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Anais do Seminário Direitos Autorais e Acesso à Cultura, ago/2008
Fórum Nacional de Direito Autoral – Ministério da Cultura
Índice
Mesa 1: O equilíbrio dos interesses público e privado no direito autoral na
perspectiva do consumidor
Usuários finais das obras protegidas, os consumidores de bens e serviços culturais não
têm merecido um lugar de destaque nas discussões a respeito da legislação autoral.
Como toda produção tem por finalidade o consumo, nesta Mesa será discutido como
integrar as normas de proteção aos consumidores e de promoção da cidadania com
as normas definidoras do Direito Autoral.
Mediador: Laymert Garcia (Unicamp)
Palestrantes:
- Bruno Miragem (Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor –
BRASILCON)
- Estela Waksberg Guerrini (Instituto de Defesa do Consumidor - IDEC)
- Helenara Avancini (Pontifícia Universidade Católica/RS)
Mesa 2: Limitações e Exceções da lei
O Direito Autoral, como todo direito, está sujeito a limites, entre os quais estão os
direitos constitucionalmente definidos de acesso à cultura, à educação, à informação
e ao conhecimento. Diferentemente da maior parte dos países do mundo, tais limites,
em nossa Lei, são mais restritos. É necessário alterá-los?
Mediador: Giuseppe Cocco (UFRJ)
Palestrantes:
- Guilherme Carboni (Fundação Armando Álvares Penteado - FAAP)
- Marrey Luiz Peres Jr. (PG&A Consultoria e Serviços)
- Pablo Ortellado (Universidade de São Paulo)
Mesa 3: Medidas Tecnológicas de Proteção
Com o surgimento da Internet, as medidas tecnológicas de proteção, conhecidas
pelas siglas TPM, DRM ou ainda por “proteção anti-cópia” , alcançaram
um forte impulso e são vistas como uma forma de combater usos ilícitos de
obras protegidas no meio digital. Porém, as medidas têm prejudicado mais
o cidadão comum do que os chamados “piratas”, que conseguem burlá-las.
Ainda há alguma razão para as empresas insistirem no uso dessas medidas?
Mediador: João Brant (Intervozes)
Palestrantes:
- Marcelo Bechara (Ministério das Comunicações)
- Pedro Rezende (Universidade de Brasília)
- Pedro Paranaguá (Fundação Getúlio Vargas/RJ)
- José Peña (EMI Music)
Mesa 4: Usos Educacionais de Conteúdos Protegidos
As tecnologias digitais e a Internet trouxeram novas e promissoras possibilidades para
as práticas pedagógicas. Porém, os educadores e educandos encontram dificuldades
das mais diversas ordens para explorar esse imenso potencial. Quais são os problemas
encontrados mais comumente e como potencializar os usos educacionais preservando
o respeito aos direitos dos criadores?
Mediadora: Flávia Rosa (ABEU, EdUFBA)
Palestrantes:
- Dalton Spencer Morato (Associação Brasileira de Direitos Reprográficos
- ABDR)
- Ladislau Dowbor (Pontifícia Universidade Católica/SP)
- Sueli Ferreira (Universidade de São Paulo)
- Jorge Machado (GPOPAI-USP)
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Anais do Seminário Direitos Autorais e Acesso à Cultura, ago/2008
Fórum Nacional de Direito Autoral – Ministério da Cultura
Índice
Mesa 5: Patrimônio Cultural
Preservar uma obra muitas vezes implica o ato de reprodução, que constitui um direito
exclusivo do autor e que demanda autorização prévia. Sem condições de consultar
todos os titulares de direitos sobre as obras, ou por desconhecimento, bibliotecas,
museus de som e imagem, cinematecas e arquivos públicos ao buscarem preservar
o patrimônio cultural brasileiro incorrem freqüentemente em atividades ilícitas. Como
trazer essa atividade para a legalidade?
Mediador: Istvan Jancso (IEB/USP, Biblioteca Brasiliana)
Palestrantes:
- Mônica Rizzo Soares Pinto  (Biblioteca Nacional)
- Olga Futemma (CINEMATECA Brasileira)
- Jaime Antunes da Silva (Arquivo Nacional)
Mesa 6: Formas de Licenciamento
Cabe ao autor decidir de que maneira uma obra de sua autoria pode ser utilizada ou
explorada economicamente. No entanto, na maior parte das vezes, ele é compelido
a transferir a uma pessoa jurídica essa prerrogativa. Além disso, a lei brasileira não
tem nenhuma previsão de licença legal ou obrigatória, nem incentiva as chamadas
“criações transformativas” de obras já existentes. Como estimular a difusão e a
recriação cultural nessa perspectiva? E como proceder no caso de obras financiadas
com dinheiro público?
Mediador: Túlio Vianna (Instituto Brasileiro de Direito Eletrônico, PUC/MG)
Palestrantes:
- Sérgio Amadeu (Fundação Cásper Líbero)
- Vanisa Santiago (Advogada/ SGAE)
- Amilson Godoy (Fórum Nacional de Música)
- Flavio Roberto Mota (Associação Brasileira dos Ilustradores Profissionais – 	
ABIPRO)
Mesa 7: Domínio Público e Obras Órfãs
A primeira limitação ao direito autoral é o fato de ele se exaurir após um prazo de tempo
(70 anos, no caso do Brasil). Mas, para o cidadão comum, nem sempre é fácil acessar
obras cuja proteção patrimonial já se esgotou: seja pelo desconhecimento se a obra
está ou não em domínio público, seja pelo fato de a obra só ser acessível através de
certas apropriações e domínios privados (traduções, interpretações ou execuções e
fonogramas). No caso das obras órfãs, a omissão da lei desencoraja o uso e dificulta
os seus acessos. Como difundir essas obras sem desrespeitar os possíveis direitos
dos seus titulares?
Mediador: Imre Simon (USP)
Palestrantes:
- Eduardo Lycurgo (Advogado)
- Dênis Barbosa (Advogado)
- Marcos Wachowicz (Universidade Federal de Santa Catarina)
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APRESENTAÇÃO
Seminário “Direitos Autorais e Acesso à Cultura”
O segundo seminário de 2008 do Fórum Nacional de Direito Autoral aconteceu em São Paulo, nos
dias 27 e 28 de agosto de 2008 e foi intitulado “Direitos Autorais e Acesso à Cultura”. Objetivando debater
com a sociedade os sistemas legal e institucional de direitos autorais do país, o seminário contou com a
participação de cerca de 2000 pessoas, entre aqueles presentes no auditório da USP Leste e aqueles que
acompanharam pela internet.
Este seminário enfatizou a importância do papel dos usuários das obras intelectuais, buscando
superar a leitura do direito autoral como um ramo voltado exclusivamente para a proteção do autor. Nos
estudos contemporâneos, consolida-se cada vez mais o direito autoral como ponto do ordenamento jurídico
para onde convergem também os interesses de outros personagens, tão protagonistas desta história quanto
os autores e demais titulares: os usuários das obras, entendidos aqui como o público em geral que consome
e frui obras intelectuais protegidas. O direito autoral de hoje deve refletir o somatório destas três forças – os
autores, os responsáveis pelos investimentos na criação e os usuários – sem preponderância hierárquica
prévia de nenhuma delas. Afinal, se é preciso proteger os investimentos essenciais à circulação de bens
intelectuais e se é correto dizer que sem autor não há obra, não é menos verdadeiro afirmar que é o usuário
que dá sentido à existência da obra.
Na Mesa 1: O equilíbrio dos interesses público e privado no direito autoral na perspectiva
do consumidor, buscou-se promover o diálogo entre a lei autoral a lei que rege as relações de consumo
– não só porque ambos os ramos pertencem à mesma ordem constitucional, mas porque, de fato, as
obras reproduzidas em massa pela indústria cultural objetivam, em última análise, sua absorção pelos
consumidores. No vasto rol de medidas do Código de Defesa do Consumidor que visam emprestar
maior equilíbrio nas relações entre consumidores e demais integrantes da cadeia de consumo, está uma
longa lista de práticas abusivas. Além das regras específicas, no campo das normas mais gerais (e mais
relevantes hierarquicamente) pode se destacar o mandamento, expresso no Código, de concretizar todos os
princípios que regem a Política Nacional das Relações de Consumo. Há, sem dúvida, um grande potencial
a ser explorado no que diz respeito à aplicação destas normas para relações hoje confinadas a outros
diplomas.
Da mesma forma, apenas mais recentemente o direito brasileiro tem se dado conta de modo mais
concreto quanto ao imenso potencial inexplorado que reside no estudo das limitações. Tradicionalmente
vistas como pontuais exceções aos direitos do autor em nome de um vago interesse social, e submetidas
pela doutrina a uma “interpretação restritiva”, as limitações ganham hoje no mundo status de verdadeiros
direitos dos usuários, o que evidentemente reverbera no Brasil e no tratamento que elas receberam na
Mesa 2: Limitações e exceções da lei.
ALeinº9.610deuumtratamentoaestaquestãoaindamaisacanhadodoqueaquelequeaslimitações
gozavam na lei de 1973. É o caso, por exemplo, da limitação que trata da permissão para a chamada “cópia
privada” – que, na interpretação literal do texto em vigor, passou a só contemplar “pequenos trechos” da
obra. Outro exemplo da dificuldade que acomete o estudo das limitações no Brasil é a exegese do inc. VIII
do art. 46 da Lei dos Direitos Autorais. Já se sustentou que este dispositivo poderia significar um meio para
permitir os usos transformativos das obras intelectuais, mas geralmente sua interpretação acaba refém
de uma visão extremamente restritiva. No caso, não ajuda muito a pouco hábil transposição, para o corpo
daquele inciso, dos “Três Passos” previstos na Convenção de Berna. O desencontro nas discussões ilustra
como ainda precisamos evoluir para construir um modelo brasileiro das limitações, que una o melhor de
dois mundos – a maleabilidade do fair use norte-americano com a segurança do pormenorizado tratamento
dado na Europa.
Além disso, vem se apontando, nos últimos anos, a proliferação de medidas tecnológicas de
proteção como uma das grandes ameaças à atuação das limitações como “fiel da balança”, papel que a ela
tem sido normalmente atribuído na dinâmica das relações entre autores e titulares, de um lado, e usuários
Anais do Seminário Direitos Autorais e Acesso à Cultura, ago/2008
Fórum Nacional de Direito Autoral – Ministério da Cultura
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de outro. O exemplo sempre lembrado é o dos mecanismos TPM (Technology Protection Measures), cuja
principal função seria evitar cópias não-autorizadas de canções vendidas por meio de CD’s ou pela própria
Internet. Tais medidas despertaram uma notável antipatia entre os consumidores e não se mostraram
eficazes para atingir seu objetivo – na prática, prejudicaram o usuário comum e não atrapalharam a ação
dos contrafatores. Mais grave, impediram os usuários de exercitar alguns dos poucos direitos que a lei
reconhece sem maiores controvérsias, como o de reproduzir mesmo aqueles “pequenos trechos” para seu
uso privado.
Há lugar, no cenário futuro, para a manutenção de tais medidas? Este é o grande questionamento
que permeia a Mesa 3: Medidas Tecnológicas de Proteção. A discussão segue indispensável, pois, ainda
que a indústria tenha arrefecido o recurso a estas medidas recentemente, mecanismos análogos aparecem
em destacados foros da atualidade – como no caso do debate sobre o marco regulatório da televisão
digital.
Outra questão que precisa ser aprofundada é até que ponto pode se permitir que, em última instância,
a propriedade intelectual constitua um entrave para a difusão do aprendizado. As limitações expressamente
previstas na nossa lei apenas tangenciam, de modo tímido, esta preocupação, que representa um duro
obstáculo para que se efetive o direito social à educação previsto na Constituição. Ampliar o exame deste
problema é o que pretendeu a Mesa 4: Usos educacionais de conteúdos protegidos.
Ainda que haja pontuais previsões, por exemplo, quanto à execução musical nos estabelecimentos
de ensino, questão verdadeiramente fundamental é a da cópia privada – sobre a qual inexiste, hoje, na
interpretação literal da lei autoral, uma distinção quanto à reprodução feita para fins educacionais. Onde
deve ser traçada a linha que separa a cópia indevida da necessária? Como permitir que os alunos tenham
acesso a materiais que desempenham papel fundamental em sua educação, compatibilizando este direito
com os interesses legítimos dos titulares daquelas obras?
Já se discutiu, no Brasil, a idéia de viabilizar as cópias reprográficas por meio da estipulação de
pequenas remunerações compensatórias que incidiriam sobre cada pagamento. Entre os projetos de lei
recente levados ao Congresso, porém, encontram-se ainda textos que exemplificam o acirramento de
ânimos que caracteriza nosso direito autoral – havendo desde quem sugira a permissão pura e simples de
cópias no ambiente educacional até quem queira banir as máquinas de reprografia das universidades.
As discussões quanto ao impacto das leis autorais na educação não se restringem ao problema da
reprografia, perpassando todo o uso de novas tecnologias, na sala de aula ou fora dela (seja como suporte
ao ensino ministrado presencialmente, seja no incremento da educação à distância). Em sua característica
falta de equilíbrio, a lei brasileira não faz distinção entre obras que se encontram no ápice das possibilidades
comerciais e, por exemplo, o uso de livros já fora de catálogo há muitos anos, o que torna ainda mais
discutível o recurso a medidas exacerbadas no contexto educacional.
Observe-se, porém, que a falta de tons intermediários de nossa lei não causa problemas apenas
nos estabelecimentos de ensino. Todas as bibliotecas, bem como os museus (sobretudo os que mais
lidam com som e imagem), as cinematecas e os arquivos públicos em geral sofrem com dificuldades muito
semelhantes. O questionamento sobre como enfrentá-las perfaz a linha central da Mesa 5: Patrimônio
Cultural.
O desenvolvimento agudo da tecnologia digital nos últimos anos fez surgir um sem-fim de novas
possibilidades de armazenamento, sugerindo caminhos inovadores para as instituições que guardam nossa
memória cultural. O largo conceito de reprodução contido na Lei de Direito Autoral, porém, representa uma
das grandes barreiras à implementação de tais idéias. Torna-se impossível consultar todos os titulares
de direitos para efetivar as cópias necessárias à perpetuação de nossa história. A lei chega a cogitar da
reprodução de exemplar raro para o fim de preservação, mas apenas como direito moral do autor. Como
fica o interesse social diante da mesma situação?
É preciso, sem dúvida, encontrar respostas para esta questão – ainda mais fundamental em uma
época na qual as publicações científicas têm convergido para o ambiente digital, e os repositórios de textos
técnicos disponíveis na Internet, muitos deles reconhecidos por sua seriedade e abrangência, têm ajudado
Anais do Seminário Direitos Autorais e Acesso à Cultura, ago/2008
Fórum Nacional de Direito Autoral – Ministério da Cultura
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a subverter a lógica do setor. Cresce a percepção de que, ao menos no que diz respeito à necessidade de
viabilizar o acesso das gerações futuras ao patrimônio cultural, não se pode perpetuar uma dependência
tão grande da vontade do autor.
Esta abordagem liga-se intimamente ao tema da Mesa 6: Formas de licenciamento. A cultura
contemporânea é progressivamente marcada por um forte fluxo de referências e citações, e a arte do nosso
tempo é cada vez mais identificada com o uso transformativo do manancial de obras já existentes. Como
nosso direito se enquadra neste contexto?
No que diz respeito à exploração econômica da obra intelectual, a lei brasileira tem a vontade do
autor como um verdadeiro dogma, mais que um paradigma. É ele, o autor, que define, em tese, quem pode
usar a obra e em que condições isto será feito. Na prática, porém, a regra é a transferência tão integral
quanto possível do controle sobre a sua obra para uma ou mais pessoas jurídicas, a quem passa a incumbir
o exercício efetivo de tais faculdades. Uma vez verificada tal cessão, não raro as prerrogativas que a lei
estipulou, originalmente, para o autor passam a ser colocadas em prática de maneira a dificultar o acesso
da coletividade à sua obra – eventualmente contra a vontade do próprio autor.
De outro lado, esta glorificação da vontade faz com que nossa lei desconheça licenças obrigatórias,
comuns em outros ordenamentos. Por meio destas licenças, os autores se veriam compelidos a, em
determinadas ocasiões, conviver com a utilização de suas obras independentemente de sua manifestação
(ressalvando-se, por evidente, casos patológicos que afrontassem seu direito moral). Ao mesmo tempo, o
uso seria necessariamente remunerado, de modo justo.
Transparece de novo, na ausência deste instituto, a falta de equilíbrio de um sistema que privilegia
soluções unilaterais. Outros países têm incentivado o recurso aos chamados “gravames” ou a estipulação de
um “cânone digital” (na venda de equipamentos de reprodução de música em formato digital, por exemplo)
como forma de remunerar os setores da economia que em tese mais sofreriam com a difusão das novas
tecnologias. No Brasil, até o momento, segue o silêncio – assim como não se discute se deveria ou não
haver um tratamento específico para as obras que foram viabilizadas em função de financiamento público.
Tal auxílio deve ser indiferente, entronizando-se também neste caso apenas a vontade do autor?
Outra questão que a nossa lei não enfrenta diretamente é o problema das chamadas “obras órfãs”,
que vêm sendo muito discutidas na atualidade e foram um dos objetos da Mesa 7: Domínio público e obras
órfãs. A mais freqüente preocupação contemporânea com o domínio público diz respeito ao movimento de
expansão dos prazos de proteção no cenário internacional, com os países signatários da Convenção de
Berna progressivamente ampliando seus marcos internos e deixando os cinqüenta anos mínimos que ela
exige muito para trás. Este alongamento dos prazos está longe de ser, porém, o único aspecto problemático
envolvendo o domínio público.
Até mesmo o (teoricamente) simples fato de saber se uma obra está ou não em domínio público
é dificultado, seja por eventualmente não se saber a data da morte do autor, seja pela existência de co-
autores em obra indivisível (o que também acaba ampliando o prazo, já que a contagem tem início após a
morte do último autor sobrevivente). Lembre-se ainda que a contagem do prazo, para as obras audiovisuais
e fotográficas, depende da data da divulgação (distinção esta cuja necessidade já mereceria uma discussão
mais detalhada por si só), dado que também nem sempre é fácil de se obter.
Também cheia de obstáculos, como já se aludiu, é a tentativa de se utilizar as chamadas “obras
órfãs”. O direito autoral, como se sabe, caracteriza-se por sua informalidade, aceitando qualquer prova que
possa ser reputada como válida para a determinação da autoria – até mesmo, mas nunca exclusivamente,
o registro. Inexiste, além disso, qualquer consideração de mérito artístico ou intelectual para que incida
a proteção legal, bastando o cumprimento do requisito mínimo da originalidade. Há ainda outro rol – de
trabalhos sobre os quais, tendencialmente, nunca se poderá saber com segurança quando recairão no
domínio público. Sua possível qualificação como a “obra anônima” de que trata a lei autoral não resolve
necessariamente o problema, vez que normalmente não se saberá sequer a data de sua publicação (bem
como não regulamenta, a lei, como determinar o anonimato no caso concreto, tampouco as conseqüências
que diferenciariam o uso destas obras em relação às demais).
Anais do Seminário Direitos Autorais e Acesso à Cultura, ago/2008
Fórum Nacional de Direito Autoral – Ministério da Cultura
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Como se vê, o catálogo de questões intrincadas no direito autoral de hoje é quase inesgotável – e
boa parte destas dificuldades está relacionada ao tema do acesso à cultura. Trazer (também) o usuário
para o centro desta agenda é hoje um passo indispensável para legitimar o debate sobre o marco legal que
rege o uso e a exploração das criações intelectuais. O maior desafio deste Seminário residiu, justamente,
em avançar na busca de um equilíbrio que já era difícil quando se relegava o usuário (e, por extensão, a
sociedade como um todo) ao posto de simples coadjuvante. A tarefa, agora é muito maior – e nunca foi tão
necessária.
Anais do Seminário Direitos Autorais e Acesso à Cultura, ago/2008
Fórum Nacional de Direito Autoral – Ministério da Cultura
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MESA 1
O EQUILÍBRIO DOS INTERESSES PÚBLICO E PRIVADO NO DIREITO AUTORAL NA
PERSPECTIVA DO CONSUMIDOR
TRANSCRIÇÃO DA PALESTRA DE BRUNO MIRAGEM1
Meu bom-dia a todos. Em primeiro lugar, naturalmente, quero agradecer, em nome do Instituto
Brasileiro de Política e Direito do Consumidor, Brasilcon, ao convite que foi formulado pelo Ministério da
Cultura, por este Fórum Nacional do Direito Autoral, para tratar dessa interface, então, entre o direito do
consumidor e o direito autoral.
Só o fato de os colegas, que têm feito essa profunda discussão sobre esse tema, trazerem o direito
do consumidor como um protagonista dessa discussão, para nós, do Brasilcon, e certamente para todos
aqueles que operam com o direito do consumidor, é razão de satisfação, de maneira que vimos aqui,
para contribuir sensivelmente com a discussão com os colegas. Também aproveito para saudar o nosso
mediador, doutor Laymert, e as minhas colegas, Professora Estela, Professora Helenara, com a qual eu
tenho o prazer e a satisfação de dividir este painel.
Na verdade, a minha intervenção vem no sentido de contribuir com esses debates que têm sido
feitos pelos colegas, sobretudo dentro de uma perspectiva. Sabemos nós que nem toda obra sobre a qual
recaem direitos autorais estará, digamos assim, sob a égide do direito do consumidor ou sob as regras
do direito do consumidor. Por quê? Porque, rigorosamente, o direito do consumidor se aplica sempre a
produtos ou a serviços, portanto, a bens ou atividades que se coloquem dentro do mercado de consumo.
Rigorosamente, nem toda obra cultural, [nem toda] obra de cultura está dentro do mercado de consumo.
Agora, grande parte (eu tenho certeza, porque tive oportunidade de conversar com os colegas e mesmo por
ter conhecimento prévio das discussões que aqui se estabelecem), grande parte das discussões (e, muitas
vezes, o problema típico que se estabelece), justamente, é sobre as obras culturais, as obras intelectuais
que estão no mercado de consumo, porque, aí, nós vamos estar falando não apenas dos direitos morais
de autor, mas de um aspecto extremamente importante e, certamente, objeto de grandes discussões, que
são os direitos patrimoniais de autor. Ao falarmos em direitos patrimoniais de autor, estamos falando em
remuneração e estamos falando na colocação dessas obras no mercado de consumo.
Por que eu faço essa introdução? Porque o mercado de consumo é um dos critérios básicos para
os quais nós nos centramos, no direito do consumidor, para a aplicação das regras do código. O que é
o mercado de consumo, ao fim e ao cabo? Há toda uma discussão: se é um espaço institucional ou não
institucional. Mas, para nós, simplificando o conceito, é o espaço onde se estabelecem trocas econômicas.
Trocas econômicas essas, que se vão dar na satisfação de interesses das partes envolvidas.
Que partes são essas, no direito do consumidor? Notadamente, o consumidor e o fornecedor.
Sabem os colegas que o consumidor, o Código de Defesa do Consumidor e, por conseguinte, o direito do
consumidor, se estabelecem, no direito do brasileiro, a partir de um fundamento constitucional (o direito do
consumidor, assim como os direitos autorias). Os direitos do consumidor têm, no art. 5º da Constituição, a
sua elevação, digamos (em Direito brasileiro), a direito fundamental. O art. 5º, inciso XXXII, estabelece que
“o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”. Assim também, logo adiante, estabelece
a defesa do consumidor como principio da Ordem Econômica constitucional, art. 170, inciso V. Logo mais,
o art. 48 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias determina ao legislador que faça um Código
de Defesa do Consumidor. Portanto, o constituinte, nessa visão, elegeu um sujeito a ser protegido, a ser
defendido, que é o consumidor. Restou, naturalmente, ao legislador definir quem é o consumidor.
O nosso direito de consumidor tem inspirações de matriz européia, tem inspirações de matriz norte-
americana, mas o nosso legislador optou por uma definição bastante prudente. Estabeleceu, no art. 2º do
Código de Defesa do Consumidor, que “o consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza
produto ou serviço como destinatário final”.
“Produto ou serviço”. Aqui, no que nos interessa em matéria de direitos autorais, nós falaremos
de produtos. O código também estabeleceu uma definição na qual determinou que “produto é todo bem
móvel ou imóvel, material ou imaterial colocado no mercado de consumo”. Nessa linha, consumidor seria
o destinatário final desse produto. Essa visão de destinatário final comporta, no direito do consumidor, na
jurisprudência brasileira, uma série de temperamentos de o que seria o destinatário final. Mas, numa visão,
digamos, que hoje se pode dizer majoritária, destinatário final é aquilo que nós chamamos de destinatário
final fático e econômico, ou seja, é aquele sujeito, pessoa física ou jurídica, que retira o produto do mercado.
Anais do Seminário Direitos Autorais e Acesso à Cultura, ago/2008
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Mesa 1: O equilíbrio dos interesses público e privado no direito autoral na perspectiva do consumidor
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1 Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor – Brasilcon
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Ele vai ao mercado, busca o produto e retira esse produto do mercado. Portanto, consumidor, nessa visão,
que é uma visão mais restritiva, não vai ter uma finalidade econômica de reemprego daquele produto no
mercado. Ele não vai buscar obter outros tipos de ganho desse produto no mercado. Então, é aquele que
retira o produto do mercado, da cadeia de fornecimento, das relações econômicas, definitivamente.
Por que esse conceito é importante, quando a gente fala de direito autoral? Porque em um bem, em
um objeto de direito autoral, em uma obra intelectual, dentro de todo espírito de acesso à cultura (no mais
das vezes, naquele uso, digamos, de boa fé, naquele uso – como aqui foi colocado pelo nosso Secretário
de Políticas Culturais – de acesso à informação, com finalidades educativas ou de satisfação de interesses
próprios daquele que adquire a obra), rigorosamente, nós vamos ter a figura de um consumidor. Se ele foi
ao mercado adquirir esse produto, ele é um consumidor. E, como consumidor, ele vai ter direitos.
É aqui que entra, digamos, a interface mais sensível das discussões relativas a direitos autorais. Quais
são os direitos básicos do consumidor, em relação a produtos (portanto, em relação às obras intelectuais
que ele vai adquirir no mercado)? Eu diria dois. Existe, claro, o art. 6º do Código de Defesa do Consumidor,
que vai elencar, que vai relacionar uma série de direitos, mas deixemos esse direitos em espécie. Naquilo
que nos interessa, ele vai ter dois grandes direitos. Um é o direito à segurança. Segurança, que é uma
segurança física, de integridade física, mas também é uma segurança patrimonial, ou seja, ele não pode,
naquele produto que ele adquire, portanto, naquela obra intelectual que ele adquire… Aquela obra ou
aquela utilização que ele vai dar, de boa-fé, legítima, à obra não pode lhe causar prejuízo econômico.
Por outro lado, um direito do consumidor e, logo, um dever do fornecedor, é o direito de adequação
do produto. É aqui que nós começamos, já, a conversar sobre direitos autorais. O que é o tal do direito de
adequação de um produto? Direito de adequação de um produto é definido na legislação do consumidor,
como, aliás, é muito próprio do Código de Defesa do Consumidor. Nisso, ele tem uma distinção, como
comentávamos, há pouco, com um colega. Ele tem uma distinção muito característica, em relação à
legislação de direitos autorais. A lei de defesa do consumidor, o Código de Defesa do Consumidor trabalha
com definições abertas. Nesse sentido, direito à adequação do produto e, logo, dever de adequação do
produto (dever esse, que é dos fornecedores, da cadeia de fornecimento) significa que aquele produto deve
servir aos fins que, legitimamente, dele se esperam.
Quais são os fins que, legitimamente, dele se esperam? No caso de um produto qualquer de bem
de consumo de massa, é fácil saber: se se compra uma geladeira, ela tem de refrigerar; se se compra um
fogão, ele tem de ligar; e por aí adiante. Mas, se a gente começa a construir essa idéia a partir de uma
obra intelectual, qual é o fim que, legitimamente, dela se espera (como produto e, logo, objeto de uma
relação de consumo)? Certamente, será que a obra, primeiro, se apresente na sua inteireza. Não há duvida.
Mas também pode ser (e aqui é o ponto da provocação primeira que deixo aos colegas) a possibilidade
de este consumidor fruir desta obra intelectual em toda a sua potencialidade. Sob a visão do direito do
consumidor, fruir desta obra intelectual em toda a sua potencialidade pode ser também (e aqui vem uma
discussão conhecida dos colegas) um direito de realização da famosa cópia privada. Por que não? É o fim
que, legitimamente, dela se espera, do ponto de vista do consumidor, que remunerou o fornecedor para a
aquisição da obra? Eventualmente, pode ser considerado. O conceito é aberto. Mas, justamente porque
é aberto, esse conceito de fim legítimo ou de interesse legítimo se interpreta no direito do consumidor…
Sempre.
Porque é uma legislação protetiva de um sujeito vulnerável, dentro do mercado de consumo. Há uma
presunção absoluta de vulnerabilidade. Logo, eventualmente, se ele tem o interesse legítimo de utilização
da obra… Por exemplo, aqui se falou, na Mesa de abertura: a reprodução da obra. Eu sempre cito um
exemplo, que não vou dizer que é meu, naturalmente, num fórum de direito autoral. Muitas vezes, um
professor, ao dar aulas, não vai levar todos os seus livros para as aulas. Mas quem sabe ele não produza
duas ou três cópias de cada página [de livros sobre tema que] ele vai tratar, para poder explanar com uma
maior segurança o tema. Ou quem sabe ele não tenha adquirido uma obra, então, literária e não queira
fazer uma cópia para, eventualmente, deixar, num segundo… Por exemplo, um professor de Direito tem o
escritório, tem a casa, tem o terceiro lugar onde escreve, eventualmente. Será que isso não será um fim
legítimo na sua perspectiva de direito do consumidor?
Se nós pensarmos que esses fins legítimos (e, aqui, sempre numa lógica do direito do consumidor) se
estabelecem por determinados critérios, que são abertos, que são casuísticos, que são das circunstâncias
do caso (dizemos nós), mas também se estabelecem sob a perspectiva de um equilíbrio (e essa noção de
equilíbrio é uma noção extremamente importante), [veremos que] o direito do consumidor estabelece ao
consumidor a titularidade de um direito ao equilíbrio. Esse equilíbrio (e, aí, somos nós que dizemos) é um
Anais do Seminário Direitos Autorais e Acesso à Cultura, ago/2008
Fórum Nacional de Direito Autoral – Ministério da Cultura
Mesa 1: O equilíbrio dos interesses público e privado no direito autoral na perspectiva do consumidor
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equilíbrio que se divide em três: é um equilíbrio que, primeiro, é econômico. Naturalmente, na questão das
obras intelectuais, o que é um equilíbrio econômico vai passar pelo que é uma justa remuneração do autor,
vai passar pelo que são os custos de produção da obra etc. No equilíbrio econômico, há um equilíbrio de
posições jurídicas: o consumidor, de um lado, que é vulnerável, que tem de ter equilíbrio e tem de, digamos,
ser alçado a uma posição de maior vantagem, por instrumento do direito, ou seja, pela lei (a lei é que vai
protegê-lo, para que ele se reiguale, se reequilibre, na sua posição jurídica em relação ao fornecedor)…
Há um terceiro equilíbrio, que é aquilo que nós chamamos de equilíbrio informacional ou eqüidade
informacional. Na realização dos negócios de consumo, tem de haver uma eqüidade informacional.
Supera-se a vulnerabilidade do consumidor pela informação, pelo dever do fornecedor de estabelecer mais
informações. Informações que permitam o quê (que, ao fim e ao cabo, é a raiz do direito do consumidor)?
Que o consumidor, que é vulnerável, possa ter uma decisão racional sobre adquirir ou não, realizar ou não
um negócio de consumo. Então, nessa idéia de equilíbrio, que inspira a idéia de fins legítimos, poderá, sim,
ser considerado… É claro que essa matéria não foi, ainda, desenvolvida sob a perspectiva do direito do
consumidor, sobretudo na jurisprudência, mas também na doutrina (eu não tenho grande conhecimento).
Mas um fim legítimo [a cópia privada] pode ser. Se eu remunerei o meu fornecedor, se eu remunerei a
editora, se eu remunerei a empresa, enfim, que comercializa, no caso, que edita aquela determinada obra
intelectual, em razão dessa remuneração, pode-se considerar, numa visão mais ampla, fim legítimo qualquer
fim que não implique a recolocação desse produto no mercado, qualquer fim que implique a satisfação de
interesses do consumidor que adquiriu aquela obra, dentro dessa perspectiva de proteção.
Um terceiro aspecto, que eu queria trazer aos colegas, diz respeito ao modo como se vai operar
esse equilíbrio e ao modo como nós vamos ter esse direito do consumidor à adequação, em matéria de
obras intelectuais, satisfeito. Vi no programa (e acompanho as discussões dos colegas, sobretudo nesse
excelente site de internet que tem este fórum) que muito se dá o estabelecimento de restrições à utilização
das obras intelectuais por intermédio, um, de disposições legais (disposições legais essas, que têm tido
grandes dificuldades; os colegas são mais especialistas do que eu nisso, para aplicação em diversos
meios, notadamente, nesse ambiente que hoje temos, de convergência de mídias). Mas, sobretudo, sob a
perspectiva de uma informação ao consumidor dessas obras intelectuais, por intermédio ou de disposições
contratuais. Essas disposições contratuais não implicam direito do consumidor ([não exigem] que seja
assinado um contrato cada vez que se vai adquirir uma obra intelectual).
Sobre disposição contratual, aqui, bem entendido, no direito do consumidor, nós temos o art. 30 do
Código de Defesa do Consumidor: “qualquer informação suficientemente precisa vincula o fornecedor”.
Qualquer informação suficientemente precisa: pode ser o cartazete da livraria, o encarte do livro, a 15ª página
do encarte do CD. Não há problema: “qualquer informação suficientemente precisa vincula o fornecedor”.
Mas há a contraface disso.
O artigo 46 do Código de Defesa do Consumidor diz o seguinte: “qualquer obrigação não informada
ao consumidor não o vincula”. Aqui, a gente vai ter um embate interessante com a legislação de direito
autoral, na medida em que os colegas têm toda uma idéia, toda uma principiologia, toda uma tese discutida,
mas que existe, de uma interpretação restritiva, que trata de disposição de direitos autorais. Mas, no que se
refere à disposição de direitos autorais que implique a colocação de obras no mercado de consumo, essa
interpretação restritiva dos direitos autorais vai-se chocar com a interpretação mais favorável ao consumidor,
estabelecida no artigo 47 do Código de Defesa do Consumidor. O 46 diz: o que não informar não vale, o que
não informar não constitui obrigação para o consumidor. E o 47 estabelece que, havendo dúvida sobre os
termos da informação ou da disposição contratual ou o que seja, havendo dúvidas sobre os termos desse
negócio, sobre os termos dessa relação, a interpretação é mais favorável ao consumidor. Então, colegas,
estou a dizer para os colegas que, embora essa matéria ainda não tenha sido… Pelo menos, não, num
grau, num número expressivo de casos que nos permitam apontar uma tendência jurisprudencial… Mas
eu não tenho dúvida de que, se levadas às cortes brasileiras, se levadas aos tribunais brasileiros, sob a
perspectiva do consumidor final e, portanto, sob a perspectiva do direito do consumidor, muitas dessas
limitações vão ter um choque, necessário, com o Código de Defesa do Consumidor. Com um agravante:
o Código de Defesa do Consumidor, por ser uma lei de proteção de um sujeito vulnerável, dentro de uma
idéia de exercício de cidadania… Quer dizer, lá na origem do direito do consumidor, com o Presidente John
Kennedy, nos Estados Unidos, dizia-se: “Todos somos consumidores. Portanto, o direito do consumidor
é um direito de exercício de cidadania”. O que se estabelece? Ela [a lei de defesa do consumidor] se
estabeleceu, no Direito brasileiro, no seu artigo 1º, como uma lei de ordem pública e interesse social. Está
escrito. Está dito.
Anais do Seminário Direitos Autorais e Acesso à Cultura, ago/2008
Fórum Nacional de Direito Autoral – Ministério da Cultura
Mesa 1: O equilíbrio dos interesses público e privado no direito autoral na perspectiva do consumidor
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É uma lei de ordem pública e interesse social. Interesse social, naturalmente, é um conceito de uma
amplitude tal, que se vai dar ampla possibilidade de interpretações do que seja isso. Agora, “lei de ordem
pública”, em termos de Direito (os colegas, aqui, conhecem melhor do que eu), no mínimo, nós estamos
dizendo: tem uma aplicação preferencial, porque é protetiva e é preferencial. Então, se ela é lei de ordem
pública ela prefere dar aplicação… Claro, do ponto de vista de direito internacional privado, não há duvida.
Mas, do ponto de vista interno, com outras leis de mesmo grau, de mesmo nível (no caso, leis ordinárias),
ela tem uma aplicação preferencial, na proteção do sujeito vulnerável. Então, naturalmente, nós temos
aqui não apenas uma possibilidade, mas uma rigorosa necessidade de adequação. Que não seja uma
adequação, quem sabe…
Eu vi a disposição de nosso Secretário de Políticas Culturais, aqui, no sentido de alteração da lei,
mas, ainda que não seja de alteração da lei, necessariamente, de uma compatibilização de interpretações,
porque, no momento em que isso, hoje, naturalmente, não tem ainda, como disse no início, uma dimensão
jurisprudencial de massa… Pelo menos, não tem, em relação ao consumidor final, grande repercussão,
do ponto de vista judicial. No momento que isso… Se [isso] tiver uma repercussão judicial, vocês podem
ter certeza de que, do ponto de vista da proteção do consumidor, os direitos autorais sofrerão algumas
limitações, em vista da proteção do consumidor vulnerável. Não digo nem do ponto de vista do direito de
acesso à cultura, que é um direito fundamental, e é amplo. Não digo nem do ponto de vista do próprio direito
à cultura, como acesso a bens culturais, que, digamos, por ser um direito fundamental, tem de ser precisado,
tem de ser, digamos assim, especificado pela legislação infraconstitucional. Mas, sob a perspectiva do
direito posto, do direito que nós já temos, da legislação posta do direito do consumidor, conflitos podem
existir, que, pela lógica do sistema, possam redundar num entendimento favorável ao consumidor e, nessa
medida, num entendimento limitativo de maiores limitações em relação aos direitos autorais.
Não trato aqui de outras questões. Eu vou deixar, porque meus colegas, certamente, vão pontuar.
Mas, sobretudo, falei da questão de convergência de mídia. Aqueles dispositivos anticópias, ou coisa
que os valha, do ponto de vista da legislação do consumidor, quando esse acesso for remunerado…
Cito aqui um exemplo: quando nós tivermos a televisão digital, na sua inteireza, ou mesmo agora, na
televisão a cabo, na medida em que é um serviço remunerado, sob a perspectiva do Código de Defesa
do Consumidor, esses dispositivos anticópias podem sofrer as mesmas criticas, na perspectiva do direito
do consumidor, no sentido de que, dentro da idéia de equilíbrio, há remuneração e, nesse sentido, essa
remuneração permite fins legítimos. Não será um fim legítimo a possibilidade de copiar ou de gravar um
determinado programa, um determinado espetáculo, para uma possibilidade de assisti-lo posteriormente?
Será que isso não está sob a idéia de equilíbrio econômico da relação? Estou remunerando, e não
posso assistir àquele serviço ou àquele objeto do serviço que eu, propriamente, estou contratando,
contratei, remunero adequadamente (mensalmente, muitas vezes)? Então, essa idéia e essa interface
me parecem extremamente importantes, mas, naturalmente, agradecendo a disposição dos colegas, e
numa expectativa de ouvir também os meus colegas de painel, eu, por hora, me despeço. Muito obrigado.
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DIREITOS AUTORAIS E OS DIREITOS DOS CONSUMIDORES
Estela Waksberg Guerrini 2
Introdução
O intuito desta palestra não é criticar os direitos autorais, cuja existência é importante para proteger
os autores e para estimular e valorizar a inovação e a criação. Entretanto, é importante discutir como essa
proteção é conduzida atualmente e de que maneira ela poderia ser feita de modo a não comprometer o
acesso ao conhecimento, à cultura e à informação por todos.
Hoje, a discussão se pauta em um suposto conflito entre os direitos do autor, do criador de uma obra;
e o direito ao acesso a essa obra pelas outras pessoas.
A proposta de reflexão que fazemos é não encarar esses dois direitos como dois lados de uma
balança, no sentido de serem eles antagônicos. Não. Eles devem caminhar conjuntamente, até porque um
não existe sem o outro. Explico melhor:
O autor de uma obra só consegue criar uma obra porque está inserido em uma realidade de onde
tira sua inspiração. A produção do conhecimento, nesse sentido, é coletiva, visto que ninguém vive sozinho
no mundo e todos são influenciados, de alguma forma, em maior ou menor grau, pelas idéias existentes
e já produzidas. Vivemos em um ciclo de interinfluências e inspirações mútuas. Cito aqui a clássica frase
de Pierre Lèvy: “Todo mundo sabe alguma coisa. Ninguém sabe tudo. Todo conhecimento está contido na
humanidade”.3
Não há dúvidas, no entanto, que cada autor possui algum talento particular que é acrescentado
nesse ciclo permanente de produção e criação. E justamente por isso deve ter esse “talento” reconhecido.
As demais pessoas - além do fato de que, de alguma forma, contribuíram para a produção de uma
obra de um determinado autor, simplesmente por existirem no mundo que serviu de inspiração ao autor -
também são os destinatários finais da obra criada. Nesse sentido, elas são parte fundamental na relação,
pois, sem a sua existência, o autor não se sentiria tão motivado para criar. Por isso, o conhecimento e a
informação têm a inevitável meta de serem difundidos.
Por essas razões, autor e consumidor de conhecimento e informação devem ser tratados como
partes fundamentais de uma relação, e seus direitos respectivos devem ser garantidos e tratados como um
conjunto e não como circunstâncias antagônicas.
Normas excessivamente rígidas acabam por não permitir que o público tenha acesso a informações,
cultura e conhecimento. Tendo isso em mente, o Idec entende que a cópia legal pode incentivar o acesso
ao conhecimento, à educação e à cultura, trazendo maior equilíbrio entre a justa e legítima remuneração
dos autores e o interesse público de acesso às obras. Por isso, a discussão acerca da necessidade de
flexibilização do direito de propriedade presente no direito autoral em determinadas situações, permitindo o
cumprimento de uma função social dessa propriedade é muito importante e atual.
Quando o direito autoral recai sobre obras que têm como objetivo principal a difusão de educação,
cultura, lazer, ele não pode sobrepor sua esfera econômica – aferição de lucro mediante o pagamento de
royalties – ao direito de acesso ao conhecimento, entendendo-o em sua mais ampla forma, abarcando
questões que envolvem acesso a livros, educação, artes, cultura, saúde, tecnologia e conhecimento em
geral.
É patente a importância do conhecimento e da educação para o desenvolvimento de qualquer
sociedade, o que denuncia o valor de materiais educativos impressos, como livros e jornais, para difusão
do conhecimento.
Por isso, esse direito não pode ser restringido por questões econômicas, ainda mais num país tão
desigual quanto o Brasil, em que o acesso à informação e ao conhecimento é um privilégio de poucos.
Outro aspecto é aquele trazido pela revolução digital, que abriu novas possibilidades de produção
e disseminação de conhecimento por meio das tecnologias de informação e comunicação como internet,
bibliotecas on-line e bases de dados, softwares educacionais multimídia, enciclopédia eletrônica Wikipédia
etc. As oportunidades oferecidas em termos de disponibilização de materiais educativos são enormes, mas
o acesso é negado em razão do alto custo de tais materiais. E isso precisa mudar.
______________
2 Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor – Idec.
3 A inteligência coletiva. Por uma antropologia do ciberespaço. São Paulo: Loyola, 1998.
14
E como funcionam os direitos autorais hoje?
Direitos autorais são concedidos por um determinado prazo, depois do qual a obra cai em domínio
público. Esse é um mecanismo no sistema de direitos autorais que visa balancear os interesses do titular
do direito autoral e o direito público de acesso à obra. Atualmente, a proteção internacional mínima para
obras literárias e artísticas é de cinqüenta anos depois da realização da obra. A duração da proteção de
obras cinematográficas é de cinqüenta anos após a obra ser disponibilizada ao público, ou cinqüenta anos
depois da realização da obra. A duração da proteção de obra anônima é de cinqüenta anos contados da
disponibilização ao público. Obras fotográficas e obras de arte têm proteção mínima de 25 anos. Vale
lembrar que os instrumentos internacionais estabelecem os standards mínimos de proteção, podendo os
países alargá-los.
Com o propósito de melhorar o acesso a materiais educacionais, os legisladores nacionais podem
limitar o escopo da proteção autoral e manter a proteção desse direito no tempo mínimo necessário, e, além
disso, podem assegurar que usarão todas as limitações e exceções aos direitos autorais disponíveis nos
instrumentos internacionais.
No Brasil, os direitos autorais são protegidos de acordo com a Lei 9.610/98 – a conhecida Lei de
Direitos Autorais, ou LDA. Quanto à duração da proteção autoral, o Brasil inclui-se entre os países que
alargaram a proteção para além do mínimo determinado nos instrumentos internacionais. Os direitos
patrimoniais dos autores perduram por setenta anos contados de 1º de janeiro do ano subseqüente ao
seu falecimento. Em caso de obras anônimas ou pseudônimas, os mesmos setenta anos contam de 1º de
janeiro do ano imediatamente posterior à publicação. Obras fotográficas e cinematográficas também são
protegidas setenta anos contados da divulgação, mesmo os instrumentos internacionais estabelecendo
como piso 25 anos para proteção de obras fotográficas.
É possível afirmar que a legislação brasileira de direitos autorais não promove o uso justo das obras
intelectuais, havendo fortes restrições e lacunas que impactam diretamente no acesso ao conhecimento.
São diversos os exemplos de situações nas quais o acesso ao conhecimento é negado sob alegação
de que se estão protegendo direitos autorais, a começar pelos altos preços de livros e pela interpretação
restritiva que se tenta impor no Brasil com relação ao artigo 46, VIII, da Lei de Direitos Autorais, vedando-se
a fotocópia ao máximo. Os mesmos problemas são encontrados no que diz respeito ao preço para acesso
a programas de computadores: dificulta-se a inclusão digital e estimula-se a ilegalidade, não só por conta
dos altos custos como também pela ainda baixa difusão de programas alternativos gratuitos.
Cópia de livros didáticos
A cópia de pequenos trechos de obras literárias para uso próprio é direito reconhecido na própria lei
de direitos autorais. Todavia, são freqüentes as tentativas de restrição desse direito.
O direito autoral recai sobre obras que têm como objetivo principal a difusão de educação, cultura
e lazer. Muitas vezes, por ser mais forte o viés econômico, chega-se a situações em que o acesso ao
conhecimento é negado aos cidadãos. O que fica camuflado pelo viés econômico é que ao se falar sobre
direito de acesso ao conhecimento está-se na verdade tratando de muitos direitos fundamentais - dentre
outros, direito à educação, à cultura, ao lazer e à igualdade – na medida em que o acesso ao conhecimento
é um dos meios para promover esses direitos fundamentais.
Não se pode admitir que direitos fundamentais sejam limitados por interesses que até mesmo
desvirtuam o principal fim de todas as obras: a difusão do conhecimento, cultura e informação. Em tais
situações não se está cumprindo a função social da propriedade e, portanto, essa propriedade pode até
mesmo ser questionada. Para fins educacionais, deve-se sim, permitir a cópia de obras sobre as quais recai
direito autoral.
A lei brasileira pode ser considerada uma das mais rígidas do mundo, trazendo proibições que não
existem em muitos outros países.
Um exemplo disso é a proibição da cópia privada integral, mesmo que para fins exclusivamente
didáticos, ou quando a obra está fora do mercado (não é mais comercializada). Países como EUA,
Canadá, Filipinas, Austrália, Croácia, Noruega, entre tantos outros, permitem a cópia integral da obra em
circunstâncias específicas, como para uso por pessoas com deficiência de percepção, para fins de estudo
ou para fins de conservação da obra.
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Fórum Nacional de Direito Autoral – Ministério da Cultura
Mesa 1: O equilíbrio dos interesses público e privado no direito autoral na perspectiva do consumidor
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Novas tecnologias
O direito autoral foi concebido em um momento em que as possibilidades tecnológicas não permitiam
o compartilhamento, a recombinação e, principalmente, a reprodução das obras que o sistema buscava
proteger. Entretanto, a permanente e acelerada inovação e a popularização de novas tecnologias permitem
hoje, a qualquer pessoa, a realização de cópias de altíssima qualidade a um custo extremamente baixo. A
partir daí caracteriza-se a mobilidade e a portabilidade da informação, com impactos evidentes nos hábitos
da sociedade e, de forma particular, nos de consumo.
Ainformação que é transmitida ininterruptamente precisa ser exibida e, portanto, copiada, por diversas
vezes. Na rede mundial de computadores, um dos principais meios hoje utilizados para a transmissão de
informação, para que uma pessoa acesse a qualquer página, a informação deve ser recebida, copiada
(ainda que temporariamente), decodificada e exibida em seu computador.
É necessário considerar as novas possibilidades abertas pelas inovações tecnológicas para contribuir
para a educação e o acesso ao conhecimento e à cultura. Dessa forma deve-se questionar: como usufruir
adequadamente das crescentes possibilidades de compartilhamento de conteúdo? Tais possibilidades
devem ser encaradas como uma ameaça a direitos de artistas e autores, ou podem representar uma nova
oportunidade de negócios para a indústria da cultura e do entretenimento?
O entendimento do Idec é o de que usos legítimos de produtos e serviços adquiridos legalmente pelo
consumidor, como a gravação de programas de televisão para uso doméstico, não podem ser impedidos
pelas restrições tecnológicas.
As restrições tecnológicas consistem na aplicação por parte da indústria de ferramentas que retiram
do consumidor o direito de decidir o que fazer com os conteúdos digitais por ele adquiridos.
Os bens e serviços digitais afetados por restrições tecnológicas acabam gerando problemas de
“interoperabilidade”, isto é, um bem ou serviço adquirido de um determinado estabelecimento ou empresa
é compatível apenas com os vendidos por aquela mesma empresa ou estabelecimento. Essa situação gera
preocupações importantes para o direito da concorrência, além de afetar a possibilidade de o consumidor
ter acesso à maior diversidade possível de bens e serviços.
As restrições tecnológicas podem aparecer nos mais diferentes formatos. Por exemplo, elas são
responsáveis pelo fato de um DVD legitimamente comprado fora do Brasil não poder ser exibido por muitos
aparelhos de DVD fabricados no país. Da mesma forma, muitos CDs da música não são compatíveis com
computadores, softwares e até determinados modelos de aparelhos de som.
As restrições estão também nas músicas compradas on-line, impedindo que elas possam ser
executadas em diversos aparelhos tocadores de áudio ou mesmo em certos tipos de programas de
computador. O consumidor muitas vezes não é informado adequadamente sobre o emprego das restrições
tecnológicas e acaba pagando caro por elas, tanto pelo preço quanto pelos transtornos que enfrenta.
Conclusão
Por fim pergunta-se: o modelo baseado na restrição de todo e qualquer tipo de cópia de material
protegido é justo? Atende às necessidades do Brasil como país ou contribui para a não-implementação de
direitos fundamentais, como o direito à saúde e à educação?
O presente momento, no Brasil e no mundo todo, é oportuno para o debate, cabendo à sociedade
avaliar se é mais interessante proteger os interesses econômicos em jogo ou, em contrapartida, priorizar
direitos fundamentais como os de acesso à informação e ao conhecimento, equilibrando-os de maneira
razoável com os direitos do autor.
É imprescindível a busca por esse equilíbrio entre a legítima remuneração dos criadores e a
necessidade da democratização da tecnologia e do acesso ao conhecimento, elementos fundamentais
para a inclusão na atual sociedade da informação. Não se justifica o abuso na utilização das restrições
tecnológicas ou a rigidez na interpretação da LDA, sem o respeito aos interesses dos consumidores, à
realidade tecnológica e até mesmo aos direitos de utilização concedidos à sociedade pela legislação de
direito autoral.
O Idec não é contra o direito autoral, mas é contra normas excessivamente rígidas, que não permitem
que o público tenha acesso à informação, à cultura e ao conhecimento. Dessa forma, o Idec entende que
a cópia legal pode incentivar o acesso ao conhecimento, à educação e à cultura, trazendo maior equilíbrio
entre a justa e legítima remuneração dos autores e o interesse público de acesso às obras. As normas de
propriedade intelectual, assim, devem também ser subordinadas ao bem público e à função social.
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Fórum Nacional de Direito Autoral – Ministério da Cultura
Mesa 1: O equilíbrio dos interesses público e privado no direito autoral na perspectiva do consumidor
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TRANSCRIÇÃO DA PALESTRA DE HELENARA BRAGA AVANCINI4
O meu bom-dia a todos. Quem fica por último sempre fica numa missão muito complicada,
principalmente quando se participa de uma Mesa em que os colegas praticamente expuseram os pontos
mais controvertidos do tema. Mas isso também acaba gerando um desafio e proporciona, justamente, ao
público o questionamento, que é o objetivo deste fórum. Obviamente, eu não posso deixar de agradecer a
Marcos Souza. E, agradecendo a ele pelo convite, parabenizo-o e toda a equipe. Não vou, obviamente, citar
o nome de todos. Mas, realmente, o papel que o Ministério, no caso, a Coordenação, está exercendo, na
propositura desses debates, é fundamental, até porque se ouvem opiniões a favor e contra, e isso é sempre
muito profícuo para democracia em geral.
Eu vou, obviamente, pular alguns trechos da minha exposição e, obviamente, enfatizar alguns outros,
que foram mencionados tanto pelo Bruno, quanto pela Estela. Vamos lá, então.
Eu, obviamente, parti de uma análise atual. O que nós verificamos? Nós estamos numa sociedade
em que a complexidade é o norte. A sociedade, em si, já é complexa, mas, com o advento da situação
informacional ou da era do conhecimento, as questões atinentes a problemas relacionados com direito
autoral se tornaram muito maiores.
São os mesmos problemas. Só que a dimensão é muito maior. Por que isso ocorreu? Porque,
obviamente, por intermédio da Internet, muitos produtos e serviços são oferecidos e muitos deles são
protegidos por direito autoral, ou são ofertados serviços cujo direito autoral vai ser o seu grande negócio, o
seu grande norte, como, por exemplo, a aquisição de produtos, DVDs, CDs, livros, músicas, filmes, jogos,
programas de computadores (isso, só para citar alguns exemplos). Em serviços, nós temos provedores de
internet, nós podemos contratar pessoas para fazer tradução on-line (apenas para citar, realmente, alguns
exemplos). Produtos e serviços (o Bruno já havia mencionado) são palavras-chave, dentro do direito do
consumidor. A relação de consumo vai se estabelecer, justamente, em torno desses produtos e serviços. E
esses produtos e serviços podem estar protegidos, como bem mencionou também, pela direito autoral.
Qual é o problema? O problema envolve justamente uma situação muito paradoxal dessa sociedade
de informação, dessa era do conhecimento, que vislumbrou e dimensionou um aspecto econômico muito
grande, portanto, um negócio muito vital e muito importante para as empresas: o negociar as obras de
direito autoral ou o objeto do direito autoral.
Quem é que tem o poder de fazer isso? É o titular do direito, que pode ser, eventualmente, o próprio
autor, mas, normalmente, o autor, também, na prática, acaba cedendo esses direitos para um titular derivado,
uma empresa. Depende do tipo de obra envolvida. Os titulares verificaram, então, que existe um interesse
econômico. Obviamente, a Internet pode facilitar, extremamente, um ganho muito maior do que se ganhava
quando não existia um mecanismo como Internet.
Qual a tendência natural disso? Manter os seus direitos e querer restringi-los mais ainda. Isso é
natural. Não é uma posição equivocada, no sentido de intenção. Mas, do outro lado, com a possibilidade de
ter acesso à informação, de ter acesso à cultura, surgiu, também, o interesse das pessoas (são os usuários)
de quererem ter acesso a ele, dentro dos termos legais, e, em alguns casos, até fazer um uso transformativo
dessas obras, que é algo extremamente natural. É um paradoxo. Eu diria que é um paradoxo que sempre
existiu. E acredito que sempre existirá, enquanto tiver… Teremos a Internet. Sabe-se lá o que vai ocorrer no
futuro. Evidentemente, esses dois pontos vão sempre acabar vindo à tona. O problema é justamente gerir
o equilíbrio desse público e privado, o equilíbrio desses interesses.
Esse equilíbrio sempre é muito delicado. Por quê? Se a pessoa for totalmente favorável ao direito do
autor, ao direito autoral, ao direito exclusivo que o titular do direito exerce, ele vai estar numa posição muito
complicada, assim como vai estar numa posição muito complicada o usuário que quer ter acesso, também,
sem pagar nada (vamos pegar os extremos), que são as posições extremas, que ocorrem. É necessário
achar um meio termo. Nós temos várias legislações que possibilitaram esse meio termo, seja por meio de
introdução de medidas como compensações eqüitativas para utilização de obras.
	 Então, eu vou fazer uma copia privada. Eu posso fazer? Posso. Mas, em determinados casos, para
não causar um prejuízo ao autor, ao titular, vai haver uma compensação eqüitativa. Há várias legislações, na
Alemanha e em tantas outras. O Brasil não tem isso, assim como não tem situações de licenças compulsórias
para utilização de obras.
Com essa situação, com esse quadro, o que começou a surgir? Começaram a surgir, obviamente,
reações nítidas, decorrentes destes dois pólos: dos titulares do direito (que podem ser autores, também,
Anais do Seminário Direitos Autorais e Acesso à Cultura, ago/2008
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______________
4 Pontifícia Universidade Católica / Rio Grande do Sul – PUC/RS
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como eu repito) e dos usuários. Por parte dos titulares, há uma intenção muito clara de introduzir medidas
tecnológicas de proteção, que, na própria legislação brasileira, estão previstas, embora de maneira meio
sorrateira, como eu digo, porque não se teve, talvez, a coragem (desculpe a palavra) de dizer: “É permitido
o uso”. Mas foi escamoteada. Lá nos artigos 107, 103 é mencionado isso, mas pode causar um entrave
grave para os usuários. Obviamente, há a situação de remodelação das limitações que são impostas ao
direito de autor. Notadamente, na União Européia, quando saiu a diretiva européia de harmonização de
direitos autorais e direitos conexos, para os casos da sociedade de informação, ficou muito claro que, na
verdade, a possibilidade do acesso gratuito, praticamente, morreu.
As pessoas não tinham como usar e acessar. Por quê? Aquelas medidas que não estavam sujeitas
a uma compensação eqüitativa, portanto, a um pagamento, estavam sujeitas a uma medida tecnológica de
proteção. Só aí, a gente já vê quão forte a restrição surgiu. Isso é o lado dos titulares. Obviamente, do outro
lado, começaram a surgir outras reações, que não nasceram em países de direito continental, do qual o
Brasil faz parte (nos Estados Unidos, doutrina anglo-saxã), e que acabam sendo interessantes, no sentido
da reação, efetivamente, dos usuários.
Movimentos como Creative Commons, commons software livre são movimentos a que, até,
geralmente, eu não sou muito simpática, não pela razão do surgimento deles, mas pelo fato de que, no
Direito brasileiro, isso não era necessário surgir, porque o titular do direito do autor pode fazer o que ele bem
entende com a sua obra (“que entende”, dentro de limites, dentro de limites legais, evidentemente). O autor
pode licenciar, pode autorizar para fazer cópias, não fazer cópias. Ele tem um leque muito grande, para
negociar o problema. É que o autor, principalmente, o autor (eu não estou falando tanto do titular do direito)
não conhece, às vezes, suficientemente, esse poder que tem. Então, acabam sendo atrativos modelos
como Creative Commons, software livre, que, repito para vocês, são modelos que eu acho interessante, no
sentido de que impulsionaram as pessoas que não tinham conhecimento da possibilidade dos direitos que
elas tinham em relação aos seus negócios.
Então, são reações muito interessantes: de um lado, os movimentos de Creative Commons, software
livre, em que podem utilizar, as pessoas não precisam pagar para utilizar a obra, podem utilizar e transformar
essa obra. Não há problema nenhum, não há violação, não tem de pagar royalties. Fantástico. De outro
lado, aquela reação mais restritiva. Muito bem.
Obviamente, eu fiz essa introdução para nós falarmos da questão do direito do consumidor, que é
uma questão complicada. Como bem mencionou o Bruno, depois, a Estela, é, realmente, uma temática
pouco debatida, no Brasil. Pouquíssimo debatida. Eu mesma, pesquisando, encontrei algumas referências
lá no Bruno, no Ascensão. O Carboni também acaba falando, ali, por causa das limitações extrínsecas.
Mas é uma temática que acaba sendo um pouco descuidada. No entanto, é uma ferramenta extremamente
importante, para uso do usuário, em especial. Claro que o fornecedor, que vai ser o titular do direito, vai ter
a possibilidade de uso dessa ferramenta, também. Mas é uma temática importante.
Então, obviamente, a gente tem de partir da idéia do consumidor. Existe um autor, que é o Joseph
(até botei para vocês, ali), que faz uma análise muito interessante do consumidor, no aspecto jurídico. Ele
não vai para o texto legal. Ele faz uma coisa mais ampla. Ele entende que o consumidor pode ser entendido
de forma passiva, ativa ou, até mesmo, consumidor como autor. Então, vamos verificar o que é cada um
desses.
Um consumidor passivo, em poucas palavras, é aquele que, simplesmente, adquire uma obra, que
é um produto, ou usa um serviço, simplesmente para fins privados. Ele não quer fazer nada com isso. Ele
compra o CD só para escutar música. Ele não quer fazer cópia privada. Ele compra o livro que ele quer ler.
Ele não quer fazer cópia. Ele quer, simplesmente, desfrutar essa obra. Esse é o consumidor passivo.
O consumidor como autor… É até uma nominação interessante, porque dificilmente a gente consegue
vislumbrar a figura do autor como sendo consumidor, mas ele é consumidor como qualquer outro. Mas o
consumidor como autor tem uma característica muito específica. Eu mesma (vamos pegar um exemplo):
eu, aqui, quando preparei esta apresentação, acabei utilizando o próprio Joseph Liu. É um autor. Tem
uma obra. Imaginem se as restrições fossem tamanhas, que eu não pudesse citá-lo. O autor quer fazer
um uso transformativo de uma obra. E ele só vai fazer isso, se ele tiver acesso às obras. Se ele não tiver
acesso às obras, vai ser impossível que isso se dê. Essa é a característica do consumidor como autor,
especificamente.
O consumidor ativo é aquele que adquire uma obra, mas quer interagir com ela. Ele quer um pulo.
Ele não quer só escutar. Ele quer fazer alguma coisa mais. Dentro desse aspecto, o consumidor ativo pode
ser visto, dentro das relações que ele opera, em que ele quer interagir com a obra, de forma autônoma, de
uma maneira relacionada a uma comunicação e, até, com caráter autocriativo.
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Mesa 1: O equilíbrio dos interesses público e privado no direito autoral na perspectiva do consumidor
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Vamos verificar cada uma delas, ali, para a gente ver. Então, o autor em relação à autonomia: é bem
como eu coloquei para vocês. É quando o autor adquire ou utiliza um produto ou serviço de direito autoral
com a possibilidade de poder dizer quando e como ele quer utilizar um bem. Aqui, eu aponto para vocês
um significado extremamente importante, desse conceito, que não é meu (vamos fazer bem dentro dos
direitos autorais: é do Joseph Liu). Aparentemente, isso não teria problema, mas por que é importante a
capacidade que o consumidor ativo tem de dizer quando e como ele quer usufruir esse bem? Porque nós
temos medidas tecnológicas de proteção. E algumas medidas tecnológicas, ou as DRMs (que são mais
propícias para isso), podem impedir, quando compro um CD, por exemplo, de música, que eu possa usá-lo
só naquele computador. Ele identifica que, naquele computador, vai ser rodado o meu CD de música. Se eu
o levar para o carro, ele não vai funcionar, porque ele não identifica, ou ele cria algum tipo de mecanismo
que impede. Eu fico até brincando: se as situações fossem assim, ou se não houvesse uma informação
correta, daqui a pouco, a pessoa, para poder usufruir uma obra, teria de comprar uns três, quatro CDs ou
uns quatro, cinco livros, para cada ambiente, mas tudo para uso privado. Então, vejam como é importante o
aspecto de autonomia do consumidor: escolher quando e como. Aqui, neste caso, obviamente, ele não vai
violar lei. Não se está pregando, obviamente, a violação, porque isso é horrível. Não tem como. Mas essa
liberalidade tem de ser dada. É um princípio básico do consumidor, do usuário em geral.
O aspecto da comunicação: é quando eu quero, obviamente, interagir um pouquinho mais. Então,
eu compro um CD, compro um DVD, compro um livro. É muito comum, por exemplo… Nossa, eu não sei
se há muita gente do Direito, mas também de outros segmentos, ainda mais com a facilidade da Internet…
De fazer aquelas listas de discussões. Acho que alguém já deve estar… Alguém, se não forem todos, já,
brindados com convites, para participar de listas de discussões. Muito bem. O que se faz nessas listas de
discussões? A gente, às vezes, apresenta casos, às vezes, quer-se discutir uma obra. Obviamente, se eu
for entrar no aspecto autoral, eu só vou poder discutir pequeno trecho da obra; não a obra inteira. Ou então
cada um vai ter de comprar. Então, um artigo: um artigo de oito páginas (vamos pegar um artigo pequeno).
Será que eu poderia levar para essa lista de discussão? Se for para termos legais, a coisa fica complicada,
em termos de direitos autorais. Mas não existe nada mais democrático, não existe nada mais criador do
que você possibilitar a análise crítica de uma obra. Eu estou causando prejuízo para o autor? Não. Ao
contrário.
Outro exemplo muito comum: a pessoa compra um CD de música. Ela tem vários CDs. Ela resolve
mostrar. Leva para a casa de um amigo, para uma festinha pequena. Quer escutar aquela música. Ele pode
fazer isso? Não pode. São situações muito comuns, muito do dia-a-dia, que podem gerar problemas de
ordem autoral. O consumidor, quando compra a obra, quando adquire o produto, ele adquire, dentre outras
coisas, para fazer isso também. Mas ele não quer que o coitado do autor fique à míngua. Obviamente, não.
Mas ele quer compartilhar aquele conhecimento.
Há outra situação, que talvez seja a situação mais complicada, que é a situação do direito do
consumidor ativo numa interação maior, numa autocriação. É o que nós, comumente, vemos: as pessoas
quererem fazer, então, um CD próprio. Eu tenho uma coletânea de CDs, vários e vários CDs. Só que eu
gosto de música de um, música de outro, e assim por diante. E aí eu quero fazer o quê? Um CD meu. Eu
só quero escutar aquelas músicas. Eu não quero carregar os dez CDs. Eu só quero levar um, até porque
é perigoso levar a cópia original, porque, se levam o carro, eu perco, inclusive, o meu original. Eu quero,
simplesmente, fazer uma compilação, para uso privado. É um problema em termos de direito autoral. Mas o
consumidor, quando vai adquirir esse produto, pensa isso. É nesse sentido que nós temos de analisar. Mas
é uma dor de cabeça para o direito autoral.
Então, por que a análise desses conceitos de consumidor? Porque, em determinados casos,
principalmente na postura do consumidor ativo, nós vamos verificar que, se nós formos identificar, fazer
uma relação, como o Bruno disse, com normas de direitos autorais… Já gerou uma polêmica tremenda.
Só a questão da cópia privada já arrasa, já dá uma dor de cabeça tremenda, ali, para esses consumidores,
que, de boa-fé, compraram, legitimamente, mas que vão ser cerceados por dispositivos legais de não poder
fruir plenamente aquele bem, como ele gostaria. Então, obviamente, o direito do consumidor traz essa
possibilidade de apaziguar, de ponderar um pouco mais. É o que nós costumamos dizer, no Direito: que se
trata de uma limitação extrínseca ao direito autoral.
Nós temos limitações, várias (do art. 46, e aí, 47, 48), que falam das limitações legais do direito
autoral. Só que não bastam essas limitações extrínsecas, que estão previstas na lei. Eventualmente e
mais comumente, nós andamos verificando a ocorrência de limitações de fora do direito autoral: direito de
concorrência, direito de acesso, direito da informação, direito do consumidor. Porque, se eu adquiro um
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produto, e não me é informado, como falou a Estela, que aquele produto só vai rodar na Europa e, não, aqui
na América do Sul, eu estou sendo prejudicada, porque eu comprei um destino final específico, de usufruir
a obra. Eu paguei. Eu não estou burlando o direito autoral. O titular do direito, o autor, vai receber seus
direitos autorais. Mas eu vou sair prejudicada. Sem pensar na situação de processo judicial daí, porque, se
envolve exterior, a coisa fica muito mais complicada. Então, vejam vocês a importância disso.
Então, essas limitações extrínsecas são interessantes de serem analisadas, mas também são muito
complicadas dentro do quadro atual. Por quê? O direito autoral já está sofrendo uma limitação muito severa,
dentro da própria lei interna, dentro da lei autoral. Não bastassem essas limitações, ele ainda sofre outras
limitações. Então, é quase a restrição da restrição.
É necessária, realmente, uma ponderação muito grande, na aplicação dessas regras. Uma
ponderação que se passa, num primeiro momento, pela interpretação da norma, da lei. Obviamente, nós
vamos depender das habilidades dos advogados, dos juízes, dos promotores. E eu digo: o advogado que
milita na área tem de ser didático (nós temos de ajudar o julgador), porque é uma área em que ainda não
há pleno domínio do conteúdo e das conseqüências que podem acontecer. A didática é muito bem-vinda.
Sempre com uma postura educada se consegue chegar a um bom termo.
Então, a primeira situação: é necessária uma boa interpretação. A alteração legislativa, no caso do
direito do consumidor, eu até fico pensando, às vezes, se seria tão necessária assim ou não, porque a lei
de direito do consumidor eu acho tão boa. Eu digo assim: que bom que a lei autoral seguisse os moldes,
a estrutura, em alguns aspectos, da lei de direito do consumidor, porque a lei de direito do consumidor,
para situações que eu coloquei para vocês, tem um ferramental próprio para defesa. Só falta alguém que
defenda. O consumidor brasileiro é muito acomodado. A gente não briga por 1 centavo ou 2 reais. Um
centavo ou 2 reais, para uma pessoa, não é nada, mas quando soma 1 milhão, 2 milhões, a soma já fica
um pouco diferenciada. Então, é importante a gente verificar isso.
Aqui, eu tinha colocado conceitos de o que é consumidor, produto, serviço, depois, o fornecedor
mesmo. Só vou deixar bem claro que, obviamente, dentro do quadro da relação de consumo, o consumidor
é usuário, é aquele a quem se destina a obra. “Nós queremos ter pessoas que consumam essas obras”,
para gerar riqueza.
O fornecedor, obviamente, vai ser o titular de direito, o autor, é aquele que vai fornecer, produzir
aquela obra, em especial. Como o Bruno também havia dito, e a Estela reforçou… Mas é um reforço que
nós devemos fazer constantemente, porque nos esquecemos disto: o direito de autor, assim como o direito
do consumidor, é um direito fundamental, e como tal ele deve ser tratado. Essa análise é extremamente
importante para a solução dos casos que se apresentam. É vital.
Fora isso, o direito do consumidor ainda tem um aspecto, justamente, muito importante dentro da
ordem econômica do País, que tem um dispositivo constitucional que também havia sido mencionado pelo
Bruno. Então, é extremamente importante partir desse princípio, porque todas as soluções vão nascer,
justamente, daí, sem esquecer que um é tão fundamental quanto o outro. Mas só no caso concreto é que a
gente vai conseguir examinar.
Acredito, muito pessoalmente, que seja difícil criar uma regra que consiga solucionar um problema
como esse, que envolve embate de direitos fundamentais. Nós podemos apresentar critérios específicos
que facilitem essa interpretação, como, por exemplo, o problema de cópia privada. Meu deus do céu. Vamos
resolver esse problema de uma vez. E outros mecanismos, em termos de limitações, que podem auxiliar
o caráter do direito autoral, para não ocorrer o que o Bruno disse… Num caso de dúvida, havendo conflito
entre direito autoral e direito do consumidor, pela regra, expressa (porque existe uma disposição expressa,
mesmo, que é a do 47), vai prevalecer o direito do consumidor. Em alguns casos, vai ser muito favorável;
em outros, pode ser que não. Então, essa observação é extremamente importante.
Aqui eu botei alguns casos para vocês, mais no sentido de uma análise. Esse conflito, que gera
o direito do consumidor e o direito de autor, pode acabar gerando uma hipertrofia ou uma metamorfose,
como dizem alguns autores, no próprio direito autoral, que é, na verdade, o que nós estamos vendo. Aliás,
esse é um dos tópicos fundamentais, porque deve ser questionado e deve ser muito bem pensado. Qual
é o direito autoral que nós queremos? Quem é a pessoa que deve ser defendida dentro do direito autoral?
Parece tão óbvio, mas a gente escuta tanta coisa e lê tanta coisa, que às vezes esquece que, dentro do
direito autoral, o autor é uma figura fundamental… O autor. O titular derivado é uma figura importante? É.
Mas o autor é uma figura essencial. Sem autor, nós não temos obras. Então, algumas questões devem ser
muito analisadas, até porque daqui a pouco nós vamos verificar que as obras vão acabar tendo um caráter
também não tão fundamental assim.
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Mesa 1: O equilíbrio dos interesses público e privado no direito autoral na perspectiva do consumidor
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Aliás, nós já vemos alguns tipos de obras muito modernas. Acabou citando Wikipédia. São obras
de caráter coletivo. Mas alguém vai ganhar dinheiro com isso. Será que vão ser os autores, os usuários?
Quem vai ganhar dinheiro com isso? Quem a lei autoral quer proteger? Parece uma pergunta boba, mas
ela é fundamental de ser feita e de ser reforçada, sempre quando houver uma interpretação. Ou mesmo, se
houver uma situação de remodelação do direito autoral, isso se deve ter sempre como norte, em mente.
Muito bem. Existem alguns casos, famosos, que envolvem o direito do consumidor. Eu botei alguns
deles, mas há tantos. Aqui mesmo, de certa forma, a USP já foi vítima. É. A questão da cópia privada.
A gente lembra: “É direito de autor”. Sim, mas quem está tirando cópia é o consumidor. O consumidor é
usuário. Usuário de obra. E o consumidor sofre muito, pelo fato de não ter acesso a obras.
Eu mesma vou dar um exemplo para vocês, que ficou até muito engraçado: agora, na época da
elaboração da tese, eu consegui localizar um livro fantástico. E eu queria a cópia do livro. É evidente. “Poxa,
eu, que defendo o direito autoral, não vou querer prejudicar o autor. Acredite em mim. De jeito nenhum”. Fui
eu, ingenuamente, pedir, por meio de um sistema que têm as bibliotecas integradas: “Eu quero a cópia do
livro. O livro é de 1960. Não foi reeditado. Quer dizer, não vou conseguir esperar uma nova edição”. Daí,
responde-me a bibliotecária: “Conforme a Lei de Direito Autoral, não é possível dar a cópia integral”. Você
nem consegue discutir com uma pessoa assim. Não tem como argumentar. Não tem como gerar um tipo de
argumento. E eu fiquei… Ou eu compro uma passagem aérea, vou até o Canadá e pego o livro ou então
fico sem ele. Vejam os absurdos que se criam. Por isso é importante o debate do domínio público também.
Nesse caso, não estava em domínio público, mas a obra está esgotada. O homem até morreu. Quer dizer,
não há nem chance. Agora vai começar a briga da herança. E aí? E o meu interesse de ter acesso a essa
obra? Eu, consumidora.
Aqui, a questão da cópia privada. Foi um absurdo, mesmo, o que aconteceu. Até porque, eu costumo
dizer, a intenção da associação foi muito positiva. Eu não sou contra a defesa do direito autoral. Agora,
a forma como foi realizado é que é grave, até porque deveria haver muitas obras ali que já estavam em
domínio público ou eram obras cujos autores ou titulares não faziam parte dessa associação. Portanto, não
tinham nem legitimidade de fazer coisa do gênero. Então, é muito grave quando se verifica esse tipo de
situação.
Nós vamos verificar que a doutrina e a jurisprudência européias e americanas, embora não se possa
aplicar realmente no Brasil, acabam gerando alguns princípios interessantes. Quais são esses princípios?
São os princípios, justamente, de dar acesso ao consumidor.
No caso Magill, foi um caso em que se queria fazer uma coletânea de informações de programas de
televisão. Os canais desses programas de televisão não queriam fornecer essas informações. Quem saiu
prejudicado? Os usuários, os consumidores. Assim, ocorreu por várias vezes.
Eu já recebi aqui um recadinho: que eu tenho pouco tempo. Então, eu vou só passar para alguns
tópicos, rápidos, para vocês. Basicamente, o que mais incomoda e o que é mais conflituoso, realmente,
dentro do direito autoral e do direito do consumidor, é, sem dúvida, a questão da cópia privada. Tanto, que
eu coloquei uma expressão, que é de um autor holandês, do Bern Hugenholtz: ele fala que é um hot potato.
Que a batata quente de quem estuda direito autoral é a cópia privada. Por quê? Por questões óbvias: se eu
der a cópia privada, não há remuneração do titular. Como nós vamos solucionar isso, com aquela dicotomia
toda que eu falei para vocês?
Houve um caso muito importante que envolve as medidas tecnológicas de proteção, as TPMs
ou DRMs. Embora não se faça, existe uma diferença entre os termos: a TPM está relacionada, mais, à
possibilidade de cópia. A DRM é um pouco mais complexa: não só cópia, mas também dimensões de
outro caráter. Uma situação que ficou muito notória, aqui no Brasil, foi o caso que envolveu, felizmente ou
infelizmente, a cantora Marisa Monte. Foi a EMI que propiciou toda essa situação, que foi a introdução de
medidas tecnológicas que impediam a cópia privada. Eu sou consumidor.
Eu adquiri, legitimamente, aquele bem, como o Bruno disse. Eu quero usar, fruir dele. A cópia não
era permitida. Isso afrontava, inclusive, a própria legislação atual, que já é extremamente restritiva, nos
termos de hoje. Quer dizer, não se podia fazer nem uma cópia de um pequeno trecho de uma música dela.
Era impossível fazer isso. Obviamente, isso foi revertido, mas é um caso que acaba sendo importante, bem
importante de ser analisado.
Por que eu coloco ali a expressão: “fim ao ubercopyright”.Até o Bruno, também, utiliza essa expressão.
O Bern Hugenholtz utiliza há muito tempo. Que é o risco de que essas medidas tecnológicas de proteção
acabem gerando um superdireito autoral, que não vai favorecer nem o autor, nem o usuário. Esse é o
problema.
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Mesa 1: O equilíbrio dos interesses público e privado no direito autoral na perspectiva do consumidor
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Nós temos cláusulas abusivas. Aqui, eu só vou falar de duas situações, realmente, que a cláusula…
Quando nós adquirimos produtos, nós estamos fazendo contratos. E, quando nós estamos fazendo
contratos, deve haver a informação, obrigatória, porque, se não houver informação, o usuário se favorece, o
consumidor se favorece. Portanto, também, muitas situações ocorrem em cujo contrato constam cláusulas
abusivas.
Vamos supor: a cláusula implícita do CD da Marisa Monte. Impedir de fazer uma cópia privada é
abusivo. Vai contra a lei. Não tem noção nenhuma. Como nós vamos fazer isso? Nós temos ferramentas
legais: o art. 51, incisos I e IV. Eu acho que o IV, até, está mais adequado, porque considera nulas as
cláusulas que estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em
desvantagem exagerada ou sejam incompatíveis com a boa-fé e a eqüidade. Isso denota que o consumidor
está em plenas condições de garantir os seus direitos.
Por último, é a questão da pirataria. A gente tem de falar um pouco da pirataria, envolvendo o
direito do consumidor, porque, infelizmente, a pirataria existe. Só que a pirataria existe, e, muitas vezes,
a existência dela acaba gerando um conflito muito maior entre os personagens, que já são conflituosos:
autor, titular de direito e os próprios usuários. A necessidade de um equilíbrio desses direitos acaba sendo
fundamental, porque, dentro de uma relação, na análise da pirataria, o que o titular do direito e o autor
querem, naturalmente? Eles querem ganhar dinheiro. Esse é o foco principal. Evidente, com aquela ressalva:
geralmente o autor acaba cedendo, e normalmente quem ganha dinheiro, mesmo, é o titular. O autor já está
lá, ganhou.... Depende do tipo de autor, como eu costumo dizer.
O usuário quer ter acesso pleno, sem pagar quase nada. Às vezes, ele quer comprar legitimamente,
mas o valor acaba sendo muito alto. E aí ele cai na pirataria. Não tem muita alternativa. E o pirata fica louco
de faceiro, com toda essa situação. Ele nem quer, realmente, que esse problema do equilíbrio se resolva,
porque, para ele não é vantajoso: “Eu, não. Quanto mais briga tiver entre autor e usuário, melhor para
mim”.
Às vezes, eu acho que os titulares não se dão conta disso. Isso me preocupa tremendamente. Muitas
vezes, as atitudes de querer ganhar mais acabam incentivando a pirataria. Não é só o crime organizado,
que falam que está por trás. A atitude do titular do direito, às vezes, propicia a pirataria. Desculpem se eu
falei muito forte, mas há que se falar.
É de fundamental importância a participação de associações de consumidores para a defesa dos
seus interesses. Uma coisa mais importante ainda é a figura do Ministério Público. O Ministério Público é
aquele que não só pode, mas deve garantir a tutela dos direitos difusos, como são os direitos dos usuários,
dos consumidores de obras. A gente não vê essa movimentação, de forma forte. Então, eu daria uma
mensagem. Acredito que, numa reflexão dessas, a figura do Ministério Público deveria ser muito destacada,
porque o consumidor isolado às vezes não tem força. Mas o Ministério Público tem de estar preparado para
agir, diretamente, nesses casos. Desculpem se me estendi muito, mas tive de cortar muitas coisas aqui,
certo? Obrigada.
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MESA 2
LIMITAÇÕES E EXCEÇÕES DA LEI
TRANSCRIÇÃO DA PALESTRA DE GUILHERME CARBONI5
Gostaria de agradecer o convite que me foi feito pelo Ministério da Cultura e aos professores da
USP Leste, para participar deste evento. Para mim, é uma grande honra. Saúdo, aqui, os componentes da
Mesa.
O tema deste painel, a meu ver, é um dos temas mais críticos. É sempre o ponto nevrálgico do direito
autoral, que é justamente a questão das limitações. As limitações são aquelas hipóteses, que são previstas
pela lei, de livre utilização de uma obra, protegida, sem a necessidade de autorização do autor.
Eu gosto bastante de colocar a questão das limitações numa esfera um pouco mais ampla, que diz
respeito à própria função social do direito de autor. Ou seja, para que serve o direito de autor? Qual é a
sua finalidade? O que justifica a existência do direito de autor, sob a perspectiva de um interesse público
ou de um interesse coletivo? Então, antes, até, de falar da questão das limitações, eu gostaria só de tecer
algumas palavras a respeito dessa função social.
A função social do direito de autor, numa perspectiva de interesse público, seria a de promover o
desenvolvimento cultural, econômico, tecnológico, mediante a concessão de um direito privado, que a gente
chama de um direito exclusivo. Então, essa seria a função social do direito de autor, que não se confunde
com as limitações. Até o tema da função social do direito de autor acabou sendo objeto de debate (acho que
do penúltimo fórum de direitos autorais, do qual tive o prazer e a honra de participar também).
As limitações de propriedade atingem o seu exercício e, com as limitações de direitos autorais, não
deixa de ser diferente. Ela atinge o exercício desse direito, ao passo que a função social é muito mais ampla,
pois constitui a própria substancia do direito de autor ou, ainda, o seu fundamento, a sua justificação.
Então, é por essa razão que, simplesmente (até como foi muito bem colocado, no painel anterior),
nós, aqui, discutirmos uma alteração de qual conceito que se deve dar à cópia privada ou a pequeno trecho,
é uma parte do problema. Na verdade, com base nessa idéia de função social do direito de autor (ou seja,
como sendo um instrumento que tenha de levar ao desenvolvimento cultural), a sua própria essência, a
própria estrutura desse direito, teria de ser revista “de cabo a rabo”. Quer dizer, se qualquer ponto do direito
autoral for contrário a essa idéia, a essa finalidade, que, em última instância, possui uma finalidade pública,
ele teria de ser revisto. Então, as limitações, na verdade, são, simplesmente, uma parte dessa questão.
Elas têm que ser examinadas nesse contexto.
E eu fico bastante contente, bastante feliz de ter aqui, nesta Mesa, pessoas de fora do âmbito jurídico,
porque, como até foi bem colocado, no painel anterior, pelo Laymert Garcia dos Santos, nós vivemos hoje
em um momento em que as discussões não podem ficar, somente, em torno das definições jurídicas. Isso
porque tais questões envolvem as novas relações sociais, questões econômicas, sociais, etc. Até nos
colocaria aqui uma limitação de, como juristas, tentar resolver o problema das limitações sem recorrer a
outros campos do conhecimento. Nós, juristas, temos de nos debruçar sobre essas questões econômicas,
sociais, porque senão, fica difícil entender a profundidade das questões envolvidas, por exemplo, no conceito
de “pequeno trecho”. Então, a função social do direito de autor, nessa perspectiva mais ampla, abrange
uma revisão da própria estrutura do direito. E as limitações compõem uma parte dessa estrutura.
As limitações, que nós vamos tratar neste painel, constituem uma das restrições ao direito de autor,
que eu estou aqui chamando de restrições intrínsecas. O que são restrições intrínsecas? São restrições
dentro do próprio sistema do direito de autor. Nessa perspectiva de função social do direito de autor, uma
das restrições intrínsecas que teriam que ser revistas diz respeito ao próprio objeto da proteção.
Quer dizer, se hoje nós vivemos uma situação em que o direito autoral vem ampliando, cada vez
mais, os seus braços, a ponto de virar a grande “mãezona”, como já disseram, pois, quando não se sabe
como proteger uma criação, joga-se para o direito de autor... Todos sabemos a aberração que é proteger
o software pelo direito de autor... O mesmo se pode dizer com relação à base de dados, direitos conexos
de empresas de radiodifusão. Então, essa ampliação do objeto do direito de autor tem que ser revista. O
mesmo se diga com relação ao prazo.
Existe uma limitação internacional, em matéria de tratados, até onde se pode chegar, mas o prazo
que nós temos hoje é um prazo que levaria a um desenvolvimento cultural? Ele é um prazo muito longo? Ele
é um prazo muito curto? As restrições extrínsecas, que já foram colocadas no painel anterior, envolvem os
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Mesa 1: O equilíbrio dos interesses público e privado no direito autoral na perspectiva do consumidor
5 Instituto de Direito do Comércio Internacional e Desenvolvimento
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23
conflitos do direito de autor com o direito do consumidor, o direito constitucional de acesso ao conhecimento
e outros direitos constitucionais. Portanto, há outros direitos fundamentais que também seriam aplicados na
interpretação do direito de autor.
Agora, então, eu passo à análise de alguns conceitos técnico-jurídicos, sobre como poderiam ser
interpretados os dispositivos dos tratados internacionais e da nossa legislação de direitos autorais, em
matéria de limitações. A Convenção de Berna, que é o grande tratado em matéria de proteção internacional
de direitos autorais, traz a chamada “regra dos três passos”. Basicamente, diz o seguinte: “Fica reservada
às legislações dos países da União, a faculdade de permitir a reprodução das referidas obras”. E, então,
nós temos os “três passos”, que teriam de ser atendidos. Não bastaria o atendimento de apenas um ou dois.
Os três teriam que ser atendidos.
O primeiro deles, diz que a limitação cabe em certos casos especiais, desde que tal reprodução não
prejudique a exploração normal da obra, nem cause um prejuízo injustificado aos legítimos interesses do
autor. Qual seria o sentido dessa frase, “certos casos especiais”? Como são princípios gerais, a interpretação
permite muita coisa. Tradicionalmente, nós temos uma interpretação mais restritiva. Hoje, parte-se para uma
interpretação mais aberta. Já existe uma certa movimentação nesse sentido. Eu vou até comentar, aqui, a
respeito de um documento que vem sendo bastante discutido. Foi elaborado pelo Instituto Max Planck, de
Munique, na Alemanha, que pretende fazer uma interpretação um pouco menos restritiva da “regra dos três
passos”.
Por “certos casos especiais”, nós podemos entender que as hipóteses de limitação não podem
ser amplas e genéricas, ou seja, elas teriam que ser definidas e limitadas, o que não significa (e isso é
importante; esse ponto até já foi colocado no painel anterior) que não se possa regular limitações por meio
de cláusulas gerais.
Falando de uma possível reforma da lei de direitos autorais, há que se verificar o melhor caminho para
a regulamentação dessas limitações: se por meio de um rol taxativo ou se por meio de uma cláusula geral.
E aí nós falamos, enfim, de forma de regulamentação. Na verdade, nós podemos ter até duas posições
semelhantes, no sentido, por exemplo, de uma abertura dessas limitações, mas de pessoas que entendem
que a maneira de regular isso deva ser diferente.
O “segundo passo” diz respeito a uma reprodução que não prejudique a exploração normal da obra.
Aqui, nós cairíamos numa interpretação do que seria “normal”. O que é “normal”? Uma interpretação, vamos
dizer assim, mais tradicional diria que exploração normal seria uma exclusividade de exploração que o autor
espera, razoavelmente, poder realizar em condições normais, no momento de sua criação. E aí a idéia de
“normal” como formas de exploração que tenham ou possam vir a ter considerável importância econômica
ou prática. Dessa forma, não se poderia estabelecer uma limitação de fora que fosse injustificada a um
mercado comercialmente relevante, exceto (aqui é importante frisar) se houver uma finalidade pública,
quando, então, a limitação poderá ser imposta.
Foi instaurado um painel pela OMC, que foi constituído para analisar as limitações do Digital
Millennium Copyright Act, dos Estados Unidos, que é uma lei norte-americana em matéria de direitos
autorais em meios digitais. Qual foi o resultado desse painel? As principais conclusões foram as seguintes.
Essa decisão surpreende, porque abre, dá uma certa abertura, que nós já vamos comentar, que está nesse
último parágrafo, aqui, que está mencionado na apresentação. Basicamente, a decisão foi no seguinte
sentido: que se deveria levar em consideração, não somente usos então existentes da obra, mas também
seus usos potenciais. Todas as formas de exploração de uma obra, que tenham ou, provavelmente, venham
a ter importância econômica ou prática considerável, deveriam ser reservadas ao autor. Mas, aqui, o ponto
importante que está na decisão, diz o seguinte: “Nem todos os usos comerciais de uma obra necessariamente
conflitam com sua exploração normal”. Isso resta evidente no caso da cópia privada. Por quê?
É possível defender que, em determinadas condições, a cópia privada não afeta a exploração normal
da obra. Então, nós poderíamos dizer que, saber se uma utilização afeta ou não a exploração normal
da obra significaria saber se tal utilização pode ser vista como substituta em relação à aquisição de um
exemplar original. Então, a questão da cópia privada pode envolver uma série de situações (eu, aqui,
elenquei algumas delas) em que não necessariamente nós poderíamos dizer que haja uma substituição à
aquisição do exemplar original.
Para citar alguns exemplos: cópias feitas a partir de um exemplar original legitimamente adquirido
pelo copista. Então, a pessoa que compra um CD e faz algumas cópias: uma, para deixar no carro; a outra,
para deixar num outro lugar. Enfim, para não ter que transportar a obra original. Quer dizer, até que ponto
isso substituiu a aquisição do original?
Um outro exemplo: a obra que não esteja sendo, efetivamente, explorada e que esteja esgotada. Ao
se fazer uma cópia, é impossível adquirir o original, porque ele está esgotado. Reprodução para preservação
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Mesa 2: Limitações e Exceções da lei
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  • 1.
  • 2.
  • 3. 3 Anais do Seminário Direitos Autorais e Acesso à Cultura, ago/2008 Fórum Nacional de Direito Autoral – Ministério da Cultura Índice Mesa 1: O equilíbrio dos interesses público e privado no direito autoral na perspectiva do consumidor Usuários finais das obras protegidas, os consumidores de bens e serviços culturais não têm merecido um lugar de destaque nas discussões a respeito da legislação autoral. Como toda produção tem por finalidade o consumo, nesta Mesa será discutido como integrar as normas de proteção aos consumidores e de promoção da cidadania com as normas definidoras do Direito Autoral. Mediador: Laymert Garcia (Unicamp) Palestrantes: - Bruno Miragem (Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor – BRASILCON) - Estela Waksberg Guerrini (Instituto de Defesa do Consumidor - IDEC) - Helenara Avancini (Pontifícia Universidade Católica/RS) Mesa 2: Limitações e Exceções da lei O Direito Autoral, como todo direito, está sujeito a limites, entre os quais estão os direitos constitucionalmente definidos de acesso à cultura, à educação, à informação e ao conhecimento. Diferentemente da maior parte dos países do mundo, tais limites, em nossa Lei, são mais restritos. É necessário alterá-los? Mediador: Giuseppe Cocco (UFRJ) Palestrantes: - Guilherme Carboni (Fundação Armando Álvares Penteado - FAAP) - Marrey Luiz Peres Jr. (PG&A Consultoria e Serviços) - Pablo Ortellado (Universidade de São Paulo) Mesa 3: Medidas Tecnológicas de Proteção Com o surgimento da Internet, as medidas tecnológicas de proteção, conhecidas pelas siglas TPM, DRM ou ainda por “proteção anti-cópia” , alcançaram um forte impulso e são vistas como uma forma de combater usos ilícitos de obras protegidas no meio digital. Porém, as medidas têm prejudicado mais o cidadão comum do que os chamados “piratas”, que conseguem burlá-las. Ainda há alguma razão para as empresas insistirem no uso dessas medidas? Mediador: João Brant (Intervozes) Palestrantes: - Marcelo Bechara (Ministério das Comunicações) - Pedro Rezende (Universidade de Brasília) - Pedro Paranaguá (Fundação Getúlio Vargas/RJ) - José Peña (EMI Music) Mesa 4: Usos Educacionais de Conteúdos Protegidos As tecnologias digitais e a Internet trouxeram novas e promissoras possibilidades para as práticas pedagógicas. Porém, os educadores e educandos encontram dificuldades das mais diversas ordens para explorar esse imenso potencial. Quais são os problemas encontrados mais comumente e como potencializar os usos educacionais preservando o respeito aos direitos dos criadores? Mediadora: Flávia Rosa (ABEU, EdUFBA) Palestrantes: - Dalton Spencer Morato (Associação Brasileira de Direitos Reprográficos - ABDR) - Ladislau Dowbor (Pontifícia Universidade Católica/SP) - Sueli Ferreira (Universidade de São Paulo) - Jorge Machado (GPOPAI-USP) 9 22 22 26 29 16 13 9 33 33 36 39 45 48 48 51 56 59
  • 4. 4 Anais do Seminário Direitos Autorais e Acesso à Cultura, ago/2008 Fórum Nacional de Direito Autoral – Ministério da Cultura Índice Mesa 5: Patrimônio Cultural Preservar uma obra muitas vezes implica o ato de reprodução, que constitui um direito exclusivo do autor e que demanda autorização prévia. Sem condições de consultar todos os titulares de direitos sobre as obras, ou por desconhecimento, bibliotecas, museus de som e imagem, cinematecas e arquivos públicos ao buscarem preservar o patrimônio cultural brasileiro incorrem freqüentemente em atividades ilícitas. Como trazer essa atividade para a legalidade? Mediador: Istvan Jancso (IEB/USP, Biblioteca Brasiliana) Palestrantes: - Mônica Rizzo Soares Pinto  (Biblioteca Nacional) - Olga Futemma (CINEMATECA Brasileira) - Jaime Antunes da Silva (Arquivo Nacional) Mesa 6: Formas de Licenciamento Cabe ao autor decidir de que maneira uma obra de sua autoria pode ser utilizada ou explorada economicamente. No entanto, na maior parte das vezes, ele é compelido a transferir a uma pessoa jurídica essa prerrogativa. Além disso, a lei brasileira não tem nenhuma previsão de licença legal ou obrigatória, nem incentiva as chamadas “criações transformativas” de obras já existentes. Como estimular a difusão e a recriação cultural nessa perspectiva? E como proceder no caso de obras financiadas com dinheiro público? Mediador: Túlio Vianna (Instituto Brasileiro de Direito Eletrônico, PUC/MG) Palestrantes: - Sérgio Amadeu (Fundação Cásper Líbero) - Vanisa Santiago (Advogada/ SGAE) - Amilson Godoy (Fórum Nacional de Música) - Flavio Roberto Mota (Associação Brasileira dos Ilustradores Profissionais – ABIPRO) Mesa 7: Domínio Público e Obras Órfãs A primeira limitação ao direito autoral é o fato de ele se exaurir após um prazo de tempo (70 anos, no caso do Brasil). Mas, para o cidadão comum, nem sempre é fácil acessar obras cuja proteção patrimonial já se esgotou: seja pelo desconhecimento se a obra está ou não em domínio público, seja pelo fato de a obra só ser acessível através de certas apropriações e domínios privados (traduções, interpretações ou execuções e fonogramas). No caso das obras órfãs, a omissão da lei desencoraja o uso e dificulta os seus acessos. Como difundir essas obras sem desrespeitar os possíveis direitos dos seus titulares? Mediador: Imre Simon (USP) Palestrantes: - Eduardo Lycurgo (Advogado) - Dênis Barbosa (Advogado) - Marcos Wachowicz (Universidade Federal de Santa Catarina) 62 62 64 66 71 71 75 81 85 88 92 97 88
  • 5. 5 APRESENTAÇÃO Seminário “Direitos Autorais e Acesso à Cultura” O segundo seminário de 2008 do Fórum Nacional de Direito Autoral aconteceu em São Paulo, nos dias 27 e 28 de agosto de 2008 e foi intitulado “Direitos Autorais e Acesso à Cultura”. Objetivando debater com a sociedade os sistemas legal e institucional de direitos autorais do país, o seminário contou com a participação de cerca de 2000 pessoas, entre aqueles presentes no auditório da USP Leste e aqueles que acompanharam pela internet. Este seminário enfatizou a importância do papel dos usuários das obras intelectuais, buscando superar a leitura do direito autoral como um ramo voltado exclusivamente para a proteção do autor. Nos estudos contemporâneos, consolida-se cada vez mais o direito autoral como ponto do ordenamento jurídico para onde convergem também os interesses de outros personagens, tão protagonistas desta história quanto os autores e demais titulares: os usuários das obras, entendidos aqui como o público em geral que consome e frui obras intelectuais protegidas. O direito autoral de hoje deve refletir o somatório destas três forças – os autores, os responsáveis pelos investimentos na criação e os usuários – sem preponderância hierárquica prévia de nenhuma delas. Afinal, se é preciso proteger os investimentos essenciais à circulação de bens intelectuais e se é correto dizer que sem autor não há obra, não é menos verdadeiro afirmar que é o usuário que dá sentido à existência da obra. Na Mesa 1: O equilíbrio dos interesses público e privado no direito autoral na perspectiva do consumidor, buscou-se promover o diálogo entre a lei autoral a lei que rege as relações de consumo – não só porque ambos os ramos pertencem à mesma ordem constitucional, mas porque, de fato, as obras reproduzidas em massa pela indústria cultural objetivam, em última análise, sua absorção pelos consumidores. No vasto rol de medidas do Código de Defesa do Consumidor que visam emprestar maior equilíbrio nas relações entre consumidores e demais integrantes da cadeia de consumo, está uma longa lista de práticas abusivas. Além das regras específicas, no campo das normas mais gerais (e mais relevantes hierarquicamente) pode se destacar o mandamento, expresso no Código, de concretizar todos os princípios que regem a Política Nacional das Relações de Consumo. Há, sem dúvida, um grande potencial a ser explorado no que diz respeito à aplicação destas normas para relações hoje confinadas a outros diplomas. Da mesma forma, apenas mais recentemente o direito brasileiro tem se dado conta de modo mais concreto quanto ao imenso potencial inexplorado que reside no estudo das limitações. Tradicionalmente vistas como pontuais exceções aos direitos do autor em nome de um vago interesse social, e submetidas pela doutrina a uma “interpretação restritiva”, as limitações ganham hoje no mundo status de verdadeiros direitos dos usuários, o que evidentemente reverbera no Brasil e no tratamento que elas receberam na Mesa 2: Limitações e exceções da lei. ALeinº9.610deuumtratamentoaestaquestãoaindamaisacanhadodoqueaquelequeaslimitações gozavam na lei de 1973. É o caso, por exemplo, da limitação que trata da permissão para a chamada “cópia privada” – que, na interpretação literal do texto em vigor, passou a só contemplar “pequenos trechos” da obra. Outro exemplo da dificuldade que acomete o estudo das limitações no Brasil é a exegese do inc. VIII do art. 46 da Lei dos Direitos Autorais. Já se sustentou que este dispositivo poderia significar um meio para permitir os usos transformativos das obras intelectuais, mas geralmente sua interpretação acaba refém de uma visão extremamente restritiva. No caso, não ajuda muito a pouco hábil transposição, para o corpo daquele inciso, dos “Três Passos” previstos na Convenção de Berna. O desencontro nas discussões ilustra como ainda precisamos evoluir para construir um modelo brasileiro das limitações, que una o melhor de dois mundos – a maleabilidade do fair use norte-americano com a segurança do pormenorizado tratamento dado na Europa. Além disso, vem se apontando, nos últimos anos, a proliferação de medidas tecnológicas de proteção como uma das grandes ameaças à atuação das limitações como “fiel da balança”, papel que a ela tem sido normalmente atribuído na dinâmica das relações entre autores e titulares, de um lado, e usuários Anais do Seminário Direitos Autorais e Acesso à Cultura, ago/2008 Fórum Nacional de Direito Autoral – Ministério da Cultura
  • 6. 6 de outro. O exemplo sempre lembrado é o dos mecanismos TPM (Technology Protection Measures), cuja principal função seria evitar cópias não-autorizadas de canções vendidas por meio de CD’s ou pela própria Internet. Tais medidas despertaram uma notável antipatia entre os consumidores e não se mostraram eficazes para atingir seu objetivo – na prática, prejudicaram o usuário comum e não atrapalharam a ação dos contrafatores. Mais grave, impediram os usuários de exercitar alguns dos poucos direitos que a lei reconhece sem maiores controvérsias, como o de reproduzir mesmo aqueles “pequenos trechos” para seu uso privado. Há lugar, no cenário futuro, para a manutenção de tais medidas? Este é o grande questionamento que permeia a Mesa 3: Medidas Tecnológicas de Proteção. A discussão segue indispensável, pois, ainda que a indústria tenha arrefecido o recurso a estas medidas recentemente, mecanismos análogos aparecem em destacados foros da atualidade – como no caso do debate sobre o marco regulatório da televisão digital. Outra questão que precisa ser aprofundada é até que ponto pode se permitir que, em última instância, a propriedade intelectual constitua um entrave para a difusão do aprendizado. As limitações expressamente previstas na nossa lei apenas tangenciam, de modo tímido, esta preocupação, que representa um duro obstáculo para que se efetive o direito social à educação previsto na Constituição. Ampliar o exame deste problema é o que pretendeu a Mesa 4: Usos educacionais de conteúdos protegidos. Ainda que haja pontuais previsões, por exemplo, quanto à execução musical nos estabelecimentos de ensino, questão verdadeiramente fundamental é a da cópia privada – sobre a qual inexiste, hoje, na interpretação literal da lei autoral, uma distinção quanto à reprodução feita para fins educacionais. Onde deve ser traçada a linha que separa a cópia indevida da necessária? Como permitir que os alunos tenham acesso a materiais que desempenham papel fundamental em sua educação, compatibilizando este direito com os interesses legítimos dos titulares daquelas obras? Já se discutiu, no Brasil, a idéia de viabilizar as cópias reprográficas por meio da estipulação de pequenas remunerações compensatórias que incidiriam sobre cada pagamento. Entre os projetos de lei recente levados ao Congresso, porém, encontram-se ainda textos que exemplificam o acirramento de ânimos que caracteriza nosso direito autoral – havendo desde quem sugira a permissão pura e simples de cópias no ambiente educacional até quem queira banir as máquinas de reprografia das universidades. As discussões quanto ao impacto das leis autorais na educação não se restringem ao problema da reprografia, perpassando todo o uso de novas tecnologias, na sala de aula ou fora dela (seja como suporte ao ensino ministrado presencialmente, seja no incremento da educação à distância). Em sua característica falta de equilíbrio, a lei brasileira não faz distinção entre obras que se encontram no ápice das possibilidades comerciais e, por exemplo, o uso de livros já fora de catálogo há muitos anos, o que torna ainda mais discutível o recurso a medidas exacerbadas no contexto educacional. Observe-se, porém, que a falta de tons intermediários de nossa lei não causa problemas apenas nos estabelecimentos de ensino. Todas as bibliotecas, bem como os museus (sobretudo os que mais lidam com som e imagem), as cinematecas e os arquivos públicos em geral sofrem com dificuldades muito semelhantes. O questionamento sobre como enfrentá-las perfaz a linha central da Mesa 5: Patrimônio Cultural. O desenvolvimento agudo da tecnologia digital nos últimos anos fez surgir um sem-fim de novas possibilidades de armazenamento, sugerindo caminhos inovadores para as instituições que guardam nossa memória cultural. O largo conceito de reprodução contido na Lei de Direito Autoral, porém, representa uma das grandes barreiras à implementação de tais idéias. Torna-se impossível consultar todos os titulares de direitos para efetivar as cópias necessárias à perpetuação de nossa história. A lei chega a cogitar da reprodução de exemplar raro para o fim de preservação, mas apenas como direito moral do autor. Como fica o interesse social diante da mesma situação? É preciso, sem dúvida, encontrar respostas para esta questão – ainda mais fundamental em uma época na qual as publicações científicas têm convergido para o ambiente digital, e os repositórios de textos técnicos disponíveis na Internet, muitos deles reconhecidos por sua seriedade e abrangência, têm ajudado Anais do Seminário Direitos Autorais e Acesso à Cultura, ago/2008 Fórum Nacional de Direito Autoral – Ministério da Cultura
  • 7. 7 a subverter a lógica do setor. Cresce a percepção de que, ao menos no que diz respeito à necessidade de viabilizar o acesso das gerações futuras ao patrimônio cultural, não se pode perpetuar uma dependência tão grande da vontade do autor. Esta abordagem liga-se intimamente ao tema da Mesa 6: Formas de licenciamento. A cultura contemporânea é progressivamente marcada por um forte fluxo de referências e citações, e a arte do nosso tempo é cada vez mais identificada com o uso transformativo do manancial de obras já existentes. Como nosso direito se enquadra neste contexto? No que diz respeito à exploração econômica da obra intelectual, a lei brasileira tem a vontade do autor como um verdadeiro dogma, mais que um paradigma. É ele, o autor, que define, em tese, quem pode usar a obra e em que condições isto será feito. Na prática, porém, a regra é a transferência tão integral quanto possível do controle sobre a sua obra para uma ou mais pessoas jurídicas, a quem passa a incumbir o exercício efetivo de tais faculdades. Uma vez verificada tal cessão, não raro as prerrogativas que a lei estipulou, originalmente, para o autor passam a ser colocadas em prática de maneira a dificultar o acesso da coletividade à sua obra – eventualmente contra a vontade do próprio autor. De outro lado, esta glorificação da vontade faz com que nossa lei desconheça licenças obrigatórias, comuns em outros ordenamentos. Por meio destas licenças, os autores se veriam compelidos a, em determinadas ocasiões, conviver com a utilização de suas obras independentemente de sua manifestação (ressalvando-se, por evidente, casos patológicos que afrontassem seu direito moral). Ao mesmo tempo, o uso seria necessariamente remunerado, de modo justo. Transparece de novo, na ausência deste instituto, a falta de equilíbrio de um sistema que privilegia soluções unilaterais. Outros países têm incentivado o recurso aos chamados “gravames” ou a estipulação de um “cânone digital” (na venda de equipamentos de reprodução de música em formato digital, por exemplo) como forma de remunerar os setores da economia que em tese mais sofreriam com a difusão das novas tecnologias. No Brasil, até o momento, segue o silêncio – assim como não se discute se deveria ou não haver um tratamento específico para as obras que foram viabilizadas em função de financiamento público. Tal auxílio deve ser indiferente, entronizando-se também neste caso apenas a vontade do autor? Outra questão que a nossa lei não enfrenta diretamente é o problema das chamadas “obras órfãs”, que vêm sendo muito discutidas na atualidade e foram um dos objetos da Mesa 7: Domínio público e obras órfãs. A mais freqüente preocupação contemporânea com o domínio público diz respeito ao movimento de expansão dos prazos de proteção no cenário internacional, com os países signatários da Convenção de Berna progressivamente ampliando seus marcos internos e deixando os cinqüenta anos mínimos que ela exige muito para trás. Este alongamento dos prazos está longe de ser, porém, o único aspecto problemático envolvendo o domínio público. Até mesmo o (teoricamente) simples fato de saber se uma obra está ou não em domínio público é dificultado, seja por eventualmente não se saber a data da morte do autor, seja pela existência de co- autores em obra indivisível (o que também acaba ampliando o prazo, já que a contagem tem início após a morte do último autor sobrevivente). Lembre-se ainda que a contagem do prazo, para as obras audiovisuais e fotográficas, depende da data da divulgação (distinção esta cuja necessidade já mereceria uma discussão mais detalhada por si só), dado que também nem sempre é fácil de se obter. Também cheia de obstáculos, como já se aludiu, é a tentativa de se utilizar as chamadas “obras órfãs”. O direito autoral, como se sabe, caracteriza-se por sua informalidade, aceitando qualquer prova que possa ser reputada como válida para a determinação da autoria – até mesmo, mas nunca exclusivamente, o registro. Inexiste, além disso, qualquer consideração de mérito artístico ou intelectual para que incida a proteção legal, bastando o cumprimento do requisito mínimo da originalidade. Há ainda outro rol – de trabalhos sobre os quais, tendencialmente, nunca se poderá saber com segurança quando recairão no domínio público. Sua possível qualificação como a “obra anônima” de que trata a lei autoral não resolve necessariamente o problema, vez que normalmente não se saberá sequer a data de sua publicação (bem como não regulamenta, a lei, como determinar o anonimato no caso concreto, tampouco as conseqüências que diferenciariam o uso destas obras em relação às demais). Anais do Seminário Direitos Autorais e Acesso à Cultura, ago/2008 Fórum Nacional de Direito Autoral – Ministério da Cultura
  • 8. 8 Como se vê, o catálogo de questões intrincadas no direito autoral de hoje é quase inesgotável – e boa parte destas dificuldades está relacionada ao tema do acesso à cultura. Trazer (também) o usuário para o centro desta agenda é hoje um passo indispensável para legitimar o debate sobre o marco legal que rege o uso e a exploração das criações intelectuais. O maior desafio deste Seminário residiu, justamente, em avançar na busca de um equilíbrio que já era difícil quando se relegava o usuário (e, por extensão, a sociedade como um todo) ao posto de simples coadjuvante. A tarefa, agora é muito maior – e nunca foi tão necessária. Anais do Seminário Direitos Autorais e Acesso à Cultura, ago/2008 Fórum Nacional de Direito Autoral – Ministério da Cultura
  • 9. 9 MESA 1 O EQUILÍBRIO DOS INTERESSES PÚBLICO E PRIVADO NO DIREITO AUTORAL NA PERSPECTIVA DO CONSUMIDOR TRANSCRIÇÃO DA PALESTRA DE BRUNO MIRAGEM1 Meu bom-dia a todos. Em primeiro lugar, naturalmente, quero agradecer, em nome do Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor, Brasilcon, ao convite que foi formulado pelo Ministério da Cultura, por este Fórum Nacional do Direito Autoral, para tratar dessa interface, então, entre o direito do consumidor e o direito autoral. Só o fato de os colegas, que têm feito essa profunda discussão sobre esse tema, trazerem o direito do consumidor como um protagonista dessa discussão, para nós, do Brasilcon, e certamente para todos aqueles que operam com o direito do consumidor, é razão de satisfação, de maneira que vimos aqui, para contribuir sensivelmente com a discussão com os colegas. Também aproveito para saudar o nosso mediador, doutor Laymert, e as minhas colegas, Professora Estela, Professora Helenara, com a qual eu tenho o prazer e a satisfação de dividir este painel. Na verdade, a minha intervenção vem no sentido de contribuir com esses debates que têm sido feitos pelos colegas, sobretudo dentro de uma perspectiva. Sabemos nós que nem toda obra sobre a qual recaem direitos autorais estará, digamos assim, sob a égide do direito do consumidor ou sob as regras do direito do consumidor. Por quê? Porque, rigorosamente, o direito do consumidor se aplica sempre a produtos ou a serviços, portanto, a bens ou atividades que se coloquem dentro do mercado de consumo. Rigorosamente, nem toda obra cultural, [nem toda] obra de cultura está dentro do mercado de consumo. Agora, grande parte (eu tenho certeza, porque tive oportunidade de conversar com os colegas e mesmo por ter conhecimento prévio das discussões que aqui se estabelecem), grande parte das discussões (e, muitas vezes, o problema típico que se estabelece), justamente, é sobre as obras culturais, as obras intelectuais que estão no mercado de consumo, porque, aí, nós vamos estar falando não apenas dos direitos morais de autor, mas de um aspecto extremamente importante e, certamente, objeto de grandes discussões, que são os direitos patrimoniais de autor. Ao falarmos em direitos patrimoniais de autor, estamos falando em remuneração e estamos falando na colocação dessas obras no mercado de consumo. Por que eu faço essa introdução? Porque o mercado de consumo é um dos critérios básicos para os quais nós nos centramos, no direito do consumidor, para a aplicação das regras do código. O que é o mercado de consumo, ao fim e ao cabo? Há toda uma discussão: se é um espaço institucional ou não institucional. Mas, para nós, simplificando o conceito, é o espaço onde se estabelecem trocas econômicas. Trocas econômicas essas, que se vão dar na satisfação de interesses das partes envolvidas. Que partes são essas, no direito do consumidor? Notadamente, o consumidor e o fornecedor. Sabem os colegas que o consumidor, o Código de Defesa do Consumidor e, por conseguinte, o direito do consumidor, se estabelecem, no direito do brasileiro, a partir de um fundamento constitucional (o direito do consumidor, assim como os direitos autorias). Os direitos do consumidor têm, no art. 5º da Constituição, a sua elevação, digamos (em Direito brasileiro), a direito fundamental. O art. 5º, inciso XXXII, estabelece que “o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”. Assim também, logo adiante, estabelece a defesa do consumidor como principio da Ordem Econômica constitucional, art. 170, inciso V. Logo mais, o art. 48 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias determina ao legislador que faça um Código de Defesa do Consumidor. Portanto, o constituinte, nessa visão, elegeu um sujeito a ser protegido, a ser defendido, que é o consumidor. Restou, naturalmente, ao legislador definir quem é o consumidor. O nosso direito de consumidor tem inspirações de matriz européia, tem inspirações de matriz norte- americana, mas o nosso legislador optou por uma definição bastante prudente. Estabeleceu, no art. 2º do Código de Defesa do Consumidor, que “o consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”. “Produto ou serviço”. Aqui, no que nos interessa em matéria de direitos autorais, nós falaremos de produtos. O código também estabeleceu uma definição na qual determinou que “produto é todo bem móvel ou imóvel, material ou imaterial colocado no mercado de consumo”. Nessa linha, consumidor seria o destinatário final desse produto. Essa visão de destinatário final comporta, no direito do consumidor, na jurisprudência brasileira, uma série de temperamentos de o que seria o destinatário final. Mas, numa visão, digamos, que hoje se pode dizer majoritária, destinatário final é aquilo que nós chamamos de destinatário final fático e econômico, ou seja, é aquele sujeito, pessoa física ou jurídica, que retira o produto do mercado. Anais do Seminário Direitos Autorais e Acesso à Cultura, ago/2008 Fórum Nacional de Direito Autoral – Ministério da Cultura Mesa 1: O equilíbrio dos interesses público e privado no direito autoral na perspectiva do consumidor ______________ 1 Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor – Brasilcon
  • 10. 10 Ele vai ao mercado, busca o produto e retira esse produto do mercado. Portanto, consumidor, nessa visão, que é uma visão mais restritiva, não vai ter uma finalidade econômica de reemprego daquele produto no mercado. Ele não vai buscar obter outros tipos de ganho desse produto no mercado. Então, é aquele que retira o produto do mercado, da cadeia de fornecimento, das relações econômicas, definitivamente. Por que esse conceito é importante, quando a gente fala de direito autoral? Porque em um bem, em um objeto de direito autoral, em uma obra intelectual, dentro de todo espírito de acesso à cultura (no mais das vezes, naquele uso, digamos, de boa fé, naquele uso – como aqui foi colocado pelo nosso Secretário de Políticas Culturais – de acesso à informação, com finalidades educativas ou de satisfação de interesses próprios daquele que adquire a obra), rigorosamente, nós vamos ter a figura de um consumidor. Se ele foi ao mercado adquirir esse produto, ele é um consumidor. E, como consumidor, ele vai ter direitos. É aqui que entra, digamos, a interface mais sensível das discussões relativas a direitos autorais. Quais são os direitos básicos do consumidor, em relação a produtos (portanto, em relação às obras intelectuais que ele vai adquirir no mercado)? Eu diria dois. Existe, claro, o art. 6º do Código de Defesa do Consumidor, que vai elencar, que vai relacionar uma série de direitos, mas deixemos esse direitos em espécie. Naquilo que nos interessa, ele vai ter dois grandes direitos. Um é o direito à segurança. Segurança, que é uma segurança física, de integridade física, mas também é uma segurança patrimonial, ou seja, ele não pode, naquele produto que ele adquire, portanto, naquela obra intelectual que ele adquire… Aquela obra ou aquela utilização que ele vai dar, de boa-fé, legítima, à obra não pode lhe causar prejuízo econômico. Por outro lado, um direito do consumidor e, logo, um dever do fornecedor, é o direito de adequação do produto. É aqui que nós começamos, já, a conversar sobre direitos autorais. O que é o tal do direito de adequação de um produto? Direito de adequação de um produto é definido na legislação do consumidor, como, aliás, é muito próprio do Código de Defesa do Consumidor. Nisso, ele tem uma distinção, como comentávamos, há pouco, com um colega. Ele tem uma distinção muito característica, em relação à legislação de direitos autorais. A lei de defesa do consumidor, o Código de Defesa do Consumidor trabalha com definições abertas. Nesse sentido, direito à adequação do produto e, logo, dever de adequação do produto (dever esse, que é dos fornecedores, da cadeia de fornecimento) significa que aquele produto deve servir aos fins que, legitimamente, dele se esperam. Quais são os fins que, legitimamente, dele se esperam? No caso de um produto qualquer de bem de consumo de massa, é fácil saber: se se compra uma geladeira, ela tem de refrigerar; se se compra um fogão, ele tem de ligar; e por aí adiante. Mas, se a gente começa a construir essa idéia a partir de uma obra intelectual, qual é o fim que, legitimamente, dela se espera (como produto e, logo, objeto de uma relação de consumo)? Certamente, será que a obra, primeiro, se apresente na sua inteireza. Não há duvida. Mas também pode ser (e aqui é o ponto da provocação primeira que deixo aos colegas) a possibilidade de este consumidor fruir desta obra intelectual em toda a sua potencialidade. Sob a visão do direito do consumidor, fruir desta obra intelectual em toda a sua potencialidade pode ser também (e aqui vem uma discussão conhecida dos colegas) um direito de realização da famosa cópia privada. Por que não? É o fim que, legitimamente, dela se espera, do ponto de vista do consumidor, que remunerou o fornecedor para a aquisição da obra? Eventualmente, pode ser considerado. O conceito é aberto. Mas, justamente porque é aberto, esse conceito de fim legítimo ou de interesse legítimo se interpreta no direito do consumidor… Sempre. Porque é uma legislação protetiva de um sujeito vulnerável, dentro do mercado de consumo. Há uma presunção absoluta de vulnerabilidade. Logo, eventualmente, se ele tem o interesse legítimo de utilização da obra… Por exemplo, aqui se falou, na Mesa de abertura: a reprodução da obra. Eu sempre cito um exemplo, que não vou dizer que é meu, naturalmente, num fórum de direito autoral. Muitas vezes, um professor, ao dar aulas, não vai levar todos os seus livros para as aulas. Mas quem sabe ele não produza duas ou três cópias de cada página [de livros sobre tema que] ele vai tratar, para poder explanar com uma maior segurança o tema. Ou quem sabe ele não tenha adquirido uma obra, então, literária e não queira fazer uma cópia para, eventualmente, deixar, num segundo… Por exemplo, um professor de Direito tem o escritório, tem a casa, tem o terceiro lugar onde escreve, eventualmente. Será que isso não será um fim legítimo na sua perspectiva de direito do consumidor? Se nós pensarmos que esses fins legítimos (e, aqui, sempre numa lógica do direito do consumidor) se estabelecem por determinados critérios, que são abertos, que são casuísticos, que são das circunstâncias do caso (dizemos nós), mas também se estabelecem sob a perspectiva de um equilíbrio (e essa noção de equilíbrio é uma noção extremamente importante), [veremos que] o direito do consumidor estabelece ao consumidor a titularidade de um direito ao equilíbrio. Esse equilíbrio (e, aí, somos nós que dizemos) é um Anais do Seminário Direitos Autorais e Acesso à Cultura, ago/2008 Fórum Nacional de Direito Autoral – Ministério da Cultura Mesa 1: O equilíbrio dos interesses público e privado no direito autoral na perspectiva do consumidor
  • 11. 11 equilíbrio que se divide em três: é um equilíbrio que, primeiro, é econômico. Naturalmente, na questão das obras intelectuais, o que é um equilíbrio econômico vai passar pelo que é uma justa remuneração do autor, vai passar pelo que são os custos de produção da obra etc. No equilíbrio econômico, há um equilíbrio de posições jurídicas: o consumidor, de um lado, que é vulnerável, que tem de ter equilíbrio e tem de, digamos, ser alçado a uma posição de maior vantagem, por instrumento do direito, ou seja, pela lei (a lei é que vai protegê-lo, para que ele se reiguale, se reequilibre, na sua posição jurídica em relação ao fornecedor)… Há um terceiro equilíbrio, que é aquilo que nós chamamos de equilíbrio informacional ou eqüidade informacional. Na realização dos negócios de consumo, tem de haver uma eqüidade informacional. Supera-se a vulnerabilidade do consumidor pela informação, pelo dever do fornecedor de estabelecer mais informações. Informações que permitam o quê (que, ao fim e ao cabo, é a raiz do direito do consumidor)? Que o consumidor, que é vulnerável, possa ter uma decisão racional sobre adquirir ou não, realizar ou não um negócio de consumo. Então, nessa idéia de equilíbrio, que inspira a idéia de fins legítimos, poderá, sim, ser considerado… É claro que essa matéria não foi, ainda, desenvolvida sob a perspectiva do direito do consumidor, sobretudo na jurisprudência, mas também na doutrina (eu não tenho grande conhecimento). Mas um fim legítimo [a cópia privada] pode ser. Se eu remunerei o meu fornecedor, se eu remunerei a editora, se eu remunerei a empresa, enfim, que comercializa, no caso, que edita aquela determinada obra intelectual, em razão dessa remuneração, pode-se considerar, numa visão mais ampla, fim legítimo qualquer fim que não implique a recolocação desse produto no mercado, qualquer fim que implique a satisfação de interesses do consumidor que adquiriu aquela obra, dentro dessa perspectiva de proteção. Um terceiro aspecto, que eu queria trazer aos colegas, diz respeito ao modo como se vai operar esse equilíbrio e ao modo como nós vamos ter esse direito do consumidor à adequação, em matéria de obras intelectuais, satisfeito. Vi no programa (e acompanho as discussões dos colegas, sobretudo nesse excelente site de internet que tem este fórum) que muito se dá o estabelecimento de restrições à utilização das obras intelectuais por intermédio, um, de disposições legais (disposições legais essas, que têm tido grandes dificuldades; os colegas são mais especialistas do que eu nisso, para aplicação em diversos meios, notadamente, nesse ambiente que hoje temos, de convergência de mídias). Mas, sobretudo, sob a perspectiva de uma informação ao consumidor dessas obras intelectuais, por intermédio ou de disposições contratuais. Essas disposições contratuais não implicam direito do consumidor ([não exigem] que seja assinado um contrato cada vez que se vai adquirir uma obra intelectual). Sobre disposição contratual, aqui, bem entendido, no direito do consumidor, nós temos o art. 30 do Código de Defesa do Consumidor: “qualquer informação suficientemente precisa vincula o fornecedor”. Qualquer informação suficientemente precisa: pode ser o cartazete da livraria, o encarte do livro, a 15ª página do encarte do CD. Não há problema: “qualquer informação suficientemente precisa vincula o fornecedor”. Mas há a contraface disso. O artigo 46 do Código de Defesa do Consumidor diz o seguinte: “qualquer obrigação não informada ao consumidor não o vincula”. Aqui, a gente vai ter um embate interessante com a legislação de direito autoral, na medida em que os colegas têm toda uma idéia, toda uma principiologia, toda uma tese discutida, mas que existe, de uma interpretação restritiva, que trata de disposição de direitos autorais. Mas, no que se refere à disposição de direitos autorais que implique a colocação de obras no mercado de consumo, essa interpretação restritiva dos direitos autorais vai-se chocar com a interpretação mais favorável ao consumidor, estabelecida no artigo 47 do Código de Defesa do Consumidor. O 46 diz: o que não informar não vale, o que não informar não constitui obrigação para o consumidor. E o 47 estabelece que, havendo dúvida sobre os termos da informação ou da disposição contratual ou o que seja, havendo dúvidas sobre os termos desse negócio, sobre os termos dessa relação, a interpretação é mais favorável ao consumidor. Então, colegas, estou a dizer para os colegas que, embora essa matéria ainda não tenha sido… Pelo menos, não, num grau, num número expressivo de casos que nos permitam apontar uma tendência jurisprudencial… Mas eu não tenho dúvida de que, se levadas às cortes brasileiras, se levadas aos tribunais brasileiros, sob a perspectiva do consumidor final e, portanto, sob a perspectiva do direito do consumidor, muitas dessas limitações vão ter um choque, necessário, com o Código de Defesa do Consumidor. Com um agravante: o Código de Defesa do Consumidor, por ser uma lei de proteção de um sujeito vulnerável, dentro de uma idéia de exercício de cidadania… Quer dizer, lá na origem do direito do consumidor, com o Presidente John Kennedy, nos Estados Unidos, dizia-se: “Todos somos consumidores. Portanto, o direito do consumidor é um direito de exercício de cidadania”. O que se estabelece? Ela [a lei de defesa do consumidor] se estabeleceu, no Direito brasileiro, no seu artigo 1º, como uma lei de ordem pública e interesse social. Está escrito. Está dito. Anais do Seminário Direitos Autorais e Acesso à Cultura, ago/2008 Fórum Nacional de Direito Autoral – Ministério da Cultura Mesa 1: O equilíbrio dos interesses público e privado no direito autoral na perspectiva do consumidor
  • 12. 12 É uma lei de ordem pública e interesse social. Interesse social, naturalmente, é um conceito de uma amplitude tal, que se vai dar ampla possibilidade de interpretações do que seja isso. Agora, “lei de ordem pública”, em termos de Direito (os colegas, aqui, conhecem melhor do que eu), no mínimo, nós estamos dizendo: tem uma aplicação preferencial, porque é protetiva e é preferencial. Então, se ela é lei de ordem pública ela prefere dar aplicação… Claro, do ponto de vista de direito internacional privado, não há duvida. Mas, do ponto de vista interno, com outras leis de mesmo grau, de mesmo nível (no caso, leis ordinárias), ela tem uma aplicação preferencial, na proteção do sujeito vulnerável. Então, naturalmente, nós temos aqui não apenas uma possibilidade, mas uma rigorosa necessidade de adequação. Que não seja uma adequação, quem sabe… Eu vi a disposição de nosso Secretário de Políticas Culturais, aqui, no sentido de alteração da lei, mas, ainda que não seja de alteração da lei, necessariamente, de uma compatibilização de interpretações, porque, no momento em que isso, hoje, naturalmente, não tem ainda, como disse no início, uma dimensão jurisprudencial de massa… Pelo menos, não tem, em relação ao consumidor final, grande repercussão, do ponto de vista judicial. No momento que isso… Se [isso] tiver uma repercussão judicial, vocês podem ter certeza de que, do ponto de vista da proteção do consumidor, os direitos autorais sofrerão algumas limitações, em vista da proteção do consumidor vulnerável. Não digo nem do ponto de vista do direito de acesso à cultura, que é um direito fundamental, e é amplo. Não digo nem do ponto de vista do próprio direito à cultura, como acesso a bens culturais, que, digamos, por ser um direito fundamental, tem de ser precisado, tem de ser, digamos assim, especificado pela legislação infraconstitucional. Mas, sob a perspectiva do direito posto, do direito que nós já temos, da legislação posta do direito do consumidor, conflitos podem existir, que, pela lógica do sistema, possam redundar num entendimento favorável ao consumidor e, nessa medida, num entendimento limitativo de maiores limitações em relação aos direitos autorais. Não trato aqui de outras questões. Eu vou deixar, porque meus colegas, certamente, vão pontuar. Mas, sobretudo, falei da questão de convergência de mídia. Aqueles dispositivos anticópias, ou coisa que os valha, do ponto de vista da legislação do consumidor, quando esse acesso for remunerado… Cito aqui um exemplo: quando nós tivermos a televisão digital, na sua inteireza, ou mesmo agora, na televisão a cabo, na medida em que é um serviço remunerado, sob a perspectiva do Código de Defesa do Consumidor, esses dispositivos anticópias podem sofrer as mesmas criticas, na perspectiva do direito do consumidor, no sentido de que, dentro da idéia de equilíbrio, há remuneração e, nesse sentido, essa remuneração permite fins legítimos. Não será um fim legítimo a possibilidade de copiar ou de gravar um determinado programa, um determinado espetáculo, para uma possibilidade de assisti-lo posteriormente? Será que isso não está sob a idéia de equilíbrio econômico da relação? Estou remunerando, e não posso assistir àquele serviço ou àquele objeto do serviço que eu, propriamente, estou contratando, contratei, remunero adequadamente (mensalmente, muitas vezes)? Então, essa idéia e essa interface me parecem extremamente importantes, mas, naturalmente, agradecendo a disposição dos colegas, e numa expectativa de ouvir também os meus colegas de painel, eu, por hora, me despeço. Muito obrigado. Anais do Seminário Direitos Autorais e Acesso à Cultura, ago/2008 Fórum Nacional de Direito Autoral – Ministério da Cultura Mesa 1: O equilíbrio dos interesses público e privado no direito autoral na perspectiva do consumidor
  • 13. 13 Anais do Seminário Direitos Autorais e Acesso à Cultura, ago/2008 Fórum Nacional de Direito Autoral – Ministério da Cultura Mesa 1: O equilíbrio dos interesses público e privado no direito autoral na perspectiva do consumidor DIREITOS AUTORAIS E OS DIREITOS DOS CONSUMIDORES Estela Waksberg Guerrini 2 Introdução O intuito desta palestra não é criticar os direitos autorais, cuja existência é importante para proteger os autores e para estimular e valorizar a inovação e a criação. Entretanto, é importante discutir como essa proteção é conduzida atualmente e de que maneira ela poderia ser feita de modo a não comprometer o acesso ao conhecimento, à cultura e à informação por todos. Hoje, a discussão se pauta em um suposto conflito entre os direitos do autor, do criador de uma obra; e o direito ao acesso a essa obra pelas outras pessoas. A proposta de reflexão que fazemos é não encarar esses dois direitos como dois lados de uma balança, no sentido de serem eles antagônicos. Não. Eles devem caminhar conjuntamente, até porque um não existe sem o outro. Explico melhor: O autor de uma obra só consegue criar uma obra porque está inserido em uma realidade de onde tira sua inspiração. A produção do conhecimento, nesse sentido, é coletiva, visto que ninguém vive sozinho no mundo e todos são influenciados, de alguma forma, em maior ou menor grau, pelas idéias existentes e já produzidas. Vivemos em um ciclo de interinfluências e inspirações mútuas. Cito aqui a clássica frase de Pierre Lèvy: “Todo mundo sabe alguma coisa. Ninguém sabe tudo. Todo conhecimento está contido na humanidade”.3 Não há dúvidas, no entanto, que cada autor possui algum talento particular que é acrescentado nesse ciclo permanente de produção e criação. E justamente por isso deve ter esse “talento” reconhecido. As demais pessoas - além do fato de que, de alguma forma, contribuíram para a produção de uma obra de um determinado autor, simplesmente por existirem no mundo que serviu de inspiração ao autor - também são os destinatários finais da obra criada. Nesse sentido, elas são parte fundamental na relação, pois, sem a sua existência, o autor não se sentiria tão motivado para criar. Por isso, o conhecimento e a informação têm a inevitável meta de serem difundidos. Por essas razões, autor e consumidor de conhecimento e informação devem ser tratados como partes fundamentais de uma relação, e seus direitos respectivos devem ser garantidos e tratados como um conjunto e não como circunstâncias antagônicas. Normas excessivamente rígidas acabam por não permitir que o público tenha acesso a informações, cultura e conhecimento. Tendo isso em mente, o Idec entende que a cópia legal pode incentivar o acesso ao conhecimento, à educação e à cultura, trazendo maior equilíbrio entre a justa e legítima remuneração dos autores e o interesse público de acesso às obras. Por isso, a discussão acerca da necessidade de flexibilização do direito de propriedade presente no direito autoral em determinadas situações, permitindo o cumprimento de uma função social dessa propriedade é muito importante e atual. Quando o direito autoral recai sobre obras que têm como objetivo principal a difusão de educação, cultura, lazer, ele não pode sobrepor sua esfera econômica – aferição de lucro mediante o pagamento de royalties – ao direito de acesso ao conhecimento, entendendo-o em sua mais ampla forma, abarcando questões que envolvem acesso a livros, educação, artes, cultura, saúde, tecnologia e conhecimento em geral. É patente a importância do conhecimento e da educação para o desenvolvimento de qualquer sociedade, o que denuncia o valor de materiais educativos impressos, como livros e jornais, para difusão do conhecimento. Por isso, esse direito não pode ser restringido por questões econômicas, ainda mais num país tão desigual quanto o Brasil, em que o acesso à informação e ao conhecimento é um privilégio de poucos. Outro aspecto é aquele trazido pela revolução digital, que abriu novas possibilidades de produção e disseminação de conhecimento por meio das tecnologias de informação e comunicação como internet, bibliotecas on-line e bases de dados, softwares educacionais multimídia, enciclopédia eletrônica Wikipédia etc. As oportunidades oferecidas em termos de disponibilização de materiais educativos são enormes, mas o acesso é negado em razão do alto custo de tais materiais. E isso precisa mudar. ______________ 2 Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor – Idec. 3 A inteligência coletiva. Por uma antropologia do ciberespaço. São Paulo: Loyola, 1998.
  • 14. 14 E como funcionam os direitos autorais hoje? Direitos autorais são concedidos por um determinado prazo, depois do qual a obra cai em domínio público. Esse é um mecanismo no sistema de direitos autorais que visa balancear os interesses do titular do direito autoral e o direito público de acesso à obra. Atualmente, a proteção internacional mínima para obras literárias e artísticas é de cinqüenta anos depois da realização da obra. A duração da proteção de obras cinematográficas é de cinqüenta anos após a obra ser disponibilizada ao público, ou cinqüenta anos depois da realização da obra. A duração da proteção de obra anônima é de cinqüenta anos contados da disponibilização ao público. Obras fotográficas e obras de arte têm proteção mínima de 25 anos. Vale lembrar que os instrumentos internacionais estabelecem os standards mínimos de proteção, podendo os países alargá-los. Com o propósito de melhorar o acesso a materiais educacionais, os legisladores nacionais podem limitar o escopo da proteção autoral e manter a proteção desse direito no tempo mínimo necessário, e, além disso, podem assegurar que usarão todas as limitações e exceções aos direitos autorais disponíveis nos instrumentos internacionais. No Brasil, os direitos autorais são protegidos de acordo com a Lei 9.610/98 – a conhecida Lei de Direitos Autorais, ou LDA. Quanto à duração da proteção autoral, o Brasil inclui-se entre os países que alargaram a proteção para além do mínimo determinado nos instrumentos internacionais. Os direitos patrimoniais dos autores perduram por setenta anos contados de 1º de janeiro do ano subseqüente ao seu falecimento. Em caso de obras anônimas ou pseudônimas, os mesmos setenta anos contam de 1º de janeiro do ano imediatamente posterior à publicação. Obras fotográficas e cinematográficas também são protegidas setenta anos contados da divulgação, mesmo os instrumentos internacionais estabelecendo como piso 25 anos para proteção de obras fotográficas. É possível afirmar que a legislação brasileira de direitos autorais não promove o uso justo das obras intelectuais, havendo fortes restrições e lacunas que impactam diretamente no acesso ao conhecimento. São diversos os exemplos de situações nas quais o acesso ao conhecimento é negado sob alegação de que se estão protegendo direitos autorais, a começar pelos altos preços de livros e pela interpretação restritiva que se tenta impor no Brasil com relação ao artigo 46, VIII, da Lei de Direitos Autorais, vedando-se a fotocópia ao máximo. Os mesmos problemas são encontrados no que diz respeito ao preço para acesso a programas de computadores: dificulta-se a inclusão digital e estimula-se a ilegalidade, não só por conta dos altos custos como também pela ainda baixa difusão de programas alternativos gratuitos. Cópia de livros didáticos A cópia de pequenos trechos de obras literárias para uso próprio é direito reconhecido na própria lei de direitos autorais. Todavia, são freqüentes as tentativas de restrição desse direito. O direito autoral recai sobre obras que têm como objetivo principal a difusão de educação, cultura e lazer. Muitas vezes, por ser mais forte o viés econômico, chega-se a situações em que o acesso ao conhecimento é negado aos cidadãos. O que fica camuflado pelo viés econômico é que ao se falar sobre direito de acesso ao conhecimento está-se na verdade tratando de muitos direitos fundamentais - dentre outros, direito à educação, à cultura, ao lazer e à igualdade – na medida em que o acesso ao conhecimento é um dos meios para promover esses direitos fundamentais. Não se pode admitir que direitos fundamentais sejam limitados por interesses que até mesmo desvirtuam o principal fim de todas as obras: a difusão do conhecimento, cultura e informação. Em tais situações não se está cumprindo a função social da propriedade e, portanto, essa propriedade pode até mesmo ser questionada. Para fins educacionais, deve-se sim, permitir a cópia de obras sobre as quais recai direito autoral. A lei brasileira pode ser considerada uma das mais rígidas do mundo, trazendo proibições que não existem em muitos outros países. Um exemplo disso é a proibição da cópia privada integral, mesmo que para fins exclusivamente didáticos, ou quando a obra está fora do mercado (não é mais comercializada). Países como EUA, Canadá, Filipinas, Austrália, Croácia, Noruega, entre tantos outros, permitem a cópia integral da obra em circunstâncias específicas, como para uso por pessoas com deficiência de percepção, para fins de estudo ou para fins de conservação da obra. Anais do Seminário Direitos Autorais e Acesso à Cultura, ago/2008 Fórum Nacional de Direito Autoral – Ministério da Cultura Mesa 1: O equilíbrio dos interesses público e privado no direito autoral na perspectiva do consumidor
  • 15. 15 Novas tecnologias O direito autoral foi concebido em um momento em que as possibilidades tecnológicas não permitiam o compartilhamento, a recombinação e, principalmente, a reprodução das obras que o sistema buscava proteger. Entretanto, a permanente e acelerada inovação e a popularização de novas tecnologias permitem hoje, a qualquer pessoa, a realização de cópias de altíssima qualidade a um custo extremamente baixo. A partir daí caracteriza-se a mobilidade e a portabilidade da informação, com impactos evidentes nos hábitos da sociedade e, de forma particular, nos de consumo. Ainformação que é transmitida ininterruptamente precisa ser exibida e, portanto, copiada, por diversas vezes. Na rede mundial de computadores, um dos principais meios hoje utilizados para a transmissão de informação, para que uma pessoa acesse a qualquer página, a informação deve ser recebida, copiada (ainda que temporariamente), decodificada e exibida em seu computador. É necessário considerar as novas possibilidades abertas pelas inovações tecnológicas para contribuir para a educação e o acesso ao conhecimento e à cultura. Dessa forma deve-se questionar: como usufruir adequadamente das crescentes possibilidades de compartilhamento de conteúdo? Tais possibilidades devem ser encaradas como uma ameaça a direitos de artistas e autores, ou podem representar uma nova oportunidade de negócios para a indústria da cultura e do entretenimento? O entendimento do Idec é o de que usos legítimos de produtos e serviços adquiridos legalmente pelo consumidor, como a gravação de programas de televisão para uso doméstico, não podem ser impedidos pelas restrições tecnológicas. As restrições tecnológicas consistem na aplicação por parte da indústria de ferramentas que retiram do consumidor o direito de decidir o que fazer com os conteúdos digitais por ele adquiridos. Os bens e serviços digitais afetados por restrições tecnológicas acabam gerando problemas de “interoperabilidade”, isto é, um bem ou serviço adquirido de um determinado estabelecimento ou empresa é compatível apenas com os vendidos por aquela mesma empresa ou estabelecimento. Essa situação gera preocupações importantes para o direito da concorrência, além de afetar a possibilidade de o consumidor ter acesso à maior diversidade possível de bens e serviços. As restrições tecnológicas podem aparecer nos mais diferentes formatos. Por exemplo, elas são responsáveis pelo fato de um DVD legitimamente comprado fora do Brasil não poder ser exibido por muitos aparelhos de DVD fabricados no país. Da mesma forma, muitos CDs da música não são compatíveis com computadores, softwares e até determinados modelos de aparelhos de som. As restrições estão também nas músicas compradas on-line, impedindo que elas possam ser executadas em diversos aparelhos tocadores de áudio ou mesmo em certos tipos de programas de computador. O consumidor muitas vezes não é informado adequadamente sobre o emprego das restrições tecnológicas e acaba pagando caro por elas, tanto pelo preço quanto pelos transtornos que enfrenta. Conclusão Por fim pergunta-se: o modelo baseado na restrição de todo e qualquer tipo de cópia de material protegido é justo? Atende às necessidades do Brasil como país ou contribui para a não-implementação de direitos fundamentais, como o direito à saúde e à educação? O presente momento, no Brasil e no mundo todo, é oportuno para o debate, cabendo à sociedade avaliar se é mais interessante proteger os interesses econômicos em jogo ou, em contrapartida, priorizar direitos fundamentais como os de acesso à informação e ao conhecimento, equilibrando-os de maneira razoável com os direitos do autor. É imprescindível a busca por esse equilíbrio entre a legítima remuneração dos criadores e a necessidade da democratização da tecnologia e do acesso ao conhecimento, elementos fundamentais para a inclusão na atual sociedade da informação. Não se justifica o abuso na utilização das restrições tecnológicas ou a rigidez na interpretação da LDA, sem o respeito aos interesses dos consumidores, à realidade tecnológica e até mesmo aos direitos de utilização concedidos à sociedade pela legislação de direito autoral. O Idec não é contra o direito autoral, mas é contra normas excessivamente rígidas, que não permitem que o público tenha acesso à informação, à cultura e ao conhecimento. Dessa forma, o Idec entende que a cópia legal pode incentivar o acesso ao conhecimento, à educação e à cultura, trazendo maior equilíbrio entre a justa e legítima remuneração dos autores e o interesse público de acesso às obras. As normas de propriedade intelectual, assim, devem também ser subordinadas ao bem público e à função social. Anais do Seminário Direitos Autorais e Acesso à Cultura, ago/2008 Fórum Nacional de Direito Autoral – Ministério da Cultura Mesa 1: O equilíbrio dos interesses público e privado no direito autoral na perspectiva do consumidor
  • 16. 16 TRANSCRIÇÃO DA PALESTRA DE HELENARA BRAGA AVANCINI4 O meu bom-dia a todos. Quem fica por último sempre fica numa missão muito complicada, principalmente quando se participa de uma Mesa em que os colegas praticamente expuseram os pontos mais controvertidos do tema. Mas isso também acaba gerando um desafio e proporciona, justamente, ao público o questionamento, que é o objetivo deste fórum. Obviamente, eu não posso deixar de agradecer a Marcos Souza. E, agradecendo a ele pelo convite, parabenizo-o e toda a equipe. Não vou, obviamente, citar o nome de todos. Mas, realmente, o papel que o Ministério, no caso, a Coordenação, está exercendo, na propositura desses debates, é fundamental, até porque se ouvem opiniões a favor e contra, e isso é sempre muito profícuo para democracia em geral. Eu vou, obviamente, pular alguns trechos da minha exposição e, obviamente, enfatizar alguns outros, que foram mencionados tanto pelo Bruno, quanto pela Estela. Vamos lá, então. Eu, obviamente, parti de uma análise atual. O que nós verificamos? Nós estamos numa sociedade em que a complexidade é o norte. A sociedade, em si, já é complexa, mas, com o advento da situação informacional ou da era do conhecimento, as questões atinentes a problemas relacionados com direito autoral se tornaram muito maiores. São os mesmos problemas. Só que a dimensão é muito maior. Por que isso ocorreu? Porque, obviamente, por intermédio da Internet, muitos produtos e serviços são oferecidos e muitos deles são protegidos por direito autoral, ou são ofertados serviços cujo direito autoral vai ser o seu grande negócio, o seu grande norte, como, por exemplo, a aquisição de produtos, DVDs, CDs, livros, músicas, filmes, jogos, programas de computadores (isso, só para citar alguns exemplos). Em serviços, nós temos provedores de internet, nós podemos contratar pessoas para fazer tradução on-line (apenas para citar, realmente, alguns exemplos). Produtos e serviços (o Bruno já havia mencionado) são palavras-chave, dentro do direito do consumidor. A relação de consumo vai se estabelecer, justamente, em torno desses produtos e serviços. E esses produtos e serviços podem estar protegidos, como bem mencionou também, pela direito autoral. Qual é o problema? O problema envolve justamente uma situação muito paradoxal dessa sociedade de informação, dessa era do conhecimento, que vislumbrou e dimensionou um aspecto econômico muito grande, portanto, um negócio muito vital e muito importante para as empresas: o negociar as obras de direito autoral ou o objeto do direito autoral. Quem é que tem o poder de fazer isso? É o titular do direito, que pode ser, eventualmente, o próprio autor, mas, normalmente, o autor, também, na prática, acaba cedendo esses direitos para um titular derivado, uma empresa. Depende do tipo de obra envolvida. Os titulares verificaram, então, que existe um interesse econômico. Obviamente, a Internet pode facilitar, extremamente, um ganho muito maior do que se ganhava quando não existia um mecanismo como Internet. Qual a tendência natural disso? Manter os seus direitos e querer restringi-los mais ainda. Isso é natural. Não é uma posição equivocada, no sentido de intenção. Mas, do outro lado, com a possibilidade de ter acesso à informação, de ter acesso à cultura, surgiu, também, o interesse das pessoas (são os usuários) de quererem ter acesso a ele, dentro dos termos legais, e, em alguns casos, até fazer um uso transformativo dessas obras, que é algo extremamente natural. É um paradoxo. Eu diria que é um paradoxo que sempre existiu. E acredito que sempre existirá, enquanto tiver… Teremos a Internet. Sabe-se lá o que vai ocorrer no futuro. Evidentemente, esses dois pontos vão sempre acabar vindo à tona. O problema é justamente gerir o equilíbrio desse público e privado, o equilíbrio desses interesses. Esse equilíbrio sempre é muito delicado. Por quê? Se a pessoa for totalmente favorável ao direito do autor, ao direito autoral, ao direito exclusivo que o titular do direito exerce, ele vai estar numa posição muito complicada, assim como vai estar numa posição muito complicada o usuário que quer ter acesso, também, sem pagar nada (vamos pegar os extremos), que são as posições extremas, que ocorrem. É necessário achar um meio termo. Nós temos várias legislações que possibilitaram esse meio termo, seja por meio de introdução de medidas como compensações eqüitativas para utilização de obras. Então, eu vou fazer uma copia privada. Eu posso fazer? Posso. Mas, em determinados casos, para não causar um prejuízo ao autor, ao titular, vai haver uma compensação eqüitativa. Há várias legislações, na Alemanha e em tantas outras. O Brasil não tem isso, assim como não tem situações de licenças compulsórias para utilização de obras. Com essa situação, com esse quadro, o que começou a surgir? Começaram a surgir, obviamente, reações nítidas, decorrentes destes dois pólos: dos titulares do direito (que podem ser autores, também, Anais do Seminário Direitos Autorais e Acesso à Cultura, ago/2008 Fórum Nacional de Direito Autoral – Ministério da Cultura Mesa 1: O equilíbrio dos interesses público e privado no direito autoral na perspectiva do consumidor ______________ 4 Pontifícia Universidade Católica / Rio Grande do Sul – PUC/RS
  • 17. 17 como eu repito) e dos usuários. Por parte dos titulares, há uma intenção muito clara de introduzir medidas tecnológicas de proteção, que, na própria legislação brasileira, estão previstas, embora de maneira meio sorrateira, como eu digo, porque não se teve, talvez, a coragem (desculpe a palavra) de dizer: “É permitido o uso”. Mas foi escamoteada. Lá nos artigos 107, 103 é mencionado isso, mas pode causar um entrave grave para os usuários. Obviamente, há a situação de remodelação das limitações que são impostas ao direito de autor. Notadamente, na União Européia, quando saiu a diretiva européia de harmonização de direitos autorais e direitos conexos, para os casos da sociedade de informação, ficou muito claro que, na verdade, a possibilidade do acesso gratuito, praticamente, morreu. As pessoas não tinham como usar e acessar. Por quê? Aquelas medidas que não estavam sujeitas a uma compensação eqüitativa, portanto, a um pagamento, estavam sujeitas a uma medida tecnológica de proteção. Só aí, a gente já vê quão forte a restrição surgiu. Isso é o lado dos titulares. Obviamente, do outro lado, começaram a surgir outras reações, que não nasceram em países de direito continental, do qual o Brasil faz parte (nos Estados Unidos, doutrina anglo-saxã), e que acabam sendo interessantes, no sentido da reação, efetivamente, dos usuários. Movimentos como Creative Commons, commons software livre são movimentos a que, até, geralmente, eu não sou muito simpática, não pela razão do surgimento deles, mas pelo fato de que, no Direito brasileiro, isso não era necessário surgir, porque o titular do direito do autor pode fazer o que ele bem entende com a sua obra (“que entende”, dentro de limites, dentro de limites legais, evidentemente). O autor pode licenciar, pode autorizar para fazer cópias, não fazer cópias. Ele tem um leque muito grande, para negociar o problema. É que o autor, principalmente, o autor (eu não estou falando tanto do titular do direito) não conhece, às vezes, suficientemente, esse poder que tem. Então, acabam sendo atrativos modelos como Creative Commons, software livre, que, repito para vocês, são modelos que eu acho interessante, no sentido de que impulsionaram as pessoas que não tinham conhecimento da possibilidade dos direitos que elas tinham em relação aos seus negócios. Então, são reações muito interessantes: de um lado, os movimentos de Creative Commons, software livre, em que podem utilizar, as pessoas não precisam pagar para utilizar a obra, podem utilizar e transformar essa obra. Não há problema nenhum, não há violação, não tem de pagar royalties. Fantástico. De outro lado, aquela reação mais restritiva. Muito bem. Obviamente, eu fiz essa introdução para nós falarmos da questão do direito do consumidor, que é uma questão complicada. Como bem mencionou o Bruno, depois, a Estela, é, realmente, uma temática pouco debatida, no Brasil. Pouquíssimo debatida. Eu mesma, pesquisando, encontrei algumas referências lá no Bruno, no Ascensão. O Carboni também acaba falando, ali, por causa das limitações extrínsecas. Mas é uma temática que acaba sendo um pouco descuidada. No entanto, é uma ferramenta extremamente importante, para uso do usuário, em especial. Claro que o fornecedor, que vai ser o titular do direito, vai ter a possibilidade de uso dessa ferramenta, também. Mas é uma temática importante. Então, obviamente, a gente tem de partir da idéia do consumidor. Existe um autor, que é o Joseph (até botei para vocês, ali), que faz uma análise muito interessante do consumidor, no aspecto jurídico. Ele não vai para o texto legal. Ele faz uma coisa mais ampla. Ele entende que o consumidor pode ser entendido de forma passiva, ativa ou, até mesmo, consumidor como autor. Então, vamos verificar o que é cada um desses. Um consumidor passivo, em poucas palavras, é aquele que, simplesmente, adquire uma obra, que é um produto, ou usa um serviço, simplesmente para fins privados. Ele não quer fazer nada com isso. Ele compra o CD só para escutar música. Ele não quer fazer cópia privada. Ele compra o livro que ele quer ler. Ele não quer fazer cópia. Ele quer, simplesmente, desfrutar essa obra. Esse é o consumidor passivo. O consumidor como autor… É até uma nominação interessante, porque dificilmente a gente consegue vislumbrar a figura do autor como sendo consumidor, mas ele é consumidor como qualquer outro. Mas o consumidor como autor tem uma característica muito específica. Eu mesma (vamos pegar um exemplo): eu, aqui, quando preparei esta apresentação, acabei utilizando o próprio Joseph Liu. É um autor. Tem uma obra. Imaginem se as restrições fossem tamanhas, que eu não pudesse citá-lo. O autor quer fazer um uso transformativo de uma obra. E ele só vai fazer isso, se ele tiver acesso às obras. Se ele não tiver acesso às obras, vai ser impossível que isso se dê. Essa é a característica do consumidor como autor, especificamente. O consumidor ativo é aquele que adquire uma obra, mas quer interagir com ela. Ele quer um pulo. Ele não quer só escutar. Ele quer fazer alguma coisa mais. Dentro desse aspecto, o consumidor ativo pode ser visto, dentro das relações que ele opera, em que ele quer interagir com a obra, de forma autônoma, de uma maneira relacionada a uma comunicação e, até, com caráter autocriativo. Anais do Seminário Direitos Autorais e Acesso à Cultura, ago/2008 Fórum Nacional de Direito Autoral – Ministério da Cultura Mesa 1: O equilíbrio dos interesses público e privado no direito autoral na perspectiva do consumidor
  • 18. 18 Vamos verificar cada uma delas, ali, para a gente ver. Então, o autor em relação à autonomia: é bem como eu coloquei para vocês. É quando o autor adquire ou utiliza um produto ou serviço de direito autoral com a possibilidade de poder dizer quando e como ele quer utilizar um bem. Aqui, eu aponto para vocês um significado extremamente importante, desse conceito, que não é meu (vamos fazer bem dentro dos direitos autorais: é do Joseph Liu). Aparentemente, isso não teria problema, mas por que é importante a capacidade que o consumidor ativo tem de dizer quando e como ele quer usufruir esse bem? Porque nós temos medidas tecnológicas de proteção. E algumas medidas tecnológicas, ou as DRMs (que são mais propícias para isso), podem impedir, quando compro um CD, por exemplo, de música, que eu possa usá-lo só naquele computador. Ele identifica que, naquele computador, vai ser rodado o meu CD de música. Se eu o levar para o carro, ele não vai funcionar, porque ele não identifica, ou ele cria algum tipo de mecanismo que impede. Eu fico até brincando: se as situações fossem assim, ou se não houvesse uma informação correta, daqui a pouco, a pessoa, para poder usufruir uma obra, teria de comprar uns três, quatro CDs ou uns quatro, cinco livros, para cada ambiente, mas tudo para uso privado. Então, vejam como é importante o aspecto de autonomia do consumidor: escolher quando e como. Aqui, neste caso, obviamente, ele não vai violar lei. Não se está pregando, obviamente, a violação, porque isso é horrível. Não tem como. Mas essa liberalidade tem de ser dada. É um princípio básico do consumidor, do usuário em geral. O aspecto da comunicação: é quando eu quero, obviamente, interagir um pouquinho mais. Então, eu compro um CD, compro um DVD, compro um livro. É muito comum, por exemplo… Nossa, eu não sei se há muita gente do Direito, mas também de outros segmentos, ainda mais com a facilidade da Internet… De fazer aquelas listas de discussões. Acho que alguém já deve estar… Alguém, se não forem todos, já, brindados com convites, para participar de listas de discussões. Muito bem. O que se faz nessas listas de discussões? A gente, às vezes, apresenta casos, às vezes, quer-se discutir uma obra. Obviamente, se eu for entrar no aspecto autoral, eu só vou poder discutir pequeno trecho da obra; não a obra inteira. Ou então cada um vai ter de comprar. Então, um artigo: um artigo de oito páginas (vamos pegar um artigo pequeno). Será que eu poderia levar para essa lista de discussão? Se for para termos legais, a coisa fica complicada, em termos de direitos autorais. Mas não existe nada mais democrático, não existe nada mais criador do que você possibilitar a análise crítica de uma obra. Eu estou causando prejuízo para o autor? Não. Ao contrário. Outro exemplo muito comum: a pessoa compra um CD de música. Ela tem vários CDs. Ela resolve mostrar. Leva para a casa de um amigo, para uma festinha pequena. Quer escutar aquela música. Ele pode fazer isso? Não pode. São situações muito comuns, muito do dia-a-dia, que podem gerar problemas de ordem autoral. O consumidor, quando compra a obra, quando adquire o produto, ele adquire, dentre outras coisas, para fazer isso também. Mas ele não quer que o coitado do autor fique à míngua. Obviamente, não. Mas ele quer compartilhar aquele conhecimento. Há outra situação, que talvez seja a situação mais complicada, que é a situação do direito do consumidor ativo numa interação maior, numa autocriação. É o que nós, comumente, vemos: as pessoas quererem fazer, então, um CD próprio. Eu tenho uma coletânea de CDs, vários e vários CDs. Só que eu gosto de música de um, música de outro, e assim por diante. E aí eu quero fazer o quê? Um CD meu. Eu só quero escutar aquelas músicas. Eu não quero carregar os dez CDs. Eu só quero levar um, até porque é perigoso levar a cópia original, porque, se levam o carro, eu perco, inclusive, o meu original. Eu quero, simplesmente, fazer uma compilação, para uso privado. É um problema em termos de direito autoral. Mas o consumidor, quando vai adquirir esse produto, pensa isso. É nesse sentido que nós temos de analisar. Mas é uma dor de cabeça para o direito autoral. Então, por que a análise desses conceitos de consumidor? Porque, em determinados casos, principalmente na postura do consumidor ativo, nós vamos verificar que, se nós formos identificar, fazer uma relação, como o Bruno disse, com normas de direitos autorais… Já gerou uma polêmica tremenda. Só a questão da cópia privada já arrasa, já dá uma dor de cabeça tremenda, ali, para esses consumidores, que, de boa-fé, compraram, legitimamente, mas que vão ser cerceados por dispositivos legais de não poder fruir plenamente aquele bem, como ele gostaria. Então, obviamente, o direito do consumidor traz essa possibilidade de apaziguar, de ponderar um pouco mais. É o que nós costumamos dizer, no Direito: que se trata de uma limitação extrínseca ao direito autoral. Nós temos limitações, várias (do art. 46, e aí, 47, 48), que falam das limitações legais do direito autoral. Só que não bastam essas limitações extrínsecas, que estão previstas na lei. Eventualmente e mais comumente, nós andamos verificando a ocorrência de limitações de fora do direito autoral: direito de concorrência, direito de acesso, direito da informação, direito do consumidor. Porque, se eu adquiro um Anais do Seminário Direitos Autorais e Acesso à Cultura, ago/2008 Fórum Nacional de Direito Autoral – Ministério da Cultura Mesa 1: O equilíbrio dos interesses público e privado no direito autoral na perspectiva do consumidor
  • 19. 19 produto, e não me é informado, como falou a Estela, que aquele produto só vai rodar na Europa e, não, aqui na América do Sul, eu estou sendo prejudicada, porque eu comprei um destino final específico, de usufruir a obra. Eu paguei. Eu não estou burlando o direito autoral. O titular do direito, o autor, vai receber seus direitos autorais. Mas eu vou sair prejudicada. Sem pensar na situação de processo judicial daí, porque, se envolve exterior, a coisa fica muito mais complicada. Então, vejam vocês a importância disso. Então, essas limitações extrínsecas são interessantes de serem analisadas, mas também são muito complicadas dentro do quadro atual. Por quê? O direito autoral já está sofrendo uma limitação muito severa, dentro da própria lei interna, dentro da lei autoral. Não bastassem essas limitações, ele ainda sofre outras limitações. Então, é quase a restrição da restrição. É necessária, realmente, uma ponderação muito grande, na aplicação dessas regras. Uma ponderação que se passa, num primeiro momento, pela interpretação da norma, da lei. Obviamente, nós vamos depender das habilidades dos advogados, dos juízes, dos promotores. E eu digo: o advogado que milita na área tem de ser didático (nós temos de ajudar o julgador), porque é uma área em que ainda não há pleno domínio do conteúdo e das conseqüências que podem acontecer. A didática é muito bem-vinda. Sempre com uma postura educada se consegue chegar a um bom termo. Então, a primeira situação: é necessária uma boa interpretação. A alteração legislativa, no caso do direito do consumidor, eu até fico pensando, às vezes, se seria tão necessária assim ou não, porque a lei de direito do consumidor eu acho tão boa. Eu digo assim: que bom que a lei autoral seguisse os moldes, a estrutura, em alguns aspectos, da lei de direito do consumidor, porque a lei de direito do consumidor, para situações que eu coloquei para vocês, tem um ferramental próprio para defesa. Só falta alguém que defenda. O consumidor brasileiro é muito acomodado. A gente não briga por 1 centavo ou 2 reais. Um centavo ou 2 reais, para uma pessoa, não é nada, mas quando soma 1 milhão, 2 milhões, a soma já fica um pouco diferenciada. Então, é importante a gente verificar isso. Aqui, eu tinha colocado conceitos de o que é consumidor, produto, serviço, depois, o fornecedor mesmo. Só vou deixar bem claro que, obviamente, dentro do quadro da relação de consumo, o consumidor é usuário, é aquele a quem se destina a obra. “Nós queremos ter pessoas que consumam essas obras”, para gerar riqueza. O fornecedor, obviamente, vai ser o titular de direito, o autor, é aquele que vai fornecer, produzir aquela obra, em especial. Como o Bruno também havia dito, e a Estela reforçou… Mas é um reforço que nós devemos fazer constantemente, porque nos esquecemos disto: o direito de autor, assim como o direito do consumidor, é um direito fundamental, e como tal ele deve ser tratado. Essa análise é extremamente importante para a solução dos casos que se apresentam. É vital. Fora isso, o direito do consumidor ainda tem um aspecto, justamente, muito importante dentro da ordem econômica do País, que tem um dispositivo constitucional que também havia sido mencionado pelo Bruno. Então, é extremamente importante partir desse princípio, porque todas as soluções vão nascer, justamente, daí, sem esquecer que um é tão fundamental quanto o outro. Mas só no caso concreto é que a gente vai conseguir examinar. Acredito, muito pessoalmente, que seja difícil criar uma regra que consiga solucionar um problema como esse, que envolve embate de direitos fundamentais. Nós podemos apresentar critérios específicos que facilitem essa interpretação, como, por exemplo, o problema de cópia privada. Meu deus do céu. Vamos resolver esse problema de uma vez. E outros mecanismos, em termos de limitações, que podem auxiliar o caráter do direito autoral, para não ocorrer o que o Bruno disse… Num caso de dúvida, havendo conflito entre direito autoral e direito do consumidor, pela regra, expressa (porque existe uma disposição expressa, mesmo, que é a do 47), vai prevalecer o direito do consumidor. Em alguns casos, vai ser muito favorável; em outros, pode ser que não. Então, essa observação é extremamente importante. Aqui eu botei alguns casos para vocês, mais no sentido de uma análise. Esse conflito, que gera o direito do consumidor e o direito de autor, pode acabar gerando uma hipertrofia ou uma metamorfose, como dizem alguns autores, no próprio direito autoral, que é, na verdade, o que nós estamos vendo. Aliás, esse é um dos tópicos fundamentais, porque deve ser questionado e deve ser muito bem pensado. Qual é o direito autoral que nós queremos? Quem é a pessoa que deve ser defendida dentro do direito autoral? Parece tão óbvio, mas a gente escuta tanta coisa e lê tanta coisa, que às vezes esquece que, dentro do direito autoral, o autor é uma figura fundamental… O autor. O titular derivado é uma figura importante? É. Mas o autor é uma figura essencial. Sem autor, nós não temos obras. Então, algumas questões devem ser muito analisadas, até porque daqui a pouco nós vamos verificar que as obras vão acabar tendo um caráter também não tão fundamental assim. Anais do Seminário Direitos Autorais e Acesso à Cultura, ago/2008 Fórum Nacional de Direito Autoral – Ministério da Cultura Mesa 1: O equilíbrio dos interesses público e privado no direito autoral na perspectiva do consumidor
  • 20. 20 Aliás, nós já vemos alguns tipos de obras muito modernas. Acabou citando Wikipédia. São obras de caráter coletivo. Mas alguém vai ganhar dinheiro com isso. Será que vão ser os autores, os usuários? Quem vai ganhar dinheiro com isso? Quem a lei autoral quer proteger? Parece uma pergunta boba, mas ela é fundamental de ser feita e de ser reforçada, sempre quando houver uma interpretação. Ou mesmo, se houver uma situação de remodelação do direito autoral, isso se deve ter sempre como norte, em mente. Muito bem. Existem alguns casos, famosos, que envolvem o direito do consumidor. Eu botei alguns deles, mas há tantos. Aqui mesmo, de certa forma, a USP já foi vítima. É. A questão da cópia privada. A gente lembra: “É direito de autor”. Sim, mas quem está tirando cópia é o consumidor. O consumidor é usuário. Usuário de obra. E o consumidor sofre muito, pelo fato de não ter acesso a obras. Eu mesma vou dar um exemplo para vocês, que ficou até muito engraçado: agora, na época da elaboração da tese, eu consegui localizar um livro fantástico. E eu queria a cópia do livro. É evidente. “Poxa, eu, que defendo o direito autoral, não vou querer prejudicar o autor. Acredite em mim. De jeito nenhum”. Fui eu, ingenuamente, pedir, por meio de um sistema que têm as bibliotecas integradas: “Eu quero a cópia do livro. O livro é de 1960. Não foi reeditado. Quer dizer, não vou conseguir esperar uma nova edição”. Daí, responde-me a bibliotecária: “Conforme a Lei de Direito Autoral, não é possível dar a cópia integral”. Você nem consegue discutir com uma pessoa assim. Não tem como argumentar. Não tem como gerar um tipo de argumento. E eu fiquei… Ou eu compro uma passagem aérea, vou até o Canadá e pego o livro ou então fico sem ele. Vejam os absurdos que se criam. Por isso é importante o debate do domínio público também. Nesse caso, não estava em domínio público, mas a obra está esgotada. O homem até morreu. Quer dizer, não há nem chance. Agora vai começar a briga da herança. E aí? E o meu interesse de ter acesso a essa obra? Eu, consumidora. Aqui, a questão da cópia privada. Foi um absurdo, mesmo, o que aconteceu. Até porque, eu costumo dizer, a intenção da associação foi muito positiva. Eu não sou contra a defesa do direito autoral. Agora, a forma como foi realizado é que é grave, até porque deveria haver muitas obras ali que já estavam em domínio público ou eram obras cujos autores ou titulares não faziam parte dessa associação. Portanto, não tinham nem legitimidade de fazer coisa do gênero. Então, é muito grave quando se verifica esse tipo de situação. Nós vamos verificar que a doutrina e a jurisprudência européias e americanas, embora não se possa aplicar realmente no Brasil, acabam gerando alguns princípios interessantes. Quais são esses princípios? São os princípios, justamente, de dar acesso ao consumidor. No caso Magill, foi um caso em que se queria fazer uma coletânea de informações de programas de televisão. Os canais desses programas de televisão não queriam fornecer essas informações. Quem saiu prejudicado? Os usuários, os consumidores. Assim, ocorreu por várias vezes. Eu já recebi aqui um recadinho: que eu tenho pouco tempo. Então, eu vou só passar para alguns tópicos, rápidos, para vocês. Basicamente, o que mais incomoda e o que é mais conflituoso, realmente, dentro do direito autoral e do direito do consumidor, é, sem dúvida, a questão da cópia privada. Tanto, que eu coloquei uma expressão, que é de um autor holandês, do Bern Hugenholtz: ele fala que é um hot potato. Que a batata quente de quem estuda direito autoral é a cópia privada. Por quê? Por questões óbvias: se eu der a cópia privada, não há remuneração do titular. Como nós vamos solucionar isso, com aquela dicotomia toda que eu falei para vocês? Houve um caso muito importante que envolve as medidas tecnológicas de proteção, as TPMs ou DRMs. Embora não se faça, existe uma diferença entre os termos: a TPM está relacionada, mais, à possibilidade de cópia. A DRM é um pouco mais complexa: não só cópia, mas também dimensões de outro caráter. Uma situação que ficou muito notória, aqui no Brasil, foi o caso que envolveu, felizmente ou infelizmente, a cantora Marisa Monte. Foi a EMI que propiciou toda essa situação, que foi a introdução de medidas tecnológicas que impediam a cópia privada. Eu sou consumidor. Eu adquiri, legitimamente, aquele bem, como o Bruno disse. Eu quero usar, fruir dele. A cópia não era permitida. Isso afrontava, inclusive, a própria legislação atual, que já é extremamente restritiva, nos termos de hoje. Quer dizer, não se podia fazer nem uma cópia de um pequeno trecho de uma música dela. Era impossível fazer isso. Obviamente, isso foi revertido, mas é um caso que acaba sendo importante, bem importante de ser analisado. Por que eu coloco ali a expressão: “fim ao ubercopyright”.Até o Bruno, também, utiliza essa expressão. O Bern Hugenholtz utiliza há muito tempo. Que é o risco de que essas medidas tecnológicas de proteção acabem gerando um superdireito autoral, que não vai favorecer nem o autor, nem o usuário. Esse é o problema. Anais do Seminário Direitos Autorais e Acesso à Cultura, ago/2008 Fórum Nacional de Direito Autoral – Ministério da Cultura Mesa 1: O equilíbrio dos interesses público e privado no direito autoral na perspectiva do consumidor
  • 21. 21 Nós temos cláusulas abusivas. Aqui, eu só vou falar de duas situações, realmente, que a cláusula… Quando nós adquirimos produtos, nós estamos fazendo contratos. E, quando nós estamos fazendo contratos, deve haver a informação, obrigatória, porque, se não houver informação, o usuário se favorece, o consumidor se favorece. Portanto, também, muitas situações ocorrem em cujo contrato constam cláusulas abusivas. Vamos supor: a cláusula implícita do CD da Marisa Monte. Impedir de fazer uma cópia privada é abusivo. Vai contra a lei. Não tem noção nenhuma. Como nós vamos fazer isso? Nós temos ferramentas legais: o art. 51, incisos I e IV. Eu acho que o IV, até, está mais adequado, porque considera nulas as cláusulas que estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada ou sejam incompatíveis com a boa-fé e a eqüidade. Isso denota que o consumidor está em plenas condições de garantir os seus direitos. Por último, é a questão da pirataria. A gente tem de falar um pouco da pirataria, envolvendo o direito do consumidor, porque, infelizmente, a pirataria existe. Só que a pirataria existe, e, muitas vezes, a existência dela acaba gerando um conflito muito maior entre os personagens, que já são conflituosos: autor, titular de direito e os próprios usuários. A necessidade de um equilíbrio desses direitos acaba sendo fundamental, porque, dentro de uma relação, na análise da pirataria, o que o titular do direito e o autor querem, naturalmente? Eles querem ganhar dinheiro. Esse é o foco principal. Evidente, com aquela ressalva: geralmente o autor acaba cedendo, e normalmente quem ganha dinheiro, mesmo, é o titular. O autor já está lá, ganhou.... Depende do tipo de autor, como eu costumo dizer. O usuário quer ter acesso pleno, sem pagar quase nada. Às vezes, ele quer comprar legitimamente, mas o valor acaba sendo muito alto. E aí ele cai na pirataria. Não tem muita alternativa. E o pirata fica louco de faceiro, com toda essa situação. Ele nem quer, realmente, que esse problema do equilíbrio se resolva, porque, para ele não é vantajoso: “Eu, não. Quanto mais briga tiver entre autor e usuário, melhor para mim”. Às vezes, eu acho que os titulares não se dão conta disso. Isso me preocupa tremendamente. Muitas vezes, as atitudes de querer ganhar mais acabam incentivando a pirataria. Não é só o crime organizado, que falam que está por trás. A atitude do titular do direito, às vezes, propicia a pirataria. Desculpem se eu falei muito forte, mas há que se falar. É de fundamental importância a participação de associações de consumidores para a defesa dos seus interesses. Uma coisa mais importante ainda é a figura do Ministério Público. O Ministério Público é aquele que não só pode, mas deve garantir a tutela dos direitos difusos, como são os direitos dos usuários, dos consumidores de obras. A gente não vê essa movimentação, de forma forte. Então, eu daria uma mensagem. Acredito que, numa reflexão dessas, a figura do Ministério Público deveria ser muito destacada, porque o consumidor isolado às vezes não tem força. Mas o Ministério Público tem de estar preparado para agir, diretamente, nesses casos. Desculpem se me estendi muito, mas tive de cortar muitas coisas aqui, certo? Obrigada. Anais do Seminário Direitos Autorais e Acesso à Cultura, ago/2008 Fórum Nacional de Direito Autoral – Ministério da Cultura Mesa 1: O equilíbrio dos interesses público e privado no direito autoral na perspectiva do consumidor
  • 22. 22 MESA 2 LIMITAÇÕES E EXCEÇÕES DA LEI TRANSCRIÇÃO DA PALESTRA DE GUILHERME CARBONI5 Gostaria de agradecer o convite que me foi feito pelo Ministério da Cultura e aos professores da USP Leste, para participar deste evento. Para mim, é uma grande honra. Saúdo, aqui, os componentes da Mesa. O tema deste painel, a meu ver, é um dos temas mais críticos. É sempre o ponto nevrálgico do direito autoral, que é justamente a questão das limitações. As limitações são aquelas hipóteses, que são previstas pela lei, de livre utilização de uma obra, protegida, sem a necessidade de autorização do autor. Eu gosto bastante de colocar a questão das limitações numa esfera um pouco mais ampla, que diz respeito à própria função social do direito de autor. Ou seja, para que serve o direito de autor? Qual é a sua finalidade? O que justifica a existência do direito de autor, sob a perspectiva de um interesse público ou de um interesse coletivo? Então, antes, até, de falar da questão das limitações, eu gostaria só de tecer algumas palavras a respeito dessa função social. A função social do direito de autor, numa perspectiva de interesse público, seria a de promover o desenvolvimento cultural, econômico, tecnológico, mediante a concessão de um direito privado, que a gente chama de um direito exclusivo. Então, essa seria a função social do direito de autor, que não se confunde com as limitações. Até o tema da função social do direito de autor acabou sendo objeto de debate (acho que do penúltimo fórum de direitos autorais, do qual tive o prazer e a honra de participar também). As limitações de propriedade atingem o seu exercício e, com as limitações de direitos autorais, não deixa de ser diferente. Ela atinge o exercício desse direito, ao passo que a função social é muito mais ampla, pois constitui a própria substancia do direito de autor ou, ainda, o seu fundamento, a sua justificação. Então, é por essa razão que, simplesmente (até como foi muito bem colocado, no painel anterior), nós, aqui, discutirmos uma alteração de qual conceito que se deve dar à cópia privada ou a pequeno trecho, é uma parte do problema. Na verdade, com base nessa idéia de função social do direito de autor (ou seja, como sendo um instrumento que tenha de levar ao desenvolvimento cultural), a sua própria essência, a própria estrutura desse direito, teria de ser revista “de cabo a rabo”. Quer dizer, se qualquer ponto do direito autoral for contrário a essa idéia, a essa finalidade, que, em última instância, possui uma finalidade pública, ele teria de ser revisto. Então, as limitações, na verdade, são, simplesmente, uma parte dessa questão. Elas têm que ser examinadas nesse contexto. E eu fico bastante contente, bastante feliz de ter aqui, nesta Mesa, pessoas de fora do âmbito jurídico, porque, como até foi bem colocado, no painel anterior, pelo Laymert Garcia dos Santos, nós vivemos hoje em um momento em que as discussões não podem ficar, somente, em torno das definições jurídicas. Isso porque tais questões envolvem as novas relações sociais, questões econômicas, sociais, etc. Até nos colocaria aqui uma limitação de, como juristas, tentar resolver o problema das limitações sem recorrer a outros campos do conhecimento. Nós, juristas, temos de nos debruçar sobre essas questões econômicas, sociais, porque senão, fica difícil entender a profundidade das questões envolvidas, por exemplo, no conceito de “pequeno trecho”. Então, a função social do direito de autor, nessa perspectiva mais ampla, abrange uma revisão da própria estrutura do direito. E as limitações compõem uma parte dessa estrutura. As limitações, que nós vamos tratar neste painel, constituem uma das restrições ao direito de autor, que eu estou aqui chamando de restrições intrínsecas. O que são restrições intrínsecas? São restrições dentro do próprio sistema do direito de autor. Nessa perspectiva de função social do direito de autor, uma das restrições intrínsecas que teriam que ser revistas diz respeito ao próprio objeto da proteção. Quer dizer, se hoje nós vivemos uma situação em que o direito autoral vem ampliando, cada vez mais, os seus braços, a ponto de virar a grande “mãezona”, como já disseram, pois, quando não se sabe como proteger uma criação, joga-se para o direito de autor... Todos sabemos a aberração que é proteger o software pelo direito de autor... O mesmo se pode dizer com relação à base de dados, direitos conexos de empresas de radiodifusão. Então, essa ampliação do objeto do direito de autor tem que ser revista. O mesmo se diga com relação ao prazo. Existe uma limitação internacional, em matéria de tratados, até onde se pode chegar, mas o prazo que nós temos hoje é um prazo que levaria a um desenvolvimento cultural? Ele é um prazo muito longo? Ele é um prazo muito curto? As restrições extrínsecas, que já foram colocadas no painel anterior, envolvem os Anais do Seminário Direitos Autorais e Acesso à Cultura, ago/2008 Fórum Nacional de Direito Autoral – Ministério da Cultura Mesa 1: O equilíbrio dos interesses público e privado no direito autoral na perspectiva do consumidor 5 Instituto de Direito do Comércio Internacional e Desenvolvimento ______________
  • 23. 23 conflitos do direito de autor com o direito do consumidor, o direito constitucional de acesso ao conhecimento e outros direitos constitucionais. Portanto, há outros direitos fundamentais que também seriam aplicados na interpretação do direito de autor. Agora, então, eu passo à análise de alguns conceitos técnico-jurídicos, sobre como poderiam ser interpretados os dispositivos dos tratados internacionais e da nossa legislação de direitos autorais, em matéria de limitações. A Convenção de Berna, que é o grande tratado em matéria de proteção internacional de direitos autorais, traz a chamada “regra dos três passos”. Basicamente, diz o seguinte: “Fica reservada às legislações dos países da União, a faculdade de permitir a reprodução das referidas obras”. E, então, nós temos os “três passos”, que teriam de ser atendidos. Não bastaria o atendimento de apenas um ou dois. Os três teriam que ser atendidos. O primeiro deles, diz que a limitação cabe em certos casos especiais, desde que tal reprodução não prejudique a exploração normal da obra, nem cause um prejuízo injustificado aos legítimos interesses do autor. Qual seria o sentido dessa frase, “certos casos especiais”? Como são princípios gerais, a interpretação permite muita coisa. Tradicionalmente, nós temos uma interpretação mais restritiva. Hoje, parte-se para uma interpretação mais aberta. Já existe uma certa movimentação nesse sentido. Eu vou até comentar, aqui, a respeito de um documento que vem sendo bastante discutido. Foi elaborado pelo Instituto Max Planck, de Munique, na Alemanha, que pretende fazer uma interpretação um pouco menos restritiva da “regra dos três passos”. Por “certos casos especiais”, nós podemos entender que as hipóteses de limitação não podem ser amplas e genéricas, ou seja, elas teriam que ser definidas e limitadas, o que não significa (e isso é importante; esse ponto até já foi colocado no painel anterior) que não se possa regular limitações por meio de cláusulas gerais. Falando de uma possível reforma da lei de direitos autorais, há que se verificar o melhor caminho para a regulamentação dessas limitações: se por meio de um rol taxativo ou se por meio de uma cláusula geral. E aí nós falamos, enfim, de forma de regulamentação. Na verdade, nós podemos ter até duas posições semelhantes, no sentido, por exemplo, de uma abertura dessas limitações, mas de pessoas que entendem que a maneira de regular isso deva ser diferente. O “segundo passo” diz respeito a uma reprodução que não prejudique a exploração normal da obra. Aqui, nós cairíamos numa interpretação do que seria “normal”. O que é “normal”? Uma interpretação, vamos dizer assim, mais tradicional diria que exploração normal seria uma exclusividade de exploração que o autor espera, razoavelmente, poder realizar em condições normais, no momento de sua criação. E aí a idéia de “normal” como formas de exploração que tenham ou possam vir a ter considerável importância econômica ou prática. Dessa forma, não se poderia estabelecer uma limitação de fora que fosse injustificada a um mercado comercialmente relevante, exceto (aqui é importante frisar) se houver uma finalidade pública, quando, então, a limitação poderá ser imposta. Foi instaurado um painel pela OMC, que foi constituído para analisar as limitações do Digital Millennium Copyright Act, dos Estados Unidos, que é uma lei norte-americana em matéria de direitos autorais em meios digitais. Qual foi o resultado desse painel? As principais conclusões foram as seguintes. Essa decisão surpreende, porque abre, dá uma certa abertura, que nós já vamos comentar, que está nesse último parágrafo, aqui, que está mencionado na apresentação. Basicamente, a decisão foi no seguinte sentido: que se deveria levar em consideração, não somente usos então existentes da obra, mas também seus usos potenciais. Todas as formas de exploração de uma obra, que tenham ou, provavelmente, venham a ter importância econômica ou prática considerável, deveriam ser reservadas ao autor. Mas, aqui, o ponto importante que está na decisão, diz o seguinte: “Nem todos os usos comerciais de uma obra necessariamente conflitam com sua exploração normal”. Isso resta evidente no caso da cópia privada. Por quê? É possível defender que, em determinadas condições, a cópia privada não afeta a exploração normal da obra. Então, nós poderíamos dizer que, saber se uma utilização afeta ou não a exploração normal da obra significaria saber se tal utilização pode ser vista como substituta em relação à aquisição de um exemplar original. Então, a questão da cópia privada pode envolver uma série de situações (eu, aqui, elenquei algumas delas) em que não necessariamente nós poderíamos dizer que haja uma substituição à aquisição do exemplar original. Para citar alguns exemplos: cópias feitas a partir de um exemplar original legitimamente adquirido pelo copista. Então, a pessoa que compra um CD e faz algumas cópias: uma, para deixar no carro; a outra, para deixar num outro lugar. Enfim, para não ter que transportar a obra original. Quer dizer, até que ponto isso substituiu a aquisição do original? Um outro exemplo: a obra que não esteja sendo, efetivamente, explorada e que esteja esgotada. Ao se fazer uma cópia, é impossível adquirir o original, porque ele está esgotado. Reprodução para preservação Anais do Seminário Direitos Autorais e Acesso à Cultura, ago/2008 Fórum Nacional de Direito Autoral – Ministério da Cultura Mesa 2: Limitações e Exceções da lei