taiaçupeba e pelo canal, a ser construído, de interligação destas
represas. Esse percurso atravessa 20 dos 39 Municípios da Região
Metropolitana de São Paulo (RMSP): Santana de Parnaíba, Barueri,
Carapicuíba, Osasco, São Paulo, Guarulhos, Itaquaquecetuba, Poá,
Ferraz de Vasconcelos, Suzano, Mogi das Cruzes, Ribeirão Pires, Rio
Grande da Serra, Mauá, Santo André, São Bernardo do Campo,
Diadema, São Caetano do Sul, Embu-Guaçu e Itapecerica da Serra.
Com 170 km de extensão, o Hidroanel é dividido em seis trechos. O
primeiro deles é o trecho já navegável do rio Tietê, de Edgard de Souza à
barragem da Penha, com 41 km de extensão. O segundo trecho, também
21
o acesso a estas informações, uma vez que foram obtidas em decorrência da atuação profissional da
pesquisadora
22
As referências relacionadas a este projeto foram extraídas do estudo realizado pela Faculdade de
Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, disponível em
http://www.metropolefluvial.fau.usp.br/hidroanel.php# (acesso em 10 de novembro de 2015)
no rio Tietê, vai da barragem da Penha à foz do Taiaçupeba Açu. O
terceiro trecho é o canal do Rio Pinheiros, com 25 km de extensão. O
quarto trecho corresponde à represa Billings, um grande lago já
navegável e o quinto trecho é a represa Taiaçupeba. Por fim, o sexto
trecho corresponde ao canal lateral Billings-Taiaçupeba.
Com 17 km de extensão e 30 metros de largura, este canal artificial se
localizará nos vales dos rio Taiaçupeba Mirim e ribeirão da Estiva,
contribuintes das represas Taiaçupeba e Billings, respectivamente. O
Pequeno Anel, proposta integrante do projeto do Hidroanel
Metropolitano, constitui o sétimo trecho, formado pelos rios
Tamanduateí, Meninos e Couros e o canal lateral Billings-Couros. O
reservatório Guarapiranga representa o oitavo trecho e conecta-se ao rio
Pinheiros atráves de um curto canal lateral23
.
Partir-se-á da premissa hipotética de que o Estado de São Paulo (que, de acordo com
os pontos de partida aqui assumidos, teria a competência para figurar como Poder
Concedente) desejaria implementar o Hidroanel Metropolitano por meio de uma
concessão.
Ou seja, o pano de fundo que ampara a dissertação é uma relação contratual, firmada
entre o Poder Público - que, no exemplo enquadrado, provavelmente seria
representado pelo Departamento Hidroviário do Estado de São Paulo - e a iniciativa
privada (concessionária). Um contrato para a delegação, de longo prazo, das
atividades de disponibilização da infraestrutura hidroviária e operação dos serviços
associados. O prazo desta interação público-privada deveria ser, ao menos, suficiente
para que o investimento realizado pela concessionária pudesse ser amortizado (e, em
alguma medida, atrativo para conferir a busca de algum retorno pelo capital
investido).
Por não ser este o foco fundamental do estudo que se pretende empreender, não serão
analisados, de forma minuciosa, os pilares da estrutura econômico-financeira, jurídica
e técnica que lastreariam tal concessão. De qualquer modo, é possível elucubrar
23
ARCUSCHIN MACHADO, Hannah. Hidroanel Metropolitano de São Paulo. Disponível para
acesso (acesso em 11 de novembro de 2015)
http://www.metropolefluvial.fau.usp.br/downloads/projetos/GMF_ensino-tfg_machado.pdf
algumas características que formarão o desenho que figurará como premissa para o
desenvolvimento das conclusões a serem tecidas.
De acordo com o estudo de pré-viabilidade realizado pela Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo da Universidade de São Paulo - FAU-SP 24
a respeito do projeto, a
infraestrutura necessária para concluir o traçado fluvial completo do anel demandaria
uma série de investimentos, especialmente direcionados à construção de canais de
ligação entre as represas, rios e afluentes existentes, além de retificação e ampliação
de canais existentes.
Seria ainda necessário construir eclusas, barragens, pontes, postos e demais estruturas
e dispositivos demandados para adequar a infraestrutura de modo a permitir a
navegabilidade do Hidroanel25
. E se a intenção é tornar o Hidroanel disponível,
navegável e despoluído, então uma série de outros investimentos operacionais
deveriam ser realizados.
É claro que o aprofundamento das características formadoras do projeto não
configura o escopo principal do estudo a ser realizado. Mas para se poder analisar a
operação estruturada com fundamento na ferramenta de mercado de capitais a ser
enfocada, é preciso estabelecer alguns parâmetros para se, enfim, poder demonstrar as
sinergias entre a concessão e a valorização do entorno a ser capturada por meio do
FII.
Somente após se mapear o cenário contextual em que o tema da dissertação se insere,
é que se poderá justificar a pertinência do estudo, e que se poderá concluir pela
viabilidade de concretização de operação lastreada em FII como ferramenta financeira
disponível ao Estado, para servir, inclusive, como funding para conferir
sustentabilidade financeira à intervenção que tenha dado causa ao incremento de valor
dos ativos que constituem o próprio FII.
24
Estudo e cronograma de implantação disponíveis em http://www.metropolefluvial.fau.usp.br/
img/cronologia/phpslideshow.php?directory=.&auto=1&currentPic=42 (acesso em 10 de novembro de
2015)
25
DELIJAICOV, Alexandre. Os Rios e o Desenho da Cidade. Proposta de Projeto Para A Orla Fluvial
Da Grande São Paulo Dissertação de Mestrado do Curso de Pós-Graduação em Estruturas Ambientais
Urbanas da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, sob a orientação do
Prof. Dr. Arnaldo Martino. São Paulo – 1998; e Estudo de pré-viabilidade realizado pelo Departamento
Hidroviário do Estado de São Paulo, disponível em
http://www.mi.gov.br/c/document_library/get_file?uuid=86f12f7a-b9c6-4d81-a4fa-
be0ce2828086&groupId=63635 (acesso em 12 de novembro de 2015)
Retomando, então, o panorama traçado acima. Dos estudos publicamente
disponibilizados para acesso da sociedade e das notícias veiculadas a respeito do
projeto que visaria à implantação do Hidroanel, é possível inferir que não se trata de
uma intervenção simples. Serão necessários vultosos investimentos (na casa dos
bilhões) relacionados à disponibilização da infraestrutura e aos serviços que deverão
ser prestados.
Considerando o que já se salientou anteriormente, para que a relação de concessão
seja viável, é preciso que a concessionária enxergue no projeto o potencial de
recuperar os recursos investidos e de remunerar o retorno esperado (que contempla
um prêmio pelo risco assumido e o rendimento pelo custo de oportunidade).
Para um projeto autossustentável - ou, aquele que se viabiliza por meio de uma
concessão comum -, as receitas auferidas pela concessionária são obtidas por meio
dos pagamentos realizados pelos usuários daquela infraestrutura disponibilizada. Seria
dizer que, para o caso concreto, a concessionária seria remunerada pelas tarifas, frete
e tonelagem pagas pelas embarcações que trafegassem pelo anel hidroviário.
Em se tratando de um investimento muito significativo, é possível que seja inviável,
ou muito arriscado, confiar que a demanda de usuários seja suficiente para fazer
frente e possa arcar com todas as receitas necessárias para tornar o projeto
financeiramente sustentável. Neste caso, então, o Poder Concedente poderia estruturar
uma concessão patrocinada, ficando responsável pela realização de parte dos
pagamentos que fossem necessários para conferir a financiabilidade do projeto.
Este é o pressuposto para fins de desenvolvimento do trabalho: para que a concessão
do projeto do Hidroanel Metropolitano de São Paulo fosse viável, dada o elevado
montante de investimentos, seria necessário contar com recursos públicos para
compor a equação de recebíveis da concessionária. Ou pelo fato de a previsão da
demanda ter revelado uma insuficiente geração de receitas provenientes do
pagamento de tarifas e fretes, ou por eventual decisão política de conferir
barateamento dos valores a serem pagos pelos usuários.
Por se tratar de uma concessão patrocinada, então, as receitas oriundas de fonte
pública poderiam ter natureza de aporte de recursos públicos ou contraprestação
pecuniária, ambas regradas pelo artigo 6 e demais pertinentes da Lei Federal n.
11.079/04.
Por força da Lei Federal de Parcerias Público-Privadas e da Lei de Responsabilidade
Fiscal, para contratar uma concessão patrocinada, o Estado deve assumir uma série de
responsabilidades orçamentárias e fiscais, além de disponibilizar estrutura de
garantias que sinalize à concessionária sobre a segurança do recebimento dos
pagamentos públicos a que esta fará jus. Em outros termos, esse tipo de contrato
demanda do Estado um planejamento para adimplir com o compromisso de longo
prazo assumido e a efetiva geração e destaque orçamentário necessário para, a cada
período, se comprometer e, de fato, disponibilizar os recursos reservados para a
concessionária.
Para compor o cenário hipotético para desenvolvimento da ideia que se pretende
propor na dissertação, será necessário pensar em um Estado que busque formas
alternativas de financiar os investimentos em infraestrutura. Supor, eventualmente,
que por força de um contexto fiscal e orçamentário restritivo, seja inviável assumir
que os pagamentos serão provenientes de financiamentos tradicionais (Fonte 7)
contratados pelo Estado ou de recursos orçamentários já disponíveis.
Nesse caso, então, o Estado poderia se valer de eventuais recursos imobiliários dos
quais dispusesse para viabilizar a equação econômica da concessão. De acordo com a
Lei de PPPs, é possível que a contraprestação pública tenha natureza não pecuniária,
sendo que a transferência de imóveis públicos (observadas as restrições legais para
sua concretização) configuraria uma eventual solução interessante para tornar a
concessão viável.
Mas é preciso reconhecer que um ativo imobilizado nem sempre proverá (ao menos
não de imediato e não sem alguma dificuldade) a liquidez suficiente para que a
concessionária possa, com tais recursos, dispor de caixa para realizar os investimentos
necessários. Para tanto, teria que alienar o ativo ou explorá-lo comercialmente, com
fins de gerar receitas alternativas que pudessem amortizar os investimentos realizados
na infraestrutura do Hidroanel.
Para fazer com que um terreno se torne, de fato, um negócio gerador de receitas, é
preciso uma atuação ativa e uma expertise voltada ao desenvolvimento de atividades
de incorporação e/ou outras relacionadas ao mercado de real estate. A sociedade de
propósito específico que figura como concessionária - como não poderia deixar de ser
- acaba focando sua atuação na prestação dos serviços públicos delegados, não sendo
trivial a diversificação do seu perfil, de modo a contemplar em seu objetivo social a
consecução de empreendimentos imobiliários26
.
Claro que não se está dizendo que seria impossível que a concessionária atuasse nas
duas frentes de atividades, tanto as necessárias para a realização dos serviços públicos
concedido, quanto aquelas que fossem pertinentes ao desenvolvimento comercial de
um terreno. Só que as complexidades e particularidades de cada uma dessas vertentes
tornam dificultosa a tarefa de realizar projetos bem sucedidos em ambas as frentes27
.
Não somente isso. Para explorar receitas alternativas (ou acessórias, nos termos do
art. 11 da Lei de Concessões), a concessionária precisa investir e despender
26
Essa análise é resultado da observação das concessões celebradas nas últimas décadas, que
demonstram que o perfil das sociedades que figuram como concessionárias é muito mais voltado para o
mercado de empreitadas. De forma geral, as concessionárias (que celebraram contratos de concessões
com os mais diversos entes federativos brasileiros) são empresas que tem como berço as construtoras
tradicionais, historicamente contratadas pela Administração Pública em regimes regrados pela Lei
8.666/93. Tais construtoras, de alguma forma, adaptaram e vem adaptando seu perfil de modo a
agregar ao seu escopo social as atividades operacionais inerentes aos contratos de concessão. Até os
tempos de hoje, o Estado também não induziu a mudança de perfil dessas concessionárias. As
concessões que - conforme a legislação pertinente - deveriam ter um componente preponderante de
atividades operacionais, ainda são tidas por muitos governantes (e enxergadas pela iniciativa privada)
como contratos de obra. Não por outro motivo, as exigências editalícias continuam muito voltadas às
atestações que comprovem condições de engenharia dos proponentes, e uma composição de obrigações
que acaba por incentivar que as sociedades concessionárias tenham empresas construtoras como
nucleares ou líderes da estrutura societária formada. Aos poucos, entretanto, essa lógica vem se
invertendo. Algumas iniciativas já vem sendo construídas no sentido de fazer com que sejam atraídas
para o certame licitatório as empresas com perfis mais gerenciais ou instituições financeiras (e até
mesmo fundos) que possam subcontratar a obra. Tudo isso para dizer que, ainda que complexo, não é
impossível desenvolver, no âmbito de uma única concessão, as atividades voltadas à prestação do
serviço público concedido e, também, as atividades necessárias ao desenvolvimento do
empreendimento imobiliário. Entretanto, para que ambas as frentes de atividades sejam bem sucedidas,
parece possível afirmar que os incentivos para tanto deverão ser construídos e fomentados pela Estado.
27
Tanto é assim que, em mais de 20 anos de concessões rodoviárias (tanto em âmbito federal, quanto
no âmbito dos Estados que adotaram o regime de concessões para operar suas rodovias), ou mesmo nas
concessões de metrô e nas outorgas de transporte coletivo, as atividades comerciais que possam ser
desenvolvidas com fins à geração de receitas acessórias são pouco estimuladas. É claro que existe
contratos de concessão cujo escopo favorece a exploração de atividades geradoras de receitas não
tarifárias ou alternativas. É o caso, por exemplo, das concessões aeroportuárias, em que o ativo a ser
explorado mais se assemelharia ao um empreendimento imobiliário e as receitas acessórias podem ser
tão ou mais significativas do que aquelas oriundas da prestação dos serviços públicos.
recursos28
. Nem sempre essas despesas estão previstas na equação financeira que
lastreia, do lado público, a modelagem da concessão. Tampouco as receitas que
possam ser comercialmente exploradas são, de antemão, percebidas pelo Estado.
Muitas vezes essa omissão do Poder Público em prever atividades alternativas é um
efeito da percepção de que tal previsão poderia limitar a criatividade do privado em
realizar - da melhor forma possível, e de acordo com a lógica de mercado - as
atividades que entender como mais pertinentes para a maximização daquele ativo
público ou de seu entorno.
Mas em não sendo uma exigência - seja por não terem sido contempladas no estudo
de viabilidade realizado pelo Estado, que se torna público durante o certame e é
utilizado como referência para os licitantes, ou seja pelo fato de a Administração
Pública não promover os incentivos corretos para a composição da concessionária
com a diversificação de perfil necessária à exploração de todas as frentes de
atividades - o privado, de outro lado, compreende que a exploração das atividades
geradoras de receitas acessórias deva correr por sua conta e risco.
Para a Administração Pública há diminuição das chances de utilizar parte das receitas
acessórias geradas para fins de conferir modicidade às tarifas cobradas dos usuários. E
assim como há dificuldades privadas em promover a diversificação do perfil para
devidamente explorar o serviço público e, da mesma forma, não descuidar das
atividades necessárias à exploração de outras receitas comerciais associadas, para o
Estado uma configuração mais versátil da concessionária também enseja alguns
desafios.
Para o Estado - que é internamente segmentado - a diversificação do perfil e das
atividades da concessionária refletiriam em complexidades para a fiscalização. Com
certeza seria difícil que o mesmo órgão público contemplasse técnicos especializados
para avaliar o serviço público prestado e outros técnicos que devidamente acessassem
as atividades comerciais prestadas pela mesma concessionária, e pudessem exercer a
28
Isso sem mencionar os impactos que a diversificação de perfil acarretam para a relação que a
concessionária estabelecerá com seus financiadores. Para uma contratação de project finance, por
exemplo, a exigência de constituição de uma sociedade de propósito específico, se presta, justamente, à
função de segregação dos riscos, de forma que outras atividades não "contaminem" a exploração do
negócio principal (que, no caso da concessão, é a própria prestação do serviço público). Mas esse ponto
será devidamente explorado na dissertação que se pretende produzir.
fiscalização dessas atividades para fins de promoção da modicidade das tarifas
cobradas aos usuários 29
.
Refletindo um pouco sobre qual seria uma maneira interessante de conferir um
melhor uso para os imóveis públicos (especialmente aqueles que fossem valorizados
pela intervenção promovida por uma concessão), e pensando sobre os custos e
dificuldades de contemplar os dois objetivos na mesma concessão, foi que o tema
dessa dissertação despontou como interessante.
Como, então, maximizar os ativos públicos e, ao mesmo passo, ensejar uma
exploração das externalidades positivas - geradas por uma concessão - que possa, de
alguma forma, se traduzir em recursos que sejam revertidos à modicidade tarifária30
daquela concessão que promoveu a valorização do entorno?
Para o caso específico a ser analisado, seria dizer: como fazer com que os imóveis
públicos (e os direitos a eles relacionados) se reverteriam em valores fruíveis que
pudessem ser disponibilizados à concessionária, na forma de aporte de recursos ou
contraprestações pecuniárias - que no fim, nada mais são do que recursos aptos à
promoção de preços mais baixos a serem pagos pelos usuários, sem que haja o
comprometimento da financiabilidade do projeto.
No contexto de ebulição dessas inquietudes é que se insere o estudo a respeito dos
fundos de investimento imobiliário como (um dos) veículos propícios à solução de
alguns dos desafios aqui descritos.
Retomando o caso do Hidroanel - para tornar a discussão mais concreta: sabendo que
muitos dos terrenos públicos, instalados às margens (ou num raio de proximidade
razoável) do futuro anel hidroviário - serão valorizados pela implantação da
29
Vale deixar claro que não se defende, neste trabalho, uma presença muito contundente do Estado nos
negócios privados que possam ser desenvolvidos, seja por meio de uma fiscalização muito restritiva ou
de uma regra de compartilhamento destas receitas com o Estado. Pelo contrário. O que se está
propondo, é uma reflexão acerca da viabilidade de tornar essas atividades comerciais mais atrativas e
representativas, de forma a fazer com que gerem impactos significativos para o entorno e que
beneficiem a própria concessão. A proposta é de que a concessionária se beneficie dessas receitas (que,
no final das contas, serão fundamentais para a viabilidade financeira do próprio projeto) e o Estado
maximize seus ativos, impactando de forma mais significativa à área beneficiada pela concessão.
30
A complementação da remuneração da concessionária, que o Estado realiza por meio de pagamentos
públicos (seja na forma de aporte de recursos, ou na forma de contraprestação), já é, por si só, um
mecanismo de conferir melhores preços às tarifas cobradas dos usuários.
infraestrutura pela concessionária, poderia o Estado integralizar cotas de um FII por
meio da conferência de tais bens?
O aporte de tais terrenos em um FII - que é uma comunhão de esforços e recursos -
faria com que o Estado tivesse o co-domínio dos ativos, já que sua posição de cotista,
a princípio, o colocaria em paridade de condições com os demais sócios daquele
fundo (no limite das cotas detidas, claro). Não somente isso. Faria, também, com que
os ativos públicos que integrassem o patrimônio do FII fossem administrados
fiduciariamente por um terceiro. Isso seria viável do ponto de vista jurídico? Se sim,
como estruturar o caminho para transpor cada um dos desafios impostos pelo regime
jurídico que impõe tantas restrições aos bens públicos?
E a análise não se presta tão somente a definir o encadeamento das etapas que seriam
necessárias para construção do arranjo que viabilizaria ao Estado a utilização de FII.
Essa é somente uma etapa preliminar (mas não menos complexa), que antecede o
exame a respeito da forma de fazer com que esse instrumento viabilize
economicamente a concessão.
No caso da concessão do Hidroanel, o Estado poderia, por meio de fundos
imobiliários, desenvolver e explorar comercialmente os ativos públicos do entorno.
Com orientação de uma administração e gestão profissionais vocacionadas ao
mercado imobiliário, seria possível maximizar os imóveis de maneira adequada a
absorver a demanda por novos serviços que poderiam ser oferecidos nas margens do
anel hidroviário.
E o FII poderia, até mesmo, ser um veículo que proporcionasse a realização de obras
para instalação de outros equipamentos públicos que, de forma sinérgica com os
empreendimentos imobiliários, pudessem compor a paisagem urbana ao redor do
Hidroanel.
Com o desenvolvimento imobiliário dos terrenos e a partir do momento em que as
instalações comerciais passassem a gerar receitas, o upside seria aproveitado pelo
Estado e poderia ser revertido para financiar a concessão do Hidroanel. E aqui é
interessante referir que, o upside refletirá a valorização imobiliária promovida pela
concessão.
Das grandes dificuldades (que inclusive servem como óbices à criação de
contribuições de melhorias) despontam, justamente, o desafio de quantificação da
valorização ensejada pela intervenção pública e percepção de que o valor da mais
valia gerada somente é aproveitado no momento da alienação do ativo impactado. O
upside dos projetos desenvolvidos no âmbito dos FIIs poderiam ser uma solução a
essas dificuldades. Isso porque, a valorização do ativo seria refletida, por exemplo,
nos preços de aluguéis, condomínios, estacionamentos e etc, cujos valores sofreriam
um incremento em decorrência da melhoria da paisagem urbana do entorno. Esse
incremento seria capturado pelo Estado, quando da distribuição dos rendimentos dos
fundos aos cotistas. Mas esse tópico será aprofundado na dissertação.
E se a necessidade de recursos para viabilizar a concessão for imediata, uma eventual
saída seria, por exemplo, alienar parte das cotas detidas pelo Estado, o que seria feito
por meio de ofertas públicas regradas no âmbito da Comissão de Valores Mobiliários
- CVM.
Em se tratando de negócios envolvendo bens públicos e atores públicos, as soluções
vislumbradas podem adquirir contornos muito mais complexos. E a missão de
enfrentar os desafios postos é, justamente, a motivação desse trabalho. É claro que,
por se tratar de uma jornada acadêmica, será possível se chegar à conclusão,
inclusive, de que, apesar de todo o esforço de tentar solucionar os problemas
descritos, o FII não se revela como ferramenta apta e adequada para promover a
captura do valor gerado pela intervenção e para servir como instrumento propiciador
da financiabilidade da própria concessão.
Apresentação do problema por meio do estabelecimento de quesitos que deverão
nortear o desenvolvimento do trabalho de pesquisa:
Viabilidade Jurídica de Estruturação de Operação:
1. O regime jurídico de direito público impõe ao Estado uma série de limitações,
especialmente no que diz respeito à atuação empresária/comercial/econômica
desempenhada pelo Poder Público. Diante das particularidades de tal regime
jurídico, poderia o Estado se valer de operações estruturadas de mercado de
capitais para desenvolver projetos públicos prioritários? Ou, pelo contrário,
tais operações são pensadas e modeladas para a dinâmica das relações
privadas, não alcançando, de forma apropriada, os agentes públicos?
2. Como se dá o processo de escolha, pelo Estado, do fundo de investimento
imobiliário a servir como veículo de realização das operações pretendidas? É
necessário realizar licitação para escolher, por exemplo, os administradores
e/ou gestores do fundo? Se sim, qual seria o critério de julgamento a ser
estabelecido para garantir à administração pública o resultado mais vantajoso
no processo de seleção de tal fundo?
3. As atividades desempenhadas no âmbito do fundo já constituído, que tenha
como cotista o Estado, devem ser regradas pelo regime jurídico de direito
público? Neste sentido, seria necessário observar o dever de licitar da
administração pública para se processar todas as contratações, bem como as
demais atividades pertinentes aos investimentos, a serem realizadas pelo
administrador/gestor (que fiduciariamente atuariam em nome do fundo)? O
fato de o Fundo de Investimento Imobiliário não deter personalidade jurídica
específica impacta na definição do regime jurídico que regra suas atividades?
4. O Estado poderia integralizar imóveis para constituir o patrimônio do Fundo,
tornando-se cotista? Para tanto, deveria observar as limitações impostas pelo
regime jurídico de direito público, especialmente o quanto estabelecido no
artigo 17 da Lei Federal n. 8.666/1993? Neste sentido, seria necessário que a
conferência de imóveis fosse precedida de ato legislativo autorizativo ou
licitação? Em se tratando das restrições legais que limitam a atuação
empresária do Estado, faria diferença conferir o direito de propriedade sobre
os ativos imobiliários ou conferir outros direitos reais com caráter “menos
definitivos” sobre os ativos (tal como o direito de superfície ou uso por tempo
determinado)? Faria diferença se o pretenso cotista fosse órgão da
administração pública direta ou se fosse entidade da administração pública
indireta?
5. O Estado poderia integralizar o direito de desapropriar (se considerado
“direito relativo a imóveis”, nos termos do art. 11 da ICVM 472/2008) para
tornar-se cotista de um fundo imobiliário? Se sim, quais seriam as limitações
impostas pelo regramento jurídico pertinente?
6. O artigo 4º, da Lei Federal n. 3.365/1941, estabelece o instituto da
“desapropriação por valorização extraordinária”. Poderia (e como deveria) o
Estado se valer de tal prerrogativa para integralizar cotas mediante a
conferência do direito de futura desapropriação/futuros imóveis
desapropriados para ensejar a captura ex ante do montante de recursos
(representado pela participação, em cotas, a ser adquirida pelo Estado)
equivalente à valorização que deverá advir da implantação da infraestrutura
(escopo do projeto de concessão)? Se esse arranjo for possível, a antecipação
do montante de recursos consistiria em uma operação de crédito, sujeita às
limitações impostas pela legislação pertinente, especialmente à Lei de
Responsabilidade Fiscal?
7. Considerando a viabilidade jurídica de todos os aspectos apresentados acima,
a venda, em bolsa de valores, das cotas do Fundo de Investimento Imobiliário
detidas pelo Estado poderia ser realizada sem licitação?
8. Diante da necessidade de se estabelecer um valor para os ativos e/ou direitos
relacionados a tais ativos que poderão ser conferidos, para fins de
integralização das cotas de um fundo de investimento imobiliário pelo Estado,
como definir a metodologia de precificação de tais ativos e/ou direitos
(considerando a expectativa de valorização do entorno)? O ordenamento
jurídico estabelece parâmetros objetivos para balizar tal forma de valuation?
9. As receitas provenientes da operação de mercado de capitais de que participa
o Estado devem ser vinculadas a alguma atividade ou projeto estatal
específicos? Ou devem ser consideradas como receitas orçamentárias de livre
dotação?
Análise propositiva sobre o sentido de implantação da operação estudada:
10. O modelo de value capture realizado por meio de uma estrutura de Fundo de
Investimento Imobiliário se revela mais interessante do que outros
mecanismos tentados, pelo Estado, para esta finalidade?31
31
Neste sentido, poderia se empreender uma comparação de modelos entre a operação estruturada por
meio de um Fundo de Investimento Imobiliário, em contraposição aos mecanismos modelados no
âmbito, por exemplo, das concessões federais de aeroportos (o que, por convenção, chamarei de
“modelo societário”, modelo de constituição de uma SPE com participação Estatal relevante), assim
como em contraposição ao modelo estabelecido nas concessões metroviárias do Estado de São Paulo
(“modelo contratual” de compartilhamento de receitas acessórias, com base no estabelecimento de um
11. Se a operação de mercado de capitais fosse viabilizada como condição para a
estruturação econômico-financeira de uma concessão ou de uma PPP, o
desenvolvimento paralelo das duas iniciativas poderia gerar riscos
significativos de interface. Quais seriam as formas de mitigação,
especialmente, dos riscos de (i) eventualmente a operação lastreada no FII não
reverter os resultados esperados? (ii) o Estado eventualmente desrespeitar a
destinação (para financiar a concessão) dos recursos originados no âmbito da
operação de mercado de capitais?
Levantamento de hipóteses para os questionamentos apresentados:
1. Embora o regime jurídico de direito público imponha ao Estado uma série de
limitações, parece possível afirmar que a estruturação de operações
fundamentadas na utilização da ferramenta de fundo de investimento
imobiliário, como instrumento apto para permitir ao Estado o
desenvolvimento de projetos públicos, não resta obstada. Isso, inclusive,
poderia ser comprovado pelas diversas iniciativas que – ainda que
timidamente – demonstram a compreensão, pelo Estado, da vantagem de se
valer da estrutura de tal fundo para execução de projetos públicos. Neste
sentido, é possível citar, como exemplos, alguns projetos que estão sendo
viabilizados por meio de tal ferramenta de mercado de capitais, como é o caso
do “Projeto Porto Maravilha”, do “Projeto CEDAE” e do “Projeto Veículo
Leve sobre Trilhos - VLT”, sendo que todos os projetos têm em comum (i) o
player público: a administração pública municipal do Rio de Janeiro (direta ou
indireta), que figura como cotista dos Fundos; e (ii) a presença da Caixa
Econômica Federal como o agente financeiro que figura como administrador
de todos os Fundos de Investimento Imobiliário constituídos no âmbito de tais
projetos.
2. Provavelmente, considerando o regime jurídico aplicável à dinâmica das
relações públicas, seria necessário se proceder a alguma espécie de processo
competitivo para a seleção do administrador do Fundo de Investimento
percentual pré-fixado no contrato de concessão que estabeleceria a parcela do valor a ser destinada ao
Poder Concedente, calculada com base na efetiva exploração de receitas alternativas).
Imobiliário pelo Estado. Se se reconhecesse a necessidade inafastável de se
proceder a um certame licitatório para seleção do veículo/agentes
protagonistas da operação estatal pretendida, possivelmente se concluiria pelo
estabelecimento de um critério de julgamento fundamentado ou (i) no
oferecimento da menor taxa de administração a ser cobrada do Estado; ou, (ii)
no maior patrimônio gerido. Quem sabe, até mesmo, na combinação dos
critérios referidos. Mas eventualmente, a garantia de maior vantagem para o
Poder Público poderia se dar por meio de uma combinação de fatores não
mensuráveis ou acessíveis por meio de um procedimento licitatório regrado
pela Lei n. 8.666/1993, o que poderia ensejar a busca por outras possíveis
formas, não tradicionais (ao menos não corriqueiras das relações do Estado),
de seleção dos agentes pelo Estado.
3. Embora a princípio se possa prever que a seleção do Fundo de Investimento
Imobiliário deva se dar por meio de competição, parece fazer sentido supor
que as atividades desempenhadas no cerne do fundo já constituído – mesmo
quando o Estado seja cotista – devam ser guiadas pelo regime jurídico de
direito privado, de forma a conferir a celeridade necessária para acompanhar a
dinâmica negocial pertinente às relações travadas no âmbito do mercado de
capitais. Não me parece fazer sentido que o administrador do fundo de
investimento imobiliário proceda à licitação para realizar as contratações e
investimentos, nem mesmo nos casos em que o Estado seja detentor da
maioria ou até da integralidade das cotas de tal fundo (o que poderia se
configurar como uma estrutura viável para engatilhar o início das operações
desenvolvidas no âmbito do Fundo). Essa conclusão apriorística se faz
possível, inclusive, em razão de uma leitura rasa – cuja análise ainda é
passível de maior aprofundamento – do que dispõe o artigo 17 da Lei n.
8.666/1993, em seu inciso II. Em face da dispensabilidade de licitação para
venda de títulos pela administração pública, na forma da legislação
pertinente, e, partindo do pressuposto de que as cotas poderiam ser
consideradas, para todos os fins de direito, como títulos a que se refere o
mencionado normativo, eventualmente se poderia sustentar a impertinência da
licitação como regra a ser observada na condução das atividades realizadas
pelo administrador do fundo.
4. A grande contribuição que se pretende alcançar por meio da concepção de
uma operação pelo Estado viabilizada com fundo de investimento imobiliário
se fundamenta na expectativa de maximização de ativos imobilizados que
integram (ou poderiam futuramente integrar) o patrimônio público e que
geralmente são sub ou não explorados. Idealmente, e para fins da pesquisa, a
maximização dos ativos serviria, em última análise, para transformar
imóveis/terrenos/direitos em liquidez (o que seria fruto da oferta das cotas
detidas pelo Estado) disponível para fazer frente aos investimentos necessários
à concretização da concessão (seja por meio de levantamento dos recursos
necessários a servir como contrapartidas públicas, seja por meio da
compreensão, pelo privado concessionário, da valorização das áreas como
potencial de geração de receitas representativas que poderiam servir como
lastro para a financiabilidade da concessão).
5. Uma das questões fundamentais que deve ser enfrentada, e que constitui ponto
chave para delineamento do racional que ampara o desenvolvimento dos
pontos centrais da dissertação, diz respeito à possibilidade de a Administração
Pública conferir bens imóveis para fins de integralização de cotas de fundo de
investimento imobiliário. Consistiria, tal operação, uma alienação de ativos
pelo Estado? Ainda que pareça inquestionável a necessidade de observar
limites com a finalidade de prevenir a ocorrência de ação oportunista e
irresponsável pelo Estado e, embora as salvaguardas estabelecidas pelo artigo
17 da Lei n. 8.666/1993 se revelem como mecanismos apropriados para
promover – com base no sistema de poderes de pesos e contrapesos – a
atuação diligente e não lesiva dos governantes, o próprio normativo estabelece
um rol (taxativo?) de hipóteses de não aplicabilidade das limitações à
transferência (compreendida de forma lata) de bens pela administração
pública. A configuração da operação de integralização de cotas por meio da
conferência de bens poderia ser equiparável a algumas das situações descritas
no mencionado rol de hipóteses, de forma a afastar a exigência de ato
normativo específico e dever de licitação para perfazimento legal da venda.
Claro que, para sustentar a viabilidade de tal afastamento, é preciso analisar a
situação concreta, o que deve considerar, pelo menos (i) a finalidade da
operação; (ii) a entidade governamental empreendedora da operação (se
integrante da administração pública direta ou indireta); e (iii) o direito real a
ser conferido.
6. Sendo a desapropriação um instrumento de aquisição originária da
propriedade, a classificação de tal prerrogativa como um direito relativo a
imóveis, o que, nos termos do art. 11 da ICVM 472/2008, o tornaria passível
de ser considerado como um “valor”, cuja conferência poderia servir como
lastro para a integralização de cotas de um fundo imobiliário pelo Estado. É
claro que seria preciso enfrentar as questões relacionadas às possíveis
limitações incidentes sobre a eventual operação que se fizesse por meio da
“alienação” do direito em apreço, justamente em decorrência do regramento
estabelecido pela Lei de Licitações (conforme apontado acima). Mas o
instituto das desapropriações, por si só (e independente de estar inserido em
uma operação complexa mais sofisticada), já acarreta um componente de
grande discussão para o desenvolvimento de quaisquer negócios. Impactariam
não somente na conclusão de viabilidade jurídica do modelo proposto, mas
também (e especialmente) na análise de risco associado a tal componente,
fatores como (i) as dificuldades de se estimar, com relativa precisão, o valor
da(s) justa(s) indenização(ões) a ser arbitrada(s) pelo Judiciário; (ii)
necessidade de finalidade específica e previamente definida quanto à
destinação das propriedades desapropriadas; e (iii) demais limitações
decorrentes do sobrepujamento do direito de propriedade (inclusive refletindo
orientação manifestada pelas Cortes Judiciárias Superioras).
7. A desapropriação por valorização extraordinária poderia, eventualmente, se
revelar como instrumento apropriado de viabilização de captura ex ante da
valorização que deverá advir do impacto benéfico ensejado por uma
concessão. Seria possível abordar uma análise comparativa de tal instituto com
a contribuição de melhoria para prever, com base em raciocínio analógico, a
viabilidade de concretização da desapropriação por valorização extraordinária
e os mecanismos de captura do valor oriundo do upside promovido pela
intervenção pública ou projeto de concessão. A partir da análise
jurisprudencial dos casos levados à apreciação das Cortes Superiores talvez
fosse possível identificar os fatores de insucesso ou as limitações de
implantação dos mecanismos (resultado e perfil jurisprudencial que se pode
antecipar dos julgados analisados até o momento) que se propõem a
compartilhar a valorização imobiliária com o Estado. Se, a despeito das
limitações, se reconhecer a viabilidade e utilização do mecanismo e seu
potencial gerador de receitas que possam ser destinadas como fonte de
realização de investimentos públicos, e – ainda mais – se a estrutura de fundo
de investimento imobiliário estudado despontar como forma de trazer liquidez
imediata usufruível, desde logo, pelo Estado, com base no alicerce jurídico
desenvolvido até este ponto da dissertação será possível observar a não
configuração de estruturação de uma operação de crédito. Ainda que este
ponto deva ser objeto de uma análise mais detida, a conclusão de não
classificação como uma operação de crédito decorre, em parte, das
constatações apresentadas e desenvolvidas a respeito da “alienação” de
imóveis e direitos como fonte para integralização de cotas do fundo
imobiliário pelo Estado. Ora, se houver conclusão quanto ao perfazimento de
uma das estruturas de “venda perfeita”, não parece fazer sentido se falar na
antecipação de recursos tratada nos artigos 29 e seguintes da Lei de
Responsabilidade Fiscal.
8. Para se realizar a monetização das cotas detidas pelo Estado para geração de
valor disponível a ser utilizado como forma de conceder financiabilidade para
um determinado projeto - o que no fundo, constitui a análise central da
pesquisa -, o Estado deverá, como qualquer player privado, observar as
normas de mercado de capitais apropriadas. A princípio, parece fazer sentido
sustentar que a venda de cotas, se feita por meio de ofertas públicas (e aí
compreendidas não somente as regradas pelo ICVM 400, mas também as
regradas pela ICVM 476), torna prescindível o processo licitatório típico das
relações públicas.
9. Tanto o regime de direito público, quanto o regime de direito privado impõe,
como regra (não aplicável em casos muito específicos) a necessidade de
realização de uma avaliação dos imóveis ou direitos como etapa necessária
para a concretização da operação analisada. Entretanto, desconfio que embora
haja exigência categórica do valuation prévio, não há na legislação pertinente
qualquer parâmetro que estabeleça as bases sobre as quais deve ser alicerçado
o método avaliativo adequado. Esse quadro deve se agravar, inclusive, quando
se tratar do estabelecimento normativo de metodologia apropriada para acessar
o valor proveniente da valorização futura de um determinado ativo. Essa
ausência de parâmetros objetivos, aliás, foi um dos fatores observados (na
jurisprudência analisada até o presente momento) para colocar em cheque a
viabilidade jurídica da aplicabilidade prática da contribuição de melhoria pelos
Estados da Federação, sendo que – tal como já se propôs anteriormente – o
mesmo racional poderia, facilmente, ser aplicável aos mecanismos analisados
no âmbito da pesquisa. Se esta hipótese se concretizar, eventualmente seria o
caso de propor (adstrito ao universo de proposições jurídicas, sem se valer de
análises aprofundadas sobre metodologias econômicas apropriadas) a
articulação, por exemplo, de Agências Reguladoras ou de outros órgãos com
competências técnicas multidisciplinares com a finalidade de realizar análise
sobre os mecanismos de cálculo e verificação de referida valorização. De
forma ainda embrionária, a ARSESP carreia uma iniciativa nesse sentido
(http://www.arsesp.sp.gov.br/ConsultasPublicasBiblioteca/NOTA_TECNICA
_PRELIMINAR-NTG_N022015.pdf)
10. Se recorrermos à comparação da operação estudada com demais ferramentas
urbanísticas que possam ser utilizadas com finalidade semelhante (Operações
Urbanas Consorciadas, CEPACs e Outorga, por exemplo) ou mesmo se
estabelecermos um paralelo com as etapas constitutivas de tal operação (que
podem, por exemplo, envolver imóveis desapropriados ou o direito de
desapropriar), talvez fosse possível chegar à conclusão de que, ainda que a
legislação não estabeleça destinação específica para as receitas originadas no
âmbito das atividades do fundo de investimento imobiliário, faria sentido
assegurar que tais recursos fossem investidos para potencializar a melhoria da
própria área impactada. Talvez essa “vinculação” pudesse ser feita por meio
do próprio regulamento do fundo, que traria, também, as regras de necessária
observância e os quóruns de aprovação para alterar, inclusive, tal vinculação,
definindo que o recurso pudesse ser eventualmente aplicado em outras
iniciativas ou projetos. Mas a desconfiança preliminar leva a crer que a
estrutura ideal de destinação de recursos deve ser construída, tendo como pilar
a preocupação de garantir aos demais investidores – sejam eles cotistas ou
concessionários (ou ambos) – a salvaguarda de que o projeto principal, que
figura como escopo da concessão, será realizado e possibilitará a valorização
minimamente esperada do entorno.
Justificativa da relevância aplicativa, utilidade prática e evidência de caráter
inovador da pesquisa:
Diante das crises recentes que alastraram (e alastram) o Brasil, o Governo Federal, as
Administrações Estaduais e Municipais e os diversos entes estatais de todas as esferas
federativas, observam um significativo comprometimento de sua própria
potencialidade e da capacidade privada de realização de investimentos.
O cenário descrito, se contraposto à necessidade constante e – cada vez mais urgente
– de concretização de projetos estatais prioritários, repercutem de forma a ensejar para
administração pública o compromisso de viabilizar estruturas não tradicionais de
realização das políticas e intervenções necessárias.
As restrições orçamentárias e fiscais demandam a construção, pela administração
pública, de um ambiente propício para atração do investimento privado.
Historicamente, a aproximação do Estado com o capital privado se deu no âmbito de
alguns “ciclos de desenvolvimento” (se é que podemos chamar assim).
De forma genérica, é possível dizer que o primeiro se deu com a realização das
privatizações, para levantamento de recursos necessários à cobertura dos déficits que
se colocavam como desafios a serem enfrentados à época. A partir da década de 1990,
então, iniciou-se o ciclo de desenvolvimento fundamentado na realização de
concessões comuns onerosas, com o levantamento de outorgas robustas e desoneração
das despesas dos caixas dos Estados, que implementaram tais modelos contratuais
para a condução de atividades e construção de infraestruturas fruíveis pela população
(os usuários). E por fim, a observação de um potencial arrefecimento dos
investimentos privados frente aos altos riscos e a opção pública pela estruturação –
em alguns Estados e Municípios da Federação – de concessões administrativas e
patrocinadas que contavam com participações pecuniárias conferidas pelo próprio
Estado na remuneração dos parceiros privados. Esse se demonstrou um modelo
interessante tanto pela viabilidade de “barateamento” dos investimentos (já que o
poder público poderia se financiar com juros mais baratos do que o privado e detinha
dinheiro em caixa para fazer frente aos desembolsos que eventualmente fossem
necessários pari passu à realização das etapas das obras) e da possibilidade de
conferir maior eficiência (sentida pelos usuários) na prestação de serviços públicos.
O panorama estatal restritivo e as perspectivas macroeconômicas pessimistas,
entretanto, desafiaram a vida longa das parcerias público-privadas (aumentando o
risco de inadimplemento das obrigações pecuniárias públicas) e, de outro lado,
reaqueceu a potencial estruturação de projetos por meio de arranjos contratuais
baseados no pagamento de tarifas pelos usuários como única forma de conferir
sustentabilidade às parcerias com o Estado.
A consequência do rigor com que vem sendo atualmente tratadas as contas públicas
fez com que o Estado voltasse os olhos para formas alternativas de levantar caixa e/ou
viabilizar investimentos, o que vem gerando um movimento de enfoque no
patrimônio imobiliário público como instrumento de conformação dos dois objetivos.
Nesse contexto, uma série de municípios (tais como Porto Alegre, Curitiba, São Paulo
e Fortaleza) vem intensificando os estudos sobre o uso de ferramentas urbanísticas
para promover a maximização de ativos públicos, com vistas à realização das
intervenções e investimentos para promover a revitalização das cidades32
, mesmo
atingidos por um cenário recessivo.
Mas e as demais instâncias federativas, que não dispõe das prerrogativas pertinentes à
esfera urbanística e que não podem se usar de institutos como CEPACs e modelos de
estruturação de projetos por meio de Operações Urbanas Consorciadas? Quais
alternativas poderiam ser franqueadas para que os demais entes públicos pudessem
viabilizar a exploração de terrenos de sua propriedade como instrumentos capazes de
conferir atratividade e financiabilidade para realização de investimentos privados?
É no âmbito dessa discussão que a estruturação, pelo Estado, de operações de
parcerias com a iniciativa privada realizadas por meio de fundos de investimento
imobiliário desponta. De forma isolada por alguns Estados e até por Municípios, vem
se tentando demonstrar que esse poderia se constituir como método apto a servir
como vetor de um novo ciclo de desenvolvimento com foco na valorização dos
imóveis públicos e nos direitos a eles relacionados.
32
Essa conclusão foi extraída de um seminário promovido pelo Banco Interamericano de
Desenvolvimento – BID, em São Paulo, na data de 26.09.2015, denominado Encontro ESW -
Operações Urbanas - Validação do Estudo "Incentivos à Participação Privada em Operações
Urbanas"
O valor desse trabalho se demonstra pelo ineditismo da sistematização dos principais
desafios jurídicos com os quais deverão se deparar as administrações públicas para
aferir a viabilidade de se constituir operações estruturadas por meio de fundos de
investimento imobiliário e pela solução propositiva que se pretende empreender,
diante da compreensão do direito como ferramenta de desenvolvimento e não como
uma finalidade em si mesma.
Outro ponto de destaque do presente trabalho, e que representará um dos lastros
teórico da tese que se pretende defender, é a demonstração da quebra da dicotomia
rígida que aparta o direito público do direito privado.
Como é cediço, a concepção do direito administrativo enquanto direito especial do
Estado, apartado do direito privado, remonta ao início do século XIX, época de
afirmação e desenvolvimento daquele como ramo jurídico autônomo e que possuía
uma finalidade prática específica: a de definir a competência da jurisdição
administrativa em oposição à jurisdição civil do Estado33
.
Com efeito, tendo a França, assim como diversos países da Europa continental,
adotado o sistema de dualidade de jurisdição, era necessário que fosse estabelecido o
critério para fixação da competência do Conselho de Estado, o que levou a doutrina e
a jurisprudência a adotar o critério pelo qual, nas situações nas quais a Administração
Pública atuasse de acordo com as prerrogativas derrogatórias do direito privado, a
competência seria a da jurisdição administrativa. Nas demais hipóteses, a
competência seria a da Justiça Civil.
No entanto, na atualidade, não parece mais fazer sentido a apartação entre o direito
administrativo e o direito privado, ante três ordens de argumentos:
Em primeiro lugar, tendo o Brasil adotado o sistema de unidade de jurisdição34
, não
subsiste a necessidade prática que motivou os franceses a estipularem o direito
administrativo como um direito apartado do direito comum, pois, independentemente
do regime jurídico de atuação administrativa (se de direito público ou privado), o
33
Carlos Ari Sundfeld, Crítica à doutrina antiliberal e estatista de direito administrativo, in
__________. Direito administrativo para céticos, 2ª ed., São Paulo: Malheiros, 2014, p. 136-138.
34
Tal sistema de unidade de jurisdição, previsto no artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal de
1988, está presente no direito constitucional brasileiro desde a Constituição de 1891, o que demonstra
que a tradição brasileira é a de submeter todos os atos jurídicos à apreciação do Judiciário,
independentemente de haver ou não prerrogativas do Estado na sua expedição.
Judiciário será sempre o locus competente para a apreciação da legalidade do agir
administrativo.
Em segundo plano, diante das crescentes tarefas que são atribuídas ao Estado, parece
não subsistir mais a apartação radical do direito público e do direito privado, uma vez
que é cada vez maior a utilização, no direito administrativo, das regras e institutos de
direito privado 35
, como forma de imprimir eficiência à atuação administrativa,
aproximando-a dos parâmetros de atuação de outros agentes econômicos.
Por fim, o direito positivado pelo Estado não comporta distinção entre ramos, sendo a
separação do direito em público e privado útil para fins acadêmicos e de construção
teórica, mas não se apresenta como argumento suficiente para vedar que determinada
regra, por ser entendida como de direito privado, venha a não ser aplicada pela
Administração sob tal argumento36
.
Tal tema, obviamente, será objeto de maior aprofundamento na pesquisa a ser
desenvolvida, notadamente no que se refere à utilização dos mecanismos e
instrumentos de mercado de capitais pela Administração Pública, mas, desde logo, é
possível deixar consignado que parece não haver fundamento para que a
Administração não se submeta às normas tidas como de direito privado, única e
exclusivamente sob o argumento de que não fazem parte do “regime jurídico de
direito público”, pois as normas jurídicas devem ser aplicadas pela Administração, de
acordo com as relações jurídicas por ela travadas.
35
A doutrina a este respeito é vasta, bastando a menção, apenas a título de exemplo, da já clássica obra
de Maria João Estorninho, A fuga para o direito privado: contributo para o estudo da actividade de
direito privado da Administração Pública, Coimbra: Almedina, 2009.
36
Valem, aqui, as considerações de Fernando Dias Menezes de Almeida, no sentido de que “a ideia de
ramos do direito aqui invocada remete a direito como ciência ou teoria do Direito, visto que o Direito
como fenômeno normativo não comporta distinções. Uma norma jurídica, em que pese possa estar
inserida, por exemplo, em uma lei denominada Código Civil, não será necessariamente de direito civil;
pense-se no caso das normas sobre bens públicos ou sobre desapropriação. O direito como conjunto
normativo é uno. Os ramos do direito são instrumentos auxiliares da razão jurídica no momento de se
buscar conhecer e transmitir conhecimentos sobre o direito”. (Formação da teoria do direito
administrativo no Brasil, Tese de Titularidade apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de
São Paulo, São Paulo, 2013, p. 57).

Mais conteúdo relacionado

Mais procurados

PARCERIA PÚBLICO PRIVADA-PPP
PARCERIA PÚBLICO PRIVADA-PPPPARCERIA PÚBLICO PRIVADA-PPP
PARCERIA PÚBLICO PRIVADA-PPPMichelle Silveira
 
A Lei 12.766/12 e o nivel de detalhamento dos estudos de engenharia em ppps
A Lei 12.766/12 e o nivel de detalhamento dos estudos de engenharia em ppps A Lei 12.766/12 e o nivel de detalhamento dos estudos de engenharia em ppps
A Lei 12.766/12 e o nivel de detalhamento dos estudos de engenharia em ppps Mauricio Portugal Ribeiro
 
Desapropriações nas Parcerias Público-Privadas PPP
Desapropriações nas Parcerias Público-Privadas PPPDesapropriações nas Parcerias Público-Privadas PPP
Desapropriações nas Parcerias Público-Privadas PPPAndré Nakamura
 
Lei de PPP para FGV Curitiba em junho de 2005
Lei de PPP para FGV Curitiba em junho de 2005Lei de PPP para FGV Curitiba em junho de 2005
Lei de PPP para FGV Curitiba em junho de 2005Mauricio Portugal Ribeiro
 
O built suit e a administração pública
O built suit e a administração pública O built suit e a administração pública
O built suit e a administração pública André Nakamura
 
COMO LIDAR COM O RISCO DE FINANCIAMENTO DE CONCESSÕES E PPPS EM PERÍODOS DE N...
COMO LIDAR COM O RISCO DE FINANCIAMENTO DE CONCESSÕES E PPPS EM PERÍODOS DE N...COMO LIDAR COM O RISCO DE FINANCIAMENTO DE CONCESSÕES E PPPS EM PERÍODOS DE N...
COMO LIDAR COM O RISCO DE FINANCIAMENTO DE CONCESSÕES E PPPS EM PERÍODOS DE N...Mauricio Portugal Ribeiro
 
Parcerias Público Privadas, Prof. Doutor Rui Teixeira Santos (ISG, 2013)
Parcerias Público Privadas, Prof. Doutor Rui Teixeira Santos (ISG, 2013)Parcerias Público Privadas, Prof. Doutor Rui Teixeira Santos (ISG, 2013)
Parcerias Público Privadas, Prof. Doutor Rui Teixeira Santos (ISG, 2013)A. Rui Teixeira Santos
 
Subsidio a investimento em concessoes e PPPs
Subsidio a investimento em concessoes e PPPsSubsidio a investimento em concessoes e PPPs
Subsidio a investimento em concessoes e PPPsMauricio Portugal Ribeiro
 
Comentários ao Estudo sobre Estruturação de Concessões e PPPs elaborado pelo ...
Comentários ao Estudo sobre Estruturação de Concessões e PPPs elaborado pelo ...Comentários ao Estudo sobre Estruturação de Concessões e PPPs elaborado pelo ...
Comentários ao Estudo sobre Estruturação de Concessões e PPPs elaborado pelo ...Mauricio Portugal Ribeiro
 
Comentários às Diretrizes Recentemente Publicadas do Novo Programa de Investi...
Comentários às Diretrizes Recentemente Publicadas do Novo Programa de Investi...Comentários às Diretrizes Recentemente Publicadas do Novo Programa de Investi...
Comentários às Diretrizes Recentemente Publicadas do Novo Programa de Investi...Mauricio Portugal Ribeiro
 
Aspectos relevantes do subsidio a investimento em concessoes e PPPs
Aspectos relevantes do subsidio a investimento em concessoes e PPPsAspectos relevantes do subsidio a investimento em concessoes e PPPs
Aspectos relevantes do subsidio a investimento em concessoes e PPPsMauricio Portugal Ribeiro
 
Concessões e PPPs - estrutura econômica, vantagens e dificuldades de implantar
Concessões e PPPs - estrutura econômica, vantagens e dificuldades de implantarConcessões e PPPs - estrutura econômica, vantagens e dificuldades de implantar
Concessões e PPPs - estrutura econômica, vantagens e dificuldades de implantarMauricio Portugal Ribeiro
 
Parcerias público privadas by assunção santos - canarme brasil - cópia
Parcerias público privadas   by assunção santos - canarme brasil - cópiaParcerias público privadas   by assunção santos - canarme brasil - cópia
Parcerias público privadas by assunção santos - canarme brasil - cópiaASSUNÇÃO SANTOS
 
Desapropriações e desocupações em concessões e PPPs: custos, riscos, sensibil...
Desapropriações e desocupações em concessões e PPPs: custos, riscos, sensibil...Desapropriações e desocupações em concessões e PPPs: custos, riscos, sensibil...
Desapropriações e desocupações em concessões e PPPs: custos, riscos, sensibil...Mauricio Portugal Ribeiro
 
O atraso em reequilibrar concessões e PPPs pode ser enquadrado como improbida...
O atraso em reequilibrar concessões e PPPs pode ser enquadrado como improbida...O atraso em reequilibrar concessões e PPPs pode ser enquadrado como improbida...
O atraso em reequilibrar concessões e PPPs pode ser enquadrado como improbida...Mauricio Portugal Ribeiro
 
PPP Mais e o regime dos contratos de concessão e PPP
PPP Mais e o regime dos contratos de concessão e PPPPPP Mais e o regime dos contratos de concessão e PPP
PPP Mais e o regime dos contratos de concessão e PPPMauricio Portugal Ribeiro
 
090922 Infra Estrutura Participacao Privada E Lei De Ppp Para Sbdp
090922 Infra Estrutura   Participacao Privada E Lei De Ppp   Para Sbdp090922 Infra Estrutura   Participacao Privada E Lei De Ppp   Para Sbdp
090922 Infra Estrutura Participacao Privada E Lei De Ppp Para SbdpMauricio Portugal Ribeiro
 
Quais são as garantias de pagamento público ideais para contratos de PPP?
Quais são as garantias de pagamento público ideais para contratos de PPP?Quais são as garantias de pagamento público ideais para contratos de PPP?
Quais são as garantias de pagamento público ideais para contratos de PPP?Mauricio Portugal Ribeiro
 

Mais procurados (19)

Slide direito financeiro
Slide direito financeiroSlide direito financeiro
Slide direito financeiro
 
PARCERIA PÚBLICO PRIVADA-PPP
PARCERIA PÚBLICO PRIVADA-PPPPARCERIA PÚBLICO PRIVADA-PPP
PARCERIA PÚBLICO PRIVADA-PPP
 
A Lei 12.766/12 e o nivel de detalhamento dos estudos de engenharia em ppps
A Lei 12.766/12 e o nivel de detalhamento dos estudos de engenharia em ppps A Lei 12.766/12 e o nivel de detalhamento dos estudos de engenharia em ppps
A Lei 12.766/12 e o nivel de detalhamento dos estudos de engenharia em ppps
 
Desapropriações nas Parcerias Público-Privadas PPP
Desapropriações nas Parcerias Público-Privadas PPPDesapropriações nas Parcerias Público-Privadas PPP
Desapropriações nas Parcerias Público-Privadas PPP
 
Lei de PPP para FGV Curitiba em junho de 2005
Lei de PPP para FGV Curitiba em junho de 2005Lei de PPP para FGV Curitiba em junho de 2005
Lei de PPP para FGV Curitiba em junho de 2005
 
O built suit e a administração pública
O built suit e a administração pública O built suit e a administração pública
O built suit e a administração pública
 
COMO LIDAR COM O RISCO DE FINANCIAMENTO DE CONCESSÕES E PPPS EM PERÍODOS DE N...
COMO LIDAR COM O RISCO DE FINANCIAMENTO DE CONCESSÕES E PPPS EM PERÍODOS DE N...COMO LIDAR COM O RISCO DE FINANCIAMENTO DE CONCESSÕES E PPPS EM PERÍODOS DE N...
COMO LIDAR COM O RISCO DE FINANCIAMENTO DE CONCESSÕES E PPPS EM PERÍODOS DE N...
 
Parcerias Público Privadas, Prof. Doutor Rui Teixeira Santos (ISG, 2013)
Parcerias Público Privadas, Prof. Doutor Rui Teixeira Santos (ISG, 2013)Parcerias Público Privadas, Prof. Doutor Rui Teixeira Santos (ISG, 2013)
Parcerias Público Privadas, Prof. Doutor Rui Teixeira Santos (ISG, 2013)
 
Subsidio a investimento em concessoes e PPPs
Subsidio a investimento em concessoes e PPPsSubsidio a investimento em concessoes e PPPs
Subsidio a investimento em concessoes e PPPs
 
Comentários ao Estudo sobre Estruturação de Concessões e PPPs elaborado pelo ...
Comentários ao Estudo sobre Estruturação de Concessões e PPPs elaborado pelo ...Comentários ao Estudo sobre Estruturação de Concessões e PPPs elaborado pelo ...
Comentários ao Estudo sobre Estruturação de Concessões e PPPs elaborado pelo ...
 
Comentários às Diretrizes Recentemente Publicadas do Novo Programa de Investi...
Comentários às Diretrizes Recentemente Publicadas do Novo Programa de Investi...Comentários às Diretrizes Recentemente Publicadas do Novo Programa de Investi...
Comentários às Diretrizes Recentemente Publicadas do Novo Programa de Investi...
 
Aspectos relevantes do subsidio a investimento em concessoes e PPPs
Aspectos relevantes do subsidio a investimento em concessoes e PPPsAspectos relevantes do subsidio a investimento em concessoes e PPPs
Aspectos relevantes do subsidio a investimento em concessoes e PPPs
 
Concessões e PPPs - estrutura econômica, vantagens e dificuldades de implantar
Concessões e PPPs - estrutura econômica, vantagens e dificuldades de implantarConcessões e PPPs - estrutura econômica, vantagens e dificuldades de implantar
Concessões e PPPs - estrutura econômica, vantagens e dificuldades de implantar
 
Parcerias público privadas by assunção santos - canarme brasil - cópia
Parcerias público privadas   by assunção santos - canarme brasil - cópiaParcerias público privadas   by assunção santos - canarme brasil - cópia
Parcerias público privadas by assunção santos - canarme brasil - cópia
 
Desapropriações e desocupações em concessões e PPPs: custos, riscos, sensibil...
Desapropriações e desocupações em concessões e PPPs: custos, riscos, sensibil...Desapropriações e desocupações em concessões e PPPs: custos, riscos, sensibil...
Desapropriações e desocupações em concessões e PPPs: custos, riscos, sensibil...
 
O atraso em reequilibrar concessões e PPPs pode ser enquadrado como improbida...
O atraso em reequilibrar concessões e PPPs pode ser enquadrado como improbida...O atraso em reequilibrar concessões e PPPs pode ser enquadrado como improbida...
O atraso em reequilibrar concessões e PPPs pode ser enquadrado como improbida...
 
PPP Mais e o regime dos contratos de concessão e PPP
PPP Mais e o regime dos contratos de concessão e PPPPPP Mais e o regime dos contratos de concessão e PPP
PPP Mais e o regime dos contratos de concessão e PPP
 
090922 Infra Estrutura Participacao Privada E Lei De Ppp Para Sbdp
090922 Infra Estrutura   Participacao Privada E Lei De Ppp   Para Sbdp090922 Infra Estrutura   Participacao Privada E Lei De Ppp   Para Sbdp
090922 Infra Estrutura Participacao Privada E Lei De Ppp Para Sbdp
 
Quais são as garantias de pagamento público ideais para contratos de PPP?
Quais são as garantias de pagamento público ideais para contratos de PPP?Quais são as garantias de pagamento público ideais para contratos de PPP?
Quais são as garantias de pagamento público ideais para contratos de PPP?
 

Semelhante a Captura de valor de externalidades em concessões via FIIs

PPP em Portugal, Prof. Doutor Rui Teixeira Santos (ISG, 2013)
PPP em Portugal, Prof. Doutor Rui Teixeira Santos (ISG, 2013)PPP em Portugal, Prof. Doutor Rui Teixeira Santos (ISG, 2013)
PPP em Portugal, Prof. Doutor Rui Teixeira Santos (ISG, 2013)A. Rui Teixeira Santos
 
Parcerias Publico Privadas (2013), PPP, Prof. Doutor Rui Teixeira Santos (ISG...
Parcerias Publico Privadas (2013), PPP, Prof. Doutor Rui Teixeira Santos (ISG...Parcerias Publico Privadas (2013), PPP, Prof. Doutor Rui Teixeira Santos (ISG...
Parcerias Publico Privadas (2013), PPP, Prof. Doutor Rui Teixeira Santos (ISG...A. Rui Teixeira Santos
 
Fiscalização das Parcerias Publico-Privadas em Portugal (2013), PPP, Prof. Do...
Fiscalização das Parcerias Publico-Privadas em Portugal (2013), PPP, Prof. Do...Fiscalização das Parcerias Publico-Privadas em Portugal (2013), PPP, Prof. Do...
Fiscalização das Parcerias Publico-Privadas em Portugal (2013), PPP, Prof. Do...A. Rui Teixeira Santos
 
PARCERIA PÚBLICO PRIVADA-PPP
PARCERIA PÚBLICO PRIVADA-PPPPARCERIA PÚBLICO PRIVADA-PPP
PARCERIA PÚBLICO PRIVADA-PPPMichelle Silveira
 
PARCERIA PÚBLICO PRIVADA-PPP
PARCERIA PÚBLICO PRIVADA-PPPPARCERIA PÚBLICO PRIVADA-PPP
PARCERIA PÚBLICO PRIVADA-PPPMichelle Silveira
 
Concessões e PPP´s em Santa Catarina
Concessões e PPP´s em Santa CatarinaConcessões e PPP´s em Santa Catarina
Concessões e PPP´s em Santa CatarinaFernando Uva Rossa
 
Parceria público privada
Parceria público privadaParceria público privada
Parceria público privadaRaquel Erika
 
OPINIÃO : Artigo 19 um olhar sobre os programas de apoio ao desenvolvimento
OPINIÃO : Artigo 19   um olhar sobre os programas de apoio ao desenvolvimentoOPINIÃO : Artigo 19   um olhar sobre os programas de apoio ao desenvolvimento
OPINIÃO : Artigo 19 um olhar sobre os programas de apoio ao desenvolvimentoNovas da Guiné Bissau
 
Palestra congresso brasil norte 17082017
Palestra congresso brasil norte 17082017Palestra congresso brasil norte 17082017
Palestra congresso brasil norte 17082017Álvaro Menezes
 
Concessão de serviço público e parceria público privada no desenvolvimento da...
Concessão de serviço público e parceria público privada no desenvolvimento da...Concessão de serviço público e parceria público privada no desenvolvimento da...
Concessão de serviço público e parceria público privada no desenvolvimento da...Fernando Uva Rossa
 
Revista de Administração Pública - RAP
Revista de Administração Pública - RAPRevista de Administração Pública - RAP
Revista de Administração Pública - RAPHytalo Rafael
 
Securitização-de-créditos-fiscais-tributários-no-Setor-Público-sob-a-for...
Securitização-de-créditos-fiscais-tributários-no-Setor-Público-sob-a-for...Securitização-de-créditos-fiscais-tributários-no-Setor-Público-sob-a-for...
Securitização-de-créditos-fiscais-tributários-no-Setor-Público-sob-a-for...MVSAnjos
 
As parcerias público privadas (ppps) e a
As parcerias público privadas (ppps) e aAs parcerias público privadas (ppps) e a
As parcerias público privadas (ppps) e aWashingtonkenned1
 
Um sistema de dinamitização, music moves across attained to sandro suzart cpf...
Um sistema de dinamitização, music moves across attained to sandro suzart cpf...Um sistema de dinamitização, music moves across attained to sandro suzart cpf...
Um sistema de dinamitização, music moves across attained to sandro suzart cpf...Sandro Suzart
 
CI - 2005 - financiamento da infraestrutura de transporte urbano
CI - 2005 - financiamento da infraestrutura de transporte urbanoCI - 2005 - financiamento da infraestrutura de transporte urbano
CI - 2005 - financiamento da infraestrutura de transporte urbanoDelta Economics & Finance
 
Social de Obras Publicalllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllls.pdf
Social de Obras Publicalllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllls.pdfSocial de Obras Publicalllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllls.pdf
Social de Obras Publicalllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllls.pdfFlorenalJunior1
 

Semelhante a Captura de valor de externalidades em concessões via FIIs (20)

PPP em Portugal, Prof. Doutor Rui Teixeira Santos (ISG, 2013)
PPP em Portugal, Prof. Doutor Rui Teixeira Santos (ISG, 2013)PPP em Portugal, Prof. Doutor Rui Teixeira Santos (ISG, 2013)
PPP em Portugal, Prof. Doutor Rui Teixeira Santos (ISG, 2013)
 
Parcerias Publico Privadas (2013), PPP, Prof. Doutor Rui Teixeira Santos (ISG...
Parcerias Publico Privadas (2013), PPP, Prof. Doutor Rui Teixeira Santos (ISG...Parcerias Publico Privadas (2013), PPP, Prof. Doutor Rui Teixeira Santos (ISG...
Parcerias Publico Privadas (2013), PPP, Prof. Doutor Rui Teixeira Santos (ISG...
 
Fiscalização das Parcerias Publico-Privadas em Portugal (2013), PPP, Prof. Do...
Fiscalização das Parcerias Publico-Privadas em Portugal (2013), PPP, Prof. Do...Fiscalização das Parcerias Publico-Privadas em Portugal (2013), PPP, Prof. Do...
Fiscalização das Parcerias Publico-Privadas em Portugal (2013), PPP, Prof. Do...
 
PARCERIA PÚBLICO PRIVADA-PPP
PARCERIA PÚBLICO PRIVADA-PPPPARCERIA PÚBLICO PRIVADA-PPP
PARCERIA PÚBLICO PRIVADA-PPP
 
PARCERIA PÚBLICO PRIVADA-PPP
PARCERIA PÚBLICO PRIVADA-PPPPARCERIA PÚBLICO PRIVADA-PPP
PARCERIA PÚBLICO PRIVADA-PPP
 
Anuario NTU 2016/2017
Anuario NTU 2016/2017Anuario NTU 2016/2017
Anuario NTU 2016/2017
 
Concessões e PPP´s em Santa Catarina
Concessões e PPP´s em Santa CatarinaConcessões e PPP´s em Santa Catarina
Concessões e PPP´s em Santa Catarina
 
Parceria público privada
Parceria público privadaParceria público privada
Parceria público privada
 
Estrutura conceitual pg1
Estrutura conceitual pg1Estrutura conceitual pg1
Estrutura conceitual pg1
 
Mind the gaps” (ocde)
Mind the gaps” (ocde)Mind the gaps” (ocde)
Mind the gaps” (ocde)
 
OPINIÃO : Artigo 19 um olhar sobre os programas de apoio ao desenvolvimento
OPINIÃO : Artigo 19   um olhar sobre os programas de apoio ao desenvolvimentoOPINIÃO : Artigo 19   um olhar sobre os programas de apoio ao desenvolvimento
OPINIÃO : Artigo 19 um olhar sobre os programas de apoio ao desenvolvimento
 
Palestra congresso brasil norte 17082017
Palestra congresso brasil norte 17082017Palestra congresso brasil norte 17082017
Palestra congresso brasil norte 17082017
 
12.2.10. #2 francisco costa
12.2.10. #2 francisco costa12.2.10. #2 francisco costa
12.2.10. #2 francisco costa
 
Concessão de serviço público e parceria público privada no desenvolvimento da...
Concessão de serviço público e parceria público privada no desenvolvimento da...Concessão de serviço público e parceria público privada no desenvolvimento da...
Concessão de serviço público e parceria público privada no desenvolvimento da...
 
Revista de Administração Pública - RAP
Revista de Administração Pública - RAPRevista de Administração Pública - RAP
Revista de Administração Pública - RAP
 
Securitização-de-créditos-fiscais-tributários-no-Setor-Público-sob-a-for...
Securitização-de-créditos-fiscais-tributários-no-Setor-Público-sob-a-for...Securitização-de-créditos-fiscais-tributários-no-Setor-Público-sob-a-for...
Securitização-de-créditos-fiscais-tributários-no-Setor-Público-sob-a-for...
 
As parcerias público privadas (ppps) e a
As parcerias público privadas (ppps) e aAs parcerias público privadas (ppps) e a
As parcerias público privadas (ppps) e a
 
Um sistema de dinamitização, music moves across attained to sandro suzart cpf...
Um sistema de dinamitização, music moves across attained to sandro suzart cpf...Um sistema de dinamitização, music moves across attained to sandro suzart cpf...
Um sistema de dinamitização, music moves across attained to sandro suzart cpf...
 
CI - 2005 - financiamento da infraestrutura de transporte urbano
CI - 2005 - financiamento da infraestrutura de transporte urbanoCI - 2005 - financiamento da infraestrutura de transporte urbano
CI - 2005 - financiamento da infraestrutura de transporte urbano
 
Social de Obras Publicalllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllls.pdf
Social de Obras Publicalllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllls.pdfSocial de Obras Publicalllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllls.pdf
Social de Obras Publicalllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllls.pdf
 

Captura de valor de externalidades em concessões via FIIs

  • 1. INSIGHTS – PROJETO DE PESQUISA A promoção de Value Capture por meio de operações estruturadas em Fundos de Investimento Imobiliário: possível forma de utilizar as externalidades positivas de intervenções na infraestrutura pública como funding para projetos de concessão Definição das linhas mestras que servirão como fio condutor de paper a ser desenvolvido Isadora Chansky Cohen Novembro/2015
  • 2. Delimitação do tema e breve apresentação da abordagem pretendida: A necessidade de compreender o valor gerado por uma intervenção pública e a viabilidade de captura das externalidades positivas como forma de financiar projetos públicos As concessões comuns e parcerias público-privadas (aqui referidas, quando indistintamente, como concessões ou parcerias) são mecanismos de colaboração1 entre o Poder Público e a iniciativa privada, que interagem por um longo período, por meio de uma relação contratual, com a finalidade de desenvolver um projeto. Tais projetos pressupõem a prestação de serviços públicos2 , nos termos do art. 175 da Constituição Federal, os quais são delegados pelo Estado ao privado, que passa a explorar a atividade, visando o melhor atendimento ao usuário final daquele serviço3 . As parcerias integram componente de impacto na infraestrutura pública. Seja pela disponibilização de uma infraestrutura inexistente (uma obra pública que integre o escopo de tais contratos de parcerias), seja pelas melhorias promovidas pela delegação dos serviços que, muitas vezes, englobam as atividades de operação, manutenção e conservação de uma infraestrutura já disponível. 1 O termo "mecanismo de colaboração", para descrever o envolvimento público-privado promovido pelas parcerias desta natureza, é uma referência retirada de material a ser publicado no site www.parcerias.sp.gov.br. Embora até o momento do depósito deste Projeto de Pesquisa o documento não esteja, ainda, disponível no referido sítio eletrônico, tal material se prestará a compor a Plataforma Digital de Parcerias do Governo do Estado de São Paulo e servirá como um manual para formação e formatação de parcerias no âmbito daquele Estado. 2 Conceituar serviço público é tarefa extremamente árdua e tem gerado debates na doutrina desde as seminais obras de Léon Duguit e Gaston Jèze – não por outra razão que tal noção já passou por três crises ao longo do século XX. A despeito de tal dificuldade conceitual, importante deixar claro, desde logo, o que entendemos por serviço público no trabalho a ser desenvolvido, notadamente sob o prisma da delegação de sua gestão e execução a privados. Assim, entendemos, na linha de Floriano de Azevedo Marques Neto, que o arcabouço normativo das Leis federais nrs. 8.987/95 e 11.074/04 permite afirmar que serviço público para fins de concessão a privados é “uma atividade prestacional (serviço) (i) sobre a qual o Poder Público tem um dever de oferta; (ii) a que possa ser objeto de uma relação econômica explorável pelo privado e (iii) cuja exploração econômica possa ser valorada em unidades individuais de fruição, o que obriga a que tal prestação seja divisível e quantificável” (Concessões, Belo Horizonte: Fórum, 2015, p. 178). 3 Para a melhor compreensão a respeito do regime característico das concessões (tanto das concessões comuns, quanto das concessões patrocinadas e administrativas), recomenda-se a leitura MONTEIRO, Vera. Concessão, São Paulo: Malheiros, 2010.
  • 3. Mas o efeito promovido por tais intervenções não fica adstrito tão somente à infraestrutura que figura como escopo da concessão. Para muito além dos serviços e obras abrangidos nos contratos que lastreiam essas relações público-privadas, as parcerias são ferramentas de desenvolvimento e acabam por promover impactos (e, se bem executadas, melhorias) significativos no raio de entorno que abraça aquela intervenção. Se tomarmos como exemplo uma concessão que tenha por objeto a implantação de uma linha de metrô e a exploração dos serviços associados, podemos ilustrar, de modo prático, o que abstratamente se pontuou acima. Embora o contrato de concessão firmado entre o Governo e a Concessionária tivesse por finalidade o perfeito atendimento aos passageiros, a prestação do serviço público adequado e a construção de uma nova infraestrutura não são os únicos benefícios promovidos pela concessão. É claro que os beneficiários diretos da intervenção promovida são os usuários daquela linha metroviária, que poderão transitar de uma estação a outra de forma segura, confortável, célere e moderna. Mas a implantação de uma linha de metrô, promove outros tantos benefícios. É o caso da potencial diminuição do trânsito e da saturação do viário, da redução da emissão de gases poluentes, da viabilização da criação de novos negócios e da movimentação da economia, reconfiguração urbana, além da valorização imobiliária promovida no entorno da intervenção4 . São as externalidades positivas, melhorias secundárias (mas não menos importantes) que decorrem da propagação dos efeitos de uma ação voltada para um foco específico. As externalidades positivas, se reconhecidas, acessadas e bem exploradas, podem se revelar como fontes geradoras de importantes recursos. Mas a compreensão do valor gerado e as formas de viabilizar a captura de tal valor ainda é um tema pouco explorado pela Administração Pública no Brasil. Para não cometer injustiças, vale a menção e o destaque para as esferas federativas municipais que, por meio de 4 [Estudos realizados pelo Metrô de São Paulo (publicados nos relatórios de impacto social de 2012/2013/2014); estudos realizados pelo Banco Mundial, acessíveis pelo site [-]; http://www.ipea.gov.br/agencia/images/stories/PDFs/boletim_regional/111125_boletimregional5_cap1 2.pdf (acesso em 08 de novembro de 2015); Impact of Rail Transit on Property Values acessível em http://reconnectingamerica.org/assets/Uploads/bestpractice083.pdf ( 28 de outubro de 2015)]
  • 4. operações urbanas consorciadas e da comercialização de títulos mobiliários específicos (os CEPACs 5 ) vem, cada vez mais, se apropriando de mecanismos sofisticados de captura da valorização. Estes, entretanto, são instrumentos iminentemente municipais, não sendo possível aos Governos Estaduais e Federal se valer dos mesmos mecanismos. Mas seria possível se pensar em outras formas de promover a captura do valor gerado por uma intervenção na infraestrutura pública? Para fins desse trabalho, o que se pretende construir de forma propositiva é um caminho para, não somente viabilizar ao Estado o acesso ao valor do impacto gerado por uma concessão, como também transformar os recursos oriundos da exploração das externalidades como uma das formas de financiar o projeto escopo da concessão. É que os projetos desenvolvidos por meio de concessões (tanto as comuns, quanto as patrocinadas e as administrativas), via de regra, envolvem significativos investimentos. E os vultosos recursos, despendidos pela concessionária para prestar o serviço e disponibilizar a infraestrutura associada, são custeados pelos próprios usuários (por meio do pagamento de tarifas) ou, então - quando os projetos não forem autossustentáveis, ou nos casos em que o usuário final seja o próprio Estado -, pelo Governo (por meio de aporte de recursos públicos ou contraprestações). Especialmente em cenários macroeconômicos recessivos, que resultam para o Estado em restrições orçamentárias e fiscais, faz-se interessante pensar sobre formas alternativas de viabilizar economicamente a realização de investimentos importantes. Isso porque, ainda que os recursos se tornem escassos, a necessidade da população de acesso aos serviços públicos e utilização da infraestrutura pública continuam latentes e ainda mais urgentes em tempos de crise. Nesse contexto, seria possível eventualmente se pensar na contribuição de melhoria como forma apropriada para se promover a captura do valor gerado pela intervenção promovida pela concessão6 . Este tributo, previsto constitucionalmente e regrado pelos 5 Valores mobiliários regrados pela Instrução CVM n 401, de 29.12.2003. 6 [contribuição de melhoria] espécie de tributo cujo fato gerador é a valorização do imóvel do contribuinte decorrente da obra pública, e tem por finalidade a justa distribuição dos encargos públicos, fazendo retornar ao tesouro público o valor despendido com a realização de obras públicas, na medida em que destas decorra valorização dos imóveis. Um dos atributos que diferenciam as taxas
  • 5. artigo 81 e 82 do Código Tributário Nacional, merecerá um espaço dedicado na dissertação a ser desenvolvida. Embora suas minúcias e particularidades devam ser exploradas e apresentadas, é possível antecipar que, da pesquisa preliminarmente empreendida foi possível concluir que, para que a contribuição de melhoria possa ser utilizada pela Administração Pública como forma potencial de financiar um empreendimento desenvolvido por meio de concessão, uma série de restrições deveriam ser afastadas e os obstáculos judicialmente impostos precisariam ser tratados e enfrentados7 . das contribuições de melhoria é o fato de que estas taxas remuneram serviços públicos, ao passo de que as contribuições de melhoria têm como contrapartida a valorização imobiliária em decorrência da realização de obras públicas. (...) Não é a realização de obra pública que gera a obrigação de pagar a Contribuição de Melhoria. Essa obrigação só nasce se da obra pública decorrer valorização [...] se decorrer aumento do valor do imóvel do contribuinte. (Machado, 2007, p. 456). 7 As restrições judicialmente impostas, na prática, impedem o exercício da cobrança de contribuição de melhoria, especialmente se ela for cobrada ex ante, pelo fato de não ser possível calcular, a priori, o impacto e a valorização promovida pela obra que será construída no futuro. CONTRIBUIÇÃO DE MELHORIA - VALORIZAÇÃO IMOBILIÁRIA - CF/67, ART. 18, II, COM A REDAÇÃO DA EC Nº 23/83 - CF/88, ART. 145, III - Sem valorização imobiliária, decorrente de obra pública, não há Contribuição de Melhoria, porque a hipótese de incidência desta é a valorização e a sua base é a diferença entre dois momentos: o anterior e o posterior à obra pública, vale dizer, o quantum da valorização imobiliária. (STF - RE 114.069-1 - São Paulo - 2ª T. - Rel. Min. Carlos Velloso - DJU 30.09.1994) TRIBUTO - CONTRIBUIÇÃO DE MELHORIA - FATO GERADOR - VALORIZAÇÃO DO IMÓVEL - ART. 81/CTN - PRECEDENTES DO STF E STJ - 1. A Contribuição de Melhoria tem como fato gerador a valorização do imóvel que lhe acarreta real benefício, não servindo como base de cálculo, tão-só o custo da obra pública realizada. 2. Recurso Especial conhecido e provido. (STJ - RESP 280248 - SP - 2ª T. - Rel. Min. Francisco Peçanha Martins - DJU 28.10.2002). CONTRIBUIÇÃO DE MELHORIA - Loteamento urbano. Pavimentação asfáltica e colocação de guias e sarjetas. Incidência da contribuição de melhoria na hipótese de valorização do imóvel. Lançamento que desconsidera este critério e não fixa alíquota percentual correspondente à valorização. Base de cálculo exclusivamente fixada no rateio do custo da obra em proporção à metragem linear da respectiva testada dos imóveis beneficiados. Inadmissibilidade. Violação do Código Tributário Nacional, arts. 81 e 82. Lançamento ajuizado de ofício. Re-exame necessário não provido. (1º TACSP - AP 0913031-8 - (42772) - São João da Boa Vista - 2ª C.Fér. - Rel. Juiz Amado de Faria - J. 03.04.2002) TRIBUTÁRIO - CONTRIBUIÇÃO DE MELHORIA - SISTEMA DE DUPLO LIMITE - VALORIZAÇÃO REAL DO IMÓVEL - ÔNUS DA PROVA - 1. (...). 2. (....). 2.1.(...) 2.2. Presume-se que a obra pública agregou ao imóvel a mais-valia real, conforme a partilha procedida pelo poder tributante. Cabe, pois, ao contribuinte provar que, na realidade, não houve melhoria no sentido de valor, ou houve em menor quantia, ou que houve até mesmo piora no sentido de desvalor. Carregar o ônus da prova ao Poder Público é não só inviabilizar a administração como ir de encontro a princípio básico de Direito Público em geral, e de Direito Tributário em especial. Vigora, no caso da contribuição de melhoria, a mesma presunção que vigora ao IPTU e ao IPVA relativamente ao valor da base de cálculo. O Poder Público, dentro de critérios objetivos estabelecidos em Lei, define qual valor cada imóvel presumivelmente agregou. Se tal não corresponde à valorização real, cabe ao contribuinte demonstrar. 3. Apelação desprovida. (TJRS - APC 70005149901 - 1ª C.Cív. - Rel. Des. Irineu Mariani - J. 18.06.2003).
  • 6. Outra possível forma de promoção da captura do valor gerado pela concessão, e que também será detalhada e exemplificada no trabalho a ser desenvolvido, é a previsão contratual do compartilhamento das receitas complementares ou acessórias8 . Retomemos o exemplo da concessão de metrô para tratarmos concretamente desse mecanismo (somente a título ilustrativo, já que não seria pertinente tecer maiores aprofundamentos dessa alternativa, especialmente no bojo do presente projeto de pesquisa). O contrato da concessão, que regrasse a instalação da nova infraestrutura metroviária e a prestação do serviço pela concessionária, poderia também estabelecer regra que orientasse o compartilhamento das receitas geradas a partir da exploração de atividades comerciais relacionadas ao ativo público concedido. Assim, toda receita não tarifária que fosse gerada pela concessionária poderia ser compartilhada com o poder concedente, respeitados os limites definidos contratualmente. Essa ferramenta contratual de compartilhamento de receitas foi usada nos projetos de concessões metroviárias paulistas9 (o que será detidamente explicado no âmbito da dissertação a ser desenvolvida). O que se verifica, entretanto, é que - além dos questionamentos existentes sobre a perda de atratividade promovida pela inserção de cláusulas de compartilhamento de receitas comerciais geradas por atividades desenvolvidas com o protagonismo da concessionária (sem a atuação do Estado) - o compartilhamento das receitas acessórias estabelecido dessa forma não tem o condão de promover, de antemão, a financiabilidade do projeto de concessão. 8 Assim tratadas pela legislação pertinente, notadamente a Lei 8.987/1995, que em seu artigo 11 estabelece: Art. 11. No atendimento às peculiaridades de cada serviço público, poderá o poder concedente prever, em favor da concessionária, no edital de licitação, a possibilidade de outras fontes provenientes de receitas alternativas, complementares, acessórias ou de projetos associados, com ou sem exclusividade, com vistas a favorecer a modicidade das tarifas, observado o disposto no art. 17 desta Lei. Parágrafo único. As fontes de receita previstas neste artigo serão obrigatoriamente consideradas para a aferição do inicial equilíbrio econômico-financeiro do contrato. 9 No âmbito do Estado de São Paulo, os Contratos das Linhas 6 e 18 do Metrô preveem mecanismos de compartilhamento das receitas acessórias entre o parceiro privado e o Poder Concedente. No âmbito do Contrato da Linha 6 Laranja, a cláusula 17.6 determina que, caso o montante obtido pelo parceiro privado com receitas acessórias supere 8% (oito por cento) da remuneração tarifária, o excedente será compartilhado com o Poder Concedente, que terá direito ao correspondente a 20% (vinte por cento). O Contrato da Linha 18 Bronze possui, na cláusula 17.6, disposição praticamente idêntica, no sentido de que, caso o montante obtido pelo parceiro privado com receitas acessórias supere 5% (cinco por cento) da remuneração tarifária, o excedente será compartilhado com o Poder Concedente, que terá direito ao correspondente a 20% (vinte por cento).
  • 7. Assim como essas alternativas (as mencionadas Operações Urbanas Consorciadas, a taxação por contribuição de melhoria e o regramento contratual de compartilhamento de receitas), há outras tantas formas de se promover a captura das externalidades positivas geradas por um projeto de concessão10 . Para o trabalho a ser desenvolvido interessa, especificamente, compreender se há viabilidade de propor um mecanismo de captura do valor gerado (especialmente da valorização imobiliária e do potencial de geração de novos negócios) por meio de ferramentas próprias do mercado de capitais. De forma mais específica, interessa saber se (i) o Estado poderia estruturar operações se valendo de fundos de investimento imobiliário (FIIs) e (ii) se essa se demonstraria uma forma, não somente juridicamente viável, como também adequada a promover a apropriação de externalidades positivas, oriundas das intervenções realizadas como fruto da concessão, e utilizar os recursos levantados como forma de tornar a própria concessão financeiramente viável. Fundos de Investimento Imobiliário11 Os fundos de investimento imobiliário são regrados pela Lei 8.668, de 25 de junho de 1993. São instrumentos regulados pela Comissão de Valores Mobiliários – CVM, por meio, especialmente, da Instrução CVM nº 472, de 31 de outubro de 2008 (com suas posteriores alterações). De forma geral, é possível dizer que um fundo de investimento imobiliário viabiliza a realização de investimentos por meio da emissão de valores mobiliários com lastro no mercado imobiliário 10 Seria o caso, por exemplo - somente para citar outras possibilidades: de desenvolver estruturas societárias compostas com a participação do Estado e da Concessionária (como é o caso das concessões aeroportuárias federais para os aeroportos de Vira Copos, Guarulhos, Brasília, Confins e Galeão); ou, então, a tentativa de acessar o valor da valorização imobiliária durante os estudos públicos que lastreiam a concessão e exigir que o licitante considere essa componente como premissa para seu plano de negócios e para a formação do preço expresso em sua proposta comercial. 11 É importante referir que, especialmente para este estágio da pesquisa, não há pretensão de se esgotar a literatura existente e sistematizada pela doutrina especializada no tema de fundo de investimento imobiliário. De qualquer modo, vale destacar que os parágrafos a seguir pincelam vasta pesquisa empreendida pela autora, desenvolvida no âmbito de um projeto municipal (da Prefeitura de São Paulo), que não foi concretizado. Os documentos públicos disponíveis estão encartados no Processo Administrativo de n. PA 2014-0.192.947-4.
  • 8. Esse tipo de investimento fomentaria a aliança entre um possível interesse de aplicação no mercado imobiliário às chances de realizar aplicações no mercado de valores mobiliários, que normalmente, propicia maior liquidez aos ativos negociados. Adicionalmente, o modelo de governança definido pela CVM para os FII cria um ambiente de segurança institucional para os investidores deste tipo de veículo12 . Os FII são condomínios, sem personalidade jurídica e são caracterizados pela inviabilidade de o investidor resgatar as cotas por ele detidas (sendo somente possível vendê-las ou amortizá-las). A forma de venda de tais cotas se dá pelo regramento pertinente, estabelecido pelas instruções que norteiam a realização das ofertas públicas de valores mobiliários (seja por meio de ofertas mais amplas, estruturadas com base na Instrução CVM n. 400/03, ou seja por meio de ofertas com esforços restritos, cujo regime é desenhado pela Instrução CVM n. 476/08)13 . A integralização de suas cotas pelos investidores pode ser feita por meio da conferência de bens imóveis, bem como em direitos sobre bens imóveis, atendidas as disposições normativas pertinentes (dentre as quais se destaca a regra (que contempla exceções) da necessidade de realização de laudo de avaliação do imóvel ou do bem a ser conferido14 . É por meio do regulamento, próprio para cada FII constituído, que são definidos, por exemplo, o processo de tomada de decisão em sede de Assembleia de Cotistas, os quóruns de deliberação, o processo de emissão de novas cotas, as despesas do Fundo, formas de liquidação do Fundo e, especialmente, as obrigações e a forma de atuação dos principais atores envolvidos na relação que se constrói por meio desse mecanismo (inclusive com terceiros que possam ser envolvidos para gerir investimentos, realizar análises e desenvolver atividades pertinentes ao perfil de cada fundo). 12 Caderno 6 da CVM, disponível em www.cvm.gov.br (acesso em 30 de outubro de 2015). Ainda: O Fundo de Investimento Imobiliário permite a formação de uma carteira composta de empreendimentos imobiliários ou de ativos ligados a esse setor, os quais, pelo volume de recursos envolvidos, possivelmente não estariam ao alcance de investidores individuais. Através dos FII, os investidores podem investir seus recursos em imóveis destinados à renda, no desenvolvimento de empreendimentos imobiliários, na construção de imóveis, na aquisição de imóveis prontos, no investimento em projetos que viabilizem o acesso à habitação e a serviços, para posterior alienação, locação ou arrendamento, bem como em ativos lastreados em crédito imobiliários, tanto de renda variável como de renda fixa, como por exemplo, ações de companhias do setor imobiliário. 13 (FII. MAIA, Luis et al) 14 (FII. MAIA, Luis et al)
  • 9. Não há exigibilidade legal ou regulamentar para que o FII tenha prazo de duração determinado15 . Essa é, inclusive, uma das características que assegura a este veículo maior flexibilidade de se amoldar às características de cada empreendimento que poderá ser desenvolvido em cada imóvel (ou no conjunto de imóveis compreendidos coletivamente) que compõem o patrimônio do fundo. Essa flexibilidade, embora possa parecer, aprioristicamente, incompatível com a natureza dos negócios jurídicos que podem ser desenvolvidos pelo Estado, pode se revelar, eventualmente, como o ingrediente valioso para conferir sucesso para um procedimento tão inovador como o que se proporá no âmbito da dissertação em comento. E é preciso referir, que, ainda que o fundo de investimento imobiliário se revele como mecanismo flexível, o fato de as operações serem desenvolvidas em um ambiente regulado e que conta com a presença (contundente) de um ator que exerce controle e fiscalização das relações negociais naquele contexto - ou seja, a atuação da própria CVM -, pode servir como fator de aproximação do mercado de capitais aos negócios públicos16 . Outro papel que merece destaque é a figura do administrador, que deve atuar como responsável legal do FII e responder fiduciariamente por todas as atividades empreendidas durante o período de sua atuação. conforme se aprofundará na dissertação, a administração do fundo é uma das tarefas mais importantes que se pode desempenhar no âmbito de um fundo. Como se verifica, dentre as atribuições do administrador estão a representação do FII, a seleção de bens e direitos que o constituem, o gerenciamento dos recursos do FII, a distribuição dos rendimentos devidos aos cotistas, o recebimento de valores, dentre outras (atividades que, ainda que possam ser terceirizadas, são de responsabilidade do administrador). Vale apontar que a integralização a conferência de bens e direitos para integralização das cotas do fundo, não viabiliza ao administrador a prerrogativa de dispor, de forma exclusiva, sobre o utilização de tais bens e direitos. O patrimônio do Fundo será 15 O prazo de vigência do fundo será estabelecido em seu regulamento e - se definido previamente - sua liquidação poderá se dar em momento compatível com o tempo necessário para a amortização dos investimentos realizados e para que os investidores tenham algum retorno financeiro pelo capital disponibilizado 16 Mas a ideia de quebra, ou de neutralização, da dicotomia existente entre os regimes jurídicos de direito público e de direito privado - com a qual este trabalho flerta - será um aspecto constante e aprofundado na dissertação, sendo mais bem explorada em um tópico a seguir.
  • 10. administrado em caráter fiduciário pelo administrador, sendo que os limites da atuação do administrador são desenhados por conta da comunhão de interesses dos próprios cotistas, os quais estarão estampados no próprio Regulamento. O Administrador perseguirá a concretização dos objetivos do fundo, e atuará sempre em seu (do fundo) nome. É claro que o fundo de investimento imobiliário será detalhada e devidamente estudado no cerne da pesquisa a ser desenvolvida, sendo que os conceitos aqui pincelados servem, tão somente, para a breve contextualização dos problemas e das principais perguntas que nortearão a análise aprofundada a respeito do tema enfocado. De qualquer modo, o entendimento, a princípio, é de que a utilização do veículo proposto (FII) pode agregar benefícios significativos (se comparados a outros modelos de fomento à melhoria da infraestrutura pública17 ), e conferir maior impacto às intervenções realizadas pelo Estado (mesmo que em conjunto com a iniciativa privada, por meio de concessão). A hipótese geral do trabalho é de que a estrutura proposta teria o condão de (i) profissionalizar a mobilização e a devida aplicação de recursos; (ii) prover a administração dos riscos, inclusive com a presença de um terceiro, com a "profissionalização" da intermediação das consequência decorrentes de eventual materialização de eventos que acarretem prejuízos; (iii) por meio da captura do valor gerado por uma intervenção, viabilizar o financiamento dos projetos necessários, servindo, por exemplo, como funding para concessões e parcerias desenvolvidas pelo Estado; (iv) possibilitar a criação de ativos com qualidade e liquidez suficientes para, inclusive, servir como garantias para eventuais futuros projetos. Casos brasileiros que poderiam, em alguma medida, guardar relação de precedência com o estudo propositivo que se deseja empreender 17 Uma vez conceituados os principais aspectos que protagonizarão o desenvolvimento do tema proposto, e se a conclusão for pela viabilidade jurídica de a Administração Pública se valer de fundos de investimento imobiliário para realizar a captura das externalidades positivas, a dissertação conduzirá o leitor para a segunda dimensão da análise proposta. Muito mais do que a mera interpretação do sistema legal e normativo (ainda que de forma propositiva), essa segunda parte do texto dissertativo será dedicada a uma análise comparativa a respeito dos principais mecanismos existentes e disponíveis para a administração realizar value capture, com intuito de verificar se vale a pena e se faz sentido utilizar o fundo de investimento imobiliário como veículo apropriado a se atingir a finalidade proposta.
  • 11. Ainda que timidamente, essa é uma iniciativa que já foi estudada e até testada por alguns Estados e municípios brasileiros. Neste panorama, chama-se atenção para o município do Rio de Janeiro, que viabilizou operações estruturadas por meio de fundos imobiliários em, pelo menos, três oportunidades distintas (sendo duas delas relacionadas a intervenções promovidas por meio de concessões): (i) Caixa FII CEDAE; (ii) Caixa FII VLT; e (iii) Caixa FII Porto Maravilha18 . Este último, em especial, fora estruturado de forma bastante similar ao que se pretende propor como caminho possível de ser empreendido por Estados que pretendam utilizar o ferramental oferecido pelos fundos de investimento imobiliário, compreendendo-os como forma apropriada para funding de um projeto de concessão. É claro que, para a análise pretendida no cerne da pesquisa, se traçará um caminho que não conte com os CEPACs, visando a viabilidade de implantação das operações sugeridas por quaisquer esferas administrativas da federação (e não somente os municípios). Outros municípios, como os de São Paulo e Salvador, já estudaram (e até empreenderam, como é o caso do FII Arena, para construção de estádio no bairro de Itaquera, em São Paulo) a possibilidade de realizar operações estruturadas por meio de FIIs. Os projetos tentados (que puderam ser conhecidos por meio de documentos acessíveis à pesquisadora19 ), são os casos do Novo Anhembi e do Projeto Nova Luz (da Prefeitura de São Paulo) e do Projeto da Ponte de Itaparica (da Prefeitura de Salvador)20 . Diversos órgãos da Administração Estadual de São Paulo já empreenderam estudos no sentido de utilizar o mecanismo de FII para consecução de projetos interessantes. É o caso, por exemplo, da Secretaria da Habitação (em conjunto com a Casa Paulista e com a Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano - CDHU), da 18 os documentos públicos de cada um desses FIIs estão disponíveis na página da CVM. Na pesquisa preliminarmente empreendida foram analisados os prospectos de cada oferta, os regulamentos de cada Fundo, as descrições das operações pretendidas, as leis especificas que lastrearam a viabilidade das operações. 19 Como diretora da São Paulo Desenvolvimento e Mobilização de Ativos - SPDA, companhia vinculada à Secretaria de Finanças do Município de São Paulo, durante o ano de 2014, a pesquisadora se engajou nos estudos relacionados à estruturação dos projetos citados 20 Explicar como e porque eu tive acesso a tais documentos: entrevista com vera, participação no projeto sp infra, trabalho na prefeitura de sao paulo, protagonismo na tentativa de repaginar os projetos novo anhembi e nova luz por meio de operações estruturadas
  • 12. Companhia Paulista de Parcerias - CPP, da São Paulo Previdência Complementar - SP PREVCOM , da Empresa Paulista de Planejamento SA - EMPLASA, e da Secretaria de Governo, por meio da ação conjunta da Unidade de Patrimônio Imobiliário e da Subsecretaria de Parcerias e Inovação21 . Estudo de caso em potencial Tal como se referiu anteriormente, a análise se voltará à compreensão do Fundo de Investimento Imobiliário, com participação estatal na composição do quadro de cotistas, como mecanismo apto e apropriado a promover (ao Estado) a captura da potencial valorização imobiliária e a monetização das externalidades ensejadas por uma intervenção que promova a melhoria da infraestrutura pública, de forma a tornar os recursos oriundos desta operação utilizáveis como funding para a própria concessão. Para fins ilustrativos e, até mesmo, para caracterizar de forma mais concreta o que se pretende explorar, tomar-se-á, como exemplo - para servir como fio condutor da análise que se pretende fazer - a intervenção promovida por um projeto que vise a implantação do denominado Hidroanel Metropolitano22 . O projeto do Hidroanel localiza-se na bacia do Alto Tietê, que ocupa uma área de 6.000 km2 , com população estimada de 20 milhões de habitantes. É formado pelos rios Tietê e Pinheiros, pelas represas Billings e Taiaçupeba e pelo canal, a ser construído, de interligação destas represas. Esse percurso atravessa 20 dos 39 Municípios da Região Metropolitana de São Paulo (RMSP): Santana de Parnaíba, Barueri, Carapicuíba, Osasco, São Paulo, Guarulhos, Itaquaquecetuba, Poá, Ferraz de Vasconcelos, Suzano, Mogi das Cruzes, Ribeirão Pires, Rio Grande da Serra, Mauá, Santo André, São Bernardo do Campo, Diadema, São Caetano do Sul, Embu-Guaçu e Itapecerica da Serra. Com 170 km de extensão, o Hidroanel é dividido em seis trechos. O primeiro deles é o trecho já navegável do rio Tietê, de Edgard de Souza à barragem da Penha, com 41 km de extensão. O segundo trecho, também 21 o acesso a estas informações, uma vez que foram obtidas em decorrência da atuação profissional da pesquisadora 22 As referências relacionadas a este projeto foram extraídas do estudo realizado pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, disponível em http://www.metropolefluvial.fau.usp.br/hidroanel.php# (acesso em 10 de novembro de 2015)
  • 13. no rio Tietê, vai da barragem da Penha à foz do Taiaçupeba Açu. O terceiro trecho é o canal do Rio Pinheiros, com 25 km de extensão. O quarto trecho corresponde à represa Billings, um grande lago já navegável e o quinto trecho é a represa Taiaçupeba. Por fim, o sexto trecho corresponde ao canal lateral Billings-Taiaçupeba. Com 17 km de extensão e 30 metros de largura, este canal artificial se localizará nos vales dos rio Taiaçupeba Mirim e ribeirão da Estiva, contribuintes das represas Taiaçupeba e Billings, respectivamente. O Pequeno Anel, proposta integrante do projeto do Hidroanel Metropolitano, constitui o sétimo trecho, formado pelos rios Tamanduateí, Meninos e Couros e o canal lateral Billings-Couros. O reservatório Guarapiranga representa o oitavo trecho e conecta-se ao rio Pinheiros atráves de um curto canal lateral23 . Partir-se-á da premissa hipotética de que o Estado de São Paulo (que, de acordo com os pontos de partida aqui assumidos, teria a competência para figurar como Poder Concedente) desejaria implementar o Hidroanel Metropolitano por meio de uma concessão. Ou seja, o pano de fundo que ampara a dissertação é uma relação contratual, firmada entre o Poder Público - que, no exemplo enquadrado, provavelmente seria representado pelo Departamento Hidroviário do Estado de São Paulo - e a iniciativa privada (concessionária). Um contrato para a delegação, de longo prazo, das atividades de disponibilização da infraestrutura hidroviária e operação dos serviços associados. O prazo desta interação público-privada deveria ser, ao menos, suficiente para que o investimento realizado pela concessionária pudesse ser amortizado (e, em alguma medida, atrativo para conferir a busca de algum retorno pelo capital investido). Por não ser este o foco fundamental do estudo que se pretende empreender, não serão analisados, de forma minuciosa, os pilares da estrutura econômico-financeira, jurídica e técnica que lastreariam tal concessão. De qualquer modo, é possível elucubrar 23 ARCUSCHIN MACHADO, Hannah. Hidroanel Metropolitano de São Paulo. Disponível para acesso (acesso em 11 de novembro de 2015) http://www.metropolefluvial.fau.usp.br/downloads/projetos/GMF_ensino-tfg_machado.pdf
  • 14. algumas características que formarão o desenho que figurará como premissa para o desenvolvimento das conclusões a serem tecidas. De acordo com o estudo de pré-viabilidade realizado pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo - FAU-SP 24 a respeito do projeto, a infraestrutura necessária para concluir o traçado fluvial completo do anel demandaria uma série de investimentos, especialmente direcionados à construção de canais de ligação entre as represas, rios e afluentes existentes, além de retificação e ampliação de canais existentes. Seria ainda necessário construir eclusas, barragens, pontes, postos e demais estruturas e dispositivos demandados para adequar a infraestrutura de modo a permitir a navegabilidade do Hidroanel25 . E se a intenção é tornar o Hidroanel disponível, navegável e despoluído, então uma série de outros investimentos operacionais deveriam ser realizados. É claro que o aprofundamento das características formadoras do projeto não configura o escopo principal do estudo a ser realizado. Mas para se poder analisar a operação estruturada com fundamento na ferramenta de mercado de capitais a ser enfocada, é preciso estabelecer alguns parâmetros para se, enfim, poder demonstrar as sinergias entre a concessão e a valorização do entorno a ser capturada por meio do FII. Somente após se mapear o cenário contextual em que o tema da dissertação se insere, é que se poderá justificar a pertinência do estudo, e que se poderá concluir pela viabilidade de concretização de operação lastreada em FII como ferramenta financeira disponível ao Estado, para servir, inclusive, como funding para conferir sustentabilidade financeira à intervenção que tenha dado causa ao incremento de valor dos ativos que constituem o próprio FII. 24 Estudo e cronograma de implantação disponíveis em http://www.metropolefluvial.fau.usp.br/ img/cronologia/phpslideshow.php?directory=.&auto=1&currentPic=42 (acesso em 10 de novembro de 2015) 25 DELIJAICOV, Alexandre. Os Rios e o Desenho da Cidade. Proposta de Projeto Para A Orla Fluvial Da Grande São Paulo Dissertação de Mestrado do Curso de Pós-Graduação em Estruturas Ambientais Urbanas da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, sob a orientação do Prof. Dr. Arnaldo Martino. São Paulo – 1998; e Estudo de pré-viabilidade realizado pelo Departamento Hidroviário do Estado de São Paulo, disponível em http://www.mi.gov.br/c/document_library/get_file?uuid=86f12f7a-b9c6-4d81-a4fa- be0ce2828086&groupId=63635 (acesso em 12 de novembro de 2015)
  • 15. Retomando, então, o panorama traçado acima. Dos estudos publicamente disponibilizados para acesso da sociedade e das notícias veiculadas a respeito do projeto que visaria à implantação do Hidroanel, é possível inferir que não se trata de uma intervenção simples. Serão necessários vultosos investimentos (na casa dos bilhões) relacionados à disponibilização da infraestrutura e aos serviços que deverão ser prestados. Considerando o que já se salientou anteriormente, para que a relação de concessão seja viável, é preciso que a concessionária enxergue no projeto o potencial de recuperar os recursos investidos e de remunerar o retorno esperado (que contempla um prêmio pelo risco assumido e o rendimento pelo custo de oportunidade). Para um projeto autossustentável - ou, aquele que se viabiliza por meio de uma concessão comum -, as receitas auferidas pela concessionária são obtidas por meio dos pagamentos realizados pelos usuários daquela infraestrutura disponibilizada. Seria dizer que, para o caso concreto, a concessionária seria remunerada pelas tarifas, frete e tonelagem pagas pelas embarcações que trafegassem pelo anel hidroviário. Em se tratando de um investimento muito significativo, é possível que seja inviável, ou muito arriscado, confiar que a demanda de usuários seja suficiente para fazer frente e possa arcar com todas as receitas necessárias para tornar o projeto financeiramente sustentável. Neste caso, então, o Poder Concedente poderia estruturar uma concessão patrocinada, ficando responsável pela realização de parte dos pagamentos que fossem necessários para conferir a financiabilidade do projeto. Este é o pressuposto para fins de desenvolvimento do trabalho: para que a concessão do projeto do Hidroanel Metropolitano de São Paulo fosse viável, dada o elevado montante de investimentos, seria necessário contar com recursos públicos para compor a equação de recebíveis da concessionária. Ou pelo fato de a previsão da demanda ter revelado uma insuficiente geração de receitas provenientes do pagamento de tarifas e fretes, ou por eventual decisão política de conferir barateamento dos valores a serem pagos pelos usuários. Por se tratar de uma concessão patrocinada, então, as receitas oriundas de fonte pública poderiam ter natureza de aporte de recursos públicos ou contraprestação
  • 16. pecuniária, ambas regradas pelo artigo 6 e demais pertinentes da Lei Federal n. 11.079/04. Por força da Lei Federal de Parcerias Público-Privadas e da Lei de Responsabilidade Fiscal, para contratar uma concessão patrocinada, o Estado deve assumir uma série de responsabilidades orçamentárias e fiscais, além de disponibilizar estrutura de garantias que sinalize à concessionária sobre a segurança do recebimento dos pagamentos públicos a que esta fará jus. Em outros termos, esse tipo de contrato demanda do Estado um planejamento para adimplir com o compromisso de longo prazo assumido e a efetiva geração e destaque orçamentário necessário para, a cada período, se comprometer e, de fato, disponibilizar os recursos reservados para a concessionária. Para compor o cenário hipotético para desenvolvimento da ideia que se pretende propor na dissertação, será necessário pensar em um Estado que busque formas alternativas de financiar os investimentos em infraestrutura. Supor, eventualmente, que por força de um contexto fiscal e orçamentário restritivo, seja inviável assumir que os pagamentos serão provenientes de financiamentos tradicionais (Fonte 7) contratados pelo Estado ou de recursos orçamentários já disponíveis. Nesse caso, então, o Estado poderia se valer de eventuais recursos imobiliários dos quais dispusesse para viabilizar a equação econômica da concessão. De acordo com a Lei de PPPs, é possível que a contraprestação pública tenha natureza não pecuniária, sendo que a transferência de imóveis públicos (observadas as restrições legais para sua concretização) configuraria uma eventual solução interessante para tornar a concessão viável. Mas é preciso reconhecer que um ativo imobilizado nem sempre proverá (ao menos não de imediato e não sem alguma dificuldade) a liquidez suficiente para que a concessionária possa, com tais recursos, dispor de caixa para realizar os investimentos necessários. Para tanto, teria que alienar o ativo ou explorá-lo comercialmente, com fins de gerar receitas alternativas que pudessem amortizar os investimentos realizados na infraestrutura do Hidroanel.
  • 17. Para fazer com que um terreno se torne, de fato, um negócio gerador de receitas, é preciso uma atuação ativa e uma expertise voltada ao desenvolvimento de atividades de incorporação e/ou outras relacionadas ao mercado de real estate. A sociedade de propósito específico que figura como concessionária - como não poderia deixar de ser - acaba focando sua atuação na prestação dos serviços públicos delegados, não sendo trivial a diversificação do seu perfil, de modo a contemplar em seu objetivo social a consecução de empreendimentos imobiliários26 . Claro que não se está dizendo que seria impossível que a concessionária atuasse nas duas frentes de atividades, tanto as necessárias para a realização dos serviços públicos concedido, quanto aquelas que fossem pertinentes ao desenvolvimento comercial de um terreno. Só que as complexidades e particularidades de cada uma dessas vertentes tornam dificultosa a tarefa de realizar projetos bem sucedidos em ambas as frentes27 . Não somente isso. Para explorar receitas alternativas (ou acessórias, nos termos do art. 11 da Lei de Concessões), a concessionária precisa investir e despender 26 Essa análise é resultado da observação das concessões celebradas nas últimas décadas, que demonstram que o perfil das sociedades que figuram como concessionárias é muito mais voltado para o mercado de empreitadas. De forma geral, as concessionárias (que celebraram contratos de concessões com os mais diversos entes federativos brasileiros) são empresas que tem como berço as construtoras tradicionais, historicamente contratadas pela Administração Pública em regimes regrados pela Lei 8.666/93. Tais construtoras, de alguma forma, adaptaram e vem adaptando seu perfil de modo a agregar ao seu escopo social as atividades operacionais inerentes aos contratos de concessão. Até os tempos de hoje, o Estado também não induziu a mudança de perfil dessas concessionárias. As concessões que - conforme a legislação pertinente - deveriam ter um componente preponderante de atividades operacionais, ainda são tidas por muitos governantes (e enxergadas pela iniciativa privada) como contratos de obra. Não por outro motivo, as exigências editalícias continuam muito voltadas às atestações que comprovem condições de engenharia dos proponentes, e uma composição de obrigações que acaba por incentivar que as sociedades concessionárias tenham empresas construtoras como nucleares ou líderes da estrutura societária formada. Aos poucos, entretanto, essa lógica vem se invertendo. Algumas iniciativas já vem sendo construídas no sentido de fazer com que sejam atraídas para o certame licitatório as empresas com perfis mais gerenciais ou instituições financeiras (e até mesmo fundos) que possam subcontratar a obra. Tudo isso para dizer que, ainda que complexo, não é impossível desenvolver, no âmbito de uma única concessão, as atividades voltadas à prestação do serviço público concedido e, também, as atividades necessárias ao desenvolvimento do empreendimento imobiliário. Entretanto, para que ambas as frentes de atividades sejam bem sucedidas, parece possível afirmar que os incentivos para tanto deverão ser construídos e fomentados pela Estado. 27 Tanto é assim que, em mais de 20 anos de concessões rodoviárias (tanto em âmbito federal, quanto no âmbito dos Estados que adotaram o regime de concessões para operar suas rodovias), ou mesmo nas concessões de metrô e nas outorgas de transporte coletivo, as atividades comerciais que possam ser desenvolvidas com fins à geração de receitas acessórias são pouco estimuladas. É claro que existe contratos de concessão cujo escopo favorece a exploração de atividades geradoras de receitas não tarifárias ou alternativas. É o caso, por exemplo, das concessões aeroportuárias, em que o ativo a ser explorado mais se assemelharia ao um empreendimento imobiliário e as receitas acessórias podem ser tão ou mais significativas do que aquelas oriundas da prestação dos serviços públicos.
  • 18. recursos28 . Nem sempre essas despesas estão previstas na equação financeira que lastreia, do lado público, a modelagem da concessão. Tampouco as receitas que possam ser comercialmente exploradas são, de antemão, percebidas pelo Estado. Muitas vezes essa omissão do Poder Público em prever atividades alternativas é um efeito da percepção de que tal previsão poderia limitar a criatividade do privado em realizar - da melhor forma possível, e de acordo com a lógica de mercado - as atividades que entender como mais pertinentes para a maximização daquele ativo público ou de seu entorno. Mas em não sendo uma exigência - seja por não terem sido contempladas no estudo de viabilidade realizado pelo Estado, que se torna público durante o certame e é utilizado como referência para os licitantes, ou seja pelo fato de a Administração Pública não promover os incentivos corretos para a composição da concessionária com a diversificação de perfil necessária à exploração de todas as frentes de atividades - o privado, de outro lado, compreende que a exploração das atividades geradoras de receitas acessórias deva correr por sua conta e risco. Para a Administração Pública há diminuição das chances de utilizar parte das receitas acessórias geradas para fins de conferir modicidade às tarifas cobradas dos usuários. E assim como há dificuldades privadas em promover a diversificação do perfil para devidamente explorar o serviço público e, da mesma forma, não descuidar das atividades necessárias à exploração de outras receitas comerciais associadas, para o Estado uma configuração mais versátil da concessionária também enseja alguns desafios. Para o Estado - que é internamente segmentado - a diversificação do perfil e das atividades da concessionária refletiriam em complexidades para a fiscalização. Com certeza seria difícil que o mesmo órgão público contemplasse técnicos especializados para avaliar o serviço público prestado e outros técnicos que devidamente acessassem as atividades comerciais prestadas pela mesma concessionária, e pudessem exercer a 28 Isso sem mencionar os impactos que a diversificação de perfil acarretam para a relação que a concessionária estabelecerá com seus financiadores. Para uma contratação de project finance, por exemplo, a exigência de constituição de uma sociedade de propósito específico, se presta, justamente, à função de segregação dos riscos, de forma que outras atividades não "contaminem" a exploração do negócio principal (que, no caso da concessão, é a própria prestação do serviço público). Mas esse ponto será devidamente explorado na dissertação que se pretende produzir.
  • 19. fiscalização dessas atividades para fins de promoção da modicidade das tarifas cobradas aos usuários 29 . Refletindo um pouco sobre qual seria uma maneira interessante de conferir um melhor uso para os imóveis públicos (especialmente aqueles que fossem valorizados pela intervenção promovida por uma concessão), e pensando sobre os custos e dificuldades de contemplar os dois objetivos na mesma concessão, foi que o tema dessa dissertação despontou como interessante. Como, então, maximizar os ativos públicos e, ao mesmo passo, ensejar uma exploração das externalidades positivas - geradas por uma concessão - que possa, de alguma forma, se traduzir em recursos que sejam revertidos à modicidade tarifária30 daquela concessão que promoveu a valorização do entorno? Para o caso específico a ser analisado, seria dizer: como fazer com que os imóveis públicos (e os direitos a eles relacionados) se reverteriam em valores fruíveis que pudessem ser disponibilizados à concessionária, na forma de aporte de recursos ou contraprestações pecuniárias - que no fim, nada mais são do que recursos aptos à promoção de preços mais baixos a serem pagos pelos usuários, sem que haja o comprometimento da financiabilidade do projeto. No contexto de ebulição dessas inquietudes é que se insere o estudo a respeito dos fundos de investimento imobiliário como (um dos) veículos propícios à solução de alguns dos desafios aqui descritos. Retomando o caso do Hidroanel - para tornar a discussão mais concreta: sabendo que muitos dos terrenos públicos, instalados às margens (ou num raio de proximidade razoável) do futuro anel hidroviário - serão valorizados pela implantação da 29 Vale deixar claro que não se defende, neste trabalho, uma presença muito contundente do Estado nos negócios privados que possam ser desenvolvidos, seja por meio de uma fiscalização muito restritiva ou de uma regra de compartilhamento destas receitas com o Estado. Pelo contrário. O que se está propondo, é uma reflexão acerca da viabilidade de tornar essas atividades comerciais mais atrativas e representativas, de forma a fazer com que gerem impactos significativos para o entorno e que beneficiem a própria concessão. A proposta é de que a concessionária se beneficie dessas receitas (que, no final das contas, serão fundamentais para a viabilidade financeira do próprio projeto) e o Estado maximize seus ativos, impactando de forma mais significativa à área beneficiada pela concessão. 30 A complementação da remuneração da concessionária, que o Estado realiza por meio de pagamentos públicos (seja na forma de aporte de recursos, ou na forma de contraprestação), já é, por si só, um mecanismo de conferir melhores preços às tarifas cobradas dos usuários.
  • 20. infraestrutura pela concessionária, poderia o Estado integralizar cotas de um FII por meio da conferência de tais bens? O aporte de tais terrenos em um FII - que é uma comunhão de esforços e recursos - faria com que o Estado tivesse o co-domínio dos ativos, já que sua posição de cotista, a princípio, o colocaria em paridade de condições com os demais sócios daquele fundo (no limite das cotas detidas, claro). Não somente isso. Faria, também, com que os ativos públicos que integrassem o patrimônio do FII fossem administrados fiduciariamente por um terceiro. Isso seria viável do ponto de vista jurídico? Se sim, como estruturar o caminho para transpor cada um dos desafios impostos pelo regime jurídico que impõe tantas restrições aos bens públicos? E a análise não se presta tão somente a definir o encadeamento das etapas que seriam necessárias para construção do arranjo que viabilizaria ao Estado a utilização de FII. Essa é somente uma etapa preliminar (mas não menos complexa), que antecede o exame a respeito da forma de fazer com que esse instrumento viabilize economicamente a concessão. No caso da concessão do Hidroanel, o Estado poderia, por meio de fundos imobiliários, desenvolver e explorar comercialmente os ativos públicos do entorno. Com orientação de uma administração e gestão profissionais vocacionadas ao mercado imobiliário, seria possível maximizar os imóveis de maneira adequada a absorver a demanda por novos serviços que poderiam ser oferecidos nas margens do anel hidroviário. E o FII poderia, até mesmo, ser um veículo que proporcionasse a realização de obras para instalação de outros equipamentos públicos que, de forma sinérgica com os empreendimentos imobiliários, pudessem compor a paisagem urbana ao redor do Hidroanel. Com o desenvolvimento imobiliário dos terrenos e a partir do momento em que as instalações comerciais passassem a gerar receitas, o upside seria aproveitado pelo Estado e poderia ser revertido para financiar a concessão do Hidroanel. E aqui é interessante referir que, o upside refletirá a valorização imobiliária promovida pela concessão.
  • 21. Das grandes dificuldades (que inclusive servem como óbices à criação de contribuições de melhorias) despontam, justamente, o desafio de quantificação da valorização ensejada pela intervenção pública e percepção de que o valor da mais valia gerada somente é aproveitado no momento da alienação do ativo impactado. O upside dos projetos desenvolvidos no âmbito dos FIIs poderiam ser uma solução a essas dificuldades. Isso porque, a valorização do ativo seria refletida, por exemplo, nos preços de aluguéis, condomínios, estacionamentos e etc, cujos valores sofreriam um incremento em decorrência da melhoria da paisagem urbana do entorno. Esse incremento seria capturado pelo Estado, quando da distribuição dos rendimentos dos fundos aos cotistas. Mas esse tópico será aprofundado na dissertação. E se a necessidade de recursos para viabilizar a concessão for imediata, uma eventual saída seria, por exemplo, alienar parte das cotas detidas pelo Estado, o que seria feito por meio de ofertas públicas regradas no âmbito da Comissão de Valores Mobiliários - CVM. Em se tratando de negócios envolvendo bens públicos e atores públicos, as soluções vislumbradas podem adquirir contornos muito mais complexos. E a missão de enfrentar os desafios postos é, justamente, a motivação desse trabalho. É claro que, por se tratar de uma jornada acadêmica, será possível se chegar à conclusão, inclusive, de que, apesar de todo o esforço de tentar solucionar os problemas descritos, o FII não se revela como ferramenta apta e adequada para promover a captura do valor gerado pela intervenção e para servir como instrumento propiciador da financiabilidade da própria concessão. Apresentação do problema por meio do estabelecimento de quesitos que deverão nortear o desenvolvimento do trabalho de pesquisa: Viabilidade Jurídica de Estruturação de Operação: 1. O regime jurídico de direito público impõe ao Estado uma série de limitações, especialmente no que diz respeito à atuação empresária/comercial/econômica desempenhada pelo Poder Público. Diante das particularidades de tal regime
  • 22. jurídico, poderia o Estado se valer de operações estruturadas de mercado de capitais para desenvolver projetos públicos prioritários? Ou, pelo contrário, tais operações são pensadas e modeladas para a dinâmica das relações privadas, não alcançando, de forma apropriada, os agentes públicos? 2. Como se dá o processo de escolha, pelo Estado, do fundo de investimento imobiliário a servir como veículo de realização das operações pretendidas? É necessário realizar licitação para escolher, por exemplo, os administradores e/ou gestores do fundo? Se sim, qual seria o critério de julgamento a ser estabelecido para garantir à administração pública o resultado mais vantajoso no processo de seleção de tal fundo? 3. As atividades desempenhadas no âmbito do fundo já constituído, que tenha como cotista o Estado, devem ser regradas pelo regime jurídico de direito público? Neste sentido, seria necessário observar o dever de licitar da administração pública para se processar todas as contratações, bem como as demais atividades pertinentes aos investimentos, a serem realizadas pelo administrador/gestor (que fiduciariamente atuariam em nome do fundo)? O fato de o Fundo de Investimento Imobiliário não deter personalidade jurídica específica impacta na definição do regime jurídico que regra suas atividades? 4. O Estado poderia integralizar imóveis para constituir o patrimônio do Fundo, tornando-se cotista? Para tanto, deveria observar as limitações impostas pelo regime jurídico de direito público, especialmente o quanto estabelecido no artigo 17 da Lei Federal n. 8.666/1993? Neste sentido, seria necessário que a conferência de imóveis fosse precedida de ato legislativo autorizativo ou licitação? Em se tratando das restrições legais que limitam a atuação empresária do Estado, faria diferença conferir o direito de propriedade sobre os ativos imobiliários ou conferir outros direitos reais com caráter “menos definitivos” sobre os ativos (tal como o direito de superfície ou uso por tempo determinado)? Faria diferença se o pretenso cotista fosse órgão da administração pública direta ou se fosse entidade da administração pública indireta? 5. O Estado poderia integralizar o direito de desapropriar (se considerado “direito relativo a imóveis”, nos termos do art. 11 da ICVM 472/2008) para tornar-se cotista de um fundo imobiliário? Se sim, quais seriam as limitações impostas pelo regramento jurídico pertinente?
  • 23. 6. O artigo 4º, da Lei Federal n. 3.365/1941, estabelece o instituto da “desapropriação por valorização extraordinária”. Poderia (e como deveria) o Estado se valer de tal prerrogativa para integralizar cotas mediante a conferência do direito de futura desapropriação/futuros imóveis desapropriados para ensejar a captura ex ante do montante de recursos (representado pela participação, em cotas, a ser adquirida pelo Estado) equivalente à valorização que deverá advir da implantação da infraestrutura (escopo do projeto de concessão)? Se esse arranjo for possível, a antecipação do montante de recursos consistiria em uma operação de crédito, sujeita às limitações impostas pela legislação pertinente, especialmente à Lei de Responsabilidade Fiscal? 7. Considerando a viabilidade jurídica de todos os aspectos apresentados acima, a venda, em bolsa de valores, das cotas do Fundo de Investimento Imobiliário detidas pelo Estado poderia ser realizada sem licitação? 8. Diante da necessidade de se estabelecer um valor para os ativos e/ou direitos relacionados a tais ativos que poderão ser conferidos, para fins de integralização das cotas de um fundo de investimento imobiliário pelo Estado, como definir a metodologia de precificação de tais ativos e/ou direitos (considerando a expectativa de valorização do entorno)? O ordenamento jurídico estabelece parâmetros objetivos para balizar tal forma de valuation? 9. As receitas provenientes da operação de mercado de capitais de que participa o Estado devem ser vinculadas a alguma atividade ou projeto estatal específicos? Ou devem ser consideradas como receitas orçamentárias de livre dotação? Análise propositiva sobre o sentido de implantação da operação estudada: 10. O modelo de value capture realizado por meio de uma estrutura de Fundo de Investimento Imobiliário se revela mais interessante do que outros mecanismos tentados, pelo Estado, para esta finalidade?31 31 Neste sentido, poderia se empreender uma comparação de modelos entre a operação estruturada por meio de um Fundo de Investimento Imobiliário, em contraposição aos mecanismos modelados no âmbito, por exemplo, das concessões federais de aeroportos (o que, por convenção, chamarei de “modelo societário”, modelo de constituição de uma SPE com participação Estatal relevante), assim como em contraposição ao modelo estabelecido nas concessões metroviárias do Estado de São Paulo (“modelo contratual” de compartilhamento de receitas acessórias, com base no estabelecimento de um
  • 24. 11. Se a operação de mercado de capitais fosse viabilizada como condição para a estruturação econômico-financeira de uma concessão ou de uma PPP, o desenvolvimento paralelo das duas iniciativas poderia gerar riscos significativos de interface. Quais seriam as formas de mitigação, especialmente, dos riscos de (i) eventualmente a operação lastreada no FII não reverter os resultados esperados? (ii) o Estado eventualmente desrespeitar a destinação (para financiar a concessão) dos recursos originados no âmbito da operação de mercado de capitais? Levantamento de hipóteses para os questionamentos apresentados: 1. Embora o regime jurídico de direito público imponha ao Estado uma série de limitações, parece possível afirmar que a estruturação de operações fundamentadas na utilização da ferramenta de fundo de investimento imobiliário, como instrumento apto para permitir ao Estado o desenvolvimento de projetos públicos, não resta obstada. Isso, inclusive, poderia ser comprovado pelas diversas iniciativas que – ainda que timidamente – demonstram a compreensão, pelo Estado, da vantagem de se valer da estrutura de tal fundo para execução de projetos públicos. Neste sentido, é possível citar, como exemplos, alguns projetos que estão sendo viabilizados por meio de tal ferramenta de mercado de capitais, como é o caso do “Projeto Porto Maravilha”, do “Projeto CEDAE” e do “Projeto Veículo Leve sobre Trilhos - VLT”, sendo que todos os projetos têm em comum (i) o player público: a administração pública municipal do Rio de Janeiro (direta ou indireta), que figura como cotista dos Fundos; e (ii) a presença da Caixa Econômica Federal como o agente financeiro que figura como administrador de todos os Fundos de Investimento Imobiliário constituídos no âmbito de tais projetos. 2. Provavelmente, considerando o regime jurídico aplicável à dinâmica das relações públicas, seria necessário se proceder a alguma espécie de processo competitivo para a seleção do administrador do Fundo de Investimento percentual pré-fixado no contrato de concessão que estabeleceria a parcela do valor a ser destinada ao Poder Concedente, calculada com base na efetiva exploração de receitas alternativas).
  • 25. Imobiliário pelo Estado. Se se reconhecesse a necessidade inafastável de se proceder a um certame licitatório para seleção do veículo/agentes protagonistas da operação estatal pretendida, possivelmente se concluiria pelo estabelecimento de um critério de julgamento fundamentado ou (i) no oferecimento da menor taxa de administração a ser cobrada do Estado; ou, (ii) no maior patrimônio gerido. Quem sabe, até mesmo, na combinação dos critérios referidos. Mas eventualmente, a garantia de maior vantagem para o Poder Público poderia se dar por meio de uma combinação de fatores não mensuráveis ou acessíveis por meio de um procedimento licitatório regrado pela Lei n. 8.666/1993, o que poderia ensejar a busca por outras possíveis formas, não tradicionais (ao menos não corriqueiras das relações do Estado), de seleção dos agentes pelo Estado. 3. Embora a princípio se possa prever que a seleção do Fundo de Investimento Imobiliário deva se dar por meio de competição, parece fazer sentido supor que as atividades desempenhadas no cerne do fundo já constituído – mesmo quando o Estado seja cotista – devam ser guiadas pelo regime jurídico de direito privado, de forma a conferir a celeridade necessária para acompanhar a dinâmica negocial pertinente às relações travadas no âmbito do mercado de capitais. Não me parece fazer sentido que o administrador do fundo de investimento imobiliário proceda à licitação para realizar as contratações e investimentos, nem mesmo nos casos em que o Estado seja detentor da maioria ou até da integralidade das cotas de tal fundo (o que poderia se configurar como uma estrutura viável para engatilhar o início das operações desenvolvidas no âmbito do Fundo). Essa conclusão apriorística se faz possível, inclusive, em razão de uma leitura rasa – cuja análise ainda é passível de maior aprofundamento – do que dispõe o artigo 17 da Lei n. 8.666/1993, em seu inciso II. Em face da dispensabilidade de licitação para venda de títulos pela administração pública, na forma da legislação pertinente, e, partindo do pressuposto de que as cotas poderiam ser consideradas, para todos os fins de direito, como títulos a que se refere o mencionado normativo, eventualmente se poderia sustentar a impertinência da licitação como regra a ser observada na condução das atividades realizadas pelo administrador do fundo.
  • 26. 4. A grande contribuição que se pretende alcançar por meio da concepção de uma operação pelo Estado viabilizada com fundo de investimento imobiliário se fundamenta na expectativa de maximização de ativos imobilizados que integram (ou poderiam futuramente integrar) o patrimônio público e que geralmente são sub ou não explorados. Idealmente, e para fins da pesquisa, a maximização dos ativos serviria, em última análise, para transformar imóveis/terrenos/direitos em liquidez (o que seria fruto da oferta das cotas detidas pelo Estado) disponível para fazer frente aos investimentos necessários à concretização da concessão (seja por meio de levantamento dos recursos necessários a servir como contrapartidas públicas, seja por meio da compreensão, pelo privado concessionário, da valorização das áreas como potencial de geração de receitas representativas que poderiam servir como lastro para a financiabilidade da concessão). 5. Uma das questões fundamentais que deve ser enfrentada, e que constitui ponto chave para delineamento do racional que ampara o desenvolvimento dos pontos centrais da dissertação, diz respeito à possibilidade de a Administração Pública conferir bens imóveis para fins de integralização de cotas de fundo de investimento imobiliário. Consistiria, tal operação, uma alienação de ativos pelo Estado? Ainda que pareça inquestionável a necessidade de observar limites com a finalidade de prevenir a ocorrência de ação oportunista e irresponsável pelo Estado e, embora as salvaguardas estabelecidas pelo artigo 17 da Lei n. 8.666/1993 se revelem como mecanismos apropriados para promover – com base no sistema de poderes de pesos e contrapesos – a atuação diligente e não lesiva dos governantes, o próprio normativo estabelece um rol (taxativo?) de hipóteses de não aplicabilidade das limitações à transferência (compreendida de forma lata) de bens pela administração pública. A configuração da operação de integralização de cotas por meio da conferência de bens poderia ser equiparável a algumas das situações descritas no mencionado rol de hipóteses, de forma a afastar a exigência de ato normativo específico e dever de licitação para perfazimento legal da venda. Claro que, para sustentar a viabilidade de tal afastamento, é preciso analisar a situação concreta, o que deve considerar, pelo menos (i) a finalidade da operação; (ii) a entidade governamental empreendedora da operação (se
  • 27. integrante da administração pública direta ou indireta); e (iii) o direito real a ser conferido. 6. Sendo a desapropriação um instrumento de aquisição originária da propriedade, a classificação de tal prerrogativa como um direito relativo a imóveis, o que, nos termos do art. 11 da ICVM 472/2008, o tornaria passível de ser considerado como um “valor”, cuja conferência poderia servir como lastro para a integralização de cotas de um fundo imobiliário pelo Estado. É claro que seria preciso enfrentar as questões relacionadas às possíveis limitações incidentes sobre a eventual operação que se fizesse por meio da “alienação” do direito em apreço, justamente em decorrência do regramento estabelecido pela Lei de Licitações (conforme apontado acima). Mas o instituto das desapropriações, por si só (e independente de estar inserido em uma operação complexa mais sofisticada), já acarreta um componente de grande discussão para o desenvolvimento de quaisquer negócios. Impactariam não somente na conclusão de viabilidade jurídica do modelo proposto, mas também (e especialmente) na análise de risco associado a tal componente, fatores como (i) as dificuldades de se estimar, com relativa precisão, o valor da(s) justa(s) indenização(ões) a ser arbitrada(s) pelo Judiciário; (ii) necessidade de finalidade específica e previamente definida quanto à destinação das propriedades desapropriadas; e (iii) demais limitações decorrentes do sobrepujamento do direito de propriedade (inclusive refletindo orientação manifestada pelas Cortes Judiciárias Superioras). 7. A desapropriação por valorização extraordinária poderia, eventualmente, se revelar como instrumento apropriado de viabilização de captura ex ante da valorização que deverá advir do impacto benéfico ensejado por uma concessão. Seria possível abordar uma análise comparativa de tal instituto com a contribuição de melhoria para prever, com base em raciocínio analógico, a viabilidade de concretização da desapropriação por valorização extraordinária e os mecanismos de captura do valor oriundo do upside promovido pela intervenção pública ou projeto de concessão. A partir da análise jurisprudencial dos casos levados à apreciação das Cortes Superiores talvez fosse possível identificar os fatores de insucesso ou as limitações de implantação dos mecanismos (resultado e perfil jurisprudencial que se pode antecipar dos julgados analisados até o momento) que se propõem a
  • 28. compartilhar a valorização imobiliária com o Estado. Se, a despeito das limitações, se reconhecer a viabilidade e utilização do mecanismo e seu potencial gerador de receitas que possam ser destinadas como fonte de realização de investimentos públicos, e – ainda mais – se a estrutura de fundo de investimento imobiliário estudado despontar como forma de trazer liquidez imediata usufruível, desde logo, pelo Estado, com base no alicerce jurídico desenvolvido até este ponto da dissertação será possível observar a não configuração de estruturação de uma operação de crédito. Ainda que este ponto deva ser objeto de uma análise mais detida, a conclusão de não classificação como uma operação de crédito decorre, em parte, das constatações apresentadas e desenvolvidas a respeito da “alienação” de imóveis e direitos como fonte para integralização de cotas do fundo imobiliário pelo Estado. Ora, se houver conclusão quanto ao perfazimento de uma das estruturas de “venda perfeita”, não parece fazer sentido se falar na antecipação de recursos tratada nos artigos 29 e seguintes da Lei de Responsabilidade Fiscal. 8. Para se realizar a monetização das cotas detidas pelo Estado para geração de valor disponível a ser utilizado como forma de conceder financiabilidade para um determinado projeto - o que no fundo, constitui a análise central da pesquisa -, o Estado deverá, como qualquer player privado, observar as normas de mercado de capitais apropriadas. A princípio, parece fazer sentido sustentar que a venda de cotas, se feita por meio de ofertas públicas (e aí compreendidas não somente as regradas pelo ICVM 400, mas também as regradas pela ICVM 476), torna prescindível o processo licitatório típico das relações públicas. 9. Tanto o regime de direito público, quanto o regime de direito privado impõe, como regra (não aplicável em casos muito específicos) a necessidade de realização de uma avaliação dos imóveis ou direitos como etapa necessária para a concretização da operação analisada. Entretanto, desconfio que embora haja exigência categórica do valuation prévio, não há na legislação pertinente qualquer parâmetro que estabeleça as bases sobre as quais deve ser alicerçado o método avaliativo adequado. Esse quadro deve se agravar, inclusive, quando se tratar do estabelecimento normativo de metodologia apropriada para acessar o valor proveniente da valorização futura de um determinado ativo. Essa
  • 29. ausência de parâmetros objetivos, aliás, foi um dos fatores observados (na jurisprudência analisada até o presente momento) para colocar em cheque a viabilidade jurídica da aplicabilidade prática da contribuição de melhoria pelos Estados da Federação, sendo que – tal como já se propôs anteriormente – o mesmo racional poderia, facilmente, ser aplicável aos mecanismos analisados no âmbito da pesquisa. Se esta hipótese se concretizar, eventualmente seria o caso de propor (adstrito ao universo de proposições jurídicas, sem se valer de análises aprofundadas sobre metodologias econômicas apropriadas) a articulação, por exemplo, de Agências Reguladoras ou de outros órgãos com competências técnicas multidisciplinares com a finalidade de realizar análise sobre os mecanismos de cálculo e verificação de referida valorização. De forma ainda embrionária, a ARSESP carreia uma iniciativa nesse sentido (http://www.arsesp.sp.gov.br/ConsultasPublicasBiblioteca/NOTA_TECNICA _PRELIMINAR-NTG_N022015.pdf) 10. Se recorrermos à comparação da operação estudada com demais ferramentas urbanísticas que possam ser utilizadas com finalidade semelhante (Operações Urbanas Consorciadas, CEPACs e Outorga, por exemplo) ou mesmo se estabelecermos um paralelo com as etapas constitutivas de tal operação (que podem, por exemplo, envolver imóveis desapropriados ou o direito de desapropriar), talvez fosse possível chegar à conclusão de que, ainda que a legislação não estabeleça destinação específica para as receitas originadas no âmbito das atividades do fundo de investimento imobiliário, faria sentido assegurar que tais recursos fossem investidos para potencializar a melhoria da própria área impactada. Talvez essa “vinculação” pudesse ser feita por meio do próprio regulamento do fundo, que traria, também, as regras de necessária observância e os quóruns de aprovação para alterar, inclusive, tal vinculação, definindo que o recurso pudesse ser eventualmente aplicado em outras iniciativas ou projetos. Mas a desconfiança preliminar leva a crer que a estrutura ideal de destinação de recursos deve ser construída, tendo como pilar a preocupação de garantir aos demais investidores – sejam eles cotistas ou concessionários (ou ambos) – a salvaguarda de que o projeto principal, que figura como escopo da concessão, será realizado e possibilitará a valorização minimamente esperada do entorno.
  • 30. Justificativa da relevância aplicativa, utilidade prática e evidência de caráter inovador da pesquisa: Diante das crises recentes que alastraram (e alastram) o Brasil, o Governo Federal, as Administrações Estaduais e Municipais e os diversos entes estatais de todas as esferas federativas, observam um significativo comprometimento de sua própria potencialidade e da capacidade privada de realização de investimentos. O cenário descrito, se contraposto à necessidade constante e – cada vez mais urgente – de concretização de projetos estatais prioritários, repercutem de forma a ensejar para administração pública o compromisso de viabilizar estruturas não tradicionais de realização das políticas e intervenções necessárias. As restrições orçamentárias e fiscais demandam a construção, pela administração pública, de um ambiente propício para atração do investimento privado. Historicamente, a aproximação do Estado com o capital privado se deu no âmbito de alguns “ciclos de desenvolvimento” (se é que podemos chamar assim). De forma genérica, é possível dizer que o primeiro se deu com a realização das privatizações, para levantamento de recursos necessários à cobertura dos déficits que se colocavam como desafios a serem enfrentados à época. A partir da década de 1990, então, iniciou-se o ciclo de desenvolvimento fundamentado na realização de concessões comuns onerosas, com o levantamento de outorgas robustas e desoneração das despesas dos caixas dos Estados, que implementaram tais modelos contratuais para a condução de atividades e construção de infraestruturas fruíveis pela população (os usuários). E por fim, a observação de um potencial arrefecimento dos investimentos privados frente aos altos riscos e a opção pública pela estruturação – em alguns Estados e Municípios da Federação – de concessões administrativas e patrocinadas que contavam com participações pecuniárias conferidas pelo próprio Estado na remuneração dos parceiros privados. Esse se demonstrou um modelo interessante tanto pela viabilidade de “barateamento” dos investimentos (já que o poder público poderia se financiar com juros mais baratos do que o privado e detinha dinheiro em caixa para fazer frente aos desembolsos que eventualmente fossem necessários pari passu à realização das etapas das obras) e da possibilidade de conferir maior eficiência (sentida pelos usuários) na prestação de serviços públicos.
  • 31. O panorama estatal restritivo e as perspectivas macroeconômicas pessimistas, entretanto, desafiaram a vida longa das parcerias público-privadas (aumentando o risco de inadimplemento das obrigações pecuniárias públicas) e, de outro lado, reaqueceu a potencial estruturação de projetos por meio de arranjos contratuais baseados no pagamento de tarifas pelos usuários como única forma de conferir sustentabilidade às parcerias com o Estado. A consequência do rigor com que vem sendo atualmente tratadas as contas públicas fez com que o Estado voltasse os olhos para formas alternativas de levantar caixa e/ou viabilizar investimentos, o que vem gerando um movimento de enfoque no patrimônio imobiliário público como instrumento de conformação dos dois objetivos. Nesse contexto, uma série de municípios (tais como Porto Alegre, Curitiba, São Paulo e Fortaleza) vem intensificando os estudos sobre o uso de ferramentas urbanísticas para promover a maximização de ativos públicos, com vistas à realização das intervenções e investimentos para promover a revitalização das cidades32 , mesmo atingidos por um cenário recessivo. Mas e as demais instâncias federativas, que não dispõe das prerrogativas pertinentes à esfera urbanística e que não podem se usar de institutos como CEPACs e modelos de estruturação de projetos por meio de Operações Urbanas Consorciadas? Quais alternativas poderiam ser franqueadas para que os demais entes públicos pudessem viabilizar a exploração de terrenos de sua propriedade como instrumentos capazes de conferir atratividade e financiabilidade para realização de investimentos privados? É no âmbito dessa discussão que a estruturação, pelo Estado, de operações de parcerias com a iniciativa privada realizadas por meio de fundos de investimento imobiliário desponta. De forma isolada por alguns Estados e até por Municípios, vem se tentando demonstrar que esse poderia se constituir como método apto a servir como vetor de um novo ciclo de desenvolvimento com foco na valorização dos imóveis públicos e nos direitos a eles relacionados. 32 Essa conclusão foi extraída de um seminário promovido pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID, em São Paulo, na data de 26.09.2015, denominado Encontro ESW - Operações Urbanas - Validação do Estudo "Incentivos à Participação Privada em Operações Urbanas"
  • 32. O valor desse trabalho se demonstra pelo ineditismo da sistematização dos principais desafios jurídicos com os quais deverão se deparar as administrações públicas para aferir a viabilidade de se constituir operações estruturadas por meio de fundos de investimento imobiliário e pela solução propositiva que se pretende empreender, diante da compreensão do direito como ferramenta de desenvolvimento e não como uma finalidade em si mesma. Outro ponto de destaque do presente trabalho, e que representará um dos lastros teórico da tese que se pretende defender, é a demonstração da quebra da dicotomia rígida que aparta o direito público do direito privado. Como é cediço, a concepção do direito administrativo enquanto direito especial do Estado, apartado do direito privado, remonta ao início do século XIX, época de afirmação e desenvolvimento daquele como ramo jurídico autônomo e que possuía uma finalidade prática específica: a de definir a competência da jurisdição administrativa em oposição à jurisdição civil do Estado33 . Com efeito, tendo a França, assim como diversos países da Europa continental, adotado o sistema de dualidade de jurisdição, era necessário que fosse estabelecido o critério para fixação da competência do Conselho de Estado, o que levou a doutrina e a jurisprudência a adotar o critério pelo qual, nas situações nas quais a Administração Pública atuasse de acordo com as prerrogativas derrogatórias do direito privado, a competência seria a da jurisdição administrativa. Nas demais hipóteses, a competência seria a da Justiça Civil. No entanto, na atualidade, não parece mais fazer sentido a apartação entre o direito administrativo e o direito privado, ante três ordens de argumentos: Em primeiro lugar, tendo o Brasil adotado o sistema de unidade de jurisdição34 , não subsiste a necessidade prática que motivou os franceses a estipularem o direito administrativo como um direito apartado do direito comum, pois, independentemente do regime jurídico de atuação administrativa (se de direito público ou privado), o 33 Carlos Ari Sundfeld, Crítica à doutrina antiliberal e estatista de direito administrativo, in __________. Direito administrativo para céticos, 2ª ed., São Paulo: Malheiros, 2014, p. 136-138. 34 Tal sistema de unidade de jurisdição, previsto no artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal de 1988, está presente no direito constitucional brasileiro desde a Constituição de 1891, o que demonstra que a tradição brasileira é a de submeter todos os atos jurídicos à apreciação do Judiciário, independentemente de haver ou não prerrogativas do Estado na sua expedição.
  • 33. Judiciário será sempre o locus competente para a apreciação da legalidade do agir administrativo. Em segundo plano, diante das crescentes tarefas que são atribuídas ao Estado, parece não subsistir mais a apartação radical do direito público e do direito privado, uma vez que é cada vez maior a utilização, no direito administrativo, das regras e institutos de direito privado 35 , como forma de imprimir eficiência à atuação administrativa, aproximando-a dos parâmetros de atuação de outros agentes econômicos. Por fim, o direito positivado pelo Estado não comporta distinção entre ramos, sendo a separação do direito em público e privado útil para fins acadêmicos e de construção teórica, mas não se apresenta como argumento suficiente para vedar que determinada regra, por ser entendida como de direito privado, venha a não ser aplicada pela Administração sob tal argumento36 . Tal tema, obviamente, será objeto de maior aprofundamento na pesquisa a ser desenvolvida, notadamente no que se refere à utilização dos mecanismos e instrumentos de mercado de capitais pela Administração Pública, mas, desde logo, é possível deixar consignado que parece não haver fundamento para que a Administração não se submeta às normas tidas como de direito privado, única e exclusivamente sob o argumento de que não fazem parte do “regime jurídico de direito público”, pois as normas jurídicas devem ser aplicadas pela Administração, de acordo com as relações jurídicas por ela travadas. 35 A doutrina a este respeito é vasta, bastando a menção, apenas a título de exemplo, da já clássica obra de Maria João Estorninho, A fuga para o direito privado: contributo para o estudo da actividade de direito privado da Administração Pública, Coimbra: Almedina, 2009. 36 Valem, aqui, as considerações de Fernando Dias Menezes de Almeida, no sentido de que “a ideia de ramos do direito aqui invocada remete a direito como ciência ou teoria do Direito, visto que o Direito como fenômeno normativo não comporta distinções. Uma norma jurídica, em que pese possa estar inserida, por exemplo, em uma lei denominada Código Civil, não será necessariamente de direito civil; pense-se no caso das normas sobre bens públicos ou sobre desapropriação. O direito como conjunto normativo é uno. Os ramos do direito são instrumentos auxiliares da razão jurídica no momento de se buscar conhecer e transmitir conhecimentos sobre o direito”. (Formação da teoria do direito administrativo no Brasil, Tese de Titularidade apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013, p. 57).